Trabalho Escrito Alena

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A abordagem dada a Israel em sua parceria com a União Européia, é moldada por uma combinação singular entre os parceiros da instituição: reunindo objetivos de países específicos do bloco, estratégias regionais compreendidas no âmbito da UE e de interesses globais, que vão além da relação bilateral entre ambos os atores. Desde 1948, cada Estado-membro da instituição pôde definir suas próprias relações diplomáticas com Israel, baseando-se para tal em seus próprios valores históricos, culturais, econômicos e políticos. Alguns se sentiam de alguma maneira responsáveis pelo ocorrido aos judeus II Guerra Mundial e, portanto, apoiaram fortemente a criação e a sustentação do Estado judeu 1 . No campo das relações bilaterais entre o bloco e Israel, reconhece-se a participação deste como o primeiro país do Oriente Médio a se associar ao quadro da Parceria Europa-Mediterrâneo – também conhecido por Processo de Barcelona em 1995 e relançada em 2007 com o nome União para o Mediterrâneo (Union for the Mediterrain). O grupo de países que fizeram parte da iniciativa de parceria não alcançou, entretanto, coesão na discussão de pautas: a questão da paz na Palestina fora deixada de fora do Processo de Barcelona, o que, no final das contas, acabou por não agregar mais valor às relações EU-Israel. 2 1 SPENCER, Claire, New Challenges for the EU-Israel Relations after Gaza War: A European Perspective. In: Israeli European Policy Network, abril 2009. 2 TERPAN, Fabien, EU-Israel Relations: in Search of Coherent and Consistent EU Foreign Policy. Panel H3 Europe’s Neighbourhood Policy, Garnet Conference – “The EU in International Affairs”, Bruxelas, 2010.

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Trabalho Uminho

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A abordagem dada a Israel em sua parceria com a União Européia, é moldada

por uma combinação singular entre os parceiros da instituição: reunindo objetivos de

países específicos do bloco, estratégias regionais compreendidas no âmbito da UE e de

interesses globais, que vão além da relação bilateral entre ambos os atores.

Desde 1948, cada Estado-membro da instituição pôde definir suas próprias

relações diplomáticas com Israel, baseando-se para tal em seus próprios valores

históricos, culturais, econômicos e políticos. Alguns se sentiam de alguma maneira

responsáveis pelo ocorrido aos judeus II Guerra Mundial e, portanto, apoiaram

fortemente a criação e a sustentação do Estado judeu1.

No campo das relações bilaterais entre o bloco e Israel, reconhece-se a

participação deste como o primeiro país do Oriente Médio a se associar ao quadro da

Parceria Europa-Mediterrâneo – também conhecido por Processo de Barcelona em 1995

e relançada em 2007 com o nome União para o Mediterrâneo (Union for the

Mediterrain). O grupo de países que fizeram parte da iniciativa de parceria não

alcançou, entretanto, coesão na discussão de pautas: a questão da paz na Palestina fora

deixada de fora do Processo de Barcelona, o que, no final das contas, acabou por não

agregar mais valor às relações EU-Israel.2

Muitos documentos de cooperação, nomeadamente o acordo de cooperação no

quadro da Política Européia de Vizinhança, lançada em 2004, (European

Neighbourhood Policy – ENP) ressaltam as semelhanças dos caminhos tomados pelos

dois atores e que permitem a conclusão de uma parceria mais próxima entre ambos: UE

e Israel atingiram elevado grau de desenvolvimento, o que permite o fortalecimento de

relações comerciais e econômicas; além do compartilhamento dos mesmos ideais

democráticos, baseados na representatividade das pessoas, na liberdade de expressão e

eleições justas e competitivas, valores estes raramente encontrados em outros países da

região do Oriente Médio.

Ademais, Israel também integra os tópicos do Conjunto de Estratégias Européias

para Segurança, documento redigido em fins de 2003, o qual expressa objetivos

específicos na área da segurança relacionados à UE e seus parceiros.

1 SPENCER, Claire, New Challenges for the EU-Israel Relations after Gaza War: A European

Perspective. In: Israeli European Policy Network, abril 2009.

2 TERPAN, Fabien, EU-Israel Relations: in Search of Coherent and Consistent EU Foreign

Policy. Panel H3 Europe’s Neighbourhood Policy, Garnet Conference – “The EU in International

Affairs”, Bruxelas, 2010.

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No campo econômico, a cooperação entre ambos merece destaque. Israel investe

quase 5% de seu PIB em programas de pesquisa e desenvolvimento, o que o torna um

dos maiores investidores em investigação tecno-cientíca do mundo e um parceiro

bastante oportuno nesse sentido3.

Além disso, a UE é um dos maiores aliados comerciais de Israel, com cifras

comerciais próximas aos 23 bilhões de euros, segundo dados de 20054. O bloco é a

maior fonte de importações para Israel e o segundo maior mercado para suas

exportações: 35% das exportações israelenses preenchem o mercado europeu5. Ainda,

os atores iniciaram em 2004 um processo de negociação para a liberalização do

comércio de serviços, produtos agrários e bens agrários processados. O setor de serviços

representa para ambos cerca de 75% do PIB e é quase um terço das exportações

israelenses6.

Não obstante os ganhos econômicos mútuos que a UE e Israel obtiveram desde o

inicio da parceria, será na questão das negociações de paz do Oriente Médio que

residirão os maiores interesses e ações da UE, como também os desentendimentos entre

os parceiros. Apesar disso, o fato não causou rompimentos ou graves desentendimentos

diplomáticos entre os países do bloco, muito menos impediu a continuidade do processo

de cooperação iniciado entre as partes já em 1975 pela então Comunidade Econômica

Européia.

A União Européia, contudo, configura-se atualmente como um ator internacional

muito complexo, que conjuga diferentes composições e é pressionado internamente por

diversas vertentes, o que interfere na construção de uma posição clara da Europa em

relação a Israel.

A questão do processo de construção de paz Israel-Palestina permanece como

um dos tópicos de maior destaque no âmbito da política externa da instituição. Assim, o

principal objetivo é traduzido como uma solução de “paz baseada em dois Estados, que

promova uma solução definitiva e solidária para a situação Israel-Palestina, dando-se

por meio de negociações entre Israel e um Estado palestino democrático, viável,

3 European Neighbourhood Partnership Instrument: Israel – Strategy Paper 2007-2013.

Disponível em: http://ec.europa.eu/world/enp/pdf/country/enpi_csp_nip_israel_en.pdf4 Idem.5 Ibidem.

6 Conclusões do Conselho Europeu, General Secretariat of the Council, Bruxelas setembro

2010.

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pacífico e soberano; capazes de coexistir lado a lado com fronteirs legais e reconhecidas

entre si; e com harmonia e segurança com seus países vizinhos”7.

Na reunião do Conselho Europeu de setembro de 2010, a organização reforçou

seu comprometimento em apoiar as negociações entre o Estado judeu a autoridade

palestina, seguindo a declaração do Processo de Paz no Oriente Médio. Neste contexto,

a União Europeia considera primordial que ambas as partes usem de “serenidade e

contenção e abstenham-se da tomada de decisões que por ventura comprometam o bom

andamento das negociações”8. Além disso, a UE encoraja ambas as partes a “manterem

os compromissos anteriormente assumidos, relembrando os princípios do direito

internacional”9 e “ao esforço para a cosntrução de um clima apropriado a resultados

positivos”10.

O bloco também atua junto a iniciativas palestinas que possam diminuir o estado

de conflito. A União é o maior doador financeiro para o povo palestino e um parceiro

político e econômico crucial de ambas as partes envolvidas11. Também, salienta-se o

envolvimento da UE, principalmente por meio do Quarteto (grupo comporto por

Estados Unidos, União Européia, Rússia e Nações Unidas em apoio ao fim da guerra no

Oriente Médio), para melhor assegurar o êxito das negociações de paz; e seu suporte à

criação do Estado Palestino, nomeadamente através da implementação do Plano Fayyad.

O bloco mantém Israel como um parceiro muito próximo, porém critica e prefere

não apoioar determinadas ações deste tanto no plano internacional quanto no nacional.

Ainda em 2010, foi de conhecimento público que a UE desaprovou a construção de

condomínios para judeus em Jerusalém Oriental12, território de maioria palestina.

Ademais, o bloco condenou das investidas israelenses sobre Faixa de Gaza e

7 European Neighbourhood Partnership Instrument: Israel – Strategy Paper 2007-201,3 pg. 3.

Disponível em: http://ec.europa.eu/world/enp/pdf/country/enpi_csp_nip_israel_en.pdf

8 Conclusões do Conselho Europeu, General Secretariat of the Council, Anexo III, pg. 11,

Bruxelas, setembro 2010.9 Idem, Anexo III, pg 11.10 Idem, Anexo III, pg 11.11 Idem, Anexo III, pg. 12.12 Disponível em: http://www.ejpress.org/article/news/western_europe/42936

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Cisjordânia realizadas 2006, 2008 e 200913 e chegou a considerar um draft paper que

apoiava Jerusalém como capital de um possível Estado palestino, em 200814.

Em suma pode-se dizer que a parceria UE-Israel é um sucesso no que tange à

esfera econômica e comercial, mas não atinge resultados significativos no campo

polítco; a principal razão para tal reside nos conflitos do Oriente Médio15.

Tendo em vista a complexidade da relação entre os atores em questão, suas

perspectivas sobre as mesmas temáticas, que não podem ser de outra maneira senão

valores historicamente construídos e baseados numa pluralidade de fatores, e que

refletem simultaneamente acordos e desacordos, êxitos de integração e insucessos que

os afastam; é que se pode dizer que tal relação seria satisfatoriamente analisada por

meio de uma abordagem construtivista das Relações Internacionais.

Diversos trabalhos que abrangem diferentes tópicos de investigação científica,

tais como as organizações internacionais, segurança internacional, formação de normas

na política internacional, temas classicamente abordados pelas teorias liberal ou realista

– juntamente com suas neo-roupagens – passaram a ser alvo de análise das lentes do

Construtivismo. Questões como a relação interesses e identidade dos Estados, a

evolução de normas internacionais, intervenções militares, ganharam uma nova visão

moldada a partir da ótica da teoria construtivista, em associação com temáticas como o

estranhamento cultural entre os Estados e as formas e as diversas maneiras de tratar o

OUTRO.

O construtivismo crê na convivência social como agente modificador dos

agentes, qual seja, os Estados, seus objetivos e ações concretas não podem ser tomados

como verdades a priori. Ainda, as idéias e normas compartilhadas e incorporadas às

identidades dos atores exercerão um papel delineador seja na constituição da realidade e

dos agentes, quanto na definição de seus interesses.

Identidades dizem respeito a quem os atores são e como criarão os alicerces para

seus os interesses, uma vez que não se consegue definir o que se deseja sem definir-se a

13 Conclusões do Conselho Europeu, General Secretariat of the Council, Bruxelas, setembro

201014Disponível em: http://www.guardian.co.uk/world/2009/dec/01/eu-draft-document-east-

jerusalem

15 SPENCER, Claire, New Challenges for the EU-Israel Relations after Gaza War: A European

Perspective. In: Israeli European Policy Network, abril 2009.

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si próprio16. Wendt (1999) dividirá os interesses em Preferências: tratando a forma como

atores buscarão satisfazer suas necessidades; e Objetivos: são necessidades ou funções

imperativas, frutos de sua identidade e que corresponderiam ao chamado interesse

nacional, referindo-se à sobrevivência física, à autonomia, ao bem-estar econômico e à

auto-estima de um povo.

As estruturas são tratadas pelo Construtivismo como sociais porque no plano da

ação, indivíduos levam uns aos outros em consideração, atuando com base em suas

crenças sobre ele mesmo – SELF – e sobre o OUTRO. Crenças estas podem ser

compartilhadas e neste caso constituem a cultura que atribuirão significado às

identidades e aos interesses dos Estados.

A UE atribui grande importância às ações internacionais para a solução do

conflito no Oriente Médio, vez que o bloco nasceu de um principio de extinção de

conflitos no continente europeu e solidificou-se desta maneira, sendo natural que o valor

de defesa da paz seja aplicado a suas ações no sistema internacional.

Diferentemente de outros países do mundo, com destaque para os EUA, que

adotam uma abordagem mais pragmática sobre o assunto, a instituição enxerga que as

origens do conflito Israel-Palestina são por demais complexas e estão baseadas em

conceitos étnicos e culturais que se agravaram com o decorrer histórico e enraizaram-se

profudamente como parte constituinte das identidades dos envolvidos. que estes

dificilmente conseguirão por si só chegar a uma solução justa, equilibrada e

mutuamente benéfica17.

Para tanto, as inciativas da UE intentarão a prestação de auxílios específicos a

fim de contribuir para a construção de um clima propício de interação e negociação

entre Israel e o povo palestino, no qual estes possam remodelar seus valores, ou seja,

alterar suas perspectivas identitárias acerca do um do outro, assegurando-se de que

ambos consentirão e seguirão as estipulações das já reconhecidas normas e valores

internacionais18, de modo a alcaçarem conjuntamente a já mencionada “paz baseada em

dois Estados”. A interação com Israel ocorre mais facilmente devido ao fato de este já 16 WENDT, Alexander Social Theory of International Politics, 1999.

17 YACOBI, Haïm e NEWMAN, David, “The EU in the Israel-Palestine Conflict”. In: DIEZ, T.

e STEPHAN, S., (eds.), The European Union and Border Conflicts: The Power of Integration and

Association, Cambridge University Press, 2008.

18 PANEBIANCO, Stefania, “The Constraints on the EU’’s Action as a Norm Exporter’ in the

Mediterrain”. In: SMITH, M. e Elgström, O. (eds), The European Union’s Roles in International

Politics, 2007.

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ser um Estado institucionalizado e de compartilhar valores comuns com a União, que já

proporcionaram maior aproximação no passado.

Não obstante tratar-se de assuntos de segurança internacional, não é caso de

aplicar teorias realistas de relações internacionais, pois não se pode afirmar que a UE

tem seus interesses traduzidos em termos de poder em relação à paz no Oriente Médio,

ou que tampouco esteja em busca de beneficiar-se de qualquer desequilíbrio na balança

de poder.

Wendt dirá que o poder é composto de valores construídos e contextos

situacionais19, isto é, poder é um conceito flexível, que serve a vários objetivos, pode ser

aplicado de distintas maneiras e não é um fim em si próprio. A paz na região é vista

como estratégica para Europa por diversos motivos, sem necessariamente cruzar a

fronteira com a sobrevivência do bloco e de seus membros20.

A parceria com Israel fornece diversos benefícios à UE, em especial no que diz

respeito ao campo econômico. A solução para o conflito Israel-Palestina é tida, não só

para a Europa, mas sim para vários outros Estados, como uma questão fundamental na

política externa. Apesar dos esforços globais, a paz parece estar longe de ser alcançada.

O maior desafio a ser trabalhado para o fortalecimento da parceria reside na conjugação

de valores para a questão da Palestina, assim como na construção de objetivos comuns

para a região.

19 Idem.

20 TERPAN, Fabien, EU-Israel Relations: in Search of Coherent and Consistent EU Foreign

Policy. Panel H3 Europe’s Neighbourhood Policy, Garnet Conference – “The EU in International

Affairs”, Bruxelas, 2010.