TRAÇANDO UM IDEAL: ASSOCIAÇÃO DE ARTES PLÁSTICAS...

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Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em História TRAÇANDO UM IDEAL: ASSOCIAÇÃO DE ARTES PLÁSTICAS FRANCISCO LISBOA (1938-1945) Cláudia Renata Pereira de Campos Dissertação apresentada como requisito para obtenção do grau de Mestre, pelo Programa de Pós-Graduação em História da PUC/RS. Orientadora: Dra. Maria Lúcia Bastos Kern Porto Alegre, agosto de 2005.

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Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

Programa de Pós-Graduação em História

TRAÇANDO UM IDEAL: ASSOCIAÇÃO DE ARTES

PLÁSTICAS FRANCISCO LISBOA (1938-1945)

Cláudia Renata Pereira de Campos

Dissertação apresentada como requisito para obtenção do grau de Mestre, pelo Programa de Pós-Graduação em História da PUC/RS. Orientadora: Dra. Maria Lúcia Bastos Kern

Porto Alegre, agosto de 2005.

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Banca Examinadora

Drª. Maria Lúcia Bastos Kern (orientadora)

Drª. Maria Amélia Bulhões (UFRGS)

Dr. René Ernaini Gertz (PUCRS)

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À minha filha Renata, ao meu esposo Deivison,

aos meus pais, Wilma e Miguel.

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Agradecimentos

À Profª Drª Maria Lúcia Bastos Kern, pela orientação e pela paciência com as

minhas dificuldades, sempre incentivando. Aos professores do Programa de Pós-

Graduação em História da PUCRS, principalmente, o prof. Dr. René Gertz e Sandra

Brancato, que auxiliaram muito com seus sábios ensinamentos. Aos funcionários, Carla

Pereira, Davi e Luis Rosa, pela atenção.

Ao grupo de pesquisa de Imagem, Andréia, Leonardo e Ângela Ravazzolo, que

fizeram dos nossos encontros, uma reflexão sobre nossas problemáticas de pesquisa.

Aos funcionários das instituições nas quais foram realizadas as pesquisas –

Pinacoteca Barão do Santo Ângelo do Instituto de Artes/ UFRGS, Pinacoteca Aldo

Locatelli-SMC/POA, Pinacoteca da APLUB, Museu Júlio de Castilhos, Fototeca Sioma

Breitman –Museu Joaquim José Felizardo- SMC/POA e Arquivo Histórico do RS.

À Associação de Artes Plásticas Francisco Lisboa, principalmente à Maria Leda

Macedo, que dispôs toda a documentação da entidade, e aos artistas Vitório Gheno e Xico

Stockinger, que contribuíram com seu relato pessoal.

À minha família, meu esposo, minha filha, meus pais, tias, irmãos, sobrinhos, que

sempre acreditaram em mim, mesmo com as minhas dificuldades.

Enfim, à CAPES, pelo apoio financeiro, se não fosse ela não poderia vencer mais

uma etapa dos meus estudos.

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“Seria supérfluo encarecer as vantagens da

ação conjunta em todos os setores da atividade

humana. Os artistas não fogem a esse imperativo,

acrescentando-lhes outras razões de ordem estética e

espiritual. O convívio, o intercâmbio de idéias, a

solidariedade afetiva e estimuladora são fatores que

lhe estabelece o clima necessário ao próprio

florescimento das individualidades. O isolamento

motivado pela timidez ou pelo egoísmo é sempre

definhante, quanto à luta em conjunto é a vereda por

onde transitam todos os sucessos”.(Assertiva da

Associação Francisco Lisboa)

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RESUMO

O tema do presente estudo é o surgimento e a legitimação da Associação de Artes

Plásticas Francisco Lisboa (AFL) dentro de um contexto de incentivo ao corporativismo e

ao sindicalismo, implementado no Brasil pelo Estado Novo. Para isso, a pesquisa analisa o

processo histórico da entidade a partir da sua criação, em 1938, até 1945, quando encerra a

ditadura de Vargas. Também verifica, a partir de obras dos artistas associados, a

interferência do projeto estado-novista na práxis artística e na entidade, principalmente no

que se refere ao fortalecimento do nacionalismo.

Paralelamente a essa análise, discute-se a afirmação da entidade como uma

instância de legitimação do sistema de arte Rio Grande do Sul. Nesse processo, verifica-se

uma negociação constante no campo cultural artístico com o Instituto de Belas Artes; única

estância reconhecida até então. Tal objetivo foi atingido, com a realização de seus salões e

a ausência de exposições promovidas pelo instituto.

A pesquisa considera que a associação sofreu interferência da política desenvolvida

nesse período. No entanto, soube utilizá-la em seu proveito e no de seus sócios, que

buscavam apresentar suas obras de arte para o campo cultural e artístico porto-alegrense e,

conseqüentemente, conquistar o reconhecimento.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1: Retrato de Carlos Gomes 79

Ilustração 2: Fotografia de Carlos Gomes 79

Ilustração 3: Retrato de Aleijadinho 81

Ilustração 4: Retrato de Gal. Daltro Filho 83

Ilustração 5: Retrato do Exmo. Snr. Dr. Getúlio Vargas 84

Ilustração 6: Moeda de 300 réis de Carlos Gomes 86

Ilustração 7: Moeda de 400 réis de Getúlio Vargas 86

Ilustração 8: Cédula de 10 réis de Getúlio Vargas 86

Ilustração 9: Selo comemorativo dos 50 anos da União Pan- Americana, Getúlio e

Roosevelt 86

Ilustração10: Cartaz do DIP 87

Ilustração11: Livros produzidos pelo DIP 87

Ilustração12: Capa da Revista do Globo, ed.221 87

Ilustração13: Fotografias de Getúlio, sendo vendidas por ambulante 87

Ilustração14: S/título 92

Ilustração15: Fotografia do negro 92

Ilustração16: S/título 93

Ilustração17: Fotografia da Senhora negra 93

Ilustração18: Estudo de Cabeça 95

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Ilustração19: S/título 96

Ilustração20: Artista Marajonara 99

Ilustração21: Boiúna 100

Ilustração22: Capa da Revista do Globo, nº 244 102

Ilustração23: Anúncio da Revista do Globo, nº 222 102

Ilustração24: Capa da Revista do Globo, nº 245 102

Ilustração25: Anúncio da Revista do Globo, nº 259 102

Ilustração26: S/título 104

Ilustração27: Teatro São Pedro 104

Ilustração28: S/título 106

Ilustração29: Bispado 106

Ilustração30: S/título 107

Ilustração31: Rua da Praia, entre a rua do Rosário e a Santa Catarina 108

Ilustração32: S/título 109

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LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS

Tabela nº1: Os artistas que participavam dos Salões da AFL e do IBA. 122

Tabela nº 2: Os temas relacionados com as obras expostas nos salões da AFL 128

Tabela nº 3: Os ilustradores da Revista do Globo que participavam dos salões 138 da Chico Lisboa e que preservavam a gravura. Tabela nº 4: As datas dos salões da Chico Lisboa e do IBA. 142

Gráfico: As técnicas desenvolvidas nas obras expostas nos Salões da AFL 137

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SUMÁRIO

LISTA DE ILUSTRAÇÕES 7

LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS 9

INTRODUÇÃO 12

1-A CONTRIBUIÇÃO DA DOUTRINA CORPORATIVISTA E SINDICALISTA DO ESTADO NOVO PARA A ESTRUTURAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO FRANCISCO LISBOA – AFL 24

1.1-FUNDAÇÃO: ASSOCIAÇÃO FRANCISCO LISBOA 25

1.2-IMPLATAÇÃO DO ESTADO NOVO 30

1.3-A ASSOCIAÇÃO FRANCISCO LISBOA SOB A ÉGIDE DO CORPORATIVISMO E DA SINDICALIZAÇÃO 33

2- A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL PELO VIÉS

ARTÍSTICO 52

2.1- A POLÍTICA CULTURAL NO ESTADO NOVO 54

2.1.1- Veículos de Cooptação e Coerção 55

2.1.2- Intelectuais no Estado Novo 59

2.1.3- As Artes Plásticas 64

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2.2- A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL NO ESTADO NOVO 67

2.2.1- Associação Francisco Lisboa: As Imagens da Identidade Nacional 76

2.2.1.1- A construção dos Vultos Históricos 77

2.2.1.2- Negros e Índios 91

2.2.1.3-Paisagem Urbana 103

3-O PAPEL SOCIAL DA ASSOCIAÇÃO FRANCISCO LISBOA 115

3.1- SALÕES QUE ANTECEDERAM O SALÃO DA AFL 116

3.2- OS SALÕES: ASSOCIAÇÃO FRANCISCO LISBOA 119

3.2.1- Salão de Arte Moderna 129

3.2.2- Aspectos Gerais dos Salões 133

3.3- O PAPEL DA ASSOCIAÇÃO FRANCISCO LISBOA: INSTÂNCIA DE LEGITIMAÇÃO E CONSAGRAÇÃO 139

CONCLUSÃO 150

REFERÊNCIAS BIBÇIOGRÁFICAS 157

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INTRODUÇÃO

A Associação de Artes Plásticas Francisco Lisboa (AFL) tem seu nome ligado aos

salões realizados entre os anos de 1938 a 1942, em Porto Alegre, retornando a sua

realização na década de 50. A ativação artística desencadeada por seus sócios constitui-se

num dos marcos referenciais para a estruturação do sistema de arte na capital gaúcha.

Apesar de ainda manter-se em funcionamento, perdeu a proeminência adquirida no campo

cultural artístico naquelas décadas.

A AFL surgiu em 1938, fruto da união dos ilustradores que trabalhavam na Seção

de Desenho da Livraria e Editora Globo. Neste momento, ainda não havia um sistema de

arte consolidado no Rio Grande do Sul, tendo em vista a atuação de apenas uma instituição

de ensino. O Instituto de Belas Artes (IBA) firmava-se como a única instância legitimadora

do sistema consagrador de artistas.

Os ilustradores da Editora do Globo buscavam, com a associação, adquirir o

reconhecimento artístico, apesar de não terem formação no IBA. Suas práticas artísticas

estavam ligadas principalmente às artes gráficas. Pelo Fato do sistema de arte ainda não

estar consolidado, a Seção de Desenho da Editora do Globo desempenhou um papel

importante na garantia de trabalho e de sustento econômico para esses artistas.

Fora à atividade docente no Instituto, a alternativa existente para os artistas era a

Seção de Desenho da Editora. Embora não oferecesse um ensino erudito e sistematizado,

exercia papel importante na formação artística. A produção dos ilustradores atendia as

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demandas da empresa, com propostas modernizantes, atualizando-se freqüentemente, com

a aquisição de novos materiais e a admissão de funcionários.

A editora começou a estruturar-se em 1922, quando contratou Ernst Zeuner1, que

tinha formação gráfica. Com o crescimento da empresa, em 1929, o ilustrador criou a

Seção de Desenho, sob sua coordenação. Foram contratados novos funcionários2 para a

execução das atividades gráficas, sendo que alguns tinham vínculo empregatício e outros

eram contratados como colaboradores.

Zeuner ministrava aulas e oficinas para os ilustradores da Seção de Desenho, pois

eles não produziam apenas ilustrações. Realizavam diversas técnicas, gauche sobre papel,

gravuras e desenhos para publicações da editora e outros periódicos3 (RAMOS, 2002).

Também fazia circular pela secção as revistas Techniques Graphiques, francesa, e

Geuraiechgrphik, alemã, para que os funcionários tivessem conhecimento de outras

produções, partindo destas para a criação, sem plagiar.

As ilustrações de Zeuner primavam pelo realismo do cotidiano, mas não eram

voltados para a crítica social. Sua produção artística incentivou muitos ilustradores que

trabalharam com ele, seguindo esse tipo de produção. O ilustrador alemão atualizou a

produção gráfica, relacionada com as capas de livros e semanários. Fez com que a Secção

de Desenho utilizasse as ilustrações ao longo do texto, fazendo uma junção entre eles. A

1 Karl Ernst Zeuner nasceu em 1895, em Zwickau, na Alemanha. Estudou alguns anos com Robert Hilping, em Leipzig, e depois ingressou na Academia de Artes Gráficas na mesma cidade. Lutou na Primeira Guerra Mundial, sendo estimulado a sair da Alemanha, pela Recessão e dificuldades que o país passava no pós-guerra. Optou pelo Brasil por ter parentes no Rio de Janeiro. Nesse Estado, percorreu várias editoras a procura de emprego na área gráfica, até que soube que no Rio Grande do Sul havia uma revista voltada para esse tipo de trabalho e, além disso, haviam alemães na região. No primeiro momento, foi contratado para criar folhetos, cartazes, calendários, cartas, selos de imposto, bilhetes de loteria estadual, rótulos de produtos industrializados, mapas cartográficos e desenhos de natureza técnica. (RAMOS, 2002) (GUIDO, 1957) 2 Os primeiros artistas a trabalhar na Secção de Desenho: João Fahrion, Sotero Cosme, Francis Pelicheck e José Rasgado. Mais tarde, vieram a compor o quadro de funcionários: Edgar Koetz, Vitório Gheno, Nelson Boeira Faedrich, Edla H. da Silva, Gastão Hofstetter, Armando Arnildo Kuwer, João Mottini, Honório Nardim, Jayme Tongel e João Faria Viana. (KERN, 1981) (SCARINCI, 1982) (RAMOS, 2002) 3 A editora do Globo produzia, entre outras, a Revista do Ensino, publicada pela Secretaria da Educação e Cultura do Estado do Rio Grande do Sul. (RAMOS, 2002)

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revista, as publicações e livros tinham circulação nacional, divulgando as ilustrações dos

artistas que trabalhavam na editora.

Os artistas, no entanto, buscavam afirmação artística junto à sociedade. Para

atender esse propósito fundaram a Associação de Artes Plásticas Francisco Lisboa. A

entidade integrou os ilustradores da Editora do Globo, artistas e autodidatas, que se

sentiam marginalizados e fora do sistema de arte, representado até então pelo Instituto de

Belas Artes (IBA).

O surgimento da AFL coincidiu com a implantação no Brasil de um regime forte,

autoritário e com propostas modernizadoras, baseadas nas idéias de restauração do país e

de construção de uma identidade coletiva. A implantação do Estado Novo com suas

políticas beneficiou diversos setores da sociedade brasileira, incluindo o campo cultural e

artístico, a partir do respaldo financeiro da produção escrita, exposições, feiras populares,

bolsas de estudos para artistas e encomendas de obras de arte.

O regime estado-novista não apenas supriu a necessidade do meio artístico e

cultural, como, também, utilizou-se da proposta difundida na década de 20; um projeto

calcado no ideal nacionalista, que convinha para o governo, pois o fortalecia, como

destacou Lúcia Lippi Oliveira (1982). O regime engajou-se na proposta da valorização das

tradições brasileiras, buscando momentos da história do país que contribuíssem para a

construção da nação. Como afirma Ramos (2002), era preciso descobrir valores que

sustentassem e fortalecessem a identidade brasileira, como os índios, a natureza e a

idealização de um passado heróico; sendo que esses aspectos deveriam ser compreendidos

para auxiliar na sustentação do regime.

O governo getulista buscava construir um Estado forte, centralizado e

principalmente uma Nação. O país encontrava-se dividido pela política local,

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principalmente pela estrutura patriarcal, que prejudicava a construção da unidade, como

destaca Lauerhass (1986). O fortalecimento do poder central ocorreu a partir de estratégias

de desestruturação do regionalismo político, eliminando com os privilégios oligárquicos

regionais. O Estado Novo queria acabar com os interesses dos estados, mantendo apenas os

interesses nacionais, que seriam iguais para todos. Para isso, construiu um discurso de

homogeneidade, o que era difícil na prática, devido às diferenças regionais existentes no

país. Os Estados, portanto, deveriam servir aos interesses da Nação e não às necessidades

particulares e locais.

A política patriarcal, fortalecida pelas estruturas regionais, era outro fator que

dificultava o projeto de constituir a unidade e a identidade nacional. O governo Vargas

propôs, então, superar a identidade primária, a identidade básica da família, ou clã, herdada

do século XIX. O brasileiro do interior, principalmente, pensava a partir dos interesses

particulares do coronel, que era o substituto do velho senhor do engenho e presidia a

família patriarcal. Essa estrutura beneficiava a autoridade do senhor, em detrimento das

grandes necessidades sociais. Conforme Joseph Love (1975, 126):

“O coronel era o líder local do partido oficial em seu Estado; cabia-lhe a função de apresentar o número de votos consignados – e impedir a oposição a votar. O coronel quase sempre aliciava os eleitores de seu distrito mediante favores pessoais, conseguindo-lhes emprego, arranjando-lhes empréstimos ou simplificando processos burocráticos. Caso o aliciamento não desse resultado, recorria à violência e à fraude para atingir suas quotas de votos, usando a força de homens armados e pessoalmente leais. Em troca dos votos apresentados pelo seu município (ou grupo de municípios), ao coronel era dado o controle do patronato local, que compreendia certos cargos no ‘funcionalismo público’, tais como professor.”

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Essa mentalidade, de certa maneira, impedia o contato do homem com o Estado; de

organizá-lo de acordo com políticas propostas de bem-comum, voltado para construção de

uma identidade coletiva. Segundo Almir de Andrade (1940, 107):

“Para contrabalançar a tendência ‘localista’, regionalista, que se formara no brasileiro por influência da autoridade direta do chefe da família patriarcal, a experiência histórica mostrara que havia um meio: a centralização do governo, o fortalecimento do poder central, como princípio de equilíbrio e neutralização dos regionalismos.”

Os interesses pessoais dos coronéis e caudilhos do interior prevaleciam sobre os

interesses gerais, pulverizando o governo. Buscando superar esta organização, o Estado

Novo abafou culturas regionalistas, que não estavam de acordo com os preceitos do

regime. Isso foi de encontro ao seu discurso anterior. Na Revolução de 30 havia apoio ao

regionalismo, com objetivo de unir as diferentes facções políticas do RS em prol da

Revolução Nacional. O autor Jakzam Kaiser (1999) salienta que Getúlio, ao tomar o poder,

trajou por muito tempo as vestes típicas do gaúcho. Mesmo assim, a bandeira e o hino do

estado foram proibidos, sendo incinerada com as outras vinte bandeiras estaduais. Como

relata Ludwig Lauerhass (1986, 84): “De qualquer maneira, porém, o regionalismo estava

realmente no centro de toda a crise de sucessão presidencial que provocou diretamente a

revolução.”

Dentro do projeto de superação do regional, o regime estado-novista impôs diversas

políticas voltadas para a formação da unidade do país, como o incentivo ao corporativismo,

à sindicalização, à modernização, com a proposta de formar uma nação urbana e industrial.

Também, visava a construção de uma identidade nacional, através da reconstrução da

história oficial, investindo na educação e na cultura.

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O Estado Novo, através do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico e Nacional4

(SPHAN), buscou na história brasileira a legitimação do nacionalismo, utilizando-se de

personagens históricos para implementar suas propostas políticas. Até mesmo a Revolução

Farroupilha ganhou outra conotação nesta época. Segundo Russomano (1992), os farrapos

teriam a concepção que a revolução era o anseio de brasilidade, pois queriam exibir que

eram brasileiros, mesmo sendo gaúchos. Tudo que fosse fortalecer a construção da

nacionalidade, mesmo que alguns aspectos fossem manipulados, acabaram sendo

aproveitados pelo governo.

Os intelectuais, também, constituíram um dos principais suportes do Estado Novo,

para a construção da identidade nacional. Como afirma Daniel Pécault (1990), o Estado era

apresentado como representante da identidade cultural brasileira, tendo o propósito de

realizar a unidade orgânica da nação. Para atingir esse propósito recorreu aos intelectuais.

A esses pesquisadores foi incumbido o trabalho de buscar no passado as raízes históricas

da cultura brasileira.

A Associação Francisco Lisboa estava inserida neste processo de implantação da

política estado-novista e, indiretamente, sofreu interferência da política do regime, como o

setor artístico em geral. Sua fundação aconteceu num momento em que o governo getulista

incentivava o corporativismo e o sindicalismo, assim como a reconstrução das tradições

históricas do país.

Partindo deste contexto, foi delimitado o período de pesquisa e análise da AFL

entre os anos de 1938 a 1945. O marco inicial, 38, refere-se à fundação da entidade,

seguindo até 45, ano em que termina o Estado Novo. No entanto, a pesquisa concentra-se

4 SPHAN começou experimentalmente a funcionar em 1936, com a lei nº 378/37, ele passa a integrar oficialmente o Ministério da Educação e Saúde (MES). (FONSECA, 1997)

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nas atividades que a Associação desenvolveu entre esses anos, principalmente os salões. A

partir do contexto e da delimitação temporal, os objetivos dessa pesquisa se constituem:

- verificar as interferências da política estado-novista de incentivo ao

corporativismo e à sindicalização na criação e estruturação institucional da AFL;

- averiguar como a AFL colaborou na construção da identidade nacional no Estado

Novo, a partir do levantamento da produção artística dos artistas sócios da Associação,

João Faria Viana, Edla Hofstetter, Edgar Koetz e Gastão Hofstetter;

- apresentar e analisar o papel desempenhado pela AFL, em Porto Alegre, no

período de 1938 a 1945, a partir dos salões organizados pela entidade e da crítica de arte,

sendo que os mesmos contribuíram para a consolidação e legitimação da entidade no

sistema de arte.

O corpus teórico-metodológico do trabalho foi definido a partir de revisão

bibliográfica, que se apresentou escassa em relação à associação. Existem poucos livros

que abordavam a entidade. As referências encontradas constituem apenas sub-capítulos, ou

mesmo trechos. A tese Les Origenes de La Peinture Moderniste au Rio Grande do Sul, de

Maria Lúcia Bastos Kern, apresenta as preocupações estéticas da pintura modernista de

1922 até 1955 no sistema de arte do Rio Grande do Sul, contextualizando a discussão nas

perspectivas históricas, sociais e políticas. Divide a análise em três períodos distintos: o

primeiro (1922-1938) aborda a cultura regional e o espaço ocupado pela pintura no estado,

que ressaltava os preceitos clássicos humanista. Já no segundo período (1938-1945)

apresenta a resistência à arte moderna entre os artistas, a produção e a sociedade sulina. Na

última parte (1945-1955), expõe a abertura ao modernismo na investigação pictórica e sua

práxis no espaço industrial; apontando também à diferença dos centros hegemônicos.

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Aborda as concepções artísticas da AFL a partir das suas atividades e do seu envolvimento

no campo de arte.

No livro Gravura no Rio Grande do Sul de Carlos Scarinci, é apresentado o

desenvolvimento histórico da gravura no Rio Grande do Sul entre 1900 e 1980. Inicia

destacando os precursores da gravura rio-grandense, para depois abordar as instituições

criadas a partir desta atividade importante para a História da Arte sulina. A Associação

Francisco Lisboa está inserida num capítulo do livro, junto com os salões. O autor faz isso

porque a associação realizou diversos salões próprios e de instituições, como o da Câmara

Municipal de Porto Alegre.

Ainda há outras bibliografias, que se mostraram relevantes, para a reconstrução da

história da Associação Francisco Lisboa nesse período e para linha de pensamento

desenvolvida, de acordo com as questões analisadas em cada objetivo.

A dissertação foi estruturada em três capítulos, denominados e abrangendo as

seguintes questões:

- A contribuição da doutrina corporativista e sindicalista do Estado Novo para a

estruturação da Associação Francisco Lisboa. O capítulo inicia com a descrição da

fundação da AFL. A partir disso, apresenta o contexto em que ela surgiu, período de

implantação do Estado Novo; enfatizando a influência do corporativismo e sindicalismo na

criação da Associação.

Para discutir esses dois conceitos foi utilizado o pensamento de Oliveira Viana, que

por muito tempo teorizou essas questões. Além disso, prestou serviço ao governo e

influenciou diretamente na organização do pensamento estado-novista. Viana sistematizou

os conceitos, partindo do pressuposto que a sociedade brasileira alcançaria a

modernização, quando estivesse organizada em grupos, unidos por objetivos comuns. A

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partir desta concepção de corporativismo, os grupos representariam os interesses dos

indivíduos. Defendia também que o indivíduo poderia integrar diversas corporações e esta

não precisaria, necessariamente, ter uma base sindical.

O sindicalismo organizado, para Viana, colaboraria para a harmonia da sociedade

brasileira. Esse novo sindicalismo não teria a pretensão da luta de classes e muito menos da

reforma social. Teria o intuito de organizar a consciência coletiva, a solidariedade social e

a noção do bem comum para sua categoria ou profissão. Tanto as propostas de

corporativismo, como a de sindicalismo, estavam de acordo com o espírito nacionalista

desenvolvido pelo Estado Novo.

- A construção da Identidade Nacional pelo viés Artístico. Neste segundo capítulo,

são abordadas diversas questões que contribuíram para a construção da identidade

brasileira no período estado-novista. Num primeiro momento, apresenta-se a política

cultural do regime, dividida em veículos de cooptação e coerção, intelectuais e as artes

plásticas. Mostra-se como agiram para contribuir, indiretamente, com o projeto do

governo. Além disso, apresenta como se deu a construção da identidade nacional no Estado

Novo e, também, como isso está expresso nas obras dos artistas da AFL. Essas foram

divididas em três grupos, de acordo com suas temáticas, relacionadas ao contexto da

época: vultos históricos, negros/e índios, e, ainda, aspectos arquitetônicos.

Nesse capítulo, o conceito trabalhado é o de identidade nacional. O Estado Novo,

com o objetivo de integrar a nação brasileira, transformando-a numa unidade, desenvolveu

uma política de construção da identidade nacional. Para essa discussão, foi utilizado o

conceito definido por Stuart Hall, que parte do pressuposto que a identidade não nasce

intrínseca à sociedade, sendo construída num processo longo, com o intuito de formar a

unidade no país. Para forjar essa construção, foram buscadas no passado as tradições

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cabíveis para o presente. Os indivíduos internalizam essas histórias, fazendo com que elas

sejam parte integrante das suas origens.

- O Papel Social da Associação Francisco Lisboa. O último capítulo inicia com os

salões, realizados em Porto Alegre, que antecederam o primeiro salão da Associação

Francisco Lisboa. Em seguida, abordam-se os salões organizados pela entidade, dividido

em três momentos: os quatros primeiros eventos da AFL; o salão de arte moderna, que foi

organizado pelos sócios da entidade, mas não leva o nome desta; e uma análise geral

desses salões, examinando graficamente as categorias artísticas desenvolvidas, a posição

que os artistas tinham em relação à produção e a participação dos jurados. Todos esses

momentos e análises respaldados pelas críticas de Aldo Obino, publicadas no Jornal

Correio do Povo. Partindo disso, será analisado, também, o papel social da AFL como uma

instância de legitimação e consagração.

Devido a Associação Francisco Lisboa tornar-se uma instância do sistema, foi

utilizado o conceito de Pierre Bourdieu. Para o teórico, o sistema de arte constitui-se da

relação entre diferentes instâncias de produção, reprodução e de difusão de bens

simbólicos. Além disso, coloca como o campo de produção se constitui em um sistema de

arte, a composição dessas instâncias e a ocorrência da disputa entre as instituições para

legitimarem-se.

Para a construção do processo de desenvolvimento da AFL, foram utilizados os

documentos da entidade, como as atas de reuniões dos sócios, que compreendem os anos

de 1938 a 1979. Também se teve acesso a sua certidão, seu regulamento e os catálogos dos

salões. Além disso, foram realizadas entrevistas, pelo método da História Oral, com artistas

que integraram e integram a Associação. Os depoimentos foram importantes para serem

contrapostos aos documentos da entidade.

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As críticas de arte de Aldo Obino, publicadas no Jornal Correio do Povo, foram

significativas. Nessas, foram aplicadas análise de conteúdo, a partir de Roque Moraes. O

método inicia com a seleção do corpus documental, realizando nesse a desconstrução do

texto em tópicos, que serão transformados em unidades de contexto. Partindo deles,

retiram-se do texto questões relacionadas à unidade, construindo outra síntese, denominada

unidades de registro. De acordo com essa unidade, se faz a categorização e, a partir desta, a

descrição de cada categoria, construindo assim um meta-texto.

A partir dos catálogos dos salões, realizou-se o levantamento da produção artística

da Associação Francisco Lisboa, de acordo com o objetivo proposto. Devido à dificuldade

de encontrar os trabalhos dos sócios, foram selecionadas e analisadas as obras encontradas,

que são as dos artistas João Faria Viana, Edla Hofstetter Silva, Edgar Koetz e Gastão

Hofstetter.

As imagens foram analisadas conforme o método proposto por Maria Alice Milliet

em seu livro Tiradentes: O Corpo do Herói. A autora faz uma análise formal das obras,

buscando responder questões que estão colocadas no quadro. Além disso, utiliza o

contexto em que a obra foi produzida, a biografia e os estudos do artista antes da produção

da obra, a literatura, selos, moedas, cédulas de dinheiro, documentos da época, entre

outros, que mostram se a obra foi encomendada ou não. Também, compara com outras

obras, estabelecendo conexões.

A maior parte das imagens foi produzida a partir de fotografias, com isso foi

utilizado também o estudo de Philippe Dubois sobre o ato fotográfico. Dubois analisa o

processo fotográfico, partindo do ato constitutivo; ou seja, da produção até a difusão,

qualificando a fotografia como um dispositivo codificado, que precisa de interpretação,

pois ela transmite uma realidade aparente e uma interna. Constitui-se, com isso, numa

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imagem indiciária, dotada de um valor singular e particular, porque apresenta um traço do

real.

O presente trabalho propõe, portanto, reconstruir a história da Associação de Artes

Plásticas Francisco Lisboa, na época do Estado Novo, quando manteve uma participação

ativa no campo de arte e disseminou de maneira indireta a ideologia do regime. Além

disso, referir a sua participação na legitimação de vários artistas e no fortalecimento do

emergente sistema de arte sulino. A história dessa entidade é significativa para o contexto

artístico no Rio Grande do Sul.

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1-A contribuição da doutrina corporativista e sindicalista do Estado Novo para a estruturação da Associação Francisco Lisboa

A Associação de Artes Plásticas Francisco Lisboa (AFL) foi criada em 1938, tendo

como objetivo, reunir um grupo de artistas que se encontravam marginalizados pelas

instâncias oficiais porto-alegrenses. Propunham uma entidade para lutar por seus ideais e,

sobretudo, conquistar o seu reconhecimento.

A união do grupo de artistas foi influenciada pela política implementada pelo

Estado Novo de incentivo às agremiações, associações e aos sindicatos. De acordo com a

Constituição de 1937, Artigo 128º: “- A arte, a ciência e o ensino são livres à iniciativa

individual e a de associações ou pessoas coletivas públicas e particulares”. O Estado não

obrigava, mas incentivava às agremiações. De acordo com Ângela Gomes (PANDOLFI,

1999), tanto as regras legais, como a ideologia política, eram maneiras de controlar os

conflitos sociais, tendo distintas maneiras de exercício, utilizando-se para isso da coesão e

a coerção.

Nesse capítulo, será apresentada a influência que os artistas oriundos da Revista do

Globo tiveram da política implementada pelo governo de Getúlio Vargas, voltada para o

corporativismo e sindicalismo. No primeiro momento serão abordados a fundação da

Associação, seus objetivos, o contexto local e brasileiro em que ela se inseria, com a

finalidade de analisar, em seguida, a influência da política de incentivo ao corporativismo e

ao sindicalismo estadonovista para a fundação da entidade.

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Como referência teórica, foi utilizado Oliveira Viana. O pesquisador abordou em

seus estudos, a questão corporativista e sindicalista. Além disso, durante o governo

provisório de Vargas ele integrou as comissões técnicas do Ministério do Trabalho, com

função de elaborar e sistematizar a legislação social e trabalhista. Também foi consultor

jurídico do mesmo ministério entre os anos de 1932 a 1940.

1.1- FUNDAÇÃO: ASSOCIAÇÃO FRANCISCO LISBOA

A Associação Riograndense de Artes Plásticas Francisco Lisboa (AFL) foi criada

em 1938, num encontro de artistas5 no Bar Humbertus, localizado na rua Alberto Bins,

esquina com a Dr. Flores, em Porto Alegre. A maior parte dos artistas fundadores era

oriundo da Revista do Globo6, onde faziam ilustrações da revista e de capas de livros da

editora.

De acordo com Vitório Gheno7, o grupo que se formou dentro da Revista do Globo

tinha o hábito de se reunir em bares, para discutir as questões que os inquietavam,

5 Os artistas fundadores são João Faria Viana, Carlos Scliar, Mario Mônaco, Edla Silva, Nelson Boeira Faedrich e Gastão Hofstetter. No Mesmo ano ingressam Guido Mondim, João Fontana, Arnildo Kuwer Kendler, João Fahrion, Judith Fortes, José Rasgado Filho, Gustav Epstein, Mário Berhauser, Júlia Felizardo e Romano Reif. 6 A Editora Livraria do Globo criou, em 1929, a Revista do Globo, por sugestão de Getúlio Vargas, que participava das reuniões no estabelecimento. A revista surgiu com a proposta de ser um aparelho de recepção e transmissão da cultura, no Estado. No editorial da primeira edição, Mansueto Bernardi, ressaltava: “... a revista ambiciona ser um aparelho de recepção e transmissão, no Estado, de todas as ondas notáveis do pensamento contemporâneo. Revista do Globo, porque se propõe registrar e divulgar, com auxílio da Livraria do Globo, tudo o que o Rio Grande houver e doravante ocorrer digno de registro e divulgação. E, ainda Revista do Globo porque deseja constituir uma ponte de ligação mental e social entre o Rio Grande e o resto do mundo. (...) A Revista do Globo não poderia deixar de significar neste seu primeiro número, em que surgiram tantas dificuldades de qualquer ordem, a sua gratidão verdadeira a dois homens eminentes pelas qualidades de caráter e prestígio político - o Presidente do Estado, Dr. Getúlio Vargas, e o esforçado Secretário Oswaldo Aranha. Nasceu à sugestão de se fundar uma revista moderna e digna de nosso ambiente cultural de uma palestra entre ambos...”. (Revista do Globo, edição 1, nº 1, p.5-7). 7 Entrevista concedida pelo artista à pesquisadora Cláudia Campos, no dia 09 de outubro de 2003.

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principalmente, a pequena oportunidade de realização de exposições na capital gaúcha. O

grande objetivo do grupo naquele momento era apresentar sugestões e trocar idéias para

fundação desse núcleo de “cultivadores da superior arte pictórica”.8

A entidade surgiu com propósito de reunir e agregar os artistas sulinos e

interessados em arte, pessoas que não eram reconhecidos como artistas e exerciam outra

profissão. Deste modo, todos que praticassem atividades artísticas poderiam associar-se. A

AFL não impunha aos seus associados, o critério de competência, isto é, que fossem

exímios na práxis artística ou artista já consagrado. Também proporcionava o ingresso de

associados de outra nacionalidade.

O grupo constitui-se, portanto, para estabelecer um movimento em prol dos artistas,

representando-os e defendendo seus ideais de reconhecimento das artes plásticas não

convencionais no campo cultural e artístico de Porto Alegre; tal como a literatura se impôs,

sendo consagrada no meio intelectual local e fora do Estado. Naquele momento, o Instituto

de Belas Artes do Rio Grande do Sul (IBA) liderava o emergente e frágil campo de arte,

definindo as concepções artísticas que poderiam ser legitimadas. Os professores do IBA,

também, atuavam como críticos de arte nos jornais, destacando as realizações, eventos e

obras dos próprios mestres. Ângelo Guido, era um dos que, exerciam esse papel,

escrevendo no jornal Diário de Notícias.

A associação vinha sendo pensada há muito tempo, para defender os direitos dos

seus integrantes no campo cultural e artístico. Isso se tornou possível, após a implantação

do Estado Novo, por ser uma época voltada para o incentivo às artes. Gláucia Ramos

(1992) destaca que o regime estado-novista patrocinava algumas exposições e feiras

populares, sendo que a temática da produção dos artistas deveria estar de acordo com os

8 É como se define o grupo, na primeira ata de reunião da AFL, de 09 de agosto de 1938.

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temas e motivos, relacionado com a idéia de nação construído pelo governo. Como relata

Vitório Gheno, o nome da Associação surgiu da idéia de um artista cuja obra na época

estava sendo muito valorizada pela história da arte brasileira. Segundo Gheno (2003, 2):

“Na época considerávamos o maior artista brasileiro, melhor escultor da América...”.

A consagração de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, e de vários outros

personagens brasileiros foi reforçada com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional (SPHAN) em 1930. O governo de Getúlio Vargas, através desse órgão,

buscava as raízes da brasilidade para a nova ordem e estabelecia um programa de

recuperação da memória nacional. Ao reverenciar Aleijadinho, evidenciava-se o que havia

de mais significativo no passado artístico do país, que era a arte colonial. Na obra de Mário

de Andrade (1993, 37), constatou-se essa veneração a Antônio Francisco Lisboa,

afirmando que: “... ele é o único escultor do seu tempo, capaz de trabalhar a pedra-sabão

com firmeza que esses trabalhos apresentam”.

Além disso, ele representava tudo que havia de brasileiro, um artista mulato,

nascido no Brasil, com uma técnica artística própria, sem ter estudado em academia ou

escola de Belas Artes européia. Como descreve Krawczyk (1997, 60):

A escolha do artista Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, como patrono e símbolo da entidade conduz a uma série de significâncias. Em primeiro lugar, a revalorização do barroco colonial pelo modernismo. Mesmo não sendo modernistas, os artistas da associação inevitavelmente são seduzidos pela redescoberta do barroco. Em segundo lugar, a ênfase na identidade nacional almejada pelo regime vigente, o Estado Novo, configurada simbolicamente pelos fundadores da Associação, no mulato do Brasil Colônia que, no século XVIII, reinventa, com traços originais, um estilo originário além-mar.

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O retorno à história nacional vinha sendo trabalhado desde os anos 20 por

intelectuais e artistas que tentavam diagnosticar a causa dos males brasileiros, como a falta

da tradição no país. Os modernistas serviram aos interesses do regime, compondo assim

um dos aparelhos ideológicos do Estado Novo. Isso ocorreu em função da convergência de

projetos de construção da cultura nacional, através do retorno às suas raízes. Muito desses

intelectuais foram convidados para trabalhar em órgãos do governo, como o SPAHN,

Ministério da Educação e Saúde (MES), revista Cultura Política, Departamento de

Imprensa e Propaganda (DIP). Em conseqüência do trabalho desenvolvido pelo Serviço do

Patrimônio Histórico, houve a mitificação de diversos personagens que participaram da

História do Brasil. Tais vultos contribuíram para a construção da nacionalidade brasileira,

projetada por Vargas.

Os mitos são elementos constitutivos de qualquer sociedade, estando incluídos na

narrativa da civilização. São encontrados nas histórias e nas literaturas nacionais, na mídia

e na cultura popular. Para Roland Barthes (1982), o mito é uma mensagem, um modo de

significação; ou seja, uma fala que pode ser constituída da maneira como se profere. Tudo

pode ser transformado em mito, sendo a história responsável por escolher e construir o real

em discurso. Barthes (1982, 132) afirma ainda que “... o mito é uma fala escolhida pela

história: não poderia de modo algum surgir da ‘natureza’ das coisas”.

A construção do mito para Lévi-Strauss ocorre a partir da utilização das tradições

lendárias para satisfazer as necessidades das comunidades e alcançar o que se projeta.

Constitui-se assim como uma criação fantasiosa da mente, contendo uma dicotomia entre o

bem e o mal. Os mitos são utilizados em qualquer sociedade, desde que a cultura e os

membros desta estejam convencidos de sua originalidade. Segundo Levi-Strauss (1978,

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68), “considerando o mito como se fosse uma partidura orquestral, escrita frase por frase,

é que o podemos entender como uma totalidade, e extrair o seu significado.”

O historiador Peter Burke (1994) segue a mesma linha de definição de Lévi-

Strauss, considerando o mito como uma história com significado simbólico. Há o triunfo

do bem sobre o mal, construindo heróis e vilões, que ganham conotação maior do que na

época em que viveram. Ele afirma ainda que o uso do termo mito é utilizado para definir

uma “história não-verdadeira”. No entanto, o que importa para Burke não é o mito em si,

mas o que é construído por ele, a partir de uma narrativa literária e da produção ligada às

artes plásticas.

Os mitos nacionais representam experiências partilhadas, as perdas, os triunfos, e os

desastres que dão sentido para uma organização social, onde sempre há o bem e o mal,

construindo assim a memória coletiva. Conforme Hall (2003, 51):

As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre a nação, sentidos com os quais podemos identificar, constroem identidades. Esses sentidos estão contidos nas estórias que são contadas sobre a nação, memórias que conectam seu presente com seu passado e imagens que dela são construída.

Assim, os mitos e memórias procuram dar um sentido para os grupos sociais. De

acordo com Catroga (2001), a memória não apenas une os indivíduos a grupos ou

entidades, mas também, na mesma vivência, constrói uma identidade coletiva. Definindo,

assim, uma história única para todos, ou seja, “o que nós fomos, nós somos e aquilo que

seremos” (20001, 35).

A memória auxília na construção dos mitos e esses passam a ser parte das

recordações dos indivíduos. A mitificação de uma personagem acaba se transformando

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numa instituição e sobrevive independentemente dos grupos que o criaram, preservando o

vínculo com a cultura de origem. Como coloca Milliet (2001,15-16):

Serve-se de fragmentos da história que converte em clichês para usá-los na construção mitológica. O mito inventa, não investiga.

Sobre o terreno fragmentado e movediço da história viceja o imaginário. As lacunas, às incógnitas, as suposições de uma historiografia (...) passível de controvérsia, enfim, toda a incerteza, ao contrário do que se poderia supor, facilita a criação do herói ao sabor das necessidades do momento, dos interesses políticos, das motivações ideológicas.

Os intelectuais brasileiros, para estruturar a história do país, construíram mitos dos

bandeirantes, tropeiros, índios heróicos, negros passivos, entre outros. Precisavam destes

personagens mitificados, para a construção de uma identidade coletiva, nacional,

auxiliando assim, na consolidação do Estado Novo. Como apresenta Lord Acton

(BALAKRISHANAN, 2000), o nacionalismo sacrifica algumas necessidades, como

liberdade e prosperidade, para fazer da nação o molde e a medida do Estado.

1.2- IMPLANTAÇÃO DO ESTADO NOVO

O país passava por um momento político de renovação, com a emergência de uma

nova política, que propunha terminar com o regime patriarcal e regionalista. De acordo

com Ângela Castro Gomes (1979), esses regimes da República Velha tinham uma forma

de organização ineficaz para o governo, porque afastava o Estado do povo. Com a

implantação do Estado Novo, o presidente Getúlio Vargas propagava um governo com a

finalidade de edificar a nação e cultivar o civismo. O novo regime proposto resultou, acima

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de tudo, da necessidade de integrar as instituições no senso das realidades políticas, sociais

e econômicas do Brasil, com intuito de constituir uma unidade. Na ótica do governo, o país

necessitava de salvação dos problemas que a nação vivenciava desde governos anteriores.

Mesmo que a Revolução de 30 tenha posto fim à aliança café-com-leite e à política

dos governadores, o país mantinha ainda uma economia calcada na exportação do café, que

estava em crise desde antes do golpe. Com o final da Primeira Guerra Mundial e a quebra

da bolsa de Nova York, em 29, houve uma radicalização na política e na economia

internacional. O café não mais encontrava mercado, tendo que ser estocado. O preço e o

volume deste produto para exportação diminuíam, enquanto aumentava a importação de

outros manufaturados. Como resultado, o governo foi obrigado a emitir papel-moeda e,

além disso, recorrer aos empréstimos internos, com a finalidade de cobrir os déficits

orçamentários. Apesar da inflação crescer cada vez mais, fortalecia-se a expansão da

indústria da construção civil e de outros produtos.

Mesmo Getúlio Vargas tendo o respaldo da constituição de 34, o clima era tenso no

país. Além das questões econômicas, em âmbito internacional ocorria a ascensão do

nazismo na Alemanha, do fascismo na Itália, a guerra Civil Espanhola e o stalinismo na

União Soviética. Essas ideologias influenciaram muitos grupos no Brasil, sobretudo,

imigrantes europeus, provocando entre 1930 e 1937 grandes conflitos políticos entre

defensores de direita e de esquerda. Para o governo getulista, o fenômeno se tornou

favorável, pois contribuiu para que ele se mantivesse no poder, possibilitando um outro

golpe.

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Vargas deixou desenrolar-se a campanha eleitoral para sua sucessão, utilizando

como estratégica o plano Cohen9, forjado pelo governo, para desencadear um outro golpe.

Em nome da Segurança Nacional, contra o plano, conseguiu obter do Parlamento a

decretação do estado de guerra e a implantação do Estado Novo. Como afirma Campos

(2001, 72):

O dia 10 de novembro não inventou um sentido nem forçou uma diretiva política ao país. Apenas consagrou o sentido das realidades brasileiras. Aceitou, exprimiu e fortaleceu, defendendo-o contra desvios perigosos, o rumo traçado pela evolução e que, de certo modo, já se manifestava, mesmo no antigo regime, como expressão da própria vida social, cujas energias não se deixam contrariar pelas fórmulas, quando estas faltam ao seu destino de configurá-las e discipliná-las.

Assim Getúlio Vargas apresentou a nova Constituição, de caráter centralizadora,

redigida por Francisco Campos, que se utilizou alguns princípios integralistas. Eliminou a

autonomia dos Estados, passando a serem governados por interventores nomeados pelo

presidente, e, além disso, determinou o fim dos hinos e bandeiras regionais. Através do

decreto do dia 2 de dezembro, também, foi proibido o funcionamento dos partidos políticos

e abolido o direito das assembléias de representarem e defenderem a vontade popular,

passando essa premissa aos órgãos técnicos e as corporações que seriam os representantes

do povo e saberiam quais eram as necessidades sociais. Além disso, também propunha

desenvolver um modelo modernizador urbano-industrial nacional sob o controle do Estado,

e, também, pretendia a paz social, terminando com os conflitos registrados no movimento

sindical nos anos anteriores.

9 Era um plano falso que dizia haver uma ameaça comunista de tomar o poder, através da luta armada, que derrubaria Vargas e implantaria o comunismo no país.

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1.3- A ASSOCIAÇÃO FRANCISCO LISBOA SOBRE A ÉGIDE DO CORPORATIVISMO E SINDICALISMO

As idéias renovadoras do país não poderiam mais se desenvolver dentro da velha

ordem. Por isso, o Estado Novo buscou uma nova estrutura, com a proposta de modernizar

o país. Para Ângela Casto Gomes (1982), toda moderna concepção econômica, política

social estão calcadas no trabalho, sendo ele um princípio orientador de um Estado moderno

e democrático. A concepção desse programa deveria estar, portanto, vinculada com a

defesa, a representação e a dignificação do trabalho.

As propostas de renovação adquiriram um caráter nacionalista, estatizante e

corporativo, buscando atingir uma organização unitária do Estado. Para Oliveira Viana

(1951), a política estado-novista estava voltada ao amparo do homem brasileiro, ligada ao

ideal de justiça social e calcada no corporativismo e na sindicalização. As corporações

surgiram com um discurso oficial de serem controladoras da vida econômica e política do

país.

Joseph Love (1975) afirma que, Getúlio levou para o novo regime presidencial, as

formas de governo Estadual, que ele havia exercido: “... inegavelmente influenciado pelo

corporativismo, o aparelho burocrático para a organização e o controle dos sindicatos

pode ter tido uma fonte a mais direta de inspiração no Rio Grande do Sul”.

O Estado corporativo nasceu no Brasil, inspirado em doutrinas que estavam em

voga no exterior10, como forma de resistir e enfrentar a crise do liberalismo no país. O

10 O termo corporativismo apareceu no início do século XX, quando intensificaram os conflitos de classes gerados pelo capitalismo, em diversos países. Na Itália foi articulado na época de Mussolini. Para recuperar o sistema no seu país, substituindo o poder do chefe das corporações para o Estado, organizou os indivíduos em associações de classe. Desta maneira o governo teria mais controle social. A aplicação do corporativismo

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modelo liberal difundia uma política individualista, subjetiva e pagã, que não controlava o

capital, resultando na exploração do trabalho. Ao contrário disso, como destacou Oliveira

Viana, o Estado Novo procurou basear-se numa política humanista voltada para o bem

comum, realista e cristã, com intuito da construção da identidade nacional. Conforme

Evaldo Vieira (1981, 121): “O corporativismo representa um instrumento de organização

e controle da sociedade, significando ao nível da História Brasileira um componente

responsável pela legitimação do crescimento e domínio da burocracia estatal após 1930”.

Através das corporações, o regime rompeu com o liberalismo, não apenas para

promover a industrialização, mas para neutralizar, uma elite tradicional, dividida em

grupos, que se opunha a nova elite. Também, buscava amenizar o crescimento da pressão

da classe trabalhadora, insastifeita com questões sócio-econômicas, sendo capaz de

enfrentar o padrão por meio de greves gerais. Segundo Munakata (1981, 66):

A teoria corporativista tem como ponto de partida a constatação do caos em que mergulham as sociedades modernas. Este caos tem uma origem precisa: a desorganização da vida econômica pela ausência da moral profissional, traduzida em regras jurídicas positivas.

Assim, o corporativismo foi também uma resposta à chamada luta de classes. Não

ao conflito entre empregado e patrão, mas à falta de leis que regulassem as atividades

produtivas. Na corporação, os patrões e empregados formavam um grupo, com interesses

comuns, em defesa da atividade. As instituições corporativas colocavam no mesmo

patamar o patrão e o empregado, procurando desfazer o sentimento de inferioridade e o na Itália foi uma tentativa de não dividir a sociedade em proprietários e não-proprietários, ou seja, patrão e empregado.(COSTA, Vanda, 2000)

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espírito antipatronal. Segundo Vanda Ribeiro (1999, 28): “... patrões e operários ligados a

uma mesma função deveriam se reunir em uma mesma corporação para discutir suas

diferenças em relação a salários e condições de trabalho, com o objetivo de chegar a

acordos satisfatórios aos interesses de ambos”. Desta maneira, propunha integrar as

organizações profissionais, que mantinham autonomia, embora colaborassem com o

Estado sem fazer parte das instituições que o compunham.

Como refere Ângela Castro Gomes (1979,211), o princípio de cooperação, no

trabalho e na vida social, eliminaria os conflitos, estruturando uma sociedade ordenada e

harmônica. Fatores estes que fortaleceriam o governo central.

O Estado Novo, seguindo este modelo, definia-se como um regime democrático,

sem partidos políticos, tendo Getúlio como representante do poder e da nacionalidade. O

Argumento utilizado na época, como refere Vanda Ribeiro (2000), era que os partidos

políticos eram inúteis, sendo prejudiciais por dividir a nação, estimulando as lutas pelo

poder. Além disso, eram controlados pela elite, que não tinha a intenção de defender os

interesses do povo. A partir da implantação, pelo governo, de um tipo de corporação, que

não protegia os interesses de uns em detrimento de outros grupos, o povo teria seus direitos

assegurados. Para o regime, todas as corporações eram importantes para o

desenvolvimento econômico no país. Mesmo com interesses diversos, deveriam estar

subordinados aos interesses da nação.

Oliveira Viana (1938) defendia que a organização corporativa pode, ou não, ter

base nos sindicatos. No entanto, a Constituição de 1937 estruturou o corporativismo sobre

a estrutura sindical. Antes do Estado Novo, já haviam diversos sindicatos, mas não um

único por categoria. A ordem sindical, portanto, foi reorganizada a partir das premissas do

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corporativismo, implantado pelo Estado Novo. Com as corporações organizando a massa,

seria aprimorado o funcionamento da administração.

O corporativismo11, proposto por Oliveira Viana, estava ligado aos aspectos

políticos, administrativos e sociais, objetivando levar à conciliação das classes em especial.

Ele procurava atingir os setores públicos, burocráticos e sindicais, mas não o setor privado.

Através das corporações, Viana pretendia a privatização do Estado e, além disso, alcançar

a unidade e a organização nacional.

O Estado utilizava, então, o corporativismo para organizar a sociedade, a nação e

para representá-lo, impondo-se como forma de governo representativo. Como escreve

Daniel Pécault (1990), o corporativismo seria formado pelas redes institucionais, sendo

que os interesses múltiplos se articulariam por meio de conselhos técnicos e as elites,

diversificadas, encontrariam meios de coexistir no Estado. As corporações tinham,

portanto, a responsabilidade de transmitir os principais interesses nacionais. A organização

era o vínculo de mediação do Estado com o povo.

A concepção de Estado corporativo de Oliveira Viana era uma reação contrária à

liberal democracia (liberalismo)12. Para ele, o liberalismo proliferava as desigualdades e

injustiças sociais, cujo papel do Estado era o de corrigir. Acreditava que a nação era

incapaz de se organizar e manter autônoma, cabendo ao Estado organizá-la de acordo com

a vontade geral e, também, com os interesses sociais. Assim, o Estado deveria ser forte e o

único a estabelecer o ideal de ordem. Segundo Paulo Figueiredo (1983, 61-62): “... o

11 Vanda Costa (2000), apresenta a diferença entre o corporativismo medieval e o moderno. Sendo que o primeiro estava ligado ao privado, e o outro a esfera pública. Na época medieval o corporativismo era de fato uma associação privada. No Brasil Colônia, havia essas associações, que foram proibidas pela Constituição do Império. Já nos tempos modernos, principalmente no Brasil, as corporações foram reguladas pelo poder público. 12 O liberalismo incentivava as instituições representativas, tais como: organizações populares, sufrágio ampliado, governos representativos, partidos políticos e disputa eleitoral. Também, que as atividades políticas fossem substituídas por trabalhos técnicos em comissões e conselhos de grupos econômicos ou profissionais (D’ARAUJO,2000).

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Estado reflete a vontade da Nação organizada, como entidade viva, e o cidadão, tendo

lugar marcado dentro da organização nacional, dispõe de espaço livre para o exercício de

suas liberdades fundamentais”. Os indivíduos teriam espaço no Estado, através das

corporações, que mantinham o controle da sociedade, em benefício às ideologias do

governo. Conforme, Vieira (1981,117), os fundamentos do Estado Corporativo,

processavam: “... só há uma orientação possível ao Estado Autoritário: procurar as fontes

da democracia nas classes organizadas através dos seus órgãos mais legítimos de

expressão: associações profissionais, instituições sociais e corporações de cultura”.

A partir disso, constata-se que, no modelo corporativo, o indivíduo era identificado

como portador de interesses precisos e identificáveis. Desta maneira, compunha um grupo,

que possuía interesses coletivos.

A organização corporativista era voltada para o interesse da nação, sendo que seu

único objetivo era de atender os interesses de seus integrantes. As corporações deviam

garantir a liberdade de ingresso e não deviam buscar exclusividade, ou seja, o indivíduo

podia fazer parte de outras corporações. Baseado no pensamento de Oliveira Viana13, há

dois modos de corporações. As econômicas recebem funções de vida e subsistência da

nação. Essas produziam valores econômicos e consumiam valores espirituais. Já as não-

econômicas tinham funções sociais e culturais. Essas produziam valores espirituais e

consumiam valores econômicos.

A Associação Francisco Lisboa (AFL) insere-se no segundo modelo de corporação,

pois foi constituída por um grupo de artistas plásticos e não reconhecidos14, que possuíam

13 Viana baseou-se nos textos de Michael Manoilesco, para poder justificar seu pensamento teórico referente ao corporativismo. Conforme apresenta Aspásia Camargo (1989) as idéias defendidas por Manoilesco, era que através das corporações os indivíduos estariam associados, presos as relações funcionais ou profissionais. Sendo uma organização natural, fruto da divisão do trabalho. 14 A maior parte dos artistas sócios da Associação Francisco Lisboa trabalhavam como ilustradores da Seção de Desenho da Editora e Livraria Globo. Mesmo não tendo uma formação em escolas de Belas Artes, sendo

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os mesmos propósitos de proteção e defesa dos interesses relacionados com a atividade e a

criação artística e, ainda, o incentivo às artes. Também propunham preservar e garantir o

livre exercício da arte, assegurando ao artista a maior independência de pensamento e ação.

Com a realização de salões, buscaram apresentar sua produção artística para o público e

desta forma, atingir a legitimação e a consagração.

Além disso, os salões da AFL acabam constituindo uma instância de produção,

circulação, legitimação e consumo. De acordo com as críticas de arte de Aldo Obino, no

jornal Correio do Povo (1938), as obras expostas no salão eram vendidas. Isso demonstra

um interesse do público pela exposição e que os círculos de arte da capital receberam bem

o evento. A partir das críticas, percebe-se, também, que esta entidade artística atendia as

características propostas por Oliveira Viana, por produzir valores espirituais e promover o

consumo de valores econômicos.

Os artistas da AFL tinham interesses profissionais e artísticos comuns. Almejavam

a venda das obras expostas e o reconhecimento de seu trabalho. Foram esses ideais que os

uniram, criando uma entidade que os defendesse. Os interesses, embora coletivos, não se

confundiam com interesses particulares da sociedade como um todo, apesar de Scarinci

(1982, 62) salientar que:

“Os objetivos da nova entidade não podem ser definidos como uma tomada de posição de classe, mas sua criação coincide quase com a transformação da Associação Paulista de Belas Artes em Sindicato dos Artistas Plásticos (1937)...”.

que desenvolviam um trabalho voltado para as artes gráficas, xilogravura, litografia e desenhos para produção em série. Contava, também, com a participação de outros profissionais, como arquitetos, contadores, joalheiros; sendo que esses últimos dedicavam-se as artes por diletantismo.

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Entretanto, uma entidade de pessoas com uma mesma profissão, antes de ser um

sindicato, passa a ser primeiro uma associação, defendendo os mesmos ideais para

melhoria do todo. Mesmo que a AFL não estivesse voltada para questões econômicas e de

bem estar social diretamente, defendia e lutava por espaço artístico. Não apenas coincide

com a transformação da associação paulista, como de alguma maneira os artistas gaúchos

devem ter sido influenciado.

A Sociedade Paulista existia desde 1921 (Zanini, 1991), sendo um reduto

tradicional acadêmico, embora na época de sua transformação em sindicato contava com a

participação de artistas ligados ao Grupo Santa Helena. Em 1936, esses artistas

convocaram uma Assembléia Geral Extraordinária, que visava à transformação da

sociedade em órgão sindical. Isso acabou ocorrendo, em função do regime sindicalista

imposto pelo Estado Novo.

A sociedade paulista realizou diversos salões, mesmo após se tornar um sindicato.

Com a afirmação sindical, os artistas com uma pintura mais acadêmica perceberam logo a

concorrência dos modernos, sendo que o grupo aumentava a cada ano. Por volta de 1940,

compunham o conselho diretor e a comissão organizadora do Salão. Importante destacar

que foi através do sindicato que se manteve ativa a arte moderna, após a extinção da

Sociedade Pró-Arte (SPAM), do Clube dos Artistas Modernos (CAM), do Salão de Maio e

da Família Artística Paulista. O Sindicato realizou exposições itinerantes aos bairros da

capital e no interior do Estado e, também, lutou pela profissionalização do artista, olhando-

o como um trabalhador e defendendo seus interesses.

As reivindicações da Sociedade Paulista não eram apenas ligadas as questões

profissionais, mas, também, cultural, atingindo de tal forma alcançou seus ideais. Não se

pode negar que, tanto ela, quanto a AFL, estavam inseridas em um contexto em que o

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regime era controlador e as propostas espraiadas por ele eram muito presente,

principalmente o corporativismo e o sindicalismo. Conforme a Constituição de 1937, Art.

122º, Parágrafo 9º, defende-se: “-a liberdade de associação, desde que os seus fins não

sejam contrários à lei penal e aos bons costumes”.

As três preocupações fundamentais de Oliveira Viana (1938) eram a unidade

nacional, que devia ser entendida, como o seu nacionalismo, a modernização

institucionalizada, a qual ele tinha como sinônimo do corporativismo, e a conciliação das

classes sociais. A partir de suas proposições, tentava construir teoricamente um Estado

Corporativista que não fosse de caráter totalitário, colaboracionista e nem fiscalizador.

Entretanto, Astor Diehl alerta essas organizações adotam a posição de proteger o

capital e de controlar a organização sindical, possibilitando a troca de interesses da

sociedade. Para ter o controle, organizava a coletividade, baseando-se na associação

representativa dos interesses e das atividades profissionais.

Oliveira Viana, antes de estudar os direitos trabalhistas, havia trabalhado com as

tradições e costumes da população brasileira. As análises dessas questões podem ser

verificadas em seu primeiro livro, Populações Meridionais no Brasil (1920). A partir desse

estudo e outros posteriores (Viana, 1999), observou que já havia uma lei entre o povo-

massa, que provinha da cultura popular e não era sistematizada. Ele se apropria dessas leis

que regulavam o conflito entre a cultura de elite e a massa rural que compreendia quase

toda a nação, organizando-as e sistematizando-as, construindo assim seu pensamento que

foi determinante para estruturação do Estado Novo. As suas idéias, como se pode observar,

partem da reelaboração da cultura.

A partir do Estado Corporativista, haveria a exaltação do nacionalismo e do

idealismo, que terminariam com os conflitos. O grande objetivo era o de se organizar a

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sociedade para alcançar a solidariedade suprema, o laço indivisível da nacionalidade.

Assim, todos reconheceriam seus direitos e deveres, e, conseqüentemente, o seu lugar na

sociedade e na Nação. Segundo Francisco Souza (1999, 73):

... o problema da liberdade, a relação Estado-Nação e a questão econômica ficam resolvidos dentro do sistema corporativo como se o todo nacional, a partir desta ideologia, funcionasse orgânica e harmonicamente, em oposição às lutas ou dispersão das forças construtoras da nacionalidade.

No momento em que o corporativismo contribuísse para dar organicidade e

organização aos grupos, defenderia e protegeria os aparelhos construtores da

nacionalidade. Isso porque o nacionalismo reforça a identidade da nação e de seus grupos,

ou seja, corporações que se unem por terem algo em comum. O nacionalismo não ressalta

as diferenças na sociedade, pelo contrário, tem esta como homogênea. Tanto o

corporativismo como o nacionalismo, são ideologias que destacam a ordem e a unidade da

nação.

Na prática, o corporativismo estatal, imposto pelo Estado Novo, foi estabelecido de

cima para baixo, visando à segurança nacional, conforme defende Maria D’Araujo (2000).

O Estado era responsável por estabelecer as regras. Segundo a Constituição de 1937,

Artigo 122º, Parágrafo 10º: “- todos tem direito de reunir-se pacificamente e sem armas”.

A estruturação do regime em torno do corporativismo visava atingir, também, a

questão sindical. A organização da sociedade em corporações facilitaria a sindicalização,

sendo esta totalmente organizada de acordo com as normas prescritas pelo governo.

Evidenciava-se esta questão, pois a efetivação plena da política corporativista se daria

quando ocorresse a inclusão da classe trabalhadora na organização corporativista da

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sociedade, através dos sindicatos e associações. De acordo com a teoria corporativista, o

sindicato passa a assumir um papel na sociedade, assim representando uma agência do

Estado. Conforme Munakata (1981, 84):

(...) artigo 5º determina que os sindicatos organizados de acordo com a lei passam a ser considerados órgãos consultivos e técnicos no estudo e solução, pelo Governo Federal, dos problemas que, econômica e socialmente, se relacionarem com os seus interesses de classes.

Durante o regime, os sindicatos tiveram outra postura. Não interferiam nas questões

econômicas, entretanto serviam como órgãos assistencialistas. A AFL apresentava essa

característica, como foi descrito em seu estatuto, desenvolvendo atividades filantrópicas

em relação aos seus artistas, quando necessitava de amparo financeiro, tratamento médico

e hospitalização; sendo essas obrigações do Estado.

As organizações sindicais eram, portanto, mecanismos de cooperação com o

Estado. Sendo assim, a legislação sindical baseava-se no espírito de unidade nacional. Já

corporativismo buscava mostrar que o homem não poderia ser socialmente desligado do

seu meio, ou seja, do grupo a que pertencia. Muitos intelectuais, como Oliveira Viana,

ressaltavam que o homem era moldado pelo meio físico em que estava inserido, não vivia

em função só da natureza.

Até 1930, os sindicatos estiveram livres da tutela governamental. Com o

crescimento do número de trabalhadores, os patrões passam a desenvolver novos esforços

para dirigir o movimento sindical e operário. Segundo TELLES (1981,19):

Com a instituição do Ministério do trabalho e a publicação do decreto nº 19770, de 19 de março de 1930,

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estabeleceram-se novas normas para a organização sindical em nosso país. Os sindicatos foram reconhecidos e oficializados pelo Governo. Pelo decreto acima citado, que regulamentou o direito de sindicalização, os sindicatos, para obterem ‘personalidade jurídica’ e poderem representar a classe operária, necessitavam, além de registro em cartório, ser também reconhecidos pelo Ministério do Trabalho. O mesmo decreto excluía do direito à organização sindical os funcionários públicos (empregados do Estado) e os empregados domésticos.

No momento que os sindicatos foram atrelados ao Estado, através da Legislação

Sindical, que reafirmava a de 1931, o controle foi mantido sob responsabilidade do

governo. Tudo que um sindicato poderia ou não fazer estava previsto nestas leis, sendo elas

que definiam a estrutura sindical e suas normativas. Como se verifica no Capítulo II, artigo

8º, parágrafo 1º, alínea c: “A afirmação de que a associação agirá como órgão de

colaboração com os poderes públicos e as demais associações no sentido de solidariedade

das profissões e da sua subordinação aos interesses nacionais”.

Com a legislação sindicalista, foi proibido o princípio da pluralidade sindical,

estabelecendo a obrigatoriedade da unidade sindical. Não permitindo, com isso, mais de

um sindicato da mesma categoria profissional numa base territorial. Não foi dada como

uma entidade obrigatória, mas se fosse existir, deveria representar todos os trabalhadores

da categoria, e, também, servir como entidade privada de interesse público. De acordo com

Elizabeth Pedroso (1998), o sindicato único por categoria seria considerado oficial pelo

regime estado-novista. Deveria ser um órgão de cooperação sob a tutela do Estado, sendo,

portanto, manejado e controlado pelo governo. O regime deixava bem aparente que as

funções do sindicato restringiam-se às questões técnicas, para defender os interesses e o

bem-estar da vida de seus trabalhadores, não interferindo em questões políticas.

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O Estado tinha o objetivo, com esse novo sindicalismo, de eliminar a organização

sindicalista dos anos 20, voltada para o anarco-sindicalismo e o comunismo, que pregava

para os trabalhadores uma sociedade sem classe, nem patrão e empregado. Conforme

Elizabeth Pedroso (1998, 42): “Colocando na ilegalidade as entidades sindicais distintas

das oficiais, destituindo muitas direções sindicais, processando, prendendo e torturando

outros, o governo procurou eliminar qualquer possibilidade de reação deste grupo de

pressão”. O Estado Novo, a partir dessa postura, enfraqueceu o sindicalismo oriundo da

década de 20 e fortaleceu o novo sindicalismo proposto pelo regime. De acordo com

Octávio Ianni (1994), os aparelhos repressivos estatais têm atitudes de coibir ou intimidar

movimentos, sindicatos, suas bases e lideranças. A coerção do regime estado-novista não

foi somente com os sindicatos, mas com todos os órgãos e indivíduos que não seguissem as

diretrizes pregadas.

Oliveira Viana afirmou que o sindicalismo traria para a sociedade brasileira um

princípio de aproximação, de colaboração e de pacificação. Outro dos princípios da política

sindical do Estado Novo era de separar as organizações sindicais dos partidos políticos,

proibindo a intervenção de qualquer um, na vida e na ação do outro. Como descreve

Oliveira Viana (1951, 81): “O nosso sindicalismo, ao contrário, é profissional,

corporativo e cristão. Não pretende a reforma social. Não prega, nem pratica a luta de

classes”.

A política sindical estabeleceu e promoveu a sindicalização de todas as classes

profissionais, abrangendo as relações patrão-empregado e profissionais liberais. Essa

política possuía objetivos mais amplos. Além de evitar a questão da luta de classes,

buscava organizar o povo, a consciência coletiva e a solidariedade social. O incentivo à

solidariedade, o reconhecimento e a regulação dos direitos, as prerrogativas e deveres da

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profissão pretendiam fazer com que nascesse o sentimento de cooperação. Conforme

Oliveira Vianna (1951, 85):

Estas instituições sindicais são verdadeiras escolas de educação moral e de educação cívica; quero dizer de educação do homem brasileiro no sentimento da solidariedade social, na compreensão do interesse coletivo, na consciência do bem comum das suas respectivas profissões.

O Estado Novo, através da nova política social sobre as massas trabalhadoras,

propunha a transformação do espírito, da mentalidade, ou seja, da consciência da

população. Frente a isso, todas as associações sindicais subordinadas ao Poder Central, a

autoridade Federal, deveriam contribuir para a eliminação de localismo e de

internacionalismo, almejando a unidade. A organização social e profissional das classes

produtoras e trabalhadoras, para Oliveira Vianna, ocorreria dentro de um espírito

rigorosamente nacionalista.

Na ideologia do governo estadonovista, o trabalho não era o meio de ganhar a vida,

o sustento, mas a forma de servir à pátria. Por isso, a sindicalização era livre, espontânea e

voluntária, partindo da vontade de cada trabalhador. O sindicato representa e defende a

profissão num todo, mesmo que alguns trabalhadores da mesma profissão não o integrem.

De acordo com o estatuto da Associação Francisco Lisboa no Capítulo II Do Quadro

Social Art. 4:

– Poderão associar-se à Associação, desde que conservem as prescrições estatutárias e exibem provas reconhecidamente idôneas, todos os desenhistas, pintores, escultores, arquitetos e gravadores. Parágrafo único – Além deste, poderão associar-se todas as pessoas que desejarem incentivar as artes plásticas.

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A atividade de uma determinada profissão só poderia ser regulamentada de forma

eficaz, a partir de um grupo ativo no seu exercício profissional, conhecendo seu

funcionamento, suas necessidades e defendendo-as, com objetivo de buscar um resultado

satisfatório. Segundo Moraes (1978, 65): “Do ponto de vista estritamente jurídico,

somente os sindicatos são reconhecidos pelo Estado como possuidores de personalidade

jurídica, como órgão representativo da profissão”. Isso evidenciava que a

representatibilidade de cada profissional ocorreria somente a partir de um grupo que

tivesse questões profissionais comuns, organizados numa entidade.

De acordo com Segadas Vianna (1953), baseado na Consolidação das Leis do

Trabalho (CLT)15, qualquer indivíduo podia formar ou se reunir em associação. Entretanto,

esta deveria ser registrada, conforme as leis civis. As associações civis, embora não

sindicalizáveis, poderiam agir em defesa e da coordenação dos interesses profissionais de

seus associados. A AFL tinha seu registro. No entanto, não foi inscrita na época de sua

fundação, somente 15 anos depois, mas constava nas atas16 das assembléias da entidade o

seu regulamento.

Pela lei, o sindicato antes de ter o reconhecimento como tal, constituía-se como

uma associação profissional. Esta entidade deveria ter deferido o registro como associação

para pleitear a tentativa de se tornar um sindicato. Além disso, a associação devia ter um

terço de pessoas que integrassem a mesma categoria profissional, mesmo sendo uma

profissão liberal; comprovar a prestação dos serviços sociais e o valor do patrimônio, no

caso de possuir. Também, deveria apresentar nos estatutos a duração de, no máximo, dois

15 A CLT foi aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, no dia 1º de maio de 1943. 16 As Atas de reuniões AFL abrangem os anos entre 1938 a 1979.

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anos o mandato da diretoria, devendo o cargo de presidente ser exercido por brasileiro

nato, como os demais cargos de administração e representação. A AFL atendia a exigência

de que a presidência do grupo somente poderia ser exercida por brasileiros, conforme

estava relatado na primeira ata17 de reunião da entidade.

O reconhecimento em sindicato era autorizado pelo Ministério do Trabalho18, mas

a associação devia ter praticamente todos os itens exigidos. Entretanto, o único item

flexível era o da entidade não ter um terço legal de representação. Conforme Segadas

Vianna (1953, 157):

É lícita a associação para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses, econômicos ou profissionais de todos os que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos ou profissionais liberais, exerçam, respectivamente, a mesma atividades ou profissões similares ou conexas.

A questão da similaridade ou conexidade e identidade dependiam das dimensões

das categorias econômicas ou profissionais. Se fosse homogênea, a associação seria

natural.

O sindicato deveria ser dirigido de acordo com estatuto que regia os associados. Os

regimentos deviam estar subordinados a esse estatuto, que estaria ligado à legislação

trabalhista. Cabia ao dirigente cumprir e executar os documentos. Além disso, reunir-se em

sessão, uma vez por mês, sendo esta convocada pelo presidente ou por parte da maioria dos

associados, devendo apresentar os resultados da reunião em atas, assinadas pelo presidente.

O Estatuto Social da AFL estava enquadrado nessas exigências, no capítulo IV, art. 12º:

17 Ata da Associação Francisco Lisboa de 09 de agosto de 1938. 18 O governo instituiu o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e o Ministério da Educação e Saúde em 1930, com o intuito de auxiliar nas medidas administrativas e legislativas de cooperação e superação de todos os problemas dos trabalhadores brasileiros (GOMES, Ângela Castro APUD OLIVEIRA, Lúcia Lippi, 1982).

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“São deveres comuns de todos os sócios: cumprir e fazer cumprir estes Estatutos, o

Regimento interno e os regulamentos baixados pelos órgãos diretivos da Associação, (...),

comparecerem às Assembléias Gerais e reuniões para que foram convocados...”.

O estatuto padrão de um sindicato admitia na época três classes de associados:

fundadores, efetivos e beneméritos. Os fundadores são as pessoas que estiveram presentes

na primeira assembléia; os efetivos são os que participam e contribuem regularmente com

a mensalidade ao sindicato; e os beneméritos são aqueles que participaram de alguma

maneira do sindicato, com donativos ou serviços prestados. A Associação Francisco

Lisboa ia além desse padrão. Além dos três exigidos, acrescentou os contribuintes,

honorários e correspondentes. Os contribuintes eram os que regularmente contribuíam com

a mensalidade, não podiam votar e nem ser votado; os honorários são os artistas brasileiros

ou estrangeiros que prestaram serviço à associação e que foram investidos pela diretoria e

aprovados em Assembléia Geral; já os correspondentes, são os mesmos que os efetivos ou

ativos, mas que residam fora do Estado do Rio Grande do Sul e que da associação tenham

que se afastar.

Para integrar os associados, o candidato deveria passar pela aprovação da proposta

de admissão pela diretoria. A AFL era fechada, servindo apenas para os seus associados.

Isso se evidencia através dos seus salões, em que somente os artistas associados poderiam

expor. Depois que Associação Francisco Lisboa assumiu a organização do Salão da

Câmara Municipal da capital, em 1953, teve que abri-lo a todos os artistas interessados.

Tratava-se de um salão da Câmara, regido pelas normas do governo municipal. A AFL

ficava responsável apenas pela organização e administração do evento.

Mesmo sendo uma associação havia uma contribuição para os gastos comuns. Essa

contribuição não ficou relegada apenas aos sindicatos, onde todos os trabalhadores filiados,

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ou não, deveriam pagar um dia de salário; sendo este imposto sindical obrigatório. O

dinheiro era destinado para os sindicatos, que financiavam a assistência aos seus filiados.

Desta maneira, todos pagavam e apenas alguns se beneficiavam. Segundo José Arouca

(1998 218): “... qualquer associação comum é custeada por seus filiados. (...) a

contribuição de sócio tem disciplinação no estatuto e segue, em tudo, o comando da

assembléia geral”.

Na Associação Francisco Lisboa todos sócios eram obrigados a pagar uma

contribuição para a entidade. O dinheiro era utilizado para o aluguel do local dos salões e a

sede da associação, e, ainda, reservar uma quantia para conseguir comprar a sede própria.

De acordo com Estatuto da AFL, capítulo IV – Dos Direitos e Deveres dos Sócios, Art.

13º:

- Os sócios ATIVOS ficam obrigados a uma contribuição mensal de Cr$ 30,00 (trinta cruzeiros) pagável até o dia 10 (dez) do mês seguinte ao vencido; os sócios CORRESPONDENTES e CONTRIBUINTES por sua vez ficam obrigados a uma contribuição de Cr$ 25,00 (vinte e cinco cruzeiros). Aos CORRESPONDENTES será facultado o pagamento por anuidade, sempre que dentro do exercício. Parágrafo único: -Serão considerados remidos: os sócios ativos que pagarem duma só vez, a quantia de cinco mil cruzeiros (Cr$ 5.000,00); os sócios CORRESPONDENTES e CONTRIBUINTES que pagarem, duma só vez, a quantia de dois mil e quinhentos cruzeiros (Cr$ 2.500,00), sujeitos, estes, a sempre integralizar a quota de remissão no caso de que sejam posteriormente transferidos para a categoria de sócios ativos; do contrário, o pagamento já efetuado será considerado como adiantamento de mensalidades, não cabendo devolução”.

A Associação tinha problemas de atraso no pagamento das mensalidades,

principalmente, pelos sócios contribuintes, como consta na ata da entidade (30/12/1940).

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Para solucionar a questão foi sugerido eliminar com essa modalidade de sócios. Conforme

o posicionamento de Edla H. Silva19, o melhor seria relaxar a cobrança (Ata, 30/12/1940).

Apesar de ter características de um sindicato, a associação nunca deixou claro o

objetivo de alterar sua constituição durante o Estado Novo. Segundo Paulo Figueiredo

(1983, 18): “O Estado integrou-se na vida popular, humanizou-se, fortaleceu-se no seu

verdadeiro papel de organização diretora dos destinos dos povos”. O regime de maneira

coercitiva induziu a organização de grupos na sociedade brasileira, para que

desenvolvessem de diferentes maneiras o discurso do governo, contribuindo para a

unidade, tão ressaltada na época pelo presidente. Conforme Oliveira Vianna (1943, 41): “-

Um país não é apenas um conglomerado de indivíduos dentro de um trecho de território,

mas principalmente, a unidade da raça, a unidade da língua, a unidade do pensamento

nacional – disse em 1938, falando aos trabalhadores, o Presidente Vargas”.

O discurso do governo Vargas não tinha apenas o objetivo de impor o

sindicalismo aos operários. A problemática social não era considerada apenas uma questão

operária para o regime estado-novista, e sim um problema de todos os homens. Todos

deveriam ser trabalhadores e colaborar com o valor social do seu trabalho, servindo à

pátria. Com esforço coletivo da sindicalização, a nação alcançaria a unidade e acabaria

com os choques de interesses regionais. A política social, desenvolvida pelo regime, não

era de fato interessada no trabalhador em si, mas na maneira de intensificar o controle do

governo na política do país e afastar a sociedade da doutrina liberal. O sindicalismo

contribuiu de maneira efetiva para combater o liberalismo. Esse, de acordo com as idéias

defendidas pelo regime, como defende Lúcia Lippi Oliveira (1982) separou na prática o

político do social.

19 Sócio-fundadora da AFL.

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O Estado Novo fez na sua perspectiva, o homem brasileiro recuperar seu tempo

perdido, devido aos princípios liberais, que o teria feito perder o pouco que havia de

identidade nacional. Essa identidade, definida pelo regime, estava ligada ao Estado,

representando e defendendo suas ideologias. A sociedade deveria estar sob o controle do

governo, por isso defendia-se um regime forte e centralizador. Conforme Lúcia Lippi

Oliveira (1982 137):

A construção da unidade nacional era tarefa que não comportava a existência de partidos, grupos ou facções que impediriam a formação de um verdadeiro espírito nacional, alimentando conflitos regionais e individuais. O Estado nacional precisava de um regime forte e centralizador, capaz de combater os excessos de regionalismo e individualismo que se manifestavam nas formações partidárias.

O governo getulista tinha um discurso antiliberal porque essa doutrina defendia a

participação de instituições representativas na política do país, enquanto o regime afirmava

um poder único na figura de Vargas. A imagem do presidente simbolizava o Estado. O

liberalismo manteria o país dividido, com diferentes posições sendo defendidos na

sociedade, dificultando assim a construção de uma identidade nacional e a história de uma

nação unificada.

A Associação Francisco Lisboa surgiu dentro desse projeto de construção da

unidade, da identidade nacional, com fim de despertar a consciência de classe e defender

os ideais de seus sócios. Os artistas que sempre ficaram a margem, ou seja, fora das

instâncias de produção, legitimação e consagração, dominado pelo Instituto de Belas Artes,

buscavam nela a oportunidade de reconhecimento. No capítulo seguinte, será abordada a

construção dessa identidade a partir da produção da Associação Francisco Lisboa.

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2 - A Construção da Identidade Nacional pelo viés Artístico.

Getúlio Vargas não foi o idealizador do nacionalismo brasileiro. A questão era

discutida nos meios intelectuais desde o final do século XIX. A decadência e a queda do

Império desencadeou uma onda nacionalista, alcançando seu apogeu durante o Estado

Novo. O fenômeno ocorreu pela implantação de uma nova ordem política. A crise

econômica e social, também, contribuiu para fortalecer o nacionalismo durante o governo

Vargas.

O regime buscou nas tradições argumentos para legitimar o regime, tendo partido

de uma proposta cultural. Essa ideologia serviria para a construção de uma unidade. Para

Almir de Andrade (1939), eram as tradições, as raízes culturais e o localismo que

legitimavam o novo regime, além do personalismo de Vargas. O governo precisava de

veículos de divulgação, que ajudassem a disseminar a ideologia do Estado e a construir a

identidade nacional para legitimá-lo, assim como o seu projeto de nação moderna.

Conforme Guibernau (1997, 56):

O Estado Nacional é um fenômeno moderno, caracterizado pela formação de um tipo de estado que possui o monopólio do que afirma ser o uso legítimo da força dentro de um território demarcado, e procura unir o povo submetido a seu governo por meio de homogeneização, criando uma cultura, símbolos e valores comuns, revivendo tradições e mitos de origem ou, às vezes, inventando-os.

O Estado Novo utilizou-se dos meios de comunicação até o setor artístico-cultural,

subvencionando eventos e a publicação de revistas. Assim mantinha a centralização de

instrumentos para controle intelectual e moral da população.

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Para manter uma política de boa vizinhança, o Estado Novo estruturava-se com

ambigüidades. Ao mesmo tempo em que garantia os privilégios da burguesia cafeicultora,

promovia a modernização do país estimulando a industrialização. Também realizava esta

mesma política no campo das artes, com modernos e acadêmicos. Vargas tentava contentar

a todos para controlá-los, mantendo um regime centralizador. Apesar de ter instalado um

governo ditatorial, sentia-se o implantador da democracia no Brasil, por atender toda a

nação. Como afirma Figueiredo (1983, 75): “... a vontade do povo, expressa na vontade

do chefe nacional, é que está dando significado, aos acontecimentos e traçando, por isto,

nossos destinos”.

A consolidação do Estado brasileiro, no projeto estado-novista, exigia o controle das

relações sociais, pelo qual mostrava a autoridade do regime diante da burguesia e das

classes populares. A Constituição de 1937 justificava a intervenção do Estado a partir de

princípios centralizadores, nacionalistas, autoritários e corporativos.

O presente capítulo analisa a construção da identidade nacional através do viés artístico,

utilizando obras produzidas por artistas da Associação de Artes Plásticas Francisco Lisboa,

que estava inserida nas políticas do regime estado-novista. Foi utilizado o conceito de

identidade nacional, teorizado por Stuart Hall, com intuito de compreender como ocorre o

processo de construção de identidade nos país. Este capítulo se divide em política cultural

no Estado Novo, que compreende os veículos de cooptação e coerção do regime, a

manipulação do governo nos intelectuais e nos artistas. Em seguida, aborda-se a construção

da identidade nacional pelo governo. No outro subcapítulo, apresenta-se a construção dessa

identidade a partir da produção artística dos artistas da Associação Francisco Lisboa,

dividindo-se em vultos históricos, negros e índios, finalizando com paisagem urbana.

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Como os artistas utilizaram na sua produção artística a fotografia como modelo, utilizou-se

o modelo teórico de Philippe Dubois, que aborda o processo fotográfico.

2.1 A POLÍTICA CULTURAL NO ESTADO NOVO

A política cultural desenvolveu-se, de acordo com o plano político geral, sob

intervenção do Estado. O conceito de nação foi utilizado pelo Estado Novo para

homogeneizar as diferenças regionais e justificar o autoritarismo. Para Lúcia Lippi Oliveira

(1990), a idéia de nação compõe um universo simbólico, visando conceder sentimentos de

identidade e alteridade à população que vive ou nasceu num determinado território. Ela

integra as tradições, as etnias, as religiões e as classes. A partir da nação, estrutura-se o

nacionalismo, que serve para legitimá-la. Segundo Lippi Oliveira (1999, 30): “O

nacionalismo é entendido como um movimento de idéias e de ação visando a construção

simbólica da nação”. Assim, ocorre um processo paralelo de construção da nação e do

nacionalismo.

O nacionalismo reforçava e valorizava ação do líder do Estado e a exaltação da

construção de uma identidade nacional, com o propósito de fortalecer a nação. Conforme

Jakzam Kaiser (1999, 74):

O atual reaparecimento do nacionalismo tem relação com um interesse especial pela identidade coletiva. O poder do nacionalismo provém justamente de sua capacidade de criar uma identidade comum entre os membros do grupo, através do uso de símbolos e rituais, decisivos na criação da identidade nacional.

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O nacionalismo estado-novista apresentava uma visão funcionalista e harmoniosa

do corpo social, através do controle do Estado, que almejava a industrialização,

capitalização e, conseqüentemente, a modernização do país. Foi essa coerção que legitimou

os empreendimentos do Estado, sendo reconhecido como representante dos interesses

comuns. A política cultural era direcionada ao povo, tendo assim uma difusão voltada para

cooptação de trabalhadores, desviando-os dos movimentos sociais e políticos. A cultura

popular não era utilizada para uma dinâmica social, sendo absorvida e manipulada.

Para Bauer (BALAKRISHNAN, 2000) a nação pode ser apresentada como uma

comunidade cultural, evidenciando que o caráter nacional é constituído e definido pelos

valores culturais. O nacionalismo tenta reunir indivíduos com níveis culturais e contextos

sociais distintos. Conforme Lippi Oliveira (1990, 12): “...o nacionalismo é uma categoria

que privilegia uma totalidade e, consequentemente, não enfatiza as diferenças internas,

nem trabalha com aquilo que distingue os homens no espaço social”. Os regimes

autoritários apropriaram-se desse tipo de nacionalismo para manter a ordem e a

legitimação do governo.

2.1.1- Veículos de Cooptação e Coerção

O Estado Novo utilizou diversos meios de manipulação social, principalmente o

Departamento de Imprensa Propaganda (DIP), que controlava, fiscalizava, produzia e

orientava as atividades culturais, reforçando e estimulando o nacionalismo. Todos esses

aspectos estavam voltados para fortalecer o poder central. O departamento divulgava a

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cultura nacional através de diversos eventos, exposições artísticas, concertos, conferências,

palestras, organização de festas folclóricas e cívicas, excursões de turismo para lugares de

caráter histórico. Como relata Mônica Velloso (OLIVEIRA, L. Lippi, 1882), o DIP tornou-

se, neste projeto político, um dos mecanismos mais significativos para a difusão da

imagem do Estado Novo.

O setor mais eficiente do DIP foi o de imprensa, voltado para o exercício da

censura e propaganda do governo, através dos jornais e revistas. No Rio Grande do Sul,

por exemplo, ocorreu a proibição da circulação de jornais em idioma alemão.

O controle do DIP tinha como justificativa manter a defesa da unidade nacional e a

manutenção da ordem no país. A imprensa periódica foi obrigada a reproduzir os discursos

oficiais e dar ampla divulgação às realizações do Estado. Nas redações dos jornais foram

colocados representantes do governo para vigiá-los. A cooptação dos jornalistas não

ocorreu apenas pelo DIP, mas através de pressão política e financeira. Em contrapartida,

Getúlio Vargas atendeu as reivindicações da categoria, como a regulamentação

profissional.

O DIP tinha o controle direto dos veículos de comunicação. Em 1940, 420 jornais e

346 revistas não conseguiram registro no departamento e os que mantiveram seu trabalho

sem autorização ou fizeram críticas ao governo tiveram sua licença cassada. O rádio era

controlado, através da Divisão de Rádio que havia no departamento, como refere Maria

Capelato (PANDOLFI, 1999). O veículo, segundo ela, foi utilizado para as reproduções de

discursos oficiais e mensagens nacionalistas. Ele firmou-se nessa época, aumentando seu

alcance e integrando diversas regiões. Nas cidades do interior, o som era reproduzido em

alto-falantes colocados em praça pública. Através do rádio, tentou-se minimizar as

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diferenças regionais, integrando-as e uniformizando-as de acordo com a política e a

cultura, pois a política local era dominada pelos coronéis no interior do país.

O departamento proibiu programas que não se enquadravam no projeto político do

regime, de exaltação da nacionalidade brasileira, dos aspectos naturais do país e do

enaltecimento das conquistas do Estado. Muitas músicas populares, que tocavam no rádio,

como Aquarela do Brasil, de Ary Barroso, foram encomendadas pelo governo, como

forma de exaltar a identidade nacional. Conforme Maria Capelato (PANDOLFI, 1999), o

Estado controlava e fiscalizava a programação dos veículos de comunicação, mas a

exploração comercial ficava a cargo da iniciativa privada.

As atividades das agências de turismo, seus guias e materiais de divulgação eram

regulamentados e fiscalizados, também, pelo DIP. Como apresenta Andréa Torres (1999),

a divisão de turismo, um dos suportes do departamento, era encarregada de organizar os

planos de propaganda no país e para o exterior, em vista de estimular as atividades

turísticas.

Os aspectos artísticos e culturais eram auxiliados e controlados pela Divisão de

Cinema e Teatro. O DIP distribuía filmes que divulgavam a ideologia do regime, mas

também, exercia o controle da produção e do que se exibia. Nas peças teatrais, era exigido

que se seguissem às normas estabelecidas pelo departamento. Caso contrário, ocorria

censura. Segundo Konrad (1994, 83), “O controle dos atores era rígido, devido ao

objetivo de ‘amparar’seus direitos: exigia-se registros de contratos para a divulgação das

peças teatrais”.

Frente à impossibilidade do DIP de controlar todo o país, foram criados os

Departamentos Estaduais de Imprensa e Propaganda (DEIPs)20 em 1940. Segundo Torres

20 Criados pelo decreto-lei nº 2.557/40 (Torres,1999, 58)

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(1999, 58): “Aos DEIPs cabia, entre outras, as finalidades de coordenar, orientar e

superintender a propaganda nos estados, sob orientação do DIP”.

O Ministério de Educação e Saúde subvencionava as atividades nos estados,

passando estes ao DEIP. No Rio Grande do Sul, este departamento começou a controlar a

política cultural, seguindo a perspectiva nacionalizadora e nacionalizante, nem sempre de

maneira pacífica. Estimulou o nacionalismo e controlou as manifestações culturais,

acabando por unir os propósitos do governo às camadas médias e populares. Conforme

Konrad (1994, 169):

...O DEIP centralizou as questões culturais determinando a continuidade da política cultural que vinha sendo implantada no RGS desde o início do Estado Novo, mas tendo agora uma intervenção mais direta e localizada nas questões referentes à imprensa, propaganda e outros.

Ela salienta ainda que o DEIP deu todo o apoio moral e material às exposições dos

artistas gaúchos da nova geração. Também foi incumbido de censurar os que fizessem

oposição ao regime. Lauerhass (1982,133) afirma que “...os intelectuais que ficaram fora

do sistema se exilaram ou tiveram de calar-se.”

Muitos intelectuais colaboraram com o regime na imprensa escrita, em revistas

como Cultura Política, Ciência Política, Estudos e Conferências, Brasil Novo e Planalto.

Conforme Mônica Velloso (OLIVEIRA, L. Lippi, 1882), cada uma era voltada para um

discurso. Entretanto, todas possuíam o mesmo objetivo que era a problemática da

organização e da legitimação do regime. A Cultura Política era diretamente ligada ao DIP,

constituia-se na publicação oficial. As demais eram dirigidas por outros órgãos, mas

estavam igualmente sob a orientação do departamento de imprensa. Conforme Maranhão

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(1982, 184): “O DIP converteu naquilo que poderíamos chamar de olhos e ouvidos da

ditadura varguista”. Essa constatação deve-se à manipulação, controle e perseguição a

todas as maneiras de expressão da sociedade brasileira. O departamento desempenhava

essas funções para manter a ordem e a legitimação do Estado Novo.

2.1.2- Intelectuais no Estado Novo

De acordo com Ruben Oliven (1992), o Estado-Nação delimita suas fronteiras

geopolíticas e zela por elas, demarcando as fronteiras culturais, estabelecendo o que a

compõem. O regime estado-novista estabeleceu o que era cultura brasileira, a partir do

levantamento histórico realizado por intelectuais aliados ao governo.

O regime utilizou a elite intelectual como alicerce ideológico, por defenderam

idéias salvacionistas. A atuação dessa intelectualidade afirmava a legitimação da soberania

do Estado e a nacionalidade, possuindo diversas correntes ideológicas. Os intelectuais,

como membros de profissões específicas, estavam sujeitos ao esquema corporativista,

inserindo-se na construção orgânica da sociedade e do poder. Alcançaram esse destaque

social perante o Estado Novo, devido à crença da onipotência das idéias de redescobrir o

Brasil, com intuito de construir uma nova identidade e a cultura brasileira, mais adequada

ao momento, colaborando assim para consolidação do regime.

As origens dessas idéias podem ser encontradas no pensamento dos intelectuais dos

anos 20, que retomaram questões que já vinham sendo trabalhadas desde do final do século

XIX. A semelhança centrava-se no objetivo da construção do nacionalismo. Nessa década,

expressavam-se insatisfações com a economia e a política nacional, que estavam sendo

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esmagadas pelo imperialismo. Conforme Lucia Lippi Oliveira (1982, 38): “...o

nacionalismo aparece como condição de autodefesa frente às culturas mais fortes em

processo de expansão.” Assim, buscavam elementos de identificação na cultura popular,

para garantir uma “autonomia da cultura européia”. Apesar do nacionalismo ressaltado

pelos modernistas de 22, estes mantinham influências de idéias européias.

Muitos dos intelectuais, ligados ao Estado Novo, eram oriundos do movimento

modernista brasileiro (1922) e foram trabalhar para o governo, com o intuito de por em

prática o projeto de criação e auto-afirmar uma cultura nacional brasileira. Conforme

Lauro Cavalcanti (PANDOLFI, 1999), os intelectuais eram obrigados a desempenhar

outras atividades para aumentar a renda, devido à baixa remuneração que o governo

oferecia. Isso deixava evidente que, naquele momento o Estado era o lugar de renovação e

da vanguarda, sendo possível os intelectuais por em prática as idéias desenvolvidas em

seus estudos.

O Estado não apenas impôs suas regras. Houve uma troca. Os intelectuais aderiram

à política do regime porque, também, estavam preocupados com a identidade nacional,

com as instituições e poderiam apresentar seus projetos modernizadores para o país. O

governo aderiu à ideologia dos intelectuais, pois atendia os interesses do governo.

Conforme Pécault (1990, 73):

O Estado e os intelectuais, compartilhando o desdém pela representatividade democrática e a nostalgia por uma administração do social que tomasse o lugar da política, foram levados a agir como sócios a serviço da identidade nacional.

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Muitos desses intelectuais foram ideólogos do Estado, ocupando funções no

governo e servindo à política oficial com seu talento literário e artístico. Eles achavam que,

desta maneira, conheceriam melhor a realidade brasileira e poderiam criar a verdadeira arte

moderna nacional. Como já referido, nos anos 20, ela continuava atrelada aos movimentos

internacionais. Como afirma Konrad (1994, 280), “Os intelectuais, no geral, submeteram-

se às orientações nacionalizadoras do Estado Novo no RS, galgando cargos que

representavam um ‘status social’(...)”.

Também havia os intelectuais que produziam alternativas por conta própria,

buscando um Brasil autêntico, como Gilberto Freyre. Lutavam para que fossem impostos

temas nacionais, a ponto de inventar modos brasileiros de expressão. Ele, em seu primeiro

volume, “Casa Grande e Senzala” (1933) tenta explicar a brasilidade desde sua formação

histórica, a partir da expansão da cultura regional, especificamente nordestina. Para esse

autor, a compreensão da identidade nacional ocorreria a partir da diferença que havia nas

diversas regiões do país, sendo fundada nas tradições históricas destas. A junção das

diferenças regionais fortaleceria as tradições do Brasil em geral. Por isso, Freyre defendia a

região enquanto unidade de organização nacional.

Havia, também, o engajamento dos intelectuais em associações, movimentos e

ligas, que tinham e defendiam a mesma ideologia do Estado. Para Breuilly

(BALAKRISHNAN, 2000), as doutrinas e políticas nacionalistas surgem, na maioria das

vezes, em sociedades e até mesmo em regiões, onde inexista um sentimento nacional na

população.

Com o respaldo desses intelectuais e artistas, o Estado Novo tentou conciliar, em

seu projeto, uma ideologia de modernização de cunho conservador com a construção da

nacionalidade, através das tradições; ou seja, as raízes nacionais. Conforme Bulhões (1983,

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32): “A recuperação do passado era um elemento fundamental; a busca das raízes era, na

realidade, a busca de uma estrutura de sustentação e uma garantia de continuidade”. A

proposta do novo, de modernidade estava calcada na realidade nacional e nas tradições do

país, com intuito da unidade da nação. Como afirma Breuilly (BALAKRISHNAN, 2000,

165): “...a função do nacionalismo é promover a modernização.”

A literatura de tal maneira estava ligada aos aspectos nacionalistas. As obras

buscavam expressar uma linguagem brasileira, que induzia a um país novo e moderno,

voltado para resolver os problemas sociais. O neo-realismo do romance de 30 engajou-se

na discussão da crise social. As obras do movimento referem-se aos ciclos econômicos

(cana- cacau – açúcar) e aos modos de intervenção na sociedade brasileira (cangaço-

misticismo). Segundo Massaud Moisés (2001, 214), “O Romance de 30 assume uma

dimensão política. Os Escritores encaram suas obras como armas para a transformação

da sociedade.”

Das duas primeiras décadas, o Estado Novo incorporou no seu projeto, diversas

posições questionadoras e destruidoras das estruturas estabelecidas pelos intelectuais,

abandonando o caráter revolucionário, substituíndo-o pela homogeneização. Para Masina

(MARTINS, 2002, 94), “...os intelectuais e, principalmente, os romancistas, são levados a

definir a identidade do seu local de origem, bem como a representá-lo no imaginário e na

literatura nacional.” Muitos desses literatos descendiam de oligarquias arruinadas ou em

decadência no país, contudo foram eles próprios que questionaram o sistema de

propriedade e o antigo regime.

Na literatura, Almir de Andrade (1939) salienta que, por mais que os cenários

fossem regionais, os motivos das ações eram nacionais, sendo enfatizado os homens

resolvendo seus conflitos sociais. Haviam contextos regionais, mas os temas abordados

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eram universais. A maior parte da literatura, desta época, aborda a consciência do

subdesenvolvimento do país.

O governo observava a sociedade no todo, respeitando as peculiaridades que

contribuíam para a política governamental. Os intelectuais, de certa maneira, respaldaram

algumas culturas regionais. As quais eles tinham a convicção que faziam parte da cultura

brasileira. Através dos intelectuais, o Estado Novo organizou sua política cultural.

Conforme Lucia Oliveira Lippi (1982, 84):

...Em nome do ‘realismo, da ‘objetividade’ e do ‘bom senso’, o discurso estado-novista defende a instauração de um ‘novo’ nacionalismo do ideário liberal. Este novo nacionalismo seria orgânico, ao ligar o presente ao passado, respeitando as tradições, costumes, raças: enfim, orgânico porque de acordo com a ‘alma nacional’.

A proposta de nacionalismo, exaltado pelo Estado Novo, tentou construir uma

memória nacional. De acordo com Teixeira Coelho (1997), a memória é um aspecto

compartilhado da ideologia de um discurso fragmentado, utilizada como instrumento de

políticas patrimonialistas, de acordo com seus interesses e necessidades. A memória

nacional forjada pelo Estado, constrói a memória coletiva. Segundo Catroga (2001, 19), a

memória coletiva “refere-se ao modo concreto e histórico como os vários grupos

constroem e transmitem o passado comum”. O regime estado-novista reforçou essa

questão, utilizando os intelectuais para compilar as tradições brasileiras e criar personagens

históricos que reforçassem a construção da história do Brasil, sendo o passado pertencente

de toda a nação. Para o regime, os brasileiros enalteceriam uma história comum, estariam

fortalecendo a unidade e o nacionalismo.

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Entretanto, esse passado comum foi mascarando a diferença existente dentro do

país, reforçando e apresentando a realidade desta distinção em uma aparência da

similaridade, unindo níveis culturais e contextos sociais distintos para a construção de

identidade nacional.

2.1.3- As Artes Plásticas

As artes plásticas eram meio de convencimento e cooptação, pois mantinham uma

produção figurativa, que poderia expressar a ideologia do regime. Deveriam estar de

acordo com as diretrizes governamentais, tendo assim uma função socializadora em nível

nacional. Os artistas deveriam apresentar temas e motivos do país, aderindo à forma e ao

conteúdo da filosofia política do Brasil. O governo de Vargas deu especial atenção às artes,

estimulando, através de exposições, salões, feiras populares, a produção dos artistas,

criando museus e o SPHAN.

O incentivo às atividades artísticas tinha por trás o interesse do governo de utilizar

as artes para a propaganda ideológica do Estado Novo, como a produção de monumentos

históricos e murais para o Estado21. Em função desse interesse, as artes não sofreram tanta

censura. Conforme Konrad (1994, 95): “O estímulo era maior do que a censura, desde que

21 No Rio Grande do Sul, ocorreu o concurso de maquetes para a construção dos monumentos funerários de Daltro Filho e Maurício Cardoso (1940). Também no centenário de Pacificação do Rio Grande (1944), houve outro concurso pró-monumento de Duque de Caxias, sendo escolhida a obra de Caringi. (KONRAD, 1994). Em reparação histórica a Inconfidência Mineira, especificamente a Tiradentes, houve o repartimento dos despojos dos inconfidentes falecidos no exílio, em Portugal e na África. Foi, então construído um mausoléu, instalado na Casa de Câmara e Cadeia. Para os despojos de Tiradentes foi desenhado um sóbrio jazigo pelo arquiteto José de Sousa Reis (1942). (MILLIET, 2001) O artista Portinari realizou diversas obras para o Estado, destacam-se os painéis do Monumento Rodoviário (1936), três painéis para o pavilhão brasileiro da Feira Mundial de Nova York (1941), os doze painéis para o Ministério da Educação e Saúde (1939), novamente pelo ministério foi encomendado “Jogos Infantis” (1943) e o painel de azulejos “Motivos do Mar”(1941-45).(ZILIO, 1982)

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os temas retratados por artistas, escultores e arquitetos revelassem o ‘espírito’ do novo

regime”.

Os artistas plásticos praticamente não sofreram repressão do Estado Novo. Mesmo

os mais críticos, como os gaúchos, Vasco Prado e Iberê Camargo, recebiam auxílio

financeiro para aperfeiçoar-se. Iberê ganhou bolsa de estudo22, para o Rio de Janeiro, e

trabalhou como funcionário de Secretaria de Obras Públicas do Estado. Vasco Prado,

também, foi funcionário da secretaria. De acordo com Konrad (1994), o governo do

Estado, na figura de Manoelito de Ornelhas23, era um incentivador das artes,

principalmente moderna.

O Rio Grande do Sul era considerado um exemplo muito forte para o restante do

país pelo seu conservadorismo. Tanto o Instituto de Belas Artes (IBA), quanto Associação

Rio-Grandense de Artes Plásticas Francisco Lisboa (AFL) tinham um caráter clássico

humanista24 em sua produção e, também, certa resistência a entrada do modernismo no

Estado.

Nas artes plásticas, como relata Bulhões (1983), a questão era ambígua. O Estado

Novo apoiava duas correntes artísticas, uma mais tradicional e a outra modernista. Os dois

movimentos tinham visões distintas e defendiam questões sociais diferentes. Os artistas,

que seguiam uma práxis voltada aos preceitos humanistas, primavam pela beleza formal

em termos clássicos em suas obras. O controle da formação dos artistas mantinha-se nos

moldes conservadores, sendo esse aprendizado voltado para uma elite. Enquanto isso, os 22 Em 1942, após realizar uma exposição individual no Palácio do Estado, Iberê vai para o Rio de Janeiro, com bolsa de estudos financiada pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul, freqüentando a Escola Nacional de Belas Artes (ENBA).(Pieta, 1995) 23 Chefe da seção gaúcha do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). 24 Arte clássica humanista é a arte clássica, que condensa-se no estilo sublime, sendo destacada pelo domínio técnico. Annateresa Fabris (1999) destaca que esse estilo sublime tem plena liberdade, deixa de imitar a natureza e tenta apresentar o ideal.O ideal clássico transforma-se em dogma, pois responde a objetivos precisos para a formação do artista. Esse tipo de arte tem por parâmetro o belo ideal, que de tal maneira apresenta uma idéia de harmonia na obra de arte. Essa busca a precisão do desenho, a linha contínua e a pureza do traço.

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modernistas tinham uma preocupação com a realidade social, sendo sua produção de

caráter mais experimental, direcionada à definição da identidade na arte. Além disso,

queriam abrir novos espaços dentro das instâncias artísticas presas às tradições, criando

instituições e eventos que os legitimassem.

O Estado Novo lidava com o antagonismo no setor das artes plásticas, onde havia

uma disputa, e ao mesmo tempo, oferecia uma dupla contribuição para o crescimento geral

da arte e do regime. Nenhuma das duas correntes conseguiu impor seu projeto de forma

hegemônica, por estarem sob a tutela do Estado. Tanto os que seguiam uma práxis

tradicional, como os modernistas, ocupavam o espaço que lhes era proporcionado pelo

governo. As intenções modernistas acabaram, pelo funcionalismo do sistema, dissolvendo-

se no nacionalismo brasileiro, que era utilizado pelo Estado Novo.

Em resumo, a política cultural do presidente Getúlio Vargas subvencionou tanto os

modernos, como os que tinham uma produção artística de caráter clássico humanista, não

alterando em nada no campo artístico daquele momento. Fez com que ocorresse a

cooptação e o convencimento dos dois grupos para que não gerassem manifestações

oposicionistas, lideradas pelos artistas.

A produção artística, de tal maneira, legitimava o poder do Estado, pois têm-se uma

quantidade de obras que evidenciavam a existência de tranqüilidade social e prosperidade

econômica. Mesmo os grupos com ideais diferentes agiam de acordo com a cartilha do

Estado Novo, defendendo a política do governo para a construção da identidade nacional.

De certa maneira, apoiando o regime, traziam benefícios para o campo artístico e cultural,

tendo o respaldo do Estado para as atividades artísticas. No mais, todos que tivessem

dispostos a trabalhar de acordo com a doutrina estado-novista, sem críticas e protestos

contra o regime, tinham ampla liberdade de criação.

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2.2- CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL NO ESTADO NOVO

A idéia de pátria estava sendo fortemente reforçada, na década de 30, através do

discurso anticomunista, dos segmentos do poder e dos discursos comunistas, “que

defendem um projeto de revolução” (DUTRA, 1997,150). O país vivenciava um período

conturbado, onde vigorava um sentimento de insegurança, apoiado em pregações de cunho

patriótico e nacionalista. O regime utilizava-se, por exemplo, das datas comemorativas

para buscar a construção da brasilidade, incentivando o amor à pátria.

O Estado Novo buscava estabelecer critérios para a identidade dos brasileiros, a

partir das etnias e dos traços culturais, com o intuito da construir uma nação integrada. Ao

lado disso, transcorria toda a discussão sobre como e quem são os brasileiros, entre os

intelectuais da época. Tudo voltado para a formação do conceito de nação e identidade

nacional. Conforme Lauerhass (1986, 23):

Em que consiste exatamente a nação brasileira? Quem são os brasileiros, o que os caracteriza e quais a são as bases da nacionalidade brasileira? Então, uma vez descoberta e compreendida a essência da brasilidade, ela pôde ser cultivada e utilizadas para fortalecer a unidade nacional.

Isso fazia com que o modelo de homem brasileiro não resultasse do reconhecimento

da diversidade étnica, cultural e da intensa miscigenação, mas sim de uma nação

imaginada que só seria realizada com projeto político, cujas aparências criariam realidades.

De acordo com Dutra (1997), do ponto de vista dominante, os negros continuavam sendo

vistos como problema social. Frente a isso, foram fortalecidas as políticas públicas na área de

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segurança, ainda na década de 30. O principal pensador dessa tendência foi Afrânio Peixoto. Em

seus estudos sobre a questão do negro, enfatizava a esfera criminológica e defendia que os

descendentes africanos eram marcados por uma herança racial e, por isso, os indivíduos

necessitavam ser controlados e melhorados por uma política de higiene social. O regime estado-

novista utilizava-se também desses estudos como respaldo para sua política, pois a questão

eugênica era muito dominante.

Almir de Andrade (1939) salientou que foi com Gilberto Freyre, em sua primeira obra Casa

Grande e Senzala (1934), que se constituiu o primeiro ensaio de um estudo sociológico sobre a

realidade brasileira com outro enfoque, que não o eugênico, partindo do seu conceito de

democracia racial. Segundo Almir de Andrade (1939, 37) esta obra e as outras que a sucederam:

1-) representa uma visão totalitária da cultura, considerada sob os aspectos possíveis. 2-)encarna uma concepção viva e dinâmica da realidade social, aprendida na sua maior intimidade e mais completa espontaneidade; 3-) e uma libertação de toda a espécie de preconceitos e posições parciais - inclusive os preconceitos de raça, que ainda dominavam todos os ensaístas anteriores;

O conceito de democracia racial de Gilberto Freyre, que surgiu nessa época, era

impossível de ser pensado deslocado do ideal nacionalista. A obra Casa Grande e Senzala

reavaliou a contribuição do negro na formação do país, partindo de uma idéia de

miscigenação positiva. A idéia constitui-se numa tentativa de dar uma resposta acabada ao

problema de síntese da nacionalidade, fundada na mestiçagem. A questão da nacionalidade

já era discutida desde do II Império, apesar do desinteresse pelo negro devido à escravidão.

Para Gomes (1996, 194):

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Estava assim, na história do Brasil a chave para compreender a dinâmica de tal processo, que ‘explica’ nossa própria identidade nacional e desafiava as teorias fantasiosas das raças puras, dos climas frios e dos conflitos de classe.

Por mais que o Estado Novo apresentasse a etnia negra como raça constitutiva da

nação brasileira, ainda haviam correntes ligadas ao governo que tinham políticas e posturas

eugênicas. O regime apresentava o negro, o índio e o branco para mostrar que o brasileiro

era formado pelas três raças. No entanto, predominava a idéia de branqueamento da

sociedade. Segundo Hall (2003, 59),

... não importa quão diferentes seus membros possam ser em termos de classe, gênero ou raça, uma cultura nacional busca unificá-los numa identidade cultural para representá-los todos como pertencendo à mesma e grande família nacional.

O argumento unificador do pensamento estado-novista era a noção de pátria e

nação. Através da cultura é que se destacava e demonstrava o espírito nacional em que a

sociedade deveria viver em paz, trabalhar, conservar sua própria cultura e respeitar outros

povos, para que esses os respeitassem. Para Hobsbawn (1997), essa cultura é baseada em

tradições inventadas, respaldadas em elementos antigos para fortalecê-la. Com isto,

estimulava-se o sentimento de pertencimento à nação e aos ideais comuns.

As tradições brasileiras eram evocadas para fortalecer a nação, construir e cultivar o

nacionalismo. O ideólogo Almir de Andrade (1940) salientou que o Brasil herdou tradições

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das artes portuguesa, negra e indígena. Diz, também, que muito dessas tradições populares

foram perdidas dos nossos usos, costumes e instituições. Além disso, defende que não

devemos esquecer essas tradições, por serem traços personalíssimos da alma brasileira.

Através delas, podemos compreender os grandes movimentos da literatura brasileira, da

música popular, das artes, da vida familiar e de todos os setores da sociedade.

A cultura deveria, para o governo, seguir os parâmetros da realidade brasileira. O

processo de formação do Estado Nacional estava calcado em uma realidade buscada no

passado, para construir seu lugar na história, a partir da seleção, da descrição dos fatos e

das interpretações do calendário cívico do país. Além disso, a produção das cartilhas

escolares pelo DIP e as produções acadêmicas, incentivadas pelo Ministério da Educação,

contribuíam para formação desses referenciais.

Através das cartilhas escolares, fazia-se a exaltação do valor do povo brasileiro e,

concomitantemente, dos personagens históricos, que resumiam as qualidades de toda a

nação. De acordo com Gomes (1996, 185):

... representantes dos princípios formadores do povo brasileiro, que podiam exprimir seus sentimentos, necessidade e aspirações. Eram os homens que traduziam o que há e melhor e mais expressivo para a avaliação do espírito brasileiro...

Nas escolas, primeiro se trabalhavam com as biografias dos heróis nacionais, para

depois darei continuidade com temas mais amplos. Essa estratégia pedagógica para o

ensino de História na época, era voltada para a construção de uma identidade. Além disso,

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regulamentou nas escolas estrangeiras, o ensino obrigatório em língua portuguesa,

atingindo os núcleos de imigração, principalmente alemã, que se mantinham afastados e

cultivavam o seu idioma. Como afirma René Gertz (1992), a nacionalização ocorria de

duas maneiras no Estado Novo: educativa e repressiva. Na educação foi generalizada,

quanto à repressão ocorreu de modo seletivo, sendo voltado para os nazistas e integralistas,

e a tudo que fosse relacionado ao eixo, depois de 194225.

Para Hall (2003), a identidade é algo formado num processo contínuo, ou seja, ao

longo do tempo através de processos inconscientes, não sendo algo inato. Diz o autor ainda

que (2003, 48): “as identidades nacionais não são coisas com as quais nós nascemos, mas

são formadas e transformadas no interior da representação26”. As representações

simbólicas nacionais produzem sentidos. Sendo assim, a identidade está interligada a tais

representações.

As culturas nacionais são compostas por símbolos, representações e instituições

culturais. Essa cultura constrói sentidos que influenciam e organizam as ações do sujeito e

da sociedade. Segundo Hall (2003, 51):

As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre “a nação”, sentidos com as quais podemos nos identificar, constroem identidades. Esses sentidos estão contidos nas estórias que são contadas sobre a nação, memórias que conectam seu presente com seu passado e imagens que dela são construídas.

25 O Estado Novo manteve, até 1942, uma política ambígua entre os Estados Unidos da América (EUA) e a Alemanha, pois mantinha acordos políticos e econômicos com as duas nações. Após a pressão por parte dos EUA, o Brasil teve que se decidir a quem prestaria apoio na Segunda Guerra Mundial. Com isso, afastou-se de tudo que estivesse ligado ao eixo. 26 Escrita, pintura, desenho, fotografia e outros.

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A identidade é formada na interação entre sujeito e sociedade. O núcleo e a

essência do sujeito vai se formando e modificando através de um diálogo contínuo com o

mundo cultural e com outras influências. O sujeito projeta-se nessas identidades culturais e

concomitantemente internaliza seus significados e valores, tornando-se parte dele. A

identidade insere o sujeito à estrutura. Conforme Hall (2003, 12): “Estabiliza tanto os

sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente

mais unificados e predizíveis”.

As culturas nacionais não podem ser pensadas como unificadas, sendo elas

constituídas a partir de um dispositivo discursivo, representando a diferença como unidade

ou identidade. Elas são distintas e divididas internamente, mas são unificadas pelo Estado

através do exercício de diferentes formas de poder cultural. Para Chiappini (MARTINS,

2002, 44): “Mas não há como negar que, cada vez mais, as identidades são plurais e as

nações sempre se compuseram na diferença, mais ou menos escamoteada por uma

homogeneização forçada em grande parte artificial.”

O regime estado-novista fazia com que os indivíduos se identificassem com seus

interesses sociais, exclusivamente em termos de grupo, de acordo com sua profissão,

cultura e etnia. Além disso, o apresentado como diferente pela sociedade, deveria compô-la

e representá-la, para constituir uma identidade nacional, singular, mestra e única, para que

se pudesse de maneira segura implantar a política do governo. Para atender esses

propósitos, houve todo esse convencimento e cooptação dos intelectuais e artistas no

Estado Novo, com intuito de consolidar o regime sem qualquer interferência contrária.

A História teve um papel primordial; através dela, o Estado pode mobilizar a nação

a dividir um mesmo passado. Segundo Gomes (1996, 138):

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... o Ministério da Educação e Saúde, que percebia a

relação profunda entre ‘produtos intelectuais’ e meio social e garantia condições para que toda a vida cultural girasse em torno dos problemas da nacionalidade e da busca de suas soluções.

Os princípios e fins da arte no país, também, eram determinados para que todos os

valores se ajustássemos idéias do regime, cada qual exercendo uma atividade específica,

em função das necessidades nacionais.

Tudo isso era voltado para objeto principal do Estado Novo, um Novo Homem.

Esse homem deveria organizar-se em busca da felicidade, tendo o respaldo do Estado para

concretizar essa proposição. Assim, ampliaria a força dos indivíduos, para que em conjunto

conseguissem construir uma identidade nacional forte. Segundo Almir de Andrade (1940,

206): “... é que o Estado brasileiro coloca o bem-estar, a cultura, a alegria, a felicidade

humana acima dos interesses puramente políticos. O Estado brasileiro é feito para o

homem e para a vida.” Desta maneira, os fins do Estado confundiam-se, em última análise,

com os fins do indivíduo.

O Estado Novo tinha, também, a pretensão de restaurar alguns valores, para

constituir um povo brasileiro com sentido integral, incluindo o sentido estético. A

valorização do homem se dava a partir das artes e da música, que se constituíram como

alguns instrumentos utilizados pelos aparelhos ideológicos do regime. Segundo Figueiredo

(1983,139): “... a arte, que inclusive em seu sentido estético, tem um caráter social, vale

hoje como um dos meios políticos de construção do homem”.

Como destaca Hobsbawn (1997), o país proclama sua identidade e soberania a

partir da bandeira nacional, do hino e das armas nacionais. A legitimidade dos símbolos

nacionais fundamentou-se em valores já existentes ou as vezes recriados. Para auto-

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afirmação desses novos símbolos, ocorre até a destruição de outros. Getúlio Vargas iniciou

seu regime destruindo símbolos oriundos da política regionalista, que prejudicava a

ideologia do Estado Novo, de constituir uma nação única e centralizada no governo

federal. Como relata Silva Neto (1999, 24):

... a Bandeira simboliza a pátria. Queimar as bandeiras dos Estados federados, como nas solenidades públicas do governo Vargas a partir de 1937, reforçava a certeza da existência do Estado Nacional, agora centralizado sob uma única bandeira: um só povo, uma só pátria.

O Estado Novo, propondo-se a criar um novo país, destruindo símbolos,

selecionando personagens históricos, reconstruindo a história do povo brasileiro, buscava

forjar uma memória coletiva e histórica. Sendo que todos esses aspectos estavam voltados

para a construção de uma identidade nacional.

As representações identitárias ocorrem a partir da estruturação da memória. De

acordo com Catroga (2001, 20), “...condicionamentos impõem que a memória seja sempre

selectiva. Por conseguinte, ela não é um armazém que, por acumulação, recolha todos os

acontecimentos vividos por cada indivíduo, um mero ‘registro’; mas é retenção afectiva e

‘quente do passado...”. A memória tem uma função pragmática e normativa. Sendo que

em relação a uma história ou patrimônio comum, ligam indivíduos através das identidades.

Catroga (2001) apresenta a memória histórica e coletiva, conforme Halbwacks,

definindo a primeira como um produto artificial, voltada ao ensinamento e com finalidade

social. Já a segunda, tem origem anônima e espontânea, transmitida oralmente e de

maneira repetitiva. Segunda Catroga (2000, 50):

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“...a historiografia também funciona como fonte produtora (e legitimadora) de memórias e tradições, chegando mesmo a fornecer credibilidade cientificista a novos mitos de (re) fundação de grupos e da própria nação (reinvenção e sacralização das origens e de momentos de grandeza simbolizados em ‘heróis’ individuais e coletivos)”.

O SPHAN27, ao preservar a memória nacional, foi outro organismo que se mostrou

eficiente na construção de símbolos de formulação ideológica. Através de projetos

desenvolvidos pelo Serviço de Patrimônio, foram criados diversos museus. Como

apresenta Maria Fonseca (1997), Mário de Andrade preconizava e incentivava a criação de

museus locais, ao nível municipal, com um acervo heterogêneo de acordo com os critérios

de seleção ditados pela população local. Acrescenta, ainda, que os museus nacionais

estariam inseridos nas grandes cidades, tendo um acervo mais especializado.

Foi assim que no Rio Grande do Sul, no primeiro momento, ocorreu à preservação

das Ruínas de São Miguel (TELLES, 1977). Em seguida, surge o interesse de construção

do Museu das Missões na região. Também, registra-se a criação do Museu da

Inconfidência (1944), destinado aos objetos ligados aos protagonistas da insurreição

mineira e outras obras que se constituem como documentos na formação de Minas Gerais

(MILLIET, 2001). Apresenta-se, novamente, a construção da memória coletiva, fixada no

patrimônio, com o intuito de construir a história do povo. O Estado Novo utilizou-se desses

dos diferentes suportes apresentados para fortalecer o desenvolvimento do regime e se

empenhou para que todos os aspectos o legitimassem.

27 Serviço de Patrimônio Histórico Artístico Nacional começou experimentalmente a funcionar em 1936, com a lei nº 378/37 ele passa a integrar oficialmente o Ministerío da Educação e Saúde (MES). (FONSECA, 1997)

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2.2.1- ASSOCIAÇÃO FRANCISCO LISBOA: AS IMAGENS DA IDENTIDADE NACIONAL

A construção da Identidade Nacional no Estado Novo pode ser observada a partir

da produção artística dos sócios da Associação Rio-Grandense de Artes Plásticas Francisco

Lisboa (AFL), principalmente nas obras dos artistas João Faria Viana, Edla Silva, Edgar

Koetz e Gastão Hofstetter. Eles retratavam em seu conjunto de obras temas em que

estavam em pauta na época, tendo muitas vezes que buscar subsídios que respaldassem a

sua produção em fotografias e lendas indígenas, por exemplo.

A imagem tem importância enquanto fonte de informação histórica, pois registra

informações que não ficam internalizadas na memória. Quanto mais se distancia da época,

mais difícil fica em se ter informações ou recordar o passado. Os artistas, quando tinham o

propósito de ilustrar determinada época, a qual não haviam vivido, buscavam outras fontes,

como quadros, desenhos, gravuras de outros artistas, textos escritos, documentos e

fotografias. As imagens que serão analisadas a sguir, tiveram como principal fonte estas

últimas.

A fotografia começa, então a ter a função de um documento visual, revelador de

informações e de preservação da imagem. Esta imagem documenta a visão de mundo do

fotógrafo, pois passa pelos seus filtros. Ele escolhe o lugar, as pessoas, o ângulo e o foco

da fotografia, mostrando um fragmento de determinada realidade. Os conteúdos da

imagem fotográfica mostram assuntos geralmente bem organizados em sua composição e

aprioristicamente petrificados, antes mesmo do congelamento da ação, conforme Kossoy

(2001).

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Os artistas, a partir da fotografia, conseguiam fazer a reconstituição do passado. Do

momento fragmentado, ou seja, do recorte espacial28 feito pelo fotógrafo, ocorrendo ao

mesmo tempo uma interrupção temporal29. Segundo Annateresa Fabris (2004, 22), “A

concepção da fotografia como instrumento auxiliar da pintura...”. A fotografia acaba

sendo um substituto do imaginário real, um passado preservado de um determinado tempo.

Além disso, pode ser utilizada como construção da identidade de um grupo e até de uma

nação. Pelo país, a identidade é elaborada da maneira do eu coletivo. Segundo Annateresa

Fabris (2004, 15), “...a fotografia constrói uma identidade social, uma identidade

padronizada, que desafia, não raro conceito de individualidade, permitindo forjar as mais

variadas tipologias.”

2.2.1.1- A Construção de Vultos Históricos

Principalmente João Faria Viana buscou a fotografia para não utilizar somente o

imaginário em suas produções artísticas, referentes ao final do século XIX, baseando-se no

visível. De acordo com Boris Kossoy (2000, 36), a fotografia: “Se confunde com a

primeira realidade em que se originou”.

João Faria Viana30, sócio-fundador da Associação Francisco Lisboa, conseguiu

espaço para expor seus trabalhos nos primeiros salões da entidade, predominando a

28 Assunto selecionado do real pelo fotógrafo. 29 Congelamento ou paralisação da cena. 30 O artista João Faria Viana nasceu em Porto Alegre em 1905, iniciou sua formação com Giuseppe Gaudenzi no Instituto Parobé e teve a oportunidade de continuar seus estudos artísticos no Instituto de Belas Artes. Desde cedo, trabalhou para órgãos da imprensa como o Correio do Povo e, também, na seção de desenho da Editora Globo, como contratado para trabalhos eventuais e ilustrador.

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xilogravura31. Seus pontos de vista artísticos eram totalmente conservadores, ligados aos

preceitos humanistas.

Ele desenhou pessoas que contribuíram para a história do país, ou seja, ‘vultos

históricos’, que estavam sendo enaltecidos pelo Estado Novo, para afirmar uma tradição

brasileira. O sócio-fundador da AFL realizo, entre outras obras uma xilogravura de “Carlos

Gomes”32, apenas retratando seu busto.

31 A xilogravura é uma palavra originária dos termos gregos, “xylon” e “graphein”, que significam madeira e escrever. Então conforme Costella (1987, 09): “Xilogravura significa, portanto, a maneira de escrever ou gravar com o emprego de matrizes de madeira”. 32 O maestro compositor Antônio Carlos Gomes nasceu em São Carlos, atualmente Campinas-SP, em 1836. Desde criança sua vida foi voltada para música, cantando juntamente com seu pai nas Igrejas. Na adolescência já compunha modinhas, quadrinhas e tangos. Aos 23 anos de idade foi para corte, buscando a proteção de Dom Pedro II, para se matricular no Conservatório de Música. Em Milão aperfeiçoou seus estudos, recebendo o título de maestro compositor. Compôs muitas óperas que tratavam de aspectos brasileiros, à ópera O Guarani (1870), aborda sobre a cultura indígena, Salvator Rosa (1874) ocorre a exaltação da pátria amada e Lo Schiavo (1888-1889), ou seja, o Escravo trata da abolição da escravatura, dedicando esse trabalho à princesa Isabel. Praticamente quase todas são de teor nacionalista Morreu em 1886, devido ao um tumor na língua. (RUBERTI, 1955) (SÁ, 1956).

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A imagem33 de Carlos Gomes está totalmente centrada, havendo uma luminosidade fixada

no rosto, no pescoço e na gola da camisa. O rosto de Gomes está de semiperfil, enquanto a

parte superior do peito, que aparece na obra, está de frente. Há sombra em torno do ombro

direito e da cabeça. Ele apresenta um olhar fixado em algo. No segundo plano da obra, há

espaços de claridade, feitos na própria produção da xilogravura, ocorrendo uma

profundidade com entalhe na madeira. Quando se passa o rolo de borracha rígido com a

tinta, esta não escorre para as parte mais baixas, ou seja, o entalhe da matriz. Na hora da

impressão, apenas aparece no papel às partes mais altas, em relevo.

Carlos Gomes exaltou o II Império, a paisagem brasileira, e as etnias, principalmente, o

índio. Muitos músicos, escritores e poetas foram valorizados pelo Estado Novo, por 33 O retrato Carlos Gomes foi exposto no III Salão da Associação Francisco Lisboa em 1940. (Catálogo do III Salão da AFL, 1940).

João Faria Viana. Retrato de Carlos Gomes, 1940. Xilogravura, 85x71cm. Pinacoteca Barão do Sto. Ângelo – IA/Ufrgs

Fotografia de Carlos Gomes. Livro: Carlos Gomes, 1955.

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apresentaram em suas obras questões que acreditavam ser genuinamente brasileiras, tendo

em vista o nacionalismo. Com isso, há uma retomada de questões do romantismo e

indianistas, apresentadas no II Império. Esse nacionalismo, construído no século passado,

assegurava a unidade nacional, centrada antes na figura do Imperador e agora na do

Presidente. Isto restringia a autonomia dos Estados, superando os símbolos regionais.

Retomando Peter Burke (1994), a construção do mito e do símbolo na política sempre

existiu, com objetivo de afirmação do governo. Principalmente nas sociedades ocidentais,

ainda há a permanência de determinados mitos e símbolos.

Outro retrato34 que o artista entalhou foi o de “Aleijadinho”35. Também, é um

busto, centrado na obra. Há uma luminosidade fixada no rosto e no pescoço do figurado. A

parte superior do peito está levemente de lado, mas o rosto está virado para esquerda. Há

sombra em torno da cabeça e do ombro direito. O olhar do artista está fixado em algo. Ele

foi ilustrado de barba e cabelos um pouco crescidos, apresentando-se crespos.

34 O retrato de Aleijadinho foi exposto no III Salão da Associação Francisco Lisboa, em 1940. (Catálogo do III Salão da AFL, 1940) 35 Antônio Francisco Lisboa, nasceu em Vila Rica (MG) em 1730, filho de uma negra escava e um escultor, arquiteto português. Ele nasceu escravo, de acordo, com a legislação lusitana, mas foi alforriado pelo pai na hora do batismo, mediante de uma declaração. Foi com seu pai que iniciou sua aprendizagem de escultor, completando seus estudos com outros entalhadores da região. Devido à enfermidade que o deformou recebeu o apelido de Aleijadinho. Realizou diversos trabalhos na região de Minas Gerais, idealizando projetos arquitetônicos de Igrejas. Entalhou diversas esculturas, sendo uma das mais conhecidas são as de pedra sabão Os Doze Profetas. A vida inteira dedicou-se a produção de obras sacras. Morreu em 1814 na mesma cidade em que nasceu. (PIRES, 1961)

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Aleijadinho simbolizava o berço da cultura brasileira. Como observa Almir de

Andrade (1939,15), esta brasilidade, representada por Aleijadinho, se deve ao seu estilo

próprio, apresentando algumas características do estilo colonial português e do velho

barroco jesuítico, abandonando aos poucos esses moldes e apresentando-o que se

acreditava ser o primeiro modelo de arte brasileira, sendo assim um precursor. Andrade

afirma que (1939, 12): “... Através da obra de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, a

arte de Minas Gerais se liberta de todos seus traços regionais e adquirido uma

significação profundamente brasileira”. A busca de personagens históricos como Carlos

Gomes e Aleijadinho, é recorrente muito no Estado Novo, pois eles representavam a

brasilidade em construção Na hora da impressão, apenas aparece no papel às partes mais

altas, em relevo.

Carlos Gomes exaltou o II Império, a paisagem brasileira, e as etnias,

principalmente, o índio. Muitos músicos, escritores e poetas foram valorizados pelo Estado

João Faria Viana. Aleijadinho, 1940. Xilogravura. Livro: Biografia de uma cidade.

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Novo, por apresentaram em suas obras questões que acreditavam ser genuinamente

brasileiras, tendo em vista o nacionalismo. Com isso, há uma retomada de questões do

romantismo e indianistas, apresentadas no II Império. Esse nacionalismo, construído no

século passado, assegurava a unidade nacional, centrada antes na figura do Imperador e

agora na do Presidente. Isto restringia a autonomia dos Estados, superando os símbolos

regionais. Retomando Peter Burke (1994), a construção do mito e do símbolo na política

sempre existiu, com objetivo de afirmação do governo. Principalmente nas sociedades

ocidentais, ainda há a permanência de determinados mitos e símbolos.

Faria Viana, também, retratou o “General Daltro Filho36”, que tinha sido interventor

no Estado e havia falecido em 1938. A obra37 foi exposta um ano após o falecimento do

general. Pressuponho que o artista utilizou a fotografia do General como modelo para o

retrato, pois ele encontra-se em posição estática, centralizado no quadro e de frente. O

olhar do retratado está voltado para o pintor ou ao observador da obra, apresentando

seriedade. O fundo da obra é escuro com alguns entalhes claros, onde a tinta não penetrou.

A luminosidade da obra está centrada na pessoa que posa para o quadro. Ele veste terno e

gravata militar. O artista novamente faz um retrato de busto.

36O militar Manuel de Cerqueira Daltro Filho nasceu em Cachoeira (BA), em 1882. Ele teve uma vida militar bastante ativa em nome da nação brasileira, principalmente em 1930, quando combateu junto ao movimento insurrecional que depôs o presidente Washington Luís e levou Getúlio Vargas ao poder. Devido ao seu prestígio de militar legalista, foi nomeado comandante do 3º Regimento de Infantaria (3º RI), na capital federal. Daltro Filho sempre esteve ao lado do governo de Vargas, participando de diversas repressões aos movimentos que eram contra o regime. Em São Paulo, combateu a revolução de 32 e em Porto Alegre, contra o governador do Estado, Flores da Cunha, que foi o último obstáculo do projeto do presidente. Devido a esta situação no RS, Daltro Filho foi nomeado comandante da 3ª RM, sediada em Porto Alegre. Nesse posto, ele tomou as últimas medidas no sentido do afastamento de Flores da Cunha do governo gaúcho, após o decreto que colocava as Brigadas Militares do estado sob o comando da 3ª RM. Logo após assumiu a interventoria federal no estado, pouco antes da decretação da ditadura do Estado Novo, em novembro de 1937. Ficou pouco tempo neste posto, pois teve que se afastar por motivos de saúde e veio a falecer na capital sulina em janeiro de 1938. (BENTO, 1995, 392-394) 37 A obra do General Daltro Filho foi exposta no III Salão da Associação Francisco Lisboa. (Catálogo do III Salão da AFL, 1940)

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A obra do General seguiu a temática da época, pois estava em alta no Rio Grande

do Sul, assim como em todo país, as homenagens aos ‘personagens históricos’. O governo

estadual apoiava concursos de esculturas, para a construção de monumentos em memória

de pessoas ilustres na História do Brasil, como foi no caso do monumento funerário ao

General Daltro Filho, a Maurício Cardoso e o pró-monumento de Duque de Caxias. Desta

maneira,, forjaram uma memória coletiva e histórica na sociedade gaúcha. Conforme

Catroga (2000, 24):

...todo monumento é traço do passado, consciente ou involuntariamente deixado, a sua leitura só será re-suscitadora de memórias se não se limitar à perspectiva gnosiológica e ‘fria’ (típica da leitura patrimonial e museológica), e se for mediada pela afetividade e pela partilha comunitária com outros.

O monumento serve para deixar vivo a memória desses personagens históricos,

selecionados pelo estado, mas não apenas com o fim de recordar e sim de construir

João Faria Viana. Retrato do gal. Daltro Filho, 1940. Xilogravura, 60x48,1 cm. Acervo do Museu Júlio de Castilhos.

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identidades. O presidente Getúlio Vargas colocou-se como um representante vivo dessa

brasilidade, ou seja, igualou-se aos “personagens históricos”. Ele utiliza a mesma

estratégica oligárquica. Conforme Peter Burke (1994, 47): “A imagem do rei era associada

ainda aos heróis do passado.” No caso brasileiro imagem do presidente foi espalhada

pelo país.

O artista Faria Viana retratou, ainda, o busto do presidente Vargas38. A imagem do

presidente encontra-se levemente de lado, vestindo terno e gravata. Ele expressa um sorriso

alegre. O artista salientou as expressões do rosto de Vargas, deixando-lhe envelhecido.

Pressupõe-se que esta imagem foi copiada de uma fotografia de Vargas, mas não as

oficiais, da figura do presidente. Provavelmente, Faria Viana utilizou uma das tantas

fotografias que a revista do Globo publicava de Vargas, quando visitava ou passava pelo

Estado gaúcho.

38 O retrato do Exmo. Snr. Dr. Getúlio Vargas (título da obra de acordo com o catálogo) foi exposta no IV Salão d Artes Plásticas da Associação Francisco Lisboa, em outubro de 1942. (Catálogo da IV Salão AFL, 1942)

João Faria Viana. Retrato do Exmo. Snr. Dr. Getúlio Vargas, 1942. Xilogravura, 59x49 cm. Pinacoteca do Barão de Sto. Ângelo, IA/Ufrgs.

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A fisionomia que ele transmite em suas imagens, estava de acordo com suas

palavras e suas atitudes. Apresentando um homem sorridente e afável com todos,

comunicativo, sereno nos problemas mais difícil, construindo assim no imaginário um

governante humano e de bom senso. Para reforçar a construção da imagem desse

governante forte, utilizava, juntamente com sua figura, o rádio para respalda-lo e fortalecê-

lo em discursos, sendo sua voz levada para todo o território nacional.

A dominação carismática, desenvolvida pela imagem de Vargas, consolidava sua

mitificação para o fortalecimento da nacionalidade brasileira. Segundo Napoleão Neto

(1999, 22): “...a ascensão de Vargas ao olimpo da mitologia popular servia a um

determinado próposito: a construção de uma identidade nacional moderna.”

De acordo com Angela Gomes (1996, 186),

A relação de vultos privilegiava assim a temática das lutas pela Independência e pela defesa da pátria e, com a mesma ênfase, da luta pela construção de um Estado nacionalista, como queria o Estado Novo. O único personagem vivo, capaz de se ombrear com os demais, era Vargas, síntese das qualidades da elite e do povo brasileiro...

Vargas coloca-se ao lado dos ‘personagens históricos’, buscados e construídos pelo

Estado Novo, apresentando-se mitificado para a sociedade brasileira, como representante

dessa, com todas as suas qualidades. Ao mesmo tempo, representa a autoridade do Estado

na figura de presidente, ou seja, a sua imagem confunde-se com o Estado. Conforme

Milliet (2001, 16) a imagem mitificada tem o intuito de,

revelar o que existe sob sua aparente naturalidade. Isto porque a perversidade do mito não está em deformar o objeto a que se refere, mas em fazer com que a deformação apareça como coisa natural. Tão natural e verdadeira que a invenção pode parecer mais real do que o real.

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Observa-se, a partir das imagens das moedas, que, dentro das propostas estado-

novistas, a figura de Getúlio Vargas estava sendo comparada com os vultos enaltecidos

pelo regime, conforme referido acima por Napoleão Neto. Na produção da época, também,

nos selos, cédulas, livros e fotografias para serem vendidas, perceber-se a comparação da

figura do presidente aos ‘personagens históricos’, que tentaram de alguma forma ‘salvar o

Brasil’, na perspectiva do regime estado-novista. Conforme Milliet (2001, 19), “O culto

aos heróis (...) costuma integrar uma política de reforço e coesão sociopolítica da nação”.

Cédula de 10 réis, com a imagem de Vargas emitida pelo Tesouro Nacional em 1944. (Colecionador particular)

Moeda de 400 réis. Getúlio Vargas, níquel, 1938. Centro Cultural Banco do Brasil

Moeda de 300 réis. Carlos Gomes, cuproníquel, 1938. Centro Cultural Banco do Brasil

Selo comemorativo dos 50 anos da União Panamericana, 1940. Colecionador particular.

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Assim, pressupõe-se que Vargas tinha, também o objetivo de mostrar-se como o

salvador dos problemas do país e tornar-se um herói nacional. Segundo Burke (1994, 211):

“O mito do herói como onisciente, invencível e destinado ao trunfo sobre as forças do mal

e da desordem. A imagem do líder que trabalha durante noite enquanto o povo dorme”.

As ações políticas desenvolvidas no Estado Nacional, legitimavam a personificação na

figura de Vargas, e além disso, o vínculo entre a pessoa do presidente e o povo. Segundo

Ângela Gomes (NOVAIS, 1998, 522),

A autoridade máxima e a síntese do poder público moderno eram uma pessoa: o presidente. Ou seja, pelos acasos da sorte, tal formulação acabava por combinar as mais lídimas tradições da sociedade brasileira – fundada no poder

Cartaz do DIP. Exaltação da Implantação do Estado Novo, 1937. Arquivo Nacional

Livros produzidos pelo DIP. CPDOC. Capa da Revista do Globo.

Edição, 221, 1938.

Fotografias de Getúlio Vargas, sendo vendidas por ambulantes. Arquivo Nacional.

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personalizado do patriarca rural – com os mais vigorosos imperativos da política da época. Tradição e modernidade se fundiam harmoniosamente no empreendimento que consagrava, a um só tempo, o reforço do sistema presidencial e a construção mítica da figura de seu representante como uma encarnação do Estado e da nação.

Vargas trouxe resquícios da sua vida rural, ou melhor, da figura do patriarca rural,

como a figura centralizadora do poder local. Entretanto, utilizou-se desse modelo,

revertendo o localismo para o centralismo do poder no país, buscando construir uma

unidade nacional.

O presidente conseguiu construir uma imagem dotada de qualidades e que

expressasse confiança ao povo, sendo reconhecido pela nação. Tudo isso voltado para

manter o governo, neutralizar situações contrárias e controlar a população. Tornando-se

um representante de um poder de expressão simbólica.

As imagens feitas em xilogravura e bico de pena são retratos. Conforme Lhote

(1999, 35): “O retrato moderno começa por seguir o encontro entre o busto antigo e a

tradição literária e retórica da ekphrasis. O primeiro exige a imitação e a vida, a derrota

da natureza perante a Arte; o segundo dá exemplos precisos deste triunfo do artista”. O

retrato, na época do Estado Novo, era muito utilizado ainda. A encomenda de retrato da

família, dos filhos era de certa maneira, um processo de formação da identidade, não

apenas da elite. Nos primórdios do século XIX, começam a se modificar algumas questões

sobre o retrato. Ele deixa de ser privilégio das classes dominantes, passando a contemplar,

também, a burguesia. Segundo Miceli (PANDOLFI, 1999, 195): “Os retratos são

elementos integrantes desse esquema ‘identitário’”.

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De acordo com Annateresa Fabris (2004), o retrato é uma biografia dramatizada e é

menos evidente do que ele poderia apresentar-se no primeiro momento. No entanto, ele

guarda uma história.

Há séculos, a noção de retrato está calcada no princípio de individualidade, da

singularidade. Esse gênero busca a essência do retratado, reduzido a um fragmento, ou

seja, um busto. Trata-se de substituir o todo por uma parte. Como refere Jose Gil (LHOTE,

1999), nos retratos, a unicidade do rosto deriva da sua auto-suficiência, do indivíduo, como

ser único, com suas diferenças internas, a forma do seu rosto e seus traços de expressão.

No retrato, o rosto constitui-se a “zona corporal” privilegiada de comunicação e de

expressão, ou seja, apresenta expressões, traços, movimentos e olhares, de acordo com

José Gil (LHOTE, 1999,13). As pequenas percepções, o olhar de lado, o semi-perfil do

rosto geram a impressão de uma visão do todo, do rosto por inteiro. Ainda, segundo José

Gil (LHOTE, 1999, 29), “O retrato clássico produz, no melhor dos casos, essa ilusão.

Mesmo de perfil, o olhar acolhe o meio-rosto como se fosse um rosto inteiro”. Nas obras

analisadas, há predominância do semi-perfil, o olhar não fixado no artista ou/fotografo,

concentrado em outro lugar. Entretanto acaba tendo-se a noção do rosto todo. Além disso,

os retratos são representações semelhantes e fiéis aos originais, já que na maior parte a

fotografia foi utilizada como modelo.

Conforme Annateresa Fabris (2004,15), “...a fotografia constrói uma identidade

social, uma identidade padronizada, que desafia, não raro, o conceito de individualidade,

permitindo forjar as mais variadas tipologias”. O retrato tem a proposta de exaltação

suprema, desumanizando o ser, não sendo a representação do corpo físico, mas da

autoridade com todos os seus atributos. Contudo, ele torna presente o ausente,

ressuscitando ou recordando o modelo quando morto, porque apresenta uma imagem viva,

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a representação. De acordo com José Gil (LHOTE, 1999, 12): “... o retrato deixaria de ser

uma representação para se transformar numa pessoa viva e como tal, corruptível e

mortal”.

É o que ocorre com as diversas imagens de Getúlio Vargas e dos vultos históricos -

Aleijadinho, Carlos Gomes e Daltro Filho – que permaneceram vivos na memória da

nação. Como ainda propõe José Gil (LHOTE, 1999), a função do retrato é de prolongar a

imagem dos vivos para além da morte, construindo um tempo invulnerável, perante o

cronológico. Não se pode esquecer igualmente que o retrato é um gênero a serviço do ideal

poético. Segundo Galienne e Francastel (1995,185),

... Sus retratos guardan siempre algunas características del retrato de ostentación. (...)luchan victoriosamente contra el gran género, el retrato en cambio tiene dificultades para liberarse de su carácter conservador...

Os retratos apresentados seguem esses padrões citados por Galienne e Francastel,

até porque a Associação Francisco Lisboa defendia esse tipo de produção, voltada para os

termos clássicos humanistas.

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2.2.1.2- Negros e Índios

As obras, muitas vezes, foram fruto de temas escolhidos pelo próprio artista, mas

algumas vezes o tema foi encomendado. Isso pode ser evidenciado nas ilustrações39 que

acompanham a narrativa do livro de Athos Damasceno, que apresenta Porto Alegre no

século XIX. O livro foi publicado pela Livraria Globo e as imagens foram realizadas na

Seção de Desenho da empresa, pelo artista João Faria Viana. A livraria e editora realizava

a produção gráfica de suas publicações, livros e da sua revista. Segundo Paula Ramos

(2002, 122-123):

Essa relação harmoniosa entre texto e imagem foi muitas vezes alcançada pelas publicações da Globo. (...) Além disso, acreditamos que nos livros os ilustradores se expressavam de maneira mais lírica e livre, ao assumir integralmente a criação de um produto, o contrário do que ocorria com as revistas, produzidas por vários artistas desenhistas simultaneamente.

As ilustrações de bico de pena foram baseadas em fotografias do século XIX

registradas pelos mais antigos fotógrafos da cidade de Porto Alegre, Virgílio Calegari e

Luis Terragno. João Faria Viana copiou até as imagens das pessoas que posavam para os

fotógrafos, pois estavam ligadas a narrativa de Damasceno. Com a fotografia ocorreu a

democratização do retrato, evidenciando o desejo e possibilidade de igualdade. Até ex-

escravos eram fotografados. Além disso, conforme Annateresa Fabris (1994, 20) a “Tarefa

39 As 21 ilustrações realizadas para o livro Imagens Sentimentais de Porto Alegre, de Dasmaceno Ferreira, de 1940, foram expostas no III Salão de Artes Plásticas da Associação Francisco Lisboa, em 1940. (Catálogo do III Salão AFL, 1940)

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da fotografia seria a de ‘tornar explicítas as relações com o mundo que cada um traz

consigo”.

Antes do surgimento da fotografia, os retratos eram feitos a óleo pelo pintor e

poucos tinham condições de pagar, apenas a elite. Faria Viana produziu o “Escravo

Livre”40, que foi fotografado entre em 1871-90.

Ilustrou o busto do negro de perfil, conforme aparece na fotografia, seguindo

corretamente esta, na questão das marcas de expressão e das cicatrizes na face, sendo estas

evidências da escravidão. O olhar de tristeza e cansaço, da vida difícil do indivíduo,

apresenta-se nas duas imagens. O negro veste um casaco aberto, aparecendo abaixo deste

uma camisa, que também está aberta, assim deixando de fora o peito e o pescoço. Na

cabeça, ele tem um chapéu, colocado de lado. O bico de pena mantém a neutralidade no

fundo, sendo este totalmente liso. Esse fundo neutro que a fotografia expressa em segundo

40 Compõem as ilustrações do livro Imagens Sentimentais de Porto Alegre, de Damasceno Ferreira, como já foi referido na nota 19.

João Fariana Viana S/título, 1940. Bico de Pena. Livro: Imagens sentimentais da cidade.

Fototeca Sioma Breitman. s/d. Museu Joaquim José Felizardo/PMPoa.

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plano, segundo Fabris, provém da pintura. Às primeiras fotografias seguem as modalidades

de representação pictórica. Não há registro da autoria da fotografia que Faria Viana

utilizou como modelo.

O bico de pena da “Senhora Negra”, também, acompanha a narrativa de

Damasceno Ferreira e o artista utilizou novamente como modelo à fotografia de Virgílio

Calegari.

Há diferença nas imagens, pois o desenho realizado por Faria Viana está de corpo

inteiro e, além disso, de sapatos. Na fotografia, o corpo da senhora aparece até os joelhos.

Como destaca Fabris (2004), as fotografias da década de 1860 dos fotógrafos Christiano Jr.

& Pacheco e dos operadores da Casa Leuzinger, registraram os escravos em trajes limpos e

pés descalços no Rio de Janeiro. Isso não diferencia das fotografias produzidas em Porto

Alegre no final do mesmo século. Houve uma liberdade de criação por parte do artista ao

João Faria Viana. S/título, 1940. Bico de Pena. Livro: Imagens sentimentais da cidade.

Foto: Virgílio Callegari, final do séc. XIX. Fototeca Sioma Breitman Museu Joaquim José Felizardo/PMPoa

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realizar o bico de pena. Isso é um reforço na idéia de igualdade entre as pessoas, colocar

sapatos, pois nem todas as pessoas pobres tinham calçados.

Outra diferença que aparece no desenho foi à retirada da fita que estava amarrada

na alça da sacola de palha. O restante seguiu conforme estava na foto. A senhora sisuda,

olhar fixado no fotógrafo ou em quem observa a imagem. Ela veste uma blusa larga e uma

saia, que parecem ser do mesmo tecido, além disso, há um xale por cima do ombro direito

e nesse mesmo lado, ela se apóia em uma bengala. No bico de pena tem-se dificuldade para

identificar se a senhora está com um par de brincos, mas na fotografia isso fica bastante

claro. No segundo plano da obra, aparece uma casa de dois pisos, com uma janela de grade

e o asfalto, feito de paralelepípedo. Nessa época, havia a predominância de sobrados no

centro de Porto Alegre.

As obras apresentadas, do artista Faria Viana, são literalmente descritivas, apenas

mostram como são as pessoas, não havendo nenhuma ação, de acordo com as fotografias

que ele utilizou como modelo. Para Dubois (1994), a fotografia fixa um movimento

congelando e não o processo de toda ação. Sendo este transformado em um instante

perpétuo, dura para sempre. O ato fotográfico vira memória, sendo que aquilo que ficou de

fora morre, não existindo mais. Ele ainda enfatiza que é difícil pensar a imagem fora do

seu contexto, ou seja, do ato constitutivo. Pois a fotografia não é apenas uma imagem

produzida por uma ação, é antes de tudo um ato icônico em si. A imagem não é objeto na

sua existência, mas o representa. A fotografia antes de qualquer representação, mesmo

sendo a reprodução da aparência de algo, é o registro e tem uma relação indiciária com

objeto aprendido.

Mesmo Faria Viana utilizando as fotografias como modelo para seu trabalho, seu

olhar perante a imagem ocorreu de forma particular. Ele expressou seu olhar em suas

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ilustrações, tendo a liberdade de modificar e corrigir sua produção em relação ao original.

Para Francastel (1965, 21), “a obra de arte é, efetivamente, sempre o produto da

imaginação e da habilidade de um artesão”.

A gravadora e pintora Edla Silva41, na época da Associação Francisco Lisboa, entre

diversas pinturas e gravuras, também, retratou o negro. O retrato42 de crayon apresenta a

cabeça de uma moça negra. Ela foi desenhada de semi-perfil, não fixando seu olhar ao

artista, mantendo-o preso em algo não visível na obra, com seriedade. As marcas de

expressões são bem delineadas, mantendo as feições de acordo com a etnia. O cabelo, de

forma curta, tem evidenciando uma divisão no meio da cabeça.

Nessa imagem, diferente das outras duas de negros de Faria Viana, a expressão

apresentada esconde a realidade desse indivíduo, deixando aparente somente as marcas de

41 Edla cursou o Instituto de Artes, como bolsista viajou para a Alemanha em 1963, para aperfeiçoar seus estudos. Prima do artista Gastão Hofestetter. 42 O retrato é um “Estudo de Cabeça” (denominação da obra), foi exposta no II Salão de Artes Plásticas da Associação Francisco Lisboa, em 1939. (Catálogo do II Salão da AFL, 1939)

Edla H. da Silva. Estudo de cabeça, 1939. Crayon. Catálogo II Salão de Artes Plásticas da AFL.

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expressão da escravidão. Conforme José Gil (LHOTE, 1999, 15), “Aquele rosto, em

superfície, é o fundo, a expressão confunde-se com o expresso, a aparência com a

realidade”.

O retrato43 abaixo, é de uma negra amamentando o filho. Ela o segura com os dois

braços e seu rosto esta de perfil, pois seu olhar está direcionado para o bebê, observando-o

sugar seu leite.

A mãe veste uma camisa clara e, na cabeça, tem um lenço amarrado para trás. O

fundo da obra mantém uma neutralidade, ficando bem próximo das pessoas retratadas.

Segundo Fabris (2004,26): “Se o fundo neutro permitia realçar o indivíduo, conferia-lhe,

contudo, um ar austero”. O lado esquerdo do corpo da negra é mais contornado,

43 Sobre esse retrato levanta-se a hipótese que ele seja “Maternidade” que foi exposto no III Salão de Artes Plásticas da Associação Francisco Lisboa, em 1940 (Catálogo do III Salão AFL, 1940). A obra analisada foi encontrada no livro Biografia de uma Cidade, que trata da história de Porto Alegre. Apresenta em pequeno subcapítulo as artes plásticas, tendo a ilustração de diversas obras; sendo uma delas a de Edla H. Silva, mas sem título.

Edla Silva. S/título, 1940. Livro: Biografia de uma cidade.

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apresentando certa saliência, o ombro e a cabeça, desse lado, estão mais inclinados,

ficando um pouco à frente do lado direito.

Na questão do tema, a predominância da imagem do negro, nas artes no Estado

Novo, era constante. A influência da obra de Gilberto Freyre foi significativa para o

regime, intelectuais, artista e a sociedade, fazendo com todos reconhecessem o negro

como indivíduo constitutivo da nação.

O Estado Novo encontrou nas tradições brasileiras características das três etnias, o

negro, o índio e o branco, tão ressaltados pelo regime como as raças constitutivas da

população brasileira. De acordo com George Oliven (1992), no regime estado-novista, o

mito das três raças formadoras da nação era novidade naquela época. A construção da

nacionalidade salientava ainda mais a questão étnica. Por mais que o regime ressaltasse as

desigualdades raciais, ele buscava o branqueamento da sociedade brasileira, constituindo

um tipo racial único para o país. Conforme José Comblin (1965, 61), “A unidade nacional

implica uma unidade de cultura, uma etnia." Prossegue (62): “...A nação aperfeiçoa uma

etnia a partir dos elementos que achou, para fortalecer a unidade que é imprescindível.”

As imagens dos negros buscavam mostrar que eles faziam parte da sociedade, após

a abolição da escravatura. Tal propósito não se afirmava na prática. Segundo Sandra

Pesavento (1992, 65), “Uma parcela destes elementos faz da rua o seu meio de vida e seu

espaço de ação”.

Pode se observar a predominância de retratos de semiperfil. De acordo com Fabris,

o homem civilizado apresentava-se nas imagens de maneira lateral, pois a burguesia do

século XIX, seguia ainda as características dos retratos pictóricos. Ainda, Fabris (2004, 35)

salienta que,

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...o retrato fotográfico é uma afirmação pessoal,

moldada pelo processo social no qual o indivíduo está inserido e do qual derivam as diferentes modalidades de representação. Ao folhear os álbuns, o indivíduo é colocado diante de um repertório codificado de atitudes gestuais, que impõem (parecendo sugerir) a pose mais digna, ou seja, a pose mais adequada a atestar sua posição social.

No que se pode observar, o fotógrafo coloca o negro ex-escravo em igualdade com

o branco, fotografando-o de semiperfil e lhe transmitindo um aspecto natural. Os brancos

eram considerados como representantes da raça superior, enquanto negros e índios

apresentavam as impurezas raciais, o atraso da sociedade e, além disso, eram definidos

como inferiores. O índio já aparecia na iconografia brasileira, desde do século XIX,

havendo a sua exaltação, primando a beleza física, a coragem, a pureza da alma e a

liberdade vivida nas matas. Ele reaparece com força no movimento modernista, sendo

retomado na literatura, voltado para o aproveitamento do acervo folclórico do país.

Continuava, pois, sendo destacado na produção artística da época do Estado Novo. De

acordo com o regime estado-novista, o índio era uma etnia importante da formação

nacional.

Os artistas da Associação Francisco Lisboa, Gastão Hofstetter e Edgar Koetz

adotaram esse ideal, produzindo obras que tinham como enfoque principal o índio. Gastão

Hofstetter44 fez a xilogravura do Artista Marojoara45. É um índio de perfil, sentado com as

pernas cruzadas, onde está apoiado o vaso. Com a mão esquerda, segura o vaso e com a

direita, uma pena, utilizada para pintar os desenhos ornamentados no vaso.

44 Hofstetter nasceu em 1917 em Porto Alegre e faleceu em 1986. Era um artista autoditada, iniciando sua vida artística em 1930. Participou do Clube da Gravura na capital sulina foi ilustrador da livraria do Globo e colaborou para o jornal Correio do Povo, como publicista e vitrinista. Entre tantas outras atividades que realizou, uma das mais destacadas foi quando em 1951 ingressou como desenhista no Departamento Nacional de Estradas e Rodagem (DNER), permanecendo até 1971. 45 Essa obra foi exposta no II Salão de Arte Plásticas da Associação Francisco Lisboa, em 1939 (Catálogo do II Salão AFL, 1939). A obra, também, foi encontrada no livro Biografia de uma Cidade.

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O indígena apresenta um corpo escultural, com músculos bem aparentes. O cabelo

está na altura do pescoço, tendo franja e apresentando um corte delineamento reto.

Os índios marajoaras habitavam na Ilha de Marajó, na foz do Rio Amazonas, no

período pré-colombianos. De acordo com Torres (1940), não se tem muitas informações a

respeito dos indígenas ceramistas, mas sim dos seus descendentes. Na época do

descobrimento da América, já estaria em decadência a arte documentada em peças de

cerâmicas decoradas, constituindo esta o apogeu da arte de Marajó. Muito dessas peças

estão enterradas pelos campos da ilha. Conforme Pinto (1995), a arte marajoara por ser

simplista e grandiosa foi incorporada ao Patrimônio Artístico Nacional.

Gastão Hofstetter. Artista Marojonara, 1939. Catálogo II Salão de Artes Plásticas da AFL.

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A artista Edgar Koetz46 pintou Boiúna – Cobra Grande, uma lenda da Amazônia. A

pintura47 apresenta um índio forte, com um corpo escultural e os músculos bem

evidenciados.

O rosto está de perfil, o corpo está de frente, enroscado na cobra. O réptil aparece

em grande dimensão, com a boca aberta, abocanhando o índio. A sua língua está encostada

na barriga do indígena e dos seus olhos saem luzes em direção ao aprisionado. Esse se

protege da luz com os braços para cima, encostando o direito no rosto, enquanto apresenta

um semblante assustado. O índio tem o mesmo formato de cabelo do índio de Gastão

Hofstetter e o saiote, mas na cor vermelha.

46 Edgar Koetz nasceu em 1914 em Porto Alegre, faleceu em 1969. Era, também, autoditada, foi pintor, desenhista e gravador, sendo um dos fundadores do Clube da Gravura e responsável pela abertura e atualização da arte gaúcha. Trabalhou de capista e ilustrador na seção da arte da Revista do Globo. 47 A obra Cobra Grande foi exposta no II Salão de Artes Plásticas da Associação Francisco Lisboa, em 1939. (Catálogo do II Salão AFL, 1939)

Edgar Koetz. Boiúna, 1939. Têmpera sobre papel, 38x33 cm. Acervo Aplub.

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Boiúna é uma lenda indígena da Amazônia, tendo diversas narrativas. Apesar de

diferentes versões no início da lenda, todos chegam ao mesmo final. A história conta que

uma índia deu luz a um indiozinho e, com passar do tempo, ele se transformou em uma

cobra imensa. O réptil aparecia à noite, deslizando pela superfície das águas. De seus

olhos, saíam fachos luminosos. Com um apetite insaciável, apavoraVA a todos que viviam

e vivem à beira do Amazonas e seus afluentes.

A partir da obra, percebesse que o artista tinha conhecimento da lenda. Pressuponho

que Koetz tenha usado como referência a obra de Raul Bopp48, literato gaúcho, que

escreveu Cobra Norato, que se assemelha muito com a lenda da Cobra Grande. Trata-se de

uma das diferentes narrativas.

O índio e o negro, tão enfatizado na política estado-novista, como raças

constitutivas da população brasileira, aparecem de maneira subalterna nas imagens

produzidas na época do regime. Nas obras dos artistas da Associação Francisco Lisboa,

eles buscam o passado histórico da sociedade, contribuindo para a construção do nacional.

O negro foi apresentado com a imagem após a abolição, com as marcas da escravidão,

dependendo da sorte e os índios ligados ainda às lendas.

Se em suas obras individuais os artistas buscam referenciar as três etnias, o mesmo

não aconteceu com a Revista do Globo. Entre os anos de 1937 a 1945, a publicação não

mostra a presença do negro e do índio de maneira freqüente. Nela, encontram-se apenas

duas imagens nesse período. Uma capa, tendo a negra com vendedora de bananas, e um

anúncio de uma propaganda de fogão, no qual a negra é a cozinheira. São as referências a

etnia negra. O índio, também, nesta mesma revista, aparece o mesmo número de vezes.

48 Bopp, nasceu em Tupanciretã no RS, filho de imigrantes alemães. Viajou pela Amazônia, por volta de 1920, onde acabou juntando-se ao grupo modernista “heróicos” em São Paulo, ligando-se a todo movimento primitivista. A lenda Cobra Norato, escrita por ele, apresenta uma dimensão antropofágica.

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Tendo destaque na capa, uma índia seminua, e a outra imagem, é um anúncio de

propaganda de uma loja de armas, onde aparecem a figura de um índio com seu arco e

flecha.

O discurso de construção da identidade nacional do regime estado-novista enalteceu

a idéia das três raças formadoras. A Revista do Globo ignorou tal proposição, privilegiando

a etnia branca. Apesar disso, os mesmos artistas, que integravam a AFL, retrataram em sua

produção artística, expostas no salão da entidade, as outras duas etnias, mesmo que

estereotipadas. A tendência a estes temas pode ser verificadas, em nível nacional, nas obras

de Cândido Portinari, que tem como figuras principais as cenas infantis, as figuras

populares e o trabalhador rural, sendo estes principalmente, mestiços e negros. Conforme

Gomes (1996, 210):

Jesuítas, índios, negros escravos ou não, bandeirantes, soldados, brancos senhores, literatos, imperadores, presidentes e deputados, todos integravam-se no enredo que culminava na grandeza e na unidade da pátria. Esta era uma história gloriosa, sem diversidades e desigualdades, que glorificava os heróis e não se esquecia do povo comum.

Capa da Revista do Globo, nº 248/mar.39.

Anúncio da Revista do Globo, nº 222/fev.38.

Capa da Revista do Globo, nº 245/fev.39.

Anúncio da Revista do Globo, nº

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O Estado Novo tentava apresentar através da cultura que havia homogeneização na

sociedade brasileira, mostrando todos os indivíduos integrados na formação de um país

sem divergências.

2.2.1.3 Paisagem Urbana

A produção artística da época era heterogênea, mas focada. Concomitantemente, os

artistas produziam índios, negros, retratos de personagens históricos e, também,

apresentavam obras que destacavam os aspectos arquitetônicos da cidade de Porto Alegre

Antiga.

As obras que mostram a capital gaúcha foram realizadas por Faria Viana, servindo

de ilustração ao livro já referido de Damasceno Ferreira. A partir das ilustrações49 de Faria

Viana, juntamente com as fotografias, se percebe a estrutura de Porto Alegre no final do

século XIX. Conforme Fiori (1992, 119):

A arquitetura simples e espontânea dos séculos anteriores vai dando lugar a prédios ricamente ornamentados dentro da tradição decorativista do ecletismo, e da tradição clássica. A cidade enriquece e busca aproximar-se da imagem da cidade pré-moderna européia.

Na década de 20, evidencia-se o crescimento urbano e a afirmação das capitais

brasileiras. Já nos 30, vai-se buscar a modernidade, associada às estruturas da cidade,

ocorrendo a intervenção no espaço. Segundo Nara Machado (1990, 142), nas primeiras

décadas do século XX havia, “...duas vertentes na arquitetura produzida em Porto Alegre:

49 Como já foi referida na nota 19, essas ilustrações foram expostas no III Salão da AFL, em 1940.

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uma civil, respondendo aos anseios das novas camadas urbanas; a outra, oficial, de

acordo com as aspirações dos governantes”.

No livro de Damasceno, onde se encontram as obras de Viana, constata-se que,

tanto na literatura, por parte do escritor do livro, quanto nos desenhos do artista, buscava-

se apresentar a cidade antiga antes da influência modernista na arquitetura. O desenho do

Teatro São Pedro, ilustrado no livro, foi baseado em uma fotografia de 1860.

O artista reforça todos os detalhes da foto, apresentando mais nítidos as imagens

atrás do teatro, o Guaíba e os barcos, enquanto na fotografia aparece apenas a ponta das

velas. Também, define o chafariz cercado em frente do Teatro e a charrete com cavalos

que passa ao lado. Não há pessoas na fotografia. Nas fotos desta época, era comum a

João Faria Viana. S/título, 1940. Bico de Pena. Livro: Imagens sentimentais da cidade.

s/a Teatro São Pedro, final do séc. XIX. Livro: O Espetáculo da Rua.

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ausência da população, apresentando perspectivas alongadas, devido à necessidade de

exposição maior para o registro da imagem. Viana respeita o registro feito pela máquina,

não colocando pessoas em sua ilustração. Os sobrados que ficam do lado direito do

desenho são bem mais definidos que na fotografia e apresentam uma continuidade. O

artista não mostra o prédio apenas num ambiente terrestre, trabalhando com um cenário

completo, desde o céu, fazendo as nuvens. Enquanto, igualmente, estas não estão visíveis

na fotografia.

A construção do Teatro foi interrompida em 1833, sendo continuada após a

Revolução Farroupilha, sendo inaugurado em 1858. A elaboração da planta foi entregue ao

engenheiro provincial, Felipe Normann (RIOPARDENSE DE MACEDO, 1993). O

chafariz que havia em frente foi o primeiro de mármore da cidade, com cinco figuras de

deuses romanos representados os rios Jacuí, Caí, Gravataí e Sinos, estando em cima o

símbolo do grande lago tectônico, o Guaíba (SPALDING, 1967). De acordo com Güinter

Weimer (1983), foi depois da Revolução Farroupilha, por volta de 1850, que houve um

investimento no melhoramento do aparato urbano no estado sulino, sendo principalmente

beneficiadas duas cidades que foram leais ao Império na época da revolução, Porto Alegre

e Rio Grande. Assim, a construção do Teatro São Pedro, da Assembléia Legislativa, os

Hospitais-Santa Casa e São Pedro- e sete Igrejas foi efetuada. Segundo, Güinter Weimer

(1983, 165), “...o governo central deixava amplos poderes para o poder regional como,

por exemplo, na decisão da destinação dos recursos aplicados nas obras públicas.”

O Teatro, juntamente com a casa da Ópera, era a opção de vida noturna em Porto

Alegre. Ele ficava no alto da colina, na praça da Matriz, próximo às duas igrejas mais

antigas da cidade, a Nossa Senhora Madre de Deus de Porto Alegre – Matriz e a Espírito

Santo. Além disso, era o local de grandes festas religiosas.

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A segunda imagem feita pelo artista foi do Bispado visto da rua Espírito Santo.

Nesta ilustração, visualizamos o Bispado que ficava de frente para rua do Arvoredo (atual

Fernando Machado), mas esta não aparece na imagem. A rua Espírito Santo é uma ladeira,

começando bem no alto da cidade, na rua Duque de Caxias, atravessando, a rua do

Arvoredo.

Na rua encontramos algumas casas térreas do lado direito, com lampiões, já do lado

esquerdo há um muro, sendo interrompido por duas portas de madeira. O muro era do

quintal da casa, que na imagem aparece os fundos, cuja entrada ficava para a rua do

João Faria Viana. S/título, 1940. Bico de Pena. Livro: Imagens sentimentais da cidade.

Foto: Virgílio Callegari, final do séc.XIX. Bispado – Rua Espírito Santo. Arquivo Histórico RS.

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Arvoredo. Passando esse muro tem uma casa, sem janelas e com uma porta, começando ao

lado outro muro, mas um pouco à frente, parte de alvenaria e tendo uma cerca de madeiras

para completá-lo. Tanto de um lado, quanto de outro, há uma pequena calçada.

Da rua espírito Santo, avista-se a torre de cada Igreja, Nossa Senhora Madre de

Deus de Porto Alegre e a Espírito Santo, que se encontram no alto da cidade, na rua Duque

de Caxias. Era comum, com a instalação da vila ou freguesia, a primeira construção era a

Igreja e no ponto alto da cidade. Além disso, a religião católica sempre teve um papel

significativo dentro do aparelho administrativo colonial português, através da coerção

ideológica. Por isso, as construções eclesiásticas sempre tiveram respaldo dos governantes.

A terceira imagem foi baseada em uma foto tirada na Rua da Praia por volta de

1865, entre a quadra da rua Rosário (Vigário José Inácio) e a rua Santa Catarina (Dr.

Flores).

João Faria Viana. S/título, 1940. Bico de Pena. Livro: Imagens sentimentais da cidade.

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À direita da ilustração, há um cavalo amarrado num frade de pedra, aguardando seu

dono. Na esquerda, vários frades de pedra e o lampião que iluminava a lomba para o largo

da Caridade. A iluminação em Porto Alegre era feita a óleo de peixe, mas na metade do

século XIX surgiu a idéia de seguir o Rio de Janeiro, de iluminar com gás hidrogênio

carbonado (SPALDING, 1967).

O desenho mostra a rua com mais precisão e melhor qualidade, dando mais

profundidade na imagem, enquanto a fotografia atira a imagem no todo com pouca

profundidade. Conforme Fabris (1994,54), “...num uso paródico da distância focal, que

era uma das regras básicas da boa fotografia”. A fotografia apresenta uma certa distância,

mas não como os desenhos e as pinturas. De acordo com Dubois (1994), isso ocorre devido

ao foco ser limitado e produzir uma imagem sem relevo, tendo as tomadas de plano geral,

médio e afastado.

O artista retratou novamente a rua da Praia, a partir da rua do Comércio, ex-beco

da Ópera (Uruguai) até a praça da Alfândega, com seus sobrados coloniais, seguidos uns

dos outros, com suas janelas em guilhotina, sacadas de ferro, telhados em beiral e portas

em arco, estilo colonial.

Foto: Virgílio Callegari, final do séc.XIX. Rua da Praia entre a rua do Rosário e a Santa Catarina. Fototeca Sioma Breitman – Museu Joaquim José Felizardo.

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No lado esquerdo, há duas fábricas de chapéus, uma ao lado da outra. Este tipo de

sobrado era de uso misto, comércio no térreo, ou moradia para os animais e escravos,

sendo o andar de cima destinado às famílias abastadas (PESAVENTO, 1992). A maior

parte do comércio e das indústrias ficava no centro da cidade, por ser um local bastante

habitado. As indústrias eram fábricas de chapéus, de móveis, funilaria, coches e produtos

alimentares (SOUZA, 1997). Aparecem pouquíssimas casas térreas de uma porta e janela.

Dependendo da situação econômica do proprietário, havia mais de uma janela. Este tipo é

definido como habitação popular, originalmente de chão batido (PESAVENTO, 1992).

Novamente, a questão da profundidade em destaque no desenho, levando do chão

ao céu. Pressuponho que Viana trabalha com o céu para dar mais profundidade na imagem.

A ilustração é ampliada no lado direito, definindo mais a sacada do sobrado, que não

aparece na fotografia, apenas a borda e muito pouco do telhado da casa ao lado. Na sua

ilustração, o artista dá uma curvilinidade no final da rua, dando sentido de prosseguimento.

Outra vez o artista dá continuidade aos sobrados, ocorrendo no lado esquerdo do desenho,

colocando mais uma porta e uma janela. A calçada do lado direito, onde há um lampião a

gás, incluindo os cartazes nas paredes dos sobrados, estão bem definidos na ilustração.

João Faria Viana. S/título, 1940. Bico de Pena. Livro: Imagens sentimentais da cidade. (foto não encontrada)

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A partir dessas primeiras imagens, percebe-se a predominância dos sobrados de

estilo colonial no centro da cidade. Não era qualquer pessoa que poderia habitar ali, pois a

construção desses tinha um custo elevado. Além disso, o centro era o cartão de visita de

Porto Alegre e quem não tivesse educação, moral, higiene para nele morar, deveria

instalar-se nos arredores (MAUCH Apud VARGAS, 1994). A rua da Praia, o Mercado e a

praça da Alfândega eram os lugares tradicionalmente freqüentados por famílias de boa

educação. Os lugares públicos eram a forma de impor um determinado padrão de ordem e

um comportamento adequado para a sociedade (LOURO Apud VARGAS, 1994).

Faria Viana utilizou fotografias que evidenciavam os aspectos arquitetônicos da

cidade de Porto Alegre, sendo imagens que visavam mostrar o material e omitir o social.

Como salienta Boris Kossoy (2000, 101):

É de se ressaltar que as imagens privilegiam a paisagem urbana e a natural, sendo raros os casos onde o homem se faz presente; quando isso ocorre os indivíduos registrados encontram-se distantes da câmara, diluídos ao fundo da representação.

Esses tipos de fotografia eram exposição para registro fotográfico. As imagens de

Faria Viana seguem padrões de fotografia, em geral apresentam as ruas e avenidas em

grandes perspectivas ou as fachadas de casas. Devido à necessidade de mais tempo para o

registro da imagem, o artista busca os detalhes sobre a arquitetura das edificações, o

traçado das ruas e poucas pessoas, para colocar em sua produção. Ele construiu uma

história a partir da fotografia, isto é, ele criou a representação da representação. Como

destaca Solange Lima (2005), através da fotografia busca-se o estatuto de uma cidade

antiga, voltada para o patrimônio histórico. Tendo a freqüência na fotografia de aparecer

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apenas um prédio, ocorrendo a isolação da imagem. Assim a cidade aparece fragmentada,

como um mosaico.

No Estado Novo havia toda uma valorização da arquitetura colonial, pois estavam

ocorrendo modificações na estrutura das cidades, modernizado-as, para se tornarem mais

funcionais para época e ostentarem a ideologia do poder. Foi com o arquiteto Lúcio

Costa50, a partir de sua análise dos princípios da arquitetura colonial, que fez com que

aderisse as novas formas arquitetônicas, passando do estilo neo-colonial para a arquitetura

moderna. Conforme Maria Cecília Fonseca (1997, 98):

...uma peculiaridade do Modernismo brasileiro: o fato de serem os mesmos intelectuais que se voltam ,simultaneamente, para a criação de uma nova linguagem estética - no sentido de ruptura com o passado - e para a construção de uma tradição - no sentido de buscar a continuidade.

Através do SPHAN, salvaguardavam o patrimônio cultural, ou seja, realizando o

tombamento de prédios representativos. Os prédios considerados patrimônio cultural da

Nação, desde que transmitissem fatos memoráveis que contribuem para a história

brasileira, eram tombados. Novamente, se tem a preservação de prédios, para reforçar a

memória dos indivíduos em relação a sua história. A memória coletiva acaba, também,

fixada ao patrimônio cultural. Ao mesmo tempo, em que se buscavam as raízes da

identidade nacional, nos vultos históricos, que contribuíram para a história do país, nos

hábitos e costumes, foi agregada a arquitetura que serviu de cenário para essa construção.

50 Lúcio Costa foi nomeado, pelo ministro da educação Capanema, para a direção da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) em 1930. Em seguida, foi destinado a ele à construção do prédio do Ministério da Educação e Saúde (MES), sendo uma arquitetura voltada a nova realidade. (Fonseca, 1997)

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Às ilustrações auxiliaram, portanto, para o propósito de construção da

nacionalidade brasileira. Além disso, elas fizeram com que a imagem da cidade de Porto

Alegre se perpetuasse até os dias hoje, com a multiplicação das cópias do livro de

Damasceno Ferreira. O desenho, a partir do livro, teve muito mais difusão do que a

fotografia do século XIX51, que tem sua própria técnica de produção fundida na técnica de

reprodução. De acordo com Dubois (1994), a fotografia capta um instante único que não se

repete. Já as fotos são cópias retiradas de um negativo que é único. A fotografia certifica,

mas não necessariamente significa o objeto em si. Ela não explica, não interpreta e nem

comenta, apenas mostra. O índice fotográfico opera na ordem da existência, nunca do

sentido.

O artista muitas vezes modifica a imagem, não ficando idêntico à fotografia, o

material que serve de modelo. Ele tem a liberdade de expressão, podendo modificar sua

obra e não seguir os modelos, sendo estas fotos ou objetos. Além disso, pode voltar

quantas vezes que achar necessário para concluí-la. A fotografia, também, sofre

interferências no processamento e na elaboração final, pelo fotógrafo. Conforme Boris

Kossoy (2000, p. 30): “A imagem fotográfica é, enfim, uma representação resultante do

processo de criação/construção do fotógrafo”.

Faria Viana deu mais vida as imagens da cidade, devido ao seu traço, a definição e

a precisão que apresentam seus desenhos. As fotografias são muito estáticas, alguns

detalhes não são tão claros e a questão da profundidade não é tão visível, quanto no

desenho. Na fotografia há um esmagamento dos volumes, ligando as leis de projeção

51 Eram em torno de vinte mil fotos, que foram conservadas no Salão Nobre do Palácio Municipal. Em 1940 já havia desaparecido mais da metade. Atualmente, algumas dessas fotografias estão na Fototeca do Museu Municipal José Joaquim Felizardo e no Arquivo Publico Estadual. Tanto nos dois órgãos públicos as fotos estão datadas, sendo que no primeiro todo acervo está digitalizado, já no outro órgão apenas uma pequena parte.

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luminosa em superfície plana. Este achatamento é reforçado pela natureza monocular do

dispositivo óptico que é limitado e produz uma imagem sem relevo, conforme Dubois

(1994). Apesar disso, a utilização da fotografia na história é bastante significativa,

apresentando uma iconografia de diferentes tipos. É um instrumento de apoio à pesquisa,

como de conhecimento visual e artístico, também, como respaldo para a produção de

obras, de todos os gêneros artísticos.

A partir dessas obras apresentadas, a temática está muita presa a tipos humanos e

aspectos arquitetônicos de maneira descritiva, procurando expressar as peculiaridades do

país, auxiliando na construção de uma identidade nacional. A ideologia diluída pelo regime

foi reforçada, também, pelos artistas da Associação Francisco Lisboa, que acabaram a

reproduzindo através de suas obras, nas exposições, nos salões e até nos livros, que

continham ilustrações realizadas por eles.

O Estado Novo, através das artes, integrou o homem brasileiro na sua realidade,

pois buscou as tradições do país na literatura, na música e na arte, fazendo com que esse

homem se identificasse com a cultura brasileira, que permanecia no inconsciente nacional.

Para Hall (2003), as narrativas da nação são recontadas através da literatura nacional e da

história, contribuem para a formação de imagens, panoramas, cenários, eventos históricos,

símbolos e rituais nacionais que simbolizam ou representam as experiências de todos que

compõem a nação. A ênfase nas origens, na continuidade, na tradição e na

intemporalidade, reforçam a visão de que os elementos são imutáveis, apesar das mudanças

na história. Algumas tradições que parecem antigas muitas vezes são recentes, podendo até

ser criadas pelo povo ou pelo Estado. Como reforça Breuilly (BALAKRISHNAN,

2000,160), “...os intelectuais e políticos nacionalistas lançam mão de mitos e símbolos

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herdados do passado e os tecem numa trama de argumentos destinados a promover a

identidade nacional e justificar as reivindicações.”

Todos os aspectos colocados reforçam a construção da identidade nacional. A

questão cultural passa a ser absorvida em termos de organização política, podendo assim o

Estado difundir seus ideais para alcançar a sua legitimação e a consolidação do seu poder.

A maior parte das obras analisadas foi exposta nos Salões da Associação de Artes Plásticas

Francisco Lisboa, entre os anos de 1938 a 1945. De maneira indireta, as exposições que

ocorreram nesse período, através das obras, disseminaram a ideologia do Estado Novo, na

construção da identidade nacional. Contudo, a objetivo principal da entidade era ser

legitimada pelo sistema de arte, para tornar-se uma instância de legitimação e consagração.

Esses aspectos serão apresentados no capítulo a seguir.

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3- O Papel social da Associação Francisco Lisboa (AFL)

Os primeiros salões da Associação de Artes Plásticas Francisco Lisboa (AFL)

aconteceram durante o Estado Novo. O regime respaldou diversos eventos relacionados à

práxis artísticas e incentivou iniciativas do gênero. Foram os salões da AFL que

possibilitaram a legitimação de alguns artistas e proporcionaram que a Associação se

tornasse uma instância do sistema de arte. A entidade, desde sua fundação, manteve-se

ativa com seus salões e eventos no campo cultural artístico rio-grandense. Essa presença

significativa, no campo de arte, fez com que recebesse a responsabilidade de organizar o

Salão Municipal da Câmara de Porto Alegre (1952), e, além disso, ser reconhecida como

de utilidade pública (1958).

A entidade, como os artistas com ela envolvidos, movimentou o meio artístico,

proporcionando aos artistas sem formação institucional apresentarem seus trabalhos em

seus salões, mesmo havendo certas barreiras e pré-conceito referentes às produções. O

artista João Faria Viana, por exemplo, teve um papel primordial no desenvolvimento da

entidade e na agregação de mais artistas.

Neste capítulo, serão analisados os salões e atividades artísticas da Chico Lisboa,

observando o respaldo jornalístico, a partir das críticas de arte do período. A articulação

entre os eventos promovidos pela entidade e as críticas jornalísticas foi significativa para o

papel social da AFL no campo cultural artístico, constituindo-se, assim, em mais uma

instância de legitimação e consagração. Para se compreender como ocorreu esse processo

de transformação de um campo de produção em uma instância, foi utilizado o pensamento

de Pierre Bourdieu, que discute como o campo de produção transforma-se em uma

instância que compõe o sistema de arte.

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3.1-SALÕES QUE ANTECEDERAM O SALÃO DA AFL

Antes da Associação Francisco Lisboa (AFL) organizar seus salões, a realização de

eventos desse tipo era bastante efêmera, sem continuidade, porque não havia um sistema

de arte consolidado, nem um público preparado. Por volta da década de 20, como afirma

Scarinci (1982), não havia por parte dos artistas gaúchos uma concepção clara de arte e

sobre questões como participação cultural, social, responsabilidade e consciência

autônoma profissional do artista. Além disso, havia poucas instituições de ensino, órgãos

de divulgação e crítica que contribuíssem para o desenvolvimento artístico. Faltavam,

portanto, instâncias de legitimação e conservação como galerias e museus. A situação no

Rio Grande do Sul poderia ser considerada problemática, pois o ensino era recente. O eixo

Rio e São Paulo, por exemplo, tinham um campo artístico mais consolidado do que o

estado sulino.

Na década de 20, tem-se registro do Salão de Outono (24/05/1925), uma mostra

coletiva que teve como organizadores Hélio Seelinger, Fábio de Barros, Bernardo,

Jamardo, João Sant’ana, Fernando Corona e José Rasgado Filho. O salão ficou sediado na

Intendência Municipal e contou com a participação de 39 pintores52, com 158 quadros. De

acordo com Kern (1981), era uma mostra de pinturas que seguiam os ditames clássicos

humanistas, com temas diversificados, como paisagens, naturezas-mortas e retratos de

pessoas da região sulina. Dos trabalhos apresentados, 4,4% eram temas regionais e 95,5%

possuíam outras propostas. Para Ursula Silva (2002), os organizadores tinham o objetivo

de despertar o público, a imprensa e os poderes públicos para a produção local. Além 52 Pedro Weingärtener, Augusto Luís de Freitas, Oscar Boeira, Carlos Torelly, Ernst Zeuner, Francis Pelichek, João Fahrion, José Lutzenberger, Júlio Gavronski, Judit Fortes, Júlio Schmischeke, Policárpio di Primio, Sotero Cosme, José Rasgado Filho, Maximiliano Gaspar, Afonso Silva, Álvaro Pereira da Cunha, Augusto de Azevedo, Brunehilde F. de Vasconcellos, Carlos Ribeiro de Freitas, José Delgado, Lourenço Picó, Lucília Alves, Luiza de Matos, Maria Batista Pereira, Max Lindau, Otaviano Furtado, Richard Sturmhofel, Iolanda Trebbi, Francisco Coculillo, Gustavo Warth, Rossani, Hélios Seelinger, Fábio de Barros, Bernardo Jamardo, João Sant’Ana, Fernando Corona e o francês Gaston Rit. (GUIDO, 1957)

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disso, buscam aproximar os artistas para que conhecessem os trabalhos uns dos outros e

discutir questões sobre os movimentos artísticos e manifestações estéticas.

Uma das questões destacadas no salão foi à revelação de Oscar Boeira, com

atuação na práxis artística desde de 1910, em Porto Alegre, que havia sido professor por

dois anos da Escola de Belas Arte. Para Ângelo Guido (1957), o salão teve o mérito de

apresentar novos talentos ao público, mas com certo amadorismo, e outros com respaldo

artístico. A partir da exposição, ficaram em evidência os jovens Sótero Cosme, João

Fahrion, Fernando Corona e Antônio Caringi.

Entre o salão de Outono e o Salão de Artes (1929), ocorreram exposições de outros

artistas, como a exposição coletiva de pintura italiana (1927), na Casa Barnett, e a primeira

exposição alemã de Artes Gráficas e Aplicadas53 (1927). Como apresenta Kern (1981),

aconteceram em Porto Alegre 15 exposições individuais entre os anos de 1926 a 192954.

Também, são conhecidas duas exposições de artistas estrangeiros; o paisagista argentino S.

M. Franciscovich (1928) e do pintor argentino Reynaldo Blanth (1928) (SILVA, 2002,

211).

Depois de quatro anos, foi realizado o Salão de Artes (11/1929), organizado por Libindo Ferraz, diretor da Escola de Belas Artes, com apoio dos órgãos governamentais, incluindo o governador do Estado, Getúlio Vargas, e o prefeito de Porto Alegre, Alberto Binz (1869 – 1957). Conforme Kern (1981), o salão ocorreu no foyer do Teatro São Pedro, apresentando obras de caráter clássico humanista, predominando temas como paisagem da campanha, lugares pitorescos de Porto Alegre e regionalista, com ênfase no gaúcho.

Este salão seria o primeiro oficial organizado pelo Instituto de Belas Artes. Até então, a escola só havia organizado mostras de seus alunos. Participaram, apenas, os

53Os artistas que expuseram: Theodor Neuberger, Schrader-Vergen, Muller-Landeck, Hans Treiben, L. Von Plaenker, Vieglmann e membros da Associação Bávara de Artes Aplicadas. (SILVA, 2002, 211) 54 Em 1926 os artistas que expuseram foram: A. Norfini, L. Ferraz, G. Fagundes e F. Pelichek. Já no ano seguinte exposições dos artistas, L. Maristany de Trias, L. Ferraz e P. Brun. No ano de 1928 ocorreram 7 exposições: V. Gervasio, A. Guido, F. Pelichek, S. Cosme, L. Ferraz, A. Silva e duas (mar.-jun.) de A. Guido. Em 1929 ocorre apenas um artista expõe, L. de Albuquerque.

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estudantes e artistas ligados ao Instituto de Artes, sendo premiado os melhores trabalhos. Os jurados, também, podiam expor seus trabalhos, como fez Ângelo Guido que apresentou 12 obras, e, além disso, escreveu críticas sobre o salão (SILVA, 2002).

No centenário da Revolução Farroupilha (1935), o governo do Estado55

organizou uma grande exposição no Campo da Redenção. O evento tinha o intuito de

prestigiar e cultuar a revolução, reivindicando à brasilidade da guerra como defende Nara

Machado (1990, 126). Essa mostra foi dividida em diversos setores, sendo que a

organização do segmento cultural da exposição ficou sob a responsabilidade de Walter

Spalding, no prédio do Instituto de Educação Flores da Cunha.

O prédio foi construído para o evento, mas, diferente dos outros estandes, com

caráter permanente. Foi projetado como uma escola, pois estava dentro dos planos do

Governo do Estado a ampliação da educação no estado. O projeto foi desenvolvido pelo

arquiteto Fernando Corona, idealizado num estilo clássico grego moderno. A construção

ficou sob a responsabilidade da empresa Azevedo, Moura e Gertum (MACHADO, 1999).

O segmento cultural foi dividido em várias seções, sendo uma destinada às

artes, que foi organizada por Ângelo Guido. O artista dividiu a mostra em quatro partes,

conforme apresenta Kern (1981): artistas56, amadores57, colecionadores e uma

retrospectiva de obras de Pedro Weingärten. A autora salienta que 14,2 % abordavam

55 Nesta época, o governador do Estado era o interventor Flores da Cunha. 56 Afonso Silva, Ângelo Fontanive, Ângelo Guido, Argentina Bellanca, Benito Mazon Castañeda, Carlos da Silva Torelli, Darci Peixoto Martins, E. Peres Valdes, Fernando Corona, Francis Pelichek, Francisco Bellanca, Francisco Parlagreco, Francisco Brilhante, Gertrude Bredendich, Gustavo Epstein, Guilherme Luís Techemeier, Henrique Raidl, Hilda Goltz, Leopoldo Gotuzzo, Libindo Ferraz, José Rasgado, João Fahrion, José de Brito e Cunha, João Faria Viana, Júlio Schmischke, Joaquim von Ortenberg, Márcio Nery, Maximiliano Caspar, Nelson Boeira Faedrich, Nené Albrecht, Oscar Boeira, Rubens Parlagreco, Reinaldo Blauth, Rolf Krahe, Sotero Cosme, Sara von Égly, Salvador Parlagreco, Vicente Gervásio e Willy Uellner. (GUIDO, 1957) 57 José de Lutzenberger, Carlos Scliar, Edla H. da Silva, Gastão Hofstetter e outros. (GUIDO, 1957)

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temas regionais, predominando artistas estrangeiros, e 80,1% eram referentes a outros

temas, divididos em urbanos, paisagens, retratos e natureza morta. Conforme Ursula Silva

(2002, 219): “... não se tratava de um Salão para conferir prêmios nem para comparar

valores artísticos, mas para mostrar ao público o que, nos domínios da pintura, naquele

momento, se fazia no Rio Grande do Sul”.

Os salões, na década de 20 e 30, eram escassos. Também se registra a falta de

lugares apropriados. Quando aconteciam, eram nos saguões dos hotéis, entradas de bancos

ou em vitrines de lojas, como afirma Kern (1981). De certa maneira, esse quadro

dificultava os artistas que buscavam legitimação. Além disso, faltava respaldo financeiro,

principalmente para as exposições individuais.

3.2- OS SALÕES: ASSOCIAÇÃO FRANCISCO LISBOA

A AFL sempre deixou muito claro que queria participar do campo cultural artístico

sulino para apresentar a produção de seus artistas associados. A maioria dos sócios, como

já referido, estavam ligados à Revista do Globo e mantinham suas idéias e trabalhos

difundidos neste veículo de comunicação.

Os artistas sem consagração ou reconhecimento não tinham oportunidade de

apresentar suas obras ao público, pois os salões ocorriam esporadicamente e eram voltados

apenas para alguns artistas que já eram reconhecidos no campo de arte. As poucas

exposições realizadas serviam para reafirmar os valores consagrados da arte vigente.

Carlos Scarinci (1982) afirma que apenas alguns artistas tinham privilégio de expor,

existindo uma elite detentora dos salões.

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A Associação Francisco Lisboa veio suprir essa demanda, realizando os Salões de

Arte. Nos primeiros anos, chegou a realizar quatro salões. Conforme Bulhões Garcia

(1983, 61):

Além do Salão Nacional o mais valorizado, ocorriam vários outros salões regionais, com diferentes graus de importância. É de salientar o apoio do Estado a estes salões, que aumentaram durante o período de Estado Novo.(...) As exposições de arte eram muito restritas e em geral só eram realizadas com os grandes nomes já consagrados.

A associação, com o propósito de congregar os artistas que se encontravam isolados e

enfrentavam dificuldades para expor seus trabalhos, teve a iniciativa de apresentá-los no primeiro

Salão da Associação Artes Plásticas Francisco Lisboa (1938). O salão ganhou espaço no jornal

Correio do Povo (05/11/1938, 6) onde se lia que:

Não tem os artistas a preocupação de só admitir em suas exposições obras de relevante valor. Como um de seus principais intuitos é estimular vocações, receberão todos os trabalhos que possam ser honestamente considerados como produções artísticas, sejam eles de profissionais ou de amadores. Não farão os artistas, política de escola. Na associação podem tomar parte todos os artistas idôneos, qualquer que sejam suas preferências a respeito da arte.

No primeiro salão da Associação Francisco Lisboa, foram convocados artistas que

tivessem interessados em participar da exposição. Cada um deles poderia enviar até cinco

obras, em cada gênero. Deveriam estar lacrados, com a indicação do nome do autor, do

trabalho e seu preço. Ficou a cargo de uma comissão selecionar os trabalhos que seriam

expostos, como foi destacado na crítica de arte de Aldo Obino, no jornal Correio do Povo

(08/11/1938).

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O primeiro salão foi realizado na Casa de Molduras58, cedido pelo Sr. Silvino J. Ott,

sendo apresentadas 88 obras, de 20 artistas59, conforme Catálogo do I Salão da AFL

(1938). A maior parte das obras apresentava preço, para quem tivesse interesse de adquiri-

las. Cinco artistas60 preferiram não colocar preço em suas obras (Catálogo do Salão AFL,

1938). Segundo Scarinci (1982, 65): “... a Associação Francisco Lisboa manifestava, nos

seus começos, forte tendência para adesão aos padrões consagrados e acadêmicos, muito

embora desejasse modificar as formas de legitimação e consagração até então

monopolizadas pelo Instituto”.

Até aquele momento, o único lugar de legitimação das artes no estado era o IBA,

com suas atividades voltadas apenas para seus estudantes e artistas ligados à instituição.

A análise das críticas de arte de Aldo Obino, publicadas no Jornal Correio do Povo

(11/1938), mostra que o crítico salientava que os artistas ligados a AFL sentiam-se

ignorados, por não ter um espaço para a sua legitimação e consagração. Obino afirma

(Correio do Povo, 27/11/38, 13) que

Foi um salão de obras de arte não individual, mas coletivo no seu conjunto múltiplo. A representação dos melhores artistas da terra lá esteve firme.

Artistas conhecidos nos seus lavores e artistas a bem dizer ignorados para nós – todos, porém, primada aqui e ali através das composições pictóricas, as plásticas belíssimas.

58 A Casa de Molduras ficava na rua dos Andradas nº 1639. 59 Adolfo Bernhauser, Alceu Masson, Carlos Scliar, Edla H. da Silva, Ernesto Bôs, Gastão Hofstetter, Gustav Epstein, João Fahrion, João Faria Viana, João Fontana, José Rasgado, Julia Felizardo, Julio Gavronski, Luise Hopfer-Endter, Marina Centeno Portas, Mario Alexandre Mônaco, Mondim Filho, Nelson Boeira Faedrich, Thomas Matthiesen e Walter Radesey. (Catálogo do I Salão AFL, 1938) 60 Alceu Masson, Luise Hopfe Endter, Thomas Matthiesen, Adolfo Bernhauser e José Rasgado. (Catálogo do 3º Salão da AFL, 26/11/1938)

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Conforme Krawczyk (1997, 39), o primeiro salão de Belas Artes do Rio Grande do Sul

(1939) estava ligado ao primeiro da Associação Francisco Lisboa, pois “... o evento é uma resposta

ao salão realizado em 1938 pela Associação Chico Lisboa. Nasce, assim, a rivalidade de duas

instituições no sentido de tomarem o monopólio de concessão de legitimidade”. Apesar disso, a

oposição entre as duas entidades nunca foi explícita, como coloca Scarinci (1982).

A oposição entre o instituto e a AFL não ficava evidente na prática, pois havia a

participação, no primeiro salão da associação e nos subseqüentes, do professor do IBA João

Fahrion61 e de alunas como Edla Hofstetter Silva62, Julia Neto Felizardo e Helena L. Machado63

(Catálogos dos Salões AFL). Kern (1981) enumera os artistas que participavam dos salões do

Instituto de Arte. Comparando com os catálogos da Associação, constata-se que havia uma

circulação dos artistas entre os dois eventos, como demonstra a tabela a seguir:

Tabela nº 1:

SALÕES Nome dos Artistas AFL IBA

Benito Castañeda III II – III Carlos Scliar I –II I - II – III Carlos Alberto Petrucci IV III Edgar Koetz II - III - IV III Ercy Brino II I Gilda Marinho III - IV II Hilda Goltz IV I - II – III Itamar Guimarães IV I - II – III João Fahrion I -II I - II – III João Faria Viana I -II - III - IV III Júlio Grawronsky I I José Rasgado Filho I Jurado I Marta Schidrowitz II -III I - II – III Oswaldo Goidnich IV III Wolf Dietrich Wickert II - III I – II

61 Fahrion expôs no primeiro e no segundo salão da Chico Lisboa. (Cátalogos do I-II Salão AFL, 1938-39) 62 Edla participou do primeiro, segundo e do terceiro salão da Chico Lisboa. (Catálogos do I-II-III Salão AFL, 1938-39-40) 63 Júlia participou de todos os salões que compreendem o estudo de 1938 à 42, com exeção do Salão Juvenil. Neste salão que a parece a primeira vez a participação de Helena Machado.

Tabela nº 1: Os artistas que participavam dos Salões da AFL e dos Salões do IBA. (Catálogos dos Salões AFL, KERN, 1981).

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Constatou-se, desta maneira, que vários artistas que participavam dos salões da

Associação Francisco Lisboa, também, expunham nos do IBA. Esses artistas, no entanto,

não eram convidados da AFL, o que se pode notar pelo número de exposições que se

fizeram presente, pois a entidade havia estabelecido que seus salões eram voltados para

todos os artistas que quisessem expor, desde que estivessem associados64. A AFL, através

dos seus salões, defendia os objetivos dos artistas sócios, que era o de apresentar seus

trabalhos para a sociedade porto-alegrense. A entidade cumpria, com isso, seu papel de

cooperativa, com características de um sindicato.

Através desta circulação dos artistas entre os dois salões, observa-se que a

oposição acirrada à entidade artística era por parte das críticas de Ângelo Guido. O artista,

por estar ligado à instituição de ensino formal, corporifica a imagem do IBA e, nas suas

crônicas no Diário de Notícias, difundia somente as realizações dos professores. Os seus

critérios para a crítica primavam pela consciência dos valores formais artísticos e

expressivos. Guido defendia uma arte figurativa, em que as obras deveriam sobressair pela

beleza formal em termos clássicos. Conforme Ursula Silva (2002, 349):

Guido vislumbrava a arte como expressão da essência do Ser e, para tanto, conteúdo e forma, matéria e espírito, deveriam ser duas realidades em sintonia para tornar verdadeira essa expressão. Defendia a arte independente de preceitos e dogmas, queria uma arte inovadora e arrebatadora que revelasse o espírito criador do artista. Como defensor de uma nova arte, Guido propunha romper com antigas fórmulas. Já como crítico do Modernismo, contestou a arte de impacto, que fala aos sentidos menos do que ao espírito...

Ângelo Guido defendia a concepção de que o artista deveria ter liberdade de

interpretação para produzir o belo que havia na realidade, além disso, representar sua

64 Esse assunto foi já tratado no primeiro capítulo.

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emoção plástica e, sobretudo, a arte não poderia ser uma cópia fiel da realidade, como

destaca Kern (1989). A crítica de Ângelo Guido assemelha-se ao pensamento de Benedetto

Croce (RICHARD,1988), para quem o belo nasce da intuição, surgindo a partir do

sentimento sob forma de imagem, sendo ela pura e expressiva. A obra acaba sendo a

síntese do sentimento e da imagem na intuição. Além disso, salienta que o crítico deve ter

algo de artista, para colocar-se no lugar deste e destacar a originalidade da obra. Também,

observa-se similaridade ao pensamento de Fiedler que defende que o artista não copia a

realidade; no entanto, a expõe de sua maneira, a partir do estilo e da técnica criados por ele

(RICHARD, 1988).

A partir das idéias de Kern, observa-se que Guido não aceitava a Associação

Francisco Lisboa, devido à produção dos artistas da entidade, que estava arraigada à

questão de mímesis artística. Para a produção das obras, muitos deles utilizavam como

modelo a fotografia, como já foi referido no capítulo anterior. Essa opção fazia com que se

preservasse a representação conforme a realidade. Segundo Scarinci (1982, 62/63), “...

Ângelo Guido tinha tachado os membros da Associação de ‘aleijadinhos em desenho’...”.

Pressupõe que essa denominação por parte do crítico foi em relação a alguns artistas que

eram autodidatas, sem sofisticações teóricas e sequer conseguiam fazer a imagem

conforme ela era, tendo formas retas e grosseiras, não evidenciando sentimentos em sua

produção.

Guido, em sua crítica de arte, ignorou AFL, como constatou Ursula Silva (2002).

Ele rememorou em 1940, o salão de Outono, a Exposição Farroupilha, o primeiro salão do

IBA e sequer referiu o primeiro salão da Associação Francisco Lisboa. Enfatizou a

importância dos salões do instituto para o meio cultural, destacando que a instituição

iniciava um novo período. Segundo Ursula Silva (2002, 221), “... ele desconsiderou, neste

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momento, a realização do Salão da Associação Francisco Lisboa, que havia ocorrido em

1938, como um evento importante para o meio artístico”.

Ângelo Guido, enquanto crítico de arte do jornal Diário de Notícias, artista e

professor de História da Arte do instituto, cumpria com seu papel de crítico que tinha uma

formação calcada nos preceitos clássicos humanistas. A oposição do crítico à entidade

poderia se manter, mas não a ponto de ignorar o Salão e desconsiderar os integrantes da

AFL como artistas, porque não mantinham a produção conforme os padrões defendidos

por ele. Mesmo sem estudo formal, os sócios da entidade, oriundos da Revista do Globo,

realizavam cursos com artistas que tinham uma formação no ensino tradicional artístico.

Segundo Scarinci (1982, 59):

... Júlio Schmischke, artista alemão que estudara em Munique e Konigsberg e que está radicado no Rio Grande pelo menos desde 1925 (...). Se tem notícias que manteve nesta época um curso de gravura em que vieram aperfeiçoar seus conhecimentos alguns dos desenhistas da Seção de Desenho da Livraria do Globo. Pelo menos Gastão Hofstetter, Edla Silva, Edgar Koetz e Nelson Boeira Faedrich estudaram com Schmischke por algum tempo, realizando experiências em linóleo, xilo e água-forte.

No final da década de 30, surgiu outro crítico de arte, Aldo Obino65, que começou a

escrever no Correio do Povo. Ele não tinha ligação com IBA, mas mantinha relação

amigável com alguns artistas da Associação Francisco Lisboa. Obino foi pressionado pelos

artistas da AFL para que fizesse uma oposição ao Instituto, pois de certa maneira atingiria

Guido. Entretanto, o novo crítico não adotou essa postura, por considerá-lo colega de

profissão. Obino deixou evidente sua posição em entrevista a Krawczyk (1997).

Enquanto crítico Obino registrou em sua coluna o papel da Chico Lisboa; para que

ela veio e porque iria ficar. Acreditando no desempenho da entidade, ele incentivou-a e,

65 Professor de filosofia, católico pertinaz e fundador da Associação de Professores Católicos do Estado e da revista Estudos (1940).

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também, motivou o público a apreciar os seus salões. É Obino quem refere (Correio do

Povo, 25/11/38, 8) que

É de notar que, em apenas alguns meses de vida, a Associação de Artes Plásticas Francisco Lisboa realiza o primeiro grande ‘Salão’ rio-grandense expondo trabalhos de seus associados, em pintura, desenho, estatuaria, etc.

(...) reinando em torno dessa linda mostra de arte o maior interesse, quer nos círculos artísticos quer entre o público, que há muito reclamava a realização de “Salões” dessa natureza.

O respaldo jornalístico, a partir das críticas de Aldo Obino, fortaleceu o

desenvolvimento dos eventos da Associação Francisco Lisboa. Os artistas passaram a

supor que, ao realizarem o próximo salão, teriam o apoio do crítico para a divulgação. A

partir da análise das críticas, observou-se que Obino acreditava que a falta de apoio aos

eventos artísticos era uma conseqüência dos críticos que definiam a qualidade das obras e

dos artistas em exposição. Os críticos contribuíam para a legitimação, ou não, dos artistas,

de acordo com sua opinião. Muitas vezes, por causa de suas posições, acabava

desmotivado o público a ir as exposições. De maneira indireta, ressaltava sua importância

como o mais novo crítico, que solucionaria esse problema. Também deixava claro que, de

seu ponto de vista, a AFL tinha o objetivo de mudar esta situação, tendo a iniciativa de

realizar as exposições com apoio de artistas reconhecidos e, sobretudo, o apoio mais

significativo do público.

O segundo Salão da Associação Francisco Lisboa66, também, ocorreu na Casa de

Molduras. Nesta exposição, além dos artistas67 locais, houve a participação de três artistas

66 O II Salão ocorreu em janeiro de 1940. (Catálogo do II salão AFL, 1940) 67 Adolf Bernhauser, Armando Arnildo Kumer, Carlos Scliar, Clóvis Graciano, Edla Hofstetter da Silva, Edgar Koetz, Ercy Brino, Flávio de Carvalho, Gastão Hofstetter, Guido Mondim Filho, Hugo Lunardi, João

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paulistas, Clóvis Graciano68, Flávio de Carvalho69 e Joaquim Lopes Figueira (Catálogo do

II Salão da AFL, 1940). Nas primeiras atas de reunião da entidade, foi muito ressaltada a

participação dos sócios nos salões, sendo que, na prática, se observa a participação de

artistas oriundos de outro Estado. Devido à falta de documentação, pressupõe-se que sejam

sócios correspondentes70.

No mesmo ano do segundo Salão, em novembro, ocorreu o terceiro Salão da

entidade, no térreo do Grande Hotel. Foram apresentadas 86 obras, de 26 artistas71. Este

salão da Associação Francisco Lisboa foi oficializado pelo departamento central do bi-

centenário de Porto Alegre, para ser incluído nas comemorações oficiais (Catálogo do III

Salão da AFL, 1940). Krawczyk afirma que (1997, 64), “A terceira edição (...) é incluída

nos festejos do bicentenário de Porto Alegre com o Instituto de Arte. É adquirida pela

escola, passando a integrar seu acervo, a gravura Aleijadinho de João Faria Viana,

exposta no salão”.

No ano de 1942, a AFL realizou outros dois salões. O Salão Juvenil e o IV Salão da

entidade. O Salão Juvenil de Artes Plásticas72 foi direcionado para artistas iniciantes entre

14 e 18 anos. A maior parte deles eram homens73, havendo apenas uma mulher, Helena L.

Machado, que tinha estudado no Instituto de Artes. Praticamente, todos os artistas jovens

trabalhavam na Revista do Globo, com exceção de Helena L. Machado e Plínio Petersen

Faria Viana, João Fahrion, Joaquim Lopes Figueira, Julia Felizardo, Martha de Wagner Scgidromitz, Thomas Carlos Matthiesen, Wolfdietrich Wickert e Walter Radesey. (Catálogo do II Salão da AFL, 1940) 68 Compôs a Família Artística Paulista em 1937-39 e no Sindicato de Artistas Plásticos (1938). 69 Fundador do Clube dos Artistas Modernos (CAM). 70 A AFL não tem ou nem sequer fazia o registro dos artistas associados à entidade. Apenas observa-se o envolvimento deles com a entidade, a partir dos catálogos dos salões e das reuniões, mas nem todos iam participar. 71 Adolf Bernhauser, Adolf Otto Nowicki, Benito Mazon Castañeda, Dr. Duílio Bernardi, Edgar Koetz, Edla H. da Silva, Ernest Zeuner, Gastão Hofstetter, Guiomar Fagundes, Gilda Marinho, Guido Mondim Filho, Hélios Seelinger, Hugo Lunardi, Julia Felizardo, João Azevedo Braga, João Faria Viana, Maria Reis, Maria de Wagner Schidrowitz, Márcio Nery, Martin Obermeyer, Romano Reif, Thomás Matthiesen, Teodoro De Bona, Vasco Prado, Walter Radzey e Wolfddietrich Wickert. (Catálogo do III Salão da AFL, 1940) 72 O salão juvenil ocorreu em abril de 1942. 73Vitório Gheno, Armando Arnildo Kuwer, João Mottini, Honório Nardim, Plínio Petersen Pereira e Jayme Tongel.

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Pereira (Catálogo do I Salão Juvenil de Artes Plásticas, 1942). Ângelo Guido (1957)

salienta que foi no salão juvenil que apareceu pela primeira vez Carlos Mancuso.

Entretanto, no catálogo da exposição não consta o nome desse artista. Pressupõe-se, que foi

incluído pouco antes do início do evento. Conforme Kern (1981), o salão recebeu auxílio

da Secretária da Educação do Estado do Rio Grande do Sul.

O quarto Salão anual da AFL74 ocorreu no primeiro andar do Edifício Vera Cruz,

onde foram expostas 84 obras, de 26 artistas75 (Catálogo do IV Salão da AFL, 1942). Uma

parte da renda arrecadada foi destinada à Cruz Vermelha Brasileira. O crítico Aldo Obino,

em sua coluna (Correio do Povo, 31/10/42, 7), salientou que essa doação “realça a sua

magnífica realização com uma nota de sadio patriotismo”. Tal afirmação, assim como o

ato da Associação, vai ao encontro da intensa ativação política do Estado Novo na

construção de uma identidade brasileira, baseada no amor a pátria, ou seja, o patriotismo.

Pode-se observar a contribuição da entidade através dos seus salões, para a construção da

identidade brasileira, a partir da tabela abaixo, que mostra as temáticas das obras.

Tabela de nº 2:

SALÕES TEMAS Edições Nacional Regional Outros

I 16 - 57 II 5 2 57 II 35 7 56

Juvenil 8 2 36 IV 9 2 70

74 O salão ocorreu em outubro de 1942. 75 Ana de Lourdes, Carlos Alberto Petrucci, Edgar Koetz, Gastão Hofstetter, Gilda Marinho, Guido Mondim Filho, Hans Thofern, Hilda Goltz, Honório Nardim, Itamar Guimarães, Jayme Tongel, João Faria Viana, João Mottini, João Raminelli, Morena Mourgues, Osvaldo Goidanich, nome não identificado, Vasco Prado e Vitório Gheno. (Catálogo do IV Salão da AFL, 1942)

Tabela nº 2: Os temas relacionados com as obras expostas nos Salões da AFL. Catálogos dos Salões da AFL.

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A partir da tabela, observa-se a predominância de outras temáticas que não estão

relacionados com nacional e menos ainda com regional. Apesar do nacional não ter uma

quantidade tão expressiva, prepondera sobre temas regionais. Verifica-se que os artistas da

Associação Francisco Lisboa não mantinham envolvimento direto com a política vigente na época.

No entanto, uma minoria envolvia-se nas ideologias espraiadas pela sociedade rio-grandense,

desenvolvendo os temas em sua produção. Os salões em si não enfatizaram a tão almejada

construção da identidade nacional. No entanto, aproximaram o público das exposições, atendendo

ao desejo estado-novista de que todos tivessem acesso à cultura brasileira.

3.2.1- Salão de Arte Moderna

O Salão de Arte Moderna não foi uma exposição organizada em nome da Associação

Francisco Lisboa. Teve, sim, a participação dos artistas ligados a entidade, que organizaram a

mostra. O salão foi um protesto contra os novos “ísmos” da arte moderna. A idéia surgiu a partir de

um discurso do poeta e ensaísta Manoelito de Ornelhas76 (KERN,1981), numa homenagem feita

por amigos e intelectuais ao artista Carlos Scliar, quando retornava ao Brasil (final de 1941), depois

de seus intercâmbios. A homenagem enfatizou sua participação no Salão Moderno Brasileiro e o

seu sucesso em São Paulo e no Rio de Janeiro. No discurso, publicado na Revista Globo (1941,

VIII)77, Manoelito de Ornellas refere:

Scliar: Teus amigos celebram, em torno desta mesa, a vitória da tua arte. Para que este acontecimento se revestisse de maior relevância, entenderam escolher, para esta mensagem de compreensão, um homem que vem,

76 Chefe da seção gaúcha do Departamento de Imprensa e Propaganda DIP. Ele participou nos anos 20 em São Paulo do grupo Verde-Amarelo. 77 A íntegra do elogio foi publicada na Revista do Globo em dezembro de 1941.

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literariamente, dos dias agitados de Arte Moderna, em São Paulo.

Passados 18 anos sobre o movimento iniciado no sul, unidade daquela patrulha, que se caracterizou por uma surpreendente coragem moral, nós nos entendemos, ainda agora, como se entre nós houvéssemos surgindo três ou quatro gerações. Quer isto dizer que ainda cumprimos os postulados de arte, em nome dos quais quebramos velhos preconceitos e enfrentamos uma mentalidade arraigada a velhas teorias convencionais – aquele nefando bom-gosto e aquele infecundo bom-senso...

Em seu discurso, Manoelito elogia a Arte Moderna, relacionando-a com a renovação

política na sociedade brasileira. De certa maneira, oficializava e reafirmava as tendências modernas

do estado sulino, descontentando assim grupos conservadores. Os artistas, envolvidos com a

Associação Francisco Lisboa, revidaram a essa afirmação do então chefe do Departamento de

Imprensa e Propaganda (DIP), organizando o primeiro Salão de Arte Moderna. Conforme Maria

Lúcia Kern (1992, 49): “... foi organizado com fim de ridicularizar a arte moderna...”. Alguns

membros da AFL mostravam-se radicalmente contra a penetração do modernismo no Rio Grande

do Sul, através desse salão. Chegando, inclusive, a não convidar Scliar, que fazia parte da entidade,

para expor.

Scliar tinha uma postura artística voltada para os ísmos da arte moderna, enquanto a maior

parte dos artistas gaúchos seguia o padrão clássico humanista. Os artistas da Chico não aceitavam

as idéias e trabalhos dele. Como afirma Scarinci (1982, 65): “Scliar, pronunciando-se com decisão

modernista, num expressionismo ingênuo, mas carregado de intenções sociais, só poderia ser

considerado como um ‘alter’ de um tal grupo e por ele combatido e excluído”.

A postura do seu grupo, perante suas convicções artísticas e políticas, levou Scliar a

afastar-se da associação. Como constata Krawczyk (1997, 61), existia “(...) uma forte resistência à

penetração do modernismo, reveladora não só uma postura estética mas também de uma opção

política conservadora. A impossibilidade de veicular sua proposta na Associação leva Scliar a

abandoná-la”.

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O salão ocorreu em janeiro de 1942, quando foram expostas 46 obras, de 21 artistas78

(Catálogo do I Salão de Arte Moderna). As obras foram intituladas modernistas, apesar de serem

um deboche plástico. De acordo com a Revista do Globo (ASSIS,1946), os participantes criaram

um artista fictício, chamado Fedor Kanlinski. As obras, mesmo tendo um caráter irônico, estavam à

venda. Apenas seis obras79 não estavam a disposição. O artista Carlos Alberto Petrucci deixou

evidente, na entrevista concedida à Revista do Globo (ASSIS, 1946), que não tinha noção do

objetivo do Salão Moderno de 42. Foi notá-la quando encerrou. Ele não riu do evento como muitos,

mas de si, do seu “caipirismo”.

No encerramento do Salão, foi lido um discurso anti-modernista, assinado por Edgar

Koetz, João Faria Viana, Guido Mondin Filho e Oswaldo Goidanich. Esse manifesto foi publicando

no Diário de Notícias. Conforme estes artistas destacavam no manifesto (Diário de Notícias,

06/01/42, 7):

- Que a arte pseuda, o Falso e deturpado modernismo destas correntes postas tão em voga pelos críticos e entendedores cozidos na mesma panela, é obra destruidora, subversiva, subterrânea e letal, que utiliza processos ultra socialistas, vermelhos e implacáveis. Seu objeto preferido são as deformidades físicas e morais. Ela subverte a ordem e nivela por baixo, apresentando, com suas extravagantes manifestações no terreno da música, da pintura, da escultura e da poesia, um ambiente propício – pela ausência da ética fonte pura da moral – um clima favorável à infiltração das idéias extremistas, perturbadores do ritmo cristão em que, há muito, viva a Humanidade a sua luta pelo Ideal e pelo Belo. (...)

- Que, para finalizar o salão serviu de prova esmagadora de que não há ambiente, aqui, para heresias artísticas.

78 Ana de Lourdes, Carlos Alberto Petrucci, Edgar Koetz, Fedor Kalinski, Hilda Goltz, Guido Mondim, Honório Nardim, Jaime Tongel, Jean Jacques Fridolin, João Braga, João Faria Viana, João Mottini, José H. dos Santos, Konow, Luiz Corona, Martim Obermeyer, Olavo Dutra, Osvaldo Goidanich, Paulo Koetz, Vitório Gheno e W. Wickert. (Catálogo do Salão de Arte Moderna, 1942) 79 Auto-retrato de Luiz Corona, Natureza Morta de Olavo Dutra, Peixes de Vitório Gheno, Auto-retrato de Edgar Koetz, Auto-retrato de Martim Obermeier e Auto-retrato de Carlos Alberto Petrucci.

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No texto, os artistas apresentam a negação do modernismo. Não apenas pelo que

ele oferece de agressão plástica ao Belo, mas, também, por acreditarem que criaria uma

abertura para degeneração moral da humanidade, sendo um passo à sua destruição.80

Estavam a “fim de criticar e arrasar com as possibilidades de difusão do modernismo no

RGS”, como afirma Kern (1992, 51).

Mesmo assim, alguns artistas da Associação Francisco Lisboa foram legitimados

pelo sistema após esse salão. O que se observa é que a crítica, tanto por parte de Ângelo

Guido, como por Aldo Obino, respaldou a exposição, considerando-a gratificante para o

meio cultural e artístico porto-alegrense; mostrando que havia oposição a penetração

desses ísmos da arte moderna, sendo que estas questões estavam de acordo com os

preceitos artísticos defendidos por eles. De certa maneira, valorizaram a atitude desses

artistas. Conforme Kern (1995, 42-43): “Obino e Guido defendem uma concepção estético

moralizante, atuando como verdadeiros inquisidores em prol da manutenção de valores

cristãos, clássicos e éticos, pois acreditam que o modernismo poderá produzir a cisão”.

Nos anos seguintes, que sucederam o salão de 42, ocorreram exposições individuais

(KERN, 1981) de artistas que até então não tiveram a oportunidade de realizar, como João

Faria Viana (1943), Carlos Alberto Petrucci (1947) e Gastão Hofstetter (1950).

Sob o respaldo moral e financeiro do DIP, foi organizada uma exposição coletiva,

intitulada A Exposição dos Novos81, direcionado aos artistas que participaram do salão de

Arte Moderna de 42 e que eram envolvidos com a Associação Francisco Lisboa.

Expuseram seus trabalhos, Carlos Alberto Petrucci, Edgar Koetz, Honório Nardim,

80 Kern (1981) e Krawczck (1997) colocam que os autores repetem a postura observada na Exposição de Arte Degenerada organizada em Munique, em 1937, pelos nazistas, com vistas a desqualificar o modernismo como expressão da decadência moral e apologia da subversão política. Vitório Gheno (2003) em sua entrevista deixa bem claro havia um grupo dentro da AFL que eram contra Arte Moderna, e que seguiram os exemplos do Nazismo e do Comunismo, referente a esse novo tipo de arte. 81 O Salão dos Novos Artistas ocorreu no dia 24 de maio de 1944. (KERN, 1981)

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Oswaldo Goidanich, Nelson Boeira Faedrich e Vasco Prado. Com exceção dos dois

últimos, que não participaram do manifesto de 42, os outros estiveram envolvidos. Como

relata Konrad (1992), a exposição foi inaugurada pelo diretor do DIP Manoelito de

Ornellas, contando com a presença do interventor do Estado Ernesto Dornelles, que

exaltou a produção dos artistas; sobretudo, enfatizando o apoio do governo ao evento.

Mesmo Manoelito, que tinha uma postura contrária aos artistas que estavam envolvidos

com o salão de 42, estimulou e incentivou-os com a nova exposição. Observa-se que esses

artistas ganhavam o reconhecimento.

3.2.2- Aspectos Gerais dos Salões

Num balanço geral dos salões da Associação Francisco Lisboa, constata-se que

esses não ficaram voltados apenas para os artistas que não tinham privilégio de expor e,

muito menos, os que não estavam ligados ao um ensino artístico. A entidade proporcionava

acesso a todos os artistas interessados em divulgar suas obras. Como se pode observar,

havia a participação de artistas que já estavam envolvidos com a práxis artística desde da

década de 20, alunos e professores do IBA, como Fahrion82; sendo que mais tarde Benito

Castañeda83, que também expunha nos salões da AFL, tornou-se professor do IBA.

A crítica de arte, por parte de Obino, evidenciava um certo modernismo nos salões

AFL. Não em questões pictóricas, mas na audácia dos artistas em realizar as exposições,

que contribuíram para a legitimação de muitos dos envolvidos e o progresso nas artes,

ativando o campo cultural artístico porto-alegrense. Sempre salientou que isso ocorreu

devido a atuação e administração responsável do artista João Faria Viana, enquanto

presidente da instituição. Obino publica (Correio do Povo, 21 out 1942, 5):

82 Em 1937, João Fahrion ao assumir como docente do Instituto de Belas Artes (IBA), as disciplinas de desenho e pintura, deixou de trabalhar na seção de Desenho da Livraria e Editora do Globo. (RAMOS, 2002) 83 Castañeda foi contratado em 15 de abril de 1942. (SIMON, 2002, 553)

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Com esta realização, a incansável entidade

presidida pelo pintor João Faria Viana adianta mais um passo na firme execução do seu programa, o qual não se limita à mera difusão da arte, mas ainda, objetiva a união dos artistas plásticos riograndense numa célula de intensa atividade cultural e artística, capaz de verdadeiros resultados dentro de um equilibrado e sadio espírito de renovação e modernismo.

Alguns artistas da Associação Francisco Lisboa, que tinham uma ligação com a

Revista Globo, iam de encontro a posição da editora, que tinha um caráter modernista.

Como afirma Scarinci (1980, 45), de acordo com a direção da Revista, esta tinha a

proposta de focalizar o modernismo, chegando a combater o regionalismo, não

apresentando muitas obras de caráter regional. A revista primava em suas ilustrações por

um certo modernismo, relacionado ao mercado cultural. Conforme Ramos (2002, 203):

... as capas produzidas para a Revista do Globo, por exemplo, por artistas filiados à Associação Chico Lisboa, poderiam ser vistas como modernas. E não apenas pelo tema em si, mas, sobretudo, pelo tipo de tratamento dado à figura, com uso de estilemas provenientes do expressionismo, do fovismo e do cubismo, e com a subtração de elementos como o fundo realista e a perspectiva.

A imposição aos ísmos da arte moderna, por parte dos integrantes da AFL, estava

relacionada principalmente ao abstracionismo, onde não há mais a imagem figurativa.

Conforme Paula Ramos (2002, 203): “...os críticos e artistas plásticos rio-grandenses de

então temiam era, na realidade, a abstração, a ausência da figura humana, a ausência da

representação da natureza, a ausência da representação em si, a impossibilidade de

reconhecer o que estava sendo reportado”.

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Essa questão, referente à não aceitação da arte moderna no Estado, reafirma a

disputa entre modernos e acadêmicos durante o Estado Novo. Segundo Kern (1992, 48):

“Durante o Estado Novo no RGS, os sistemas visuais estiveram direcionados à tradição

artística – de origem humanística – e ao modernismo. Esta aparente polarização gera uma

série de conflitos entre artistas, críticos e instituições de ensino”. O modernismo era bem

limitado no Rio Grande do Sul, pois nesta época as convenções acadêmicas predominavam

sobre as inovações modernistas.

Os professores do IBA mantinham ainda uma arte figurativa, calcada no desenho,

descritiva, que idealizava a realidade, enquanto seus alunos estavam começando a voltar-se

para as novas questões artísticas. Segundo Kern (1985, 22): “A década de 30 se

caracteriza pela convivência pacífica entre jovens artistas modernistas e antigos mestres

que produzem a arte tradicional”. O Instituto foi modificar sua postura em relação à arte

moderna somente na década de 50, com a inserção de Ado Malagoli como professor.

Conforme Pieta (1995, 68), “O mestre que centraliza o ensino da pintura em 1958 é Ado

Malagoli que, desde 1952, promove as alterações em um conceito de arte, da transição até

a modernidade”. Defendia, portanto, uma arte moderna cautelosa, realizando a junção

desta com a clássica, para não agredir o público e ter uma aceitação.

A Associação Francisco Lisboa não estava ligada a nenhuma instituição de ensino artístico,

entretanto primava por uma arte figurativa, desconsiderando os ismos da arte moderna, que gerava

a deformação da imagem e rompia com ideal de belo. Segue Kern (1992, 50) afirmando que “A

maioria dos artistas que constituem a AFL praticam a pintura limitada ao sistema formal

tradicional”. Exceto Carlos Scliar que tinha outra concepção artística com intenções sociais e que

de tal maneira a arte moderna lhe propiciava atender seus anseios. Segundo Ramos (2002, 201):

... a produção dele não era moderna no sentido de modernidade desejada pelas vanguardas históricas. Suas

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imagens se utilizavam de signos da modernidade - representados tanto pelo tema compreendido como moderno, como pelas deformações formais e pela exploração das pontecialidades da luz e da cor...

A partir da análise das críticas de Aldo Obino, observa-se que ele era contrário as

extravagâncias modernistas, contra a deformação da imagem que de tal maneira ameaçaria

a moral, rompendo com o ideal de belo clássico. Também, se constata que ele exaltava a

produção dos artistas da Associação Francisco Lisboa, porque mantinham o caráter

clássico humanista. O crítico tinha a concepção de arte idealista, que agradasse

esteticamente, através do belo e da tranqüilidade de espírito, sem expressar problemas,

como destaca Kern (1995). As referências que a Associação recebe nas críticas não foram

apenas pela amizade entre Obino e alguns membros da entidade, mas pela concepção de

arte ser idêntica.

Obino defendia a obra de arte arraigada ao ideal de beleza e perfeição, sendo

expressa a partir da mímesis, permanecendo a aparência. Como apresenta Ursula Silva

(2002, 48), “Para Platão, todas as formas de representação baseavam-se no conceito de

imitação (mímesis). A busca da perfeição, em qualquer âmbito de realização humana,

deveria ser fundamentada no mundo inteligível, das essências, e realizada no mundo

sensível, das coisas”. As idéias, defendidas por Obino em suas críticas, podem estar

baseadas no pensamento platônico, até em relação a sua formação. De acordo com Kern

(1995, 38), “O discurso de Aldo Obino emerge da sua atuação militante em prol da

preservação de uma arte idealizada, serena e sem conflitos, que representa a harmonia do

modelo social por ele imaginado”. Ele se impôs ao modernismo, apoiando a posição dos

artistas que organizaram o salão arte moderna (oposição). O crítico defendia a idéia de que

a arte moderna buscava a independência da razão humana, gerando o rompimento do

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espírito com a filosofia e a teologia, e, além disso, a desintegração da sociedade. O artista

abandona o desenho, a forma, o belo e a perspectiva nas artes plásticas (OBINO,1942),

sendo que isso que reforçava a oposição de Obino aos ismos da arte moderna.

O crítico não abordou apenas suas idéias e perspectivas artísticas relacionadas com

os salões organizados pela Associação Francisco Lisboa e seus integrantes. Enfatizou,

sobretudo, as obras expostas, apresentando-as detalhadamente ao público leitor (nome -

técnica).

A partir da análise dos catálogos dos salões da entidade, observou-se que as

técnicas desenvolvidas pelos artistas em suas obras são de fato diversificadas. Sendo que

essa questão pode ser constatada no gráfico abaixo:

05

1015202530354045

I (1938) II(1939)

III(1940)

Juvenil(1942

IV(1942)

CerâmicaEsculturaPinturaDesenhoGravuraCaricaturanão identificadoilegívelarte aplicadaoutros

Através do gráfico, observa-se que a pintura predominava nos salões da Associação

Francisco Lisboa, ficando em segundo o desenho, com presença significativa. Como relata

Gráfico: As técnicas desenvolvidas nas obras expostas nos salões da AFL. Catálogos dos Salões da AFL.

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Guido (1957), a Associação estava diretamente relacionada com o desenvolvimento do

desenho e da gravura no estado sulino, sendo que nas exposições coletivas e individuais

anteriores aos salões da entidade, não expuseram tantos seus trabalhos nessas técnicas.

Apesar de Guido salientar a ligação da gravura a AFL, essa técnica não preponderou nos

salões perante outras técnicas apresentadas. Constata-se que tinha uma quantidade mínima,

ficando apenas superior a caricatura. Tem-se em vista que era uma técnica que deveria

apresentar um número significativo, pois a Associação era constituída na maior parte por

ilustradores e gravadores, oriundos da Revista do Globo84. Não eram todos os artistas que

estavam ligados com a Revista que preservavam as exposições das gravuras, apenas alguns

se alternando entre os salões da entidade, como se pode observar na tabela abaixo:

Tabela nº 3:

Nome dos SALÕES Ilustradores I II III Juvenil IV

Edgar Koetz - 1 1 - - Edla H.da Silva 1 1 - - - Gastão Hofstetter 5 1 - - - Vitório Gheno - - - - - João Faria Viana - - 3 - 1 João Fahrion - - - - - Nelson Boeira Faedrich - - - - - Armando Arnildo Kuwer - - - - - João Mottini - - - - - Honório Nardim - - - - - Jatme Tongel - - - - - Ernest Zeuner - - 3 - -

84 Os artistas Edgar Koetz, Edla H. Silva, Gastão Hofstetter e Vitório Gheno eram funcionários da Editora Globo. Já João Faria Viana e Nelson Boeira Faedrich eram contratados temporariamente para fazer ilustrações, não tinham vínculo empregatício com a empresa. ( Gheno, 2003, 1)

Tabela nº3: Os ilustradores da Revista do Globo que preservavam a gravura nos salões da AFL. (Catálogos dos Salões AFL)

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Acredito que o fenômeno se deva a busca de reconhecimento dos artistas. Como a

gravura ainda era considerada arte menor, a pintura e o desenho fortaleciam as

possibilidades de consagração artística.

3.3- O PAPEL DA ASSOCIAÇÃO FRANCISCO LISBOA: INSTÂNCIA DE LEGITIMAÇÃO E CONSAGRAÇÃO

No Rio Grande do Sul, na década de 30, havia uma forte resistência as questões

estéticas, ligadas aos ismos da arte moderna, por parte da AFL e também do IBA. Essas

questões as aproximavam. Também a produção dos artistas da AFL mantinha o preceito do

instituto, mas relacionados às artes gráficas. Conforme Kern (1992, 50), “Como muitos dos

artistas da Associação são ilustradores da Editora do Globo, suas pinturas preservam

elementos formais próprios desta atividade”. O setor artístico da Editora Globo tornou-se

a melhor escola para amadores e profissionais que dedicavam às artes gráficas, como

destaca Maria Castro (2002, 227).

Os integrantes da AFL almejavam ser legitimados e consagrados como artistas. A

concretização desse objetivo só ocorreria através de uma instância do sistema de arte, que

poderia ocorrer através dos salões da entidade, no entanto, os salões deveriam adquirir o

reconhecimento.

Para Bourdieu (1982,361), o campo de produção vai se constituir num sistema de

arte quando tiver o sistema de relações com instâncias de produção, circulação e consumo.

Ele parte de que a autonomização, como principio unificador e gerador do sistema, ocorre

no momento que há uma inter-relação entre as instâncias. O salão da Associação Francisco

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Lisboa de fato era um campo de produção que almejava a legitimação para poder consagrar

os artistas envolvidos nos seus eventos. Conforme Bourdieu (1982, 101):

...o processo de autonomização da produção intelectual e artística é correlato à constituição de uma categoria socialmente distinta de artistas ou de intelectuais profissionais, cada vez mais inclinados a levar em conta exclusivamente as regras firmadas pela tradição propriamente intelectuais ou artísticas herdada de seus predecessores, e que lhes fornece um ponto de partida ou um ponto de ruptura, e cada vez mais propensos a liberar sua produção e seus produtos de toda e qualquer dependência social, seja das censuras morais e programas estéticos (...), seja de controles acadêmicos...

Os artistas da AFL seguiam os parâmetros de uma arte que tinha uma tradição e

reconhecimento não apenas pelo campo cultural e artístico, mas por um público em geral.

Também, desta maneira, conseguiriam a legitimação pelo sistema de arte. De acordo com

Bulhões (1999, 17), Sistema de Arte é definido como:

Conjunto de indivíduos e instituições responsáveis pela produção, difusão e consumo de objetos e eventos por eles mesmos rotulados como artísticos e responsáveis também pela definição dos padrões e limites da ‘arte’ de toda uma sociedade, ao longo de um período histórico.

A Associação era formada praticamente por artistas autoditadas e com formação

gráfica. Mesmo assim, conseguiram inseri-la no sistema de arte, devido à forte atuação na

organização dos seus salões. Então, afirmando, mais uma instância de legitimação e

consagração, fugindo do controle único do Instituto de Belas Artes; que por ser uma

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instituição de ensino85, era a defensora dos padrões tradicionais artísticos e definia o campo

de produção no Rio Grande do Sul. Segundo Bourdieu (1982, 118):

... função do sistema das instâncias de reprodução e, em particular, do sistema de ensino – que, por sua tarefa de inculcação, consagra como digna de ser conservada a cultura que tem o mandato de reproduzir -, a estrutura e a função do campo de produção e do campo de difusão só podem ser inteiramente compreendidas se levarmos em conta a função específica que, em seu conjunto, o sistema das relações constitutivas do campo de produção, de reprodução e de circulação dos bens simbólicos, deve à especificidade de seus produtos. Este fato nos obriga a tratá-lo como campo das relações de concorrência pelo monopólio do exercício legítimo da violência simbólica. No interior do sistema assim construindo, definem-se as relações que vinculam objetivamente o campo de produção erudita – como sede de uma concorrência pela consagração propriamente cultural...

As instâncias de legitimação são constituídas pelas academias, escolas de belas

artes e salões, ocorrendo sempre entre elas uma hierarquia de legitimidades. A primeira

instância de legitimação de um sistema de arte pode ser concentrada em uma única

instituição oficial, ou dividida entre instituições distintas, como instituições de ensino

artístico, as academias e os museus. Sendo que abaixo ficam entidades não oficiais, que

também, exercem a mesma função, mas em segundo plano, onde se localizaria a

Associação Francisco Lisboa. Conforme Bourdieu (1982, 121):

85 O IBA passou por diversas dificuldades até conseguir a institucionalização como Curso de Artes da Universidade Federal do Estado. O Instituto Livre de Belas Artes foi criado em 1909, funcionando como conservatório de música. Um ano depois a Escola de Arte foi ativada, com o objetivo de institucionalizar o ensino formal artístico. Foi incorporado à Universidade de Porto Alegre em 1936, depois foi desanexada em 39, voltando a ser uma entidade particular. No início, tinha poucos docentes e estudantes, necessitando de diversas mudanças curriculares implantadas em 1936, vigorando até 62. Em 1941, obtêm reconhecimento do governo federal por ter adaptado e renovado os seus cursos, sendo considerada uma unidade autônoma, subordinada à Divisão de Ensino Superior do Ministério da Educação e Saúde (MES). No entanto, retornou diversas vezes a Universidade local na década de 40. O Instituto foi incorporado em 1962 à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). (SIMON, 2002)

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...acrescentar certas instâncias cujo âmbito de reconhecimento é menor (embora possam exprimir de modo mais direto as reivindicações dos produtores culturais) como as sociedades eruditas, os cenáculos, as revistas, as galerias, tanto mais inclinadas a rejeitar os veredictos das instâncias canônicas quanto maior e mais sólida a autonomia do campo intelectual.

Nas décadas de 40 e 50, os salões eram instâncias legitimadoras, sendo que

juntamente com o Instituto de Belas Artes, a AFL tornou-se um canal legitimador, mas em

segundo plano por não ser uma instituição formal de ensino. A Associação Francisco

Lisboa manteve maior destaque nas realizações dos salões, devido à inexistência deles no

campo cultural e artístico porto-alegrense, como já foi referido. O IBA, como uma

instituição voltada para a formação de artistas, tinha a obrigação de realizar os salões com

assiduidade, mas não o fazia, como é possível observar na tabela abaixo:

Tabela de nº 4:

SALÕES

Salão de Arte

I II III JUVENIL Arte Moderna

IV

AFL

- 1938 1939 1940 1942 1942 1942

IBA-RS

1929 1939 1940 1943 - - 1953

Tabela nº 4: As Datas que ocorreram os salões da Chico Lisboa e do IBA. (Catálogos dos salões da AFL, KRAWCKYZ (1997), SIMON (2002)

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A partir da tabela, observa-se que o IBA, desde o Salão de Arte até o primeiro

Salão Oficial, ficou dez anos sem realizar atividades (1929-1939)86. Do segundo ao

terceiro salão, tem-se uma diferença de três anos, estagnando esse evento e vindo a realizá-

lo somente dez anos depois. Enquanto a AFL, como se observa na tabela acima, foi

sucessivamente organizando seus salões, apenas no ano de 1941 que não desenvolveu

atividade. De certa maneira, foi esse período longo entre os salões do IBA, que

contribuíram com que Associação começasse a destacar-se e mais tarde legitimada.

A AFL, a partir dos salões, avaliava uma parte da produção artística que se estava

desenvolvendo na cidade. As críticas de arte de Aldo Obino do Correio do Povo

contribuíram para reforçar a existência da Associação Francisco Lisboa, levando o público

a ir as exposições e deixando-os informados sobre o que estava sendo exposto e quem

estava por de trás da organização do evento. Segundo Bourdieu (1982, 106, 107):

...os progressos do campo de produção erudita em direção à autonomia caracterizam-se pela tendência cada vez mais marcada pela crítica (recrutada em grande parte no próprio corpo de produtores) de atriburir a si mesma a tarefa, não mais de produzir os instrumentos de apropriação que a obra exige de modo cada vez mais imperativo na medida em que se distancia do público, mas de fornecer uma interpretação “criativa” para uso dos criadores. Destarte, constituem-se “sociedades de admiração mútua”, pequenas seitas fechadas em seu esoterismo e, ao mesmo tempo, surgem os signos de uma nova solidariedade entre o artista e o crítico.

Essa solidariedade, ressaltada por Bourdieu, ocorria entre a Associação Francisco

Lisboa e o crítico de arte do Correio do Povo. Obino não tinha formação artística e sequer

exercia como autodidata as artes plásticas, mas mantinha um contato amigável como

86 Simon destaca que entre estas datas houve a inclusão e a exclusão do Instituto na Universidade Local. (SIMON, 2002)

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muitos integrantes da entidade. Através dele, garantia-se a inteligibilidade da obra em suas

críticas, para os que não estavam integrados no campo dos produtores. Ele surgiu num

momento que a AFL precisava desse respaldo jornalístico, pois o crítico Ângelo Guido a

ignorava. Conforme Bourdieu (1982, 110), observamos o posicionamento de Guido em

relação à entidade, pois:

... no âmbito da arte, os princípios estilísticos e técnicos são os mais propensos a se tornarem o objeto privilegiado das tomadas de posição e das oposições entre os produtores (ou seus intérpretes). Além de manifestar a ruptura com as demandas externas e a vontade de excluir os artistas suspeitos de se curvarem a tais demandas...

Essa relação dos artistas entre si e com não-artistas, ou seja, os críticos, como

destaca Bourdieu (1982, 101), gera a constituição de um campo artístico relativamente

autônomo, podendo, assim, elaborar um novo papel do artista e de sua arte. Desta maneira,

a Associação com o respaldo de Obino, pode concretizar esse novo papel que os artistas,

oriundos da Revista do Globo, tiveram - ser legitimado - e transferiram para a entidade a

responsabilidade de ser uma instância de legitimação e consagração.

Os integrantes da Associação não eram revolucionários, nem modernistas. Na sua

maioria, queriam apenas ter um espaço de reconhecimento público, ocupado somente pelos

professores do Instituto de Arte. O seu primeiro salão87 foi uma espécie de salão dos

recusados, tendo a participação de onze associados. Esses artistas sentiam-se

marginalizados por não terem acesso a exposições existentes. De acordo com Krawczyk

(1997, 65),

87 26 de novembro de 1938.

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“É significativa a emergência de novos produtores. Vasco Prado, Carlos Alberto Petrucci, Vitório Gheno, João Mottini, entre outros, vêm a público pela primeira vez nos salões da Chico, em inícios dos anos 40. Trata-se, portanto de um importante canal de legitimação”.

A Associação Francisco Lisboa sempre deixou inteligível, em suas atas de reuniões,

a importância de seus associados na participação dos salões. Na verdade, ocorria uma

reciprocidade, pois os salões contribuíam para a divulgação da produção dos artistas e

esses, com sua participação, ajudavam a entidade a firmar-se e tornar-se uma instância do

sistema de arte. Houve a participação de muitos artistas88 que já estavam envolvidos no

meio cultural e artístico desde da década de 20, que de tal maneira também respaldavam a

entidade. Isso reforça o que Bourdieu (1982, 106) teoriza, quando afirma que, quanto mais

o campo funcionar como arena fechada, para alcançar a legitimidade cultural, mais eficaz

será a consagração. Sendo isso irredutível para os princípios externos, assim obrigados a

aceitar novas instâncias. Era o que a Associação Francisco Lisboa fazia na prática. Apenas

seus associados, com suas mensalidades em dia e pessoas que indiretamente estavam

envolvidos com entidade, convidados, decididos em assembléia, e amigos, que incentivam

o seu desenvolvimento no campo cultural artístico.

A entidade através dos seus salões, que de certa maneira ocorriam anualmente

nesse período, adquiriu sua distinção no campo de arte; sendo que através dos seus salões

legitimou e consagrou muitos artistas, que vieram organizar exposições individuais e

outras coletivas com apoio do governo, como já foi referido. Conforme Bourdieu (1982,

109): 88 Artistas que participaram do Salão de Outono (1925), como Ernst Zeuner, Júlio Gravronski, José Rasgado Filho, Hélios Seelinger e João Fahrion; do Salão da Exposição do Centenário Farroupilha (1935) na secção dos artistas, como Benito Mazon Castañeda, Gustav Epstein, José Rasgado Filho, João Fahrion e Nelson Boeira Faedrich.

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...o grau de autonomia de um campo de produção erudita é medido pelo grau em que se mostra capaz de funcionar como um mercado específico, gerador de um tipo de raridade e de valor irredutíveis à raridade e ao valor econômicos dos bens em questão, qual seja a raridade e o valor propriamente culturais. Vale dizer, quanto mais o campo estiver em condições de funcionar como o campo de uma competição pela legitimidade cultural, tanto mais a produção pode e deve orientar-se para a busca das “distinções culturalmente pertinentes”.

A afirmação da legitimidade da Associação Francisco Lisboa, através dos salões,

deu a exclusividade dos artistas criarem suas próprias leis no próprio campo de atuação,

ignorando as exigências externas de uma demanda social subordinado a interesses

institucionais. De acordo com Bourdieu (1982, 151):

...a oposição entre dois modos de produção: de um lado, o modo de produção característico de um campo de produção que fornece a si mesmo seu próprio mercado e que depende, para sua reprodução, de um sistema de ensino que opera ademais como instância de legitimação; de outro, o modo de produção característico de um campo de produção que se organiza em relação a uma demanda externa, social e culturalmente inferior.

Como constatou Simon (2002, 345), na questão de reprodução da arte, a AFL

evidenciava em seu conjunto que a profissionalização na área era consideravelmente

possível. Eles colocavam, em seus salões, os valores das obras, para quem tivesse o

interesse de adquiri-las. Conforme afirma Bourdieu (1982, 108), “Todo ato de produção

cultural implica na afirmação de sua pretensão à legitimidade cultural”.

A entidade impor-se no campo de arte, mesmo indo contra os padrões artísticos

institucionais vigentes, conseguindo inserir-se no sistema de arte. No entanto, atingindo

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este objetivo fim após o Estado Novo. Na verdade, entrou numa disputa para conseguir

impor respeito aos artistas que estavam fora do circuito artístico e que não tinham

oportunidade de realizar exposição individual. Conseguiu, com os eventos, alcançar o seu

principal ideal, ser uma instância de legitimação e consagração. Entretanto, não empregou

os mesmos esforços dos salões, para conseguir sua sede. Como destacou Simon (2002), a

AFL não conseguiu constituir sua sede própria, por não ter montado uma estrutura

burocrática administrativa.

Devido ao papel importante que a Associação Francisco Lisboa teve no final da

década de 30 e 40 no campo artístico e cultural, gerou, mais tarde, o reconhecimento dos

órgãos municipais já no início da década de 50. A partir de um projeto, apresentado pelo

Vereador Josué Guimarães89, foi instituído por lei municipal90, em 1952, o Salão de Artes

Plásticas da Câmara Municipal de Porto Alegre91, sob a organização da Associação

Francisco Lisboa.

O artista Francisco Stockinger conheceu Josué Guimarães quando ele era

subsecretário de redação do “A hora”. Conforme a entrevista de Stockinger (MATTOS,

2002, 67): “Num dado momento, na eleição de nova diretoria cujo candidato a presidente

seria o Josué Guimarães, houve confusão. Por não ser artista militante, ele não poderia

ser presidente”. Josué de Guimarães estudou no Instituto de Arte, onde foi colega de Alice

Soares. Guimarães não era artista associado da AFL e por isso não pode ser presidente,

mas mantinha contato com artistas da entidade. Pressupõe-se que foi esta ligação informal

que Josué tinha com a Chico Lisboa, que o levou a indicá-la como responsável do Salão da

Câmara Municipal de Porto Alegre.

89 Político militante, jornalista e escritor. Nasceu em São Jerônimo-RS em 1921, vindo a falecer em Porto Alegre em 1986. Foi eleito vereador, pelo Partido Trabalhista Brasileiro-PTB, exercendo seu mandato de 1952-1955. Principais obras do escritor, Camilo Mortágua e Depois do Último Trem. 90 Lei Municipal nº 940. 91 Decreto Lei Municipal 677.

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O salão da Câmara era apenas de âmbito regional. Apenas artistas residentes no

estado há mais de dois anos, podiam participar. De acordo com regulamento do salão,

instituído pela lei nº 940, Art. 8º “-Somente poderão concorrer aos prêmios em dinheiro,

instituídos pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre, artistas nacionais ou estrangeiros,

residentes no Rio Grande do Sul há mais de dois anos”. Os recursos para o salão eram,

então, garantidos pelo legislativo municipal.

As obras premiadas ficaram sob o domínio governamental, para constituir o acervo

do Museu Municipal. Conforme a Lei Municipal nº 940, Art. 2º, parágrafo 3º: “- Os

primeiros prêmios ficarão como propriedade do Município, devendo destinar-se à um

futuro Museu Municipal da Artes Plásticas”.

A presença dos professores do Instituto de Arte no júri era freqüente. De acordo

com o regulamento do salão, instituído pela lei nº 940/52:

Art. 18º - A ASSOCIAÇÃO RIOGRANDENSE DE ARTES PLÁSTICAS FRANCISCO LISBOA constituirá um júri de seleção, composto de dois membros de livre escolha e nomeação de sua Diretoria, mais um representante da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, as decisões do júri de seleções serão secretas e inapeláveis. (...) – Art. 20º - Para outorgar os prêmios, a Associação constituirá um júri especial, do qual farão parte os três membros integrantes do júri de seleção: um representante do Instituto de Belas Artes, da Universidade do Rio Grande do Sul, a ser designado pela direção desse estabelecimento oficial de ensino superior; um representante eleito pelos artistas expositores.

O Salão da Câmara foi dividido em seis seções: escultura, pintura, gravura,

desenho, arquitetura e cerâmica. A exposição teria a duração de quinze dias no mínimo,

tendo entrada franca para o público em geral. Os trabalhos expostos ficariam sob

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responsabilidade direta dos seus autores. Tanto a AFL, quanto a Prefeitura Municipal,

estavam isentos de qualquer extravio ou danos das obras. Outro projeto de lei, apresentado

pelo vereador Alberto André92, declarava de a Associação Riograndense de Artes Plásticas

Francisco Lisboa de utilidade pública, sendo este projeto sancionado93 pelo Prefeito Leonel

Brizola.

Se atualmente a Associação de Artes Plásticas Francisco Lisboa recebe destaque,

deve-se a sua atuação no final da década de 30, décadas de 40 e 50, principalmente, com a

realização de seus salões. Através deles, muitos artistas vieram a tornarem-se legitimados.

A entidade também proporcionou a muitos artistas o envolvimento com o campo cultural

artístico.

92 Processo 441/58, projeto de lei 27/58 do legislativo. 93 Lei Municipal nº 1852 de 12 de julho de 1958.

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CONCLUSÃO

A Associação de Artes Plásticas Francisco Lisboa teve o nome definido pelos seus

fundadores, sendo a maior parte ilustradores da Seção de Desenho da Livraria e Editora

Globo, numa homenagem a Aleijadinho, considerado o grande símbolo da arte

verdadeiramente brasileira. A partir da denominação da entidade, observa-se que ela seguia

uma das principais premissas da política estado-novista, que era a valorização do nacional

em prol da construção de uma identidade brasileira. Essa política buscava reconstruir a

história do país, baseando-se em aspectos considerados nacionais, como vultos e cidades

antigas históricas, etnias e os costumes que contribuíram para o desenvolvimento do Brasil.

Na época, a valorização do Barroco colonial era preponderante e de certa maneira

refletiu na associação dos artistas gaúchos, que apropriaram-se do nome de um artista

mestiço e nascido no Brasil colonial. Aleijadinho era considerado o maior artista nacional

pelo Estado Novo e, principalmente, pelos intelectuais que estavam a serviço do governo.

O regime possibilitava aos intelectuais desenvolverem suas pesquisas e propostas e, de tal

maneira, os utilizava. Seus projetos fortaleciam a construção de uma identidade nacional e,

desta maneira, a unidade do país. O governo apropriou-se das idéias defendidas por esses

intelectuais, colocando-as em prática.

O nome da associação fortalecia a construção do mito Aleijadinho, construído pelos

aparelhos ideológicos do estado, que mitificava personagens históricos para a valorização

de tudo que significava brasileiro e reforçava a identidade nacional. Por mais que os

artistas envolvidos com a AFL neguem hoje o envolvimento de maneira indireta dos

integrantes da entidade com o regime estado-novista, sua denominação reforça o quanto a

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ideologia do Estado Novo esteve presente na entidade no início das atividades. Nem

sempre o artista estava consciente do seu envolvimento político. O Estado Novo, com suas

estratégias de incentivo às agremiações, organizações culturais e às artes, conseguia impor

de maneira sútil as idéias do regime, sendo que, também, utilizou repressão para aqueles

que não aderiam a sua política.

A Associação Francisco Lisboa, também, apresenta em sua formação aspectos

presentes nas idéias corporativista e sindicalista, defendidas pelo regime estado-novista.

Aproveitou que o governo deixava claro, não apenas em seus discursos, mas na

Constituição, a liberdade a qualquer tipo de agremiação que não prejudicasse a segurança

nacional. Além disso, o próprio governo tomou as rédeas do processo de organização dos

grupos corporativos e sindicais. Através de políticas organizacionais, o governo congregou

as diferentes profissões e atividades de maneira a formar um sindicato para cada categoria.

A AFL redigiu suas normas a partir dessa política, para que a entidade se

desenvolvesse e se organizasse, respaldando os objetivos dos artistas associados, que era o

de expor sua produção artística e vendê-la, através dos seus salões. Entretanto, para a

realização desses eventos, a Associação precisava que os artistas cumprissem com as

regras, definidas em Assembléia e que constituíam o estatuto, como as mensalidades

pagas, que geralmente eram atrasadas pelos sócios correspondentes. De certa maneira, isso

foi uma das questões que impediu a entidade de adquirir sua sede própria na época.

Os conceitos de corporativismo, sindicalismo e identidade nacional estavam

interligados dentro da concepção e uso pelo regime estado-novista. Para estruturar uma

nacionalidade brasileira, buscando subsídios em suas tradições, com o intuito de atingir a

unidade da nação. A AFL beneficiou-se dessa política, pois o regime incentivou o

desenvolvimento do setor de artes plásticas, com a encomenda de obras de arte, bolsas de

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estudo para os artistas, empregos e, ainda, estimulando a organização de salões e feiras

populares. Em contra partida, utilizava os benefícios e as atividades, indiretamente, como

veículos de propaganda de sua ideologia. Por outro lado, a entidade, especificamente,

alcançou a legitimação a partir de seus salões.

Concluo, portanto, que o surgimento da Associação Francisco Lisboa pode ser

enquadrada na organização corporativa proposta pelo Estado Novo. Apesar disso, nunca

declarou apoio aberto as políticas e a ideologia do regime e não evidenciou o objetivo de

tornar-se um sindicato. Deixou transparecer, isso sim, o interesse em organizar os artistas

que se consideravam marginalizados e abandonados pelas instâncias do sistema de arte

emergente no Rio Grande do Sul, a partir do Instituto de Belas Artes (IBA).

Com o levantamento do corpus documental desta pesquisa, observou-se também

que os jornais mostraram que a entidade tentava resolver um problema presente ao longo

dos anos, que era criar e desenvolver um maior nível de consciência de classe do artista

visual. A entidade nasceu em resposta a esse problema, agregando profissionais com

interesse comum, de serem legitimados e reconhecidos. Os salões da Associação Francisco

Lisboa eram, então, organizados para respaldar a concretização desse objetivo coletivo. A

entidade defendia, desta maneira, os ideais do grupo, expressando sua consciência de

classe.

A produção artística da AFL foi bastante diversificada. Alguns artistas estavam

mergulhados nas diretrizes ideológicas do regime e as expressaram em suas obras. Apesar

de não ser dominante esta tendência estava presente; o que, de certa maneira, facilitava a

existência da entidade e a realização dos salões perante os veículos de coerção e cooptação

do Estado Novo, principalmente o DIP. A produção da AFL, como afirmou Edla (ENAPP,

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1983), possibilitava que cada artista envolvido com a entidade mantivesse sua

especificidade.

A partir das imagens analisadas, constata-se que João Faria Viana realizava muitos

retratos de personagens exaltados pelo Estado Novo, principalmente, a figura do presidente

Getúlio Vargas, que buscava firmar sua imagem como representação da nação; se

automitificava. Além disso, o artista apresentou a cidade de Porto Alegre antiga, não

apenas para o livro de Damasceno Ferreira. A partir do levantamento de suas obras,

observa-se que a cidade aparece de maneira significativa em suas gravuras e desenhos,

principalmente prédios e praças.

Edla H. da Silva realizou retratos relacionados com etnias, mas mantinha sua

produção calcada em natureza morta e plantas. Gastão Hofstetter, como Viana, realizava a

representações da capital e assuntos de sua atualidade. A obra analisada, Artista Marajoara,

era uma questão que estava em pauta nos jornais da época, sendo muito destacado por

Ângelo Guido que o artista estava voltado para produção sobre esses índios, além das

lendas indígenas que também apareciam. O Estado Novo, através do SPHAN, estava

realizando o levantamento histórico das cerâmicas encontradas na Ilha de Marajó. Já Edgar

Koetz teve uma produção variada, com temas diversificados.

Os artistas da entidade mantinham os preceitos clássicos humanistas em suas obras,

defendendo a hegemonia desta, perante a influência dos ismos da arte moderna que

começavam a penetrar no Rio Grande do Sul, a partir de alguns artistas que seguiam a

tendência. Esses buscavam o desenvolvimento desta forma de arte, estando envolvidos

com a agitação artística do eixo Rio-São Paulo, como foi o caso de Carlos Scliar.

A Associação Francisco Lisboa, como instituição, não foi utilizada para a oposição

a arte moderna. Os artistas organizaram um salão independente, onde foi utilizada a ironia

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para realizar a crítica aos novos ismos. Apesar de não ser ligado diretamente à AFL,

praticamente todos os integrantes da entidade participaram. Não envolveram a associação

nas questões da práxis artística, pois sua existência visava absorver os artistas que não

tinham espaço para expor seus trabalhos. Não somente em relação ao IBA, mas em função

de não conseguirem locais apropriados, para exposições individuais, o que era muito

difícil, naquela época, para artistas sem reconhecimento. A AFL proporcionou o espaço tão

desejado por esses artistas e abriu novos lugares, sendo que alguns artistas envolveram-se

com outras exposições, como o Salão de Arte do Instituto de Arte, exposições coletivas

respaldadas pelo governo e algumas individuais.

Os salões da Associação Francisco Lisboa, também, fizeram com que se mantivesse

ativo o campo cultural artístico a partir de 1938, durante as décadas de 40 e 50, sobretudo

com esse tipo de evento era escasso. O IBA realizava salões esporadicamente, voltados

exclusivamente para professores e estudantes ligados ao instituto. Foi esse vazio que

tornou a AFL uma importante instância de legitimação e consagração dos artistas; mesmo

que de segundo plano, por não ser uma instituição de ensino formal ou oficial, para ser

considerada a primeira, como foi definido por Bourdieu.

A AFL não consegui seu reconhecimento como uma instância do sistema de arte,

durante o Estado Novo, apesar de toda movimentação organizada pela entidade.

Entretanto, os salões desenvolvidos nesta época, e nos anos seguintes, fizeram com que

fosse destinada a ela, a organização do Salão da Câmara Municipal de Porto Alegre e o

reconhecimento, pela Prefeitura Municipal, como de utilidade pública. A partir dessas duas

iniciativas do poder público, se constatou o reconhecimento definitivo pelo sistema de arte

sulino, que a incluiu como uma das suas instâncias.

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A Associação foi muito significativa e presente no campo de arte entre os anos de

1938 à 1946, sendo que, neste último ano, realizou uma excursão à Rio Prado, RS, para

desenhar e pintar a cidade histórica. Ainda dentro da proposta do Estado Novo, de

valorização do patrimônio histórico e cultural do país. A entidade voltou a desenvolver

suas atividades, depois de cinco anos, com seu V Salão de Artes Plásticas, sendo que deste

período continuou desenvolvendo suas atividades e o salão da Câmara até 1964. Depois do

golpe militar, ocorreu um recesso; retornando as atividades somente 15 anos depois, com

abertura política em 1979. Com os novos sócios, a Associação reativou as atividades,

colocando vários projetos imediatamente em prática, como o salão oficial e as feiras

semanais de gravuras.

No ano seguinte, retomou a iniciativa de mobilizar-se em defesa da categoria,

buscando a maior difusão de eventos na imprensa e a intervenção nas políticas culturais do

governo do Estado. A associação lançou inclusive um documento em defesa da cultura

gaúcha, a Carta de Princípios de 1980. Este movimento serviu de contestação para a

política cultural, que estava sendo implementada pela Secretaria da Cultura, Desporto e

Turismo do Estado, desde 1978, pelo governo de Amaral de Souza. Tal política era

dirigida fundamentalmente à interiorização da cultura gaúcha, através do folclore e das

manifestações regionais. (ENAPP, 1983)

A Associação Francisco Lisboa acabou enfraquecendo, devido ao longo período

sem realizar os salões. As atividades sempre eram retomadas com força, mas esmoreciam

no decorrer dos meses, mantendo apenas atividades relacionadas às palestras e feiras de

gravura. Sua maior realização, que a fez ser inserida no sistema de arte, não foi retomado

com sua ativação em 1979. O salão, sua promoção mais tradicional e antiga, havia sido

realizado pela última vez em 1961, antes do recesso. Sua 14ª edição foi organizada

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somente em 1991. Neste salão, a entidade não contava mais com artistas envolvidos, como

João Faria Viana, Gastão Hofstetter, Edla Silva, Edgar Koetz, entre outros nomes

inesquecíveis da história da arte rio-grandense.

A presente pesquisa, referente à Associação de Artes Plásticas Francisco Lisboa, se

propôs a entender o surgimento da entidade, contextualizando o processo de fundação nos

referenciais sócio-políticos do período. Através da reconstrução da história da entidade e

da arte rio-grandense, abriram-se várias possibilidades e problemáticas para futuras

pesquisas. Cito, como exemplo, a história Associação Francisco Lisboa entre as décadas de

50 e 80; mostrando o porquê de seus recessos e como isso contribuiu para o

enfraquecimento da entidade, ocasionando a perda do seu prestígio. Em relação a produção

artística, pode-se trabalharar questão das imagens étnicas, principalmente do negro e do

índio, nas obras de arte realizadas no período do Estado Novo; que tanto ressaltava as

etnias como constitutivas da formação da nação brasileira. Também se pode fazer um

estudo sobre a crítica de arte de Aldo Obino, que tanto contribuiu para o meio artístico,

mostrando sua postura artística em diferentes momentos.

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____________ O IV Salão de Artes Plasticas Francisco Lisboa. Correio do Povo. Notas de Arte. Porto Alegre, nov 1942.[s/p] ____________ IV Salão da Francisco Lisboa. Correio do Povo. Notas de Arte. Porto Alegre, 7 nov 1942. p.6. ____________Associação Riograndense de Artes Plásticas Francisco Lisboa. Correio do Povo. Notas de Arte. Porto Alegre, 14 mar 1951. [s/p] ____________ Desperta vivo interesse o V Salão de Artes Plásticas. Correio do Povo. Notas de Arte. Porto Alegre, 13 set 1951.[s/p] ____________ Inaugura-se terça-feira o V Salão de Artes Plásticas. Correio do Povo. Notas de Arte. Porto Alegre, 30 set 1951.[s/p] ____________Associação Riograndense de Artes Plásticas Francisco Lisboa. Correio do Povo. Notas de Arte. Porto Alegre, 5 out 1951. [s/p]. ____________ Salão Associação Francisco Lisboa. Correio do Povo. Notas de Arte. Porto Alegre, set 1961. p? _____________ II Salão Associação Francisco Lisboa. Correio do Povo, Porto Alegre, 20 ago 1963. Notas de Arte. [s/p.]. ________________ Salão da Associação Francisco Lisboa. Correio do Povo, Porto Alegre, 20 ago 1963. Notas de Arte. [s/p.]. _________________ Salão da Associação Francisco Lisboa. Correio do Povo, Porto Alegre, 02 dez 1964. Notas de Arte. [s/p.]. ORNELLAS, Manoelito. Elogio à Arte Moderna. Revista do Globo. Porto Alegre, dez 1942. VIII – 4p. As (muitas) dificuldades dos artistas plásticos para formarem sua cooperativa. Folha da Manhã, Porto Alegre, 23 jan 1979. [s/p.]. Associação de artistas visuais nasce com antiga denominação: “Chico Lisboa”. Correio do Povo, Porto Alegre, 27 abr 1979. [s/p.].

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Assembléia Geral da Associação Francisco Lisboa. Correio do Povo. Porto Alegre, 4 mai 1979.[s/p.] Associação Chico Lisboa faz à noite eleição de diretoria. Correio do Povo. Porto Alegre, 9 mai. 1979.[s/p.] Associação Chico Lisboa já tem diretoria provisória. Correio do Povo. Porto Alegre, 16 mai 1979.[s/p.]. Atividade intensa na Associação Chico Lisboa. Correio do Povo, Porto Alegre, 29 jul 1979. [s/p.]. _______________________ Reativação da Associação Francisco Lisboa. Correio do Povo, Porto Alegre, 03 jun 1979. p. 23. O ressurgimento da Associação Francisco Lisboa. Folha da Tarde, Porto Alegre, 24 abr 1979. [s.p.] OBINO, Aldo. Salão da Associação Francisco Lisboa. Correio do Povo, Porto Alegre, [s.d.]. Notas de Arte. [s.p.]. ____________ Associação de Artes Plásticas Francisco Lisboa. Correio do Povo, Porto Alegre, [s.d.]. Notas de Arte. [s.p.] MACEDO, Francisco R. Reativação da Associação Francisco Lisboa. Correio do Povo. Porto Alegre, 3 jun 1979. p. 23. Atividade intensa na Associação Chico Lisboa. Correio do Povo. Porto Alegre, 29 jul 1979. [s/p]. Xico Lisboa promove ciclo de debates no MARGS. Correio do Povo. Porto Alegre, 7 ago 1979.[s/p] Associação Riograndense de Artes Plásticas Francisco Lisboa- Assembléia Geral Extraordinária. Correio do Povo. Porto Alegre, 9 dez 1979.[s/p]

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Gravações e Entrevistas: GHENO, Vitório. Associação Riograndense de Artes Plásticas Francisco Lisboa. Entrevistador Cláudia Campos. Porto Alegre, 29 out 2003. Cassete Sonora. Entrevista concedida ao projeto de História Oral. LIMA, Solange Ferraz. Retratos em Estúdios Fotográficos – O Corpo Público. Porto Alegre, 16 mai 2005. Palestra ministrada aos professores e alunos do Programa de Pós-Graduação em História, PUCRS. STOCKINGER, Francisco. Associação Riograndense de Artes Plásticas Francisco Lisboa. Entrevistador Cláudia Campos. Porto Alegre, 29 out 2003. Cassete Sonora. Entrevista concedida ao projeto de História Oral. PETRUCCI, Carlos Alberto. Salões em Porto Alegre. Entrevistador Flávio Krawczck. Porto Alegre, 22 e 23 mai 1997. Cassete Sonora. Entrevista concedida para o projeto de pesquisa da dissertação. Outros Documentos: IBA. Regulamento do Salão. Primeiro Salão de Belas Artes do RGS. Decreto Estadual nº 7883. BRASIL. CONSTITUIÇÃO dos Estados Unidos do Brasil de 10 de novembro de 1937.

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