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Trabalho apresentado no 1° Seminário DOCOMOMO Norte-Nordeste Recife-PE, 8 a 11 de maio de 2006 Esta versão faz parte do livro: MOREIRA, F. D. (org.). Arquitetura Moderna no Norte e Nordeste do Brasil: universalidade e diversidade. Recife: Fasa, 2007. CAMINHOS DA ARQUITETURA MODERNA EM CAMPINA GRANDE: EMERGÊNCIA, DIFUSÃO E A PRODUÇÃO DOS ANOS 1950 Marcus Vinicius Dantas de Queiroz Arquiteto formado pela Universidade Federal da Paraíba. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos – Universidade de São Paulo. Fabiano de Melo Duarte Rocha Arquiteto formado pela Universidade Federal da Paraíba. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana da mesma instituição. Na segunda metade da década de 1950, os jornais da cidade de Campina Grande, interior da Paraíba, faziam coro com clima de otimismo que dominava o Brasil frente às ações empreendidas pela administração do presidente Juscelino Kubitschek. As matérias o homenageavam em “gratidão” pelas obras realizadas pelo governo federal no município, discutiam os pontos presentes no Plano de Metas 1 , estampavam fotos da construção de Brasília 2 , obra que “há de insuflar a qualquer pessoa um sentimento que vai passando da admiração ao entusiasmo, do entusiasmo a uma convicção eufórica de confiança no Brasil e na capacidade de realização do homem brasileiro” 3 . Envolvida por essa atmosfera, a cidade experimentava o desenrolar de um novo ciclo de modernização, em compasso com os acontecimentos nacionais e alicerçado nos esforços da elite local para inseri-la no processo de industrialização do país. Com manchetes do tipo “Campina Grande marcha a passos largos para a industrialização” , “Campina Grande: porta do sertão e centro de trabalho incansável”, “Campina Grande: um dos municípios de maior progresso” , “Campina: centro industrial e de irradiação econômica do Estado”, a edição inaugural do periódico campinense Diário da Borborema, de 2 outubro de 1957, trazia detalhadas incursões, carregadas de tom heróico, acerca da pujança econômica do município, nas quais o comércio, que sempre 1 O que são... (1958). 2 Foram encontradas nas páginas do Diário da Borborema imagens da Capela de Nossa Senhora de Fátima (edição de 19/11/1957), do Plano Piloto e da Praça dos Três Poderes (edição de 21/02/1959). 3 Aragão (1959).

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Trabalho apresentado no

1° Seminário DOCOMOMO Norte-Nordeste Recife-PE, 8 a 11 de maio de 2006

Esta versão faz parte do livro: MOREIRA, F. D. (org.). Arquitetura Moderna no Norte e Nordeste do Brasil: universalidade e diversidade. Recife: Fasa, 2007.

CAMINHOS DA ARQUITETURA MODERNA EM CAMPINA GRANDE: EMERGÊNCIA, DIFUSÃO E A PRODUÇÃO DOS ANOS 1950

Marcus Vinicius Dantas de Queiroz Arquiteto formado pela Universidade Federal da Paraíba. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos – Universidade de São Paulo. Fabiano de Melo Duarte Rocha Arquiteto formado pela Universidade Federal da Paraíba. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana da mesma instituição.

Na segunda metade da década de 1950, os jornais da cidade de Campina Grande, interior da

Paraíba, faziam coro com clima de otimismo que dominava o Brasil frente às ações empreendidas

pela administração do presidente Juscelino Kubitschek. As matérias o homenageavam em

“gratidão” pelas obras realizadas pelo governo federal no município, discutiam os pontos

presentes no Plano de Metas1, estampavam fotos da construção de Brasília2, obra que “há de

insuflar a qualquer pessoa um sentimento que vai passando da admiração ao entusiasmo, do

entusiasmo a uma convicção eufórica de confiança no Brasil e na capacidade de realização do

homem brasileiro”3.

Envolvida por essa atmosfera, a cidade experimentava o desenrolar de um novo ciclo de

modernização, em compasso com os acontecimentos nacionais e alicerçado nos esforços da elite

local para inseri-la no processo de industrialização do país. Com manchetes do tipo “Campina

Grande marcha a passos largos para a industrialização”, “Campina Grande: porta do sertão e

centro de trabalho incansável”, “Campina Grande: um dos municípios de maior progresso”,

“Campina: centro industrial e de irradiação econômica do Estado”, a edição inaugural do periódico

campinense Diário da Borborema, de 2 outubro de 1957, trazia detalhadas incursões, carregadas

de tom heróico, acerca da pujança econômica do município, nas quais o comércio, que sempre

1 O que são... (1958). 2 Foram encontradas nas páginas do Diário da Borborema imagens da Capela de Nossa Senhora de Fátima (edição de 19/11/1957), do Plano Piloto e da Praça dos Três Poderes (edição de 21/02/1959). 3 Aragão (1959).

esteve presente na base da sua economia, aparecia como algo do passado e a industrialização

como o futuro promissor4.

Ao mesmo tempo em que se tentava edificar ou consolidar novas estruturas para a economia

local, a cidade assistia à expansão da malha urbana através de loteamentos particulares, à

construção de casas populares financiadas pela iniciativa privada5 e a uma maior difusão dos

transportes públicos e dos eletrodomésticos; a discussões sobre planejamento urbano e a sua

inserção na estrutura administrativa do município; à construção da Escola Politécnica da

Universidade da Paraíba, do terminal rodoviário de passageiros e ao início do processo de

verticalização da sua região central, com o surgimento de complexos empresariais e de grandes

edifícios de apartamento. Quantificando esse entusiasmo progressista, a mesma edição inaugural

do Diário da Borborema mostrava números do “vertiginoso surto de construções em Campina

Grande”. O salto foi de quase trinta vezes em pouco menos de cinqüenta anos, pulando de 600

edifícios, em 1905, para 17.240, em 1954. Paralelamente a tudo isso, existia o empenho de uma

elite econômica e intelectual que buscava alinhar-se aos movimentos culturais em voga nos

grandes centros do país.

Foi nesse contexto que a Arquitetura Moderna encontrou terreno fértil para sua emergência e

difusão, ganhando status de progresso, arrojo e civilidade. Sua inserção no cenário local

aconteceu em meio a um processo de renovação da paisagem urbana campinense que se iniciou

na década de 1930 (principalmente da sua região central), atravessou os anos 1940 e chegou aos

1950 com o mesmo intuito e discurso de construção de uma cidade moderna, civilizada, burguesa,

pronta para o livre desenvolvimento do capital. Almejava-se edificar uma urbe sadia, arejada,

fluida, bela e disciplinada, projeto utópico no qual a modernização da arquitetura ocupava um

lugar de destaque, e era considerada o ‘instrumento’ ideal para combater o dito arcaísmo das

construções térreas e acanhadas, cuja implantação no lote e organização espacial eram ainda

coloniais.

A primeira modernização, ainda não moderna em termos de arquitetura, entre os anos 1930 e

1940 soltou as casas dos limites do terreno para a ventilação e insolação das “alcovas”

consideradas insalubres, diversificou os programas, redistribuiu os espaços, inseriu novos

materiais construtivos e mecanizou o abastecimento d’água e a coleta de esgoto6. No campo

formal, o neocolonial, o estilo missões, os chamados bangalôs e o art déco (que dominou grande

parte da produção arquitetônica desse momento) elaboraram a imagem pública dessa primeira

4 A mesma edição faz referência a um prêmio nacional que Campina Grande recebeu por ter sido, em 1956, um dos dez municípios brasileiros de maior desenvolvimento, apontado como a quarta cidade do Norte e Nordeste do Brasil, perdendo apenas para Recife, Fortaleza e Belém. Segundo a divisão geográfica da época, Salvador pertencia à região Leste, não entrando na comparação (CARVALHO, 2006). Aranha (1991, p.238) observa que, no final da década de 1950, capitais como Natal, Maceió, João Pessoa, São Luiz e Aracaju não eram mais influentes economicamente do que Campina Grande, que possuía, no final do nosso período de estudo, mais especificamente no ano de 1962, uma população de 207.445 habitantes, incluindo distritos e zonas urbana e rural (Dados sobre o ano de 1962, disponíveis em www.ibge.gov.br – Estatísticas do Século XX). 5 A produção de habitação pela iniciativa privada para média e baixa rendas e os loteamentos particulares não eram novidades. Registramos iniciativas nesse sentido desde as primeiras décadas do século XX. 6 Com a inauguração, em 1939, dos serviços de abastecimento água e coleta de esgotos projetados pelo engenheiro Saturnino de Brito Filho.

fase de modernização. Eram inovações saídas das pranchetas de arquitetos, engenheiros e

desenhistas, disseminadas por todas as camadas sociais.

Já na década seguinte, 1950, a renovação arquitetônica se deu com a filiação de boa parte dos

edifícios construídos na cidade ao Movimento de Arquitetura Moderna, ainda que muitas vezes de

maneira incompleta, superficial, ou incorporando apenas elementos isolados dessa linguagem.

Sua maior difusão e popularização pelo Brasil só aconteceu a partir do segundo pós-guerra,

principalmente devido à criação de escolas de arquitetura em várias regiões do país e ao

deslocamento de profissionais de formação moderna pelo território brasileiro7. Essas

transformações ocorreram no contexto de um sistema político democrático, dos planos

desenvolvimentistas dos anos 1950 e dos esforços construção de uma identidade nacional, que

criasse um sentimento de “admiração, entusiasmo e convicção eufórica de confiança no Brasil e

na capacidade de realização do homem brasileiro”8. Realização que, nos mesmos anos 1950,

atraiu a atenção internacional, virou alvo dos olhares dos críticos estrangeiros9.

Nesse contexto, essa comunicação estuda o momento de emergência e difusão da Arquitetura

Moderna na cidade de Campina Grande através da análise de algumas obras e profissionais

vinculados com tal corrente arquitetônica ao longo dos anos 1950 e início dos 1960. Averiguamos,

sempre que possível, quais conceitos direcionam a concepção de tais edifícios, em que medida

esta produção se relaciona com a de outras partes do Brasil e que peculiaridades assumem no

cenário campinense. Para tanto, recorremos a matérias e material de publicidade de jornais da

época, entrevistas com proprietários e projetistas de alguns imóveis estudados, levantamento

fotográfico atual e registros técnicos (plantas, cortes, fachadas etc.) encontrados nos arquivos da

prefeitura de Campina Grande. Esse material forma um corpus documental ainda incompleto, com

algumas lacunas, mas que já nos permite tecer considerações e especular sobre essa arquitetura.

Assim, diante da escassez, ou quase inexistência, de estudos especializados sobre o tema10, esse

trabalho permite uma primeira aproximação em relação a um conjunto de obras e profissionais

significativos em âmbito local, com todos os riscos que esse tipo de abordagem e limitação de

fontes podem trazer.

EMERGÊNCIA, DIFUSÃO E PERSONAGENS

Como já apontamos, as manifestações arquitetônicas em Campina Grande, entre a década de

1930 e início dos anos 1950, localizavam-se entre o art déco, o bangalô, o neocolonial e o estilo

missões. Estes dois últimos eram chamados, pelo então desenhista Geraldino Pereira Duda11, de

7 Segawa (2002, p.131). 8 Aragão (1959). 9 Sobre o assunto, ver Tinem (2002). 10 A exceção é o trabalho de Carvalho (2006). Um estudo de maior fôlego está sendo elaborado pela pesquisadora Adriana Almeida. É provável que seja concluído ainda este ano. 11 Em entrevista a Dinoá (1988).

“estilo português” e “estilo espanhol” respectivamente, e eram freqüentes nas publicações

nacionais de arquitetura, sempre utilizadas como referência por clientes e projetistas da cidade.

Talvez a única exceção do período tenha sido a construção do Grande Hotel pelo poder público

(1936-1942), cujo jogo de volumes, limpeza formal, exploração do concreto armado e integração

espacial entre os cinco pavimentos através de um grande vazio circular central aproximava-se

mais de uma modernidade que tentava romper com as construções da época. No mesmo período,

entre 1934-1937, Luiz Nunes, em Recife, já realizava uma obra moderna significativa tanto em

termos qualitativos como quantitativos. Entretanto, somente entre o final dos anos 1940 e início

dos anos 1950, com a produção de arquitetos como Mario Russo, Acácio Gil Borsoi e Delfim

Amorim, que eram também professores da Escola de Belas Artes de Pernambuco12, a cidade

passou a viver uma renovação arquitetônica de maior alcance. Até então, a formação dos

arquitetos de Pernambuco era acadêmica13.

Já a partir da segunda metade da década de 1950, encontramos nas páginas do jornal Diário da

Borborema uma infinidade de projetos alinhados com a Arquitetura Moderna desenvolvida em

outros lugares do país, seja absorvendo seus conceitos de projetação ou apenas se apropriando e

recriando as suas formas. São propostas para residências, urbanização de partes da cidade,

teatros, mercados, hotéis, rodoviárias, escolas técnicas, paradas de ônibus, faculdades, moradias

populares, praças, agências bancárias, edifícios de apartamento e de escritório. Boa parte desses

projetos foi concebida por profissionais de fora da cidade, principalmente por pernambucanos

oriundos das primeiras turmas de orientação modernista formadas após a renovação do ensino de

arquitetura em Recife promovida por Russo, Borsoi e Amorim. Nomes como Augusto Reynaldo,

Heitor Maia Neto, Lucio Estelita, Waldecy Pinto, Hugo Marques e os artistas plásticos Corbiniano

Lins e Abelardo da Hora figuravam entre os atuantes no mercado local nesse momento.

Campina Grande, na época, era o maior centro econômico próximo a Recife, tornando-se

interessante campo de trabalho para muitos profissionais do estado vizinho diante do constante

aumento do seu número de construções14 e do reduzido quadro de arquitetos residentes e

atuantes na cidade15. Além disso, possuía uma elite circulante e atenta aos acontecimentos da

capital pernambucana. Profissionais vindos de outros lugares, como o arquiteto carioca Ayrton

Nóbrega, que fez a primeira proposta para o Teatro Municipal, em 1957, Roberto Burle Marx e o

polonês Wit Olaf Prochnik16, que foram contratados para elaborar projetos de urbanização para o

12 Nesse período, a região Nordeste só possuía dois cursos de arquitetura, o de Salvador e o de Recife (SEGAWA, 2002, p.130-131). 13 Bruand (2003, p.146) e Naslavsky (2004, p.79). 14 Vertiginoso... (1957). 15 Em pesquisa que se debruçou sobre os anos 1920, 1930 e 1940, tivemos a oportunidade de acompanhar quais profissionais atuaram em Campina Grande nesse período. Com escritórios estabelecidos na cidade, localizamos os arquitetos Isaac Soares (com atuação principalmente na década de 1930) e Josué Barbosa (década de 1940). Com atuação, mas sem escritório estabelecido, encontramos, dentre outros, o arquiteto italiano Hermenegildo Di Lascio e Clodoaldo Gouveia (radicados em João Pessoa), o francês Georges Munier e Heitor Maia Filho (radicados em Recife) e o arquiteto e urbanista Nestor Egydio de Figueiredo (pernambucano radicado no Rio de Janeiro). Além desses profissionais, muitos engenheiros e desenhistas projetaram na cidade. 16 Wit Olaf Prochnik foi citado por Mindlin (2000, p.201) por seu projeto para um pavilhão de natação no município de Petrópolis (RJ), de 1955, pouco antes de sua passagem por Campina Grande. Na década de 1960, escreveu um texto sobre planejamento urbano, no qual fez referência à cidade paraibana. Ver: PROCHNIK, W. O. Formação de planejadores. In: IBAM. Leituras de planejamento e urbanismo. Rio de Janeiro, 1965.

Açude Velho na década de 1950, também passaram pela cidade nesse mesmo momento.

Concomitantemente, alguns engenheiros locais, como Lynaldo Cavalcante e Austro de França

Costa, e desenhistas, como Geraldino Pereira Duda, começaram a se engajar nesse movimento

de renovação arquitetônica. Renovação que, aliás, atingiu desde a capital, João Pessoa17, até

municípios do alto sertão da Paraíba, como, por exemplo, a cidade de Patos18.

Tal repercussão, associada ao trânsito de profissionais vivamente conectados com a corrente de

modernização arquitetônica e das artes plásticas do país, mostrava que o interior do Nordeste

não estava à margem dos desdobramentos nacionais. No caso de Campina Grande, o

movimento ganhou força, em um primeiro momento, com a atuação dos profissionais vindos de

outros lugares, mas logo em seguida, ou até simultaneamente, enraizou-se em solo campinense,

encontrando seus seguidores locais, que, com maior ou menor intensidade, absorveram,

reinventaram e puseram em prática as concepções projetuais modernas.

No atual estágio da pesquisa, fica difícil precisar qual foi o autor da primeira obra de Arquitetura

Moderna da cidade19. Publicações locais20 sacramentam Geraldino Pereira Duda como o introdutor

desse tipo de arquitetura em Campina Grande, fato reforçado por suas declarações a jornalistas e

demais interessados no assunto21. Alguns trabalhos, além de aumentarem as vozes dos que

consideram Geraldino o precursor e “pai da moderna arquitetura campinense”, afirmam que seu

projeto para o Teatro Municipal, construído entre 1962 e 1963, pertence “à primeira geração de

edifícios campinenses erigidos em concreto armado”22. Contudo, desde 1940, o concreto armado,

ou, como era conhecido, o cimento armado, já era bastante utilizado nas construções da cidade23.

Além do mais, a estrutura do Grande Hotel foi toda erguida com esse material já na década de

1930.

Longe de desmerecer os méritos de Geraldino Pereira Duda, o fato é que dificilmente podemos

considerá-lo o pioneiro da Arquitetura Moderna na cidade. O mesmo relatou24 que sua conversão

ao modernismo se deu em dois instantes de observação da obra de Oscar Niemeyer: quando viu

a fachada do Ministério da Educação e Saúde em publicação da época (projeto em parceria com

Lúcio Costa, Affonso Reidy, Jorge Moreira, Carlos Leão e Ernani Vasconcellos) e quando

conheceu o conjunto da Pampulha em viagem que fez a Belo Horizonte. No ano da conclusão do

Ministério, em 1943, Geraldino tinha apenas oito anos de idade, o que nos leva a crer que o seu

contato com este edifício só se deu de forma plena e consciente em momento posterior. Contudo,

17 Sobre a produção de Arquitetura Moderna em João Pessoa, ver Tinem et al (2005). 18 Sobre a cidade de Patos, ver imagem do Edifício do DER publicada no jornal Diário da Borborema do dia 23 mar. 1960. 19 Segundo entrevista concedida por Geraldino Duda aos autores (em 28 ago. 2006), a primeira obra moderna da cidade, com aproximação da chamada Escola Carioca, foi a Maternidade Elpídio de Almeida (1949). Porém, as imagens da época a que tivemos acesso são pouco reveladoras, o que nos impossibilita confirmar tal informação. 20 Ver a publicação da Prefeitura Municipal de Campina Grande, de 2003, sobre o Teatro Municipal Severino Cabral e o trabalho de Oliveira (2000). 21 Em entrevista a Dinoá (1988). 22 Oliveira (2000). 23 Câmara (1947, p.136). 24 Dinoá (1988).

o episódio decisivo foi a sua visita ao conjunto da Pampulha, quando se impressionou e pensou

em levar “para Campina Grande aquela forma de projetar”; algo que também não aconteceu no

momento da sua conclusão, no mesmo ano de 1943, mas durante a gestão de Juscelino

Kubitschek como presidente do Brasil. Nesse tempo de uma possível conversão, outros arquitetos

modernos já atuavam na cidade. A residência do médico Bezerra de Carvalho, por exemplo, foi

projetada por Augusto Reynaldo no ano de 1952. Em 1956, início do governo JK e época da sua

viagem a Belo Horizonte, já se encontrava reformada a Praça da Bandeira, com projeto de Lúcio

Estelita e escultura de Abelardo da Hora.

PROJETOS E OBRAS

Durante a década de 1950, Augusto Reynaldo25 projetou uma série de habitações para médicos e

comerciantes campinenses. Nessa pesquisa, foram localizadas quatro dessas residências. A

primeira foi para o médico Bezerra de Carvalho26, de 1952, momento anterior a sua formação de

arquiteto. O conjunto de plantas que compõe esse projeto mostra que o resultado já era um

exemplar moderno maduro27, com a presença de muitos dos elementos que caracterizariam uma

linguagem própria da arquitetura produzida no Rio de Janeiro. Partindo para a análise dos

registros gráficos, percebemos a disposição do edifício em dois blocos articulados, implantados no

centro de um vasto lote, distinguindo setores social, íntimo e de serviços. O arquiteto fez uso de

grandes empenas trapezoidais para a demarcação dos volumes, utilizou lajes inclinadas

substituindo o madeiramento do telhado, brises de concreto nos corredores, elementos vazados

cerâmicos, generosas aberturas e planos de vidro de piso a teto nas áreas sociais (numa tentativa

de integração interior e exterior) e dialogou com a topografia irregular do terreno através da

exploração de pisos e cobertas em níveis variados. As grandes aberturas para o exterior, mais a

ausência de divisórias entre seus vários recantos, tornaram as áreas sociais extremamente

permeáveis e fluidas visual e espacialmente. A ausência de divisórias também foi um recurso

utilizado nos quartos, que foram divididos por armários, numa tentativa de aproximação ao

25 O início da sua carreira foi como desenhista do tio, o arquiteto Heitor Maia Filho. Posteriormente, exerceu a mesma função no escritório de Delfim Amorim e durante a graduação, no curso de arquitetura da Escola de Belas Artes de Pernambuco, foi aluno de Acácio Gil Borsoi. Formou-se em 1956, aos 32 anos, ocasião em que já atuava na profissão. Além de arquiteto, Reynaldo também foiartista plástico, participando, em 1948, da fundação da Sociedade de Arte Moderna do Recife, entidade de afirmação e divulgação das artes plásticas e dos artistas modernos. Sua obra em Pernambuco foi marcada pela proximidade à linguagem da Escola Carioca (NASLAVSKY, 2004, p.57-65, 139-142), característica que perpassou, como veremos, toda a sua produção em Campina Grande. Faleceu em acidente aéreo durante viagem que fez a Campina Grande, em setembro de 1958 (SINISTRADO..., 1958). Sobre o Reynaldo, ver também Lima (2002, p.128-129). 26 Segundo Carvalho (2006), o médico Bezerra de Carvalho havia cursado medicina em Recife poucos anos antes de se mudar para Campina Grande. Outro fato interessante, e também explorado no trabalho de Carvalho (2006), é o fato de o médico ter apresentado à Prefeitura de Campina Grande um projeto anterior ao de Augusto Reynaldo para a construção da sua casa. Era um bangalô, cuja assinatura levava o nome do engenheiro Austro de França. 27 Essa opinião difere da nossa primeira impressão sobre essa residência, publicada no I Seminário DOCOMOMO No-Ne, em maio de 2006. Na ocasião, fizemos uma análise do arquiteto a partir da obra construída, cujo resultado julgamos uma composição pouco expressiva e de traços tímidos. A descoberta dos desenhos originais desse projeto, nos arquivos da Prefeitura de Campina Grande,revelou a maturidade do trabalho do arquiteto na época. O distanciamento entre projeto e obra construída foi causado porentendimentos com o cliente e por dificuldades de aquisição de mão-de-obra especializada e materiais no mercado local.

conceito de planta livre28. O acesso à residência se dava através de uma rampa, em meio a um

jardim com formas sinuosas.

Contudo, observando a obra construída, nem todas essas inovações para o contexto local

chegaram a ser concretizadas. A interferência do proprietário e a dificuldade de aquisição de mão-

de-obra especializada e de alguns materiais no mercado local29 produziram um resultado inferior à

qualidade do projeto. Houve um esforço maior em manter as concepções originais dos setores

sociais e da fachada com frente para a rua, demonstrando a preocupação com o arrojo e a

aparência de modernidade principalmente nas áreas mais públicas. As demais fachadas foram

alteradas, os ambientes compartimentados, os elaborados jogos volumétricos contidos, as

aberturas reduzidas30.

Imagem 1: Augusto

Reynaldo. Acima, residência

Bezerra de Carvalho, 1952.

Abaixo, residência Wanderley

(descaracterizada), 1955.

Fonte: Carvalho et al (2006) / Arquivo Público Municipal

de Campina Grande.

Porém, se a concepção da residência Bezerra de Carvalho levantou um hiato entre projeto e

construção, entre discursos e práticas modernas, as casas concebidas para as famílias Wanderley

(1955), Vieira Silva (segunda metade dos anos 1950) e Loureiro Celino (1957) representaram uma

fase de menor distanciamento entre esses dois momentos: projeto x obra. Já formado (ou no final

do curso no momento do projeto para a família Wanderley), com passagem pelas aulas de Borsoi

e pelo escritório de Amorim, Reynaldo demonstrou maior inventividade nas soluções propostas,

chegando a resultados refinados quanto à implantação, solução espacial, aspecto formal, uso dos

materiais e detalhes construtivos. Muitos dos elementos presentes na obra analisada

anteriormente se repetiram (jardim com formas livres, divisão entre setores social, íntimo e de

serviço, lajes inclinadas, brises, empenas trapezoidais, grandes esquadrias, diálogo com a

topografia irregular do terreno através do uso de pisos e cobertas em níveis diversos), mas agora

com a engenhosidade própria de sua experiência como arquiteto.

28 Carvalho (2006). 29 Na época, muitos materiais de construção eram adquiridos em Recife. 30 Uma análise mais detalhada sobre essa obra, ver Carvalho (2006).

A residência Wanderley aproximava-se da do médico Bezerra de Carvalho em seu aspecto

maciço e no partido formal determinado pela casca de concreto que delimitava um volume

horizontal preso ao chão, mas houve maior leveza na rampa e na silhueta da casa, marcada por

planos de cobertas inclinados para dentro, reforçados por uma moldura contínua que envolvia e

delimitava todo o desenho da fachada frontal (configurando o que ficou conhecido como coberta

tipo borboleta). Já os projetos posteriores foram além, adquiriram leveza e dinamismo ao terem

seus volumes principais elevados, deixando o pavimento térreo recuado, transparente ou livre,

com o uso de pilotis31.

A residência Vieira Silva32 ocupava uma posição central em um terreno de grandes dimensões, em

aclive em relação à cota da via, o que lhe conferia isolamento visual do entorno e privilegiados

pontos de observação. As formas livres dominavam os canteiros, os caminhos e o lago do jardim.

O programa distribuía-se em dois pavimentos, dispostos em planta em forma de “U”. O térreo era

composto por garagem, saleta, alguns ambientes de serviço e pilotis, que recepcionava quem

chegava e abrigava a escada que conduzia ao pavimento superior. Neste, desenvolviam-se os

setores social, íntimo e parte dos serviços. Uma das características espaciais da casa era a

presença de varandas nas salas e quartos e outra era a permeabilidade visual entre os espaços

sociais (salas e terraços), garantida pela ausência de divisórias e pela presença de grandes

esquadrias de vidro e de venezianas.

Plasticamente, a construção era formada por volumes simples, de superfícies retangulares e

trapezoidais, que se articulavam e se diferenciavam por meio de balanços, recuos e revestimentos

variados (cerâmicas de cores diversas, pedra, mármore, painel de azulejos, pintura). Esses

recursos eram utilizados para destacar o bloco do pavimento superior, marcando sua

independência estrutural e de usos em relação ao térreo. Os brises apareciam mais como

elementos de vedação do que como anteparos de proteção solar, já que se encontravam nas

fachadas que recebiam menor insolação (norte e sul) e geralmente em espaços abertos e,

portanto, mais ventilados (terraços). Para o poente, o arquiteto utilizou grandes planos de vidro

nas áreas de circulação, talvez explicáveis pelas temperaturas mais amenas registradas na cidade

em determinadas épocas do ano.

31 Carvalho et al (2006a). 32 A residência da família Viera Silva é uma dos últimos grandes exemplares campinenses de habitação moderna em bom estado de conservação que reúne tantos elementos da Arquitetura Moderna Brasileira.

Imagem 2: Augusto

Reynaldo. Residência Vieira

Silva, segunda metade da

década de 1950.

Outro exemplo, mas infelizmente já demolido, foi a residência Loureiro Celino. Seu programa

distribuía-se em três pavimentos. No primeiro, aproveitando o desnível do terreno, estavam a

garagem e uma saleta de estudos; no segundo estavam os setores sociais (com jardim interno) e

de serviço e, no terceiro, ficavam os quartos. O muro apresentava uma resposta bastante

interessante às diferenças de nível: iniciava no ponto mais alto do lote, em linha reta, mesclando

pedra e tijolos (arranjados de forma a permitir uma superfície vazada). Em determinado momento

esses materiais se separavam, dando origem a dois muros distintos: um de pedra, que continuava

em linha reta, resolvia o desnível e cercava o patamar da garagem; e um de tijolos, que assumia

formas curvas e guarnecia o segundo pavimento. O jardim possuía lago e abrigava uma escultura

de Corbiniano Lins, amigo de Reynaldo que, juntamente com ele, participou da Sociedade de Arte

Moderna de Recife, demonstrando a integração entre artes plásticas e arquitetura, característica

que se fez presente em várias obras da Arquitetura Moderna Brasileira.

Mas a característica mais marcante da residência foi seu resultado plástico, que resultava em

inovação e ousadia para o contexto local. O primeiro e o segundo pavimentos formavam uma

base, unificada pela utilização dos mesmos revestimentos cerâmicos (com as mesmas cores dos

utilizados na residência Vieira Silva), sobre a qual se apoiavam os quartos e parte da coberta do

andar inferior, elementos que formavam um elegante volume triangular, branco, com poucas

aberturas e que contrastava com resto da obra. Posteriormente, o arquiteto chegou uma proposta

similar no projeto para a residência Joseph Tourton33, em Recife. Augusto Reynaldo faleceu

durante a execução dessa obra e quem a assumiu foi seu primo, o arquiteto Heitor Maia Neto.

Imagem 3: Augusto Reynaldo. Residência

Loureiro Celino (demolida), 1957-

1960. Fonte: Família

Loureiro Celino.

Maia Neto formou-se na primeira turma do curso de arquitetura da Escola de Belas Artes de

Pernambuco já orientada pelos pressupostos da arquitetura moderna. Trabalhou como desenhista

para Mário Russo e, nos anos 1960, associou-se a Delfim Fernandes Amorim34. Em Campina

Grande, além de ter dado continuidade às obras inacabadas de Reynaldo no momento da sua

morte, elaborou, em 1959, o projeto para a Escola Politécnica da Universidade da Paraíba, no

bairro de Bodocongó, atual campus I da Universidade Federal de Campina Grande. O edifício

principal, o de maior extensão, apoiava-se sobre pilares em forma de V, liberando o solo para

circulação e espaços de convívio. Articulado a esses pilotis, encontrava-se um bloco térreo, com

funções administrativas, que nos remete à solução do auditório do Ministério da Educação e

Saúde Pública. Parte da estrutura dos pavimentos superiores corria pelo exterior da fachada,

conferindo ao volume o aspecto de caixa suspensa. As formas livres dominavam os jardins, as

marquises, a casca que configurava o provável auditório (ao centro) e um bloco, sem função

identificada, em forma de calota. Só uma pequena parte do projeto foi construída. As soluções

aqui adotadas eram muito parecidas com a sua proposta para a Faculdade Católica de

Pernambuco (1957-1958), com forte influência da arquitetura carioca35.

33 Sobre a residência Joseph Tourton, ver Naslavsky (2004, p.141). 34 Lima (2002, p.79). 35 Sobre o projeto da Faculdade Católica de Pernambuco, ver Naslavsky (2004, p.146) e Faculdade... (1958).

Imagem 4: Heitor Maia Neto.

Escola Politécnica da

Universidade da Paraíba, 1959.

Fonte da perspectiva:

Escola..., 1959.

A partir do segundo lustro dos anos 1950, uma série de equipamentos de comércio, lazer,

habitação e serviço, reunidos em uma só construção, começaram a ser instalados na cidade. O

arquiteto Hugo Marques projetou três grandes edifícios com essas características para o centro de

Campina Grande (Edifícios Rique, Lucas e Palomo, além do Hotel Ouro Branco). Outro projeto

que apareceu com freqüência no material publicitário dos jornais campinenses entre os anos de

1958 e 1959 foi o complexo que reunia, em volta a um terminal interurbano de passageiros,

equipamentos como mercado, boate, restaurante, escritórios, apartamentos e hotel, e cuja

construção foi uma parceria entre a prefeitura municipal e a Empresa Nacional de Mercados Ltda.

(ENAC). O autor não aparecia em nenhuma das matérias, mas os responsáveis pela obra a

descreviam como um “moderno conjunto arquitetônico, de linhas funcionais, construído com os

mais avançados requisitos técnicos”36. O complexo dividia-se em dois edifícios: um horizontal e

outro vertical. O primeiro acolhia o terminal e o mercado, caracterizando-se pela seqüência de

abóbadas em estrutura metálica que configurava a coberta, movimento semelhante à solução de

Artigas para a rodoviária de Londrina (PR), e pela longa marquise de concreto, sob a qual ficavam

as plataformas de embarque. No segundo, onde estavam os demais pontos do programa, as

36 Estação... (1958).

fachadas de maiores dimensões eram marcadas por uma grelha, onde cada quadricula aparecia

vedada por grande pano recuado de vidro (demarcando um escritório ou apartamento), e as

menores possuíam pequenas aberturas. A laje plana e impermeabilizada da cobertura formava

um terraço, onde ficava um pequeno bloco que abrigava o restaurante e a boate. O projeto foi

parcialmente construído.

Imagem 5: Maquete do

complexo estação

rodoviária, mercado, edifício

de escritórios e hotel, 1958.

Fonte: Estação..., 1958.

Se Geraldino Pereira Duda não pode ser considerado o introdutor da Arquitetura Moderna em

Campina Grande, com certeza ele concebeu uma das obras mais significativas e de vasta

repercussão para os padrões da época: o Teatro Municipal Severino Cabral. A casa de

espetáculos precisava “corresponder à imagem de progresso que a cidade ostentava,

respondendo ao clima de auto-afirmação e de otimismo progressista dos anos 1960, numa prova

de que o progresso econômico observado na cidade merecia uma resposta arquitetônica e cultural

à altura”37. Assim, projetado em 1962 e inaugurado em 1963, o edifício tirava partido do terreno

triangular localizado na via mais movimentada da cidade (a avenida Floriano Peixoto), o que lhe

conferia grande visibilidade e efeitos de perspectiva, para compor um volume com arrojadas

soluções plástica e estrutural, com provável influência do projeto de Niemeyer para o auditório do

Parque do Ibirapuera (1951-1955), em São Paulo, e do de José Bina Fonyat para o teatro Castro

Alves (1957-1958), em Salvador.

O programa distribuía-se em dois volumes distintos, mas articulados. O de maior destaque e

impacto visual era o bloco anterior, em forma piramidal, revestido de mármore, com pequenas

aberturas nas empenas laterais iluminando pontos de circulação, teto jardim e uma ponta de oito

metros em balanço sobre a calçada. O segundo era um edifício de seis pavimentos, de base

retangular com suave curvatura, que possuía fachada frontal (leste) vedada por grande pano de

vidro que ia do primeiro ao último andar e fachada posterior (oeste) com aberturas protegidas por

brises verticais e painel artístico cerâmico. No projeto original esse bloco se apoiava sobre pilotis,

mas no decorrer da construção resolveram fechá-lo e destiná-lo a algum ponto do programa.

Principalmente após o sucesso dessa obra, Geraldino projetou uma série de construções na

cidade. Porém, o Teatro Municipal foi sua criação maior, onde manipulou os métodos projetuais e

37 Templo... (2004).

os elementos da moderna arquitetura brasileira com maior desenvoltura e inventividade, chegando

a um resultado elaborado, concebido por um jovem desenhista sem formação acadêmica.

Imagem 6: Geraldino Pereira

Duda. Teatro Municipal

Severino Cabral, 1962-1963. Fonte: www.teatroseverin

ocabral.com.br.

Como aconteceu no restante do país, toda essa produção arquitetônica penetrou nas mais

variadas camadas sociais campinenses, foi apropriada através de várias leituras, ganhando nem

sempre os contornos mais eruditos, próprios de uma parte da elite que tinha acesso aos meios

materiais e culturais promotores das realizações mais elaboradas. O modernismo no Brasil tornou-

se extremamente popular nos anos 1950, inserindo-se no cerne da identidade nacional e

representando um papel fundamental na cultura brasileira a partir de então38. Assim, os “elementos

formais dessa arquitetura de prestígio foram apropriados como modismo, quer por construtores

populares, que por engenheiros, tão ciosos quanto ignorantes do conteúdo arquitetônico por trás

dessas formas”39.

38 Lara (2004). 39 Segawa (2002, p.131), ver também Arruda (2005).

Muitos construtores, engenheiros, desenhistas e mestres de obra encontraram nesse repertório

formal o invólucro estético que correspondia à imagem de modernidade ansiada por boa parte da

população. A referência maior, no nosso caso, era a produção carioca, seja difundida através das

obras construídas na cidade, como vimos, ou das revistas de circulação nacional (não só as

especializadas, mas também outras de circulação mais abrangente). Nomes como o dos

engenheiros Austro de França Costa, proprietário da construtora INCOTEC, Lynaldo Cavalcante e

o próprio Geraldino Pereira Duda, que no começo da sua carreira trabalhou de desenhista para

Austro de França, difundiram pelos quatro cantos do município edifícios e casas com essa

linguagem. Por todos os bairros, é possível encontrar, até os dias de hoje, residências e edifícios

erguidos por esses profissionais, caracterizados pela presença de empenas trapezoidais, jardins

com formas livres, brises, lajes planas e inclinadas para dentro (tipo borboleta), pilotis, elementos

vazados, pastilhas cerâmicas, pedras, pilares em V e azulejos na fachada. Diferente das casas

construídas nas décadas anteriores para as classes média e baixa, as plantas agora traziam

áreas social, íntima e de serviço bem demarcadas, separadas entre si.

PENSANDO O MODERNO COMO PATRIMÔNIO

Destruir originais para cultuar réplicas, esse é um estranho hábito de algumas políticas que

pensam o patrimônio histórico (material e imaterial) da cidade de Campina Grande. O caso mais

evidente acontece com o Cassino Eldorado, edifício art déco erguido na década de 1930, com

reconhecida importância para a memória local. Porém, enquanto uma réplica perfeita e muito bem

cuidada é montada e desmontada todos os anos durante as suas festas juninas, o edifício original

está em ruínas40. Pensa-se patrimônio como cenário, como uma alegoria fora do seu contexto;

fugaz no nosso caso, já que se transforma em pano de fundo para festividades passageiras.

Campina Grande nutre a ilusão de que vai resolver todas as dívidas com a sua história e cultura

ao longo do mês de junho. Da mesma forma que quase nada resta de um tímido conjunto eclético

que a cidade constituiu no começo do século XX, que ações equivocadas ou incompletas têm

descaracterizado os edifícios art déco41 da sua região central, os exemplares mais significativos de

Arquitetura Moderna estão desaparecendo sistematicamente.

Destruídos ou irreversivelmente descaracterizados, eles não são apenas o testemunho material

de um período da história da cidade, mas são flagrantes e ressonâncias dos esforços de um

movimento internacional que procurou transformar o habitar na cidade moderna e dialogar com a

sociedade industrial. De maneira geral, a proteção de bens ligados ao Movimento Moderno

demorou a ser assimilada e ainda é muito incipiente em nosso país. A consciência de se pensar

40 Carvalho et al (2006b). 41 Devemos o reconhecimento do valor do conjunto Art Déco de Campina Grande, antes da sua destruição total, aos trabalhosdesenvolvidos por Lia Mônica Rossi ao longo dos anos 1980, 1990 e começo dos 2000, época em que era professora do curso de Desenho Industrial da UFCG. Sobre o assunto, ver www.art-deco-sertanejo.com

essa produção como patrimônio é restrita, geralmente limitada aos círculos especializados42.

Fóruns como o III Projetar e o 7º Seminário Docomomo Brasil têm como pauta para o ano de 2007

a discussão da Arquitetura Moderna como registro histórico. Mais ainda, considerando que tais

espaços estão sujeitos a pressões culturais e econômicas que conspiram contra a conservação de

testemunhos do passado nas suas feição e função originais43, os eventos discutem caminhos

conceituais e projetuais para intervenção nesses edifícios. Espera-se, assim, estabelecer um

diálogo entre antigo e o contemporâneo, entre arquiteto passado e arquiteto presente, a fim de

evitar que políticas de preservação tenham por tônica a destruição dos originais e a reprodução de

réplicas.

AGRADECIMENTOS

Às famílias Bezerra de Carvalho, Loureiro Celino e Vieira Silva por nos fornecer material e

informações sobre a atuação do arquiteto Augusto Reynaldo em Campina Grande. A Francinaldo,

que possibilitou acesso irrestrito ao arquivo do Diário da Borborema. À professora Dra. Nelci

Tinem pelas leituras e sugestões. À FAPESP (processo nº. 05/52920-0) e à CAPES pelo apoio

financeiro.

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42 Carvalho et al (2006b). 43 http://www.ufrgs.br/propar/eventos/docomomo-projetar.htm (acesso em 01 abr. 2007).

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