Trabalho TGE - A construção da Ordem - final
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULOFACULDADE DE DIREITO DO LARGO DE SÃO FRANCISCO
TRABALHO SEMESTRAL DE GRADUAÇÃO
A CONSTRUÇÃO DA ORDEM
VALDIR MONTEIRO OLIVEIRA JÚNIORmatrícula nº: 5952742
SÃO PAULO 2007
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULOFACULDADE DE DIREITO DO LARGO DE SÃO FRANCISCO
TRABALHO SEMESTRAL DE GRADUAÇÃO
A CONSTRUÇÃO DA ORDEM
Valdir Monteiro Oliveira Júniormatrícula nº: 5952742
PROFESSOR: Sebastião Botto de Barros Tojal
SÃO PAULO 2007
Trabalho semestral de graduação, para avaliação parcial do Curso de Teoria do Estado I.
RESUMO
Trata-se de um estudo, versando sobre a tese central de “A Construção da Ordem”,
de José Murilo de Carvalho, defensor de que o Brasil promoveu sua independência com a
monarquia representativa, mantendo unida a ex-colônia, evitando o predomínio militar e
centralizando as rendas públicas, em grande parte, devido à atuação de sua elite política, o que
foge a um conceito determinista sobre a formação do Estado. Se por um lado não havia muita
liberdade de escolha, como na questão da escravidão ou do comércio, tais condições, por si
só, não garantiriam o êxito na organização do poder, o que reforça a tese da necessidade de
atuação da elite, pelo menos no caso brasileiro. É esse pensamento que está esmiuçado nos
tópicos seguintes, nos quais se procura analisar a formação do Estado Imperial Brasileiro a
partir de alguns pontos, quais sejam: construção e absorção da elite política pelo Estado;
representatividades desse Estado; efeitos produzidos pela burocracia do Estado Imperial;
relação entre o coronelismo, elite política e Estado; influência doutrinária externa na formação
da elite política; e administração dos debates ideológicos pelos partidos políticos.
Cada ponto citado acima está separado em um capítulo próprio, nos quais se acaba
por discutir, em última análise, a coerência do argumento central, por vezes tendo por base
estudos estatísticos que conferem um caráter empírico à discussão.
Ao fim do trabalho, chega-se à conclusão que, de fato, a elite brasileira, bastante
atípica, teve relevante papel na construção da ordem imperial brasileira, porém sua falta de
representatividade acabou por permitir o crescimento de outras configurações de poder.
Palavras-chaves: elite política; homogeneidade ideológica; dialética da ambigüidade;
representatividade; serviço litúrgico.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
I – Trajetória política durante o Império...................................................................................14
II – Evolução do sistema partidário do Império, 1831-1889....................................................22
LISTA DE TABELAS
I – Ocupação dos Ministros, por Períodos, 1822-1889(%) ........................................................9
II – Gastos de Pessoal com Porcentagem dos Gastos Totais do Governo Central/Federal, por
Ministério, 1889 e 1907 ...........................................................................................................15
III – Filiação Partidária e Origem Provincial dos Ministros, 1840 - 1889 (Números
Absolutos).................................................................................................................................24
ÍNDICE
1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................................6
2 CONSTRUÇÃO E ABSORÇÃO DA ELITE POLÍTICA PELO ESTADO..........................7
3 REPRESENTATIVIDADES DESSE ESTADO...................................................................11
4 EFEITOS PRODUZIDOS PELA BUROCRACIA DO ESTADO IMPERIAL....................13
5 RELAÇÃO ENTRE O CORONELISMO, ELITE POLÍTICA E ESTADO.........................17
6 INFLUÊNCIA DOUTRINÁRIA EXTERNA NA FORMAÇÃO DA ELITE POLÍTICA...19
7 ADMINISTRAÇÃO DOS DEBATES IDEOLÓGICOS PELOS PARTIDOS POLÍTICOS..............................................................................................................................22
8 CONCLUSÃO.......................................................................................................................26
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................................28
1 INTRODUÇÃO
O objetivo do presente trabalho é analisar a formação do Estado Imperial Brasileiro a
partir de alguns pontos tratados por José Murilo de Carvalho em sua obra “A Construção da
Ordem”, sendo elaborado como parte da avaliação do Curso de Teoria Geral do Estado I, da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
No primeiro capítulo – Construção e absorção da elite política pelo Estado – será
evidenciada a necessidade de homogeneidade da elite política, principalmente no caso de um
Estado incipiente, e como pode ser obtida tal homogeneidade. O segundo capítulo –
Representatividades desse Estado – mostrará a grande crise de representatividade que assolou
o Brasil império, assunto relacionado também com o terceiro capítulo – Efeitos produzidos
pela burocracia do Estado Imperial – e com o quarto – Relação entre coronelismo, elite
política e Estado – no qual será abordada a excessiva centralização do período e suas
conseqüências. A influência doutrinária externa, em especial de Portugal, será tema do quinto
capítulo, enquanto o sexto cuidará da administração dos debates ideológicos pelos partidos
políticos.
6
2 CONSTRUÇÃO E ABSORÇÃO DA ELITE POLÍTICA PELO ESTADO
A elite brasileira se caracterizava, sobretudo, pela homogeneidade ideológica e de
treinamento. Havia, sem dúvida, certa homogeneidade social no sentido de que parte
substancial da elite era recrutada entre os setores sociais dominantes, mas quanto a isso não
haveria grande diferença entre o Brasil e outros países. A diferença residia, exatamente, na
homogeneidade ideológica e de treinamento, a qual permitia abrandar atritos dentro da própria
elite e implantar uma política consistente1 . Tal homogeneidade era fornecida, sobretudo, pela
socialização da elite, por via da educação, da ocupação e da carreira política.
De fato, é interessante observar que a homogeneidade da elite foi condição
fundamental para o êxito na tarefa de formação do Estado, especialmente para aqueles em
circunstâncias históricas desfavoráveis. Como já ressaltado, a homogeneidade pode provir de
várias fontes, podendo inclusive ser de natureza social, como no caso inglês, mas esse tipo
não foi suficiente para dar coesão às elites dos novos Estados surgidos das ex-colônias (a
única exceção, na América espanhola, de uma elite socialmente homogênea, capaz de
construir um sistema de dominação política, foi o caso chileno). Assim, no Brasil, a
homogeneidade foi garantida pela socialização, treinamento e carreira, o que se pode
denominar de homogeneidade ideológica, mesmo quando não havia homogeneidade social,
como, segundo Carvalho (2006, p. 35) “[no] caso das elites burocráticas que, mesmo se não
recrutadas em setores homogêneos da população, desenvolviam, pela educação, treinamento e
carreira, características que as levavam a agir coesamente”.
1 “A homogeneidade ideológica e de treinamento é que iria reduzir os conflitos intra-elite e fornecer a concepção e a capacidade de implementar determinado modelo de dominação política”. (CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem. 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p. 21)
7
Além da homogeneidade, as elites brasileiras destacavam-se por submeterem-se a um
treinamento próprio para a administração pública, característica evidenciada pelas elites
burocráticas. A esse treinamento, soma-se o isolamento ideológico em relação a doutrinas
revolucionárias, fatores que permitirão que a elite se reproduza em condições muito
semelhantes após a Independência, ao concentrar a formação de seus futuros membros em
duas escolas de direito, ao fazê-los passar pela magistratura, ao circulá-los por vários cargos
políticos e por várias províncias.
Quanto à educação como papel de homogeneização da elite, ressalta-se a importância
do ensino superior, que acabou por formar “[...] uma ilha de letrados num mar de analfabetos”
(CARVALHO, 2006, p. 65). Ao se concentrar na formação jurídica, fornecia, em
conseqüência, um núcleo homogêneo de conhecimentos e habilidades. Além disso,
concentrando-se em Coimbra até a Independência, e, após, em quatro províncias brasileiras,
ou duas se considerarmos apenas a formação jurídica, promoveu uma centralização geográfica
que intensificou os contatos pessoais entre os futuros agentes políticos brasileiros,
colaborando para a formação de uma doutrina comum2.
É interessante comparar a educação da elite brasileira com a inglesa no século XIX.
Lá, as escolas tinham mais importância pelo aspecto social que intelectual, ou seja,
[era mais importante] a veiculação de um estilo de vida aristocrático que distinguisse os alunos do resto da população e reforçasse neles a noção de que eram partes de um grupo destinadas naturalmente a governar. (CARVALHO, 2006, p. 88)
2 “A concentração temática e geográfica promovia contatos pessoais entre estudantes das várias capitanias e províncias e incutia neles uma ideologia homogênea dentro do estrito controle a que as escolas superiores eram submetidas pelos governos tanto de Portugal como do Brasil”. (CARVALHO, 2006, p. 65)
8
9
O serviço público era considerado uma obrigação da nobreza, que o exercia como
um dentre vários hobbies. Pesava na diferença com o Brasil tanto a composição social das
duas elites como a natureza e o peso do Estado nos dois sistemas3.
Outra faceta da homogeneização advém da ocupação comum de grande parte da elite. Tanto é
verdade, que a consolidação, apogeu e declínio da ordem imperial foi acompanhada pela gradual, mas constante,
substituição do grupo (assim denominado por José Murilo de Carvalho) “Governo” – magistrados, militares,
funcionários públicos, diplomatas e políticos – pelo grupo “Profissões” – professores, jornalistas, médicos,
engenheiros e, principalmente, advogados – conforme Tabela I, abaixo:
Tabela I - Ocupação dos Ministros, por Períodos, 1822-1889 (%)Períodos
Ocupação 1822-31 1831-40 1840-53 1853-71 1871-89 TotalMagistrados 33,33 45,73 47,83 30,00 12,13 26,69Militares 46,66 34,41 13,05 20,00 6,06 22,38Func. Públicos 6,67 5,72 - 2,00 1,52 0,46Diplomatas - - - 2,00 - 0,46“Políticos” 6,67 - 8,69 4,00 3,03 4,10Total Governo 93,33 82,86 69,57 58,00 22,74 59,83
Professores 4,44 5,72 8,69 14,00 7,57 8,21Advogados 2,23 2,85 17,39 20,00 46,96 21,46Jornalistas - - - 4,00 3,03 1,82Médicos - 5,72 - - 4,55 2,28Engenheiros - - - 2,00 3,03 1,3,7Total Profissões 6,67 14,29 26,08 40,00 65,09 35,14
Fazendeiros - - 4,35 - 9,09 3,20Comerciantes - - - 2,00 3,03 1,37Total Economia - - 4,35 2,00 12,12 4,57
Padres - 2,85 - - - 0,46
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00Fonte: CARVALHO, 2006, p. 103
3 “Tanto era a elite brasileira menos homogênea socialmente como era o Estado mais ativo relativamente à atuação de grupos sociais”. (CARVALHO, 2006, p. 88)
12
Isso significa que o sistema de governo imperial foi montado a partir de uma elite
predominantemente burocrática e decaiu paralelamente à ascensão de uma elite de
profissionais liberais. A predominância da elite burocrática coincidiu com a chamada fase de
acumulação primitiva de poder, o que durou até cerca de 1850, quando a questão da
centralização cedeu à da representatividade4. Entretanto, antes de seu declínio, essa elite
burocrática, na fase inicial, teve êxito na tarefa de construção do poder nacional, até porque
tinha interesse no fortalecimento do Estado, haja vista ser empregada por ele.
Ao lado da educação e da ocupação, outro fator de coesão era a carreira política, na
qual a elite como um todo podia acumular vasta experiência de governo. Destacavam-se o
treinamento5 e a circulação, fosse geográfica, fosse entre cargos6.
4 “No Brasil, a fase de acumulação de poder durou até mais ou menos 1850, quando o problema da unidade nacional passou a segundo plano e começaram a surgir pressões no sentido de ampliar a participação”. (CARVALHO, 2006, p. 115)
5 “Havia uma preocupação explícita com o treinamento de presidentes de província. O imperador sempre insistiu na profissionalização da carreira e houve mesmo um projeto de lei em 1860 que propunha medidas nessa direção”. (CARVALHO, 2006, p. 123)
6 “Além da mobilidade geográfica, a própria carreira política servia como mecanismo de treinamento graças à alta circulação entre cargos e à baixa circulação para fora do círculo da elite”. (CARVALHO, 2006, p. 125)
10
3 REPRESENTATIVIDADES DESSE ESTADO
José Murilo de Carvalho promove uma associação direta entre a capacidade de
organização das classes sociais e o tipo de representação que será verificado no Estado.
Assim, se há grande participação política de tais classes, há uma tendência ao
parlamentarismo representativo, como nos EUA e Inglaterra. Entretanto, onde tal participação
é menor, como em Portugal, a tendência é o absolutismo7. Tal condição representativa foi
herdada de Portugal pelo Brasil. Aqui, com a predominância da burocracia, suas capas mais
altas tendiam a confundir-se em parte ou totalmente com a elite política, dominando os postos
ministeriais e fazendo-se representar nos parlamentos, assim como em Portugal.
A questão da representação se agrava pois, paradoxalmente, o canal de mobilidade
mais importante que restou aos marginais do sistema econômico agrário-escravista foi a
própria burocracia. Ocorria, assim,
[...] uma situação contraditória em que o Estado dependia, para sua manutenção, do apoio e das rendas geradas pela grande agricultura escravista de exportação, mas, ao mesmo tempo, tornava-se refúgio para os elementos mais dinâmicos que não encontravam espaço de atuação dentro dessa agricultura. (CARVALHO, 2006, p. 41)
Essa ambigüidade da burocracia também se refletia na elite política, mesmo porque
esta era formada pelos escalões mais altos daquela, gerando interpretações contraditórias
sobre a representatividade estatal. Havia quem defendesse que apenas os interesses dos
proprietários rurais conduziriam os rumos da política, enquanto outros viam na burocracia e
na elite um estamento solidamente estabelecido. Na verdade, ambas suposições estão
7 “A maior força e capacidade de organização das classes fariam pender a balança para o lado do parlamento e do governo parlamentar-representativo, como no caso da Inglaterra e, mais ainda dos Estados Unidos. Onde essa força e capacidade eram menores, como no caso de Portugal, o poder da burocracia central se faria sentir com mais peso e o absolutismo teria maiores condições de vigência”. (CARVALHO, 2006, p. 27)
11
incorretas: a continuidade propiciada pelo processo de independência, pela estrutura
burocrática e pelo padrão de formação de elite herdados de Portugal certamente deu maior
estabilidade ao Império do que se o mesmo fosse simples interlocutor dos interesses agrários;
em contrapartida, devido à dependência da produção agrícola de exportação, e ao fato de a
burocracia ser dividida em vários setores, com sua homogeneidade advindo mais de
socialização e de treinamento, do que de status comum, o Estado não podia classificar-se
como estamento, posto que tinha sérios limites à sua liberdade de ação.
Pode-se depreender que a presença maciça da burocracia na esfera política acabava
por gerar uma crise de representatividade: seria o Estado representando ele mesmo, uma vez
que os agentes políticos eram, em grande parte, funcionários públicos, notadamente
magistrados. Tal situação começou a mudar apenas no último quartel do século XIX, quando
a elite perdeu parte de sua homogeneidade inicial, e aumentou o número de advogados na
esfera política, em parte em função das pressões por maior representação de interesses dentro
do Estado8, em parte pelos desequilíbrios entre oferta e demanda de graduados9 (bacharéis).
Nesse período, o problema da unidade nacional passou a segundo plano, e começaram a surgir
pressões no sentido de ampliar a participação política. Entretanto, um ponto crucial para a
elite burocrática foi a sua dificuldade de absorção de novos agentes políticos. Assim, tal elite
foi eficiente na tarefa de construção da nação, mas fracassou na de ampliar as bases do poder.
Em outras palavras, a ocupação comum da elite constituiu importante fator de
homogeneidade, embora ao custo de sua representatividade.
8 “Uma das manifestações dessa demanda era a exigência do afastamento dos funcionários públicos, sobretudo magistrados, do exercício de mandatos representativos”. (CARVALHO, 2006, p. 43)
9 “Segundo o Censo de 1872, havia no país 968 juízes e 1.647 advogados, num total de 2.642 pessoas. Ora, só a escola de Recife formara, entre 1835 e 1872, 2.290 bacharéis, [...] o que significa que muitos bacharéis não encontravam colocação nas duas ocupações”. (CARVALHO, 2006, p.87). Os dados para os formandos pela Escola de Recife estão em BEVILÁQUIA, Clóvis. História da Faculdade de Direito do Recife. Rio de Janeiro: Liv. Francisco Alves, 1927, 2 v.
12
4 EFEITOS PRODUZIDOS PELA BUROCRACIA DO ESTADO IMPERIAL
Um dos efeitos produzidos pela burocracia foi que o emprego público passou a ser
procurado, principalmente, como sinecura, ou seja, emprego em que se trabalha muito
pouco10. Outro efeito foi que, devido ao tipo de treinamento imposto a tal burocracia, a grande
maioria dos políticos que atingiam o topo da carreira era submetida a uma intensa circulação
geográfica como magistrados, como presidentes de província ou como comandantes militares,
o que afetava poderosamente sua visão e comportamento com referência aos interesses
nacionais.
O tipo de burocracia adotada pelo Império fazia com que a carreira política fosse
linear apenas em seus passos iniciais: uma vez dentro, ela assemelhava-se mais a um círculo.
De fato, o mais difícil era entrar, pois depois a acumulação de cargos era exagerada, conforme
Carvalho (2006, P. 125):
Uma vez dentro da Câmara, estava-se a um passo do círculo interno da elite [...]. A partir daí, havia intensa mobilidade e acumulação de cargos. Um ministro podia exercer ao mesmo tempo seu mandato de senador, sem renunciar ao posto de conselheiro (apenas suspendia o exercício).
A afirmação pode ser comprovada por números: durante os 67 anos que durou o
Império, elegeram-se 235 senadores e foram nomeados 219 ministros e 72 conselheiros de
Estado, num total de 526 posições, que foram preenchidas por apenas 342 pessoas11. A
Ilustração I, abaixo, demonstra o processo de circulação:
10 “A maioria dos escritores da época, por exemplo, sobrevivia à custa de algum emprego público que deles exigia muito pouco”. (CARVALHO, 2006, p. 56)
11 Fonte: CARVALHO, 2006, p. 127.
13
Fonte: CARVALHO, 2006, p. 126
Resumidamente, a carreira extensa e diversificada permitia a aquisição de
experiência administrativa. Além disso, de forma surpreendente, não era muito limitada a
circulação para fora, com exceção do Senado que constituía um claro bloqueio à entrada de
novos elementos, uma vez que era vitalício. Mas o número limitadíssimo de pessoas que
atingiram o topo da elite mostra que, mesmo com a acentuação da circulação para fora nos
períodos finais, o círculo interno de poder se tornava cada vez mais restrito relativamente ao
constante aumento de aspirantes, provocado pelo crescimento da oferta de bacharéis, pela
inquietação militar, pelo aumento da riqueza fora da província do Rio de Janeiro e como
conseqüência da própria estrutura burocrática brasileira.
Outro efeito produzido pela burocracia, neste caso nos níveis mais baixos, foi o
emprego de grande parte da população brasileira, o que, em última análise, fazia com que
houvesse certo poder de cooptação por parte do Estado. A classe dos empregados públicos era
gigantesca, seja devido à falta de oportunidades na agricultura, pela política escravista, seja no
comércio, pelo monopólio que sobre ele exerciam os estrangeiros. Assim, todos
marginalizados pelo latifúndio escravista procuravam ingressar no funcionalismo público,
mas, uma vez dentro, não podiam mobilizar-se contra o regime escravocrata, que era a fonte
14
principal das rendas do Estado, por meio da exportação12. Nos níveis mais altos, com a fusão
parcial da burocracia com a elite política, também se observava tal fenômeno, chamado por
Guerreiro Ramos de dialética da ambigüidade13.
Esse excesso de contingente na iniciativa pública tinha por conseqüência a
desproporcionalidade entre as tarefas administrativas a serem executadas, “[...] justificando as
acusações de parasitismo, ociosidade e custo excessivo para o erário” (CARVALHO, 2006, p.
165), outra terrível conseqüência da burocracia imperial, que fica nítida na tabela abaixo.
Tabela II - Gastos de Pessoal com Porcentagem dos Gastos Totais do Governo Central/Federal, por Ministério, 1889 e 1907
Ministérios Anos1889 1907
Império-Interior 65 83Fazenda 16 33ACOP-Viação 37 57Marinha 61 79Guerra 77 79Estrangeiros – Relações Exteriores 85 64Justiça 84 -
TOTAL 60 65Fonte: CARVALHO, 2006, p. 163
Vale advertir que dois dos efeitos que não foram produzidos pela burocracia imperial
foram a criação de um estamento (conforme já afirmado), idéia defendida por Raymundo
Faoro, e muito menos uma burocracia moderna como definida por Weber. No primeiro caso,
porque não há base empírica para sustentar tal afirmação: o corpo de funcionários se dividia
vertical e horizontalmente, não possuía estilo próprio de vida, não tinha privilégios legais, não
12 “O traço comum dessas caracterizações é o de pessoas em mobilidade social descendente ou ascendente, as primeiras excedentes do latifúndio escravista, as segundas que nele não puderam entrar, isto é: de modo geral, os marginais do sistema e seus mais prováveis e capazes opositores”. (CARVALHO, 2006, p. 164-165)13
? “Além de distorcer o sistema representativo, essa participação levava a uma ambigüidade básica da burocracia. O emprego público constituía a principal para os enjeitados do latifúndio escravista, mas, uma vez no governo, os funcionários e a elite em geral não podiam matar a galinha dos ovos de ouro que era a própria agricultura de exportação baseada no trabalho escravo, fonte da maior parte das rendas públicas”. (CARVALHO, 2006, p. 166)
15
desenvolveu mecanismos de proteção de sua homogeneidade e autonomia. No segundo, pois,
apesar das variações entre os diversos setores, salientando-se a maior burocracia dos setores
clássicos do judiciário, do militar e do fiscal, pode-se dizer que, em geral, a classificação de
cargos era precária, a divisão de atribuições pouco nítida, os salários variáveis de Ministério
para Ministério; não havia sido institucionalizado o sistema do mérito, e as nomeações e
promoções eram muitas vezes feitas à base do apadrinhamento. Tal situação era mais
marcante no setor civil não judiciário, cujos membros tinham pouca possibilidade de
ascensão, fazendo com que os funcionários fossem excessivamente subservientes, como
destaca Carvalho (2006, p. 151): “A preocupação em conquistar ou manter posições resultava
em intensa competição e em generalizado servilismo”.
16
5 RELAÇÃO ENTRE CORONELISMO, ELITE POLÍTICA E ESTADO
A relação de troca de favores, uma das marcas do coronelismo, já era nítida no Brasil
em meados do século XIX, quando o problema do excesso de bacharéis gerou o fenômeno da
busca desesperada pelo emprego público por esses letrados sem ocupação, o que iria reforçar
também o caráter clientelístico da burocracia imperial. Entretanto, o fenômeno do
coronelismo ficou mais nítido pela excessiva concentração do poder imperial.
Uma característica do Estado brasileiro reduzia seu poder de controle sobre a
sociedade: a excessiva centralização imperial. De fato, as reformas de 1840-41 levaram à
exagerada centralização política e administrativa, fazendo com que os funcionários públicos
se concentrassem no âmbito do governo central, tendo reduzida presença no nível local. É
bem verdade que a macrocefalia era menor no que dizia respeito às tarefas de controle e
extração de recursos, como a fiscalização tributária, porém, em outros campos ela era
evidente. Havia um claro de ação estatal na periferia do sistema, algo que só seria corrigido
mais tarde com o federalismo republicano.
A concentração política e administrativa, acompanhada da concentração de
funcionários, fazia com que se acentuasse a visibilidade do Estado no Brasil, fenômeno
oposto ao observado nos Estados Unidos, por exemplo. Paradoxalmente, a visibilidade do
Estado brasileiro era fruto da sua própria incapacidade de chegar à periferia do sistema,
enquanto nos EUA a descentralização significava maior controle, apesar de isso não ocorrer
por parte do governo central.
17
A ineficácia do governo brasileiro em chegar ao nível local da sociedade o obrigava
a valer-se do chamado serviço litúrgico, como designado por Weber: tratava-se de contar com
o serviço gratuito de particulares, concedendo-lhes, em troca, favores e benesses14. Um grande
exemplo de tal serviço era encontrado na Guarda Nacional: seu oficialato era retirado das
notabilidades locais, fazendeiros, comerciantes e capitalistas. Mas o compromisso entre
governo e donos de terra no que se referia à administração local não parava na Guarda
Nacional. Havia também delegados, subdelegados e inspetores de quarteirão.
As reformas de 1840-41 não foram simplesmente a estrangulação do poder local: a
partir delas, o governo central pôde indicar os delegados, subdelegados e oficiais da Guarda
Nacional, suprimindo o processo eletivo regional e, desta forma, poupando os poderosos
locais do desgaste de uma eleição. Quem não pertencia à elite local era totalmente excluída e,
assim, o Estado Imperial, comandado pelas elites políticas, conseguiu certa estabilidade,
porém ao custo de uma séria restrição à cidadania, mantendo privado o conteúdo do poder
local, em uma clara relação de coronelismo15.
14 “A incapacidade do Estado brasileiro em chegar à periferia é bem ilustrada pelos compromissos que se via forçado a fazer com os poderes locais. No Brasil, como nos exemplos históricos descritos por Weber, o patrimonialismo combinava-se com tipos de administração chamados litúrgicos (ver BENDIX, Reinhard. Max Weber, an Intellectual Portrait. Nova York: Doubleday, 1962, p. 348-360). Na ausência de suficiente capacidade controladora própria, os governos recorriam ao serviço gratuito de indivíduos ou grupos, em geral proprietários rurais, em troca da confirmação ou concessão de privilégios”. (CARVALHO, 2006, p. 158)
15 “O governo se afirmava pelo reconhecimento de limites estreitos ao poder do Estado”. (CARVALHO, 2006, p. 159)
18
6 INFLUÊNCIA DOUTRINÁRIA EXTERNA NA FORMAÇÃO DA ELITE POLÍTICA
Os juristas e magistrados exerceram grande papel na política portuguesa e,
posteriormente, na brasileira, uma vez que se tratava de uma elite sistematicamente treinada,
sobretudo graças ao ensino do direito na Universidade de Coimbra. Esse ensino, baseado no
direito romano, reforçava o caráter absolutista do Estado16, além de dar grande destaque aos
juristas como grupo influente da elite, como menciona Weber (WEBER, Max. Economy and
Society. An Outline of Interpretive Sociology. Nova York: Bedminster Press, 1968, p. 93):
O tremendo impacto do direito romano, na forma que lhe deu o Estado burocrático romano em sua última fase, revela-se claramente no fato de que por toda parte a revolução da administração política na direção do emergente Estado racional foi levada adiante por juristas.
Torna-se necessário, então, distinguir a figura do jurista e a do advogado: os juristas
estavam para os Estados absolutos assim como os advogados estavam para os liberais. Estes
estiveram desde cedo presentes na política inglesa e americana, enquanto que aqueles se
destacaram na França, Portugal e Brasil. Tal situação se justificava pois os advogados eram
fruto da sociedade liberal e quanto mais forte esta, tanto maior sua influência. Os juristas, por
outro lado, sobretudo os de tradição romana, preocupavam-se mais com a justificação do
poder real e com a montagem do arcabouço legal dos novos Estados. As conseqüências foram
o fenômeno da codificação nos Estados de tendência absolutista e o estabelecimento da
commom law nos mais liberais. No caso brasileiro, o advogados só vieram a se destacar no
último quartel do séc. XIX, quando o Império já se encontrava em declínio.
16 “O direito ensinado em Coimbra era profundamente influenciado pela tradição romanista trazida de Bolonha. O direito romano era particularmente adequado para justificar as pretensões de supremacia dos reis. Tratava-se de um direito positivo cuja fonte era a vontade do príncipe e não o poder da Igreja ou o consentimento dos Barões”. (CARVALHO, 2006, p. 31-32)
19
É inegável a influência portuguesa sobre o Estado Imperial Brasileiro. A
homogeneidade ideológica e o treinamento foram características marcantes da elite
portuguesa, criatura e criadora do Estado absolutista. Uma das políticas dessa elite foi
reproduzir na colônia uma outra elite feita à sua imagem e semelhança. A elite brasileira, até
metade do séc. XIX, teve treinamento em Coimbra, conforme já mencionado, concentrado na
formação jurídica, e tornou-se parte do funcionalismo público, sobretudo da magistratura e do
exército. Essa transposição de um grupo dirigente teve talvez maior importância que a
transposição da própria corte portuguesa e foi fenômeno único na América.
Quanto ao papel da Universidade de Coimbra na formação da elite brasileira, a
mesma foi particularmente eficaz em evitar contato mais intenso de seus estudantes com o
Iluminismo francês, politicamente perigoso. Além do fato de que o Iluminismo português foi
do tipo não libertário, é preciso acrescentar que, após a Viradeira, o isolacionismo da
Universidade em relação ao resto da Europa foi retomado. Aliás, o Iluminismo português era
essencialmente nacionalista e humanista, sem ser revolucionário17. Esse conservadorismo
contrastava com o comportamento político dos que se formaram em outros países europeus e
dos que se formaram no Brasil, após a criação dos cursos superiores em terras nacionais,
onde, estranhamente, parecia mais fácil entrar em contato com o Iluminismo francês, o que
ficou evidente, por exemplo, em diversas rebeliões que precederam a independência.
De fato, o isolacionismo a que estavam submetidos os alunos de Coimbra foi
quebrado nas escolas de direito brasileiras, mas as idéias radicais continuavam ausentes dos
compêndios adotados. Entretanto, a partir de 1870, a vida intelectual brasileira começou a
mudar com a introdução de outras correntes européias de pensamento, sobretudo o 17 “Surgindo nesse contexto, o Iluminismo português ficou mais próximo do italiano do que do francês. Seu espírito não era revolucionário, nem anti-histórico, nem irreligioso como o francês; mas essencialmente progressista, reformista, nacionalista e humanista”. (CARVALHO, 2006, p. 67)
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positivismo e o evolucionismo, além de o ensino nas escolas de direito nacionais aprofundar a
tendência à maior diversificação e pragmatismo já presentes nos estatutos iniciais.
Outra influência, na melhor tradição do regalismo português, foi o sentimento
anticlerical da elite política brasileira. Não havia dúvida que a Igreja tinha sua influência, até
porque era parte da burocracia estatal, porém sua participação foi pontual, geralmente
restringindo-se a temas afetos, como a educação e o casamento civil. Além disso, a
participação dos padres freqüentemente se dava em desacordo com as posições da hierarquia.
Entretanto, a despeito da grande influência doutrinária portuguesa, não se pode
esquecer que o Brasil apresentava condições peculiares, divergentes da metrópole, como a
grande extensão territorial, com dispersão da população, e a importância dos latifúndios, o
que dava certo relevo aos grandes proprietários. Além disso, devido à sua produção voltada ao
mercado externo, via-se entre dilemas como livre comércio versus protecionismo, liberalismo
versus trabalho escravo, etc18. Tudo isso fazia com que fossem necessárias certas adaptações
ao pensamento estrangeiro adotado na política brasileira.
7 ADMINISTRAÇÃO DOS DEBATES IDEOLÓGICOS PELOS PARTIDOS POLÍTICOS
18 “Periferia do sistema capitalista, com suas principais riquezas voltadas para os mercados dos países centrais, esses países se viram prisioneiro de cruéis dilemas entre, por exemplo, o livre comércio e o protecionismo, o liberalismo e o trabalho escravo, o centralismo e a descentralização”. (CARVALHO, 2006, p. 38)
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Primeiramente, é necessário ilustrar como se deu a evolução dos partidos imperiais, o
que pode ser verificado de forma pragmática pela ilustração abaixo.
Fonte: CARVALHO, 2006, p. 205
No início do Império, a divergência programática entre os partidos girava,
basicamente, em torno da sucessão: os restauradores queriam a volta de D. Pedro I, os liberais
monarquistas a ascensão de D. Pedro II (tanto que acabaram por promover o golpe da
maioridade) combinada a uma maior descentralização, e os republicanos, por óbvio,
almejavam a instauração de uma república brasileira. Com a morte de D. Pedro I os
restauradores converteram-se no Partido Conservador.
Já em meados do século XIX, há uma mudança no debate: o programa liberal passa a
pregar não apenas a descentralização, mas também reivindica maiores liberdades civis,
participação política e reforma social, cujo ápice foi o programa radical de 1868 (abolição do
Conselho de Estado, da Guarda Nacional, da vitaliciedade do Senado, voto direto e universal,
entre outros). Além dessa mudança, há que se destacar o crescimento do Partido Republicano,
o qual terá duas facetas bem distintas: o Partido Republicano do Rio de Janeiro e o Paulista.
Os republicanos de São Paulo e do Rio de Janeiro apresentavam preocupações bem
diferenciadas. Enquanto os cariocas representavam os interesses de intelectuais e profissionais
liberais urbanos, os paulistas refletiam os interesses dos cafeicultores. Assim, a principal
preocupação deste grupo era simplesmente a federação, ou seja, autonomia provincial,
enquanto que a questão do governo representativo e dos direitos individuais também
interessava ao Partido Republicano do Rio de Janeiro. Como ressalta Carvalho (2006, p. 210):
“A versão democratizada do liberalismo não interessava aos paulistas. Eles ainda brigavam
pelo controle do poder para si próprios e não lhes passava pela cabeça distribuí-lo. Seu
liberalismo era ainda do tipo pré-democrático”.
Esclarecido, em linhas gerais, o posicionamento dos diversos partidos imperiais, é
interessante observar a grande dúvida que paira sobre sua composição: há historiadores que
negam qualquer diferenciação entre eles; outros os distinguem em termos de classes; e há
ainda os que levam em conta outras características, como a origem regional. Essa variação
tem por base concepções totalmente diversas sobre a estrutura social e o sistema de poder
vigentes no império, quais sejam: a visão de um império burguês, incluindo setores
reacionários e progressistas; sociedade patriarcal; domínio do latifúndio; predominância do
estamento burocrático; sociedade escravista; sociedade quase feudal; e outros pontos de vista.
“Parece-nos que a divergência de opiniões provém em parte de premissas teóricas
inadequadas, em parte de falta de maior preocupação com o embasamento empírico das
afirmações”. (CARVALHO, 2006, p. 204)
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O que ocorria nas lideranças nacionais dos partidos, na verdade, era uma combinação
de grupos diversos em termos de ocupação e de origem social e provincial. Não cabem a seu
respeito divisões e classificações simplificadas. A complexidade dos partidos se refletia
naturalmente na ideologia e no comportamento político de seus membros, dando às vezes ao
observador desatento a impressão de ausência de distinção entre eles, o que era falso. Havia,
portanto, muitas concepções errôneas. Tome-se, por exemplo, uma diferenciação muito
comumente feita, separando norte e sul, caracterizando aquele como baluarte da elite
escravista e conservadora, e este como representante de uma economia cafeeira dinâmica, que
em alguns setores já dispensava o trabalho escravo, e corresponderia a uma elite liberal e
progressista, e, conseqüentemente, a primeira seria a base do Partido Conservador e a segunda
a do Liberal. Os dados empíricos não permitem tal conclusão, conforme a tabela abaixo.
Tabela III - Filiação Partidária e Origem Provincial dos Ministros, 1840-1889 (Números Absolutos)
Origem Provincial
Filiação PartidáriaBahia RJ-Corte
Minas
Pern. S. Paulo RS Outras Port. TOTAL
Conservador 12 19 5 8 4 1 7 1 57Liberal 13 5 13 6 11 9 16 - 73Sem Partido 1 4 - - 1 - 1 2 9
TOTAL 26 28 18 14 16 10 24 3 139Fonte: CARVALHO, 2006, p. 217
Em termos de filiação partidária, está claro que a divisão regional não se dava entre
norte e sul. Os dados mostram que: a) O Rio de Janeiro era predominantemente conservador;
b) Bahia e Pernambuco dividiam-se mais ou menos igualmente entre os dois partidos; c)
Minas, São Paulo, Rio Grande do Sul e as outras províncias eram predominantemente liberais.
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Assim, para tentar caracterizar melhor as ideologias dos partidos imperiais e sua
composição, pode-se dizer que os magistrados, principais consolidadores da incipiente nação,
filiaram-se, tipicamente, ao Partido Conservador, posição divergente do clero, engajado,
sobretudo, no Partido Liberal. Os militares eram neutros, enquanto que os donos de terra
dividiam-se igualmente entre os dois partidos, porém com uma distinção: no Conservador
estavam os grande latifundiários voltados para a exportação, enquanto no liberal
encontravam-se os voltados para o mercado interno. Os profissionais liberais participaram do
Partido Liberal e do Partido Republicano do Rio de Janeiro.
Passada a fase inicial de consolidação do poder, a aliança magistrados – proprietários
enfraqueceu-se. Com a ascensão dos profissionais liberais, sobretudo advogados, os
burocratas foram sendo afastados da elite política, o que enfraqueceu o Partido Conservador.
Além disso, alguns líderes do Partido Liberal migraram para o Republicano, proporcionando
também um enfraquecimento daquele. Os militares, antes neutros, viram uma boa
oportunidade de consolidação da república ao se aliarem aos novos conservadores.
Em última análise, distinguindo-se em termos ideológicos, depreende-se que os
partidos foram bons instrumentos para entender as divergências da elite, mesmo que tais
divergências provocassem reajustes no sistema, formando novas situações.
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8 CONCLUSÃO
O presente trabalho, calcado no pensamento de José Murilo de Carvalho, procurou
demonstrar que a manutenção da unidade nacional pós Independência, consolidando um
governo civil, foi, em grande parte, fruto da atuação da elite política brasileira. Tal elite, em
situação diferente da encontrada nas demais ex-colônias americanas, tinha por característica
principal uma homogeneidade ideológica e de treinamento, sendo tais traços os definidores de
sua importância, e não a homogeneidade social. Não se tratou de negar esta, que de fato podia
ocorrer, mas tratou-se de diminuir sua importância em face da já citada homogeneidade
ideológica e de treinamento.
Outro aspecto focado foi a freqüente fusão parcial entre elite burocrática e elite
política, principalmente até a primeira metade do século XIX, com grande relevo aos
magistrados. Tal situação, a despeito de ter criado uma crise de representatividade, foi mais
um fator de coesão no incipiente Estado. A esse fator somou-se a educação dos líderes da
nação, com grande influência do pensamento português (mercantilista e absolutista) por meio
do ensino do direito romano na Universidade de Coimbra.
Argumentou-se, também, que o setor burocrático, principal responsável pela unidade
e pela orientação estatizante, foi sendo lentamente substituído por profissionais liberais,
sobretudo advogados, o que acentuou os conflitos intra-elite. Tais conflitos manifestaram-se
na constituição e ideologia dos partidos imperiais.
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Também foi dada ênfase na chamada dialética da ambigüidade, uma vez que a
elite política, gostando ou não, via-se obrigada a compactuar com os proprietários de terras a
fim de chegar a uma situação de ordem estabelecida, apesar de injusta, algo que ficou bem
claro com a criação da Guarda Nacional e com a adoção dos chamados serviços litúrgicos, em
um contexto de extremada centralização, a que alguns caracterizaram como macrocefalia. Isso
tudo porque, independente da elite política, o Estado não podia sustentar-se sem a agricultura
escravocrata de exportação. Como decorrência de todo esse processo, desenvolveu-se a
prática do coronelismo.
Por fim, foi exposto que, devido a questões de representatividade que se
sobrepuseram a questões de manutenção da unidade nacional, a burocracia foi afastada dos
cargos políticos, dando oportunidade para ascensão dos profissionais liberais, especialmente
advogados. Mesmo a presença militar, essencial para a proclamação da República, foi
suprimida passados os anos iniciais. Passada a fase de acumulação primitiva de poder, na qual
a burocracia teve papel muito importante, a participação na vida política passou a orientar um
novo tipo de arranjo das elites.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BEVILÁQUIA, Clóvis. História da Faculdade de Direito do Recife. Rio de Janeiro: Liv.
Francisco Alves, 1927, 2 v.
CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem. 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2006.
WEBER, Max. Economy and Society. An Outline of Interpretive Sociology. Nova York:
Bedminster Press, 1968, 2v.
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