Trabalho Final Teoria da História I

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Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Departamento de História Disciplina: Teoria da História I – 1 o sem. 2015 – Noturno – Prof. Jorge Grespan Aluno: Henrique Gerken Brasil – n. USP 3734901 Questão 1 - Comente as diferentes concepções de História a partir das diferentes concepções de dialética de Hegel e Marx 1. Introdução O objetivo deste trabalho é apresentar as concepções de História de G. W. Friedrich Hegel e Karl Marx, e ao fazer isso, apresentar os diferentes métodos dialéticos desses autores, que estão ligados às suas perspectivas de História. A perspectiva dialética de Marx está relacionada com a de Hegel, pois ele parte da dialética hegeliana, ou ainda da crítica desta, para estabelecer a perspectiva materialista da história. Com isso em mente, este trabalho parte primeiro do pensamento de Hegel sobre História e dialética, para depois apresentar o pensamento marxiano. 2. História para Hegel Ao fim de suas Lições sobre Filosofia da História, conhecidas como A Razão na História, Hegel resume a sua concepção de História: “A história universal (...) representa o desdobramento da consciência que o espírito tem da sua liberdade e da realização suscitada por semelhante consciência.” (HEGEL, 1995: 141). Em outras palavras, o desenvolvimento do Espírito é a História, ou ainda, o desenvolvimento da consciência do Espírito. Tem-se portanto aqui um primeiro conceito fundamental para Hegel na sua perspectiva de História, qual seja, o Espírito. Esse conceito é acompanhado por outros dois, Ideia e Natureza, para que se possa compreender o pensamento de Hegel. Conforme Hartman (2001: 20), a Ideia (aqui, a Ideia-em-si) é a realidade do mundo; sua antítese é o espaço, a Natureza. A Natureza se desenvolve no Homem, em cuja consciência a Ideia torna-se consciente de si, autoconsciente (aqui, Ideia-para-si), sendo esse processo o Espírito, a síntese da Ideia e da Natureza.

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Trabalho final da disciplina Teoria da História I 2015

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  • Universidade de So Paulo

    Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas

    Departamento de Histria

    Disciplina: Teoria da Histria I 1o sem. 2015 Noturno Prof. Jorge Grespan

    Aluno: Henrique Gerken Brasil n. USP 3734901

    Questo 1 - Comente as diferentes concepes de Histria a partir das diferentes concepes

    de dialtica de Hegel e Marx

    1. Introduo

    O objetivo deste trabalho apresentar as concepes de Histria de G. W. Friedrich

    Hegel e Karl Marx, e ao fazer isso, apresentar os diferentes mtodos dialticos desses autores,

    que esto ligados s suas perspectivas de Histria. A perspectiva dialtica de Marx est

    relacionada com a de Hegel, pois ele parte da dialtica hegeliana, ou ainda da crtica desta,

    para estabelecer a perspectiva materialista da histria. Com isso em mente, este trabalho parte

    primeiro do pensamento de Hegel sobre Histria e dialtica, para depois apresentar o

    pensamento marxiano.

    2. Histria para Hegel

    Ao fim de suas Lies sobre Filosofia da Histria, conhecidas como A Razo na

    Histria, Hegel resume a sua concepo de Histria: A histria universal (...) representa o

    desdobramento da conscincia que o esprito tem da sua liberdade e da realizao suscitada

    por semelhante conscincia. (HEGEL, 1995: 141). Em outras palavras, o desenvolvimento

    do Esprito a Histria, ou ainda, o desenvolvimento da conscincia do Esprito. Tem-se

    portanto aqui um primeiro conceito fundamental para Hegel na sua perspectiva de Histria,

    qual seja, o Esprito. Esse conceito acompanhado por outros dois, Ideia e Natureza, para que

    se possa compreender o pensamento de Hegel. Conforme Hartman (2001: 20), a Ideia (aqui, a

    Ideia-em-si) a realidade do mundo; sua anttese o espao, a Natureza. A Natureza se

    desenvolve no Homem, em cuja conscincia a Ideia torna-se consciente de si, autoconsciente

    (aqui, Ideia-para-si), sendo esse processo o Esprito, a sntese da Ideia e da Natureza.

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    3. Dialtica hegeliana

    Desse modo, Histria e Ideia so inter-relacionados, ligados por uma relao dialtica.

    Por sua vez, a dialtica de Hegel no baseada em uma contradio formal, lgica, mas uma

    contradio que faz parte do objeto e que ajuda na sua superao. A contradio de Hegel,

    assim, no sinnimo de falsidade, ao contrrio, o motor do movimento do real.

    (SADER, 2007: 11). Nas palavras de Konder (2008: 24), essa superao dialtica ao mesmo

    tempo a negao de uma realidade; a conservao da essncia dessa realidade; e a elevao

    dessa essncia a um nvel superior1.

    A Histria, ou o desenvolvimento do Esprito, essa constante superao dialtica da

    Ideia, ao longo do tempo. Desse modo, tambm podemos dizer que a prpria natureza do

    Homem transformada na Histria, transforma-se na Histria (GRESPAN, 2002: 59). Essa

    perspectiva de Hegel vai de encontro com o pensamento dominante do sculo XVIII, no qual

    a Histria era reduzida a mudanas superficiais, sem alterao da essncia profunda (2002:

    60). Com a perspectiva dialtica de Hegel, ambas dimenses, forma e contedo, so definidos

    por oposio recproca: a forma determinada pelo contedo, e este, por outro lado,

    determinado pela forma (2002: 64).

    O pensamento de Hegel, como dito, diverge do pensamento da poca, pois contra a

    percepo de que a Histria tem um sentido, um fim, que pode ser observado pelo historiador,

    como se Histria e historiador fosse completamente separados. Seria o historiador

    inventariante, entregando-se somente ao que dado, no passivo no seu pensar. (HEGEL,

    1995: 33). No entanto, na viso de Hegel, o historiador sujeito ativo ao determinar seu

    objeto, que por sua vez tambm o determina seguindo a perspectiva dialtica. Na

    perspectiva do historiador inventariante, o sujeito ignora a sua prpria historicidade, o fato de

    ele mesmo ser um produto histrico. Ainda, se analisando uma sociedade (ou um povo), acaba

    por ignorar que esta no uma simples coisa, mas que possui movimento e conscincia,

    elaborando finalidades prprias (GRESPAN, 2002: 63).

    Ao propor que o objeto tambm seja sujeito, Hegel quebra com o pensamento anterior.

    Ao invs de separar sujeito e objeto, Hegel concentra-se na relao entre eles. E justamente

    essa subjetividade do objeto o Esprito, e, novamente em movimento dialtico, ele se define

    e oposio Natureza. E no caso do indivduo (ou de um povo), esse Esprito tambm 1 Interessante notar aqui a observao de Konder (2008: 25) sobre o uso da palavra alem aufheben, por Hegel, cujos significados so o ncleo da ideia de superao: esse verbo tem trs sentidos, que so usados ao mesmo tempo por Hegel: sentido de anular, negar; erguer, levantar, como que para proteger algo; e elevar, promover a qualidade.

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    definido pela capacidade de transformao contnua: o determinar-se conforme a

    conscincia que se tenha de si, e o saber a si mesmo de acordo com o que se produz na

    sociedade. (2002: 63).

    Nesse sentido, Konder (2008: 23) afirma que Hegel enxerga um conceito chave no

    desenvolvimento humano, qual seja, o trabalho. Por meio do trabalho que o Homem, enfim,

    se distancia da natureza pois a transforma e se diferencia dos animais, como o Homem

    produz a si mesmo, buscando sua sobrevivncia, transforma a natureza. Entretanto, Hegel no

    chega ao nvel da realidade material. Sua reflexo baseada no nvel das ideias portanto

    Idealista e a partir da Marx desenvolve sua crtica filosofia hegeliana, mas de modo

    dialtico, virando-a do avesso.

    4. Histria para Marx

    Para Marx, a Histria, tomada como um todo, uma contnua transformao da

    Natureza pelo Homem (KONDER, 2008: 52), de onde o Homem se afirma como ser

    histrico. Marx retoma Hegel e critica-o pelo idealismo; especificamente, Marx discorda do

    movimento de Hegel em tomar as coisas pela forma de apario e desse modo colocar o real

    separado de suas aparncias (SADER, 2007: 11). Marx enxergava na sociedade capitalista

    contradies que no podiam ser explicadas pela dialtica hegeliana, e um dos motivos disso

    era exatamente o fato de que a anlise se prendia no plano das ideias, e no no plano material

    da relao do Homem com o produto do trabalho: ideias no podem, por si mesmas,

    superar um determinado estado de coisas: podem apenas superar as ideias desses estado de

    coisas. Ideias superam ideias e no situaes materiais. (KONDER, 1999: 47).

    A percepo de Histria de Marx passa obrigatoriamente pela produo do Homem,

    pela produo material. Ora, no pensamento de Marx, se para viver o homem precisa de

    comida, bebida, moradia e vestimenta, o primeiro ato histrico , pois a produo dos meios

    para a satisfao dessas necessidades, a produo da prpria vida material, e este , sem

    dvida, um ato histrico, uma condio fundamental de toda a histria. (MARX, 2007: 33).

    Ou ainda, a Histria nada mais do que o suceder-se de geraes distintas, em que cada uma

    delas explora os materiais, os capitais e as foras de produo a ela transmitidas pelas

    geraes anteriores (...) (2007: 40).

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    5. Dialtica materialista

    Marx critica o idealismo hegeliano em A Ideologia Alem, mas ao se concentrar na

    crtica da economia poltica, Marx volta dialtica hegeliana, pois percebe que seu objeto

    constitudo de maneira contraditria. Entretanto, no utiliza diretamente o mtodo de Hegel,

    mas sim o desenvolve, de modo dialtico, para ento deduzir seu contrrio (GRESPAN, 2002:

    28). Ainda, no deixa de criticar o mtodo, rotulando-o de mistificador, pois v o real como

    contraditrio.

    Marx, ento, procura inverter as relaes reais do mtodo hegeliano, explicando o real

    como manifestao do interno, mostrando que a realidade conflitante forma uma unidade

    harmnica (2002: 31). Tanto para Hegel quanto para Marx, a essncia se manifesta na

    realidade exterior, contrria ao que . A manifestao e a essncia, no entanto, so

    compreendidas inversamente por cada um.

    A inverso empreendida por Marx ocorre na posio contrria da diferena e da

    identidade. Para Hegel, a diferena externa e aparente, determinada na essncia por uma

    identidade interna (diferena est no lado de fora e identidade, dentro). Para Marx, a

    identidade est fora, determinada por uma diferena interna. Ainda, no idealismo, a identidade

    constitui um todo maior, no materialismo, a diferena irredutvel a uma totalidade

    apaziguadora (2002: 32-33).

    Essa viso mais clara na perspectiva hegeliana da sociedade, a qual Marx no

    concorda. Para Hegel, a sociedade um conjunto divergente de interesses de diversos

    indivduos. Para evitar a desagregao, a sada seria o Estado e a criao de um ordenamento

    jurdico, que garantisse a igualdade entre os membros da sociedade, uma igualdade que seria

    sobreposta aos interesses individuais. Porm, na viso de Marx, essa igualdade apenas

    formal, ocorrendo no plano jurdico e no no social. Essa identidade formal repousa na

    verdade sobre uma desigualdade profunda (2002: 34). Marx nota que, na sociedade

    capitalista, a igualdade ocorre no nvel da circulao de mercadorias, e no nvel da produo

    impera a desigualdade, pois o trabalhador excludo dos meios de produo.

    Na dialtica hegeliana, a contradio determina as coisas opostas identidade e

    alteridade. Como j dito, no h uma anulao, mas sim uma fora criadora para a superao.

    As partes opostas so parte uma da outra mas tambm cada uma uma totalidade que exclui a

    outra, ou seja, para Hegel, na contradio h duas totalidades. Para Marx, no entanto, na

    relao histrica capital-trabalho, h apenas uma totalidade, que o Capital.

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    Isso ocorre porque, nessa relao, o Capital no permite que o trabalho se constitua

    plenamente em um totalidade, pois completaria a superao dialtica e negaria, como

    totalidade, o Capital. Na relao de desigualdade, o Capital tira a vitalidade do trabalho (pois

    no nvel da circulao, compra a mercadoria-fora de trabalho), pois retira seu objeto, e assim,

    tambm, sua objetividade (2002: 38-40). Desse modo, o Capital uma contradio em si, sou

    seja, ele no permite sua superao. Essa seria a contradio da dialtica materialista.

    6. Concluso

    A percepo de Histria, tanto para Hegel quanto para Marx, est ligada diretamente s

    suas concepes de dialtica. Para Hegel, o desenvolvimento da conscincia do Homem no

    tempo, sempre por meio de uma cadeia de superaes dialticas, vai constituir a Histria.

    Hegel, ao contrrio de Marx, v como resultado da sua dialtica, a emergncia do positivo no

    negativo.

    Marx v a histria da humanidade conectada com os aspectos materiais da vida humana,

    ento essa histria est ligada histria das relaes de troca, da indstria (MARX, 2007: 34).

    Ao aplicar a dialtica na relao capital-trabalho esta ento base do desenvolvimento da

    Histria , Marx se convence que a dialtica hegeliana no se aplica a vida material, e

    promove uma inverso na anlise dos elementos da relao contraditria. Desse modo,

    concluiu que a superao dialtica no vai ocorrer naturalmente, pacificamente, como a

    superao dialtica hegeliana. Assim, a dialtica materialista se livra de qualquer elemento

    mistificador e reveste-se de caractersticas revolucionrias.

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    REFERNCIAS

    GRESPAN, Jorge. A dialtica do Avesso. In: Crtica Marxista. Campinas, n. 14, p. 26-47, 2002.

    ________. Hegel e o Historicismo. In: Histria Revista, 7 (1/2), p. 55-78, 2002.

    HARTMAN, Robert S. Introduo. In: HEGEL, G. W. Friedrich. A Razo na Histria: uma introduo geral filosofia da Histria Universal. So Paulo: Centauro, 2001.

    HEGEL, G. W. Friedrich. A Razo na Histria: Introduo filosofia da Histria Universal. Lisboa: Edies 70, 1995.

    KONDER, Leandro. Marx Vida e Obra. So Paulo: Paz e Terra, 1999.

    ________. O que dialtica. So Paulo: Brasiliense, 2008.

    MARX, Karl. A Ideologia Alem. So Paulo: Boitempo, 2007.

    SADER, Emir. Apresentao. In: Marx, Karl. A Ideologia Alem. So Paulo: Boitempo, 2007.