Trabalho Final Literatur a Brasileira i

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Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas ANÁLISE DE PERU DE NATAL IN: CONTOS NOVOS, DE MÁRIO DE ANDRADE Amanda Pereira Gonçalves 7610282 Literatura Brasileira I Professora Doutora Yudith Rosembaum

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Trabalho Final Literatur a Brasileira 1 Modernismo

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Universidade de So PauloFaculdade de Filosofia, Letras e Cincias HumanasANLISE DE PERU DE NATALIN: CONTOS NOVOS, DE MRIO DE ANDRADEAmanda Pereira Gonalves 7610282Literatura Brasileira IProfessora Doutora Yudith RosembaumSo Paulo20131. Introduo

Sendo Mrio de Andrade o grande nome da moderna Literatura Brasileira, observamos a execuo em sua obra, de forma literria, o que os manifestos modernistas tinham como ideal para a revoluo e abandono dos modelos at ento conservados. Em meio a um processo de transio e de divulgao do novo formato, era necessrio mos mais pesadas no que diz respeito transposio do ideal na prtica, sendo assim, o Autor de Contos Novos, membro da frente Modernista, teve de concentrar esforos para o uso da falta de algemas e libertao da tradio parnasiana. Comeamos agora uma nova fase, que mudou a histria da arte no Brasil, criando identidade e autonomia lingustica.

Dizer que Mrio o nome mais importante do Modernismo no o mesmo que dizer que ele foi o escritor mais radical da poca e, justamente por isso recebe este adjetivo. Ele viveu a dualidade entre o lirismo e a tcnica, o poeta e o intelectual, colocando em perfeito equilbrio noes antes postas como incompatveis.O objetivo desse trabalho consiste em analisar o conto Peru de Natal, que chegou verso definitiva no ano de 1942 e publicao apenas no ano de 1947, com base em textos tericos e luz da proposta modernista, com enfoque psicolgico.2. AnliseA coletnea de contos intitulada Contos Novos rene textos que, mesmo no sendo autobiogrficos tm traos que podem ser associados vida do Autor. Alguns cuja a interpretao foi feita por especulaes sobre sua vida pessoal, outros por conta de seu papel e carreira na nova literatura. No livro h trs contos que conversam entre si, no necessariamente completando ou continuando um ao outro. Tempo da camisolinha, Vestida de Preto e Peru de Natal tm vestgios que os ligam de forma, principalmente, psicolgica. J no primeiro pargrafo observamos a importncia que essa morte do pai teve para o futuro familiar, que at ento tinha vivido uma felicidade abstrata, j que graas ao pai no desfrutaram de uma felicidade real. O progenitor, ser desprovido de qualquer lirismo, se mostra como uma figura castradora da famlia, mediocrizando a humanidade da vivncia simples, natural, lrica. Meu pai fora de um bom errado, quase dramtico, o puro sangue dos desmancha-prazeres.Contando ao leitor que no poderia ter se importado menos com a morte daquele homem , escreve:Morreu meu pai, sentimos muito, etc.Ele sequer se d ao trabalho de descrever a cena, seja minuciosa ou superficialmente, o bito foi tratado como algo comum, que no merece importncia alguma, no se deixou falar sobre a morte. Ele utilizou esta mesma estrutura ao falar do peru que foi comprado para o jantar de Natal:Comprou-se o peru, fez-se o peru, etc.A raiva notada no narrar sobre a morte e o luto do pai, o mesmo que tinha cortado seus cabelos na infncia, que havia decretado, sem causa alguma, que era preciso cortar os cabelos daquele menino. H uma vingana, uma maneira de dizer quem manda agora, j que antes tinha sido to traumatizado, sem ter tido chance de defesa. Agora sua me pode falar, agora, j no era mais preciso baixar a cabea diante de determinao alguma. A morte foi uma maneira de libertar a famlia, libert-la do patriarcalismo. Mas antes, era necessrio colocar o patriarca em seu lugar de morto, lembrana de um passado que teve ponto final; o pai, ainda depois de morto, controlava famlia pela lembrana, pelo luto. Ele sempre demonstrou uma figura controladora, assim como em Tempo da Camisolinha.[...] eu j estava que no podia mais pra afastar aquela memria obstruente do morto, que parecia ter sistematizado pra sempre a obrigao de uma lembrana dolorosa em cada gesto mnimo da famlia. A me, que agora deveria ser livre e sentir-se livre, que j no tinha mais a imagem repressora, no o fazia, queria apenas guardar o luto e, depois de tanto tempo, certamente, apenas para manter as aparncias. Numa poca onde o pai o centro da famlia, que exerce autoridade sobre os demais com o apoio da sociedade, seria mal visto que a viva se recuperasse to cedo. Onde j se viu ir ao cinema, de luto pesado!Esse tipo de reao da famlia que mais o perturbava e j o colocava a ponto de aborrecer o bom do morto. partir disso decidiu tomar seu papel de louco na famlia, j que era absolvido de todas as culpas por ter esta fama, era ele mesmo, era ele o nico capaz de instaurar uma nova atitude sem que os outros, a parentagem infinita, pudesse achar estranho.Desde cedinho, desde os tempos de ginsio, em que arranjava regularmente uma reprovao todos os anos; desde o beijo s escondidas, numa prima, aos dez anos, descoberto por Tia Velha, uma detestvel de tia; e principalmente desde as lies que dei ou recebi, no sei, duma criada de parentes: eu consegui no reformatrio do lar e na vasta parentagem, a fama conciliatria de louco .

O acontecimento que verdadeiramente mataria e enterraria o pai no teria sido representado pelo velrio e enterro. Isso j havia acontecido e no tinha sido o suficiente. O jantar de Natal seria de consequncias decisivas para a felicidade familiar. O plano de Juca seria desconstruir a ceia a qual eles estavam acostumados, Ceia reles, j se imagina: ceia tipo meu pai.... Para isso, decidiu colocar o grande smbolo da ceia de Natal em foco, coloc-lo no centro da mesa, aberto discusso. Agora, no queria mais dividir um s peru com a parentagem toda, agora havia de ser uma ceia completa, farta, com um novo nome eleito como principal: famlia. Era isso o que queria, mostrar no para os de fora, mas sim para a famlia que era o fim de uma era e o incio de outra. Comeriam bem, comeriam com farofa gorda e com farofa seca. Este peru que no era apenas um peru, era o peru do Natal, era o pai - A transformao permanente do Tabu em totem. O peru tinha de ser comido todo, deveria ser devorado para que pudesse ser incorporado, para que pegassem o que de mais importante tinha, S a Antropofagia nos une. Num ritual antropofgico do qual, certamente, os irmos, me e tia se davam conta apenas intimamente. Era preciso deixar que toda a cerimnia fosse ministrada pelo louco, isso os livraria da culpa, da moral, da lembrana castradora e pesada do patriarca. Aquele peru que fora engordado por tanto tempo para ser devorado no Natal, na data do nascimento de Cristo, um renascimento para a famlia. O pai sempre sacrificara pela famlia, agora eles mereciam desfrutar do fruto de seu trabalho.O pai vira uma estrelinha brilhante no cu, um objeto de contemplao, como as estrelas do mar de Tempo da Camisolinha.Quando que ela havia de imaginar, a pobre! que aquele era o prato dela, da Me, da minha amiga maltratada, [...] O prato ficou sublime.A me, que sempre foi merecedora de seu amor ficaria agora como senhora da casa, a voz mais importante da famlia. E para simbolizar esta passagem, ela fica com um prato muito bem servido de peru, com casca cheia de gordura e fatias brancas, era ela quem comeria a maior e melhor servida parte daquele peru cheio de significado.E apesar de Juca dizer em Vestida de Preto que nunca sofrera do Complexo de dipo, ele sofre da castrao junto com a me, o poder opressor que o pai simboliza para a criana na fase flica se intensifica com a tirada de suas foras, pelo corte do cabelo, que biblicamente enfraqueceu Sanso pela traio de Dalila.Quando comeam a comer, h uma imagem muito forte:...principiou-se a comer em silncio, lutuosos, e o peru estava perfeito. A carna mansa, de um tecido muito tnue boiava fagueira entre os sabores das farofas e do presunto. de vez em quando ferida, inquietada e redesejada, pela interveno mais violenta da ameixa preta e o estorvo petulante dos pedacinhos de noz.Recebendo adjetivos que no so comuns aos dados comida, o peru segue alimentando a famlia, que muito interiormente sabe o que est acontecendo, tem conscincia da importncia da ceia. Todos sabiam que ali repousava o pai, que tambm estava mesa:Mas papai sentado ali, gigantesco, incompleto, uma censura, uma chaga, uma incapacidade.

Incompleto, importante ressaltar, porque havia h pouco comeado o jantar. Estavam ali, comendo aos poucos, comendo lentamente, absorvendo. A figura que ainda era o pai, l, censurando sem muita influncia, era incapaz, j no estava em corpo, estava ressignificado, morto, em processo de enterro. Ainda assim estava presente da forma que era possvel, lutando contra o peru. Nessa luta, Juca afirma: Cheguei a odiar papai, o que refora a ideia de que apenas conviveu com ele durante todos os anos, sem muito se importar verdadeiramente.Depois da imagem do pai ter aparecido por uma fala que no se sabe de quem - S falta seu pai... , de maneira muito hipcrita ele apareceu, vitoriosamente. E, da mesma forma hipcrita e poltica, o Narrador o tira de cena:-- mesmo... mas papai, que queria tanto bem a gente, que morreu de tanto trabalhar pra ns, papai l no cu h de estar contente... (hesitei, mas resolvi no mencionar mais o peru) contente de ver ns todos reunidos em famlia. H nesta cena algo realmente muito hipcrita, e no apenas por parte de Juca, no. Depois desta fala, todos comearam a falar da calmamente a respeito do morto, num jogo de convencer uns aos outros de que ainda sentiam a ausncia, como se no tivessem, intimamente, adorado a loucura, escondendo-se atrs dela, colocando um outro na linha de frente. E a partir da que o enterro se consuma, neste momento todos aceitaram colocar o morto no lugar de morto, no mais motivo para um luto castrador. Tinham alcanado o que o narrador chamou de felicidade gustativa, reiterando a antropofagia agora, bem-sucedida. Descrevia agora sua famlia com adjetivos no exatamente opostos aos que tinha dado a seu pai, mas contrrios a eles; era a morte definitiva do que precisavam para instaurao de uma felicidade legtima, de uma vida sensvel, humana.Era uma felicidade maiscula, um amor de todos, um esquecimento de outros parentescos distraidores do grande amor familiar. E foi, sei que foi aquele primeiro peru comido no recesso da famlia, o incio de uma amor novo, reacomodado, mais completo, mair rico e inventivo, mais complacente e cuidadoso de si.Agora que j tinha realizado o enterro, dado a sua me um lugar de valor, uma imagem contrria submisso, Juca poderia, enfim, dar ateno ao amor que no era de sua mame, ele havia resolvido suas questes internas. Pontuo:E agora, Rose!...Alm da anlise do texto como texto apenas, sem influncias externas, possvel coloc-lo no mundo de forma a relacionar o conto com a figura de Mrio de Andrade no Movimento Modernista. Estabalecendo, primeiramente, as correspondncias, temos: pai/peru e tradio/artistas clssicos; filho e vanguarda modernista; famlia e artistas presos no tradicional. A partir da relao estabelecida, encontramos a resistncia em aceitar a nova maneira de expresso, que por conta dos artistas menos ousados, precisou de uma vanguarda mais radical, mais louca, que no descartou precisamente o clssico, e sim fez uso do que ele tinha a oferecer, que no precisava ser descartado. O clssico ficou no lugar dele, lugar no passado, tendo seus artistas passados por um processo de antropofagia, para que a convivncia entre o novo no precisasse ser conflituosa, para no haver diviso. Tornou-se uma coisa s, o que antes era Lirismo + Arte = Poesia tornou-se Lirismo puro + Crtica + Palavra = Poesia. Agora, o novo conceito de ceia de natal est para o conto assim como a revoluo da linguagem est para a arte nova, temos filhos se revoltando contra os pais. 3. BibliografiaLAFET, Joo Luiz. 1930: A Crtica e o Modernismo, 2000.ANDRADE, Mrio de. Contos novos, 1947ANDRADE, Oswald de. Manifesto Antropfago, 1928.RABELLO, Ivone Dar. A Caminho do Encontro: Uma Leitura de Contos Novos, 1999.SCHWARZ, Roberto. Sereia e o Desconfiado, Ensaios Crticos, 1981. LAFET, Joo Luiz. A Conscincia da Linguagem (Mrio de Andrade I) In: 1930: A Crtica e o Modernismo. No referido texto esse conceito bastante discutido e aprofundado.

In: Contos Novos

gente honesta, sem crimes, lar sem brigas internas nem graves dificuldades econmicas.,

Episdio que, ao contrrio do que foi visto sobre a morte do pai, foi cuidadosamente narrado em Tempo da Camisolinha.

Neste trecho podemos ver que os trs contos citados na Introduo se encontram. O narrador-personagem no s no esqueceu os fatos dos contos como reafirma a lembrana. Insiste neles, denunciando o incomodo que lhe causaram.

ANDRADE, Oswald. Manifesto Antropfago, 1928

Idem.

Merecedora pelas descries que recebe pelos contos, de que sempre foi submissa s ordens do marido, sempre muito carinhosa com seus filhos.

Citando o Manifesto Antropfago de Oswald de Andrade: O esprito recusa-se a conceber o esprito sem o corpo. O pai tinha de estar ali, seu esprito no podia permitir que a famlia continuasse sem ele, sem o corpo e sem o esprito.

Modo como Juca se refere a sua me nos outros contos, onde era mais novo, quando a questo edpica era mais acentuada, pois o trauma do corte do cordo umbilical era mais recente.

Louco como Juca, no conto analisado.

LAFET, Joo Luiz. A Conscincia da Linguagem (Mrio de Andrade I) In: 1930: A crtica e o Modernismo.