TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO - SOLIDÃO E INDIVIDUALISMO - BRUNO JOSE ARAUJO DE RESENDE
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UNIVERSIDADE DE UBERABA
BRUNO JOSÉ ARAÚJO DE RESENDE
SOLIDÃO E INDIVIDUALISMO:
DA AUSÊNCIA DO OUTRO AO ENCONTRO COM SI MESMO
UBERABA-MG
2012
UNIVERSIDADE DE UBERABA
BRUNO JOSÉ ARAÚJO DE RESENDE
SOLIDÃO E INDIVIDUALISMO:
DA AUSÊNCIA DO OUTRO AO ENCONTRO COM SI MESMO
Trabalho apresentado ao Décimo período do Curso
de Psicologia da Universidade de Uberaba, como
parte das exigências curriculares da disciplina
Trabalho de Conclusão de Curso - Elaboração de
Projetos.
Orientadora: Dra. Marilei Silva
UBERABA-MG
2012
UNIVERSIDADE DE UBERABA
BRUNO JOSÉ ARAÚJO DE RESENDE
SOLIDÃO E INDIVIDUALISMO:
DA AUSÊNCIA DO OUTRO AO ENCONTRO COM SI MESMO
Trabalho apresentado à Universidade de Uberaba,
como parte das exigências para obtenção de título
de graduação em Psicologia – Formação de
Psicólogos, pela Universidade de Uberaba.
UBERABA, 12 DE DEZEMBRO DE 2012
BANCA EXAMINADORA:
__________________________________________
PROFESSORA DOUTORA MARILEI SILVA
UNIVERSIDADE DE UBERABA
Aos Pacientes e Psicólogos que acompanharam a
minha jornada, mostrando que a potência do bom
encontro, começa, também, em um encontrar-se.
AGRADECIMENTOS
“Sonho que se sonha só, é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é
realidade”. A frase de Raul Seixas faz cada vez mais sentido, em um mundo onde o outro encontra- se
falecido, e o eu, exaltado. Mais do que isso, esquece-se que é na pós-modernidade, é o encontro com o
“eu” que marca novas possibilidades para que se haja encontro e propostas coletivas.
Agradeço imensamente a essa força maior a todos nós que nos leva a tantos caminhos cujos
quais, não seriam vida sem a sua existência. Essa força que pode ser ora chamada por tantos nomes,
mas que indica ressonâncias totais e fortemente vívidas e estonteantes.
É muito importante aqui demonstrar minha gratidão aos meus pais, Lourival e Simone, que
foram tolerantes e pacientes frente a produção desse trabalho. A eles que me ensinaram que os
encontros com o outro podem ser momentos de muitas alegrias e felicidades. Também agradeço à
minha irmã Lóren, que em sua doçura peculiar pode acompanhar o meu processo de desenvolvimento
deste trabalho. Ao mesmo tempo, aproveito o momento para indicar minhas desculpas às ausências e
momentos de inquietude, que tanto ressoaram em alguns de nossos encontros.
Com grande carinho agradeço a minha MEGAVISORA (mais do que uma supervisora e
orientadora) Marilei Silva. Muito obrigado por ter sido um bom-encontro em minha caminhada
profissional. A este trabalho que foi gestado conjuntamente com você, Marilei Silva, e que pode
recebê-lo com tamanha vontade e felicidade, deixo os meus sinceros agradecimentos.
Ainda agradeço ao meu parceiro de vida e amizade Wendel. Este trabalho pode ser
completado graças à sua tremenda insistência e alegria. Não se pode deixar de notar em muitas linhas
desse trabalho a potência de nossa amizade, de como a ausência do outro pode ser realmente fator para
um encontrar-se e encontrar com o outro.
Sou imensamente grato à psicóloga Camila Bahia. Muito obrigado por ser norte de muito do
que se consolida nesse trabalho – principalmente por ter me mostrado que o grande caminho que se
encerra nessa vida, é um caminho solitário – o caminho do encontro consigo mesmo. O quinto capítulo
desse trabalho jamais poderia ser concretizado sem os nossos encontros de amizade e vida, e de
produção de vida no trabalho.
Ainda, também não posso deixar de mostrar o quão sou grato à Psicóloga Luciangela Cunha
que foi companhia amiga e atenta em meus primeiros passos. Além disso, a você este trabalho também
é dedicado, afinal, muito do que se pode ser pensado aqui, fora gestado em nossas conversas
“divagandeantes” sobre Sartre e Simone de Beauvoir.
Este trabalho também é dedicado à imensa rede de encontros que pode ser também caminho
fundamental para encontrar esse trabalho. Aos meus amigos de vida, trabalho e viagem, que a vocês
esse trabalho possa ser dedicado com muito carinho e potencia de encontro. É impossível que se possa
destacar um agradecimento particular a todos, por isso, faço aqui uma mera bricolage desses encontros
maravilhosos que a vida pode ser artesã e tecelã, agradeço imensamente: ...Camille Florence, Thais
Flores, Flavia Machado, Juliana Melo, Thamyres Mio, Adriana Zago, Vanileire Morais, Gabriel
Borges, Ana Flávia, Maira Furtado, Mayra Valeriano, Joao Paulo, Thiago Teodoro, Vilma Borges,
Eliene Aparecida, Cintia Ferreira, Fernanda Aguilar, Débora Valeriano, Josiane, Francine, Fabio, Joao
Flavio Tommazelli, Letícia, Bruna, Fernanda Lima Almada, Cristiane Santos, Maria Bethania,
Franciele Gonzaga, Marcia, Lóren Martins, Anastácia Melo, Priscila Aristinete, Pamela Santos, Cássia
Nascimento, Ronilda Fernandes, Angela Raquel, Helisangela, Claúdia Carvalho Regina Sousa, Elton
Mendes, Suelda Silva, Lucas Natal, Alexandre Resende, Cleide, Everton Freitas, Janaina Pimentel,
Mariana Costa, Salua Cecílio, Thiago Rodolpho, Lorrane Marins, Camila Silva, Pollyana Pegorari...
“(…) E, aquele
Que não morou nunca em seus próprios abismos
Nem andou em promiscuidade com os seus fantasmas
Não foi marcado. Não será exposto
Às fraquezas, ao desalento, ao amor, ao poema.”
Manoel de Barros
RESENDE, B. J. A.. Solidão E Individualismo: Da Ausência Do Outro Ao Encontro Com
Si Mesmo. 2012. 55 p.. Trabalho de Conclusão de Curso. Graduação em Psicologia.
Universidade de Uberaba, Uberaba – MG. Orientadora: Profa. Dr
a Marilei Silva.
O presente trabalho refere-se ao enfoque da solidão e do individualismo frente aos novos
processos de subjetivação contemporâneos. Precede-se de uma análise acerca da ausência do
outro na contemporaneidade e seus reflexos. Nota-se também, que muitos desses processos
têm observância principalmente patológica e anti-produtivas, e figuram principalmente dentro
dos saberes psicológico e psiquiátrico. Interessante observar que o outro assume na
contemporaneidade importantes reflexos nessa nova subjetividade. No mesmo sentido,
compreender a solidão e individualismo passa por justamente compreender tais reflexos e
poder por eles inserir modos diferenciados de relacionamento e encontro. Denota-se que a
solidão e o individualismo podem ser concorrentes ao mal-estar de uma pós-modernidade,
sendo referenciais a muitos dos processos de adoecimento atual. Contudo, o trabalho também
opera no sentido de levantar outras propostas e outros enfoques da solidão e do
individualismo, sendo possível permear os mesmos, estabelecendo novas formas de
experiência-los, buscando no “eu” e no cuidado a si mesmo, potência para o encontro com o
Outro. O trabalho tem como metodologia de pesquisa qualitativa sob a perspectiva de revisão
bibliográfica, abarcando produções teóricas, principalmente entre os períodos de 2000 a 2012.
Palavras- Chave: Solidão. Individualismo. Processos de Subjetivação. Pós-modernidade.
RESENDE, B. J. A.. Loneliness And Individualism: The Absence Of Another Encounter
With the Self. 2012. 55 p.. Completion of course work. Undergraduate Psychology.
University of Uberaba, Uberaba - MG. Advisor: Prof.. Dr Marilei Silva.
The present work refers to the approach of solitude and individualism in the face of new
processes of contemporary subjectivity. Above is a review about the absence of the other in
contemporary and your reflexes. Note also, that many of these pathological processes have
mainly compliance and anti-productive, and included mainly within the psychological and
psychiatric knowledge. Interestingly, the other takes in contemporary reflections on this
important new subjectivity. Similarly, understanding the solitude and individualism goes
through just to understand such reflexes and power they enter different modes of relationship
and encounter. Denotes that the loneliness and individualism can be competitors to the
discomfort of a postmodernity, and references to many of the disease processes present.
However, the work also operates to raise other proposals and other approaches of solitude and
individualism, which can permeate the same, establishing new ways to experience them,
seeking the "I" and the care itself, the power to encounter with the other. The work is
qualitative research methodology from the perspective of literature review, covering
theoretical productions, mainly between the periods 2000 to 2012.
Keywords: Loneliness. Individualism. Subjectivity processes. Postmodernity.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11
CAPITULO I - METODOLOGIA ........................................................................................... 14
CAPITULO II - SOLIDÃO: ENTRE O “EU” E “OUTRO” ................................................... 16
CAPITULO III - INDIVIDUALISMO: DE UMA POLÍTICA DA PÓS-MODERNIDADE
AO CUIDADO DE SI .............................................................................................................. 22
CAPITULO IV - CARTOGRAFIAS DA PÓS-MODERNIDADE: CAMINHOS E
PERCURSOS DA SUBJETIVIDADE CONTEMPORÂNEA ................................................ 28
CAPITULO V - SOLIDÃO E INDIVIDUALISMO: POR UMA PERSPECTIVA DA
SUBJETIVIDADE CONTEMPORÂNEA............................................................................... 36
CAPITULO VI - ENCONTRAR-SE PARA PERDER-SE: AUSÊNCIAS QUE LEVAM AO
ENCONTRO ............................................................................................................................ 44
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 49
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 52
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INTRODUÇÃO
Os sujeitos, em sua complexidade, em nada podem ser separados de seu contexto
histórico, à medida que as condições socioculturais são potentes maquinas na construção da
subjetividade. A pós-modernidade, de acordo com Penna e Moreira (2010), alimentada pela
ótica capitalista, tende a levar os sujeitos a constituições de posturas individualistas, o que
culmina em um enfraquecimento dos laços sociais. Já solidão apresenta-se em vieses
existenciais, aplacando uma perspectiva da ausência extremada do outro. Desse modo,
questiona-se, como podem ser pensados os reflexos da solidão e do individualismo
contemporâneo às subjetividade pós-moderna?
Toma-se tal questão como ponto de partida para inserção deste trabalho. Ao mesmo
tempo, busca-se tomar as perspectivas da solidão e do individualismo enquanto perspectivas
de uma ausência do outro. Ausência que seja física ou simbólica, mas gera níveis tais, que
ressoa ante os novos processos de subjetivação na pós-modernidade.
Não se pode esquecer que é um trabalho que visa inserir outra perspectiva. Trabalha
para além de uma afetação do capitalismo nas formas de produção de sujeitos solitários e
individualistas. Busca compreender tal lógica, todavia trabalhando a relação dialética entre o
“eu” e o mundo. Reflexos que se encontram e conflitam-se, derivando em propostas outras
que podem gerar dor e tristeza, mas também, alentar caminhos diferentes, caminhos pulsantes
de alegria e produção de vida.
Desse modo, solidão e individualismo ligam-se à construção dessa sociedade pós-
moderna - onde imperam os “imediatismos”, os desejos que são transformados em
necessidades, a especialização social e funcional dos sujeitos, bem como, o enfraquecimento
das leis e da ordem, em detrimento de um consumo exarcebado de bens e de serviços. Como o
processo de subjetivação não pode ser separado do seu tempo/contexto, a solidão e o
individualismo apresentam intrínsecas relações com as subjetividades atuais. Estas, que em
relação a aqueles apresentam como reflexos - um apelo à juventude eterna e a busca pelo ideal
de felicidade, a violência como caminho para resolução dos conflitos, a construção de novas
organizações familiares; de modo igual ocorrem as doenças psicossomáticas, as compulsões, a
volatilidade relacional, ou seja, relações, sejam amorosas ou fraternas que se findam tal qual
rápido começam, bem como, uma necessidade tecnicista – supervalorização à especialização
técnica, dos recursos tecnológicos e atuação dos técnicos.
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Contudo, todas essas características só fazem sentido quando se pode conceitualizar
a pós-modernidade. Nessa direção, Hennigen (2007) insere que referenciar a pós modernidade
conduz-se num debate, sendo que o conceito de pós-modernidade referencia tanto ideias de
ruptura, como ideias da instalação de nova ordem, dados os efeitos da mesma na cultura e nas
sociedades. Insere que um recorte da pós-modernidade pode ser estabelecido, a partir do
referencial que é oferecido por Lyotard e Baudrillard:
Por suas posições mais radicais, Lyotard e Baudrillard são os nomes mais
vinculados à idéia da pós-modernidade: o primeiro enfatiza o colapso das
metanarrativas que organizavam nossa visão de mundo, faz a apologia da
diversidade e propõe, no âmbito do conhecimento, que não há uma razão,
mas razões; o segundo detém-se em mostrar que vivemos num mundo de
simulacros, da hiper-realidade. Para ele, todas as fronteiras diluíram-se –
entre baixa e alta cultura, entre aparência e realidade; o real foi substituído
por imagens e o referente vivido desapareceu (TASCHNER, 1999) (apud
HENNINGER, 2007, p. 196).
Toma-se aqui a perspectiva de pós-modernidade apontada por Harvey (1989), onde a
pós-modernidade é tratada como uma etapa da modernidade. Contudo, pelo autor, a pós-
modernidade é tomada como uma etapa da própria modernidade, sendo que o que se faz
inusitado nesse novo período é a marca de uma nova etapa para o capitalismo – apontada pela
acumulação flexível, onde existe uma flexibilidade dos processos do trabalho, mercado,
produção e das relações de produção. Além de novas experiências no tempo e espaço, que
delimitam o caráter da obsolescência de valores, identidades, de estilos, e propriedades, assim
como, as fragmentações da religião, família, etc. (HARVEY, 1989)
A temática se faz relevante, como aponta Martins (2010) à questão da solidão no Rio
de Janeiro, que já está chegando a ocupar-se enquanto problemática e responsabilidade do
governo, sendo uma questão social, o que derivou em dois projetos (“Disque Solidão” e “Xô
Solidão”) da Secretaria de Assistência Social do Rio de Janeiro. Relevam-se também as
preposições de Dezidério (2007), ao afirmar que as pesquisas que se valem do estudo sobre a
solidão entre sujeitos que utilizam internet conduz a produção de um mercado emergente
direcionado aos mesmos, e uma indústria capaz de suplantar esse novo mercado. Penna e
Moreira (2010) incidem também sobre o processo de medicalização da solidão e do
narcisismo contemporâneo, campo farto para as indústrias farmacêuticas que atentam a
aplacar as angústias existenciais com pílulas para a felicidade instantânea.
Nessa direção, busca-se no primeiro capítulo, delinear a linha de pesquisa utilizada
nesse trabalho. Ao mesmo tempo, atentar-se para seus enfoques e panoramas, visando aplacar
uma relação da metodologia e a construção do trabalho.
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Ao falar da ausência do outro, trata-se, sobretudo o viés que inicia esse trabalho. No
segundo capitulo, procurou-se levar as perspectivas da solidão, em contrates com a relação
outro/ausência do outro. Ainda, faz-se importante apontar que o capítulo caminha em direções
que visem abarcar a solidão em seus vieses ontológico, assim como, social e cultural.
No terceiro capítulo, realiza-se uma perspectiva do individualismo. Denota-se que o
mesmo apresenta intrínseca relação com a própria solidão. Tão logo, se pode verificar no
mesmo, as perspectivas da ausência do outro. Acrescenta-se que tal capítulo visa apresentar os
vieses do individualismo em sua construção histórica, mas também, em uma perspectiva de
identidade do próprio ser humano.
Tanger estas duas características dos processos de subjetivação contemporâneos é
também tanger o próprio sujeito que se instaura na pós-modernidade. No quarto capítulo,
tende-se a permear a pós-modernidade, assim como, os processos de subjetivação inerentes à
mesma. No mesmo, trabalha-se sobre a perspectiva de encontrar os caminhos, através de uma
cartografia da pós-modernidade, embarques e desembarques de (novas) formas de ser e estar.
Denota-se que tão logo, se permeará como os efeitos da ausência do outro, traduzidos
pela solidão e individualismo, revelam-se frente aos processos de subjetivação
contemporâneos. O quarto capítulo, encerra a temática do trabalho, conduzindo a uma relação
com os capítulos anteriores, os integrando e engendrando perspectivas para se pensar o
sintoma na pós-modernidade.
O último capítulo busca atuar diante da perspectiva do encontro com o “eu”,
enquanto proposta de encontro com o outro. Denota-se que busca apontar outras perspectivas,
a partir, de se pensar que possa existir umaoutra solidão e outro individualismo. Ao mesmo
tempo, como essa solidão pode influir sobre a produção de vida e alegria, promovendo bons
encontros, potencias criativas e espontâneas.
Em suma, o trabalho busca permear as vivencias da solidão e do individualismo ante
os processos subjetivos pós-modernos. Ao mesmo tempo, permite que se abram outras
questões, afim de que outras produções possam complementar o trabalho que aqui se
apresenta.
_____________
¹De acordo com Árbex (2010), sintomas, em psicanálise, podem ser entendidos como o modo de
funcionamento psíquico dos sujeitos. Mais do que isto, o sintoma informa sobre qual cultura está
inserido determinado sujeito, sendo também de caráter social, uma vez que a relação entre cultura e
sintoma contorna os vieses da própria complexidade humana.
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CAPITULO I
METODOLOGIA
Para a construção de uma pesquisa, adota-se inicialmente uma metodologia. Aponta-
se que método pode ser traçado como um conjunto de processos que pesam sobre o
desenvolvimento de uma investigação. Tão logo, Kahlmeyer- Mertens etal (2007) indicam
então que metodologia é o estudo dos métodos de conhecer e buscar o conhecimento. O autor
reflete sobre a metodologia não como um amontoado de técnicas, mas como uma disciplina
que caminha a serviço e em contato com uma proposta de conhecimento.
A partir do fenômeno deste trabalho, ou seja, os reflexos da solidão e individualismo
aos atuais processos de subjetivação, denota-se essa pesquisa como caráter qualitativo. O
caráter qualitativo de uma pesquisa refere-se ao fato de que se coloca em foco uma temática,
valorizando e atentando-se aos seus aspectos peculiares e próprios. Em Psicologia e
Educação, como informa Rampazzo (2005), a pesquisa qualitativa coloca em “xeque” a
generalização, caminhando em direção a uma compreensão particular do que se propõe a
estudar.
A temática que se encerra a este trabalho, é apontada por Rampazzo (2005) diante
dessa modalidade de pesquisa. Solidão e individualismo, bem como, os próprios processos de
subjetivação pós-modernos, tem dimensões que são pessoais e subjetivos, e que tendem a ser
melhor abarcadas dentro da modalidade de pesquisa qualitativa. Assim sendo, a razão que se
aponta para uso da pesquisa qualitativa dentro desta proposta de investigação:
Tal pesquisa procura introduzir um rigor que não é o da precisão numérica aos
fenômenos que não são passíveis de serem estudados quantitativamente, tais como,
angústia, ansiedade, medo, alegria, cólera, amor, tristeza, solidão etc. Esses
fenômenos apresentam dimensões pessoais e podem ser mais apropriadamente
pesquisados na abordagem qualitativa. Os estudos assim realizados apresentam
significados mais relevantes tanto para os sujeitos envolvidos, como para o campo
de pesquisa ao qual o estudo desses fenômenos pertence. Dito de outro modo, a
pesquisa em psicologia e educação não deveria ser totalmente independente de
tempo, de espaço e de sujeitos. Dessa maneira, a pesquisa, na abordagem qualitativa,
é concebida como sendo um empreendimento mais abrangente e multidimensional
do que aquele comum à pesquisa quantitativa (RAMPAZZO, 2005, p.59).
A partir disto, utilizou-se da técnica de revisão bibliográfica, como norteadora dos
propósitos deste trabalho. Rampazzo (2005) indica que esta técnica tem como característica
fundamental, buscar agrupar informações pertinentes e coerentes aos objetivos e ao tema
abordado na pesquisa, a partir de produções teóricas acerca das mesmas, encontradas em
produções científicas – artigos, livros, além de textos técnicos. Ainda que a revisão
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bibliográfica possa ser base fundamental para todo e qualquer tipo de pesquisa, ela pode ser
utilizada de maneira independente, ou como parte de outros tipos de pesquisa.
Desse modo, a pesquisa foi realizada a partir de artigos ou produções acerca da
temática nas bases de dados – Scielo, Bireme, Lilacs, além das bases de dados como aquelas
utilizadas pelas Universidades Brasileiras – tais como USP (Universidade de São Paulo),
UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), UFRGS (Universidade Federal do Rio
Grande do Sul), UNIUBE (Universidade de Uberaba). Devido à necessidade de demarcação
temporal de dados, foram buscadas principalmente, produções teóricas que circularam entre
os períodos de 2000 a 2012.
Importante apontar que a base que norteia a pesquisa deste trabalho encontra-se
fundamental entre as ciências humanas – Sociologia, Filosofia, e Psicologia. Oliveira (1998)
aponta que o trabalho de pesquisa dentro da perspectiva das ciências humanas caminha
impreterivelmente entre pesquisa e a biografia do pesquisador. Tal propósito tem como ideia
oferecer vida ao trabalho da pesquisa, sendo o pesquisador verdadeiro artesão de seu trabalho.
Contudo, é importante apontar que a metodologia dentro da perspectiva das ciências humanas
é regra importante para o trabalho fidedigno, mas caminha na lógica de produção de vida
porque os próprios lineares da pesquisa implicam-se entre a própria vida e coletivo do
pesquisador.
Nesse sentido, aponta-se que o objetivo principal desta pesquisa, foi o de analisar as
relações entre Individualismo e Solidão como aos processos de subjetivação contemporâneo.
Já os objetivos específicos que podem ser destacados são: levantar processos e ações
intrínsecos à subjetivação na pós-modernidade; analisar e sintetizar os aspectos inerentes à
solidão e ao individualismo na atualidade; investigar as relações entre individualismo e
solidão acerca dos sintomas¹ que surgem na cultura pós-moderna; além de definir prospectos
acerca de tal panorama em nível clínico e prático.
Em suma, a metodologia adotada à construção dessa pesquisa buscou aliar as
produções científicas divulgadas e a problemática que se tem apontado frente a solidão e
individualismo ante as novas subjetividades. Denota-se que como indica Oliveira (1998), o
trabalho permeia a construção de uma imensa colcha de retalhos que em nada pode ser
reducionista e generalista. Dado a principal característica do trabalho como viés
fundamentalmente intrínseco e próprio acerca da vivencia da solidão e individualismo, atenta-
se para um trabalho que crie caminhos, sendo que se propõe a uma cartografia de um
processo. E enquanto cartografia, não se limita, mas produz vozes, e espera-se que outras
ressonâncias científicas e produtoras possam ser aliadas.
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CAPITULO II
SOLIDÃO: ENTRE O “EU” E “OUTRO”
Nunca me ensinaram a arte de solidão, tive que aprender sozinha. Ela se tornou tão
necessária pra mim quanto os Beatles, quanto beijos na nuca, carinhos e um chá no
final da noite acompanhando um bom livro. Aqui posso seguir o rumo dos meus
pensamentos enquanto leio, escrevo, canto, danço, penso no passado e perco tempo
(...). Estou falando dos prazeres de não falar, fazer ou querer, se perder (HIAFI
KUREISHI, 1998, p. 2). (apud TANIS, 2003, p. 151).
A solidão é um termo que permeia grande parte dos discursos psicológicos na
contemporaneidade. Contudo, o que se pode notar é que pouco se tem feito para poder definir
tal termo, a ponto de poder utilizá-lo dentro de um contexto – seja ele clínico ou social. De
acordo com Bohrer (2006) o termo aparece constantemente em artigos da área de Psicologia,
mas nunca apresenta uma conceituação clara, dado a falta de interesse em assim fazê-lo, ao
mesmo tempo em que a própria palavra solidão é referenciada a um status negativo. Segundo
o autor, a palavra solidão vem frequentemente acompanhada de definições como
“inferioridade”, “isolamento”, “individualidade”, “privacidade”, “eu-comigo-mesmo”, etc..
Contudo, Bohrer (2006) convida a serem pensadas outras propostas para o termo
solidão. Isto porque, segundo o autor, a palavra vem sempre acompanhada da lógica de uma
falta, marcando uma subjetividade melancólica, e até por vezes, moribunda. Tal lógica
marcada fundamentalmente pela proposta do ideário capitalista e burguês da pós-
modernidade, termina por frear as próprias possibilidades e potências que advém da própria
solidão. Nesse sentido, o que se constrói juntamente a etimologia da palavra solidão é um
arcabouço de patologização e de adoecimento que paralisam propostas criativas e espontâneas
do sujeito atual.
Do seu trabalho frente à sintomática da Depressão, Moreira (2006) recorre a solidão
frente a dois processos que são determinados pela ausência do outro. Desse modo, tem-se a
solidão enquanto uma ausência concreta do outro, ou seja, sem convivência real com outras
pessoas, por motivos variados, como por exemplo, o trabalho excessivo. E de outro lado, a
solidão determinada por uma ausência subjetiva do outro, sendo assim, o sujeito, mesmo em
meio a uma multidão de pessoas com quem tenha laços afetivos ou não, sente-se sozinho. A
autora afirma que esta ultima definição, caminha a uma patologia – principalmente – a um
sintoma da Depressão.
Desse modo, a uma proposta de definição psicológica da solidão, esta se relacionaria
justamente a uma ausência afetiva do outro, relacionando a um sentimento ou sensação de
estar só. Moreira (2006) coloca que ainda que exista o outro geograficamente, ele inexiste
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dentro de uma interação/comunicação, permanecendo na égide de uma falta. A autora ainda
reforça sua proposta de definição:
De acordo com Tamayo e Pinheiro (1984), solidão é uma reação emocional de
insatisfação, decorrente de falta e/ou de deficiência nos relacionamentos pessoais
significativos, os quais incluem algum tipo de isolamento. Montero e Lopez e
Sánchez Sosa (2001) definem a solidão como: “[...] um fenômeno multidimensional,
psicológico e potencialmente estressante; resultado de carências afetivas, sociais e/
ou físicas, reais ou percebidas, que tem um impacto diferencial sobre o
funcionamento da saúde física e psíquica do sujeito” (apud MOREIRA E CALLOU,
2006, p. 70).
Segundo Feres e Rivera (2008) a ausência do Outro nas relações é um retorno do
sujeito a uma condição anterior, uma condição narcísica. Essa condição narcísica tão
valorizada em uma sociedade de sujeitos solitários. Mesmo que esteja em meio a tantas
pessoas, a solidão não necessariamente precisa de sua concretude, do isolamento puro e
concreto, mas do caráter que fragmenta esse indivíduo das interações em níveis relacional e
subjetivo.
A ausência do outro ainda pode adotar configurações extremas, e isto delineia o
conceito de solidão, segundo Angerami- Camon (1999). Nesse sentido, o outro é fundamental
na medida em que ele constela a minha existência e experiência. Desse modo, o outro não é
somente uma exterioridade, mas ele demanda ao sujeito as percepções das experiências,
sentimentos e ideias – o outro arremata o sujeito em nível subjetivo. Ao mesmo tempo, o
outro é procurado pelo sujeito na medida em que pode suprir carências, sentir-se e fazer-se ser
amado, além da própria necessidade de conhecimento de si mesmo. Assim, a solidão
representa esta ausência extremada do outro, na medida em que a pessoa tende a buscar no
seu isolamento, o outro que definirá seu próprio ser.
No entanto, se não houvesse o outro, seria impossível segregar-se ou se isolar. Ainda
que o isolamento não possa ser visto como significação de indiferença com os outros. Muitos
afastamentos se dão de modo deliberados, acontecem não somente por indiferenças, mas sim,
por uma consciência de que o outro é sentido como tão forte, que sua presença e realmente
impossível de ser aguentada (ANGERAMI-CAMON, 1999).
Atualmente a solidão se transforma em patologia, e é expressa de modo comum em
várias das sintomatologias, principalmente quando tomada sob a égide da angústia. Mansur
(2008) trata dessa questão no montante de que as subjetividades atuais têm que sobreviver
com a falta do Outro que é imposta, mas também, constela um paradoxo onde – ter o Outro é
uma necessidade, mas a produção social corrobora para a ausência do Outro.
Por outro lado, notam-se novos delineamentos dos vieses da presença/ausência do
Outro quando toma-se a perspectiva fenomenológica-existencial. A partir de Sartre (apud
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SILVA, 2000, p. 86), a expressão do Outro é a maior necessidade do EU, pois conhecer-se é
passar indelevelmente pelo crivo do Outro. De tal modo que este é mais do que somente um
Outro, mas é mediador entre um “mim e mim mesmo”.
Sartre (apud SILVA, 2000, p.87) indica que apesar dessa necessidade do Outro na
constituição ontológica do Eu, a sociedade atual constela para um viés de fragmentação. Não
é raro que se possa assistir ao esfacelamento do mundo; um mundo de miríades de
consciências que representam o atual estado da situação dos seres humanos enquanto
Homens. Esse esfacelamento se iguala à faceta poliédrica da dimensão humana, sendo capaz
de deixar o homem perplexo diante da diversidade de identidades, devires, escolhas – das
possibilidades do homem que se é e que se precisa ser. Esse movimento alentado pela ética
atual cria um paradoxo, onde se tem de um lado uma inumanidade, onde o Outro é somente
instância habitacional; e do outro lado, tem-se uma urgência totalizadora. O resultado de tudo
isso lança o homem em duas perspectivas; o vazio e a angustia de uma não-existência.
Ainda em Sartre (apud ALVES, 2008, p 89), o Outro pode ser o compromisso de
resolução do supracitado paradoxo, mas não pode desprender-se da realidade não-totalizadora
que é ser esse Outro. A partir do instante em que esse Outro não define contornos reais para o
ser, não delimita realmente a essência do ser, constela-se um perigo. Esfacelam-se as partes, e
decorre a caída sob um abismo irrelutante, labiríntico, de encontro com o vazio, com o nada, e
com a solidão (ALVES, 2008).
Assim, o fragmento do que se é lançado ao Outro, para Sartre (apud ALVES, 2008),
não conduz ao conhecimento, mas sim a um mal-estar. Não pertence ao Eu, mas pertence a
outrem, sendo, no entanto, parte do Eu que não se pode acessar. Isso constela, o que Sartre
afirmava ser uma liberdade estranha, que é capaz de aniquilar a própria liberdade do ser,
enclausurando o ser enquanto objeto em uma sombria solidão (ALVES, 2008).
Camus (apud SILVA, 2000, p. 89) parte da perspectiva Sartriana para compor a
perspectiva de uma solidão que é inerente ao Homem. De tal modo que o Homem se encontra
entre um hiato, um hiato que apresenta como extremos a vida e a morte, e que também é terra
fértil para a vida cotidiana. É nesse hiato que é cultivada a solidão e o exílio, da sua
impotência ante a relação assimétrica com o Outro. A tomada da consciência humana só
poderia ser a resolução para um paradoxo tal qual esse sobrepujado à própria questão
existência.
Por outro lado, em Lévinas (apud SILVA, 2000, p. 90) outro panorama emerge sob a
atual condição humana. Segundo Lévinas (apud SILVA, 2000, p. 90) é inevitável observar a
gama de conhecimentos técnicos e patrimônios científicos apoderados pela atual época, mas
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também é inevitável esconder que tudo isso se almeja no viés de uma sociedade egocentrada,
de esvanecimento de valores. Não só se assiste, dessa forma, uma lassidão de todos e de tudo,
mas também uma lassidão de si mesmo, lembrando sempre que a solidão é evento do próprio
ser.
A proposta que Lévinas apresenta para a questão que é postulada para a solitude
contemporânea, engaja-se em uma tentativa de que o Homem possa se observar no montante
de ser solitário e exilado, gozando de uma liberdade enquanto não-estrangeiro. No montante
em que concatenasse ações para a passagem de causalidade à finalidade em si própria -
movimentando infinitas probabilidades de relações com outros sujeitos, outras solidões.
Todavia, o autor afirma que são poucos os que arriscariam a angariar tal possibilidade
existencial dado que não há preparação que sustente tal decisão (SILVA, 2000).
Não se pode esquecer que muitas vezes a solidão também tem sido colocada frente a
uma problemática do isolamento social. Desse modo, Gomes (2001) incide que o isolamento
social refere-se muito mais a uma condição concreta de afastamento do outro do que o
sentimento de estar só. Nessa direção o isolamento social até pode vir acompanhado da
solidão, se pudesse esta última ser tomada em seu prisma psicológico e emocional. Entretanto,
nem sempre a solidão precisa vir acompanhada do isolamento social.
É interessante observar que muitas das produções artísticas podem acontecer frente a
propostas de isolamento social voluntário, sem que necessariamente, seja preciso vir
acompanhada da solidão. Gomes (2001) também pontua que o afastamento social pode
acontecer de modo coercitivo e passivo, gerando um isolamento social que pode levar a um
processo de sentir-se só, constelando a solidão. No entanto, realizar tal distinção é importante
no sentido de que muitas das produções sobre a temática solidão, vêm acompanhadas do
próprio isolamento social enquanto característico da solidão.
No entanto, Freud (1980), tomará a solidão como o próprio isolamento. Nessa
direção, aponta para o isolamento em dois vieses. Em um primeiro e muito recorrente às
neuroses – principalmente as neuroses obsessivas – o isolamento tem função de mecanismo e
defesa. Desse modo, o sujeito tende a reduzir o sofrimento que adviria dos contatos sociais,
adotando o isolamento passivo dentro de uma proposta de felicidade na quietude. A solidão
aparece dentro das propostas neuróticas dentro dos chamados quadros fóbicos, alcançando seu
ápice nas psicoses – onde o sujeito rompe os laços sociais, fragmentando-se, e consequente
perda do contato com a realidade.
Ainda, a solidão dentro da proposta freudiana pode adotar vieses de sublimação. É
nessa proposta em que o sujeito pode encontrar-se com si mesmo, produzir-se e produzir o
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mundo. Essa é a representação da solidão em uma proposta artística e científica que permite
conhecer-se e reconhecer-se diante de si e da realidade a qual se insere (GOMES, 2001).
Penna e Moreira (2010) vão tratar a solidão a partir de seu característico recurso de
recolha da libido investida no mundo. Assim, o sujeito solitário tende a reinvestir a libido, que
antes era colocado nos objetos externos, em si mesmo. Esse movimento engendra o sujeito em
um constante voltar a si mesmo, que, consequentemente, leva a um distanciamento do Outro.
Penna e Moreira (2010) tentam caminhar sobre uma perspectiva que se faz ao mesmo
tempo, dentro de uma visão Psicanalítica, mas concatenam outra proposta, tentando abordar
uma solidão sob um viés sociológico. Gomes (2001) é o que melhor traduz a solidão sob o
ponto de vista da Ciência Social, refletindo a solidão enquanto um produto social, construída
em meio a uma condição de mercado capitalista, egocentrado e individualista. Sendo assim, a
solidão é ainda, vista dentro de um isolamento, onde ao pagar pela assunção de sua
individualidade o sujeito fragmenta-se do outro, afirmando também seu isolamento do outro.
Mas será mesmo que a solidão possa adotar esses vieses que de tamanho negativos
precisam ser altamente paralisadores? Será que a solidão não pode ser tocada por uma luz que
ilumine a possibilidade do encontro? E será mesmo que o encontro não poderia ser, senão, um
encontro consigo mesmo? Estas questões são colocadas por Mansur (2008), ao buscar dotar a
solidão em uma nova lógica. Lógica esta que se faz pela solitude, por uma proposta de
solidão-convite ao autoconhecimento, à espera do bom encontro, e da potencia de si mesmo.
Gomes (2001) ao peregrinar sobre as diversas perspectivas da solidão no campo das
ciências sociais, encontra na Filosofia, uma particularidade a respeito da própria questão que
se interpela à solidão. Nessa direção, incide que o homem nasce solitário, e por si só terá de
desvelar a dor e o prazer dessa sua condição. No entanto, o que chama a atenção não será
como vencer a solidão, mas sim, como transformá-la em uma proposta desejante e inovadora.
Katz (apud Mansur, 2008) tenta caminhar pela solidão adotando uma nova
perspectiva: a solidão positiva. Segundo o autor, é preciso aprender a ser e a estar só, como
uma musica onde a palavra isolamento e sofrimento, nem sempre encontram uma rima
comum. Assim, a solidão não é uma doença, e nem preciso o sê-la, mas é uma conquista de
muitos e poderia ser uma conquista de todos. A solidão, quando então, liberta das grades da
negatividade, pode apresentar-se como substancial para a possibilidade de emergência de uma
singularidade humana.
Acrescenta-se que por vezes, a solidão enquanto um produto negativo é cultivada e
embelezada dentro de uma cultura midiática. Uma vez que esta mesma cultura midiática
depende de um aparato ideológico e contribui para um aprisionamento cultural, a solidão
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tende a apresentar-se como resistência, já que em nada auxilia na propagação e da existência
desse apelo cultural (MANSUR, 2008).
Ainda dentro de uma proposta de solidão positiva, Tanis (2003) vem tentar caminhar
no sentido da construção dessa outra solidão. Nota-se que a solidão positiva combina um
modo muito particular de estar consigo mesmo, deixando-se conduzir sem muitas
expectativas, mas confiante, na proposta de somente uma espera, aquela do encontro com
consigo mesmo. Encontro este que pode promover e engendrar milhares de linhas novas,
criativas, propostas que levaram o sujeito a vários lugares, e enfim, novos encontros com o
outro.
Não se pode esquecer o próprio processo de subjetivação é um encontro que
ultrapassa a própria questão do outro, mas caminha também num encontro consigo mesmo.
Vergueiro (2008) ao transpor o processo de individuação, tal qual indica a base Junguiana da
Psicologia, informa que o mesmo se faz dentro de uma perspectiva da solidão. Sharp (apud
VERGUEIRO, 2008) diz que o processo de individuação é aquele onde a pessoa alcança seu
desenvolvimento pessoal; é nesse processo que a personalidade individual alcança um grau tal
que a pessoa torna-se inteira, si mesma, e indivisível. Sendo que nem sempre esse processo
faz-se somente na perspectiva dos relacionamentos interpessoais.
Nessa direção, Vergueiro (2008) indica que o processo de individuação caminha sob
um viés do próprio sentir-se só. De modo que é importante que se veja a solidão como forma
de encontrar conteúdos para as próprias perspectivas de relacionamento. Sendo que muitos
conteúdos necessários aos relacionamentos, só podem, ou melhor são encontrados, no tocante
da solidão.
A solidão que seria então um vazio, não no sentido literal negativo, mas um vazio
que não se faz pela falta de algo, mas pelo desejo de criação de algo, ou de alguém. É a esta
solidão que promove a pessoa em todas as suas linhas de fuga, gerando inquietações sobre a
experiência e sobre quem se é que chama a atenção de Bohrer (2006). Vazio que se rompe de
devires-outros, criando um deserto povoado. Afinal, em todo deserto, povoam faunas, floras,
e tribos – por que seria diferente na solitude do deserto -povoado humano?
Nessa direção há um modo de caminhar pela solidão que possa ser fortalecedor,
vívido de prazer e descoberta. A esta solidão, Mansur (2008) constela a solitude, ligando-se às
sustentações emocionais e às diversas intempéries da cultura a qual os seres estão inseridos. A
isto, se aloca também as múltiplas possibilidades dos sujeitos de oferecerem sentidos a si
mesmos e ao mundo, reinventando espaços de convivência, realidade para além daquela
utópica e romântica figurada na imaginação humana.
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CAPITULO III
INDIVIDUALISMO: DE UMA POLÍTICA DA PÓS-
MODERNIDADE AO CUIDADO DE SI
Se por um lado tem-se definições em que a solidão ocupe planos que revelem o
encontro do sujeito consigo mesmo, ou, em outra perspectiva, um desinvestimento libidinal
do mundo exterior frente ao interior, ir-se-á ter também, novas perspectivas para o
individualismo. Importante definir tal questão, pois como aponta Callou e Moreira (2006),
muitas vezes a solidão pode, por confluências de uma perspectiva da própria subjetividade
capitalista, enviesar-se a partir da lógica individualista. Nota-se que, definir individualismo e
suas respectivas influências em torno da subjetividade atual se faz nesse trabalho além de
necessário, caminho para novas questões e construções.
A própria perspectiva do individualismo enquanto questão circundante da
subjetividade encontra-se entremeada pelos rumos da história. Definir tal panorama é tão
importante, pois delimita processos e ressonâncias da própria lógica do indivíduo. Pontua-se
como coloca Jardim (2008) que a lógica individualista tem suas bases nos período histórico
que é chamado de Renascença (período histórico iniciado no século XIV, tendo seu declínio
no século XVII), onde uma nova visão de mundo é observada.
Enquanto no período histórico precedente à renascença, chamado de idade Média (ou
Medieval – período entre séculos V e XV), o indivíduo não existia, ficando a mercê de uma
totalidade que lhe era imposta. Assim, de acordo com Neuser (2011), as pessoas revelavam-se
a mercê de uma sociedade estratificada, rígida, valendo-se dos conhecimentos precedidos do
pensamento divino, vinculados aos grandes sacerdotes cristãos. Importante apontar que
embora os sujeitos possam ser indivíduos, sua individualidade ainda depende da totalidade, e
essa totalidade era deflagrada como sendo Deus. Assim, como o mesmo autor aponta, não
existia indivíduo, já que a própria totalidade era o conjunto de todas as coisas, e todas as
coisas eram manifestações de uma totalidade (representada por Deus).
A Renascença, segundo Neuser (2011), instala um novo conceito de indivíduo -
separado e livre. Mas é no período chamado Idade Moderna que tal conceito pode aprofundar
e alçar novas perspectivas acerca da construção de uma proposta para o individualismo. Nele,
o conceito de indivíduo é tratado como livre de lógicas externas, ou seja, o indivíduo detém
conhecimento, e pode produzir-se, fundando-se em si mesmo.
Esta proposta de fundar-se em si mesmo, retorna ao sujeito a uma lógica narcisica,
trabalhando aspectos individuais, acerca de um sujeito único. Assim, é nessa proposta que se
abre na modernidade é aquela onde se privilegia a individualidade, como coloca Jardim
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(2011), iniciando um novo processo também na subjetividade. Desse modo, ao afirmar-se
diante do mundo frente a sua singularidade, o individualismo aparece como uma forma de
distinção do outro.
Jardim (2011) acrescenta que o individualismo, em seu movimento inicial, precede
uma proposta em favor de libertar-se das lógicas colocadas pelas instituições sociais (religião,
política, econômica, etc.). O individualismo atual se coloca enquanto uma lógica de liberdade,
auto-responsabilidade e singularidade. De modo que, diferentemente de outras épocas, o
sujeito que agora se vincula a uma proposta de fazer-se independente no mundo, não mais é
visto como fora deste último, mas senão, aquele que contesta o mundo porque está inserido
nele.
De acordo com Dumont (apud FONSECA, 2009), o individualismo estaria
representado mesmo antes nas culturas orientais, quando a cultura por um retorno ao si-
mesmo estava vinculado à espiritualidade e filosofia oriental. De modo igual ocorreu na
proposta de individualismo ocidental, onde os filósofos da cultura greco-romana,
valorizavam o bem-estar moral, sendo que, o ideal de superioridade, somente se faria na
medida em que o sábio (filósofo) desprendia-se da sociedade. Importante lembrar que:
Para Dumont (1985) há duas formas de individualismo: o indivíduo-fora-do-mundo
e o indivíduo-no-mundo. O primeiro foi representado pelo renunciante que se
isolava do meio social para buscar uma supremacia espiritual e moral. Na segunda
forma, por sua vez, o indivíduo foi inserido dentro da esfera das preocupações
mundanas através da secularização do sentimento religioso em que a igreja imergia
no mundo enquanto o indivíduo ascendia numa posição ativa de buscar a validação
de sua vida neste mesmo mundo (apud FONSECA, 2009, p. 341).
O individualismo representa então o conjunto de ideias, pensamentos, e valores que
tendem a colocar o sujeito como o centro de atenção, focando no mesmo, as suas perspectivas
de realização pessoal, de modo independente daqueles que o circundam. Tal autor toma então,
as perspectivas da proposta do individualismo tal qual é trazida nos conceitos renascentistas,
onde o sujeito ocupa papel central no conhecimento e realização de si mesmo. As vertentes de
uma proposta do individualismo se concentram ainda mais no ideário remanescente da
Revolução Francesa do século XVIII. Tourinho (1993) incide que tal fato é o maior exemplo
de uma proposta para o individualismo constituindo as suas bases principais no lema
“Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.
Assim, a liberdade da qual se fala, é aquela onde o sujeito pode atuar livremente de
acordo com suas ideias. Além disso, pode elaborar para si, um conjunto firme de conceitos
que o guiará frente à vida e suas ações. Ao mesmo tempo, a noção de liberdade, pressupõe a
própria noção de igualdade, no montante em que esta é representativa de uma justiça social,
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em que todos têm os mesmos direitos e deveres, portanto sendo igualitários perante as
instâncias judiciárias (TOURINHO, 1993).
Esta instância de pensamento acerca do individualismo faz-se pensar por um novo
viés, onde a subjetividade encontra-se em direcionamentos outros, levando ao que Figueiredo
(1994), vem chamar de Subjetividade Privatizada. De acordo com esse autor, a ocorrência de
uma cisão nos processos subjetivos que advêm da lógica individualista, cria sujeitos que
caminham no sentido de poder autogestar a sua subjetividade. Ao mesmo tempo, a
subjetividade privatizada vincula-se tanto aos novos processos que agora incidem sob a
construção da subjetividade – a lógica capitalista e o liberalismo econômico.
Importante destacar que se aterá somente ao indivíduo que advém de uma proposta
da ordem capitalista e do liberalismo econômico, uma vez que em torno desse sujeito-
individuo, que se tomará a construção de uma subjetividade-privatizada. Entender o
individualismo pós-moderno, e ainda, as suas ressonâncias sob a lógica do saber psicológico,
perpassa indubitavelmente por entender a que subjetividade é esta que se tem produzido.
Assim como afirma Carloni (2011), entender a subjetividade atual deve buscar circundar o
contexto que permite o individualismo.
Carloni (2011) acrescenta que a lógica capitalista, esta onde o lucro, o sistema de
forças burguesa-proletariado, engendrada por modos de produção, conduz a transformações
sobre os valores e formações do sujeito. Nota-se que a lógica capitalista só pode ser entendida
dentro uma perspectiva de modernidade, e como tal, a própria modernidade “inventa” o
individuo. Assim, o indivíduo é colocado em posição central, detém a verdade sobre si
mesmo, assim como autonomia e liberdade. A esta, a liberdade, incide-se principalmente o
liberalismo econômico, e tão logo, à proposta do individualismo.
Figueiredo e Santi (2006) afirmam que o liberalismo econômico pode expressar-se
de modo eloquente e certeiro frente aos desejos dos burgueses dos séculos XVIII e XIX, mas
não aplacavam de modo algum a produção de um sujeito desamparado. Desamparado porque
a liberdade pode permitir que a experiência viesse a ser vivida sem limites, mas essa
experiência, leva o homem a sentir-se, por hora, perdido e inseguro.
A questão que se coloca ao individualismo atual é de tamanho interesse, que já
existem técnicas que visam medir em escala, as relações de individualismo e coletivismo.
Nota-se que, assim como se tem feito na solidão, a busca por permear os aspectos de
adoecimento e de saúde existentes na proposta do individualismo toma relevância. De acordo
com Andrade e Soares (2002), a elaboração de uma escala de individualismo e coletivismo
pretende buscar ir além de questões causais, encontrando com sua utilidade frente às relações
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interpessoais, identificações com grupos de pertença, que convergem sob um entendimento do
comportamento social.
Destaca-se que para a escala elaborada por Andrade e Soares (2002) - a Escala
Multi-fatorial de Individualismo e Coletivismo, as dimensões destes construtos -
individualismo e coletivismo - são mais do que aspectos polares da modernidade. O construto
de individualismo, ressalta o pensamento do individuo enquanto ser autônomo, sobressaindo
sob a grupalidade, e comprometendo uma ruptura com as relações familiares e heranças
morais, éticas e estéticas advindas desta. O individuo tampouco se importa com o contexto
social, mas senão aos seus interesses, desejos e anseios, sempre atento à valorizar seu êxito e
intimidade. Já o coletivismo preconiza a ideia de grupalidade e interdependência, valorizando
a sobrevivência do grupo em detrimento do individuo, ao mesmo tempo em que, figuram-se
interesses comuns, fortalecendo as relações, atentando a uma cooperação e cumprimento
coletivo.
No entanto, como aponta Callou e Moreira (2006) o individualismo enquanto lógica
pertinente à proposta capitalista burguesa, muitas vezes pode ser confundida com a própria
solidão. Mas quais são os limites entre solidão e individualismo? Onde encontram-se e se
separam?
Os aportes para apontar uma diferença ou intersecção entre o individualismo e a
solidão figuram justamente dentro dos apontamentos atuais. Nesse sentido Callou e Moreira
(2006) indicam que a solidão pode ser representada na lógica da ausência do outro, e em
contrapartida, o individualismo vem figurar muito mais enquanto um estilo de vida instaurado
pela modernidade e pós-modernidade. Ainda, tanto solidão e individualismo permeiam uma
lógica atual – a lógica do vazio.
A partir de Pena e Moreira (2010) que tomam a analogia de Zizek (apud PENA E
MOREIRA, 2010, p. 56) com a lógica do Ovo Kinder, e das construções de identidades na
contemporaneidade. Aponta-se, que o sujeito que emerge na atualidade é aquele que tem
encontrado com seu “vazio central”, e que dele, não sabe o que fazer. Se por um lado a
solidão caminha numa prerrogativa existencial, o individualismo é construído nas relações
sociais, e toma vieses determinantes dos jeitos de ser e estar do homem.
A solidão, então, tende a encontrar-se com o individualismo, na medida em que, por
exemplo, a discussão do tempo e espaço toma amplitude. A isto, Harvey (1992) acrescenta
que a busca pelo efêmero e o volátil introduz as questões onde tempo e espaço comprime,
atirando fora valores, estabilidades, regularidades, apegos, e modos de ser e agir. Mas afinal,
qual a relação disto com a solidão e individualismo?
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Segundo Pena e Moreira (2010) tanger a construção do tempo e espaço em
compressão, é também falar da ausência do outro. E justamente a ausência do Outro que se é
interessante quando o modo de funcionamento individualista e da solidão caminha realmente
no enfraquecimento dos vínculos relacionais. Sendo que se o outro não é mais necessário no
que tange o âmbito relacional, na firmação e estabelecimento de vínculos trabalha-se de forma
a não adotar relacionamentos que tomem vieses de apego e profundidade. Mantém-se contatos
em uma falsa perspectiva de estabilidade, reforçando valores que sejam interessante a
manutenção da relação do homem com o mundo, tal qual se relaciona com os produtos
oferecidos no amplo mercado comercial: de modo descartável e superficial.
De certo modo, o que se indica é que a questão do individualismo possa ser
observada como um construto, uma vez que justamente se constela dentro da questão de
individuo, estabelecida na modernidade, e é passível de mensuração, como indica Andrade e
Soares (2002). Ainda mais se tomarmos a perspectiva de Salem (1992), na qual o individuo,
toma viéses de unicidade frente a multiplicidade, embora ainda seja sujeito existente no
mundo:
Uma tradição recente, mas vigorosa, nas ciências sociais vem tematizando, sob a
égide de um empenho relativizador, a representação moderna de Pessoa
consubstanciada na noção de indivíduo. (...) Em contraste com a visão de mundo
holista, que concebe a pessoa como socialmente qualificada, a ideologia
individualista atribui ao indivíduo o estatuto de um ser moralmente autônomo, pré-
social - isto é, como tendo uma existência logicamente anterior à sociedade - e, no
limite, como um ser não-social, haja vista a tendência a obscurecer ou a suprimir o
caráter social de sua natureza. (SALEM, 1992, p. 2).
De certo modo, o que se cabe enunciar é que o individualismo tende a caminhar numa
contramão da própria constituição da sociedade, se tomarmos as perspectivas de Salem (1992)
em seu sentido literal. Desarte o que a autora coloca e que justamente o individuo enquanto
célula da sociedade tende a buscar estar independente desta. Daí surge processos tais que
inferem sobre a transcrição de um sujeito no mundo, desvinculado de propostas e perspectiva
globais, em detrimento de si mesmo.
Embora tal discussão pareça repetitiva, é necessário pontuar que ela é pedra angular
dos processos subjetivos contemporâneos. Como afirma Garcia e Coutinho (2004), uma
autonomia engendrada pela lógica do individualismo leva o sujeito a uma condição de
tamanha liberdade, que por vezes, o sujeito tende a se aprisonar à mesma. Se por um lado
pareça tal panorama ambivalente, a liberdade advinda do individualismo pode ser expressa
por um desamparo que acomete o individuo e entorpece a manifestação das potências
criativas e saudáveis.
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O desamparo aliado ao individualismo, para Garcia e Coutinho (2004), reflete uma
possível resposta afetiva às condições de subjetivação, presentes na sociedade individualista
atual. Este assunto merece relevância, e será tratado nos próximos capítulos, quando se
buscará discutir os mal-estares advindos do individualismo e solidão, dentro dos processos de
subjetivação pós-moderno.
Ressalta-se aqui a definição de individualismo apresentada por Fonseca (2003), em
Michel Foucault e a constituição do sujeito. Na mesma, o autor define que a intensidade das
relações consigo mesmo, envolvendo-se como objeto de conhecimento e de transformações –
tendem a expressar a ideia de individualismo. Contudo, o que o autor propõe, é que a “Cultura
de si” que engendrará uma lógica do individualismo; “sendo a cultura de si”, o
reconhecimento do individuo enquanto artista-cuidador de si-próprio. Acrescenta-se que é
justamente a necessidade de cuidar de si que irá organizar e (re)construir possibilidades de
uma nova existência.
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CAPITULO IV
CARTOGRAFIAS DA PÓS-MODERNIDADE: CAMINHOS E
PERCURSOS DA SUBJETIVIDADE CONTEMPORÂNEA
Antes de começar a delinear a perspectiva da pós-modernidade, é importante poder
delimitá-la, já que muitas vezes, seu conceito entremeia os conceitos de contemporaneidade e
também de modernidade. Assim, de acordo com Hennigen (2007) a contemporaneidade
refere-se a uma situação ou processo que acontece neste tempo atual, possuindo uma
especificidade marcada pelas várias transformações – sociais, culturais, econômicas,
subjetivas, ambientais, etc. - características desse próprio tempo. Sendo que essas
transformações acontecem em várias esferas, e encontra-se inexoravelmente com a
complexidade humana, a própria contemporaneidade também apresenta contornos complexos.
Isso não se dá somente pela dificuldade de denotar o conceito contemporaneidade, mas
porque, ela é resultado do próprio processo histórico.
Hennigen (2007) ainda pontua que muitos contornos se dão à contemporaneidade, e
ela por vezes é confundida com a pós-modernidade, ou mesmo com a globalização. Como o
termo pós-modernidade será melhor explorado aqui, faz-se um adendo para atentar-se para o
contexto da globalização. Segundo Giddens (2000) a globalização é um termo que pouco
figurava antes da década de 90, sendo que toma agora corpo, pois é a representação de um
sistema econômico onde não existem fronteiras, ou seja, os processos são globais e se
traduzem em várias etapas, acoplando diferentes países. Contudo, é um equivoco pensar que a
globalização atenta-se somente a uma característica mercadológica e econômica, pois seus
efeitos são sentidos a nível subjetivo, uma vez que, o excesso de informação veiculada e o
apelo excessivo pela internet, incidam sobre as identidades, sobre o sentido que é atribuído à
vida, e à própria organização dos grupos sociais.
A própria proposta de globalização apresenta-se tão complexa que, de acordo com
Bauman (1999), a globalização não pode ser experimentada por todos de uma mesma forma,
já que mesmo sendo todos confrontados à lógica do consumo, nem todos podem ser
consumidores. Isso leva ao encontro de diferentes sujeitos, ou seja, como diferentes
identidades, produzindo efeitos que também podem ser distintos, gerando mais desigualdades
sociais e econômicas. Bauman (1999) então questiona a própria proposta de globalização,
uma vez que a mesma, em nada conduz a uma proposta ou efeitos que sejam, grosso modo,
globais.
Contudo, trata-se aqui dessa globalização enquanto parte dos efeitos da própria pós-
modernidade. A pós-modernidade, como é colocada por Lyotard (1986) pode ser entendida
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como a crise das metanarrativas - como o iluminismo, e o próprio marxismo. Tais
metanarrativas são as construções teóricas de profundo apreço científico que se figuram no
sentido de construção de verdades absolutas e gerais sobre os fenômenos. Desse modo, para o
autor, não há mais metanarrativas que podem abarcar todas as culturas, visto que estas se
apresentam diversas e complexas. A pós-modernidade, nesse sentido, é tomada em seu viés
lingüístico, de tal forma que, os sujeitos realizam laços sociais pela comunicação, e na
constituição desse laço social, o sujeito pós-moderno não lida mais com um conjunto único de
linguagem, mas a linguagem estabelece-se tal qual num jogo, múltiplo, diverso, assim como a
subjetividade do sujeito pós-moderno.
No entanto, enquanto Lyotard (1986) vê uma profunda mudança, e ruptura
representada pela pós-modernidade, Harvey (1992), conduz por outro viés, inserindo a
possibilidade de que a pós-modernidade seria uma nova fase do capitalismo. Nessa fase,
instaurada a partir da década de setenta, tem-se como referenciais a crise do modo de
produção Fordista (rígido, focado em processos), para o modo de produção de acumulação
flexível; ainda, revela-se uma marca representada pelo que o autor chama de compreensão
espaço-temporal.
De acordo com Harvey (1992) a acumulação flexível pode ser entendida como uma
flexibilidade maior dos processos de produção, trazendo como conseqüências, novos vetores
de produção, ou seja, novos processos, conduzem a novos mercados, novas tecnologias, e
inclusive, novos padrões de consumo. Essa experiência do próprio capitalismo leva Harvey
(1992) a conduzir-se sobre noção de compreensão do tempo-espaço, ou seja, a aceleração do
ritmo de vida, do consumo desregrado e do caráter da rápida obsolescência de bens,
processos, modas, e até mesmo identidades; além disso, vive-se no que o autor chama de
aldeia global, ou seja, rompem-se as barreiras, deslocam-se os espaços, bem como, cabem-se
espaços dentro de espaços, alteram os modos de comunicação para modelos mais rápidos e
dinâmicos (telecomunicações), interdependendo redes espaciais, relacionais, e produtivas.
Lipovetsky e Charles (2004) também abordam a dimensão da pós-modernidade,
contudo, conferindo a esta, o significado de hipermodernidade, tomando esse conceito como
ulterior ao conceito de pós-modernidade. A pós-modernidade, ou seja, algo que vem depois à
modernidade é, a partir dos autores, um termo ambíguo, e por vezes vago. De tal modo que
falar dessa ambigüidade não faz sentido, já que o que se vê nascer após os anos 1950 é uma
modernidade consumada, figurando em torno de “excessos”, não rompendo com os moldes
anteriores. Insere-se então, o que se chama de sociedade dos “hipers” – hiperconsumo,
hipervigilância, hipercapitalismo – que trazem o conceito claro das mudanças que ocorrem
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nos contextos sociais, relacionais, e funcionais. Esses mesmos excessos que vão configurar
uma sociedade com rápida expansão da comunicação e do consumo, gerando
enfraquecimento de normas, leis e valores, consagrando posturas hedonistas e individualistas.
Não se pode deixar de indicar que os autores tomam a própria perspectiva do tempo
de Lyotard (1986) para indicar uma primeira noção dessa mudança do eixo de interesse.
Passou-se de uma noção triunfal de futuro, para uma congregação e enamoramento pela
perspectiva do presente. Nesse sentido, nota-se que não somente os grandes feitos (Duas
grandes Guerras Mundiais, Ascensão de Regimes Totalitários, Crise do capitalismo,
Holocausto, e a aceleração das desigualdades entre Primeiro e terceiro mundo) do ultimo
século (Século XX), não fez-se suficiente para o enfraquecimento de metanarrativas, se não
fossem potencias para novos modelos de mentalidades. Mas há de se inserir que as revoluções
que levaram a novas perspectivas, formas de ser e estar são justamente explicitadas pela
assunções de novas paixões, novos sonhos, novos desejos e seduções, que mesmo sem grande
eloquência, se tornam onipresentes, afetando o maior número de pessoas (LIPOVETSKY E
CHARLES, 2004, P. 59)
Mais do que se pode notar, implica-se que a pós-modernidade é senão mera ponte
entre o momento onde a modernidade se faz transeunte sob uma contemporaneidade
hipermoderna. Acrescentam Lipovetsky e Charles (2004), que são tempos onde o presente
toma forma quase estrutural, indica outras formas de ser e de estar, valorizando modas,
obsolescências programadas, onde um gozo desenfreado toma corpo e voz, induz a
inexistência de limites, e confirma a tenuidade de inseguranças. O preço de tudo isto, é
colocado como uma vida cada vez menos frívola, mais estressante e apreensiva.
Nessa direção, Lipovetsky e Charles (2004) afirmam que o espírito da
hipermodernidade é alentado por um tempo de risco e de incertezas, gerados pelo
enfraquecimento do poder político, das normas e das leis. Ainda acrescentam que é na
insegurança, que se vive cada vez mais o presente e agora. Em torno da conceitualização de
que se vive em uma sociedade de risco, de acordo com Beck (2010), utiliza o termo risco,
para definir esse tempo em que se vive às pressas, recorrentemente preocupado com o
presente, tendo por ora, antecipado futuros. Segundo Beck (2010) o risco não é somente
ameaçador e medonho, mas o risco é o perigo associado a um componente decisório: a
probabilidade. Como os riscos adentraram espaços (físicos ou subjetivos – ruas, casas,
relacionamentos, o próprio espaço subjetivo dos sujeitos) infinitos nos quais o homem ocupa,
ele não mais é alvo de estranhamento, mas passa a ser elemento central da rotina de qualquer
um.
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Se por um lado encontram-se autores que defendem uma perspectiva de Pós-
modernidade, por outro, Viana (2011) indica que a pós modernidade não existe. Ela seria
somente um retorno, uma representação da ideologia moderna. Ainda, entremeia-se buscando
na modernidade, valores como – consumo, modismo sucessivo, luta entre burguesia e
proletariado, violência, ideologização - que muitas vezes foram esquecidos, repaginando-os,
bem como, utilizando-os na construção de valores equivalentes. Assim, mostrando que não se
pode delimitar a pós-modernidade, pois ela é uma intensificação do modernismo.
Para Santos (1987), a pós-modernidade se insere no período histórico compreendido
após a década de 50, e estende-se até os anos 2000, “nascido” juntamente à arquitetura e a
computação. Seus efeitos podem ser sentidos de modo geral – nas artes, na cultura, na
sociedade, nas formas de organização social, na ciência e na filosofia. Na era pós moderna, o
que se segue é um intenso movimento, originando uma crítica da sociedade burguesa
ocidental pela filosofia, um movimento pelo Pop Art, e alastra-se sobre a criação de modas e
estilos de vida nas novelas, filmes, livros e internet, bem como, intensifica a necessidade de
que os sujeitos tenham suas relações mediadas pelas máquinas – tal como celulares e
computadores. O movimento inserido pela pós-modernidade é tal qual que seus efeitos,
segundo Santos (1987), são sentidos com tamanha intensidade, sem que se saiba se é
decadência ou renascimento cultural.
Castells (2006) apresenta outro panorama da própria questão da subjetividade
contemporânea. Para isto, utiliza da criação de uma perspectiva de espaços em redes, que
determinam sujeitos mediados por vias novas de comunicação. Assim o autor toma
principalmente, as relações do homem, seja uns com os outros, ou mesmo com o espaço, para
redefinir novas formas de ser e estar no mundo atual.
Destaca-se que a Internet, de acordo com Castells (2006), é aquela que mais
engendra novos meios de comunição, sendo seus efeitos essenciais para a comunicação na
pós-modernidade. Contudo, o autor alerta para urgência de novas pesquisas, já que perduram
questões muito mais prosaicas do que se poderia imaginar, acerca dos efeitos positivos ou
negativos, a respeito do uso da internet:
(...) a noção do real contra-ataca, quem vive vidas paralelas na tela estão, não
obstante, ligados pelos desejos, pela dor e pela mortalidade de suas personagens
físicas. As comunidades virtuais oferecem um contexto novo e impressionante, no
qual faz pensar sobre a identidade humana na era da Internet (CASTELLS, 2005, P.
442).
O que Castells (2006) parece apontar é não somente a uma nova forma de
subjetividade e novos processos de subjetivação, mas também, para novos modos de
relacionamento. Junior e Romera (2010) perpassam a própria questão relacional
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contemporânea sob um novo termo: a conexão. Percorre-se então um novo trajeto, onde os
relacionamentos acontecem em redes, que tecem ligações, ou conexões, que não perpetuam
diante da fragilidade de vínculos.
A fragilidade de vínculos é o principal foco do campo social, de acordo com Bauman
(2004). Insere-se no mesmo uma liquidez pura, que esfacela qualquer possibilidade de ligação
além do tempo. Assim, permeiam-se relações – amorosas ou não – fixadas numa perspectiva
de descartabilidade, instantaneidade, imediatismo. Não obstante, aparecem as relações
virtuais, tendendo a estabelecer certo padrão, orientando todas as demais modalidades de
relação.
Talvez, o que Bauman (1999) tenta permear é o fato de que se vive em épocas de
grandes mal-estares. E estes mal-estares tem um importante agenciador, que o autor ousa
chamar de liberdade. A proposta de liberdade é doravante, uma das maiores promessas que
ingressam sujeitos numa lógica pós-moderna, tornando-se de indispensável exigência, de
desejo ambicioso. Em contrapartida, ela choca-se com as insurgentes demandas sociais e
contemporâneas por maior segurança e ordem.
Contudo, o que se pode dizer é que toda esta contradição tem viés fundamental, e
desmonta processos de subjetivação contemporâneos. Nesse sentido, lembra-se que a
subjetividade está inserida em uma temporalidade, sendo que interessa-se por essa
subjetividade contemporânea. Ao falarmos de uma subjetividade pós-moderna, somente o faz
importante se se abarcou o plano conceitual de tal termo, ante ao contexto em que a mesma se
apresenta. Para tanto, compreende-se a subjetividade tal qual é construída por Guattari (1992)
como sendo produzidas por instâncias individuais, coletivas e institucionais. Segundo Guattari
(1992) a subjetividade é, por vezes, plural, polifônica, reconhecendo-se em uma
multiplicidade de instâncias em que umas não se sobrepõem às outras, mas existem paralelas
e concomitantes, em diálogo constante. É fabricada, seja por máquinas sociais, midiáticas e
lingüísticas que ultrapassam qualificações humanas
De Guattari (1992) também emerge o conceito, na medida em que coloca a
subjetividade como aquele conjunto de condições que levam as instâncias
individuais/coletivas que estejam em posição de emergir como território existencial auto-
referencial, em adjacência ou em uma relação de delimitação com uma alteridade ela mesma
subjetiva. Em suma, é um processo, que se constitui no embate do sujeito com a sua
temporalidade, indo além de questões inconscientes/conscientes, ambientais e sistêmicas, mas
sendo parte de um processo de encontro do sujeito com ele mesmo, de um encontro do sujeito
com o coletivo, assim como, do encontro do coletivo com o sujeito.
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Para se tomar o termo subjetividade em Guattari (1992), vale-se explanar o que o
mesmo incide sobre a subjetivação. Nessa direção, a subjetivação pode ser inserida como um
processo engendrado no plano individual-coletivo-maquínico-encontro-troca, oferecendo ao
sujeito uma multiplicidade de potências capazes de dar corpo existencial ao sujeito,
ressingularizando-o. Ressalta-se que o caráter maquínico da concepção Guattariana revela-se
através da constituição de dispositivos sociais, culturais e econômicos que direcionam sujeitos
e sociedades. É um movimento que pode ser comparado à produção artística, onde a paleta do
pintor, através de uma heterogeneidade de cores, preenche a tela criando uma harmonia na
produção.
Nesse montante, os efeitos dos atuais processos de subjetivação têm estreitas
relações com os atuais modos de operação do capitalismo e globalização. Nota-se, portanto,
um desenvolvimento cada vez maior de uma perspectiva econômica Neoliberal, onde o estado
intervém cada vez menos na economia. Segundo Arbéx (2010), a retirada do poder do Estado
sob a economia incide de tal maneira que pode ser comparada à retirada do poder de um
soberano. Ao mesmo tempo, o mesmo Arbéx (2010) coloca que algumas configurações da
cultura atual perpassam um panorama da globalização e do consumo desenfreado. Enquanto
este se refere à possibilidade de ter acesso a todos os objetos desejáveis, aquele instaura a
homogeneização de recursos, métodos, processos e identidades. Não se pode esquecer que
ainda dentro dessa perspectiva econômica, observa-se uma valorização da privatização, ou
seja, de investimentos privados em empresas, e cada vez maiores desinvestimentos em
empresas do poderio público.
Outro ponto que merece destaque no plano relacional diz respeito aos computadores
e as redes sociais. De tal modo que, os indivíduos passam a relacionar entre si por meio de
mediadores, que se convencionou chamar de máquinas. As mesmas máquinas que garantem a
rotatividade e produtividade no trabalho. Ainda, os efeitos de tudo isto manifestam ao plano
dos valores sociais, que são desvalorizados no mercado capitalista, uma vez que não
produzem em si mesmos a moeda chave da ordem – lucro. Lucro este que engendra
novamente a roda do consumo (PENNA e MOREIRA, 2010).
Não é raro assistirmos pessoas que compram a beleza e a promessa da juventude
eterna. Ou mesmo, não tão é raro observar indivíduos que buscam prazer desenfreado,
valendo da máxima contemporânea: “É proibido proibir”. Como também, o surgimento de
fármacos que vendem a promessa de felicidade instantânea, da cura para as angústias, e dores
existenciais. Desse modo, segundo Penna e Moreira (2010), tudo que maneja lucro e
consumo, maneja também, aspectos que atuam na constituição dessa subjetividade atual.
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É nesse montante que se constituem os efeitos de tal modus operandi social para a
constelação do individualismo e solidão. De acordo com Penna e Moreira (2010), a solidão e
o individualismo contemporâneos estão atrelados às atuais prerrogativas sociais que
valorizam uma autonomia individual. As autoras ressaltam a autonomia individual como um
conceito onde o Eu pode ser tomado como princípio e fim de todas as coisas. Ainda, segundo
as mesmas autoras, os sujeitos se colocam de modo a viabilizarem a proposta de um menor
investimento libidinal no campo social, recorrendo a um aprisionamento no Eu. A respeito de
tal afirmativa, Lasch (1983) incide mais viéses que tomam o sujeito em torno de si mesmo,
construindo o que chama de cultura do narcisismo. Nessa direção, constrói uma análise acerca
do narcisismo contemporâneo.
Lasch (1983) retoma então vários viéses da História, da Sociologia, da Psicologia
Social e da própria Psicanálise, ressuscitando a cultura do narcisismo. Segundo Lasch (1983)
a cultura do narcisismo contemporâneo estaria circunscrita à uma preocupação intensa com a
realização individual, relacionada intrinsecamente ao universo do consumo, em detrimento
aos ideais coletivos. Nesse sentido, quando os sujeitos deixam de estar com outro,
reinvestindo ações libidinais em torno de si mesmos, produzem também sujeitos angustiados,
culpados, que os leva a refugiarem-se no hedonismo e consumismo. O autor ainda
compartilha a idéia de que tais traços narcísicos impedem a identificação dos indivíduos junto
aos demais, enfraquecendo as buscas por ideais comuns.
Cartografar uma proposta de pós-modernidade pode ser algo que demande tanto
daquele que se propõem a cartografá-la, quanto daquele que almejou tal processo, algo
demorado e envolvente. Isto porque as inúmeras categorias de pensamento acerca da pós
modernidade (LYOTARD, 1986; LIPOVETSKY E CHARLES, 2004; BAUMAN, 2006)
podem apenas apurar um plano da mesma, mas não abarcar a sua totalidade. Isto porque, esta
mesma é constituída de inúmeros planos e contradições, como aponta Bauman (2006), que se
tornam propulsores de mais processos e desenvolturas sócio-historico-sociais-politicos.
Neste capítulo, tentou-se percorrer os caminhos que tangem esses olhares de
multiplicidade sobre a temporalidade atual. Mais do que isto, procurou-se encontrar
importantes conceitos para a construção de uma perspectiva entre a pós-modernidade, a
solidão e o individualismo. Nota-se, a partir de Penna e Moreira (2010) que muitas
aproximações entre essas instâncias podem ser potentes e criativas, mas também podem gerar
graves lógicas de sofrimento e angústia.
Vivendo-se em tempos de modernidade ilimitada, proclama-se que a experiência
humana na contemporaneidade se ancora em três fatores fundamentais: na tecnologia,
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individualidade e economia. Ao mesmo tempo a angustia vem expressar um sintoma, algo
que emerge dentro de um núcleo de adoecimento aplacado nos ambientes pós-modernos
(FORBES, 2005, p. 4).
Desse modo, conclui-se a partir das perspectivas de Forbes (2005) a respeito do
homem que é colocado como “desbussolado”. Isso porque, a liberdade e o enfraquecimento
das figuras de ordem e poder, encerram uma multiplicidade de escolhas, que por serem tão
diversas e distintas, levam aos montantes de solidão e dor. Ao mesmo tempo, em meio a
tantas opções, sem ter quem medeie as escolhas, se é obrigado a optar por algo, afim de não
falecer na lógica do esvaziamento existencial.
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CAPITULO V
SOLIDÃO E INDIVIDUALISMO: POR UMA PERSPECTIVA DA
SUBJETIVIDADE CONTEMPORÂNEA
O meu vizinho do lado se matou de solidão. Abriu o gás, o coitado, o
último gás do bujão. Porque ninguém o queria. Ninguém lhe dava
atenção. Porque ninguém mais lhe abria, as portas do coração. (...).
Há tanta gente sozinha,
que a gente mal adivinha. Gente sem vez para amar. Gente sem mão
para dar. Gente que basta um olhar. Quase nada! Gente com os olhos
no chão, sempre pedindo perdão. Gente que a gente não vê porque é
quase nada. (...). Num velho papel de embrulho, deixou um bilhete
seu, dizendo que se matava de cansado de viver. Embaixo assinado
Alfredo, mas ninguém sabe de quê – Vinicius de Moraes (1998).
Muito se busca saber a respeito de uma problemática que transborda e encontra
muitos vieses - a solidão e o individualismo são sintomas da pós-modernidade, ou ao
contrário, os sintomas contemporâneos são produzidos em lógicas do individualismo e
solidão? Tanis (2003) incide que a crise que se instaura tem como sintomas a solidão e a
lógica individual.
De acordo com Árbex (2010), sintomas, em psicanálise, podem ser entendidos como
o modo de funcionamento psíquico dos sujeitos. Mais do que isto, o sintoma informa sobre
qual cultura está inserido determinado sujeito, sendo também de caráter social, uma vez que a
relação entre cultura e sintoma contorna os vieses da própria complexidade humana. Denotar-
se que Penna e Moreira (2010) apresentam novas perspectivas, onde a solidão e o
individualismo são produtores e produtos dos sintomas atuais.
Contudo, há de se buscar permear as perspectivas sobre um viés fundamental: o
desamparo. A noção de desamparo se expressa fundamentalmente em quase toda obra
Freudiana. De certo modo, Freud (apud TANIS, 2003) remete a uma imaturidade do eu,
apontando uma incapacidade momentânea, à satisfação de suas necessidades e desejos. Nesse
sentido, o outro assume papel importante, pois é ele quem reduz a sensação de desamparo,
sendo mediador do sujeito, na ação com o mundo. Contudo, sendo que nem sempre
necessidades encontram-se com substratos de prazer constante, o sujeito tem que se haver
com a sua posição originaria de desamparo, sempre fazendo a atualização e gestão da mesma.
Tanis (2003) parte do principio que o esvaziamento do papel do outro e das relações
vinculares que se estabelece com esse outro para destacar os vieses de um desamparo. A
solidão e a lógica individualista, de acordo com esse autor, tem sido os recursos que
frequentemente tem se encontrado para lidar com a situação de desamparo. Denota-se tal
ponto, uma vez que a gestão entre o conflito das necessidades e dos desejos, com a realidade,
também revela a ausência do outro que medeie as relações. Tão logo, o esvaziamento dos
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vínculos do sujeito com o outro, tem se expressado como única saída possível para a gestão
cultural e simbólica do desamparo.
Importante destacar o que Hanna Arendt (apud TURA, 2004) postula como efeito da
solidão. Nesse sentido, a filosofa destaca que a solidão é sobretudo uma falta de confiança em
si mesmo enquanto parceiro de seus pensamentos. Mas também, confiança elementar no
mundo, necessária para que possa haver experiências significativas e potentes. Acrescenta-se
que;
Para Arendt, a solidão tem sido utilizada como forma de controle social das massas
de trabalhadores formadas desde o começo da Revolução Industrial, o que tem
levado ao colapso as instituições políticas e as tradições sociais de nosso tempo. A
solidão, enquanto elemento preparatório das vítimas para os campos de
concentração foi estendida para a experiência diária das massas sociais. A solidão
leva à fuga da realidade e a uma forma de vida anti-social que tende a destruir toda a
forma de vida humana em comum. (apud TURA, 2004, p.8)
Arbéx (2010) vem trazer a perspectiva da solidão e do individualismo em um sentido
amplo, ao falar das subjetividades e dos sintomas contemporâneos. As subjetividades então,
assim como as formas de sofrimento psíquico, dependerão das possibilidades
criadas/ofertadas pela cultura. Assim, os processos atuais de subjetivação passariam
indelevelmente pelo campo da imposição dos novos ideais elaborados pela cultura pós-
moderna, que seria de postura individual, auto-gestada e auto-engendrada.
Lasch (apud ÁRBEX, 2010, p. 40) indica que as mudanças das bases culturais
produzem emergentes desordens em traços e caracteres da personalidade. As subjetividades
atuais são reflexos de novas maneiras de socialização e de novas maneiras de apreender novas
modalidades de experiências. Não seria incomum que as mesmas se revelassem como
resultado de uma postura individualizante, que tanto valoriza a satisfação individual, a
racionalização da vida interior, a queda da autoridade parental e do consumo e da postura
capitalista neoliberal.
Birman (apud ARBÉX, 2010, p.41) fala justamente do caráter narcísico dessa nova
subjetividade, colocando a questão frente a uma destituição de valores da ordem social,
revelando uma pobreza simbólica. Tal modalidade surge em uma menor perspectiva dialógica
e pragmática do encontro com o Outro. Ao mesmo tempo, concorre para um pensamento onde
a mudança de paradigma é clara - se antes, na modernidade, o ser preocupava-se em
identificar-se com Outro, agora, o que se pode colocar à subjetividade contemporânea é a
perspectiva de ter que fundar-se sozinho. Nessa perspectiva, tem-se um sujeito, que como
indica Birman, fomenta identidades e desejos, quer ser e ao mesmo tempo não ser. Nesse
movimento, fica “desbussolado”, valendo de premissas que o levam a uma necessidade de
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encontrar consigo mesmo para poder ofertar corpo a sua subjetividade, encontrar-se e firmar-
se em si mesmo.
Sá et. al (2006) ampliam a visão engendrada pela perspectiva psicanalítica de Birman
(apud ARBÉX, 2010), acerca da experiência com Outro enquanto fomentação para o processo
de subjetivação. As bases da problemática encontram-se nessa perspectiva onde o Outro tem
caráter temporário, já que serve a aplacar a solidão momentânea do Eu. Tal fato é fomentado
por uma crise de valores, onde os homens buscam uns aos Outros a partir de si mesmos,
extinguindo a condição de existência desse Outro, tornando-o objeto. O encontro com Outro,
ou seja, o encontro em existência do Outro com o Eu, aplaca o processo de subjetivação
engendrado pela corrente ideológica contemporânea, e estabelece outros panoramas de
atuação. (SÁ et. al, 2010).
Lima (2001) ao apresentar a questão da solidão e do individualismo, o faz dentro de
uma perspectiva cultural. Nessa direção, esboça-se na contemporaneidade uma desvalorização
do espaço público, em detrimento de um espaço privativo. Acabam então, por cultivar
vivências de privacidades, personalidades, desinvestindo qualquer capacidade energética na
vida pública, nos modos de ser e estar coletivos. Tudo isso, refere-se ao que o autor postula
como solidão enquanto causa de sintomatologias culturais.
Para Lima (2001) várias são as dificuldades que advem dessa proposta na
contemporaneidade. A primeira parece insurgir sobre uma crise de auto-narrativas, já para
contar sua própria história, o sujeito necessita do outro – sendo tal ponto relacional. Aliado a
isto, se faz a própria conexão do narcisismo e da solidão. O autor coloca que o narcisismo
encerra a impossibilidade de sentir, bem como, traz a tona a vivencia do vazio. Ao mesmo
tempo, a questão do outro toma novos formatos: se o outro que se torna referente para o eu, a
partir dessa diferença, constelam-se singularidades, na lógica narcísica ocorra a perda do
referente eu, já que o eu narcísico é alheio e indiferente ao eu. Os efeitos de tal aspecto são
sentidos em uma dificuldade de relacionar com as diferenças, de modo a constelar alteridade
genuína.
Alteridade é o que se pode dizer de quando se aceita ao outro, tal qual ele se
apresenta. No entanto, na lógica individualista e narcísica, a perda do referente outro em sua
diferença, assola um poço de angústia, recaindo sobre a própria questão da solidão. Ao
mesmo tempo, a solidão e o individualismo recaem sobre as novas configurações familiares,
onde toma-se a falência dos ideais de matrimonio romântico, a decadência do espaço publico
como propiciador de confiança e segurança, assim como, da ausência de ideais comuns.
(LIMA, 2001)
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Birman (2007) realiza uma interessante afirmação, onde depois da saída da mulher
do ambiente familiar em direção ao mercado de trabalho, não houve, em contrapartida, a
retroação dos homens, ou outra instancia para o lugar materno. Não é raro que se fale tanto
em disfuncionalidade parental, já que novamente, é a ausência do outro que constelará
importantes sintomas não só a nível psíquico, mas também físico e cultural.
Gardner (2010) indica que se fala em funções parentais (funções materna e paterna)
assumidas diante dos contextos de família. Logo, dentro desses contextos, quando essas
funções falham, se pode falar em disfuncionalidade parental. A questão do outro dentro da
família, a partir do autor, reflete-se também sobre o que ultimamente, principalmente nas
áreas jurídicas tem se chamado de alienação parental.
A alienação parental se refere a degradação de um genitor, em relação ao outro
genitor (genitor alvo), na medida em que se tenta, com tal artifício, afastar ou instruir a
criança, a denegrir de mesmo modo o genitor alvo. Denota-se que tal mecanismo também se
constela dentro de uma disfuncionalidade parental, sendo que, constela instantes de
sofrimento à criança, principalmente diante de circunstancias judiciais de disputa de guarda
(GARDNER, 2010).
Ao falar das disfuncionalidades parentais, Birman (2007) discute a questão da
ausência de um dos pais, frente ao mercado de trabalho. Assim, a ausência do outro (que aqui
se indica sobre a ausência de quem ocupe funções paterna e materna) se reflete em um
ingresso relativamente cedo às instituições de educação, ou mesmo, na possibilidade de
recursos financeiros, matrículas em diversas atividades, bem como, contratação de
empregados. Todos esses artifícios vêm encontrar-se com a supressão da ausência dessas
funções, e ao mesmo tempo, com a ausência do outro.
As relações sociais também tem outro contexto a partir do momento em que se toma
a solidão e individualismo frente às novas tecnologias da informação. Dezidério (2007) ao
falar da solidão frente a usuários de chats virtuais, chama atenção justamente para a questão
que se coloca ao isolamento do outro, e ao uso de mediadores, como o próprio computador,
nas relações sociais e amorosas. Ao mesmo tempo, as considerações acerca da pesquisa da
autora (DEZIDÉRIO, 2007) é que os chats e as redes sociais, tendem a serem utilizadas
principalmente quando os sujeitos se apercebem enquanto solitários.
De acordo com Dezidério (2007), a questão está para além do uso de materiais que
dito, dentro da cultura burguesa, são objetos para interligar pessoas. Muito mais do que isso,
os computadores e celulares tem caminhado no sentido de ratificar isolamentos sociais. Ao
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mesmo tempo, facilitam as lógicas da solidão e do individualismo, pois não existe vinculo que
assegure o contato.
Denota-se que Junior e Romera (2010) colocam uma questão muito importante:
como pensar as relações entre sofrimento contemporâneo, e os modos como acontecem os
processos de comunicação virtual? Interessante expressar que o sujeito contemporâneo marca
um novo estilo burguês. Ao mesmo tempo, se projeta a consumir não somente os produtos,
mas também os modos de relacionamento contemporâneo. Os autores ainda acrescentam –
dentro da lógica do mercado, o outro perde qualquer lugar seja como produtor ou como
reprodutor de informação, já que o mercado se especializou em determinar ao sujeito, como
chegar ao produto ou mercadoria que lhe é interessante.
Desse modo, os modos de relacionamento que tem como via a comunicação virtual,
refletem justamente um modelo preconizado na lógica contemporânea. Ao mesmo tempo, se
aloca ao próprio contexto de solidão e narcisismo, sendo um influenciador e sintomático ao
outro. Destaca-se que se vive-se em montantes de conectar-se e desconectar-se, que são, a
partir de Junior e Romera (2010), modos de comunicação com o outro, onde os vínculos
aparentam descartabilidade.
Não se pode esquecer que o conceito pode parecer abstrato didaticamente, mas na
prática, revela-se que as conexões não equivalem aos vínculos, e a duração é extremamente
rápida. Em nível de compreensão psíquica, as conexões pertencem a uma lógica onde os
objetos existem, mas sem qualquer funcionalidade. A ausência do objeto como significativo,
ou a ausência do significado do sujeito dentro da proposta da conexão, exibem os caracteres
falhos desses modos de relacionamento (JUNIOR E ROMERA, 2010, p. 608).
Lima (2001) ainda faz um importante apontamento. A lógica de desinvestimento
libidinal nos campos públicos, recaem sobre investimentos frequentes no eu. Todavia, o que
pode parecer algo comum às classes média e alta, tem afetado também, as classes baixas e os
setores excluídos da sociedade. Denota-se que o consumo – lógica principal dos componentes
individualistas burgueses, presentificam-se de modo negativo. Desse modo, recaem sobre a
lógica de um “não ter”, pela insegurança que é gerada pelo abuso do uso de substancias como
álcool e drogas, além de inserção de industrias que exploram outros países, em razão de seu
bem-estar. Logo, o trabalho segundo o mesmo autor, também é acometido, porque ao invés de
gerar sentimento de pertença, já não se reflete como seguro e estável.
Há de se colocar as perspectivas sintomatológicas que recaem as lógicas da solidão e
do individualismo frente aos contextos sociais. Destaca-se inicialmente que ausência do Outro
tende a permear fundamentalmente a sociedade capitalista burguesa. Isso porque, se vive cada
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vez mais na oferta do efêmero e do descartável. Como é apontado por Penna e Moreira
(2010), o fast food alimenta a solidão, já que o eu não precisa tão mais do Outro para sua
sobrevivência.
O capitalismo de acordo com Lipovetsky (apud PENNA E MOREIRA, 2010), abre
novas possibilidades, deixando seu aspecto autoritário, tornando-se hedonista e permissivo. A
mesma lógica onde o sujeito pode gozar livremente, pois o que lhe importa é tão somente o
hoje e o agora, em detrimento de considerações passadas e futuras.
Dessa forma, efeitos nefastos produzidos pela ideologia capitalista ancorada e
sustentada pelo projeto da modernidade, cuja promessa maior centra-se na libertação
deste sujeito atrelado antes às tradições. Vislumbra-se na contemporaneidade um
sujeito que caiu na armadilha por ele mesmo produzida. E por isso resultou não
menos que na produção de um ser solitário, prisioneiro de uma busca frenética rumo
à satisfação de seus mais sublimes e pormenores prazeres, diluídos sob o slogan da
sociedade pós-moderna em cuja premissa molda-se a condição de uma sociedade do
bem-estar e estar bem (PENNA E MOREIRA, 2010, p. 59).
Arbéx (2010) aponta que uma grande transformação pós-moderna refere-se
justamente no que se pode chamar de “crise do pai”. De certo modo, essa crise instaura um
lugar onde o pai, enquanto um Outro que realiza o interdito e insere a lei e a ordem, se mostra
falho e sem poder. A crise de uma figura de autoridade marca não somente sintomas
psíquicos, mas expõe a falta de limites simbólicos, onde a insurgência de mecanismos de
controle radicais é a saída para o fracasso do interdito.
Birman (2000) fala de uma figura do pai que se mostra humilhada na pós-
modernidade, configurando a ausência de uma referência. A dificuldade em administrar, ou a
falta de recursos para gestar de modo adequado as pressões pulsionais, tem relação essencial
com a falta da referência de uma figura idealizada. Tais preceitos recaem sobre
sintomatologias culturais como a própria explosão da violência, o fundamentalismo religioso,
e a eclosão, na clínica, de quadros de compulsões.
A experiência entre a relação eu- outro, também se constela em nível daquilo que se
pode ser dito público e privado. Nessa direção, Penna e Moreira (2010) chamam atenção para
que essa questão dentro do processo saúde e doença.
Penna e Moreira (2010) indicam que, o adoecimento pode ser tramado a partir de
experiências privadas, onde o corpo de cada sujeito é palco do adoecimento. Contudo, o
conceito de saúde e doença é construído socialmente, numa trama pública, e depois inserido
em campos individuais e subjetivos. A indústria farmacêutica e médica tende, a cada vez
mais, inserir no campo do adoecimento novas patologias, e subsequente vendas de
intervenções terapêuticas e medicamentosas.
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O que chama atenção é o modo como essa trama se relaciona com a solidão e o
individualismo na contemporaneidade. Não se nota nessas propostas, indicações que
caminhem para o novo e a vida, mas sim, enclausuramento no eu, em subsequente estado de
deserção. Como indica Kehl (apud PENNA E MOREIRA, 2010, p. 60), é um processo onde a
angustia se torna medicável, anestesiando a dor e os nervos. Constelando assim, sujeitos
apáticos, indiferentes aos caos, inseridos em imediata necessidade solitária e subjetiva.
Se por um lado todos esses processos acontecem em nível público e social,
sintomatologias podem ser sentidas em planos subjetivos. Isto porque, uma marca de tempos
pós-modernos são as subjetividades fragmentadas. Esse modelo de subjetivação
contemporâneo forja também novos modelos de subjetivação, todos imbricados em uma
centralização no eu. Birman (2000) chama atenção para esse fato, pois ele concorre de modo
demasiadamente inédito, frente a outros períodos históricos.
Grande parcela dos aspectos subjetivos, então, de acordo com Birman (apud
ARBÉX, 2010, 41), poderia estar ligada em menor ou maior escala em uma participação nesta
cultura do narcisismo. A proposta apresentada pelo autor sugere que sintomatologias como as
depressões, toxomanias e síndromes do pânico, decorrem de um fracasso em participar da
cultura do narcisismo. Enquanto outros se referem a uma tentativa desenfreada de participar
dessa cultura, como as sintomatologias dos transtornos alimentares, as psicossomatizações, e
as dependências físicas e/ou psicológicas.
Interessante especificar que processos psicopatológicos podem em menor ou
menor grau estarem relacionados com a experiência da solidão e a ausência do outro. Em uma
busca pelo termo “solidão” no DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais) (apud SOUZA, 2003), a mesma se encontra como caráter importante no diagnóstico
de quadros psiquiátricos. Souza (2003) aponta, por exemplo, a questão do aspecto solidão no
diagnostico de Transtornos de Personalidade Borderline.
Para exemplificar a questão do outro/ausência do outro diante da configuração de
quadros psiquiátricos, toma-se aqui, o quadro de Transtorno de Personalidade Bordeline.
Sousa (2003) aponta que um acontecimento interessante nesses quadros é a negligência do
outro, enquanto fomentador das necessidades básicas. Assim, sujeitos com transtorno
Borderline tendem a apresentar na sua história de vida, uma falta de suporte emocional, o que
revela a experiência de encontro com o eu assustadora. Os efeitos disso revelam-se diante de
uma busca constante pelo outro, seja para idealiza-lo ou mesmo, desvalorizá-lo.
Callou e Moreira (2006) ao estudarem a sintomatologia da depressão, apontam a
solidão e individualismo como variáveis de seu estudo, denotando uma ambiguidade, onde a
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solidão refere-se tanto a origem como consequência (sintoma) de quadros depressivos. Nesse
sentido, a solidão possui, a partir das autoras, diversas nuances nos processos depressivos,
apontando para significados diferentes frente ao adoecimento. Não se pode esquecer também
que a solidão tem intrínseca relação com aspectos de uma experiência de isolamento frente a
caracterização de quadros depressivos.
O que demarca, segundo Fortes (apud ARBEX, 2010, p. 42), os processos
patológicos e os processos de subjetivação pós-modernos, é justamente o caráter de
fundamentar-se sozinho. Nesse sentido, o autor aponta que a liberdade com a qual se constela
a cultura contemporânea, revela o falecimento de um referencial, e demarca a exitência de um
sujeito que é auto-referenciado. Desse modo, pode-se pensar que o sujeito auto-referenciado,
vive em busca de um gozo constante, gozo desenfreado, pois carece de uma falta de
direcionamento ou de supressão de toda essa potência.
A ausência do Outro parece então encontrar-se inexoravelmente com novos
processos de subjetivação. Segundo Árbex (2010), as características apresentadas pela queda
da autoridade, pela fragilidade simbólica, a economia neoliberal e os novos ideais da cultura,
relacionam-se de modo particular com estas formas de subjetividade contemporânea. Há
então, uma unidade relativa, que marca os sintomas e os processos culturais, seus encontros e
desencontros.
Dessa forma, o que Árbex (2010) apresenta é o fato de que se carece de narrativas
coletivas e objetivos comuns. Ainda, há que se pensar a solidão e individualismo na
contemporaneidade, é também pensa-los como formas de processos de subjetivação, ao
mesmo tempo em que também são gestados na própria pós-modernidade. Acrescenta-se que
esses são somente emergentes de algo muito maior, de algo que declara realidades, declara as
dificuldades e facilidades do novo homem deste novo século. A emergência que se encontra
na ausência ou na presença do Outro.
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CAPITULO VI
ENCONTRAR-SE PARA PERDER-SE:
AUSÊNCIAS QUE LEVAM AO ENCONTRO
“Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.!“ CARLOS DRUMOND (apud ALVES, 2002, s/p.).
Como se comporta a Sua Solidão?“ Minha solidão? Há uma solidão que é minha,
diferente das solidões dos outros? A solidão se comporta? Se a minha solidão se
comporta, ela não é apenas uma realidade bruta e morta. Ela tem vida. (ALVES,
2002).
Se por um lado preocupou-se até aqui delimitar os aspectos que repercutem da
solidão e do individualismo enquanto produtores de sintomas sociais e subjetivos, o que se
insere nesse texto é uma possibilidade de construção ou de novas experiências em relação à
solidão. De acordo com Mansur (2008) as experiências que delimitam a solidão estão sendo
reveladas como patologias, que necessitam serem medicalizadas e curadas. Será mesmo que a
solidão possa expressar somente de um modo? E qual modo poderia revelar a solidão para
além da ausência do Outro, refletindo em um encontro consigo mesmo para reconhecimento
da diferença e alteridade?
Como aponta Oliveira e Giacomin (2005), a solidão se assemelha a um deserto,
mórbido, silencioso. Deleuze e Parnet (1998) falam de um deserto que imerge do âmago do
processo de subjetivação. Segundo estes autores, somos desertos, e enquanto desertos, somos
povoados por faunas, floras e tribos. Ainda, acrescentam que esse deserto é constantemente
modificado, onde as tribos podem mudar de lugar, unir-se, ou podem simplesmente deixarem
de existir.
O que se pode dizer de uma perspectiva do homem enquanto deserto é o fato de que
ele é a única experimentação de um si mesmo, de uma vivência de sua própria identidade.
Deleuze e Parnet (1998) chamam atenção para que o conhecimento de todas as tribos, relevos,
particularidades da fauna e da flora que habitam os sujeitos, é justamente a passagem por esse
deserto. Frisando que assim como na singular comparação com a proposta geográfica, os
desertos crescem, e a perspectiva do encontro se faz justamente na capacidade do homem
contemporâneo de enfrentar o deserto, redescobrir-se, e abrir-se para novos instantes de
povoação e territórios.
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Ao falar de uma solidão positiva, Tanis (2003) toma o conceito de Katz (apud
TANIS, 2003, p. 151). No mesmo, a experiência da solidão está justamente no encontro
consigo mesmo, deixando ser conduzido, confiante, sem esperar nada mais do que este mero
encontro. Mansur (2008) também indica o conceito de Katz (apud MANSUR, 2008, p.39) a
partir de uma perspectiva onde a solidão deixa seu lugar de angústia e de falta, revelados pela
ciência Psicanalítica, e toma novos caminhos – caminhos de vivência da singularidade
humana.
Por tanto, há um modo de estar a sós que favorece dês frutar descobertas, realizações
e prazeres advindos de uma fonte muito cristalina – “quem beber daquela água
não terá mais amargura” – porque o outro estará sempre presente na produção
cultural, substituindo a sustentação inicial materna. Avaliada como uma
conquista, a solitude, ou seja, a capacidade para ficar só de maneira positiva, em
suas complexas injunções psicológicas e sociais, encontra-se diretamente
relacionada à qualidade da sustentação emocional e das oportunidades culturais
que encontramos, seja no início ou no decorrer da v ida, no conjunto formado
pelo ambiente familiar e pela sociedade em que vivemos. Inerente a essa concepção
encontra-se também a crença na potencialidade humana de renovar sentidos,
por meio de gestos devidamente ancorados no espaço da convivência humana -
sem idealizações ingênuas ou românticas, pois a v ida é inegavelmente difícil, para
todo ser humano, desde os seus começos (MANSUR, 2008, p. 44).
Nota-se desse modo, que não há outros modos senão, aqueles onde se opere de modo
a expressar outras potências diante da instancia da solidão e do individualismo. Embora Freud
(1980) em Mal-estar na Civilização, indique os preceitos de uma felicidade que é cada vez
mais difícil ou em nada pode ser alcança, há de se haver uma forma de construir um novo
caminho. O mesmo autor tenta permear as bases de uma proposta onde a arte e a vida tendem
a se encontrar.
Contudo, Moreno (1975) parece intuir sobre uma proposta de vida onde a solidão e o
individualismo podem ser buscado em seus vieses de criatividade e de espontaneidade.
Denota-se que o criador do Psicodrama já lançara bases de se pensar sobre o outro e o eu
quando coloca a construção da matriz de identidade. A matriz de identidade, refere-se à gama
de processos onde o sujeito diferenciado, toma corpo diante do mundo e de si mesmo, mas
sempre, tomando em relação ao outro (chamado também de ego auxiliar).
Mas todas essas vivências coadunam de modo significativo para uma importante
tarefa: a troca de papéis. Assim, em alguns momentos o eu se torna outro, assim como o outro
se torna eu. Deste modo, Moreno (1975) fala de uma prerrogativa onde o caminho para
encontro com o outro (para vivência de seu papel ou, com-vivência), também perpassa ao
encontro com o eu.
Interessante destacar que Moreno (1975) atentava para o fato de que o processo de
criação estava relacionado justamente ao fazer-se como obra. Destaca-se que, ao falar da
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espontaneidade, busca demonstrar que o agente da improvisação (músico, poeta, ator, etc.)
tem como ponto de partida si mesmo. E para adentrar este “estado” de Espontaneidade, ou
seja, que se tenha caminhado a um encontro consigo mesmo, se fará então potência e energia
para a produção e emergência de novos papéis.
Martins (2010) chama a atenção para outro detalhe frente aos aspectos da solidão e
do individualismo na contemporaneidade: a experiência de morar só. A autora, a partir de
uma leitura dos discursos de mulheres que moram só, suas experiências, dores e alegrias,
estabelece os vieses que constituem a relação do espaço e a solidão. Interessante destacar que
a vivência de um espaço particular e próprio, tem especial relação com vivências e percepções
outras de uma relação com a própria solidão.
Nota-se que o espaço que se abre e fecha tem total controle do sujeito. É ele quem
escolhe a quem se abre a uma nova relação ou não. Justifica-se que a solidão, a partir dos
relatos das mulheres entrevistadas por Martins (2010) era sentimento comum, mesmo diante
da vivência e convivência junto às suas famílias. No entanto, o que encerra a percepção de um
morar só é justamente esse controle do espaço, seu próprio espaço.
Acrescenta-se que se vive em uma cultura psicologizante, onde se evoca a
experimentação de algo completo e satisfatório, levando a uma promoção do encontro do
sujeito com ele mesmo. O encontro com os outros é fundamental na sustentação do
sentimento de morar só, mas só faz sentido, se puder ser acompanhado de um encontro
consigo próprio. Só assim, com este duplo encontro, é que se pode realizar uma passagem
cheia de valores e de significados acerca de uma vivência de morar só (MARTINS, 2010, p.
98).
A perspectiva de uma solidão ontológica, caminha no sentido de experimentar a
solidão enquanto fundamental para a construção do sujeito como ele é. Maroni (1998) busca
levar a solidão a outro patamar que não seja o caminho torturante e patologizante como traduz
a Psicologia. A partir de Jung (apud MARONI, 1998, p.98), refaz o caminho da individuação,
a partir do seu viés solitário e individualizante.
Maroni (1998) indica que vivenciar a individuação é um processo singular de poder
experimentar a solidão. Uma solidão que se apresenta de modo diferenciado, já que é
embarcar em um mar revolto, e chegar a um conhecimento de si, como não se pudera
experimentar de outras formas.
A individuação, a partir de Jung (1994) é a tendência do ser de tornar-se individual
realmente. Trata-se de dizer que individualidade, refere-se a uma forma única, intima e última
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de qualquer um de nós. É uma realização de seu si mesmo, do self. Em suma, individuação
pode se traduzir em uma realização de “si mesmo”, ou mesmo, realização do “si mesmo”.
Deste modo, não há qualquer outra possibilidade de se pensar uma vivência da
solidão e transforma-la de modo criativo senão aquele que seja o caminho para a sua
travessia. Atravessar a solidão, como aponta Faria (2008), é encontrar-se consigo mesmo, mas
o destino é próprio de cada sujeito, a travessia traduz-se em modos muito singulares de quem
se habilita a fazê-la. A autora frisa que no fundo de sua solidão, o homem não se encontra
isolado, mas é como nas palavras de Plotino (apud FARIA, 2008, p. 2): “sozinho com o
sozinho”.
Faria (2008) indica que o ser nasce livre, e com essa liberdade, ele realiza a travessia
da solidão, e se individualiza. Realizar essa liberdade é a missão mais criativa do homem.
Deste modo, o ato criativo pressupõe um nada, pois é justamente de um não-ser é que se tira o
novo e o inédito. A travessia da solidão vem pressupor justamente isto, encontrar-se consigo
mesmo, lidar com o vazio imposto na contemporaneidade, para assim, libertar-se e viver a
multiplicidade de vida que pode emergir.
Ao falar de uma perspectiva do sujeito-artista Gatti (2009) em relação à sua solidão e
os modos como a vivencia, expõe perspectivas onde as relações com o eu não são tomadas de
modo negativo. Denota-se que todos os espaços onde o sujeito se comprime ou recolhe, são
espaços de vivencia da solidão. Contudo, são espaços de profunda emergência criativa,
experienciando um corpo em uma sensação de esvaziamento, ao mesmo tempo em que deixa
escapar suas intimidades ao cotidiano.
Essa experiência do interno e externo, dialéticas-simbióticas são trazidas a muito
tempo pela filosofia. Todavia, Gatti (2009) indica que justamente é essa categoria, onde o
conflito e choque entre intimidade-mundo, faz-se como mola propulsora do sujeito. Aponta-se
que os artistas a muito tempo descobriram tal afetação, sendo agora, tão tarde, desvelada pela
ciência.
Gatti (2009) também aponta que o imbricamento do ato criativo que advém da
tempestade da solidão é justamente o conflito entre os anseios do isolamento e partilha. É no
estar consigo mesmo que emerge a ferramenta básica da capacidade inovadora: o devaneio.
No devaneio o homem pode olhar para si, experienciando a solidão, e assim, fazer gestar a
criação. Tão logo, ele envolve a criação em uma marca singular e a entrega ao outro,
compartilha, e tem como resposta a produção – música, poesia, instalação ou performance.
Esse caminho da arte e da produção, que passam inexoravelmente pela solidão e
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individualismo, são movimentos que engendram possibilidades diferentes, emergindo o novo,
o vivo.
Destaca-se que Winnicott (apud FRANCO, 2003, p. 43) aponta que é necessário,
para o viver criativo, um cerne pessoal e particular. Tal cerne é tido pelo autor como secreto e
sua imanência expandem sobre todas as vivências do sujeito. A capacidade de estar só é onde
o sujeito vivencia a potencia de ser si mesmo em seu patamar mais radical. A capacidade de
estar só é o que constitui esse espaço interno sagrado, plano de multiplicidades.
Importante apontar que a capacidade de estar só, pode ser aproximada dos conceitos
acerca de um “cuidado de si” e a “cultura de si”. Fonseca (2003) apresenta o que Foucault
(apud FONSECA, 2003, p. 123). Atenta-se que a cultura de si está relacionada a essa
capacidade do sujeito de relacionar com sua própria singularidade. Denota-se que na cultura
de si, o sujeito toma-se de encontro, e busca na mesma, revelar-se cada vez mais, a um
cuidado de si mesmo que não só é fomentado pelas noções da perspectiva de um cuidado, mas
de uma noção geral de si mesmo enquanto complexidade de campos e platôs.
A ausência do Outro emerge frente aos processos de subjetivação contemporâneos.
Como apontam Penna e Moreira (2010), a urgência de um eu que sobrepõem ao outro, e recai
sobre processos psicopatológicos é um fato observável. Contudo, deve-se atentar para o
caráter de uma solidão que se revela em nível ontológico, e que merece ser destacada.
Em suma, a partir de Mansur (2008) e Tanis (2003), existe outra solidão e outro
individualismo, aos quais se trabalha muito pouco. Necessita-se que tal modalidade de
experimentação possa ser explorada social e clinicamente, expressando diante dos novos
processos de subjetivação, vivências outras da própria subjetividade. Deste modo, produzir-
se-á encontros potentes, onde a alteridade é marca angular do encontro com o outro.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos textos e estudos realizados, denota-se que solidão e individualismo
apresentam intrínseca relação com a ausência do outro na contemporaneidade. Tomou-se aqui
a perspectiva da solidão e individualismo enquanto encontros com o “eu”, marcas
fundamentais da subjetividade pós moderna. Mais do que isso, marcas de que mesmo estando
junto ao outro, seja física ou simbolicamente, ainda assim, precede uma ausência que tem
extrema significância dentro do que se pode chamar de experiências subjetivas.
É impossível não se atentar a essa ausência do outro na pós-modernidade. Mais do
que isso, é preceder de que existe uma questão que recai sobre a solidão e o individualismo e
que recorre na própria historia do homem. Nesse sentido, aponta-se que a solidão tem caráter
ontológico, e como qual, deve ser tangida dentro dessa perspectiva. Afinal, atenta-se para o
fato de que toda a caminhada diante da vida e do descobrimento de quem se é, e uma
caminhada com formato e cores solitárias.
Aponta-se que em muito, as experiências acerca da vivência da solidão e do
individualismo na pos-modernidade tem sido referenciadas a um aspecto patológico,
necessitando de medicação e de acompanhamento. Acrescenta-se também, o quanto o saber
psicológico contribui para a observância desse fenômeno enquanto adoecimento que merece
ser gestado diante dos serviços de saúde.
Não se pode esquecer que a solidão e individualismo podem sim apresentar
componentes que merecem atenção diante dos serviços de saúde, necessitando muitas vezes
do atendimento e atenção do trabalho do psicólogo, e de uma rede multiprofissional. A esses
adoecimentos, marca-se uma subjetividade que se vê alentada e desamparada diante de uma
infinidade de questões que tem relação inexorável com a ausência do outro. Ausência do outro
que pode ser produtora de sintomas sociais e individuais.
Em nível de apreensão social, a ausência do outro, e marca fundamental de uma
lógica da própria solidão e da política do individualismo, podem expressar-se em diversas
sintomatologias contemporâneas. O texto abordou esses apontamentos, seja no sentido de
verificar sua relação com a violência (física, moral, psicológica, etc.) e com o abuso de
substâncias químicas, como álcool e as drogas, por exemplo. Ao mesmo tempo, o quanto essa
questão também não se pode estar aplacada nas próprias questões políticas, como a
dificuldade de manutenção de coletivos que geram mobilização e militância social.
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Já o seu apelo diante das perspectivas atuais da subjetividade contemporânea, os
efeitos podem ser sentidos em larga escala. Seja diante de transtornos de personalidades que
circunscrevem dentro dos processos de subjetivação contemporâneo, os processos
depressivos, bulimia, anorexia e transtorno do pânico. Como afirma Birman (apud ARBÉX,
2010), os efeitos tem especial relação com a participação ou não dentro desse novo estilo de
sociedade, marcado pelo espetáculo e pela fraqueza de vínculos.
Alega-se que a solidão e individualismo trabalham de modo dialético com os
processos de subjetivação pós-modernos. Sendo que, ambos os processos e modos de se
operar articulam novos jeitos de ser, estar e atuar diante da sociedade atual. Não se pode
esquecer que são referencias em retroalimentação – uma sustenta a outra, e como tal,
produzem sofrimento e dor ante as experiências da subjetividade.
Contudo, há de se apontar caminhos para esse processo. Denota-se que o próprio
Freud (1980) já havia apontado essas questões em seu texto O Mau Estar Na Civilização, e de
que os caminhos que se podem abrir vão permear uma caminhada, através o deserto da
angustia. Não se pode esquecer que diante da ausência do outro, existe um eu que emerge e
que convida a um passeio.
Bancar o convite para o encontro consigo mesmo pode, em épocas de tamanho
sofrimento, como esta que se tem apontado diante das novas subjetividades, ser doloroso e
revelador. Mas ao mesmo tempo, pode ser uma caminhada interessante, conhecendo os
desertos, como apontam Deleuze e Parnet (1998), que são abrigados no íntimo do todo ser.
Desertos esses que são apontados como cheios de vida, com fauna e flora instigante,
além das tribos de culturas especiais e peculiares. A caminha ou a travessia que precede o
encontro com o “eu” pode ser a marca imposta por uma sociedade de vínculos circunstanciais
e líquidos. Ao mesmo tempo, pode ser figurativo de enlaçamento, de especial relação solida e
eficaz com uma instância particular.
Em suma, a ausência do outro a qual se coloca na pós-modernidade tem relação
especial com as novas subjetividades. Ainda que se tenha em mente que muitas dessas
questões tem vieses patológicos, e expressões de adoecimento e tristeza, ainda há de se pensar
o que se pode realizar, ou quais agenciamentos utilizar frente a tudo isso.
Nessa direção aponta-se uma subjetividade que pode ser alentada por um caminho ou
encontro com o eu. Encontro esse que pode ser rico e produtivo, de cuidado, de construção e
desconstrução de dores e aprisionamentos, que pouco servem ao homem. Há de se apontar
que o encontro com o “eu” é um retalho fundamental, é ele quem desenha a colcha desse
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emaranhado de relações que se pode tecer: é o encontro consigo mesmo que se torna potente
para um encontrar-se com o outro.
Denota-se que essa pesquisa abre a possibilidade de se pensar essa proposta, e realiza
diálogos outros, que podem vir a se pensar outros caminhos. Assim como, delinear propostas
outras que podem ser aprofundadas diante das perspectivas dos atuais processos de
subjetivação pós-moderno.
Investir em pesquisas que trabalhem sobre a temática do individualismo e da solidão,
bem como, os processos de subjetivação contemporâneos fazem-se necessários na medida em
que são temáticas de discussão atual, como exposto em várias produções recentes (PENNA;
MOREIRA, 2010); (MANSUR, 2008); (ÁRBEX,2011); (MARTINS, 2010); (DEZIDERIO,
2007). Não se pode esquecer que a importância do tema contribui para uma observação das
sintomatologias sociais e clínicas desse momento histórico, assim como, suas particularidades
com os pressupostos que envolvem tanto solidão e individualismo.
Ao mesmo tempo, a importância desse trabalho para a Psicologia enquanto ciência,
caminha no sentido de pensar outras perspectivas acerca do tema apontado. Gerando outras
possibilidades de pensamento dentro dos vieses clínico e social - pontuando novas formas de
intervenção e cuidado. Para a Universidade de Uberaba, esse trabalho pode ser alentado
dentro de panoramas dos projetos de pesquisa, articulando outras temáticas e teorias. Ao
mesmo tempo, para a formação em Psicologia, o trabalho tende a construir, dentro de um viés
critico, prático e teórico, outras visões acerca da própria solidão e individualismo nos campos
de trabalho do Psicólogo.
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