[Trabalho Completo] (2015-05-21) A Outra Face Da Inclusão

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ANAIS II COLÓQUIO DE DOCÊNCIA E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO BÁSICA: Política, práticas e formação

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  • ANAIS

    II COLQUIO DE DOCNCIA E DIVERSIDADE

    NA EDUCAO BSICA:

    Poltica, prticas e formao

  • II COLQUIO DOCNCIA E DIVERSIDADE NA EDUCAO

    BSICA:

    Polticas, prticas e formao

    Anais do II Colquio Docncia e

    Diversidade na Educao Bsica:

    poltica, prticas e formao

    19 a 21 de maio de 2015

    Salvador- Bahia - Brasil

    EliseuTextoFONTE: https://drive.google.com/file/d/0ByNLmv5aZLada084cWJQcmdVS0k/view (24/05/2015)

  • @ Grupo de Pesquisa Docncia, Narrativa e Diversidade

    Proibida a reproduo totalou parcial por qualquer meio de impresso, em forma

    idntica, resumida ou modificada, em Lngua Portuguesa ou qualquer outro idioma

    Depsito legal na Biblioteca Nacional.

    Impresso no Brasil 2015

    Projeto Grfico/Editorao

    Adelson Dias de Oliveira, Fabrcio Oliveira da Silva, Graziela Ninck Dias Menezes

    PPGEduC/UNEB

    Ficha catalogrfica elaborada pelo Sistema Integrado de Bibliotecas

    SIBI/UNIVASF

    Bibliotecrio: Lucdio Lopes de Alencar

    Colquio Docncia e Diversidade na Educao Bsica: poltica, prticas e formao

    (2.:2015: Salvador, BA).

    C719a Anais do II Colquio Docncia e Diversidade na Educao Bsica: poltica, prticas e

    formao [recurso eletrnico] / coordenado por Jane Adriana Vasconcelos Pacheco

    Rios...[et.al]. --- Salvador: PPGEduC/UNEB; DEDC I/UNEB/DIVERSO, 2015. 1925p. : il.

    Realizado de 19 a 21 de maio de 2015 em Salvador- Bahia Brasil. Disponvel em: < http://www.anaissegundocoloquiouneb.blogspot.com.br >. Disponvel em: < http://www.diverso.uneb.br/>.

    ISSN: 2446-5194 (on-line).

    1. Educao Congresso. 2. Docncia. 3. Professores - Formao. 4. Educao Bsica Diversidade. I. Ttulo. II. Universidade do Estado da Bahia.

    Colquio Docncia e Diversidade na Educao Bsica: poltica, prticas e formao

    (2.:2015: Salvador, BA).

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    ISSN: 2446-5208

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    A OUTRA FACE DA INCLUSO: QUEIXA ESCOLAR E O MAL-ESTAR DOCENTE NO

    LIDAR COM A DIFERENA

    Eliseu de Oliveira Cunha Universidade Federal da Bahia E-mail: [email protected]

    EIXO 2: DOCNCIA EM CONTEXTOS DE DIVERSIDADE

    RESUMO

    Embora recentemente venha-se assistindo

    implementao de uma srie de polticas favorveis

    incluso de crianas com necessidades educativas

    especiais em escolares regulares, o simples direito

    matrcula no implica na automtica incluso

    educacional do aluno, porquanto esta requisita a

    realizao de vrias mudanas por parte da escola e de

    seus atores, as quais, aparentemente, no tm ocorrido.

    Em virtude disso, muitos professores experienciam um

    mal-estar caracterizado pela sensao de impotncia

    em relao educao de alunos especiais, para lidar

    com os quais consideram-se inaptos, ao que acionam

    profissionais de sade para trat-los de forma mais

    apropriada, dinmica conhecida como queixa escolar.

    O objetivo do presente estudo foi analisar a dinmica

    de produo da queixa escolar em uma escola pblica

    da rede municipal de ensino na cidade de Salvador.

    Para a coleta de dados, foram realizados dois grupos

    focais, um com profissionais de educao que atuavam

    nessa escola e outro com pais de alunos nela

    matriculados. Os resultados ratificaram os dados da

    literatura, apontando ora a tendncia de patologizao

    e individualizao dos problemas escolares ora a

    busca incessante por solues externas para estes. A

    reformulao das prticas escolares para uma efetiva

    incluso do aluno especial revelou-se imprescindvel.

    INTRODUO

    Nas ltimas dcadas, no panorama educacional internacional, tem-se assistido a uma franca

    expanso e consolidao de movimentos em prol da democratizao e universalizao do acesso

    educao escolar. No Brasil, as primeiras iniciativas nessa direo datam do incio do sculo XX,

    quando o ingresso em escolas pblicas ainda era um privilgio das classes favorecidas, sendo

    vetada a entrada de alunos de origem popular nessas instituies (QUEIROGA, 2005). Porm, o

    desenvolvimento industrial da Primeira Repblica comeava a exigir um nmero cada vez maior

    de quadros tcnicos, os quais deveriam possuir habilidades de leitura, escrita e efetuao de

    clculos para manejarem as ferramentas e as mquinas (CARLOS, 2013). Fazia-se mister, ento,

    PALAVRAS-CHAVE: Incluso escolar, necessidades educativas especiais, educao especial, queixa escolar.

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    instruir os filhos da massa proletria que se aglomerava nos grandes centros urbanos, dotando-lhes

    de um mnimo de conhecimento e competncia para a sua futura integrao por baixo na sociedade

    industrial. Desse modo, com o apoio da classe operria que concebia a educao como um meio

    para a ascenso social de seus filhos e dos governantes que viam na educao a grande fora

    motriz do progresso da nao , as reivindicaes pr-democratizao do ensino foram logrando

    xitos no decorrer de todo o sculo XX, quando se nota uma gradativa ampliao de vagas no

    sistema pblico de ensino (HARPER et al., 1987).

    No entanto, muitas crianas e adolescentes com necessidades educativas especiais

    continuavam fora da escola, ou frequentavam instituies educacionais especficas, sendo ambas

    as situaes indicadores de segregao socioeducacional, os quais ensejaram uma nova onda de

    protestos e reivindicaes em favor da incluso daqueles cidados em escolas regulares. Essa

    marcha desembocou na promulgao, pela Organizao das Naes Unidas (1994, n. p.), da

    Declarao de Salamanca, a qual afirma o compromisso para com a Educao para Todos,

    reconhecendo a necessidade e urgncia do providenciamento de educao para as crianas, jovens

    e adultos com necessidades educacionais especiais no sistema regular de ensino. Em solo

    brasileiro, foi a Lei de Diretrizes e Bases a responsvel pela previso legal da incluso de alunos

    especiais preferencialmente em escolas regulares (BRASIL, 1996), oito anos depois de a

    Constituio Federal ter consagrado a educao como direito universal (BRASIL, 1988).

    Contudo, as meras insero e permanncia do aluno especial em escolas comuns no

    garante a efetivao de sua incluso, a julgar pela necessidade de uma preparao por parte da

    escola e de seus profissionais para um acolhimento qualificado e um ensino apropriado a esses

    indivduos. a que reside o grande problema, pois a histria testemunha que o direito matrcula

    no veio acompanhado das mudanas necessrias para se garantir uma incluso efetiva do

    estudante com necessidades especiais na escola (SANT'ANA, 2005). Uma das consequncias mais

    lamentveis dessa realidade o sentimento de impotncia vivido pelo professor de educao

    bsica, que no raro se considera desprovido de capacitao, suporte e condies objetivas e

    subjetivas para lidar pedagogicamente com as diferenas em sala de aula (CUNHA; DAZZANI,

    2015).

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    Dentre as sadas encontradas pelos docentes diante de tal impasse, a busca pelo

    encaminhamento do aluno a profissionais de sade, tais como psiclogos, psiquiatras e

    neurologistas, dos quais se espera uma soluo para o problema do aluno, figura entre as mais

    emergentes no cenrio educacional atual. Trata-se do fenmeno da queixa escolar, que

    compreende justamente a formulao, por pais e profissionais de educao, de demandas acerca de

    dificuldades e problemas vivenciados por alunos em sua trajetria de escolarizao (DAZZANI et

    al., 2014). Na medida em que as queixas escolares so indicadores do mal-estar docente no lidar

    com as diferenas em sala de aula, o objetivo do presente estudo17 foi analisar a dinmica de

    produo da queixa escolar em uma escola pblica da rede municipal de ensino na cidade de

    Salvador. A escuta dos diferentes atores envolvidos nesse processo oportunizou o desvelamento e

    a anlise crtica de desafios que a docncia em contextos de diversidade implica.

    MTODO

    Foram feitos convites a pais de alunos de uma escola pblica municipal de Salvador, bem

    como a professores, gestores e outros profissionais que compem o corpo tcnico da instituio,

    para a participao na pesquisa, na qual se empregou a tcnica do grupo focal. Nesta, se entende

    que todo discurso proferido representa o grupo, e no cada indivduo. Trata-se de um recurso

    largamente utilizado como estratgia de investigao qualitativa grupal, para entender de que

    modo as percepes, atitudes e representaes sociais so construdas (GONDIM, 2002).

    Materiais e instrumentos

    Foram utilizados dois roteiros semiestruturados de perguntas, um para cada grupo de

    participantes, alm de gravadores de udio. Antes do incio do grupo focal, foi apresentado e

    assinado por todos os participantes um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

    Procedimento

    17 Este trabalho fruto de uma pesquisa contemplada pelo Edital PROPCI/UFBA 01-2013: PIBIC & PIBIC-AF,

    orientado pela Prof Dr Maria Virgnia Machado Dazzani, com financiamento do CNPq e da FAPESB.

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    Aps agendamento prvio, foram realizados dois grupos focais distintos, de acordo com o

    pblico-alvo: o primeiro contou com a presena de 10 professoras, 01 gestora pedaggica e 01

    bibliotecria; no segundo, compareceram 01 pai e 08 mes de estudantes. Em cada encontro

    estiveram presentes uma mediadora, dois observadores e dois relatores. Em uma sala ampla, foi

    organizado um crculo de cadeiras, onde se dispuseram os participantes. Aps a exposio do

    objetivo do grupo focal, cada participante se apresentava. Ao final das apresentaes, iniciavam-se

    os grupos focais, os quais foram gravados em udio, transcritos na ntegra e organizados a partir de

    categorias de anlise, sendo, por fim, analisados luz da literatura.

    RESULTADOS E DISCUSSO

    A partir do discurso do grupo de pais e do discurso do grupo de profissionais de educao,

    foram construdas quatro categorias, mediante as quais as nuances da produo da queixa escolar

    puderam ser elucidadas, a saber: 1) Desvios norma: suspeitas, hipteses e queixas; 2) Ausncia

    de capacitao e suporte: a angstia produzida no lidar com a diferena; 3) As demandas por

    diagnstico e suas especificidades; 4) Entre encaminhamentos e possibilidades pedaggicas.

    1) Desvios norma: suspeitas, hipteses e queixas

    Os educadores entrevistados evocaram uma srie de suspeitas, hipteses e dvidas acerca

    da criana que no aprende e/ou apresenta um desenvolvimento diferente do padro, formulando

    pressupostos diagnsticos baseados em aparentes dficits cognitivos, emocionais, neurolgicos,

    fsicos e motores. O fragmento a seguir bastante ilustrativo: voc olha pra eles e voc v [...]

    que aquele menino tem um problema [...] paralisia cerebral, [...] autismo [...] algum problema

    de cognitivo, sei l, de comportamento, de aprendizagem [...] bobinho (Educadores). Outra

    parte do discurso dos educadores exemplifica melhor o incmodo em relao aos desvios norma:

    o comportamento vai se diferenciando do que se espera [...] por mais que a gente no queira

    criar um padro, mas voc espera [...] um comportamento [...] naquele perodo [...], e ela se

    distancia muito [...] voc percebe que algo t diferente ali, que tem que ser investigado.

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    A formulao de diagnsticos desde a escola denunciada por Collares e Moyss (1994),

    segundo as quais quase sempre as crianas encaminhadas pelas escolas para os servios de sade

    chegam com um diagnstico pronto. Alm de produzirem um efeito paralisante na escolarizao, a

    criao desses diagnsticos acaba gerando estigmas para a criana. Em seu discurso, os educadores

    quase sempre recorrem a variveis biolgicas ou psicolgicas que justificariam o no aprender dos

    alunos, mas ignoram as dimenses institucionais, histricas, sociais e poltico-econmicas que

    perpassam esse fenmeno (DAZZANI et al., 2014).

    2) Ausncia de capacitao e suporte: a angstia produzida no lidar com a diferena

    Em linhas gerais, os professores no vm sendo adequadamente formados para atuar com

    alunos com necessidades educativas especiais (ARAJO, 2006). Isso culmina no sentimento de

    impotncia e de inaptido: eu no sei trabalhar com ele [...] no sei fazer nada com ele []

    muita gente no sabe o que fazer (Educadores). A falta de conhecimento sobre as especificidades

    dos estudantes foi apontada como a responsvel por submeter o professor ao exerccio de uma

    dupla funo: lecionar e empreender cuidados especiais. Em virtude desse acmulo de trabalho, os

    educadores se queixam de sobrecarga fsica e mental:

    a gente acaba adoecendo, n? [] a gente sai daqui com os ombros cansados, n,

    impotentes, com uma angstia grande, porque a gente no sabe o que fazer, [...] eu

    estou carregando um fardo, porque no que a gente rejeite, no que a gente

    exclua, no nada disso, mas, assim... [...] a gente precisa de um suporte, n, pra

    que a gente possa estar bem, com sade, pra poder lidar com essas diferenas

    (Educadores).

    Tais declaraes apontam para a angstia vivida pelos educadores ao lidar com as

    diferenas em sala de aula e as demandas por elas geradas, o que pode contribuir para o

    desconforto em relao incluso (MELO; FERREIRA, 2009). vlido salientar, porm, que a

    falta de conhecimento no utilizada pelos educadores entrevistados como justificativa para se

    eximir do labor pedaggico: a gente tenta [] a gente faz na tora, na tora [] a gente faz na

    intuio. Essas tentativas, portanto, no so claramente discernidas por eles, que, desprovidos de

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    conhecimentos especficos sobre as dificuldades e as diferenas, temem estar adotando prticas

    pouco efetivas: a gente nem t sabendo que est tentando algo correto (Educadores).

    Nota-se, no discurso dos profissionais de educao, que eles esto atentos a essas

    necessidades das crianas com queixa escolar e que reiteram a importncia da capacitao e da

    formao continuada para atender a essa diversidade que se apresenta no cotidiano educacional: a

    questo da formao, [...] pra mim essencial. Estar sempre em formao pra tentar ver, ajudar

    aquelas queixas a minimizarem, e quando a gente aprende a fazer de outra forma, eu acho que a

    gente ajuda o aluno a aprender. A importncia do processo de formao continuada dos

    docentes reconhecida tanto pelo grupo quanto pela literatura (DAZZANI et al., 2014;

    GUARINELLO et al., 2006; LEONARDO et al., 2009).

    Apesar disso, os educadores enfatizaram a pouca iniciativa dos responsveis pela gesto

    educacional no sentido de promover a qualificao dos docentes para atender a essa demanda

    crescente de alunos que tem chegado escola: ns no temos formao [...] no h um preparo.

    Os educadores tambm citaram outro problema, a falta de parceria e suporte de outros

    profissionais com conhecimentos especializados para atender s demandas dos alunos. Referindo-

    se a visita de uma psicloga que atendia uma aluna com necessidades educacionais especiais

    escola, o grupo revelou a frustrao da expectativa por um suporte especializado:

    eu fiquei louca: pronto, agora ela vai me dizer como que, mais ou menos, que eu

    vou conduzir isso. A, ela chegou e disse que no, que veio ouvir: ah, eu vim

    ouvir o que que voc fizeram [...] mas eu passo o ano todo lhe esperando, voc

    chegou aqui agora pra me ouvir? [...] porque eu tava esperando de voc uma coisa,

    pra voc me ensinar o que ... o que eu faria pra melhorar ela (Educadores).

    Os educadores salientaram a importncia de estreitar a relao entre a escola e os outros

    servios de ateno infncia, a fim de dar subsdio ao pedaggica e reduzir a angstia gerada

    pela falta de auxlio. Os saberes especficos relacionados s dificuldades de cada aluno, bem como

    a parceria com outros profissionais, aparecem como aspectos de destaque para que haja a adoo

    de estratgias de ensino que focalizem o potencial dos alunos e no suas limitaes.

    3) As demandas por diagnstico e suas especificidades

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    Um aspecto chave na formulao e produo da queixa escolar a demanda pelo

    diagnstico. Esta, associada emergente proliferao de diagnsticos, evidencia que a causa de

    tais problemas ainda atribuda ao estudante, sendo ele o centro da ateno e da interveno.

    Dentre as razes elencadas, sobressaem as biolgicas: quando voc sabe que ele tem algum

    problema, mesmo ele parecendo normalzinho, voc diz, no, ele no faz porque ele tem alguma

    coisinha ali no cerebrozinho dele que no conecta, e faz com que ele no compreenda

    (Educadores).

    Collares (1994) ressalta que a biologizao de questes sociais exime o sistema social da

    responsabilidade e culpabiliza a criana. A patologizao do processo de ensino-aprendizagem

    acaba por legitimar a estigmatizao daqueles que no cumprem o script escolar, que passaro a

    peregrinar pelo sistema de sade at que se tenha o diagnstico. Alm disso, duas consequncias

    foram apontadas: a reduo da expectativa sobre o aluno e a benevolncia que marcar a partir de

    ento sua trajetria escolar, o que torna a classificao diagnstica um divisor de guas: a

    relao do professor com essa criana muda, muda o sentido de voc enxerg-lo de uma outra

    maneira [...], voc passa a ser mais benevolente [...] quando voc sabe que aquele menino

    especial [...], j no exige [...] o que voc exigiria se voc no soubesse (Educadores).

    No obstante, um contraponto a essas ideias deve ser feito, sobretudo quando existem

    problemas cujas especificidades extrapolam a expertise do professor, que, a partir da

    diagnosticao pode buscar preencher as lacunas de sua formao a fim de atender as demandas

    especficas de tais alunos: no identificao pra estigmatizao daquele menino, mas pra dar

    uma direo mesmo pra gente, bom saber at onde voc pode ir com o aluno e at onde voc

    pode ir, e o que voc no pode exigir dele (Educadores). Cabe assinalar, entretanto, que a maioria

    das hipteses diagnsticas levantas pelos professores no se confirma quando chegam aos servios

    de atendimento infncia (Centros de Ateno Psicossocial, clnicas de psicologia e de

    psicopedagogia, etc.) (COLLARES, 1994). A queixa escolar, portanto, produzida por uma

    combinao de aspectos psicolgicos, sociais, econmicos e culturais que perpassam pela escola.

    4) Entre encaminhamentos e possibilidades pedaggicas

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    Diante dos alunos cujas trajetrias escolares se distanciam do roteiro estabelecido pela

    escola, duas grandes vertentes resumem os tipos de reao dos professores. Na primeira, nota-se

    uma implicao e um empenho dos docentes em encontrar sadas pedaggicas diante dos impasses

    institudos pela diversidade dos alunos. A diversificao das estratgias didticas foi uma das

    alternativas elencadas pelos educadores sempre fiz atividades diferenciadas, porque eu percebo

    na sala de aulas as diferenas [...] fao atividades diferenciadas [...], n, para que meus alunos

    avancem , bem como o recurso s artes eu trabalho com arte, [...] acho que a via mais

    rpida de [...] criar um vnculo com esse menino que tem dificuldades [...], a arte, ela vai por

    caminhos que conseguem estreitar um pouco essa relao (Educadores).

    O grupo de educadores demonstrou uma unnime recusa desistncia e inrcia

    pedaggica diante da diferena, a despeito de sua dificuldade em lidar com ela: a gente tem que

    se desdobrar em mil pra tentar dar conta desses outros, porque a gente no pode deixar eles l,

    no pode deixar. No caso de um aluno com comportamento adverso, optou-se por persistir na sua

    integrao turma a gente tentava, n, envolver ele de toda forma, atividades uma vez eu

    levei pro museu, insistncia anloga que foi direcionada a outro aluno que tinha dificuldade em

    aceitar regras e em memorizar tentei botar limites, ele [...] passou a obedecer alguns

    procedimentos [...] tentei trabalhar, dar reforo a ele, pra ver se ele conseguia aprender alguma

    coisa, ele at comeava a, n, a memorizar algumas letras (Educadores).

    Tais declaraes sinalizam para a ao pedaggica em sua potncia acolhedora e

    transformadora, bem como para a importncia de o professor apostar e investir nos alunos ditos

    problemticos, a fim de que novos giros movimentem seu percurso escolar. Esse coro foi

    endossado pelo grupo de pais, o qual trouxe o exemplo de um aluno que, segundo eles, era uma

    criana-problema na escola, e que chegou inclusive a ser expulso de escolas anteriores, mas que

    na escola atual houve um investimento propulsor de uma indita e marcante transformao: [Ele]

    foi incentivado pela escola. Ele j foi expulso de duas outras escolas, e essa foi o inverso. A

    professora dele [...] no abandona ele. Ele apronta mil coisas, ela leva na conversa [...] no

    assim, [...] assim no pode, vai trazendo ele pra realidade, e ele t outra criana (Pais).

    No extremo oposto, a segunda modalidade de reao face diferena marcada pela

    desincumbncia e desresponsabilizao dos docentes, que se consideram inaptos a lidar com as

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    crianas desviantes de modo apropriado. Alm disso, eles supem que outros profissionais so

    melhor habilitados para tratar esses sujeitos: no temos esse preparo para estimular essa criana

    de forma adequada [...] a gente no consegue fazer ele avanar em aprendizagem [...] como no

    temos essa competncia, tenta-se encaminhamentos (Educadores).

    Esses enunciados revelam o processo de despotencializao do discurso educativo, que

    segundo Aquino (1997) culmina no enfraquecimento da especificidade pedaggica. Ao delegar a

    outros especialistas o cuidado educativo dos alunos, o professor desapropriado do domnio de

    suas aes e colocado merc de algo, para ele, desconhecido. Conformados a essa nova

    realidade, professora e aluno tornam-se estrangeiros em seu prprio territrio (AQUINO, 1997, p.

    92). Um contraponto s ideias do autor pode ser verificado no discurso dos profissionais de

    educao entrevistados, que justificam a importncia da especializao no lidar com a diferena:

    a gente t tendo que desenvolver funes em que necessrio se estudar muito [...] e existem

    pessoas que se especializam nisso [...] e a gente t tendo que dar conta [...], sem saber pra onde

    que a gente t indo, o que a gente t fazendo ali de verdade (Educadores).

    Ao estimar e requisitar o auxlio de especialistas para tratar dos alunos especiais, o

    fragmento acaba denunciando uma deficincia constitutiva do sistema educacional, a inaptido em

    trabalhar a diversidade e efetivar a incluso. Como a formao de professores est voltada e a

    escola est estruturada sobretudo para atender o aluno padro, educar os desviantes demandaria

    duas principais sadas, apontadas pelos educadores entrevistados. Uma delas seria outra formao,

    longa e especfica, que habilitaria o professor a ensin-los na justa medida de suas diferenas e

    especificidades. A outra opo seria o encaminhamento a profissionais de sade que, agindo sobre

    essas idiossincrasias, neutraliz-las-ia, ou minimizaria seus efeitos sobre o aprender e o agir do

    aluno especial, de modo a faz-lo aproximar-se, o quanto possvel, do modelo de aluno com o

    qual a escola est acostumada.

    Os profissionais de sade teriam, ento, a funo de tratar supostos distrbios, muitos dos

    quais no passam de meros desvios norma educativa, sem qualidade mrbida, o que pe em

    relevo uma tendncia em patologizar questes de cunho pedaggico e social (BERNARDES,

    2008). No se trata, todavia, de negar radicalmente a existncia de distrbios ou de menosprezar o

    papel dos profissionais de sade que atendem a queixas escolares, pois muitas correspondem a

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    problemas fatdicos que acarretam em prejuzos reais escolarizao do aluno. No grupo de pais

    emergiram dois exemplos de encaminhamentos necessrios, um para uma fonoaudiloga para

    uma criana com dificuldades na fala e outro para um oftalmologista para um garoto com um

    comprometimento na viso que o impedia enxergar a lousa nitidamente.

    O que questionamos a banalizao dos encaminhamentos na produo da queixa escolar,

    uma soluo simplista a um desafio do qual os educadores tm historicamente fugido: o ensino dos

    alunos especiais e desviantes. Talvez seja mais cmodo adotar um vis patologizante do que

    pr em xeque os pontos nevrlgicos de um sistema educacional uniformizante e excludente, que

    repele a diferena e, o fazendo, rechaa a prpria condio humana

    CONSIDERAES FINAIS

    A literatura e os dados empricos analisados neste estudo apontam a difcil situao

    enfrentada pelo professor na atual conjuntura educacional, marcada por contextos escolares cada

    vez mais diversos. Embora esforos e iniciativas polticas e jurdicas venham sendo empreendidos

    para promover a incluso escolar e garantir sua efetivao, grande parte dos profissionais de

    educao no tem conseguido trabalhar pedagogicamente a diversidade em sala de aula.

    Queixando-se de ausncia de capacitao e suporte, muitos docentes, quando se defrontam com

    estilos atpicos ou indesejveis de comportamento e aprendizagem, propem o encaminhamento

    do aluno desviante a profissionais de sade, tais como psiclogos, psiquiatras e neurologistas.

    Tudo leva a crer que a diferena no bem-vinda na escola, na medida em que gera

    desconforto (ao reclamar o rearranjo da dinmica uniforme e normativa da instituio escolar) e

    constrangimento (ao denunciar a impotncia dos educadores em operar a partir dela). Talvez

    possamos localizar na tenso entre a escola, de um lado, ser legalmente obrigada a aceitar o aluno

    especial ou desviante e, de outro, estruturalmente inabilitada para educ-lo, a razo para a

    incluso escolar habitar o plano do faz de conta, conforme sublinharam os educadores: o que

    existe hoje dentro da educao um... voc finge que inclui e eu finjo que eu acredito que voc t

    incluindo [...] a gente t vivendo [...] um universo absolutamente fake nesse sentido da incluso.

    No existe incluso no mbito educacional. No plano da realidade, o que tem permeado o dia a

    dia das escolas so os processos de patologizao da diferena e culpabilizao do diferente, os

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    quais dificultam as aes mais importantes: a reformulao das prticas pedaggicas e a reviso do

    Modus operandi da organizao escolar (BERNARDES, 2008).

    Na contramo da tendncia de patologizao, desresponsabilizao e terceirizao que

    caracteriza a produo da queixa escolar na atualidade, cabe apostar no empoderamento do

    discurso pedaggico, seus agentes, seus espaos e seus instrumentos. Collares (1994) chama a

    ateno para a necessidade da requalificao da formao dos professores, a fim de que eles

    subvertam as estruturas do cotidiano escolar que esto na raiz das questes relacionadas queixa.

    Isso implica na superao da uniformidade da prxis pedaggica e na sua potencializao para um

    efetivo acolhimento da diferena. Esta, deve deixar de consistir em um empecilho ao ato educativo

    e tornar-se uma de suas principais molas propulsoras, desafiando-o a produzir novos contornos e

    tomar novas direes no circuito do ensinoaprendizagem.

    REFERNCIAS

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