Trabalho - O mundo do trabalho no século XX - Paola Stuker
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA – UFSM
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS – CCSH
CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – BACHARELADO
DISCIPLINA: TEMAS SOCIOLÓGICOS CONTEMPORÂNEOS
PROFESSOR RODRIGO SILVA JARDIM
O mundo do trabalho no século XX: as mudanças e seus efeitos
Paola Stuker 1
INTRODUÇÃO
O século XX foi marcado por profundas mudanças no mundo do trabalho. Tais
mudanças têm suas origens com a Revolução Industrial, iniciada no século XVIII e
disseminada no XIX, onde o trabalho artesanal e, em grande parte, o agrícola foram
substituídos pelo fabril, refletindo em transformações, além da esfera econômica, na social. A
partir de então, o processo produtivo foi se aprimorando cada vez mais, onde no século
passado a busca pelos proprietários burgueses de aumentar o lucro reduzindo-se as despesas
resultou em novos sistemas de organização, como o taylorismo e o fordismo.
Diante disto, este trabalho objetiva fazer um panorama geral do mundo do trabalho no
século XX, buscando apontar como se deram essas transformações que aceleraram o processo
de produção, porém refletiram de forma negativa na saúde física e mental dos operários.
Sendo assim, buscando abranger o que foi proposto, este texto está dividido em duas seções
específicas. Na primeira será feito um modesto resgate histórico da origem do capitalismo
que, tendo resultado da Revolução Industrial, impactou em profundas mudanças na sociedade,
que foram alvo da crítica marxista; na segunda seção serão apontados os principais sistemas
de organização produtiva originados no século XX e a forma como repercutiram na vida dos
trabalhadores.
1 A Revolução Industrial e o marxismo: um resgate histórico
Com a Revolução Industrial, que iniciou na Inglaterra no século XVIII e expandiu
pelo mundo em meados do XIX, o tradicional trabalho dos artesões e agricultores foi
substituído pelo trabalho nas indústrias. Assim, “no lugar da manufatura surgiu a grande
indústria moderna; no lugar dos pequenos produtores, os industriais milionários, os chefes de
exército industriais inteiros, os burgueses modernos” (MARX; ENGELS, 2008, p. 10). Neste
contexto o papel do trabalhador passou a ser de controlar as máquinas, que pertenciam a um
patrão, em troca de um pagamento. Em outras palavras, a partir deste momento o trabalhador
não é mais dono do seu próprio negócio, perdendo assim a liberdade sobre o seu trabalho,
bem como a posse da matéria-prima, do produto final e do lucro, uma vez que o seu trabalho
passou a não equivaler mais ao seu ganho, o que caracteriza a mais-valia, que segundo Karl
Marx, é a diferença entre a força de trabalho do operário e o que ele recebe, que beneficia
economicamente os donos das fábricas.
1 Acadêmica do 4º semestre do Curso de bacharelado em Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa
Maria.
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Sendo assim, o triunfo deste marco histórico consolidou o capitalismo, que – apesar de
algumas características positivas - através da legitimação estatal, resultou na alarmante
desigualdade social, onde muitos vivem em condições de pauperismo, sendo explorados pelos
poucos economicamente favorecidos. Vivenciando este período histórico, Karl Marx (1818-
1883) fomentou suas teorias com uma intensa crítica à esse sistema econômico que surgiu
com a Revolução Industrial. Segundo a perspectiva marxista, neste contexto toda a sociedade
está dividida em duas grandes classes absolutamente opostas: a burguesia (detentora dos
meios de produção) e o proletariado (dono, apenas, de sua força de trabalho). Sobre a relação
entre elas, Marx afirma que há uma profunda exploração da classe burguesa sobre a operária,
que aliena a primeira, uma vez que os trabalhadores perdiam sua autonomia “através de
tarefas puramente executivas e despersonalizadas” (BOBBIO, 1998, p. 20).
Sendo assim, com uma ótica crítica sobre este fato, Marx desenvolveu suas teorias
alicerçado na aspiração de que, dialeticamente, o desenvolvimento da burguesia acarretaria no
desenvolvimento do proletariado, que por sua vez, tomaria o poder político em suas mãos
através de uma vitoriosa revolução, instituindo o socialismo, que seria o período de transição
do capitalismo para o comunismo, no qual abolir-se-ia o Estado burguês - que para Marx
servia de instrumento da dominação de uma classe por outra – substituindo-o pelo Estado
proletário que, naturalmente, “morreria”, brindando a classe trabalhadora com o almejado
sistema comunista. No entanto, como bem sabe-se, isto não ocorreu, porém o pensamento
deste intelectual alemão é reconhecidamente plausível em virtude de suas façanhas em um
contexto altamente alienado e explorado, que desenvolveu-se pelas décadas seguintes, através
da implementação de novos sistemas de organização do trabalho, como o taylorismo e o
fordismo, que serão vistos no próximo tópico.
2 Os principais sistemas de organização do trabalho
Com o advento e consolidação do capitalismo os empresários buscaram
constantemente o aumento da produtividade e, por consequência de seus lucros. Diante disto,
visando tais objetivos, no século XX estudiosos projetaram novos sistemas de organização do
trabalho, de forma que o tempo gasto na produção fosse reduzido e a produtividade fosse
maior. Dos quais destaca-se aqui Frederick Taylor e Henry Ford, que desenvolveram os
sistemas taylorista e fordista, respectivamente.
Frederick Winslow Taylor (1856-1915) tendo abandonado os estudos para trabalhar de
aprendiz em uma fábrica metalúrgica ganhou experiência dentro da indústria e passou a
analisar a capacidade produtiva dos trabalhadores. Assim, a partir de tal empirismo verificou
que a produção real da empresa era inferior ao que os trabalhadores poderiam produzir, em
função do tempo perdido na troca constante de operações e ferramentas. Desse modo, Taylor
tendo a convicção de que “quanto maior a produtividade obtida do trabalho, mais altos seriam
os lucros empresariais” (PINTO, 2010, p. 26), propôs à gerência da fábrica onde trabalhava a
divisão técnica do trabalho humano ao extremo, em diferentes atividades.
Assim, mesmo que a divisão do trabalho já encontrava-se no interior das fábricas
desde o surgimento da Revolução Industrial, foi através da proposta de Taylor, na aceitação
desta pela empresa em que trabalhava e na disseminação pelas demais industrias, que houve
uma subdivisão das funções tanto na produção como na administração das fábricas, sobre o
que designou o termo de “administração científica”. Sendo assim, o que se objetivava com
isso é que
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o trabalhador emprega-se todo o seu engenho, sua criatividade, seus conhecimentos
técnicos, suas competências profissionais assimiladas nos ofícios que exerceu, suas
habilidade pessoais adquiridas com as situações que enfrentou nestes, seu maior
esforço psíquico, intelectual e físico, toda a capacidade de concentração e destreza
para a realização das tarefas que lhe competiam, tudo com o menor desgaste de suas
energias e, principalmente, dentro do menor tempo possível (PINTO, 2010, p. 28).
Diante disto, conclui-se que o taylorismo é um sistema de organização produtiva,
estruturado no trabalho fragmentado, que buscava a maior produtividade possível em razão da
máxima ocupação do tempo, no momento em que o trabalho era dividido e o trabalhador
deveria empregar toda sua competência. Assim, com essas características o taylorismo
possibilitou a implementação do sistema fordista de produção que, além dos aspectos típicos
do sistema projetado por Taylor, detinha peculiaridades propostas por Ford.
Henry Ford (1862-1947), assim como Taylor, adquiriu seus conhecimentos sobre
mecânica desde muito jovem trabalhando em uma oficina. Posteriormente fundou a sua
própria fábrica de veículos automotores, nunca deixando de ser pesquisador dos veículos que
fabricava, bem como do modo de produção. Foi assim que teve a oportunidade de criar
inovações tecnológicas, bem como organizacionais, que caracterizam o fordismo. Ford, tendo
adotado alguns pressupostos do taylorismo, incremento-os com genialidades, das quais
destaca-se o “seu dia de oito horas e cinco dólares como recompensa” (HARVEY, 2003, p.
121), com o intuito de garantir ao trabalhador renda e tempo suficiente para que ele também
fosse consumidor do que produzia em quantidades cada vez maiores. Sendo assim, a sua
grande inovação foi “incutir nos seus contemporâneos a postura de consumidores de massa de
produtos padronizados” (PINTO, 2010, p. 33).
Ao mesmo tempo, para possibilitar e fomentar essa produção em massa de produtos
padronizados, Ford inovou ao introduzir um mecanismo automático de transferência (uma
esteira transportadora) que possibilitou acelerar a produção, através da repetição monótona de
movimentos dos operários que eram responsáveis por uma única tarefa cada. Tal mecanismo
tinha seus efeitos não só na agilidade produtiva, mas também da saúde dos trabalhadores.
Assim, evidencia-se que a característica que melhor define o sistema fordista é a rigidez.
Deste modo,
em termos práticos, o fordismo revoluciona o setor industrial ao introduzir a esteira
transportadora, mudando a forma de montar os veículos, acabando por transferir
para a própria esteira o conhecimento do antigo mecânico versátil que dominava
todos os meandros da produção, levando a ampliação do controle mecânico,
aumentando o esforço físico, tornando-o repetitivo além de favorecer a
alienação desse operário (JARDIM, 2009, p. 32, grifo meu).
Com esses princípios o sistema taylorista/fordista foi difundido internacionalmente.
No entanto, como já foi possível de perceber, eles geraram efeitos não só sobre o sistema de
produção, mas inclusive sobre a vida e saúde dos trabalhadores, uma vez que os alienava e
causava danos físicos em razão, entre outros motivos, do esforço corporal, das precárias
condições de trabalho e dos movimentos repetitivos em razão da divisão do trabalho agregada
a esteira transportadora. Nesse sentido o famoso filme “Tempos Modernos” de Charles
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Chaplin representa uma ferrenha crítica à esse sistema de organização do trabalho, que além
de tudo explorava e segregava o trabalhador, tornando o mesmo um “apêndice da máquina”,
conforme Marx.
Entretanto, surgiram propostas de alternativos sistemas de organização do trabalho,
dos quais destaca-se a organização toyotista que desenvolveu-se desde a década de 50,
planejada por Taiichi Ohno, engenheiro industrial da Toyota. Tal sistema colocou-se como
um concorrente ao vigente até então, no momento em que o toyotismo, ao contrário do
fordismo, é caracterizado pela flexibilização da produção. Assim, enquanto o sistema de Ford
produzia muito e estocava essa produção, o sistema toyotista produzia conforme a demanda.
Ao mesmo tempo, o toyotismo combina outras novidades, a autonomação, a polivalência e
celularização. O primeiro refere-se à parada automática da máquina quando detectado algum
defeito, de forma a dispensar a supervisão humana; o segundo caracteriza-se pela “fusão de
várias funções e atividades [...] aos trabalhadores por elas responsáveis” (PINTO, 2010, 63);
e, o terceiro refere-se ao conjunto de postos de trabalho, constituídos por equipes de
trabalhadores que podem alternar-se, de forma a dificultar qualquer tipo de articulação. Sendo
assim,
se Taylor havia decomposto atividades complexas em operações simples
rigorosamente impostas dentro dum roteiro único de execução [...], tendo Ford se
empenhado no automatismo, ambos tiveram como objetivo atacar o saber dos
trabalhadores mais qualificados e, assim, diminuir seus poderes sobre a população,
com o aumento do controle gerencial da intensidade do trabalho, como um todo.
Ohno perseguiu os mesmos objetivos, partindo, entretanto, no sentido inverso:
procurou desenvolver a “desespecialização” e, ao exigir de todos os trabalhadores a
polivalência, desautorizou o poder de negociação detido pelos mais qualificados,
obtendo por essa via o aumento do controle e a intensificação do trabalho. (PINTO, 2010, p. 64, grifo meu).
Desse modo, apesar das novidades positivas que o toyotismo trouxe, este sistema
gerou a intensificação do trabalho e, ao mesmo tempo, a fragilidade dos direitos trabalhistas e
dos vínculos entre empregados e empregadores. Nesse sentido, o desemprego tem se tornado
algo comum, como uma estratégia para evitar as reivindicações e direitos que cada
trabalhador necessita. Sendo assim, este mesmo modo desencadeou um elevado aumento das
disparidades socioeconômicas e uma necessidade desenfreada de aperfeiçoamento constante
dos trabalhadores.
Assim, a partir da década de 70 o equilíbrio do sistema taylorista/fordista começou a
sofrer ameaças. A instabilidade macroeconômica - que levou a contenção de investimentos
produtivos industriais - os sindicatos que começam a surgir e a concorrência com novos
segmentos levaram ao enfraquecimento deste sistema, uma vez que as indústrias precisaram
mudar suas estratégias e se adaptar ao novo contexto, que passou exigir maior qualidade e
produtos personalizados em razão da padronização em larga escala. Sendo assim, desde então,
passou a vigorar a “reestruturação produtiva”, sob a qual uma série de novas experiências
começou a tomar forma, representando a passagem a uma nova forma de acumulação, que
David Harvey chamou de “acumulação flexível” e que prevalece nos dias atuais. Sobre tal
conceito o autor fala que,
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a acumulação flexível [...] é marcada por um confronto direto com a rigidez do
fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de
trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de
setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de
serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de
inovação comercial, tecnológica e organizacional. (HARVEY, 2003, p. 140).
Assim, tendo em vista que, conforme aponta Harvey, a acumulação flexível é uma
resposta à rigidez do sistema fordista, destaca-se que essa flexibilidade – que, paradoxalmente
é resultado do sistema rígido de organização do trabalho - resulta na fragmentação da classe
trabalhadora, uma vez que o surgimento de novos setores de produção, como o “setor de
serviços”, segmenta esta classe ao diferenciar os seus interesses, dificultando a sua união para
reivindicações. Ao mesmo tempo, este fato resulta no enfraquecimento dos sindicatos. Tal
ocorrência é confirmada no Brasil por estudo de Marcia Leite, que aponta que as empresas em
nosso país estão empenhando um grande esforço para impedir a organização sindical ao
“tentar eliminar as formas de organização dos operários dentro das fábricas” (LEITE, 2003, p.
91).
Diante desses fatos, visualiza-se que, embora tantas mudanças na forma de
organização do trabalho no século XX, a lógica sofreu pouca alteração, no momento em que o
que está em questão em todos os períodos e sistemas organizacionais deste século é a
intensificação do trabalho e a contenção do poder do trabalhador, que acabam por explorar e
alienar o mesmo. Sendo assim, vê-se aqui resumido aqui um século cheio de transformações
no mundo do trabalho, mas estas caminharam sempre no mesmo sentido.
Considerações finais
Tendo em vista que “o trabalho não apenas se manteve, como se mantém até hoje,
como a base da sobrevivência humana, o ato primário e pressuposto de toda a história”
(PINTO, 2010, p. 9), este breve estudo buscou caracterizar o mundo do trabalho no século
XX, pois neste, através de inovações organizacionais como o taylorismo, o fordismo e o
toyotismo, o trabalho, bem como as relações sociais que o envolvem, sofreram várias
transformações.
Entretanto, apesar das mudanças e de algumas evoluções, os objetivos dos empresários
parecem não terem sofrido muita alteração. Hoje, segundo Castel, a classe trabalhadora não é
mais a operária e sim a assalariada, porém, apesar de algumas exceções, continuam
trabalhando em situações precárias, muitas vezes sendo explorados. Assim, mesmo que os
problemas não se dêem mais da mesma forma, eles continuam existindo, entre eles a ameaça à
saúde dos trabalhadores, mesmo que as patologias não sejam mais as mesmas, uma vez que as
doenças que caracterizam nosso século são psicológicas e geralmente decorrentes do trabalho
- que suga até mesmo as horas de lazer dos trabalhadores - como o estresse e a depressão.
Desse modo, diante do que foi discorrido neste texto, pode-se caracterizar o século
XX, como um período cheio de inovações e, por consequência, mudanças no mundo do
trabalho. Como foi visto, tais mudanças acarretaram em significantes efeitos, dos quais
muitos se fazem presentes até os dias atuais, merecendo a contemporanização das críticas
marxistas que estiveram presentes no contexto da Revolução Industrial.
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Referências Bibliográficas
BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. Brasília: Editora da Universidade de Brasília,
1998.
HARVEY, David. A transformação político-econômica do capitalismo do final do século XX.
In: A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 2003.
JARDIM, Rodrigo Silva. O processo de transformação social e os efeitos da
reestruturação produtiva no sujeito soldador paranaense. Curitiba, 2009.
LEITE, Marcia. Reestruturação produtiva e relações industriais. In: Trabalho e sociedade em
transformação: mudanças produtivas e atores sociais. São Paulo: Fundação Perseu Abramo,
2003.
MARX, Karl. ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Expressão
Popular, 2008.
PINTO, Geraldo A. A organização do trabalho no século 20: Taylorismo, Fordismo e
Marxismo. 2ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010.