Trabalho de Projeto apresentado para cumprimento …...Cesare Brandi e a Teoria do Restauro 1.1...
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Trabalho de Projeto apresentado para cumprimento dos requisitos necessários à
obtenção do grau de Mestre em Artes Musicais, realizada sob a orientação científica da
Professora Doutora Isabel Pires
Apoio financeiro do Instituto Português dos Museus e Conservação.
ii
AGRADECIMENTOS
Quero aqui deixar o meu agradecimento a todos os que, de algum modo,
contribuíram para a realização deste trabalho, em particular:
À Professora Doutora Isabel Pires pela disponibilidade e apoio na orientação do
trabalho
À arquiteta Helena Barranha e à Direção do IMC, pelo apoio na realização do
estágio em Paris
Ao Vincent Fromont e à sua equipa do serviço de restauro do INA, pela simpatia
com que me receberam em Bry e em Paris
Ao Doutor Eduardo Leite, pela sua disponibilidade e colaboração na realização
este trabalho
À Ana, por tudo
iii
PRESERVAR O FUTURO
A SALVAGUARDA E O RESTAURO DE ARQUIVOS SONOROS EM
FRANÇA E PORTUGAL
Três exemplos de Intervenções de Restauro sobre Teatro Radiofónico
Português
ANTÓNIO JOSÉ MERCÊ DOS REIS CHAPARREIRO
Os documentos sonoros constituem parte do património cultural da humanidade.
A preservação e acesso deste património permitem a reactualização crítica dos
conteúdos sonoros que configuram uma parte da memória de uma sociedade. A
salvaguarda e restauro dos documentos sonoros constituem dois aspetos basilares do
processo da preservação do património. Neste trabalho de projeto a presenta-se uma
caracterização dos procedimentos técnicos do restauro em três peças de teatro
radiofónico português a partir de uma experiência no Institut National Audiovisuel
(INA) em Paris. As intervenções de restauro que aqui se apresentam, representam um
passo n sentido da revitalização e valorização de um património esquecido.
PALAVRAS-CHAVE: Restauro, Documentos Sonoros, Teatro Radiofónico
Português
iv
ÍNDICE
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 1
CAPÍTULO 1. Cesare Brandi e a Teoria do Restauro ............................................... 3
1.1 Teoria del Restauro ....................................................................................................... 3
1.2 O Conceito de Restauro segundo Cesare Brandi .......................................................... 4
CAPÍTULO 2. O Restauro de Documentos Sonoros ................................................ 11
2.1 Problemática ................................................................................................................ 11
2.2 O Documento Sonoro .................................................................................................. 12
2.3 A Preservação e Restauro de Documentos Sonoros.................................................... 14
2.3.1 A Digitalização da Informação ......................................................................................... 17
2.3.2 O Restauro do Documento Sonoro ................................................................................... 18
2.4 A Teoria Brandiana e o Restauro de Documentos Sonoros ........................................ 20
CAPÍTULO 3. Projeto ................................................................................................. 23
3.1 Objetivo ....................................................................................................................... 23
3.2 Método ........................................................................................................................ 23
3.2.1 Objeto ............................................................................................................................... 25
3.2.2 Pressupostos ...................................................................................................................... 27
3.2.3 Procedimentos ................................................................................................................... 27
3.2.4 Material ............................................................................................................................. 29
CAPÍTULO 4. Intervenções de Restauro ................................................................... 30
4.1 Exemplo 1: O Sapo e a Doninha ................................................................................. 30
4.1.1 Conteúdo dos Ficheiros .................................................................................................... 30
4.1.2 Análise dos ficheiros ......................................................................................................... 32
4.1.3 Operações de restauro ....................................................................................................... 35
4.2 Exemplo 2: Amor à Antiga .......................................................................................... 37
4.2.1 Conteúdo dos ficheiros ..................................................................................................... 37
4.2.2 Análise dos ficheiros ......................................................................................................... 39
4.2.3 Operações de restauro ....................................................................................................... 43
4.3 Exemplo 3: O Conde Barão ........................................................................................ 43
4.3.1 Conteúdo dos ficheiros ..................................................................................................... 44
4.3.2 Análise dos ficheiros ......................................................................................................... 45
4.3.3 Operações de restauro ....................................................................................................... 48
4.4 Discussão .................................................................................................................... 49
CONCLUSÃO ............................................................................................................... 51
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 52
v
LISTA DOS FICHEIROS NO ANEXO EM DVD .................................................... 56
ANEXO 1 ....................................................................................................................... 58
APÊNDICE 1 ................................................................................................................ 62
APÊNDICE 2 ................................................................................................................ 63
APÊNDICE 3 ................................................................................................................ 67
1
INTRODUÇÃO
Os documentos sonoros constituem parte do património cultural da humanidade.
Testemunhos das transformações sociais, culturais, artísticas e tecnológicas, registam a
memória sonora do mundo desde o último quartel do século XIX. Fontes de informação
e conhecimento sobre a vida dos povos, são um importante contributo para a história
cultural do mundo.
Parte deste património encontra-se atualmente em risco de desaparecimento
devido à obsolescência dos formatos analógicos provocada pelo advento das tecnologias
digitais, e ao tardio reconhecimento dos documentos sonoros enquanto património
cultural da humanidade que se repercute por vezes ainda na indefinição de politicas
adequadas para a preservação e valorização deste património.
A preservação do património sonoro, tal como ele é concebido atualmente,
envolve a conservação dos suportes físicos originais, a migração dos conteúdos sonoros
para cópias digitais de salvaguarda, e o restauro digital dos conteúdos. A intervenção de
restauro surge neste âmbito como estratégia de acesso a este património, pelo
restabelecimento da comunicabilidade do documento, facilitando a sua divulgação e a
reactualização dos seus conteúdos.
Seguindo esta concepção, o presente trabalho apresenta como objetivo a
caracterização dos procedimentos adequados para o restauro de documentos sonoros
enquanto operação estratégica no âmbito da preservação do património cultural no
quadro de um Arquivo Nacional, como o Arquivo da Rádio Televisão Portuguesa.
A coleção de Teatro Radiofónico do Arquivo da Rádio da RTP, não foi até hoje
objeto de qualquer projeto de restauro. Considerando a importância do teatro
radiofónico enquanto forma de expressão artística própria da rádio e merecedora de uma
maior divulgação, selecionou-se a coleção da série de programas “Noite de Teatro”,
como objeto do trabalho de restauro que aqui se apresenta.
No sentido de enquadrar e fundamentar as propostas descritas neste trabalho, e
tendo em conta as várias concepções existentes sobre a preservação e restauro de
documentos sonoros, considerou-se pertinente apresentar uma concepção geral do
restauro com base nas formulações teóricas de Cesare Brandi.
2
Assim, o primeiro capítulo é inteiramente dedicado à apresentação da Teoria do
Restauro de Cesare Brandi, documento fundador do restauro moderno, e que orientará
as intervenções de restauro realizadas neste trabalho.
O segundo capítulo focar-se-á na especificidade do restauro de documentos
sonoros, apresentando as principais distinções nas suas formulações teóricas, e também
em relação com as propostas de Brandi.
No terceiro capítulo apresenta-se a caracterização do projeto, definindo os
objetivos, procedimentos e objeto de trabalho.
O quarto capítulo descreve e fundamenta as operações de restauro sobre três
peças de teatro radiofónico do Arquivo da Rádio da Rádio Televisão Portuguesa.
3
CAPÍTULO 1. Cesare Brandi e a Teoria do Restauro
1.1 Teoria del Restauro
Publicada em Roma em 1963, Teoria del Restauro1 reúne um conjunto de textos
escritos por Cesare Brandi ao longo dos anos em que dirigiu o Istituto Centrale per il
Restauro2 (ICR) de Roma. Obra determinante para a História da Preservação do
Património Cultural, ela consubstancia o pensamento de Cesare Brandi sobre o restauro
e a obra de arte com base na sua atividade de Crítico e Historiador de Arte e na sua
experiência no ICR como restaurador e pedagogo. Fruto da reflexão continuada de
Brandi sobre o restauro e a obra de arte, Teoria del Restauro apresenta uma formulação
teórica do restauro articulada com a sua aplicação prática que iria permitir o
estabelecimento do restauro da obra de arte como disciplina científica dotada de uma
sólida fundamentação conceptual e metodológica.
A importância de Teoria del Restauro, a par da atuação de Brandi no ICR,
manifesta-se na elaboração de várias cartas3 sobre o património como a Carta de
Veneza de 19644 ou a Carta Italiana do Restauro de 1972, documentos fundamentais
para a prática e reflexão institucionais no âmbito da Preservação do Património Cultural
e adoptados pelas mais importantes organizações internacionais do sector como o
ICCROM ou o ICOMOS5.
1 Cesare Brandi, Théorie de la Restauration (Paris: Éditions Allia, 2011).
2 O Istituto Centrale per il Restauro, atualmente Istituto Superiore per la Conservazione ed il Restauro, foi
fundado em 1939 por Giulio Carlo Argan e Cesare Brandi, que o dirigiu até 1959. 3
Documentos elaborados em assembleias por especialistas de uma determinada área que estabelecem
conceitos, normas, e procedimentos com vista a uma posterior ratificação e aplicação por parte das
instâncias com poder de regulamentar e legislar sobre a matéria. 4 Beatriz M. Kühl, “Notas sobre a Carta de Veneza”, Anais do Museu Paulista 18 2 (2010): 295,
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-47142010000200008&lng=en&tlng=pt
(acedido em 26 de dezembro de 2011). 5 O ICCROM (International Centre For The Study of The Conservatiion and Restoration of Cultural
Property), organização intergovernamental com sede em Roma, foi criada pela Unesco em 1956, com
importante contributo de Brandi. O ICOMOS (International Council on Monuments and Sites) foi
criado em 1965 na sequência do II Congresso Internacional de Arquitetos e de Técnicos de
Monumentos Históricos realizado em Veneza de 25 a 31 de Maio de 1964, onde foi elaborada a Carta
de Veneza. Segundo Hassard há a acrescentar ainda, o ICOM (International Counsil of Museums), o
ICON (Institute of Conservation), e a ECCO (European Confederation of Conservator-Restorers
Organization), como organizações que adoptaram a teoria brandiana - Hassard, Frank, “Heritage.
Hermeneutics and Hegemony. A Study of Ideological Division in the Field of Conservation
Restoration” (PhD Thesis, Brunel University, 2006),
http://dspace.bucks.ac.uk/dspace/handle/10239/128 (acedido em 26 de dezembro de 2012).
4
Concebida principalmente a partir de um modelo de obra de arte centrado nas
Artes Plásticas, a teoria brandiana foi sujeita a reavaliação crítica em consequência da
crescente complexificação do objecto artístico e da evolução do conceito de Património
Cultural. Embora algumas das propostas de Brandi tenham sido postas em causa, os
fundamentos teóricos, éticos e metodológicos enunciados em Teoria del Restauro
continuam atuais e permitiram o alargamento do seu campo de ação e reflexão a grande
parte dos bens culturais e patrimoniais, como os documentos sonoros.
1.2 O Conceito de Restauro segundo Cesare Brandi
Na sua acepção mais abrangente, o termo restauro remete para uma intervenção
técnica que visa restabelecer, na medida do possível, uma função ou uma integridade
originais em produções humanas. Nesta concepção, direcionada para a reposição de um
estado das coisas anterior a uma deterioração, o restauro tanto se pode aplicar a
produções de carácter utilitário, artesanais ou industriais, como a obras de reconhecido
valor patrimonial.
O uso comum do termo, no entanto, acaba por se restringir quase
exclusivamente a produções de carácter artístico ou patrimonial, associado a um quadro
técnico, académico e científico específico. Esta concepção assume uma distinção entre
criação artística e produção industrial, distinção que fundamenta a disciplina, quer nos
seus aspectos técnicos quer teóricos.
Com efeito, se no caso de produções de caráter industrial, ou artesanal, o
restauro tem geralmente valor de reparação, ou seja, uma intervenção que procura
restabelecer a funcionalidade do produto e que se esgota nessa finalidade, no caso de
uma obra de arte, ou de outra criação de valor patrimonial relevante, o restabelecimento
da sua integridade implica, na medida do possível, a restituição das suas condições de
“concepção e legibilidade originais”6, ou seja, daquilo que a torna obra de arte. Não é
apenas a obra de arte que é restaurada materialmente, mas também a sua condição de
obra de arte e o seu valor patrimonial. A distinção que aqui se verifica provem, diz
Brandi, da especificidade própria da obra de arte no universo das produções humanas. E
é essa especificidade que, ao mesmo tempo que legitima, condiciona também a própria
intervenção de restauro.
6 Portaria nº 875/93, Diário da República, I Série-B, nº 217, 15 de setembro de 1993, p. 5003.
5
Para Brandi, a obra de arte é uma produção particular da atividade humana cuja
especificidade, enquanto produto da espiritualidade humana, se deve a um
reconhecimento ao nível da consciência individual dessa mesma especificidade.
Reconhecer uma obra de arte é não só reconhecer a singularidade da obra em si, mas
também reconhecer o que faz dela uma obra de arte e a distingue das demais produções
humanas. Segundo ele, esta característica peculiar da obra de arte não se determina com
base em premissas filosóficas, mas por fazer parte do quotidiano e da vida de cada um,
“[...] na medida em que [a obra de arte], sem que seja necessário interrogarmo-nos sobre
a sua essência ou sobre o processo criativo que lhe deu origem, ela começa a fazer parte
do mundo, da existência particular de cada indivíduo no mundo”7. Para Brandi não há
obra de arte enquanto a consciência não a reconhece como tal. Consequentemente, “[...]
todo o comportamento em relação à obra de arte, o restauro incluído, depende do
reconhecimento ou não da obra de arte enquanto tal”8. E esse reconhecimento, diz
Brandi, emana de um juízo estético que atribui à obra o seu valor artístico, a sua
artisticidade. É assim a experiência estética que dá sentido à obra de arte que é
continuamente re-criada sempre que aquela ocorre.
A obra de arte surge então dotada, a par da sua consistência material, de uma
dupla instância estética e histórica no momento em que é apreendida pela consciência:
estética, pelo reconhecimento do seu valor artístico; e histórica, enquanto produto
realizado num tempo e num lugar definidos.
Esta dupla instância da obra de arte e o vínculo existente entre esta e o restauro,
uma vez que este decorre do reconhecimento da obra de arte enquanto tal, permitem a
Brandi elaborar a seguinte definição do restauro:
O restauro constitui o momento metodológico do reconhecimento
da obra de arte, na sua consistência física e na sua dupla
7 “Et telle est, réellement, la caractéristique propre de l’oeuvre d’art, dans la mesure où, sans que l’on
s’interroge sur son essence ou sur le processus créateur qui l’a produite, ele commence à faire part du
monde, de l’existence particulière de chaque individu dans le monde” (Brandi 2011, 10) - tradução
nossa. 8 “[...] tout comportement vis-à-vis de l’oeuvre d’árt, y compris la restauration, dépend de la
reconnaissance ou non de l’oeuvre d’art en tant que telle” (Brandi 2011, 11) - tradução nossa.
6
polaridade estética e histórica, com vista à sua transmissão às
gerações futuras9.
O restauro torna-se um ato de interpretação crítica sobre uma realidade material
pré-definida de modo a manter viva a possibilidade da sua experiência estética no
futuro. É um processo que se inicia com o reconhecimento dos valores e significados
estéticos e históricos da obra nesse momento particular, e a partir do qual se baseará o
juízo crítico dos vários procedimentos técnicos e analíticos para a realização da
intervenção de restauro10
.
O momento particular do reconhecimento metodológico da obra de arte surge
então como uma consciencialização de uma realidade física, material11
, pois é na
matéria que os valores intangíveis da obra de arte se inscrevem e é através dela que eles
podem ser percepcionados, experienciados12
. “A matéria é tudo o que serve a epifania
da imagem”13
, declara Brandi. A matéria é assim, o veículo da imagem.
O objetivo último do restauro é então a preservação da possibilidade da epifania
da arte. Preservar essa possibilidade é preservar a intangibilidade da obra de arte, a sua
artisticidade que reside “num artefacto físico submetido a todas as leis do mundo
existencial e, portanto, à degradação e ao fim”14
. A preservação da artisticidade da obra,
dos seus valores estéticos e históricos, implica a preservação da sua consistência
material ou seja, abrandar os processos de degradação da matéria, reforçando a sua
9 “La restauration est le moment méthodologique da la reconnaissance de l’oeuvre d’art, dans sa
consistance physique et sa double polarité esthétique et historique, en vue de sa transmission aux
générations futures” (Brandi 2011, 12) - tradução nossa. 10
Jukka Jokiliehto, “Preservation Theory Unfolded”, Future Anterior 3 1, (2006): 4,
http://www.arch.columbia.edu/publications/futureanterior#V3N1 (acedido em 26 de dezembro de
2011). 11
Francesca Valentini, “Cesare Brandi’s Theory of Restoration: some principles discussed in relation
with the conservation of Contemporary Art” (paper apresentado no Seminário “Teoria del Restauro and
Restoration in Germany Today”, Hildesheim, Germany, 2007),
http://193.175.110.9/hornemann/german/epubl_txt/hildesheimsito.pdf (acedido em 26 de dezembro de
2011). 12
Jukka Jokiliehto, “Considerations on authenticity and integrity in world heritage context”, City & Time
2 1, (2006): 5, http://www.ct.ceci-br.org/novo/revista/viewarticle.php?id=44 (acedido em 26 de
dezembro de 2011). 13
“[...] c’est sous cet aspect que la matière se montre comme “tout ce qui sert à l’épiphanie de
l’image”” (Brandi 2011, 15) - tradução nossa. 14
“Cesare Brandi: Teoria e Praxis No Restauro Arquitectónico”, Opúsculo de Apoio ao Seminário
Internacional “Brandi e o Conceito de Espaço: Teoria e Praxis No Restauro Arquitectónico” e
Exposição “A Cento Anni dalla Nascita di Cesare Brandi”, organizados por José Aguiar, Delgado
Rodrigues, Ana Seruya e Nuno Proença, Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de
Lisboa, 28 de maio de 2007, 5, http://mestrado-
reabilitacao.fa.utl.pt/documentos/OpuscoloFAUTLisboa.pdf (acedido em 26 de dezembro de 2011).
7
consistência física e procurando restituir, mesmo que apenas potencialmente e naquilo
que for possível, o aspeto original ou o que seja o mais significativo da imagem15
.
Da consciência material da obra de arte enquanto veículo da imagem, Brandi
extrai um primeiro axioma do restauro: “Apenas se restaura a matéria da obra de
arte”16
.
A matéria é então o lugar e o momento do restauro17
: lugar, porque é ela que
garante a transmissão da artisticidade da obra; momento, por se efetuar no presente do
reconhecimento da obra de arte, independentemente da possibilidade dos juízos de valor
terem evoluído ao longo do tempo. Com efeito, e considerando que o valor de um
objeto é determinado pelas gentes e pelos contextos e que estes estão continuamente
sujeitos à mudança18
, o reconhecimento da obra de arte no momento em que ele ocorre
na consciência individual realiza-se sempre no presente, estando por isso enquadrado no
seu tempo.
O momento do reconhecimento da obra de arte faz emergir a sua historicidade
porquanto funde o presente da sua criação com o presente da sua recepção19
. A
contemporaneidade destas duas instâncias históricas representa, segundo Brandi, a
dialéctica própria do restauro, e acontece pela consciencialização de um veículo
material da obra que é em si mesmo um objecto histórico e sujeito à passagem do
tempo.
Brandi estrutura então o tempo da obra de arte em três momentos distintos: uma
duração relativa ao processo criativo da obra, conduzido pelo artista num tempo e lugar
determinados e que termina na realização da obra; o intervalo que vai da realização da
obra ao momento em que esta é atualizada na consciência individual; e o instante da sua
atualização na consciência individual20
.
15
Ibidem. 16
“On ne restaure que la matière de l’oeuvre d’art.” (Brandi 2011, 13) - tradução nossa. 17
Fidel Meraz, “Architecture and Temporality in Conservation Philosophy: Cesare Brandi” (PhD Thesis,
University of Nottingham, 2008), http://etheses.nottingham.ac.uk/819/1/Meraz-
Architecture_and_Temporality_in_Conservation_Philosophy.pdf (acedido em 26 de julho de 2012). 18
Helen Hughes, “Sharing Conservation Decisions or Who’s Afraid of Cesare Brandi?” Icon News 9
(March 2007): 41, http://www.helenhughes-hirc.com/blog/wp-content/uploads/2011/11/ICCROM-40-
42-IconNewsMARCH071.pdf (acedido em 26 de julho de 2012). 19
Fidel Meraz, “Architecture and Temporality in Conservation Philosophy: Cesare Brandi” (PhD Thesis,
University of Nottingham, 2008), http://etheses.nottingham.ac.uk/819/1/Meraz-
Architecture_and_Temporality_in_Conservation_Philosophy.pdf (acedido em 26 de julho de 2012). 20
Cesare Brandi, Théorie de la Restauration (Paris: Éditions Allia, 2011).
8
Qualquer intervenção de restauro deverá ter em conta estas três instâncias
históricas da obra de arte, e só deve ocorrer, segundo Brandi, no quadro do tempo
histórico do reconhecimento da obra de arte. Uma intervenção que considerasse apenas
o tempo histórico da criação da obra poderia criar uma obra diferente daquela que
motivara a intervenção. Do mesmo modo, uma intervenção que considerasse apenas a
segunda instância histórica, apagaria na obra a sua passagem pelo tempo, a sua história.
O presente do reconhecimento da obra de arte é então, segundo Brandi, o único
momento legítimo para a intervenção de restauro uma vez que é nele que a obra surge
simultaneamente no presente histórico, no passado, e na história.
Dado que só se restaura a matéria da obra de arte e que é nela que se inscrevem
os vestígios da passagem do tempo, frutos do desgaste inerente à sua materialidade ou
de intervenções humanas anteriores, a intervenção de restauro é em si mesma uma
intervenção histórica, realizada num determinado momento histórico, e que integrará a
própria história da obra, participando no processo da transmissão da obra às gerações
futuras21
. Com base nestas considerações, Brandi expõe então o segundo axioma do
restauro:
O restauro deve visar o restabelecimento da unidade potencial da
obra de arte, na condição que este seja possível sem cometer um
falso artístico ou um falso histórico, e sem apagar o menor vestígio
da passagem da obra de arte no tempo22
.
Para tal, Brandi propõe três princípios metodológicos que devem orientar a
atividade prática do restauro de acordo com os seus fundamentos teóricos. O primeiro
refere-se à visibilidade do restauro: a intervenção de restauro, enquanto ação histórica,
deve ser metodologicamente identificável, sem no entanto atentar à unidade da obra. A
intervenção de restauro deverá ser imperceptível à distância apropriada para a apreensão
da obra como um todo mas, “[...] imediatamente reconhecível, e sem o recurso a
instrumentos especiais, assim que a olhemos de perto”23
.
21
Ibidem. 22
“la restauration doit viser à rétablir l’unité potentielle de l’oeuvre d’art, à condition que cela soit
possible sans commettre un faux artistique ou un faux historique, et sans effacer la moindre trace du
passage de l’oeuvre d’art dans le temps” (Brandi 2011, 14) - tradução nossa. 23
“[...] la réintégration devra être toujours et facilement reconnaissable, sans pour autant nuire à l’unité
que l’on tend justement à reconstruire. C’est pourquoi la réintégration devra être invisible à la
distance à laquelle l’oeuvre d’art doit être regardée, mais immédiatement reconaissable, et sans
9
O segundo princípio, relativo à matéria de que resulta a imagem, estabelece que
aquela “[...] só é insubstituível quando colabora diretamente para a figuratividade da
imagem”24
. Resulta deste princípio uma grande liberdade de ação em relação aos
suportes e outras estruturas portadoras da imagem, até ao eventual sacrifício de alguma
consistência material da obra, dependendo do estado em que esta se encontra, mas
sempre “segundo os imperativos da instância estética”25
. Com este princípio, Brandi
afirma a primazia da instância estética da obra de arte, considerando que “[...] a
singularidade da obra de arte em relação aos outros produtos humanos não depende da
sua consistência material, nem da sua dupla historicidade, mas do seu carácter
artístico”26
.
O terceiro princípio, que se generalizou como princípio da reversibilidade,
prescreve que toda a intervenção de restauro não deve impedir, “[...] antes facilitar,
eventuais intervenções futuras”27
. Nenhuma intervenção de restauro poderá então ser
considerada definitiva, devendo ter em conta, no momento da sua realização, a eventual
necessidade de novas intervenções.
Com a Teoria do Restauro, e definido como “momento metodológico do
reconhecimento da obra de arte, na sua consistência física e na sua dupla polaridade
estética e histórica, com vista à sua transmissão às gerações futuras”28
, o restauro deixa
de ser apenas uma atividade caracterizada pelos seus processos práticos, para se
transformar no próprio lugar das problemáticas relacionadas com a Preservação do
Património29
. Assim articulado com o conceito de obra de arte, o restauro torna-se
l’utilisation d’instruments spéciaux, dés que l’on en viendra à la vision de près.” (Brandi 2011, 23) -
tradução nossa. 24
“Le deuxième príncipe est relatif à la matière dont resulte l’image, laquelle matière n’est
irremplassable que lorsqu’ell colabore directement à la figurativité de l’image.” (Brandi 2011, 24) -
tradução nossa. 25
“selon les impératifs de l’instance esthétique” (Brandi 2011, 13) - tradução nossa. 26
“[...] la singularité de l’oeuvre d’art par rapport aux autres produits humains ne dépend pas de sa
consistence matérielle, ni de sa double historicité, mais de son caractere artistique.” (Brandi 2011, 13)
- tradução nossa. 27
“Le troisième principe se rapporte au futur: c’est-à-dire qu’il préscrit que toute intervention de
restauration ne rende pas impossible, mais au contraire facilite, d’éventuelles interventions futures.”
(Brandi 2011, 24) - tradução nossa. 28
Cesare Brandi, Théorie de la Restauration (Paris: Éditions Allia, 2011), 12 - veja-se tradução nossa na
nota 9. 29
“En découle [...] la nécessité d’en articuler le concept, en se fondant non sur les procédés pratiques
qui caractérisent la restauration concrète, mais sur le concept d’oeuvre d’art dont ele reçoit sa
caracterization.” (Brandi 2011, 11) - tradução nossa.
10
atualização metodológica da obra de arte, permitindo a reconstituição do texto crítico da
obra de modo a preservá-lo e possibilitar a sua reactualização no futuro30
.
Sendo um texto que se inscreve no quadro de uma Filosofia da Arte, a Teoria do
Restauro apenas se concentra no restauro da obra de arte, e por isso exclui do seu
âmbito as restantes produções humanas. Nela, o restauro da obra de arte aparece em
primeiro lugar como um ato de discernimento, em que o observador reconhece a obra de
arte como um produto particular da espiritualidade humana e a separa do mundo das
coisas comuns. Este reconhecimento, que ocorre intuitivamente na consciência
individual do observador indo determinar o seu comportamento em relação a obra de
arte, surge através de uma consciencialização da materialidade da obra de arte. A
consistência física, que torna possível a experiência estética e consequente leitura dos
significados artísticos e históricos da obra de arte, também a expõe à passagem do
tempo, e por isso à degradação e eventual desaparecimento. Será então sobre a matéria
da obra de arte que incidirá o restauro.
Por outro lado, e a partir do momento em que o reconhecimento se dá na
consciência individual e determina o comportamento do indivíduo em relação à obra de
arte, incluindo o restauro, o indivíduo, enquanto personificação de uma consciência
universal, torna-se responsável pela preservação desse momento no futuro. Para Brandi,
esta responsabilidade faz do restauro um imperativo moral. Admitindo a universalidade
da experiência estética, quem a vive tem o dever moral de possibilitar essa mesma
experiência às gerações futuras.
30
Ibidem.
11
CAPÍTULO 2. O Restauro de Documentos Sonoros
2.1 Problemática
Os documentos sonoros registam a memória sonora do mundo desde a invenção
do fonógrafo em 1877 por Thomas Edison até aos nossos dias. Do cilindro de cera à fita
magnética, do disco de vinil ao iPod, eles testemunham das transformações sociais,
culturais, artísticas e tecnológicas ocorridas neste período histórico. Este testemunho
opera a vários níveis: por um lado pelos conteúdos que registam e por outro, pela sua
própria história enquanto artefactos marcados por sucessivas mudanças físicas,
materiais e tecnológicas. A história dos documentos sonoros é um reflexo das
transformações que ela regista.
Objetos tecnológicos, os documentos sonoros necessitam, em função do seu tipo
de suportes, de dispositivos apropriados que permitam a leitura e acesso aos seus
conteúdos. À medida dos desenvolvimentos e inovações nas tecnologias de gravação e
reprodução, alguns desses dispositivos foram-se tornando obsoletos, pondo em risco o
acesso aos conteúdos de muitos documentos sonoros. Preservar estes conteúdos passa
então pela conservação dos seus suportes e dispositivos de leitura, dos seus
conhecimentos técnicos e científicos específicos, mas também, pela migração dos
conteúdos para outros suportes mais recentes.
No entanto, e apesar da constituição de Coleções e Arquivos audiovisuais logo
nas primeiras décadas do século XX, o aprofundamento das problemáticas relacionadas
com a conservação e restauro de documentos sonoros31
é uma matéria recente32
. Apenas
em 1980 a UNESCO através da aprovação e publicação da “Recomendação para a
Salvaguarda e Conservação das Imagens em Movimento”33
reconhece o documento
audiovisual (embora ainda limitado aos documentos cinematográficos e televisivos)
como património cultural das nações e merecedor por isso da instauração de políticas
31
No que respeita às problemáticas relacionadas com a preservação dos bens culturais, os documentos
sonoros representam um subgrupo, com as suas especificidades técnicas e tecnológicas, que integra o
campo mais abrangente do audiovisual. Este inclui também os documentos de imagens em movimento. 32
Ray Edmondson, Audiovisual Archiving: Philosophy and Principles (Paris: UNESCO, 2004),
http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001364/136477e.pdf (acedido em 26 de janeiro de 2012). 33
“Recommandation pour la sauvegarde et la conservation des images en movement”, UNESCO, 27 de
outubro de 1980, http://portal.unesco.org/fr/ev.php-
URL_ID=13139&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html (acedido em 26 de janeiro de
2012).
12
com vista à sua preservação. Só em 1992, com o lançamento do programa “Memória do
Mundo”34
, a UNESCO viria a considerar o documento sonoro enquanto tal como parte
integrante do património audiovisual da humanidade.
Este atraso institucional na preservação dos documentos sonoros e audiovisuais
agudizou-se com o advento da tecnologia digital que subitamente condenava à
obsolescência as tecnologias analógicas sobre as quais assentavam a produção e
reprodução desses documentos. Só para o continente europeu, e com base nos
resultados dos projetos PRESTO35
e TAPE36
, estima-se atualmente um prazo de 20 anos
para a migração de perto de 200 milhões de horas de conteúdos audiovisuais37
para
arquivos digitais. Tendo em conta que uma grande parte deste património se encontra
em deficientes condições materiais e de conservação38
, a sua preservação é uma matéria
urgente e da maior importância.
2.2 O Documento Sonoro
Considerando a definição adoptada pela UNESCO no seu programa “Memória
do Mundo” para a Preservação do Património Documental da Humanidade, um
documento é tudo o “[...] que documenta ou regista qualquer coisa com uma intenção
intelectual deliberada”39
. Independentemente do tipo de suporte, um documento pode
ser textual, não-textual, audiovisual, ou mesmo virtual40
. A especificidade do
documento sonoro advém da natureza sonora dos seus conteúdos cuja apreensão se
realiza pela audição.
34
“Memory of The World”, UNESCO, http://www.unesco.org/new/en/communication-and-
information/flagship-project-activities/memory-of-the-world/about-the-programme/ (acedido em 26 de
julho de 2012). 35
“European Project Presto”, Presto - Preservation Technology for Broadcast Archives,
http://presto.joanneum.ac.at/projects.asp (acedido em 26 de julho de 2012). 36
“Tape Survey”, Tape - Training for Audio Preservation in Europe, http://www.tape-
online.net/survey.html (acedido em 26 de julho de 2012). 37
Dietrich Schüller, Audiovisual Research Collections and Their Preservation (Amsterdam: European
Commission on Preservation and Access, 2008), http://www.tape-
online.net/docs/audiovisual_research_collections.pdf (acedido em 26 de julho de 2012). 38
Richard Wright, “Annual Report on Preservation Issues for European Audiovisual Collections”, Presto
Space, 2005, 6, http://www.prestospace.org/project/deliverables/D22-6.pdf. 39
“Un document est ce qui "documente" ou "enregistre" quelque chose avec une intention intellectuelle
délibérée.” Ray Edmondson, Mémoire du monde: Principes directeurs (Édition révisée 2002) (Paris:
UNESCO, 2002), p. 6, http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001256/125637f.pdf (acedido em 26 de
julho de 2012) – tradução nossa. 40
Ibidem. No caso de documentos virtuais, considera-se o disco rígido como suporte, e os dados
electrónicos como conteúdos.
13
Um documento sonoro é um registo de uma gravação, uma fonografia. É o
produto material de um processo tecnológico que permite captar, fixar e reproduzir um
acontecimento sonoro. A operação fonográfica separa o acontecimento sonoro do
contexto da sua ocorrência41
, e materializa-o em informação enquanto conteúdo. O
documento sonoro é então constituído de um conteúdo e de um suporte físico que
preserva o conteúdo e permite a leitura deste.
Para existir enquanto tal, o documento sonoro, assim como os outros
documentos audiovisuais, necessita de um dispositivo tecnológico. Um dispositivo que
permita a sua constituição enquanto objeto sonoro inscrito num suporte material, e um
dispositivo que permita a sua leitura e reprodução. Normalmente, as tecnologias
associadas a um suporte determinado (discos, fitas, CD, etc.) cumprem as duas funções
de gravação e reprodução. No entanto, os avanços no desenvolvimento de sistemas de
leitura óptica em discos analógicos admitem outras possibilidades42
.
O documento sonoro regista um acontecimento que encontra no passado a partir
do momento em que termina a gravação. Nesse instante, o acontecimento torna-se
reprodutível e a gravação, enquanto suporte material do acontecimento, a primeira
geração dessa reprodutibilidade. A gravação é a matriz a partir da qual se originam as
várias gerações de cópias, em números que podem chegar aos milhões, nos mais
variados formatos. É comum, ainda hoje, uma obra musical surgir no mercado sob
vários formatos (CD, discos de vinil, mp3). O documento sonoro é deste modo,
enquanto artefacto, multiforme e reprodutível por natureza.
O documento sonoro é assim um artefacto tecnológico constituído de um
conteúdo informativo e do suporte material desse mesmo conteúdo. Estes dois aspetos
do documento sonoro são partes constituintes da memória e por isso, igualmente
41
Pierre-Yves Macé, “Phonographies Documentaires: Étude Du Document Sonore Dans La Musique
Depuis Les Débuts De La Phonographie” (Thèse de Doctorat, Paris VIII, 2009), 1.static.e-
corpus.org/download/notice_file/1098663/MaceThese.pdf (acedido em 26 de janeiro de 2012). É de
referir que em certas criações sonoras, particularmente no campo da Música Eletroacústica, do Rock,
ou do Teatro Radiofónico, o contexto da ocorrência do acontecimento sonoro é exatamente a operação
fonográfica. Nestes casos, no momento em que termina o processo criativo, é a operação fonográfica
que se materializa enquanto conteúdo. 42
O caso do fonoautógrafo é neste sentido paradigmático. Em 1857, Édouard-Léon Scott de Martinville
patenteou um aparelho capaz de registar vibrações sonoras em folhas de papel cobertas por uma
camada de carvão em torno de um cilindro. No entanto, a tecnologia do fonoautógrafo não permitia a
reprodução destas vibrações. Em 2008, investigadores dos Lawrence Berkeley Laboratories
conseguiram através de um sistema de leitura óptica fazer a leitura e reprodução de um dos registos
preservados. Aquela folha de papel escurecida com uma camada de carvão, que era até 2008 um
documento gráfico, tornou-se desde então, o mais antigo documento sonoro existente.
14
importantes43
. O suporte introduz informações sobre a sua própria materialidade e
tecnologia que complementam a leitura dos conteúdos nele registados. Com efeito, o
documento apenas regista o que a tecnologia e as condições técnicas possibilitam.
Esta consistência material do documento sonoro na qual se inscrevem os seus
conteúdos é uma propriedade que está associada à obra de arte brandiana. No entanto, e
quer se trate de um registo documental de um acontecimento concreto, ou de uma
criação sonora cuja gravação é a própria matéria da obra, ao invés da obra de arte
brandiana, o documento sonoro não é percepcionado através da sua consistência
material. Este aspeto do documento sonoro, que está na base das várias instanciações
materiais dos seus conteúdos, é, a par da sua reprodutibilidade, fundamental para se
compreender a especificidade da sua preservação e restauro.
2.3 A Preservação e Restauro de Documentos Sonoros
Em Guidelines on the Production and Preservation of Digital Audio Objects44
, a
International Association of Sound and Audiovisual Archives (IASA) prescreve o
seguinte:
1.2 O objetivo da preservação é proporcionar aos nossos
sucessores e aos seus clientes tanta informação quanto foi possível
obter nos nossos ambientes de trabalho sobre os fundos
depositados. [...]
1.3 Dado que o tempo de vida dos suportes de áudio está limitado
pela sua estabilidade física e química, bem como pela
disponibilidade de tecnologias de reprodução, e tendo em conta
que as tecnologias de reprodução podem em si mesmas ser fonte
potencial de danos para muitos suportes de áudio, o processo de
43
Ray Edmondson, Mémoire du monde: Principes directeurs (Édition révisée 2002) (Paris: UNESCO,
2002), http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001256/125637f.pdf (acedido em 26 de julho de 2012). 44
IASA Technical Committee, Guidelines on the Production and Preservation of Digital Audio Objects,
Kevin Bradley (ed), 2009, 2ª edição, www.iasa-web.org/tc04/audio-preservation (acedido em 26 de
janeiro de 2012).
15
preservação sempre teve a necessidade de recorrer à produção de
cópias que pudessem substituir o original como duplicados [...]45
Estes dois pontos tornam claras as prioridades da atividade da preservação e
restauro de documentos sonoros: são os conteúdos e não os suportes que importa
preservar46
. Preservar é assim garantir o acesso, presente e futuro, à informação sonora
contida nos documentos; o seu acesso é a razão de ser da preservação, e sem este
objetivo, escreve Edmonson, ela não teria sentido47
.
Segundo a IASA, duas orientações estratégicas deverão ser consideradas para a
preservação da informação: a preservação dos suportes, e a duplicação da informação. A
IASA apresenta-as nos seguintes termos:
a. [Pela] preservação do suporte
Apesar do tempo de vida da maior parte dos suportes áudio
não possa ser prolongado indefinidamente, esforços devem ser
desenvolvidos no sentido de manter esses suportes em boas
condições d’utilização o mais tempo possível. [...]
b. [Pela] duplicação da informação
Tendo em conta que a esperança de vida dos suportes e a
disponibilidade dos dispositivos técnicos é limitada, a
preservação a longo prazo dos documentos apenas pode ser
conseguida pela migração dos conteúdos para outros
suportes/sistemas quando se tornar necessário48
. [...]
45
“1.2 The aim of preservation is to provide our successors and their clients with as much of the
information contained in our holdings as it is possible to achieve in our professional working
environment. […] 1.3 As the lifespan of all audio carriers is limited by their physical and chemical
stability, as well as the availability of the reproduction technology and, as the reproduction technology
itself may be a potential source of damage for many audio carriers, audio preservation has always
required the production of copies that can stand for the original as preservation duplicates […]”
(IASA 2009, “Background”) – tradução nossa. 46
Richard Wright, “The Real McCoy: What Audiovisual Collections Preserve”, White Papers 211, BBC
Research & Development, http://www.bbc.co.uk/rd/publications/whitepaper211.shtml (acedido em 26
de janeiro de 2012). 47
Ray Edmondson, Audiovisual Archiving: Philosophy and Principles (Paris: UNESCO, 2004),
http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001364/136477e.pdf (acedido em 26 de janeiro de 2012). 48
“a. By preservation of the carrier: Although the life of most audio carriers cannot be extended
indefinitely, efforts must be made to preserve carriers in useable condition for as long as is
feasible. b. By subsequent copying of the information: Because the life expectancy of carriers
and the availability of hardware is limited, the preservation of the document in the long term
16
Pelas suas diferenças, estas duas orientações vão implicar princípios e
metodologias próprios para a preservação e restauro dos documentos sonoros. A
preservação dos suportes, e seus dispositivos técnicos, passa fundamentalmente por
estratégias de conservação, isto é, por operações que permitam prolongar fisicamente o
mais possível a duração de vida dos suportes e dispositivos de reprodução com vista a
possibilitar o acesso aos conteúdos nas suas condições originais durante o mais tempo
possível. Dado que, pela sua natureza de artefacto, os atributos intrínsecos do suporte
não são transferíveis, a sua reprodutibilidade e a disponibilidade da sua tecnologia
original são essenciais para permitir a recriação das condições de recepção e
presentação dos documentos sonoros no seu contexto histórico49
.
Esta modalidade de preservação centra-se principalmente nas condições de
armazenamento dos suportes, na reparação e reconstrução dos equipamentos, e na
realização de cópias materiais de acesso para deste modo minimizar o uso e
consequente desgaste dos documentos originais50
.
A outra orientação estratégica preconizada pela IASA para a preservação dos
documentos sonoros é a preservação através da duplicação da informação. Esta
modalidade opera pela migração, ou transferência, dos conteúdos de um documento par
outro tipo de suporte ou formato. Atualmente, e tendo em conta a obsolescência da
quasi totalidade dos suportes analógicos em consequência da generalização das
tecnologias digitais, a duplicação da informação significa a transferência dos conteúdos
para suportes digitais, ou digitalização. A digitalização permite não só a preservação dos
conteúdos em si mesmos, como facilita e multiplica o acesso aos documentos, e
reduzindo o manuseamento dos suportes originais, contribui para a conservação
destes51
.
can only be achieved by copying the contents to new carriers/systems when it becomes
necessary”- IASA Technical Committee, The Safeguarding of the Audio Heritage: Ethics, Principles
and Preservation Strategy, Dietrich Schüller (ed), versão 3, 2005, http://www.iasa-web.org/tc03/5-
safeguarding-information (acedido em 26 de janeiro de 2012) - tradução nossa. 49
Ray Edmondson, Audiovisual Archiving: Philosophy and Principles (Paris: UNESCO, 2004),
http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001364/136477e.pdf (acedido em 26 de janeiro de 2012). 50
IASA Technical Committee, The Safeguarding of the Audio Heritage: Ethics, Principles and
Preservation Strategy, Dietrich Schüller (ed), versão 3, 2005, http://www.iasa-web.org/tc03/5-
safeguarding-information (acedido em 26 de janeiro de 2012). 51
Stephen Foster et al. Mémoire du monde: Principes directeurs pour la sauvegarde du patrimoine
documentaire (Paris: UNESCO, 1995),
http://www.unesco.org/webworld/mdm/administ/fr/MOW_index.html (acedido em 26 de julho de
2012).
17
A preservação dos documentos sonoros pela duplicação digital da informação
envolve dois níveis de intervenção: a migração da integralidade da informação, e o
restauro sonoro do documento.
2.3.1 A Digitalização da Informação
No âmbito da preservação dos documentos sonoros, a digitalização consiste na
migração integral da informação contida em suportes analógicos para suportes de
armazenamento digitais. O resultado da duplicação digital da informação materializa-se
num ficheiro que funcionará como cópia de salvaguarda. Enquanto cópia de referência,
a cópia de salvaguarda deverá ser, na medida das possibilidades tecnológicas atuais,
uma reprodução rigorosa dos conteúdos do documento analógico. Neste sentido, deverá,
segundo Boston, conter não somente os conteúdos registados intencionalmente, como
também toda a informação involuntária acumulada no suporte ao longo dos anos da sua
história de artefacto físico sujeito ao desgaste, à degradação, e a todo o tipo de acidentes
e manipulações52
.
O processo de digitalização consiste no registo digital da leitura dos suportes
analógicos através de equipamentos de reprodução. Edmondson explica que este
processo implica a perda de informação53
, tornando-se necessário minimizar o mais
possível essa perda. Para tal, os procedimentos técnicos incidirão principalmente na
optimização da recuperação do sinal áudio dos suportes54
. Estes procedimentos incluem
a análise pormenorizada do estado de conservação dos suportes, a partir da qual se
determinarão as intervenções a exercer sobre os suportes (limpeza, ações de restauro55
),
escolha do equipamento mais adequado para a leitura dos mesmos.
52
George Boston, “Ethics and new technology”, in Audiovisual archives: a practical reader, Helen P.
Harrison (ed), (Paris: UNESCO, 1997),
http://www.fpdigital.com/Resource/Files/AudioVisualArchives.pdf (acedido em 26 de janeiro de 2012). 53
Ray Edmondson, Audiovisual Archiving: Philosophy and Principles (Paris: UNESCO, 2004),
http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001364/136477e.pdf (acedido em 26 de janeiro de 2012). 54
IASA Technical Committee, Guidelines on the Production and Preservation of Digital Audio Objects,
Kevin Bradley (ed), 2009, 2ª edição, www.iasa-web.org/tc04/audio-preservation (acedido em 26 de
janeiro de 2012). 55
Certas operações, como o achatamento de um disco ondulado, são intervenções sobre a matéria dos
suportes que visam melhorar, ou mesmo possibilitar, a leitura e migração dos conteúdos. Por vezes
irreversíveis, estas operações podem inviabilizar futuras leituras. São, portanto, operações cujo objetivo
é o restabelecimento de uma funcionalidade técnica – a legibilidade dos suportes por um equipamento –
e não a reatualização dos conteúdos.
18
Para o registo digital dos conteúdos deverá proceder-se seguindo recomendações
e normas processuais reconhecidas internacionalmente56
, com vista a obtenção de uma
transcrição rigorosa da integralidade da informação contida nos suportes analógicos.
2.3.2 O Restauro do Documento Sonoro
George Boston, em “Ethics and new technology”57
, apresenta um modelo de
preservação de documentos audiovisuais assente em três níveis de operações:
a. a réplica, ou cópia material do documento original.
b. a cópia histórica, ou seja, a cópia de salvaguarda.
c. a recriação do documento original, ou seja, “uma cópia que tenha sido
restaurada pela remoção de todas as distorções, defeitos, inscrições etc.
para proporcionar ao observador aquilo que foi visto ou ouvido pelo
criador do documento”58
.
Neste modelo, o restauro surge caracterizado como uma intervenção na matéria
sonora, e relacionado com o momento de acesso aos conteúdos. Tem também uma
finalidade: recriar as condições de concepção e legibilidade originais do documento. Por
outro lado, e dado que a realização da cópia histórica resulta de procedimentos
estandardizados, que não requerem decisões subjetivas59
, o restauro, enquanto operação
alternativa, surge assim, neste modelo, imbuído de uma dimensão subjetiva60
.
56
Sobre recomendações técnicas e normas processuais, ver, por exemplo: IASA Technical Committee,
Guidelines on the Production and Preservation of Digital Audio Objects, Kevin Bradley (ed), 2009, 2ª
edição, www.iasa-web.org/tc04/audio-preservation. 57
George Boston, “Ethics and new technology”, in Audiovisual archives: a practical reader, Helen P.
Harrison (ed), (Paris: UNESCO, 1997),
http://www.fpdigital.com/Resource/Files/AudioVisualArchives.pdf (acedido em 26 de janeiro de 2012). 58
“a copy that has been restored by removing all distortions, blemishes, annotations etc. to give the
observer what has been seen or heard by the creator of the document” – ibidem, 78, tradução nossa. 59
Ibidem. 60
De modo a restringir as decisões subjetivas, Peter Copeland subdivide a recriação da sonoridade
original do documento em duas tipologias: a cópia “objetiva”, em que as intervenções de restauro
decorrem em exclusivo de uma análise quantitativa do artefacto, dos seus conteúdos informativos, e da
tecnologia utilizada na sua criação; e a cópia “de serviço”, em que informações externas ao documento
original em si mesmo, como os contextos histórico, social, cultural ou artístico, da sua criação
contribuem para determinar as intervenções de restauro – Peter Copeland, Manual of analogue sound
restoration techniques (London: The British Library, 2008),
http://www.bl.uk/reshelp/findhelprestype/sound/anaudio/analoguesoundrestoration.pdf (acedido em 26
de janeiro de 2012).
19
A digitalização, enquanto transferência integral da informação, cristaliza os
conteúdos do documento, com todos os seu defeitos e imperfeições, num determinado
momento da sua história. A sua finalidade é preservar a informação contida no
documento, independentemente das condições de acesso ao mesmo. Melhorar estas
condições será objeto do restauro.
Assim, e tendo em conta o modelo proposto, o restauro limitar-se-á a operações
de correção e redução, ou remoção, da informação involuntária de modo a permitir uma
leitura mais fiel do documento tal como ele fora originalmente produzido.
Estas operações sobre o sinal sonoro consistem na remoção de ruídos e em
eventuais ajustamentos decorrentes de digitalizações problemáticas, ou em função da
finalidade prática do documento restaurado61
. Dois grupos de ruído constituem a
informação involuntária de um documento sonoro: os ruídos determinísticos e os ruídos
estocásticos62
. Os ruídos determinísticos são ruídos com frequências determinadas que
se introduzem no sinal intencional por via dos equipamentos e sistemas elétricos (como,
por exemplo, o sinal de linha de 50 Hz dos cabos elétricos). Os ruídos estocásticos, sem
frequências determinadas, dividem-se em ruídos impulsivos (clicks, pops, etc.) e ruídos
de persistência global (“sopro”)63
.
Se o propósito do restauro é possibilitar o acesso aos conteúdos originais do
documento, a natureza reprodutível e multiforme do documento sonoro permite
conceber várias modalidades de acesso em função do uso a que se destina o documento
e do âmbito dessa utilização (investigação, comercial, etc.)64
. Estas modalidades
configuram diferentes orientações do restauro que vão desde uma postura documental,
de intervenção mínima, e centrada nos conteúdos tal como eles foram preservados no
momento da digitalização, à remasterização comercial que adapta o documento ao gosto
contemporâneo, passando pela reconstrução do documento original. A orientação
funcional do restauro e a finalidade prática do documento tem implicações na amplitude
e extensão das operações de restauro.
61
Neste âmbito se insere, por exemplo, a reconstrução de um programa de rádio originalmente realizado a
partir de vários discos instantâneos. Esta operação de montagem implica a edição dos conteúdos
originais, e o reajustamento dos níveis. 62
Sergio Canazza, Noise and Representations Systems: A Comparison among Audio Restoration
Algorithms (Raleigh: Lulu, 2007). 63
Ibidem. 64
Ray Edmondson, Audiovisual Archiving: Philosophy and Principles (Paris: UNESCO, 2004),
http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001364/136477e.pdf (acedido em 26 de janeiro de 2012).
20
O restauro de documentos sonoros constitui assim um conjunto de operações
que, embora sob várias formulações e configurações, permite o acesso alargado a uma
parte importante do património cultural da humanidade. E o acesso alargado aos
documentos e reatualização dos seus conteúdos é a forma mais eficaz de preservar e
valorizar esse património.
2.4 A Teoria Brandiana e o Restauro de Documentos Sonoros
Com base na literatura consultada, constata-se que a literatura da especialidade
retém, em grande parte, os fundamentos e princípios operacionais enunciados por
Brandi na Teoria do Restauro, adaptando-os à realidade do documento sonoro65
. Com
efeito, com Brandi, a preservação do audiovisual comunga do mesmo objetivo
fundamental: assegurar o acesso permanente
a um património66
; da mesma
responsabilidade ética e moral para com as gerações futuras: “o objetivo da preservação
é proporcionar aos nossos sucessores e aos seus clientes tanta informação quanto foi
possível obter nos nossos ambientes de trabalho sobre os fundos depositados”67
; do
mesmo objeto: os conteúdos inscritos no documento enquanto registo de uma criação
intelectual deliberada68
. Neste sentido pode dizer-se que nos seus princípios gerais, a
preservação de documentos sonoros participa das propostas de Brandi.
No que respeita aos princípios metodológicos propostos por Brandi, pese embora
a adoção do princípio da reversibilidade69
, uma vez que eles assentam numa relação
65
É importante referir que, nas literaturas de língua inglesa, “restauro” designa as intervenções materiais
específicas sobre o documento. Por esta razão, os conceitos e princípios de Brandi, que assentam na
concepção do restauro como o conjunto de todas as operações envolvidas na preservação de um
património, serão considerados, nas literaturas de língua inglesa, no âmbito da preservação enquanto
conjunto de todas as operações necessárias para garantir o acesso permanente a um património. Assim,
o termo restauro no sentido brandiano terá neste contexto, valor equivalente ao de preservação. 66
Ray Edmondson, Audiovisual Archiving: Philosophy and Principles (Paris: UNESCO, 2004),
http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001364/136477e.pdf (acedido em 26 de janeiro de 2012).. 67
IASA Technical Committee, Guidelines on the Production and Preservation of Digital Audio Objects,
Kevin Bradley (ed), 2009, 2ª edição, www.iasa-web.org/tc04/audio-preservation (acedido em 26 de
janeiro de 2012) - veja-se tradução nossa na nota 45. 68
Ray Edmondson, Mémoire du monde: Principes directeurs (Édition révisée 2002) (Paris: UNESCO,
2002), http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001256/125637f.pdf (acedido em 26 de julho de 2012). 69
Dietrich Schüller, Lloyd Stickells & William Storm, “Audio archives”, in Guide to the Basic Technical
Equipment required by audio, film and television, George Boston (ed) (Milton Keynes: TCC, 1991),
39-62, in Audiovisual archives: a practical reader, Helen P. Harrison (ed), (Paris: UNESCO, 1997),
http://www.fpdigital.com/Resource/Files/AudioVisualArchives.pdf (acedido em 26 de janeiro de 2012).
George Boston, “Ethics and new technology”, in Audiovisual archives: a practical reader, Helen P.
Harrison (ed), (Paris: UNESCO, 1997),
http://www.fpdigital.com/Resource/Files/AudioVisualArchives.pdf (acedido em 26 de janeiro de 2012).
21
material única e exclusiva entre o suporte e seus conteúdos, eles não são inteiramente
aplicáveis ao documento sonoro: apesar da materialidade que lhe é dada pelo suporte, é
na sua natureza reprodutível e pluriforme do documento sonoro e audiovisual que reside
a sua especificidade.
Esta natureza do documento sonoro assume o segundo70
e terceiro71
princípios
de Brandi não já como princípios mas como condições próprias do restauro de
documentos sonoros72
. Com efeito, o facto de documento sonoro poder coexistir em
vários tipos de suporte, faz com que o documento sonoro não seja determinado por uma
materialidade específica; esta é portanto substituível.
Do mesmo modo, uma vez que o as operações de restauro procedem sempre a
partir de uma cópia de salvaguarda, cada restauro será sempre uma possibilidade entre
outras, uma interpretação, que não invalida outras possibilidades e reinterpretações;
nenhum restauro sonoro é definitivo. É assim possível a um documento corresponder
vários tipos de restauro em função do uso a que se destina, ou das diferentes visões do
restauro.
Fora do âmbito da preservação stricto sensu, se encontram a remasterização e
reconstrução de documentos sonoros, na medida em que estes processos envolvem
profundas alterações do sinal sonoro original (alterações no espectro frequencial, no
registo das dinâmicas, adição de efeitos, manipulação dos conteúdos, etc.). As cópias
remasterizadas, ou reconstruídas são, portanto, novas versões realizadas a partir dos
documentos originais destinadas à reintegração dos conteúdos destes no mercado. Estas
versões, embora reduzindo os contextos históricos e técnológicos da produção dos
documentos originais, acabam, no entanto, por contribuir para a o acesso aos seus
conteúdos.
Um dos propósitos mais referidos na literatura especializada sobre o restauro de
documentos sonoros é a reconstrução, ou recriação, do documento original, ou seja, a
reposição do estado do documento tal como as condições técnicas e um conhecimento
70
“A matéria só é insubstituível quando colabora diretamente para a figuratividade da imagem [...]
Resulta deste princípio uma grande liberdade de ação em relação aos suportes.” (Brandi, 2011, p. 24),
tradução nossa, ver nota 24 71
“O restauro não deve impedir, antes facilitar, eventuais intervenções futuras” (principio da
reversibilidade do restauro). (Brandi, 2011), p. 24, tradução nossa, ver nota 27. 72
Nos casos, por exemplo, em que seja necessário recorrer a operações de restauro sobre a matéria dos
suportes com vista a uma transferência dos conteúdos, os princípios metodológicos de Brandi mantêm
toda a sua aplicabilidade.
22
aprofundado destas o teriam permitido, “[...] para proporcionar ao observador aquilo
que foi visto ou ouvido pelo criador do documento”. Esta concepção entra em conflito
com as propostas de Brandi , uma vez que centra o restauro na primeira instância
temporal do documento – no tempo da sua criação – desvalorizando a sua passagem
pelo tempo histórico.
Assim sendo, e no sentido de orientar as operações práticas necessárias para a
realização deste trabalho de projeto, e tendo em conta a literatura consultada, procurar-
se-á seguir a concepção brandiana do restauro, sustentada no princípio da mínima
intervenção, tendo sempre em atenção o segundo axioma da Teoria do Restauro:
O restauro deve visar o restabelecimento da unidade potencial da
obra de arte, na condição que este seja possível sem cometer um
falso artístico ou um falso histórico, e sem apagar o menor vestígio
da passagem da obra de arte no tempo.
23
CAPÍTULO 3. Projeto
3.1 Objetivo
O trabalho de projeto que aqui se apresenta tem como objetivo caracterizar os
procedimentos adequados para o restauro de documentos sonoros enquanto operação
estratégica no âmbito da preservação do património cultural no quadro de um Arquivo
Nacional.
3.2 Método
A elaboração do trabalho obedeceu a uma calendarização em duas fases distintas
que consistiu, num primeiro momento, na realização de um estágio no Institut Nacional
de l’Audiovisuel (INA)73
em Paris, e posteriormente, na realização de intervenções de
restauro em documentos sonoros provenientes de um Arquivo de referência.
O estágio, que decorreu entre os dias 13 de setembro e 7 de outubro de 2011 nas
instalações do INA em Bry-sur-Marne e Paris, teve dois objetivos complementares: por
um lado, adquirir e desenvolver as competências técnicas e teóricas relativas aos
procedimentos de salvaguarda e restauro de documentos sonoros, e por outro, perceber
o papel do restauro no quadro de uma gestão integrada do património audiovisual numa
instituição de relevo internacional e pioneira na valorização desse mesmo património
como é o INA.
As atividades respeitantes aos procedimentos de digitalização de salvaguarda e
de restauro de documentos sonoros e audiovisuais foram desenvolvidas, seguindo uma
metodologia observacional, de modo a acompanhar e registar as ações e métodos de
trabalho dos técnicos nos seus locais de trabalho. A recolha de informações referentes à
enquadramento do restauro de documentos sonoros no funcionamento da instituição
procedeu-se através de entrevistas com os responsáveis dos vários serviços envolvidos
nessa gestão.
O restauro de documentos sonoros insere-se num Plano de Salvaguarda e
Digitalização de todo o acervo do INA iniciado em 1999 e cuja conclusão se prevê para
73
Criado em 1974, o Institut Nacional de l’Audiovisuel é o organismo responsável pela gestão do
património audiovisual público francês. Esta compreende, para além da preservação do seu acervo, a
sua comunicação, divulgação e comercialização desse património, investigação científica, formação
profissional, e pesquisa na produção e criação audiovisual.
24
2015 e que abrangerá um milhão de horas de documentos. A digitalização em massa dos
documentos é feita internamente num serviço próprio e externamente através da
prestação de serviços segundo um caderno de encargos. Os documentos analógicos que
apresentem quaisquer tipo de problemas serão encaminhados para o departamento de
restauro. Os documentos digitalizados entram um fluxo de trabalho que envolve o
controlo técnico, documentação e armazenamento dos ficheiros. As cópias de
salvaguarda são armazenadas em duplicado em dois lugares distintos e separados por
mais de trinta quilómetros.
O departamento de restauro tem a seu cargo, além do restauro em si mesmo, a
digitalização de documentos analógicos que apresentem sintomas de deterioração
material, mas também de documentos requeridos por necessidades de programação
radiofónica (atualidades, programas especiais, etc.), ou de gestão do acervo (coleções,
séries de programas, etc.). O planeamento das intervenções de restauro é feito em
função de encomendas quer internas ou externas (programas de rádio, divulgação
cultural, edições comerciais, investigação, etc.).
A segunda fase do trabalho, que aqui se apresenta, envolve a realização de
intervenções de restauro em documentos sonoros, e implicou a colaboração da Rádio
Televisão Portuguesa (RTP) através do Departamento do Arquivo da Rádio, em
particular do seu Chefe de Departamento, Dr. Eduardo Leite.
A RTP é o organismo responsável em Portugal pela gestão do património
audiovisual das rádios e televisões públicas. Enquanto concessionária do serviço
público de rádio, a RTP está legalmente incumbida de “manter e actualizar” os arquivos
sonoros74
. Estes consistem atualmente em cerca de 70.000 horas de documentos, das
quais 40.000 de produção própria. Em 1990, iniciou-se um programa de migração do
arquivo sonoro para fita digital (DAT) cujo volume ascende hoje a cerca de 30.000
horas de documentos digitalizados. Considerando que a tecnologia DAT se encontra
atualmente também ela em risco de obsolescência, a preservação destes documentos
passa por uma nova migração para outros tipos de armazenamento digital; seja a partir
das fitas digitais, seja a partir dos suportes analógicos originais.
Em termos de preservação dos documentos sonoros, o funcionamento do
Arquivo da Rádio da RTP centra-se principalmente na gestão material dos documentos
74
Lei nº 54/2010 (Lei da Rádio), Diário da República, I Série, nº 248, 24 de Dezembro de 2010.
25
e na sua digitalização, não integrando a atividade do restauro nesse funcionamento. O
acesso aos documentos, interna ou externamente é assaz condicionado.
3.2.1 Objeto
De modo a caracterizar as operações de restauro de documentos sonoros no
âmbito da preservação, divulgação e valorização do património cultural português,
escolheu-se a série de programas “Noite de Teatro”75
da coleção de teatro radiofónico
do Arquivo da Rádio da RTP como objeto deste trabalho de projeto. Para esta escolha
contribuíram, por um lado, a importância que teve o teatro radiofónico na programação
da Rádio em Portugal, e por outro, a própria especificidade do teatro radiofónico
enquanto produção cultural e artística.
Da série “Noite de Teatro”, que contabiliza 279 entradas de registo de 1958 a
1996 no Arquivo da Rádio da RTP, foram selecionadas três peças para amostragem dos
procedimentos de restauro. A seleção foi feita com base na informação contida nos
registos de arquivo, dando preferência a documentos mais antigos, e à presença de
música original, ou de números cantados.
A coleção de teatro do Arquivo da Rádio da RTP encontrando-se já digitalizada,
as peças foram facultadas em ficheiros estereofónicos copiados a partir das fitas
digitais76
codificados em formato WAVE, com uma taxa de amostragem de 44.1kHz e
16 bits por amostra.
Dada a escolha de peças de teatro radiofónico para a realização deste trabalho, e
considerando a singularidade do teatro radiofónico no âmbito das produções sonoras,
torna-se necessário uma breve apresentação dessa singularidade.
Na História da Rádio, o ano de 1924 regista o aparecimento do teatro
radiofónico enquanto nova forma de arte sonora que utiliza a rádio como meio de
expressão. Nesse ano, duas obras escritas expressamente para a rádio, vão revelar o
potencial criativo e dramático deste novo meio de expressão: Danger de Richard
Hughes, e Marémoto, de Pierre Cusy e Gabriel Germinet.
75
O programa “Noite de Teatro” teve início na Emissora Nacional por volta de 1959 sob a direção de
Edgar Marques. Em 1997, já na Antena 2, foi substituído pelo programa “Teatro Imaginário” de
Eduardo Street - Eduardo Street, O Teatro Invisível – História do Teatro Radiofónico (Lisboa:
Antestreia, 2004). 76
As digitalizações realizadas a partir dos anos 90 não foram feitas a partir das fitas originais, mas a partir
de cópias realizadas nos anos 70 para o então criado Arquivo Histórico da Emissora Nacional (1970).
26
Danger, difundida pela BBC a 15 de Janeiro, encena um grupo de mineiros
mergulhados na obscuridade de uma mina de carvão após um desmoronamento. Apenas
o som poderá salvar os mineiros. Ao eliminar toda e qualquer referência visual na peça,
Hughes concentra toda a ação na produção e escuta dos sons, em que qualquer ruído
pode ser sinal de salvação ou de tragédia.
Marémoto foi escrita para um “Concurso de Literatura Radiofónica” organizado
pelo jornal Impartial Français, do qual saiu vencedora ex-aequo com a peça Agonie de
Paul Camille. Marémoto relata o naufrágio de um navio no meio de uma tempestade
através dos pedidos desesperados de ajuda enviados via rádio pelos marinheiros. A obra
está concebida para surgir como intromissão num programa de uma emissão regular,
dando assim a sensação de se estar a assistir a um naufrágio em direto. Em Marémoto, é
a própria rádio que se encontra no centro da peça77
.
Ambas as peças exploram e desenvolvem as possibilidades sonoras que a rádio
oferecia para a criação de ambientes: ruídos, efeitos sonoros, uso de planos sonoros, etc.
Estes elementos estão meticulosamente planeados nos guiões78
, tornando-se parte da
estrutura dramática da obra.
A partir do modelo criado por estas obras, o teatro radiofónico transforma-se na
modalidade artística da rádio, englobando praticamente todas as outras possibilidades da
rádio79
. Com efeito, a produção de uma peça de teatro radiofónico envolve voz, ruído,
texto, música, gravações, sistemas de reprodução, microfones, equipamentos de
gravação, etc.
No teatro radiofónico, tal como para as produções de Música Eletroacústica ou
de Rock, a gravação é o meio de produção da obra artística. A obra é o documento
sonoro, “o resultado de uma atividade ao mesmo tempo artística e técnica”80
.
77
Cécile Meadel, “Mare-Moto. Une pièce radiophonique de Pierre Cusy et Gabriel Germinet”, Réseaux
10 nº52, 1992. 78
No guião de Danger são requeridos o ruído de uma explosão, água a correr, passos, o som de uma
picareta e um efeito de eco para criar a ilusão de um túnel – “Danger”,
http://emruf.webs.com/british/danger.htm (acedido em 26 de julho de 2012). No guião de Marémoto,
sob a denominação “décors sonores”, surgem discriminados o mar, o vento, a chuva, a sirene, bem
como as técnicas necessárias para as suas recriações em studio - Cécile Meadel, “Mare-Moto. Une
pièce radiophonique de Pierre Cusy et Gabriel Germinet”, Réseaux 10 nº52, 1992. 79
Fernando Curado Ribeiro, Rádio. Produção-Realização-Estética (Lisboa: Arcádia, 1964). 80
“L’oeuvre est le résultat de cette activité à la fois artistique et technique” - Roger Puivet, Philosophie
du Rock. Une ontologie des artefacts sonores (Paris: PUF, 2010), 12 – tradução nossa.
27
3.2.2 Pressupostos
As ações a desenvolver no restauro de um documento sonoro estão sempre
dependentes, para além da qualidade da cópia de salvaguarda, de dois outros aspectos
importantes: um é o objeto sonoro em si mesmo dotado de uma configuração particular
e portador de informações áudio analisáveis quantitativamente, mas também enquanto
produto cultural específico agregado a um contexto determinado. Restaurar um debate
político ou a leitura de um poema implicará escolhas e procedimentos diferenciados.
Outro aspeto, é a finalidade prática da intervenção de restauro. O restauro para uma
edição comercial implicará uma abordagem e investimento diversos de um restauro para
uma investigação.
Nos três exemplos de restauro escolhidos para este trabalho, assumiu-se como
tipologia de destino a cópia para divulgação pública ou institucional. Ou seja, admitiu-
se que a finalidade destas intervenções de restauro fosse a divulgação pública destas
obras, seja através de um sítio na internet, de radiodifusão, ou mediatecas. Deste modo,
as intervenções de restauro foram orientadas no sentido de facilitar a leitura dos
conteúdos das obras, e possibilitar a reactualização da sua experiência estética, sem
obliterar a sua historicidade.
Embora, em última instância, o ouvido tenha sempre a última palavra, procurou-
se seguir, tanto quanto possível, os pressupostos brandianos do restauro.
3.2.3 Procedimentos
A realização das intervenções de restauro nas três peças envolveu duas fases
distintas. A primeira consistiu na análise dos dados dos ficheiros, e a segunda, nas
operações de restauro em si mesmas.
A análise dos ficheiros incidiu principalmente sobre três dos seus aspetos: o
nível do sinal sonoro; o registo de frequências; e a relação de fase dos dois canais, uma
vez que as cópias de salvaguarda foram realizadas a partir de fitas magnéticas
analógicas com sinal monofónico.
Num primeiro momento, procedeu-se à uma análise estatística dos ficheiros
efetuada com um editor de áudio. Esta leitura informa sobre os níveis dos sinais (níveis
de energia máxima, ou pico, e médio) de ambos os canais, o que permite desde logo,
28
verificar o grau de discrepância que existe entre os canais. Seguiu-se uma observação ao
registo de frequências com um analisador de frequências ou pela amostragem do
espectrograma do ficheiro. Fez então uma avaliação do equilíbrio das fases dos dois
canais.
A análise estatística dos dados permite um conhecimento mais objetivo dos
ficheiros, e assim determinar mais claramente as operações e o alcance destas, no
processo de restauro. Estas operações foram acompanhadas de audições de
familiarização de modo a ter uma percepção da sonoridade global dos ficheiros, e
articulada com a análise de modo a conferir os resultados desta.
Para as operações de restauro, procurou-se seguir, salvaguardadas as diferenças
técnicas, o modelo de trabalho aprendido durante o estágio no INA. Assim, em primeiro
lugar, operou-se sobre a remoção dos ruídos impulsivos incidentais (clicks ou estalidos),
e dos impulsos parasitas continuados (crackles ou crepitações). Procedeu-se então à
atenuação do ruído de linha, e então do sopro. Estas operações foram, numa primeira
fase, realizadas automaticamente através de aplicações dedicadas ao restauro sonoro,
com parametrizações específicas para cada ficheiro, ou mesmo para diferentes
ambientes sonoros dentro de um mesmo ficheiro. As parametrizações utilizadas nestas
operações foram definidas tendo em conta o modelo de restauro proposto para este
trabalho; estas parametrizações são subjetivas, definidas auditivamente e por isso
assentes num nível mínimo de intervenção. Posteriormente, procedeu-se à remoção
manual e em tempo real dos ruídos que ficaram fora dos limites das parametrizações dos
processos automáticos.
Tendo em consideração o baixo nível do sinal da maioria dos ficheiros, e
também os desequilíbrios entre os ficheiros de uma mesma peça, foi necessário
aumentar e ajustar os níveis de sinal dos ficheiros. Os silêncios iniciais e finais de cada
ficheiro foram reduzidos a dois segundos com entrada em “fade-in” e saída em “fade-
out”.
Os ficheiros restaurados foram depois exportados em formato WAVE,
estereofónico, com uma taxa de amostragem de 44.1 kHz e 16 bits por amostra81
.
81
As organizações internacionais (IASA, UNESCO) recomendam para a exportação de ficheiros sonoros
uma taxa de amostragem de 48 kHz e 20 bits por amostra. Neste caso, e seguindo uma recomendação
da UNESCO, manteve-se a mesma codificação dos documentos fornecidos - Stephen Foster et al.
Mémoire du monde: Principes directeurs pour la sauvegarde du patrimoine documentaire (Paris:
29
3.2.4 Material
Nestas operações de restauro utilizou-se o seguinte material:
a. Hardware
Computador iMac, OS X, 10.7.5
Mesa de mistura Roland VM-3100 PRO
Colunas Roland DS-50 A
b. Software
iZotope RX 2 Advanced v2.00.253, iZotope, Inc.
Flux Stereo Tool, Flux Sound and Picture Development
Wave Editor 1.5.0, Audiofile Engeneering, LLC
Logic Pro 9, v9.1.3, Apple Inc.
UNESCO, 1995), 63, http://www.unesco.org/webworld/mdm/administ/fr/MOW_index.html (acedido
em 26 de julho de 2012).
30
CAPÍTULO 4. Intervenções de Restauro
4.1 Exemplo 1: O Sapo e a Doninha
Escrita em 1928 por Amílcar Ramada Curto, a peça de teatro O Sapo e a
Doninha foi objeto de duas adaptações radiofónicas para a rádio pública nacional: a
primeira, cuja gravação decorreu a 11 de Julho de 1962, para o programa “Noite de
Teatro” da Emissora Nacional; e a segunda, para o programa “Tempo de Teatro” da
Rádio Difusão Portuguesa, gravada e emitida a 28 de Janeiro de 1987. Desta última
existe uma nota de produção com guião do programa acessível no sítio do Museu
Virtual da RTP82
com a menção de inexistência de registo sonoro. A adaptação de 1962,
e objeto deste trabalho de restauro, embora não constando do referido sítio, subsiste
enquanto registo sonoro no Arquivo da Rádio Difusão Portuguesa (RDP) 83
.
A adaptação de 1962 de O Sapo e a Doninha foi produzida com a direção
artística de Edgar Marques, realização técnica de Jorge Alves, assistência técnica de
Filipe Carinhas, e música de Joaquim Luís Gomes e Eduardo Pestana. Nela
participaram os seguintes atores: Lurdes Norberto, Beatriz de Almeida, Rui de
Carvalho, Augusto Figueiredo, Madalena Sotto, Andrade e Silva, Hortense Luz, e
Carmen Dolores. A interpretação musical esteve a cargo da Orquestra Ligeira da
Emissora Nacional, dirigida por Joaquim Luís Gomes.
A peça está registada em fita magnética, em duas cópias datadas de 1979, que
correspondem às bobinas nº 1720 e nº 1721 do Arquivo Histórico de Documentação
Sonora da RDP, conforme boletim de informação das mesmas84
. Foi a partir dessas
cópias que foram feitas as transferências para fitas magnéticas digitais (Digital Audio
Tape - DAT) com os número de referência AHD1720 e AHD1721 do Arquivo da RDP.
4.1.1 Conteúdo dos Ficheiros
Do ficheiro AHD1720, com a duração de total de 59 minutos e 23 segundos
(59’23’’), constam os seguintes elementos:
82
http://museu.rtp.pt/#/pt/arquivo?areaArquivo=radio 83
Não foi possível localizar a nota de produção e respectivo guião do programa. Também não foi possível
determinar a data da sua emissão. Nos vários documentos acedidos, apenas consta a data de gravação. 84
Ver Apêndice I – Notas de registo das bobinas da peça de teatro radiofónico O Sapo e a Doninha.
31
i. Apresentação de uma exposição de Edgar Marques sobre Ramada Curto
por Jorge Alves (8’’);
ii. Apresentação da peça e do autor (Ramada Curto) por Edgar Marques85
(1’47’’);
iii. Separador musical (37’’);
iv. Apresentação do programa, com leitura da ficha técnica e descrição do
cenário da peça por Jorge Alves sobre separador musical em fundo
(1’46’’) ;
v. 1º Ato (25’31’’);
vi. Separador musical (1’16’’);
vii. 2º Ato (26’47’’).
Do ficheiro AHD1721, com a duração de total de 40 minutos e 44 segundos
(40’44’’) constam os seguintes elementos:
i. Separador musical (1’17’’);
ii. 3º Ato (36’21’’);
iii. Separador musical (50’’);
iv. Conclusão do programa com releitura da ficha técnica por Jorge Alves
sobre separador musical em fundo (39’’);
v. Conclusão musical (1’14’’).
Após uma audição de familiarização, constata-se que, ambos os ficheiros
aparentam uma qualidade sonora constante, não se registando oscilações significativas,
quer de nível, quer espectral. Também não revelam falhas ou perdas de informação. Os
conteúdos são perceptíveis.
No entanto, se cada um dos ficheiros, tomados individualmente, apresenta uma
qualidade sonora satisfatória, quando comparados, eles apresentam algumas diferenças
tímbricas. Procedeu-se então a uma análise comparativa dos ficheiros, de modo a
compreender melhor essas diferenças e facilitar o trabalho de restauro.
85
O boletim de informação das bobinas – veja-se o Apêndice 1 - atribui incorretamente a apresentação da
peça e do autor a um certo Edgar Jacques, como se pode verificar pela audição da peça. Esta
informação também transitou para a listagem do Arquivo Digital do Teatro Radiofónico da RDP.
32
4.1.2 Análise dos ficheiros
Dos dados estatísticos revelados pela análise efectuada com um editor de áudio
(Wave Editor), e apresentados nas Figuras 1 e 2, verifica-se a existência de uma
diferença de amplitude superior a 4 dB nos picos das ondas sonoras, e que essa
diferença reflete a configuração geral do ficheiro com base nos valores médios
(Average) de potência sonora.
Constata-se igualmente a existência de equilíbrio entre os dois canais do ficheiro
AHD1720 em contraste com a manifesta diferença entre os dois canais do ficheiro
AHD1721 (31 %). Refira-se também o baixo nível de sinal aquando da digitalização,
sobretudo no ficheiro AHD1720 (-9 dB).
Figura 1: Dados estatísticos do ficheiro AHD1720 Figura 2: Dados estatísticos do ficheiro AHD1721
Em relação aos registos frequênciais dos ficheiros apresentados nos
espectrogramas das Figuras 3 e 4, verifica-se a existência de um espectro frequêncial
alargado no ficheiro AHD1720, com presença constante de altas frequências (Figura 3),
enquanto que no ficheiro AHD1721 (Figura 4), nota-se uma maior intensidade sonora,
sobretudo até aos 3000 Hz, mas com uma maior diminuição de intensidade nas
frequências acima dos 10 000 Hz. Constata-se igualmente uma é de notar a diminuição
das altas frequências no início e fim do ficheiro, este facto pode sugerir problemas no
início e fim de uma das bobines usadas para o registo do programa (Figura 4).
33
Figura 3: Espectrograma do ficheiro AHD1720
Figura 4: Espectrograma do ficheiro AHD1720
No que se refere às relações de fase dos dois canais de cada ficheiro, recorrendo
a uma análise com representação visual da imagem estereofónica da onda, fornecida
pela aplicação Stereo Tool, mostrada nas Figuras 5 e 6, revelou a instabilidade fásica do
ficheiro AHD1721.86
86
As representações apresentadas referem-se a dois instantes determinados. Não correspondem a uma
imagem estereofónica da onda na sua totalidade. Refletem no entanto, os comportamentos sonoros de
cada um dos ficheiros.
34
Figura 5: Imagem estereofónica do ficheiro
AHD172
Figura 6: Imagem estereofónica do ficheiro
AHD1721
Dos dados recolhidos nesta análise, a observação mais relevante é a diferença na
estrutura interna dos dois ficheiros, diferença que já era perceptível à audição. O
equilíbrio e a constância do ficheiro AHD1720, quer ao nível da intensidade sonora
como ao nível espectral, em contraste com a grande instabilidade fásica e relativa perda
de altas frequências do Ficheiro AHD1721.
Estes dois aspetos, a par da diferença da diminuição das altas frequências no
início e fim do ficheiro, sugerem a existência de problemas físicos em alguma das
gerações dos suportes analógicos utilizados até à sua digitalização, fator que poderá ter
impossibilitado qualquer correção. Outra razão possível para os problemas constatados
seria uma transcrição menos cuidada deste ficheiro em particular.
À audição, ambos os ficheiros revelam a presença constante de ruídos
impulsivos, como o que se observa na Figura 887
; são audíveis igualmente, ruídos
contínuos como o sopro e o ruído de linha a 50 Hz, este último com bastante
persistência, como se vê na Figura 988
.
87
Exemplo sonoro no DVD em Anexo. 88
Idem.
35
Figura 8: Ruído impulsivo (“click”)
Figura 9: Ruído de linha 50 Hz e harmónicos
4.1.3 Operações de restauro
Com base nos dados recolhidos pela análise aos ficheiros, e considerando a
possibilidade dos desequilíbrios entre os dois canais do ficheiro AHD1721 estarem
relacionados com o processo de leitura dos suportes analógicos, a primeira preocupação
foi solucionar esse problema. A solução adoptada consistiu na seleção de um só canal
(direito) que foi duplicado no outro canal (esquerdo). Esta opção foi determinada pelo
maior nível de sinal do canal direito.
36
A segunda fase do restauro foi dedicada à remoção dos ruídos impulsivos. Nesta
fase, recorreu-se a duas funcionalidades da aplicação iZotope RX 2 Advanced, a De-
Clicker para os estalidos parasitas (clicks), e a De-Crackler para impulsos parasitas
continuados (crepitações). Em ambas estas operações automáticas, procurou-se a
definição de um patamar mínimo de ação, de modo a não provocar alterações sensíveis
no sinal original. Estas operações foram aplicadas aos dois ficheiros, com
parametrizações específicas para cada um deles..
De seguida usou-se a funcionalidade Hum Removal, também da iZotope RX 2
Advanced, para atenuar o sinal de linha de 50 Hz dos ficheiros. Para esta operação,
selecionou-se um fragmento isolado de ruído de linha que serviu de amostra do sinal a
atenuar. Como as frequências do sinal não se mantêm constantes ao longo dos ficheiros,
foram necessárias operações de releitura do sinal de linha, em particular no ficheiro
AHD1720. Também neste caso, procurou-se uma atenuação mínima. Estas ações foram
aplicadas aos dois ficheiros.
Para a atenuação do “sopro”, recorreu-se também a uma funcionalidade da
iZotope RX 2, o De-Noiser. Tal como para a atenuação do ruído de sinal de linha,
utilizou-se um momento de silêncio, que serviu de amostra para a definição do nível de
ruído presente no ficheiro. A partir dessa amostra, determinou-se o patamar de ação da
aplicação para a atenuação do sopro. Tendo em conta que existem três ambientes
sonoros diferentes ao longo do programa (apresentação de Jorge Alves, exposição de
Edgar Marques, e a própria peça) e que cada um deles tem o seu ruído próprio, a
atenuação do sopro foi diferenciada para cada um dos ambientes. Mais uma vez, não se
pretendeu remover o ruído, mas tão somente reduzir a sua presença. Estas ações foram
aplicadas aos dois ficheiros.
Após estas operações automáticas, procedeu-se à remoção manual dos ruídos de
maior amplitude, que não foram processados anteriormente por se encontrarem acima
dos patamares de ação das aplicações. Para a remoção manual destes impulsos parasitas,
utilizou-se a funcionalidade Spectral Repair da iZotope RX 2 que a partir da
visualização no espectrograma de incidências na ordem dos milissegundos de duração,
permite isolar o ruído e atenuá-lo.
Utilizou-se então o programa de gravação áudio Logic Pro9 para verificar as
operações de restauro em comparação com os ficheiros originais e proceder aos ajustes
37
necessários para manter ou restituir um sentido de unidade à peça. Neste caso aplicou-se
um ganho de 7 dB no ficheiro AHD1720 e de 2 dB no ficheiro AHD1720.
Reduziram-se os silêncios iniciais dos ficheiros a dois segundos de “fade-in”, e o
final a dois segundos em “fade-out”. Os ficheiros resultantes foram exportados com os
nomes osapoeadoninha_atos1_2.wav e osapoeadoninha_ato3.wav89
.
4.2 Exemplo 2: Amor à Antiga
A comédia em quatro atos Amor à Antiga, escrita em 1906 por Augusto de
Castro, foi adaptada para o programa “Noite de Teatro” da Emissora Nacional, tendo
emitida a 19 de Junho de 1961. Uma nota informativa da emissão com o guião da peça
encontra-se disponível no sítio do Museu Virtual da RTP90
. A nota refere a inexistência
de registo sonoro.
Esta adaptação de Amor à Antiga foi dirigida por Edgar Marques, com
realização radiofónica de Jorge Alves e assistência técnica de Mendes de Oliveira.
Integram o elenco os atores Erico Braga, Luís Filipe, José de Castro, Manuel Correia,
Raul de Carvalho, José Gamboa, Brunilde Júdice, Lurdes Norberto, Carmen Dolores,
Eunice Muñoz, Aura Abranches e Catarina Avelar.
A peça está registada em fita magnética em quatro bobines com as designações
AH13053, AH13054, AH13055, e AH31056 do Arquivo Histórico da Documentação
Sonora RDP, conforme notas de informação das bobines91
. Foi a partir dessas cópias
que foram feitas as transferências para fitas magnéticas digitais (DAT) com os número
de referência AHD8053, AHD8054, AHD8055, e AHD8056 do Arquivo da Rádio da
RTP.
4.2.1 Conteúdo dos ficheiros
Do ficheiro AHD8053, com a duração de total de 34 minutos e 17 segundos
(34’17’’), constam os seguintes elementos:
i. Apresentação de Augusto de Castro por João Câmara (13’’);
89
Estes ficheiros estão disponibilizados no DVD em anexo. 90
http://museu.rtp.pt/#/pt/arquivo?areaArquivo=radio 91
Ver Apêndice II.
38
ii. Apresentação da peça por Augusto de Castro (4’23’’);
iii. Separador musical (44’’);
iv. Apresentação do programa, com leitura da ficha técnica e descrição do
cenário da peça por João Câmara sobre separador musical em fundo
(1’45’’) ;
v. 1º Ato (24’44’’);
vi. Separador musical com anuncio do 2º ato por João Câmara (1’27’’).
Do ficheiro AHD8054, com a duração de total de 27 minutos e 40 segundos
(27’44’’), constam os seguintes elementos:
i. Separador musical com apresentação do 2º ato por João Câmara (38’’)
ii. 2º Ato (25’)
iii. Separador musical (1’45’’)
Do ficheiro AHD8055, com a duração de total de 25 minutos e 28 segundos
(25’28’’), constam os seguintes elementos:
i. Separador musical com apresentação do 3º ato por João Câmara (1’16’’);
ii. 3º Ato (21’53’’);
iii. Separador musical com anuncio do 4º ato por João Câmara (1’45’’).
Do ficheiro AHD8056, com a duração total de 26 minutos e 15 segundos,
constam os seguintes elementos:
i. Separador musical (57’’);
ii. Descrição do cenário do 4º Ato por João Câmara sobre separador musical
em fundo; conclusão do trecho musical (25’’);
iii. 4º Ato (22’42’’);
iv. Separador musical (17’);
v. Conclusão do programa com releitura da ficha técnica por João Câmara
sobre separador musical em fundo (35’’);
vi. Conclusão musical (49’’).
39
Após uma primeira audição, todos os ficheiros revelam um nível significativo de
ruído contínuo. Auditivamente, o contorno espectral parece manter-se estável, mas são
perceptíveis algumas alterações de intensidade, em particular no ficheiro AHD8054. Os
ficheiros não revelam falhas ou perdas de informação, e os conteúdos são perceptíveis.
4.2.2 Análise dos ficheiros
Da leitura dos dados estatísticos das ondas sonoras, que se apresentam nas
Figuras 10, 11, 12 e 13, verifica-se alguma homogeneidade entre os ficheiros
AHD8053, AHD8055, e AHD8056 que contrasta com o ficheiro AHD8054, quer ao
nível da amplitude do pico de onda, quer do desequilíbrio existente entre os dois canais
(50%). No entanto, os valores médios são da mesma ordem de grandeza. Também se
constata que a digitalização foi realizada a baixo nível.
Figura 10: Dados estatísticos do ficheiro
AHD8053
Figura 11: Dados estatísticos do ficheiro
AHD8054
40
Figura 12: Dados estatísticos do ficheiro
AHD8055
Figura 13: Dados estatísticos do ficheiro
AHD8055
No que respeita as relações de fase dos dois canais de cada ficheiro, os
estereogramas representados abaixo, revelaram alguma instabilidade fásica em todos os
ficheiros, com destaque para o AHD805492
.
Figura 14: Imagem
estereofónica do
ficheiro AHD8053
Figura 15: Imagem
estereofónica do
ficheiro AHD8054
Figura 16: Imagem
estereofónica do
ficheiro AHD8055
Figura 17: Imagem
estereofónica do
ficheiro AHD8056
Na análise frequencial, cujos espetogramas se mostram nas Figuras 18, 19, 20 e
21, observa-se um corte nítido nas frequências acima dos 10 000 Hz, este facto tend a
confirmar a homogeneidade frequencial de todos os ficheiros. É possível também
verificar visualmente a presença do ruído contínuo que se percepcionara na audição, em
planos frequenciais acima dos 2 000 Hz.
92
As representações apresentadas referem-se a dois instantes determinados. Não correspondem a uma
imagem estereofónica da onda na sua totalidade. Refletem, no entanto, os comportamentos sonoros de
cada um dos ficheiros.
41
Figura 18: Espectrograma do ficheiro AHD8053
Figura 19: Espectrograma do ficheiro AHD8054
42
Figura 20: Espectrograma do ficheiro AHD8055
Figura 20: Espectrograma do ficheiro AHD8056
Com base nesta análise, verifica-se que, apesar da instabilidade fásica do
ficheiro AHD8054, e da amplitude do seu pico de onda a 5 dB de diferença da dos
outros ficheiros, todos eles apresentam alguma uniformidade.
À audição, e para além dos ruídos já mencionados, todos os ficheiros revelam a
existência de ruídos parasitas do tipo impulso e o ruído de linha a 50 Hz. Os ruídos
impulsivos tornam-se mais persistentes durante as passagens musicais. Tratando-se de
música gravada comercialmente, e pela sonoridade desses “estalidos”, é possível que
tenham sido utilizados discos para os separadores musicais.
43
A amplitude do pico de onda do ficheiro AHD8054 deve-se a um aumento do
sinal no momento musical no início do ficheiro e regressando em volta dos -10 dB logo
após o início do 2º ato.
4.2.3 Operações de restauro
Tal como para o restauro de “O Sapo e a Doninha”, a solução adoptada para
corrigir os desequilíbrios do ficheiro AHD8054, foi a duplicação do canal esquerdo no
canal direito. Procedeu-se de seguida à remoção dos impulsos parasitas. Nesta operação,
os momentos musicais foram tratados diferenciadamente.
Dada a utilização de música gravada comercialmente no programa,
consideraram-se os ruídos impulsivos, pelo menos uma parte, como provenientes dos
seus suportes,93
e por isso já presentes durante a emissão. Optou-se então por uma
intervenção que deixasse algumas marcas da eventual presença desses ruídos durante
emissão. De igual modo, a utilização do De-Crackler no tratamento do persistente ruído
impulsivo patente em todos os ficheiros, não foi considerada durante os momentos
musicais. Atenuou-se também o sinal de linha de 50 Hz e o “sopro” dos ficheiros, tendo
em conta para estes últimos os diferentes ambientes sonoros do programa, e procedeu-se
à remoção manual dos ruídos remanescentes.
Reduziu-se o nível na zona do pico da onda no início do ficheiro AHD8054 em
4.7 dB, e procedeu-se ao ajuste dos níveis de todos ficheiros. O ficheiro AHD8053
sofreu um ganho de 9 dB, o AHD8054 de 7 dB, o AHD8055 de 9 dB, e o AHD8056 de
8 dB. Os ficheiros foram exportados com os nomes “amoraantiga_ato1”,
“amoraantiga_ato2”, “amoraantiga_ato3”, “amoraantiga_ato4”94
.
4.3 Exemplo 3: O Conde Barão
A comédia em três atos O Conde Barão, escrita em 1918 por Ernesto Rodrigues,
Felix Bermudes e João Bastos, foi objeto de adaptação radiofónica para o programa
“Noite de Teatro” da Emissora Nacional, com data de produção de 2 de Março de 1961,
e emissão a 27 de Março de 1961. Uma nota informativa da emissão com o guião da
93
A avaliar pelo tipo de ruído, trata-se provavelmente de discos de vinil. 94
No DVD em anexo
44
peça encontra-se disponível no sítio do Museu Virtual da RTP95
. Tal como no caso de
Amor à Antiga, a nota também refere a inexistência de registo sonoro.
Esta adaptação do Conde Barão, foi dirigida por Edgar Marques, com realização
técnica de Jorge Alves, e registo sonoro de Mendes de Oliveira e Leonel da Silva.
Integram o elenco os atores Raul de Carvalho, Barroso Lopes, José Gamboa, Manuel
Correia, Henrique Canto e Castro, Manuel Lereno, Andrade e Silva, Silva Araújo,
Carlos Avilez, Carmen Dolores, Lurdes Norberto, Hortense Luz, Constança Navarro,
Beatriz de Almeida, Rosina Rego, e Cremilda Gil.
A peça está registada em fita magnética em três bobines com as designações AH
13099, AH 13100, e AH 13101, do Arquivo Histórico da Documentação Sonora RDP,
conforme notas de informação das bobines96
. Foi a partir dessas cópias que foram feitas
a transferência para fitas magnéticas digitais (DAT) com os número de referência
AHD8099, AHD8100, e AHD8101.
4.3.1 Conteúdo dos ficheiros
Do ficheiro AHD8099, com a duração de total de 1 hora, 3 minutos e 58
segundos (1H3’58’’), constam os seguintes elementos:
i. Separador musical (14’’);
ii. Apresentação do programa e da peça, com leitura da ficha técnica e
descrição do cenário da peça por Jorge Alves sobre separador musical em
fundo (3’18’’);
iii. 1º Ato (1h02’51’’);
iv. Separador musical com anúncio do 2º Ato por Jorge Alves(2’41’’);
v. Apresentação e descrição do cenário do 2º Ato por Jorge Alves sobre
separador musical (24’’).
Do ficheiro AHD8100, com duração de total de 47 minutos e 7 segundos
(47’7’’), constam os seguintes elementos:
i. 2º Ato (44’02’’);
95
http://museu.rtp.pt/#/pt/arquivo?areaArquivo=radio 96
Ver Apêndice III.
45
ii. Separador musical com anúncio do 3º Ato por Jorge Alves (2’11’’);
iii. Apresentação e descrição do cenário do 3º Ato por Jorge Alves (20’’).
Do ficheiro AHD8101, com a duração total de 35 minutos e 23 segundos
(35’23’’), constam os seguintes elementos:
i. 3º Ato (33’37’’);
ii. Conclusão do programa com releitura da ficha técnica por Jorge Alves
sobre separador musical em fundo (51’’);
iii. Conclusão musical (27’’).
À primeira audição, todos os ficheiros revelam uma presença sensível de ruído,
tanto impulsivo como contínuo, em particular uma forte presença de ruído de linha de
50 Hz no ficheiro AHD8101. O contorno espectral mantém-se estável, mas são
perceptíveis algumas alterações de intensidade, em particular no ficheiro AHD8101.
Não há marcas de falhas ou perdas de informação, e os conteúdos são perceptíveis.
4.3.2 Análise dos ficheiros
Da leitura dos dados estatísticos das ondas sonoras, que se mostram nas Figuras
21, 22 e 23, verifica-se que os ficheiros não apresentam diferenças significativas entre
eles. A diferença de valores entre a amplitude do pico de onda do ficheiro AHD 8101
dos seus valores médios de potência sonora aponta para uma zona temporal restrita, o
que pode explicar a sensação de variações de intensidade neste ficheiro durante a
audição. Também se constata que a digitalização foi realizada a baixo nível.
46
Figura 21: Dados estatísticos do ficheiro
AHD8099
Figura 22: Dados estatísticos do ficheiro
AHD8100
Figura 23: Dados estatísticos do ficheiro
AHD8101
A representação visual das relações de fase dos três ficheiros, mostrada nas
Figuras 24, 25 e 26, para além da maior instabilidade do ficheiro AHD8099, demonstra
sobretudo boa estabilidade do ficheiro AHD810097
.
97
As representações apresentadas referem-se a dois instantes determinados. Não correspondem a uma
imagem estereofónica da onda na sua totalidade. Refletem, no entanto, os comportamentos sonoros de
cada um dos ficheiros.
47
Figura 24: Imagem
estereofónica do ficheiro
AHD8099
Figura 25: Imagem
estereofónica do ficheiro
AHD8100
Figura 26: Imagem
estereofónica do ficheiro
AHD8101
Na análise frequencial, os espectrogramas, visualizáveis nas Figuras 27, 28 e 29,
revelam um abaixamento nas frequências acima dos 10 000 Hz em todos os ficheiros, e
o maior equilíbrio global do ficheiro AHD8100.
Figura 27: Espectrograma do ficheiro AHD8099
48
Figura 28: Espectrograma do ficheiro AHD100
Figura 29: Espectrograma do ficheiro AHD8101
Uma audição mais atenta confirma os dados revelados pela análise e pela
primeira audição. O início do 3º ato no ficheiro AHD8101 surge em fade-in,
culminando no pico de amplitude máxima da onda (-5.8 dB), baixando de seguida para
os valores normais do ficheiro (-9.59 dB).
4.3.3 Operações de restauro
Para o reequilíbrio do ficheiro AHD8099, que revelou alguma instabilidade,
optou-se pela duplicação do canal direito no canal esquerdo, uma vez que este
apresentava algumas flutuações sonoras.
49
Tal como para a peça Amor à Antiga, em “O Conde Barão” também se utilizou
música gravada para os separadores. Apesar de um acréscimo de ruído nestas partes, a
sua proveniência não é identificável, no entanto, havendo a possibilidade destes ruídos
constarem da gravação inicial, optou-se por um menor nível de intervenção nos
separadores musicais durante as operações de limpeza dos ficheiros.
Seguiram-se as operações de ajuste dos níveis sonoros em que o ficheiro
AHD8099 teve um ganho de 8 dB, o AHD8100 de 5 dB, e o AHD8101, após a redução
de 3 dB no pico de onda no início do ficheiro, teve um ganho de 7 dB. Os ficheiros
foram exportados com os nomes “ocondebarão_ato1”, “ocondebarão_ato2”,
“ocondebarão_ato3”98
.
4.4 Discussão
Pelo exposto acima, constata-se uma diferenciação nas operações de restauro em
cada uma das peças intervencionadas. Esta diferenciação assenta por um lado nas
características próprias dos ficheiros, isto é, no sinal sonoro em si mesmo, constituído
de informação voluntária e involuntária, e por outro, no facto destes, em conjunto,
formarem uma obra única de teatro radiofónico.
É pelo facto de ser uma peça de teatro radiofónico que se optou pela manutenção
dos impulsos parasitas em Amor à Antiga, uma vez que, admitindo que provêm dos
discos utilizados nos separadores musicais, são parte integrante da obra. Foi também
neste sentido, a peça enquanto obra, que se procedeu ao ajuste dos níveis sonoros dos
vários ficheiros de modo a preservar a sua unidade.
Para a definição dos critérios e limites para as intervenções específicas em cada
ficheiro, concorrem igualmente, para além da natureza do objeto, a finalidade do
restauro e o conceito no qual este se fundamenta. Nestes casos, procurou-se seguir um
modelo operacional assente na concepção do restauro de Cesare Brandi. Considerou-se
assim o restauro como conjunto de operações centrado nos conteúdos presentes no
objeto no momento da intervenção e na preservação e acesso aos mesmos.
Por esta razão, não se recorreu à alterações do sinal do tipo equalização, apesar
de algumas diferenças tímbricas entre ficheiros da mesma peça, como no caso de “O
Sapo e a Doninha”. Alterações que, no caso de uma intervenção de restauro para edição
98
No DVD em anexo.
50
comercial, por exemplo, seriam realizadas – tal como a remoção dos ruídos parasitas em
Amor à Antiga.
Enquanto operações sobre documentos sonoros definidas e enquadradas
tecnicamente, estas podem ser aplicadas a qualquer tipo de documento sonoro; os
critérios e limites das suas aplicações poderão variar em função da natureza do objeto
enquanto bem cultural, e dos seus objetivos.
Este trabalho centra-se no teatro radiofónico, um património artístico e cultural
particular praticamente inacessível hoje. A RTP, organismo responsável por este acervo,
restringe, no âmbito da preservação, a sua atuação à conservação e salvaguarda da
informação, descurando o acesso aos conteúdos e a valorização de um património
público.
O restauro deste património representa a possibilidade do seu reconhecimento e
reactualização enquanto expressão artística e conhecimento. A preservação do
conhecimento sem o seu acesso configura uma modalidade do esquecimento. É por isso
importante o desenvolvimento de projetos, quer em organismos especialmente
vocacionados para a revitalização da memória patrimonial, quer através de apoios
específicos para essa revitalização.
51
CONCLUSÃO
A salvaguarda e o restauro de documentos sonoros representam dois aspetos
basilares na preservação do património cultural dos povos. Se a salvaguarda da
informação afirma a existência material do documento, arquivável, catalogável, o
restauro reafirma a comunicabilidade do documento, a reactualização da sua
intencionalidade original.
É a reactualização dos conteúdos que permite uma reactualização crítica da
memória de uma sociedade, a possibilidade do mundo se questionar, a si e à sua
História. Preservar um património vivo e presente é assim preservar o futuro.
A preservação da memória é em si um ato político no qual a preservação
participada de um património cultural, coletivo, e acessível a todos, se inscreve como
fundação de uma sociedade democrática.
O trabalho aqui desenvolvido sobre o restauro do Teatro Radiofónico Português
da coleção do Arquivo da Rádio Televisão Portuguesa, apresenta uma possibilidade de
intervenção sobre este património artístico e cultural no sentido de o devolver ao
público, seja através de redifusões em emissões radiofónicas, seja através de sítios web.
Mas este trabalho também revela o muito que há a fazer neste campo da
preservação e restauro de documentos sonoros, e caso não sejam desenvolvidos projetos
para a efetiva revitalização do património sonoro português, arriscamo-nos a perder uma
parte do nós, arriscamo-nos a perder o futuro.
52
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http://www.bbc.co.uk/rd/publications/whitepaper211.shtml (acedido em 26 de janeiro
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Audiovisual Collections”, Presto Space, 2005, 6,
http://www.prestospace.org/project/deliverables/D22-6.pdf
56
LISTA DOS FICHEIROS NO ANEXO EM DVD
O Sapo e a Doninha
osapoeadoninha_atos1_2.wav
osapoeadoninha_ato3.wav
Amor à antiga
amoraantiga_ato1.wav
amoraantiga_ato2.wav
amoraantiga_ato3.wav
amoraantiga_ato4.wav
O Conde Barão
ocondebarão_ato1.wav
ocondebarão_ato2.wav
ocondebarão_ato3.wav
Exemplos de incidências sonoras parasitas, antes e depois de tratamento
clicks.wav
clicks_limpo.wav
sinal_de_linha.wav
sinal_de_linha.wav
sopro.wav
sopro_limpo.wav
57
58
ANEXO 1
Relatório do estágio no Institut National de l’Audiovisuel (INA)
Apresentado ao Instituto de Museus e Conservação (IMC) como Relatório de
Missão ao abrigo de uma Equiparação a Bolseiro
1. Apresentação
O estágio por mim realizado no Institut National de l’Audiovisuel (INA) em
França, na região parisiense entre os dias 13 de Setembro e 7 de Outubro de 2011, é
parte do Trabalho de Projecto sobre “Salvaguarda e Restauro de Arquivos Sonoros” e
integra a componente não lectiva do Mestrado em Artes Musicais – Estudos em Música
e Tecnologia, que frequento na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa.
Este estágio tinha dois objectivos diversos mas complementares: por um lado,
adquirir e desenvolver competências técnicas e teóricas relativas aos procedimentos de
salvaguarda e restauro digitais de arquivos sonoros, e por outro, aferir o papel do
restauro de arquivos áudio numa gestão integrada do património audiovisual numa
instituição de relevo internacional e pioneira na valorização desse mesmo património
como é o INA.
Criado em 1974 com a missão a conservação dos arquivos da rádio e televisão
francesa, a produção de pesquisa e criação audiovisuais, e a formação profissional, o
INA é hoje uma empresa pública autónoma de sucesso, tanto institucional como
comercial, e uma referência internacional no que respeita à valorização do património
audiovisual. Com o advento das novas tecnologias digitais e a progressiva
obsolescência dos suportes analógicos, o INA deu início em 1999 a um Plano de
Salvaguarda e Digitalização de todo o seu acervo audiovisual. Esse plano, cuja
conclusão está prevista para 2015, terá permitido preservar perto de um milhão de horas
de documentos. A prática do restauro digital é essencial para a valorização desse
património, permitindo vantajosamente a sua comunicação, divulgação, e
comercialização, num mercado de grandemente concorrencial.
59
2. Actividades desenvolvidas
As actividades desenvolvidas ao longo do estágio foram planificadas em
conjunto com Vincent Fromont, responsável pelos serviços de restauro do INA, com
base na dupla articulação referida anteriormente, e que podemos dividir entre
procedimentos técnicos de salvaguarda e restauro, e finalidade e gestão dos documentos
digitalizados.
A grande parte das actividades desenvolvidas foram dedicadas, seguindo uma
metodologia de observação participante, aos procedimentos de salvaguarda e restauro.
A recolha de informações relativas à gestão dos documentos digitalizados efectivou- -
se com recurso à realização de entrevistas com os agentes envolvidos nessas
actividades.
2.1. Salvaguarda e Restauro
a) Salvaguarda
A salvaguarda é o processo de transferência integral e inadulterada de conteúdos
registados em suportes materiais analógicos ou digitais para formatos digitais imateriais.
Toda a informação contida nos documentos originais é preservada, independentemente
da qualidade de acesso dos mesmos.
A salvaguarda estabelece a existência do documento, permitindo o seu
arquivamento e catalogação; é a matéria prima de um serviço de arquivos.
Ao longo do estágio foi possível observar os procedimentos de salvaguarda para
vários tipos de suportes:
fita magnética de ¼ de polegada, várias velocidades de leitura (72,
38, 19, e 9,5 cm/s);
discos de gravação directa (goma-laca e vinil, 78 rotações por
minuto).
b) Restauro
O restauro de um arquivo sonoro é o processo que permite uma compensação
qualitativa de acesso aos conteúdos registados em suportes materiais analógicos ou
digitais. O propósito do restauro não é a preservação de toda a informação contida no
60
documento, mas a legibilidade e compreensão dos seus conteúdos: é uma intervenção
que visa recriar (restaurar) e actualizar a sua intencionalidade primeira. A intensidade da
intervenção varia em função do destino a dar ao documento: consulta para investigação,
edição comercial, ou outros.
O restauro estabelece a comunicabilidade do documento, permitindo o seu
acesso e divulgação; sucede por isso, ao procedimento de salvaguarda.
Todo o restauro é realizado a partir de um documento salvaguardado.
Ao longo do estágio foi possível observar os procedimentos de salvaguarda para
vários tipos de suportes:
fita magnética de ¼ de polegada, várias velocidades de leitura (72,
38, 19, e 9,5 cm/s);
discos de gravação directa (goma-laca e vinil, 78 rotações por
minuto).
A estes procedimentos de salvaguarda e restauro foram dedicados 12 dias do
estágio.
c) Salvaguarda e Restauro de som aplicado à imagem
Além das actividades de salvaguarda e restauro de arquivos sonoros, foram
também dedicados 3 dias para uma observação complementar sobre o restauro e
tratamento do som em documentos audiovisuais.
2.2. Actividades relacionadas com a gestão dos arquivos digitalizados
Uma vez que as actividades de salvaguarda e restauro aparecem como etapas
centrais no percurso comunicacional da informação arquivada, tornou-se importante, no
âmbito deste trabalho, conhecer, mais que os seus procedimentos técnicos específicos, o
enquadramento e articulação da digitalização dos arquivos nesse percurso com outras
actividades com ela relacionadas.
Para tal foram realizadas entrevistas com responsáveis dos seguintes
departamentos:
61
a) Plan de Sauvegarde et Numérisation (PSN), no que respeita à gestão e
planeamento da digitalização de salvaguarda de todo o acervo áudio do INA;
b) Sauvegarde, Numerisation, Comunication – Rádio (SNCR), no que respeita
à gestão, funcionamento e controlo técnico do fluxo de arquivos digitais;
c) Serviços de documentação, no que respeita à planificação das actividades de
restauro e à ligação com os seus clientes.
A cada um destes departamentos foi dedicado um dia.
Também foi realizada uma visita de estudo às instalações e estúdios do Groupe
de Recherches Musicales (GRM), departamento de pesquisa e criação musicais e
artísticas, marco incontornável para a Cultura Musical Contemporânea desde a segunda
metade do século XX.
3. Avaliação pessoal
Os conhecimentos adquiridos ao longo do estágio no INA não são apenas o
fundamento necessário para a elaboração do trabalho final do curso de mestrado sobre
“Salvaguarda e Restauro de Arquivos Sonoros”, mas também, uma ferramenta
imprescindível para a compreensão do funcionamento de um Arquivo moderno e
competitivo na nossa sociedade contemporânea.
As competências técnicas adquiridas, para além dos seus aspectos de valorização
pessoal e profissional, permitem conceber uma participação mais eficaz neste sector de
actividades em Portugal.
Os questionamentos e problemáticas emergentes deste estágio, e cujas
implicações abrangem a própria noção de Património Audiovisual e Cultural,
transfiguram-se em dados essenciais para uma reflexão sobre a Memória Colectiva e a
sua construção.
No plano pessoal, o enriquecimento não é quantificável.
Lisboa, 30 de novembro de 2011.
António Chaparreiro
62
APÊNDICE 1
Notas de registo das bobinas da peça de teatro radiofónico O Sapo e a
Doninha
(Arquivo da RDP)
63
APÊNDICE 2
Notas de registo das bobinas da peça de teatro radiofónico Amor à
Antiga (1/4)
(Arquivo da RDP)
64
APÊNDICE 2
Notas de registo das bobinas da peça de teatro radiofónico Amor à
Antiga (2/4)
(Arquivo da RDP)
65
APÊNDICE 2
Notas de registo das bobinas da peça de teatro radiofónico Amor à
Antiga (3/4)
(Arquivo da RDP)
66
APÊNDICE 2
Notas de registo das bobinas da peça de teatro radiofónico Amor à
Antiga (4/4)
(Arquivo da RDP)
67
APÊNDICE 3
Notas de registo das bobinas da peça de teatro radiofónico O Conde
Barão (1/2)
(Arquivo da RDP)
68
APÊNDICE 3
Notas de registo das bobinas da peça de teatro radiofónico O Conde
Barão (2/2)
(Arquivo da RDP)