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Ir e Vir (Come and Go,

1967 / Va ‑et ‑vient, 1966)

Um Fragmento de Monólogo

(A Piece of Monologue, 1979 /

Solo, 1982)

Baloiço (Rockaby, 1981 /

Berceuse, 1982)

Não Eu (Not I, 1973 /

Pas moi, 1975)

tradução

Paulo Eduardo

Carvalho

cenografia

Nuno Carinhas

figurinos

Bernardo Monteiro

desenho de luz

Nuno Meira

desenho de som

Francisco Leal

interpretação

Alexandra Gabriel

Emília Silvestre

João Cardoso

Rosa Quiroga

co ‑produção

ASSéDIO

Ensemble

TNSJ

A banda sonora do

espectáculo inclui temas

tratados a partir dos

originais:

“Facing North:

Chinook Whispers”

de/interpretação

Meredith Monk

Davidsbündlertänze, op. 6

de Robert Schumann

interpretação

Maurizio Pollini

“La vibration s’engouffre”

de/interpretação Denis Colin

estreia [24Nov2006]

Teatro Carlos Alberto (Porto)

qua-sáb 21:30

dom 16:00

dur. aprox.

[1:20]

classif. etária

M/12 anos

Todos os que FalamQuATRO “DRAMAT íCuLOS” DE SAM u EL BEC kETT ENCENAçãO Nu NO C ARINh AS

TeatroNacional D. Maria II

25Jun 4 Jul2010

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Sinto ‑me bem na escuridão que revela e dá sentido aos muitos inomináveis. Preciso desse lugar para enfrentar a luz anacrónica do dia que dá a ver os que esperam pelo sono para baixarem as guardas das suas vidas desacertadas.Este é um espectáculo austero e duro, ao qual são bem ‑vindos “todos os que falam” e escutam, os resistentes deste “buraco abandonado por Deus”.É difícil de perceber porque demora tanto tempo até que alguma imagem se produza para além das palavras do autor. Até onde e quando devemos escavar, como Beckett escavou dentro de si. As palavras, há que torná ‑las nossas para revelar a carnação do corpo vivo perecível, atento, expressivo, falante.É dentro do fundo da mina escura que encontramos a essência destes segredos partilhados pelo autor. Segredos sobre si próprio mais do que sobre a genérica e estafada condição humana. O seu ser humano que ele reproduziu como ninguém nestes “dramatículos”. Ecos sacudidos das inquietações de um melancólico crónico. (A melancronia sistematizada à exaustão até à ultrapassagem do sofrimento incomensurável, incomensarável, que só um sobrevivente é capaz de transpor para outro sobrevivente, dizendo de si, falando de si, “a boca em chamas”.) Aos actores é ‑lhes pedido que sejam, mais do que pareçam. Que pereçam para renascer, dando nome a estas personagens sem nome. A carnação é a deles, o corpo com voz, a disciplina, o gozo de resgatarem a nossa atenção mano ‑a ‑mano. Para eles, os actores desta dura jornada, vai a minha admiração e uma inultrapassável cumplicidade que tem crescido ao longo dos nossos melhores anos de fazedores.

Nada disto seria possível sem um labor de atenções cruzadas. Comigo, todos sabem de que é que estão a tratar (às vezes mais do que eu), com um profundo sentido da responsabilidade partilhada.

Novembro de 2006

Dele é este espectáculoO Paulo Eduardo Carvalho foi o aliado principal, o mais atento, persistente e acalorado dos dialogadores – o referente.O Destino abrupto negou ‑nos a continuação da convivência, mas não a memória afectiva nem o acesso à obra inscrita.Dele é este espectáculo e tantos outros passados, cuja construção partilhámos como irmãos. Nada de mórbido orientava as suas escolhas certeiras na busca de sentido através da linguagem elaborada dos dramaturgos contemporâneos maiores. Não há pensamento elaborado que nos redima do desgosto da perda perante a indecência da morte. Não será o desejo de construção o reflexo da nossa condição passageira?Beckett, melhor do que ninguém, expôs as condições fantasmáticas do ser, do Teatro como arte de especulação e busca de sentido para o Nada. Trocaria todos os meus espectáculos pela vida dos amigos idos e pela minha ignorância da dor, mas o teatro não é a arte da ignorância. É a arte da longevidade desvalida, do perecimento e da “passagem” entre o não ‑ser e o nada.Continuemos a falar entre os silêncios do luto ou da contemplação do que há para ser vivido. •

29 de Maio de 2010

Nuno Carinhas

“A boca em chamas”

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No ano em que se celebrou o centenário do nascimento de Samuel Beckett, 2006, a ASSéDIO programou a produção de dois espectáculos com base nas peças curtas do autor irlandês: o primeiro foi estreado em Junho desse ano, no Estúdio Zero, sob o título [Sobressaltos]; o segundo é este Todos os que Falam, uma co ‑produção que, em boa hora, envolveu o TNSJ e o Ensemble.Com o lastro que o espectáculo anterior nos deixou, abordar novamente os textos de Beckett não poderia deixar de ser um novo desafio. A formalidade que se desenha nas palavras do dramaturgo irlandês, os quadros que se nos apresentam, as suas personagens quase sempre imóveis, são, no fundo, extraordinários momentos para que os actores fruam do verdadeiro prazer da representação. A espessura, a dureza, a consistência e a profunda humanidade destas ficções não deixarão de certeza de tocar o público na sua mais oculta intimidade.Nuno Carinhas, actual Director Artístico do TNSJ, foi na altura o encenador convidado para que desse forma a estes “dramatículos”, depois da experiência enriquecedora de O Tio Vânia, em 2005, e de muitas outras aventuras com estes mesmos actores, embora noutros contextos. A repetição do formato, de co ‑produção, embora com um elenco mais reduzido, fez ‑nos sentir que, apesar das diferenças e dos universos autónomos, estas companhias encontraram um espaço de trabalho cúmplice e, novamente com o apoio do TNSJ, meios para a optimização do seu trabalho, num lugar privilegiado como o TeCA.Mais uma vez agradecemos ao TNSJ o empenho com que acolheu esta equipa de criadores.Apesar de repetidos, nunca será demais expressar os nossos eternos agradecimentos ao muito querido e insubstituível amigo Paulo Eduardo Carvalho, cúmplice desde sempre da ASSéDIO e a verdadeira alma desse ano Beckett. •

ASSéDIO

Nestes quatro “dramatículos” de Samuel Beckett não existem personagens, tal como as definimos normalmente, mas sim imagens de luz que surgem do escuro para voltarem a desaparecer no escuro. Aparições muito breves que parecem nascer de impulsos súbitos de linguagem, como se o silêncio permitisse, por momentos, o lugar à voz (talvez por isso se diga que nunca como em Beckett o palco foi tanto o lugar de nascimento e de morte). Discursos de um obstinado rigor nos ritmos, nos tempos dos silêncios, nas repetições, nas correcções, na precisão das palavras que tocam, como poucos, na parte mais autêntica dos seres humanos. Para nós, actores, fazer Beckett obriga inevitavelmente a um regresso à essência da nossa “função”: a transmissão de um texto cénico – corpos, caras e vozes ao serviço de um discurso. É a linguagem que nos “usa”, que verdadeiramente nos possui. E é certamente por nos obrigar, de forma tão infernal, a ser a Voz dos “gritos do sofrimento humano” que nós, actores, ficamos tão profundamente marcados pelos seus textos. Talvez porque o toque de um génio nos leve a acreditar que podemos ser poetas.Novembro de 2006

Ao Paulo Eduardo Carvalho, nosso queridíssimo amigo e cúmplice entusiasmado desta e de muitas outras aventuras, a nossa eterna admiração e saudade. •Junho de 2010

Ensemble

Entreouvindo o que diz. Ele?

O toque de um génio

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1.Muito do teatro de Samuel Beckett não é fácil de programar, sobretudo porque, a partir do conjunto inicial de peças “longas” – À Espera de Godot, Fim de Partida, A Última Bobina de Krapp, Dias Felizes e a peça para a rádio Todos os que Caem –, a tendência minimalista do escritor, também então amplamente manifestada na sua ficção narrativa, tendeu a criar peças mais ou menos “breves”, cuja apresentação isolada dificilmente se compadece com o formato convencional de um espectáculo de teatro. Assim, a única solução costuma ser a reunião de dois, três ou quatro desses textos, apresentados sob um título comum. Para o ano de 2006, a ASSéDIO programou um conjunto de peças breves de Samuel Beckett, distribuídas por dois espectáculos. O primeiro desses espectáculos chamou ‑se [Sobressaltos] – assim, com parênteses rectos e tudo, para que não se confundisse com um dos títulos possíveis em português para Stirrings Still / Soubresauts, um dos últimos textos narrativos do autor e reconhecido motivo inspirador daquela solução – e reuniu, nesta exacta sequência, Improviso de Ohio, Passos e Aquela Vez, com encenação de João Cardoso, também intérprete juntamente com Jorge Paupério e Rosa Quiroga, naquela que foi a primeira iniciativa local de homenagem ao escritor irlandês no ano do centenário do seu nascimento [2006]. Condicionados pelas limitações impostas pelo próprio espaço de representação, o Estúdio Zero, os criadores optaram, então, por apresentar os três textos de forma ostensivamente isolada, separados por intervalos.

O interesse do TNSJ em se envolver em mais uma iniciativa em torno da dramaturgia de Samuel Beckett – recordemos que havia já co ‑produzido Pioravante Marche, com a ACE/Teatro do Bolhão, para uma criação de Joana Providência, apresentada no TeCA em Dezembro de 2003 –, aliado à disponibilidade do Ensemble, permitiu o reequacionamento artístico daquela que estava prevista como a segunda incursão da ASSéDIO em

tão fascinante território dramatúrgico e cénico. Uma das mais expressivas consequências desta conjugação de esforços foi a possibilidade de contar com Nuno Carinhas na encenação e cenografia do espectáculo, experiência à qual aquele criador certamente emprestará muitos dos seus mais característicos procedimentos cénicos, definidos por uma invulgar capacidade de evocação lírica e transfiguração atmosférica. Confrontado com um conjunto previamente escolhido de quatro peças breves de Samuel Beckett, a ele caberão as principais opções na articulação de um conjunto heteróclito de ficções dramáticas, ligadas por uma evidente recorrência temática, mas claramente autónomas e independentes.

Esclareça ‑se que Nuno Carinhas, para além da sua histórica ligação a este Teatro Nacional desde 1996, representa um dos mais importantes cruzamentos criativos das duas companhias portuenses que agora co ‑produzem este espectáculo com o TNSJ. Com o Ensemble, este encenador, cenógrafo e figurinista criou Molly Sweeney, de Brian Friel, em 1999, e Dama d’Água, de Frank McGuinness, em 2001, duas curiosas variações irlandesas sobre as formas monologadas, a última das quais tinha como personagem uma baglady que, em muitas das suas dimensões, parecia recuperar a experiência convocada pela Boca de Não Eu. Acrescente ‑se ainda às colaborações com o Ensemble a criação absoluta de José Matias, de Luísa Costa Gomes, em 2002, e, no ano anterior, a produção por aquela companhia de Uma Casa Contra o Mundo, o único texto até à data escrito por Nuno Carinhas para a cena. Para a ASSéDIO, o mesmo criador encenou, em 2000, O Fantástico Francis Hardy, Curandeiro, também de Brian Friel, numa mais austera composição monologada de “vozes mortas”, e ainda Tia Dan e Limão, do norte ‑americano Wallace Shawn, além de ter assegurado a cenografia de O Triunfo do Amor, de Marivaux, que aquela companhia apresentou, no palco do TNSJ, em 2002. Foi também Nuno Carinhas o encenador da primeira experiência de colaboração entre o Ensemble e a ASSéDIO na criação de O Tio Vânia, de Anton Tchékhov, no palco do Teatro Carlos Alberto, no Outono de 2005. Poderiam ainda acrescentar ‑se diversas experiências de trabalho com alguns dos actores das duas companhias noutros espectáculos produzidos pelo TNSJ. Assim, para lá do “sucesso” ou do acerto maior ou menor de cada uma destas experiências e da consequência artística dos encontros ou, porventura, desencontros de

Os sentidos da experiência1

Paulo Eduardo Carvalho

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todas estas aventuras, existe um capital artístico de cumplicidades e de expectativas que faz desta imersão conjunta no universo de Samuel Beckett um projecto apaixonante, assim consigam todos os criadores e intérpretes envolvidos deixar ‑se cativar pelo mistério destes quatro tão raros poemas performativos.

Este espectáculo – cuja estreia no Teatro Carlos Alberto conseguiu ainda coincidir com o colóquio Plural Beckett Pluriel, organizado pelos Institutos de Estudos Ingleses e de Literatura Comparada Margarida Losa da Faculdade de Letras do Porto, que durante os dias 23 e 24 de Novembro de 2006 reuniu no Porto alguns especialistas e interessados na obra vasta e plural do escritor – integra quatro peças breves de Samuel Beckett: Ir e Vir (Come and Go, 1967 / Va ‑et ‑vient, 1966), Um Fragmento de Monólogo (A Piece of Monologue, 1979 / Solo, 1982), Baloiço (Rockaby, 1981 / Berceuse, 1982) e Não Eu (Not I, 1973 / Pas moi, 1975). A necessidade de um título para designar esta nova operação conduziu ‑nos, desta vez, a Todos os que Falam – variação assumida do título da sua primeira criação para a rádio, All that Fall / Tous ceux qui tombent, traduzido por Carlos Machado Acabado para o Teatro da Comuna como Todos os que Caem –, que se nos afigurou como a melhor solução para aglutinar com a justiça possível e a sugestão desejável quatro verdadeiros “poemas cénicos”, historicamente responsáveis por experiências de fascínio e estremecimento, capazes de fundir, por breves instantes – e cada uma destas peças não demora mais do que breves, mas intensos, minutos –, o arrebatamento estético com a perturbação emocional. Todos os que Falam pretende também sublinhar uma dimensão muito particular das quatro ficções dramáticas reunidas neste espectáculo, justamente a manifestação, embora precária e muitas vezes desesperada, de uma identidade sobrevivente através do discurso verbal. Há em À Espera de Godot um passo de um extremado lirismo, que eu arriscaria caracterizar como premonitório da peculiar condição falante das figuras – é quase problemático chamar ‑lhes “personagens”, não fosse o reconhecimento da ampliação que esta categoria vem conhecendo no teatro contemporâneo – ou dos quase espectros que habitam estes “dramatículos” de Samuel Beckett, e que não resisto a citar quase na íntegra, na tradução recente de Francisco Luís Parreira:

Estragon Todas as vozes mortas.Vladimir Que fazem um ruído de asas. Estragon De folhas.Vladimir De areia. Estragon De folhas.

[Silêncio.] Vladimir Falam todas ao mesmo tempo.Estragon Cada uma para si.Vladimir Ou antes, murmuram.Estragon Restolham.Vladimir Sussurram. Estragon Restolham.

[Silêncio.]Vladimir Que dizem elas? Estragon Falam das suas vidas. Vladimir Ter vivido não lhes basta.Estragon Têm que falar disso.Vladimir Estarem mortas não lhes basta.Estragon Não é suficiente.

[Silêncio.]Vladimir Fazem um ruído de plumas.Estragon De folhas.Vladimir De cinzas.Estragon De folhas.

[Longo silêncio.]

2. Embora tal opinião esteja longe de ser consensual, entre investigadores, críticos, intérpretes e criadores teatrais, partilho da perspectiva daqueles que acham que a contribuição mais radical de Samuel Beckett para o teatro do século XX se deve ao conjunto de “dramatículos” – a expressão original, em francês, é sua – que ele escreveu, aproximadamente, entre os anos de 1964 e 1984, isto é, entre a composição de Play / Comédie (na realidade escrita entre 1962 ‑63) e de Quoi où / What Where, o seu último texto dramático: trata ‑se de um conjunto de cerca de onze textos para cena, aos quais ainda poderíamos acrescentar as suas cinco criações para televisão e até os quatro últimos títulos destinados à rádio, caracterizados por um duplo movimento de acentuada depuração e de renovada invenção cénica: “Encarados em conjunto, estes ‘pequenos textos’, de composição admirável, constituem aquilo que é seguramente o mais intenso e perturbador corpo de textos concebidos para o palco de todo o século XX” (Elam 194: 146). Esclareça ‑se que esta demarcação cronológica não passa de uma grosseira simplificação, na medida

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em que desde À Espera de Godot, estreada no já longínquo mês de Janeiro de 1953, passando por Fim de Partida, os dois Actos sem Palavras e os outros dois Fragmentos de Teatro, A Última Bobina de Krapp e Dias Felizes, Beckett vinha explorando formas e procedimentos, tanto especificamente dramatúrgicos como cénicos, que melhor permitem compreender as formas mais ousadas destes seus “dramatículos”.

Esclareça ‑se ainda – sobretudo por este ser um facto ainda escassamente sublinhado – que, também a partir de Godot e das suas primeiras e tímidas colaborações com o encenador Roger Blin, o escritor Samuel Beckett se foi progressivamente transformando, ainda que aparentemente a contragosto, num verdadeiro “homem de teatro”, tal o seu crescente envolvimento directo nas produções das suas peças, antigas e novas, até à assunção plena da responsabilidade pela encenação. Como insistentemente nos recorda um dos mais profundos estudiosos da obra do dramaturgo, S.E. Gontarski, aqui em colaboração com C.J. Ackerley, “a transformação do dramaturgo em artista teatral constitui um desenvolvimento seminal do teatro modernista mais tardio, embora um

desenvolvimento minimizado no discurso crítico e histórico que tende a privilegiar o impresso sobre o espectáculo, a aparente estabilidade da literatura sobre as vicissitudes do teatro” (Ackerley/Gontarski 2004: 141). Para que se torne mais clara a magnitude deste investimento, registe ‑se que Beckett assinou dezasseis encenações (para além daquelas em que funcionou como “consultor” ou acompanhou de perto o labor de outros encenadores), tendo ainda realizado seis trabalhos para televisão. Na opinião dos mesmos investigadores atrás citados, no decurso dessas experiências de encenação das suas próprias peças, o dramaturgo “tornou ‑se um importante teórico do teatro” (Ibidem: 142), não por ter desenvolvido um qualquer corpo estruturado de reflexão sobre a arte teatral, mas no sentido, talvez mais profundo, de ter transformado a sua criação dramática numa interrogação cada vez mais penetrante dos recursos habitualmente convocados para a arte da representação teatral. O que não pode deixar de constituir um factor de irresistível fascínio para um qualquer mais comum fazedor de teatro dos nossos dias.

O investimento especificamente literário do dramaturgo sofreu, contudo, durante aqueles

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anos, um estranho processo de desvalorização do sentido da linguagem verbal, traduzido de forma clara na despreocupação com a inteligibilidade racional das suas novas ficções dramáticas e numa concomitante aposta na capacidade de sugestão emotiva das palavras, submetidas a cada vez mais laboriosos e padronizados processos de composição. Mas também por isso, as suas propostas teatrais passaram a assentar em imagens visuais as mais das vezes estáticas, habitadas por criaturas progressivamente desumanizadas, reificadas e de mais amplo valor metonímico, tal a sua condição espectral ou a sua redução a simples partes do corpo humano. O percurso foi, assim, o de uma acentuada simplificação ou depuração lírica, acompanhada, em aparente sentido contrário, por um recorrente recurso aos meios tecnológicos utilizados no teatro. O grande princípio orientador de todas estas experiências dramatúrgicas e cénicas encontra ‑se exemplarmente explicitado no comentário que o próprio Samuel Beckett acrescentara ao manuscrito de Aquela Vez: “Quanto à objecção de que o componente visual é demasiado pequeno, completamente desproporcionado relativamente ao auditivo, responder: fazê ‑lo ainda mais pequeno, com base no princípio de que menos é mais” (apud Knowlson 1996: 533).

A consequência de tal projecto foi, como já se sugeriu, a de uma “des ‑teatralização do teatro” (Gontarski 1999: xxi). Embora um agudo sentido metateatral fosse já detectável em Godot e nas peças escritas até ao início dos anos sessenta, a sua produção dramática a partir da composição de Play / Comédie passa a apresentar ‑se, ao mesmo tempo, como mais acentuadamente poética e visual. A rarefacção muito particular dos seus “dramatículos” extrema um processo simultâneo de interrogação e potenciação dos diversos recursos expressivos do teatro, o que faz, aliás, de toda a sua obra uma parceira legítima daquela de Brecht, enquanto questionadora dos modos de produção de sentido em cena. Cenários, figurinos, maquilhagem, luz, som, voz, movimento, todas estas “linguagens” surgem, nessas peças breves de Beckett, recrutadas para exercícios delicados de orquestração e de uma quase coreográfica interacção, sujeitas a uma pesquisa em profundidade da sua amplitude expressiva.

Central a todo este processo, naturalmente, é o próprio trabalho requerido aos intérpretes e aos

seus próprios recursos expressivos. A aparente avareza de recursos a que o dramaturgo condena os intérpretes das suas peças raramente permite entender a exacta medida da generosidade do seu desafio para com os actores. Mas isso é não perceber o potencial extraordinário que, por exemplo, na imobilidade ou no quase desaparecimento físico, é reconhecido a uma voz, obrigada a condensar em breves minutos de exposição cénica uma eternidade de sofrimento, ou, diversamente, a riqueza expressiva do desenho rigoroso dos corpos e dos seus movimentos em cena. Não obstante as acentuadas variações entre os primeiros textos para teatro do escritor e aqueles que escreve a partir da primeira metade dos anos sessenta, existe, de facto, uma “poética da representação” na sua obra, tal como já demonstrou Jonathan Kalb, num fascinante estudo sobre Beckett in Performance. E muito embora tais experiências cedo tenham sido rotuladas por muitos como “formalistas”, o facto é que a concretização plena dos seus “poemas cénicos” depende de um investimento mais vasto, global e misterioso, capaz de combinar o virtuosismo técnico com a intuição mais profunda dos dramas humanos neles tão magnificamente evocados, no quadro de uma compreensão global de tudo aquilo que está em jogo em tão delicadas ficções dramáticas.

O que toda a produção dramática de Beckett, e em especial aquela mais tardia, demonstra de uma forma irrefutável é a indispensabilidade de uma “forma” para as ideias, alcançado esse estado prodigioso – como ele chegou a afirmar sobre a obra de Joyce – que é o de escrever de um modo que deixa de ser sobre alguma coisa ou experiência, para se afirmar como a própria experiência, nos seus múltiplos e imprevistos sentidos. Por tudo isto, o intérprete das ficções dramáticas beckettianas tem de ser – embora esta seja, afinal, a utopia do actor – um “instrumento informado”, tão sensível à minúcia da partitura como ao drama que cada uma das suas peças sintetiza de um modo quase único e irrepetível, um instrumento mais apto a “ressoar” do que a “interpretar”, num qualquer sentido tradicional do termo.

Estas peças breves de Beckett apresentam idênticos desafios e complexidades à figura do encenador contemporâneo, uma vez que aquilo que faz delas verdadeiros “poemas visuais” é a sua invulgar completude teatral, isto é, o facto de preverem, na abundância e minúcia das suas

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didascálias, a sua exacta configuração cénica. Para lá da discussão em torno da legitimidade ou ilegitimidade reconhecida ao encenador em “recriar” mais amplamente uma qualquer peça de Beckett, o que importa perceber, sem espaço para quaisquer equívocas contestações, é que nos seus textos dramáticos tardios perde todo o sentido a tradicional hierarquização da réplica, como texto principal, e da didascália, como texto secundário. Claro que é possível e até talvez estimulante arriscar modos de figuração distintos daqueles previstos pelo dramaturgo, mas tal só deverá acontecer por dentro de uma exacta compreensão dos seus textos como verdadeiros guiões para a representação, o mesmo é dizer, como poemas “intermediais”, objectos nos quais a relação formal e expressiva entre todas as linguagens está rigorosamente prevista. Claro que poderão – deverão mesmo – existir sempre variações consideráveis de qualidade vocal, postura dramática, intensidade emocional e registo interpretativo, até mesmo novas paisagens cénicas, mas qualquer “recriação” deverá sempre atender aos efeitos de sentido produzidos por essa totalidade expressiva prevista pelo seu criador.

Uma nota ainda para sublinhar o modo como cada um destes textos se faz, como habitualmente acontece em toda a obra de Beckett, de um hábil e subtil entretecimento de múltiplas referências, literárias, visuais e até autobiográficas, parcialmente responsáveis pela singular densidade das situações encenadas, embora sem que tais processos de reconhecida intertextualidade comprometam a radical originalidade das suas propostas. Outro traço comum a todas estas experiências é o modo como desafiam as categorias tradicionais de drama, narrativa e poesia, colocando cada um destes géneros sob tensão, e daí extraindo raros e encantatórios efeitos performativos. Exemplarmente representativas da já referida estética teatral mais tardia do dramaturgo, estas quatro peças criam, cada qual a seu modo, quadros visuais cuidadosamente previstos, convidando o espectador a mergulhar em imagens cénicas de um refinado lirismo, num misto de fascínio e meditação.

3.Come and Go foi originalmente escrita em inglês em Janeiro de 1965 e, quase simultaneamente, traduzida para francês, com assinaláveis variações, sob o título Va ‑et ‑vient. À imagem do que aconteceu

com outros textos do escritor para a cena e sobretudo para televisão, a primeira produção da peça foi, contudo, alemã, com o título Kommen und Gehen, estreada a 14 de Janeiro de 1966, no Schiller ‑Theater, em Berlim, com encenação de Deryk Mendel e interpretação de Lieselotte Rau, Charlotte Joeres e Sybylle Gilles. De forma atípica, a primeira produção em língua inglesa aconteceria na Irlanda, no Peacock Theatre (a sala mais pequena do Abbey Theatre, em Dublin), a 28 de Fevereiro de 1968, com encenação de Edward Golden e interpretação de Deirdre Purcell, Aideen O’Kelly e Kathleen Barrington. A estreia londrina teve lugar no Royal Festival Hall, a 9 de Dezembro de 1968, com encenação de William Gaskill e interpretação de um trio de “estrelas” da cena britânica, diversamente associadas ao universo do dramaturgo: Joan Plowright, Billie Whitelaw e Peggy Ashcroft. No mais recente projecto Beckett on Film – a adaptação ao cinema da totalidade dos textos para a cena do escritor, produzido por Michael Colgan e Alan Moloney em 2001 para a RTÉ, o Channel 4 e o Irish Film Board –, John Crowley assumiu a realização desta peça, interpretada por Paola Dionisotti, Anna Massey e Sian Phillips.

Ir e Vir – já antes traduzida para português com os títulos Irivir, Vai e Vem e Vaivém2 – é uma das mais belas e delicadas peças de Samuel Beckett, e também uma das mais verbalmente “económicas” de todas as suas criações para a cena. Prolongando de modo talvez mais sofisticado as experiências dos seus Actos sem Palavras, o dramaturgo cria uma forte e dinâmica imagem quase silenciosa de três mulheres de “idade indeterminada”, com nomes abreviados inspirados em cores e flores – Ru(by), Vi(olet) e Flo(ra) –, cuja semelhança física deve ser reforçada pelos figurinos. Valerá a pena reproduzir uma das notas didascálicas que o autor acrescentou ao seu texto: “Três casacos compridos, abotoados em cima: violeta escuro (RU), vermelho escuro (VI) e amarelo escuro (FLO). Três chapéus com umas abas suficientemente largas para garantir que os rostos permaneçam na sombra. As três personagens o mais possível parecidas, diferenciadas unicamente pela cor dos casacos. Sapatos ligeiros com solas de borracha. As mãos o mais visíveis possível com a ajuda da maquilhagem. Ausência aparente de anéis”. Ainda de acordo com a sugestão do autor, elas devem aparecer as três sentadas sobre um banco, sugerindo para cada uma delas um rígido padrão de movimentos,

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saídas e entradas de cena. A qualidade de cada uma destas figuras deve ser claramente “espectral”, na medida em que sobre elas se diz ainda que não se deve ouvir o som dos seus passos – em clara oposição ao exercício proposto à protagonista de Passos –, do mesmo modo que não deve ser perceptível a sua saída e entrada do palco, e mesmo as suas vozes devem estar “no limite da audibilidade”.

As escassas frases trocadas entre si remetem para um longínquo passado comum e para um presente atormentado, de forma deliberadamente ambígua, ora pela doença, ora pela traição, ora ainda pela simples solidão, pungentemente assinalada por uma referência a anéis que não existem. A sua já longa comunhão surge selada por um complicado, mas muito belo, gesto final, em que braços e mãos se entrelaçam de forma surpreendente. O texto inglês encerra variados ecos literários e teatrais, desde “In the room, the women come and go” (algo como “Na sala, as mulheres vão e vêm”), da Canção de Amor de J. Alfred Prufrock, de T.S. Eliot, até às bruxas que abrem Macbeth, de William Shakespeare, com a frase “When shall we three meet again”, bem próxima da variação temporal introduzida por Beckett na abertura deste seu primeiro “dramatículo”: “When did we three last meet”, traduzida para este espectáculo como “Quando foi a última vez que nós as três nos juntámos?”. O estudo dos manuscritos preparatórios do autor revelou um primeiro esboço em que as mulheres trocavam confidências sexuais explícitas e liam alto passagens de romances de amor. O resultado tornou ‑se incomparavelmente mais enigmático e subtil, uma espécie de visão efémera de três mulheres condenadas a um vago “círculo” de repetições, sugerido pelo próprio título da peça.

Originalmente intitulada Gone, A Piece of Monologue foi escrita entre 2 de Outubro de 1977 e 28 de Abril de 1979, em resposta a um pedido do actor David Warrilow de um texto sobre a morte. Teve a sua estreia no La MaMa Theatre, Nova Iorque, a 14 de Dezembro de 1979, com encenação de David Warrilow e Rocky Greenberg e interpretação do próprio Warrilow. Contrariamente à prática habitual de Beckett, a versão francesa, Solo, também realizada pelo escritor, é assumidamente uma “adaptação” do texto original inglês. O mesmo David Warrilow representou a peça, em francês, por diversas vezes, nomeadamente, em 1981, no Centre Georges Pompidou, e em 1983, no Théâtre

Gérard Philipe. A primeira representação britânica teve lugar a 19 de Agosto de 1984, no âmbito do Festival de Edimburgo. Em Beckett on Film, Robin Lefevre realizou e Stephen Brennan interpretou A Piece of Monologue. Naquela que parece ter sido até agora a única representação portuguesa da peça, para o espectáculo Até que como o quê quase (1991), Luis Miguel Cintra partiu justamente do título francês, Solo. Por esta tradução se realizar assumidamente a partir do original inglês, optámos pelo mais perifrástico, e equívoco, Um Fragmento de Monólogo.

Como acontece com a totalidade dos textos para teatro de Samuel Beckett, este exercício monológico está longe de se apresentar como um verdadeiro “fragmento”, tal é o extraordinário trabalho de estruturação discursiva, assente num rigoroso e dinâmico sistema de repetições, ecos e variações, tão mais poderoso quanto todo o discurso é dito pelo actor em contraponto à rigorosa imobilidade sugerida pelo dramaturgo. Repete ‑se aqui uma ficção de condenação e, neste caso, também de clausura, numa experiência de forçada interioridade, sinalizada pelo figurino, pelo vislumbre de uma cama e pela presença de um candeeiro, cujo globo funcionará como eco visual da cabeça da insone personagem que relata os seus gestos e percursos nocturnos no espaço limitado de um quarto. Um pouco à imagem do que acontece em Aquela Vez, Beckett explora aqui a qualidade encantatória das repetições da rotina nocturna e das suas imprevistas variações, bem como a tensão dinâmica resultante do contraste desse discurso com a imobilidade da cabeça e do globo do candeeiro. A peça começa com a enunciação de uma das mais beckettianas evidências, já presente em À Espera de Godot ou noutros textos como Primeiro Amor, justamente a caracterização do nascimento como o início da nossa morte, facto que justifica também a sugestão de “fragmento” convocada para o título. Assim, em resposta indirecta ao pedido do actor David Warrilow de uma peça sobre a morte, Beckett criou um dos seus mais líricos lamentos pela brevidade da vida humana. À imagem do exercício proposto para Aquela Vez, também nesta peça é a linguagem que adquire o verdadeiro protagonismo e assegura toda a dinâmica dramática indispensável ao sucesso teatral da sua proposta. O texto articula um conjunto extraordinário de imagens, desde as mais banais e quotidianas, como as descrições do

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acender do candeeiro e das deslocações no quarto, até às mais perturbadoras, como aquelas que se prendem com o cemitério, ousadamente tratadas como se de um filme se tratasse, com o recurso a enquadramentos ostensivamente cinematográficos.

Escrita em 1980, a pedido de Danielle Labeille para uma conferência na State University of New York, Rockaby estreou ‑se a 8 de Abril de 1981, no Center for Theater Research, Buffalo, com encenação de Alan Schneider e interpretação de Billie Whitelaw, que acabou por substituir a actriz Irene Worth, originalmente convidada para o papel. A estreia londrina do mesmo espectáculo só teve lugar em Dezembro de 1982, na sala Cottesloe do National Theatre. Com produção e o apoio técnico de Chris Hegedus e D.A. Pennebaker, Alan Schneider realizou um eloquente documentário de 60 minutos sobre a criação do espectáculo. Ainda em 1981, o mesmo Alan Schneider realizou para a BBC uma gravação desta produção. Com o apoio de Robert Hendry, aquela produção original foi reposta a 29 de Janeiro de 1986, nos Riverside Studios, em Londres. Em 1989, Billie Whitelaw repetiria a sua interpretação para uma gravação em estúdio, juntamente com Footfalls e Eh Joe. A versão francesa, Berceuse, teve estreia a 15 de Setembro de 1983, no Petit Rond ‑Point, com encenação de Pierre Chabert e interpretação de Catherine Sellers. No mais recente projecto Beckett on Film, coube à actriz Penelope Wilton o trabalho de interpretação e a Richard Eyre o de realização.

Em Portugal, o título desta peça de Beckett já foi traduzido por Balanceada, Embalada, Cadeira de Baloiço e Balanço, o que reflecte a efectiva dificuldade de recuperar em língua portuguesa os múltiplos sentidos dos títulos inglês e francês, Rockaby e Berceuse, nos quais se conjugam não só as referências à cadeira de baloiço figurada em cena, mas também às canções de embalar – “Rock ‑a‑‑bye Baby” é mesmo o título de uma canção – e ao próprio acto de embalar. A actual opção por Baloiço apoia ‑se sobretudo numa vontade de simplificação, ao mesmo tempo que tenta evitar as equívocas sugestões avançadas pelo recurso ao particípio passado em dois dos anteriores títulos portugueses.

Baloiço partilha com Um Fragmento de Monólogo uma idêntica qualidade de quase trenodia, isto é, de poema lírico de cunho fúnebre, com a diferença substancial de aqui Beckett ter ousado a composição de um verdadeiro poema. Além disso, ao habitual

“conflito” entre o discurso, também pré ‑gravado como em Aquela Vez, com a imobilidade cénica, o dramaturgo acrescentou um movimento, o do baloiçar na cadeira, capaz de conferir uma dimensão mais emotiva à voz interior convocada pela personagem com a palavra “mais”. Como convincentemente sugere Enoch Brater, “Beckett escreveu um poema performativo sob a forma de uma peça, um drama lírico no qual a linguagem que escutamos nos oferece não só informação importante sobre a imagem que vemos, mas também a descreve de forma rigorosa e precisa. […] Uma poderosa metáfora visual materializa ‑se perante os nossos olhos ao mesmo tempo a que assistimos à materialização (cénica) de um poema” (Brater 1987: 169). Não sendo original, a imagem escolhida por Beckett de uma mulher sentada numa cadeira de baloiço interage imaginativamente não só com a nossa própria experiência de vida – no caso de Beckett, terá tido importância a imagem da sua avó, Annie Rose, em Cooldrinagh –, mas também com a nossa memória pictórica, entre representações tão variadas como aquelas que podemos encontrar em Rembrandt, Whistler ou Van Gogh. A cadeira de baloiço ocorre, aliás, noutras obras importantes do escritor, como Murphy e Film.

Mais do que interpretar quaisquer (inexistentes) subtilezas psicológicas, aquilo que a intérprete de Baloiço tem de conseguir transmitir é o próprio baloiçar da linguagem, em verdadeiro uníssono com o movimento do seu corpo em cena – este terá sido o conselho do dramaturgo à primeira intérprete da peça, Billie Whitelaw, que com ele já criara as figuras da Boca em Não Eu e de May em Passos. Mas a actriz adverte na sua autobiografia: “Tal como acontece com a maior parte das peças breves de Beckett, Baloiço parece desarmantemente simples. Não é, claro” (Whitelaw 1995: 178). Bem pelo contrário, esta é uma ficção dramática complexa, à imagem do que já acontecera com Passos, composta cinco anos antes, exactamente pelas mesmas exigências que coloca à articulação do som, da luz e do movimento, na instauração de uma atmosfera fantasmática e daquilo a que a sua primeira intérprete descreve como “um ar que não é bem deste mundo, próximo de um quadro surrealista” (Ibidem). Tão poderosa visual como verbalmente, Baloiço encerra uma profundidade que escapa a um primeiro e rápido contacto com a sua apresentação sobre um palco, convidando a repetidas experiências de sentido(s).

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Mais uma vez, o dramaturgo não escreveu uma peça sobre a morte, tendo antes criado uma extraordinária representação cénica da aceitação da morte.

Escrita entre Março e Abril de 1972, Not I foi estreada a 22 de Novembro desse ano, no âmbito do Festival Samuel Beckett, realizado no Forum Theater do Lincoln Center, Nova Iorque, com encenação de Alan Schneider e interpretação de Jessica Tandy (Boca) e Henderson Forsythe (Auditor). A estreia londrina teve lugar a 16 de Janeiro de 1973, com encenação de Anthony Page, assistido por Samuel Beckett, e interpretação de Billie Whitelaw (Boca) e Brian Miller (Auditor). Em 1976, Anthony Page realizou para a BBC 2 uma gravação daquela produção, que optou por um grande plano da boca, eliminando a figura do Auditor, transmitida a 17 de Abril de 1977. A versão francesa, Pas moi, estreou ‑se a 8 de Abril de 1975, na Sala Pequena do Théâtre d’Orsay, nominalmente encenada por Jean ‑Marie Serreau, mas supervisionada por Samuel Beckett, com interpretação de Madeleine Renaud e sem a presença da personagem do Auditor, devido a problemas técnicos. O dramaturgo viria a encenar uma nova versão da peça, três anos mais tarde, novamente com Madeleine Renaud, na Sala Grande do mesmo Théâtre d’Orsay, estreada a 11 de Abril de 1978. Mais recentemente, o realizador Neil Jordan e a actriz Julianne Moore combinaram esforços para uma extraordinária adaptação cinematográfica da peça, no âmbito do projecto Beckett on Film, optando também por um grande plano da boca e a eliminação da figura do Auditor. Not I, Eu Não e Não Eu foram os títulos portugueses que a peça já conheceu entre nós, num número relativamente raro de produções, desde a histórica criação que Graça Lobo fez da personagem em 1983.

Não Eu é, simultaneamente, uma das mais radicais experiências cénicas de Samuel Beckett e uma das mais inesquecíveis experiências de qualquer espectador que tenha conseguido aproveitar a oportunidade de assistir à representação destes “dramatículos” do escritor. Para a personagem a quem cabe a articulação de um discurso de extrema, embora só aparente, fragmentação, o dramaturgo imaginou, nos idos de 1972, simplesmente uma boca. À perplexidade expressa pelo já experimentado encenador norte‑‑americano Alan Schneider, sobretudo face à velocidade sugerida para a emissão daquele

discurso, Beckett terá respondido que aquela voz deve ser encarada como “uma pura entidade cénica, parte de uma imagem cénica e veículo transmissor de um texto cénico” (apud Ackerley/Gontarski 2004: 411). Se, por um lado, esta boca isolada, posta em cena, parecia prolongar algumas das mais produtivas obsessões imagéticas do escritor, já exploradas na sua ficção narrativa, com o desmembramento e consequente reificação de partes do corpo humano, aqui levadas à desmaterialização quase total, por outro, tal gesto cénico, associado a uma compulsão discursiva constantemente negada, criou um efeito inaudito de transformação da própria linguagem em algo de material, num “puro fenómeno bucal”, como Beckett também então sugeriu, de consequências surpreendentemente hipnóticas e alucinatórias.

Para lá do facto de se terem tornado quase lendários os relatos da “tortura” que terá sido decorar este texto e dos efeitos de privação sensorial vividos em cena por Billie Whitelaw – a actriz que estrearia a peça em Londres, e que ficaria definitivamente associada a esta peça –, outras histórias acabariam por se colar a Não Eu. Uma das mais discutidas prende ‑se com a utilização ou não da figura do silencioso Auditor, uma espécie de eco distante do Willie de Dias Felizes, que Beckett previra no seu texto, que esteve presente nas duas primeiras produções em língua inglesa, mas que o próprio autor eliminaria na primeira produção francesa, não tanto por concluir da sua dispensabilidade, mas antes por ter avaliado – com um sentido prático da cena que raras vezes lhe é reconhecido – da falta de condições técnicas para a sua adequada figuração cénica. Além disso, como já atrás se adiantou, na realização televisiva do espectáculo com Billie Whitelaw, a opção foi por um grande plano da boca, desse modo eliminando qualquer possibilidade de inclusão da personagem do Auditor. Não obstante o estatuto ambíguo desta figura, a verdade é que, sobre o palco, a sua presença quase imperceptível pode funcionar como um importante elemento de contraste e de triangulação entre a Boca e o espectador, através dos seus discretos movimentos de braços em reacção ao discurso que, como o público, ele também vai ouvindo. Imprevistamente, a passagem da imagem de uma boca quase solitária sobre a cena para o grande plano de um ecrã de televisão (ou de cinema) introduz uma transformação decisiva no potencial

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sugestivo dos sentidos da imagem imaginada por Beckett. Factos que demonstram, mais uma vez, que, apesar das extraordinárias possibilidades cénicas oferecidas por estes pequenos textos, a sua “fragilidade” manifesta ‑se a cada tentativa de concretização, exigindo uma ponderada articulação de meios expressivos.

Tanto quanto é possível dizê ‑lo, Boca conta‑‑nos uma história de abandono, privação e abuso, uma vida marcada pelo silêncio e por súbitos, aparentemente incontroláveis, espasmos discursivos, de que aquele a que assistimos seria exemplo. Embora o autor tivesse invocado uma experiência de “profunda escuta” a que assistira na Tunísia em Outubro de 1969 e a contemplação de A Degolação de S. João Baptista, de Caravaggio, na catedral de Valetta, em Malta, como pontos de partida para esta ficção, ele próprio admitiria uma inspiração mais profunda e antiga: “Eu conheci aquela mulher na Irlanda. Eu sabia quem ela era – não ‘ela’ especificamente, uma única mulher, mas havia tantas destas velhas, tropeçando nas bermas das estradas, nas valas, ao lado das cercas. E ouvi ‑‘a’ dizer aquilo que escrevi em Não Eu. Ouvi mesmo” (apud Knowlson 1996: 522).

O conflito enunciado pela personagem entre a incapacidade de falar e a incapacidade de estar calada recupera um dos mais recorrentes motivos da ficção narrativa do escritor, aqui ampliada à própria recusa da assunção de uma qualquer identidade por via discursiva, traduzida na recorrente utilização da terceira pessoa e na negação sugerida pelo título e repetidas vezes enunciada pela personagem. Como se sugeria atrás, a sucessão ininterrupta e veloz – 18 minutos terá sido a duração recomendada pelo próprio Beckett para a versão inglesa – de fragmentos discursivos, de frases curtas e muitas vezes contraditórias ou incongruentes, de qualificações, cancelamentos e correcções, produz uma impressão de confusão verbal, que esconde uma delicada estruturação. Dito de forma talvez mais sugestiva, o efeito de quase “diarreia verbal” ou de descarga de excrementos, reforçado por algumas das fugazes imagens do texto, apoia‑‑se numa sintaxe requintada, embora habilmente dissimulada. Contudo, aquilo que o dramaturgo – mais do que o escritor – parece promover é não tanto uma apreensão racional do sentido daquele relato, mas muito mais uma experiência de sentidos: de angústia, de desespero, de exasperação ou de

desprezo. E, neste sentido, aquilo que Beckett propunha no já recuado ano de 1972 era uma forma nova de relacionamento com a ficção dramática. Numa das cartas a Alan Schneider, o autor esclarecia, de um modo que permite convocar a utopia artaudiana de um teatro em que a metafísica fosse absorvida pela pele: “Ouço [a Boca] ofegante, insistente, febril, rítmica, sozinha a arfar, sem uma grande preocupação com a inteligibilidade. Dirigida menos à compreensão do que aos nervos do público que deve, num certo sentido, partilhar a sua perturbação” (apud Cohn 2001: 316).

Não Eu esclarece, igualmente, e de forma exemplar, os desafios perceptivos colocados pelo labor dramatúrgico de Samuel Beckett a partir de Play, em 1963, e que caracterizam a totalidade das experiências cénicas reunidas neste espectáculo. Como já atrás se sugeriu, são, a partir daquela data, cada vez mais ambiciosos os exercícios sobre as modalidades e as possibilidades da percepção dramática, na articulação entre o horizonte visual e os suportes auditivos, transformando os seus textos em autênticos guiões multidimensionais, de uma integridade aparentemente intocável. Nas palavras de Enoch Brater, “no teatro, Beckett torna ‑nos desesperadamente conscientes das nossas agonizantes limitações de ver, escutar e falar” (Brater 1987: 35) – o que parece ser o ponto de partida indispensável, torturado, sem dúvida, para qualquer criador cénico face às matérias complexas com que labora, ou para qualquer espectador apaixonado que ainda vislumbre no teatro uma qualquer fonte de enriquecimento da sua existência, por muito “agonizantes” que se possam revelar as suas experiências…

Uma última e breve nota para acrescentar que, para o tradutor destes textos, o duplo desafio foi o de recuperar o minucioso jogo de ecos em que assenta a sua coerência e o de tentar garantir a qualidade sensual, por vezes quase mântrica, da sua própria dimensão significante. São, aliás, estas as características que fazem das suas peças verdadeiros poemas em forma dramática, delicadas partituras musicais, em que diversos materiais, como frases, palavras e ritmos, são recorrentemente recuperados e reutilizados, ora sob a mesma forma exacta, ora com ligeiras variações. Esclareça ‑se que estas traduções tomaram como base de trabalho os originais em língua inglesa, com o pontual recurso às traduções francesas realizadas

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pelo escritor bilingue, não só para a elucidação de alguns passos, mas também para a validação de algumas alternativas, sem que isso comprometesse a manutenção da já referida coerência textual. Tratou ‑se de um trabalho realizado com a consciência de que, para Beckett, e como ele próprio chegou a declarar, a sua obra “é uma questão de sons fundamentais realizados tão completamente quanto possível” (apud Kalb 1989: 93), e de que estes seus textos são exercícios delicados de uma escrita que joga com a matéria verbal, com o espaço, o tempo e a consequência da cena, em vista à criação de elaborados poemas performativos, tão profundos e teatralmente eficazes como os “fazedores de teatro” por eles atraídos forem efectivamente capazes de os revelar sobre a cena.

Resta ‑me acrescentar a expressão do meu reconhecimento pela colaboração cúmplice e atenta de Nuno Carinhas, no apuro de algumas das soluções tradutórias, bem como pelo labor empenhado de todos os intérpretes. •

1 Este texto, originalmente publicado no programa de sala de Todos os

que Falam (Novembro de 2006), recupera algumas das considerações

já esboçadas em “Sons e Imagens Fundamentais, em Sobressalto”,

publicado no programa de [Sobressaltos], Porto, ASSéDIO, 2006, s/p.

2 Para mais informações sobre as produções portuguesas das peças

de Samuel Beckett, recomenda ‑se a consulta da CETbase do Centro de

Estudos de Teatro (www.fl.ul.pt/CETbase), bem como do eloquente

conjunto de fotografias de alguns desses espectáculos, reunidas num

portefólio publicado no n.º 5 da revista Sinais de Cena.

Referências bibliográficas

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Samuel Beckett, New York, Grove Press.

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Cohn, Ruby (2001), A Beckett Canon, Ann Arbor, The University of

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Elam, Keir (1994), “Dead Heads: Damnation ‑Narration in the

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Samuel Beckett, Cambridge, CUP, pp. 145 ‑166.

Gontarski, S.E. (1999), “De ‑theatricalizing Theatre: The Post ‑Play

Plays”, in The Theatrical Notebooks of Samuel Beckett, Vol. IV: The Shorter

Plays, London, Faber & Faber / New York, The Grove Press, pp. xv ‑xxix.

Kalb, Jonathan (1989), Beckett in Performance, Cambridge, CUP.

Knowlson, James / Pilling, John (1979), Frescoes of the Skull: The

Later Prose and Drama of Samuel Beckett, London, John Calder.

– – (1996), Damned to Fame: The Life of Samuel Beckett, New York,

Simon & Schuster.

Whitelaw, Billie (1995), Who He?: An Autobiography, New York,

St. Martin’s Press.

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E talvez eu esteja a confundir diversas ocasiões diferentes e momentos diferentes, lá no fundo, e lá no fundo é onde habito, oh, não mesmo lá no fundo, algures entre a lama e a espuma. Samuel Beckett – Molloy

1902 Mary Roe “May” Beckett (1871 ‑1950) dá à luz o seu primeiro filho, Frank Edward Beckett, em Cooldrinagh, a 26 de Julho, cerca de dois meses após a família se ter mudado para a sua nova casa em Foxrock, a sul de Dublin.

1906 May dá à luz o seu segundo filho, Samuel Barclay Beckett (SB), também na casa de Cooldrinagh, a 13 de Abril, uma Sexta ‑Feira Santa. A certidão de nascimento regista, contudo, o dia 13 de Maio como a data de nascimento, um erro que confundirá alguns dos primeiros biógrafos do escritor.

1911 ‑1915 SB frequenta um pequeno jardim infantil, privado, dirigido por duas irmãs alemãs,

Ida e Pauline Elsner, em Leopardstown, uma experiência que surgirá evocada no romance Molloy. Pouco tempo depois, os irmãos Beckett deixam a “academia” das irmãs Elsner para frequentar uma escola muito maior, a Earlsfort House, em Dublin, não muito longe da estação de comboios de Harcourt Street.

1916 Entre 24 e 29 de Abril, tem lugar a Insurreição da Páscoa, em Dublin, uma tentativa abortada (embora de amplas consequências) de estabelecimento de um Governo Provisório da República Irlandesa, conduzida pelos Voluntários Irlandeses e pelo Exército de Cidadãos Irlandeses. A família Beckett atravessa os acontecimentos protegida de qualquer violência, na aldeia relativamente abastada e protestante de Foxrock, mas os “Problemas” continuarão com a Guerra Anglo ‑Irlandesa (1919 ‑21), seguida quase imediatamente da Guerra Civil Irlandesa (1922‑‑23). O pai de SB leva os seus filhos até ao topo de uma colina de onde podiam avistar os incêndios na vizinha Dublin. A imagem ficará na memória de SB durante toda a sua vida.

1920 SB entra para a Portora Royal School, frequentada algumas décadas antes por Oscar Wilde, em Enniskillen, no condado de Fermanagh, no norte da Irlanda. SB entrega ‑se entusiasmadamente à vida escolar, distinguindo ‑se no críquete e dando já mostras de um considerável potencial académico. Durante o ano lectivo de 1921, apercebe ‑se de que frequenta uma escola num país estrangeiro, a Irlanda do Norte, então já parte integrante do Reino Unido, em resultado da chamada “Partição”.

1923 Em Outubro, SB entra para o Trinity College, em Dublin (TCD), para tirar um curso de Línguas Modernas. Cedo trava conhecimento com o professor Thomas Rudmose ‑Brown, o qual exercerá uma profunda influência no jovem aluno, particularmente por ter contribuído para o desenvolvimento do seu interesse pela literatura francesa contemporânea e por o ter encorajado a escrever. SB viria a satirizar o seu mentor como Urso Polar no seu primeiro escrito ficcional longo, Dream of Fair to Middling Women, um romance composto com alguma dificuldade entre 1931 ‑32, que ele viria a mostrar sem sucesso a alguns editores, tendo ‑o suprimido até à sua morte. (O romance acabaria por

Samuel Beckett

Uma cronologia*

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ser publicado só em 1995.) Um segundo professor importante foi Bianca Esposito, que (juntamente com Walter Starkie) lhe ensina italiano e inaugura a sua profunda e duradoura paixão por Dante. A “Signorina Esposito” também assegurará algumas aulas particulares para o jovem SB. Essas aulas, no n.º 21 de Ely Place, aparecerão retratadas de forma caricatural no conto “Dante and the Lobster”. A demorada admiração de SB por Dante encontra expressão eloquente no facto de o seu exemplar de A Divina Comédia dos tempos de estudante ter sido encontrado ao lado da sua cama, quando morreu em 1989. Pouco depois de chegar ao TCD, SB apaixona ‑se pela primeira vez, por Ethna MacCarthy, uma jovem encantadora, mas também experiente e amadurecida, que lhe inspira dois dos seus poemas, “Alba” e “Yoke of Liberty”, aparecendo ainda, como uma referência passageira, em “Sanies I” e, de modo mais desenvolvido, na personagem de Alba em Dream of Fair to Middling Women. O investimento afectivo parece ter sido só num sentido, e ela acabaria por desposar o melhor amigo de SB, A.J. “Con” Leventhal. A sua morte em 1959 intensificaria os laços já muito fortes entre SB e Leventhal.

1925 ‑1926 Assiste às versões de W.B. Yeats de Rei Édipo e Édipo em Colono, de Sófocles, no Abbey Theatre. Nos finais de 1926, começa a ser atingido por insónias, suores nocturnos e sensações de pânico. Em Agosto de 1926, visita a França pela primeira vez, fazendo um passeio de bicicleta pelos castelos do vale do Loire, para melhorar o seu francês. De regresso à Irlanda, muda ‑se para novas instalações no n.º 39 de New Square, no TCD. No final do ano de 1926, Alfred Péron chega de Paris como novo “leitor” de francês. A amizade entre SB e Péron prolongar ‑se ‑á durante toda a década de 30, atingindo a sua maior expressão durante a Segunda Guerra Mundial.

1927 Com um amigo americano, Charles Clarke, viaja por Florença e Veneza para melhorar o seu italiano. Durante essa estadia, visita museus e galerias, estudando algumas das obras ‑primas que voltariam a aparecer em muitos dos seus escritos subsequentes. No TCD, realiza os seus exames finais, fica em primeiro lugar da sua turma, e recebe o Bacharelato em Línguas Modernas (Francês e Italiano).

1928 Conquista um prémio de investigação (no valor de 50 ou 100 libras) do TCD pelo seu ensaio sobre “Unanimisme”. Através dos esforços do seu mentor Rudmose ‑Brown, consegue um lugar de professor de francês e inglês no Campbell College, em Belfast, uma public school com internato, nos meses que antecederam a sua partida para o lugar de “leitor” de inglês na École Normale Supérieure, em Paris. Dá aulas durante dois períodos em Belfast, mas não gosta da experiência, achando difícil ensinar a um nível tão básico, bem como levantar ‑se a horas para a primeira aula da manhã. Regressa a Dublin durante o Verão e conhece a sua prima, Peggy Sinclair, que reaparecerá como Smeraldina ‑Rima em Dream of Fair to Middling Women, embora objecto de um tratamento ficcional, no mínimo, pouco simpático. Em Outubro, apesar da oposição dos seus pais, visita Peggy em Kassel, na Alemanha. Abandona Kassel no final de Outubro e chega a Paris no último dia do mês para assumir o seu lugar na École Normale Supérieure. Encontra o seu antecessor Thomas MacGreevy, que se tornará um confidente para toda a vida e através do qual conhece alguns dos mais importantes escritores e editores então residentes em Paris, como James Joyce, Eugene Jolas e Sylvia Beach, entre outros. Embora não se sinta entusiasmado com a perspectiva de uma carreira académica, o seu contacto com o círculo literário parisiense exerce sobre ele um profundo efeito artístico. Regressa a Kassel para o feriado do Natal, uma estadia que encontrará também ecos paródicos em Dream of Fair to Middling Women.

1929 Conhece Suzanne Dechevaux ‑Dumesnil num clube privado de ténis; acabará por se casar com ela em 1961. SB publica o seu primeiro ensaio, “Dante … Bruno. Vico … Joyce”, na revista transition, juntamente com o seu primeiro texto ficcional, “Assumption”. Durante o ano, faz diversas viagens até Kassel para visitar Peggy (e a sua família).

1930 Publica a sua primeira obra separada, o poema longo Whoroscope, que escreve em poucas horas a 15 de Junho, para um concurso sobre o tema do Tempo, patrocinado por Richard Aldington e Nancy Cunard, cujo prémio acaba por conquistar. Começa a traduzir “Anna Livia Plurabelle”, uma secção do Work in Progress de Joyce (aquilo que seria mais tarde Finnegans Wake), com Alfred Péron. Através de uma encomenda arranjada por Thomas MacGreevy,

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começa a escrever o ensaio Proust, profundamente apoiado nas suas leituras de Schopenhauer; na sua viagem de regresso a Dublin, via Londres, em finais de Setembro, entrega o manuscrito completo do estudo na editora inglesa Chatto and Windus. Encontra pela primeira vez Jack B. Yeats (em Novembro), um artista que exercerá uma influência considerável no seu percurso criativo. Compra um quadro intitulado Morning, que terá pendurado em frente à sua secretária em Paris durante quase toda a sua vida. Traduz Le bateau ivre, de Rimbaud.

1931 Embora relutante, interpreta uma personagem nas três representações de Le Kid (uma paródia de Le Cid, de Corneille, escrita em colaboração com o seu amigo Georges Pelorson), no Peacock Theatre, em Dublin, entre 19 e 21 de Fevereiro, o único trabalho conhecido de SB como actor. Tem uma violenta discussão com a mãe e sente ‑se cada vez mais insatisfeito com a sua experiência docente no TCD. Visita França com o seu irmão Frank. Traduz numerosos textos para o número surrealista da revista This Quarter. No final do Outono, escreve “Enueg I”. Em Setembro, envolve ‑se na tradução francesa da Odisseia realizada por Victor Bérard. Visita com regularidade a National Gallery of Ireland. Decide demitir ‑se do seu lugar no TCD, embora a concretização desta decisão só surja no ano seguinte numa carta enviada de Kassel.

1932 Muda ‑se para Paris, retoma a amizade com Joyce logo nas primeiras semanas e conclui o seu primeiro romance, Dream of Fair to Middling Women. Escreve “Serena I”, depois de regressar a Dublin no final de Agosto.

1933 É informado de que Peggy Sinclair morrera de tuberculose a 3 de Maio. O seu pai morre a 26 de Junho com um ataque de coração, uma morte devastadora para SB e que o continuará a assombrar. Fica a saber, a 25 de Setembro, que Charles Prentice aceitara a sua colecção de contos (muitos das quais eram novas versões de episódios de Dream of Fair to Middling Women), chamada More Pricks than Kicks. Escreve “Echo’s Bones” como texto final para a colecção de contos, mas a Chatto and Windus rejeita o texto, que permanecerá inédito. Inicia um programa intenso de psicoterapia em Londres, na Tavistock Clinic, a seguir ao Natal, para controlar a sua cada vez mais

acentuada depressão. Traduz inúmeros textos para a Negro Anthology, organizada por Nancy Cunard e publicada em 1934.

1934 Publica “A Case in a Thousand” no Bookman, em Agosto, texto que reflecte a sua imersão na psicoterapia. More Pricks than Kicks é publicado em Londres, a 24 de Maio. Escreve o poema longo “Gnome” e uma recensão entusiástica de um livro de poemas de MacGreevy, para a Dublin Magazine.

1935 Assiste à terceira conferência de Carl G. Jung na Tavistock Clinic, com o seu analista Wilfred Bion, em Outubro, uma experiência que reaparecerá mais abertamente em All That Fall (escrita 21 anos mais tarde) e Footfalls (escrita mais de 40 anos depois). Começa a escrever Murphy, a 20 de Agosto, uma obra na qual fará um uso alargado do seu conhecimento pormenorizado da geografia londrina. Publica uma recolha de treze poemas, Echo’s Bones and Other Precipitates. Dá por concluída a sua psicoterapia.

1936 Regressa a Londres para completar Murphy. Considera muito brevemente viajar até Moscovo, para visitar o Instituto Estadual de Cinematografia, escrevendo a Eisenstein sobre a possibilidade de se tornar seu aluno, tentativa que acaba por não ter quaisquer resultados. Escreve o poema “Cascando” em Julho. Abandona a casa da família, em Cooldrinagh, a 28 de Setembro, e viaja pela Alemanha, mantendo um diário pormenorizado dos seus passeios. Regressa a Cooldrinagh. “Boss” Sinclair morre a 4 de Maio. O irmão de SB casa a 24 de Agosto. Deixa Dublin em meados de Outubro, rumo a Paris, cidade que se tornará a sua casa durante os próximos cinquenta e três anos.

1937 Primeira tentativa merecedora de registo de escrever uma peça, baseada nos últimos anos da vida do Dr. Samuel Johnson, intitulada Human Wishes. Regressa a Dublin para prestar testemunho num julgamento contra o livro de Oliver St. John Gogarty, As I Was Going Down Sackville Street, numa acção interposta por Harry “Boss” Sinclair, antes da sua morte, por acusações de calúnia. Na sequência do seu testemunho, durante o qual é completamente humilhado – o Irish Times falará do “dissoluto e blasfemo vindo de Paris” –, regressa à capital francesa.

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1938 Após ter jantado com uns amigos a 7 de Janeiro, SB é esfaqueado por um vagabundo e proxeneta chamado Prudent. Recupera no Hospital Broussais, onde corrige as provas de Murphy e é visitado por Suzanne, que pouco tempo depois começará a viver com o escritor. Após 42 rejeições, Murphy é finalmente publicado, em Março. SB começa a escrever poesia em francês, o que lhe permite purgar a sua escrita de elementos desnecessários e supérfluos.

1939 Hitler invade a Polónia a 1 de Setembro; dois dias depois, Chamberlain, o Primeiro ‑Ministro britânico, anuncia que a Grã ‑Bretanha está em guerra com a Alemanha (tal como também a França por esta altura). SB é apanhado em Dublin de visita à sua mãe, mas regressa imediatamente a Paris, declarando a sua preferência pela França em guerra à Irlanda em paz. Finnegans Wake, de Joyce, é publicado.

1940 A França cede face à invasão Nazi em Junho.

1941 Em Fevereiro, ainda em Paris, SB começa a escrever Watt. A 1 de Setembro, junta ‑se a uma célula da Resistência, chamada “Gloria SMH”, primariamente uma rede de informação, um projecto claramente perigoso – não obstante a subsequente atitude displicente de SB sobre aquela experiência. Joyce morre em Zurique, em Janeiro.

1942 Alfred Péron é preso. SB e Suzanne escapam de um encontro perigoso com a Gestapo e refugiam ‑se, a 6 de Outubro, em Roussillon, uma pequena aldeia no sul de França. 1943 A 1 de Março, retoma a escrita de Watt, sobretudo para se “afastar da guerra e da ocupação”. 1944 Conclui o manuscrito de Watt a 28 de Dezembro.

1945 SB e Suzanne abandonam Roussillon e partem para Paris no início do ano. O escritor regressa imediatamente a Dublin para visitar a sua mãe, ficando a saber que ela sofre da doença de Parkinson. SB junta ‑se à Cruz Vermelha Irlandesa na qualidade de tradutor e de contramestre, de modo a poder regressar a França, sendo colocado em Saint ‑Lô, na Normandia. Péron morre a 1 de Maio.

SB regressa a Paris no final do ano, quando o seu contrato chega ao fim. Recebe a Cruz de Guerra pelo seu papel na Resistência.

1946 Já em Paris, escreve um conto intitulado “Suite”, mais tarde alterado para “La Fin”, o seu primeiro trabalho ficcional mais alargado em francês. A 5 de Julho, começa a escrever o seu primeiro romance em francês, Mercier et Camier, completado a 3 de Outubro. Nos últimos meses de 1946, escreve mais três textos em francês: L’expulsé, Premier amour e Le calmant.

1947 Escreve a sua primeira peça longa, em francês, Eleutheria. Inicia a composição de Molloy a 2 de Maio, em New Place, Foxrock. Entre esta data e Janeiro de 1950, completa Molloy, Malone meurt (começado a 27 de Novembro) e L’innommable (começado a 29 de Março de 1949), que corresponde ao período mais fértil da carreira de SB.

1948 ‑1949 Escreve En attendant Godot entre Outubro de 1948 e Janeiro de 1949, numa pausa entre a conclusão de Malone meurt e o início de L’innommable, de modo a ultrapassar um impasse artístico.

1950 May Beckett morre a 25 de Agosto e é enterrada ao lado do seu marido no cemitério protestante de Redford. SB assina um contrato exclusivo com Les Éditions de Minuit, que será a editora do escritor até ao fim da sua vida. O editor Jérôme Lindon tornar ‑se ‑á seu amigo. Traduz Zone, de Apollinaire.

1951 Molloy é publicado em Março, Malone meurt, em Outubro. O manuscrito de Textes pour rien é concluído em Dezembro.

1952 Constrói uma casa, com dinheiro que a sua mãe lhe deixou, perto da aldeia de Ussy ‑sur ‑Marne, um espaço de refúgio e de solidão que facilita a energia criativa de SB e que se tornará o seu lugar preferido para escrever. Godot é publicada em Outubro. Eleutheria surge anunciada para publicação, mas é depois cancelada.

1953 Roger Blin dirige a primeira produção de Godot, estreada em Janeiro no Théâtre de Babylone, em Montparnasse, Paris. O espectáculo recebe críticas

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muito variadas, mas em geral positivas. Watt é finalmente publicado em inglês, mas em Paris. A jovem e inexperiente editora norte ‑americana Grove Press torna ‑se a editora exclusiva de SB nos Estados Unidos, e Barney Rosset, o seu editor, um grande amigo de SB. O escritor começa a traduzir Godot para inglês. A sua reputação internacional conhece uma melhoria significativa devido ao facto de o seu editor norte ‑americano se mostrar empenhado em promover um escritor aparentemente tão pouco comercial.

1954 Fica a saber que Frank sofre de um cancro terminal nos pulmões. SB, devastado, apressa ‑se em sua ajuda, para Killiney. Frank morre a 13 de Setembro. SB escreve o primeiro rascunho daquilo que será Fin de partie, nesta primeira versão ainda só com duas personagens.

1955 Em Março, é publicada a edição em língua inglesa de Molloy, pela Grove Press. Waiting for Godot estreia ‑se em Londres e Dublin. Conclui a primeira versão de Fin de partie, durante o Verão. Nouvelles et textes pour rien é publicado em Novembro. É padrinho no casamento do filho de Joyce.

1956 A produção norte ‑americana de Godot estreia ‑se a 3 de Janeiro na Coconut Grove Playhouse, em Miami, sob a direcção de Alan Schneider. O espectáculo é muito mal recebido. Durante o Verão, SB escreve All That Fall, a pedido da BBC; esta peça radiofónica surge claramente recheada de memórias da sua infância e adolescência em Foxrock.

1957 All That Fall é transmitida pela BBC Third Programme a 13 de Janeiro; a transmissão encanta SB, ocupado em Paris com os ensaios de Fin de partie. Jack B. Yeats morre em Março. Fin de partie, em francês, estreia ‑se a 3 de Abril no Royal Court Theatre, Londres. SB traduz Fin de partie para inglês entre Maio e Agosto.

1958 Em Fevereiro, começa a escrever Krapp’s Last Tape, uma peça profundamente pessoal. Também em Janeiro, dá início à tarefa laboriosa de traduzir L’innommable para inglês, publicado como The Unnamable pela Grove Press. A 8 de Julho, SB e Suzanne partem para três semanas de férias na Jugoslávia. Em Dezembro, começa a escrever Comment c’est.

1959 Envia Embers para a BBC, em Fevereiro. Ethna MacCarthy morre a 25 de Março. Recebe um doutoramento honoris causa pelo TCD a 2 de Julho, que aceita com muita relutância.

1960 Conclui a composição de Comment c’est durante o Verão. A 8 de Outubro, começa a escrever aquilo que virá a ser Happy Days, cuja composição lhe ocupará os três meses seguintes. No Inverno, muda ‑se para um apartamento no Boulevard Saint‑‑Jacques, em Montparnasse, a sua residência parisiense até ao resto dos seus dias.

1961 Casa com Suzanne a 25 de Março, numa cerimónia simples e privada, em Folkestone, Kent, na Inglaterra. Regressa a casa após o casamento para rever Happy Days. Começa a traduzir Happy Days para francês e Comment c’est para inglês, texto que será publicado pela Grove Press, sob o título How It Is, em 1964. A produção televisiva de Godot realizada por Donald McWhinnie, e que não é do agrado de SB, é emitida a 26 de Junho. No Outono, o escritor faz amizade com o académico Lawrence Harvey, de visita a Paris, com uma bolsa Guggenheim, para escrever sobre a poesia e a obra crítica de SB. O resultado, publicado sob o título Samuel Beckett: Poet and Critic, é o único importante estudo desenvolvido sobre esta dupla faceta da obra de SB. Words and Music é escrito entre Novembro e Dezembro, e Cascando (a sua primeira peça radiofónica em francês) em Dezembro. Partilha o Prémio Internacional dos Editores com Jorge Luis Borges.

1962 Começa a escrever Play em Julho e acaba de traduzir Happy Days para francês, com o título Oh les beaux jours, em Novembro.

1963 Conclui a composição de Film e de Play, e acompanha de perto a primeira produção alemã desta última peça, dando assim início a um envolvimento continuado com a encenação das suas próprias peças. Encontra Billie Whitelaw pela primeira vez, por ocasião da produção inglesa de Play, e sente ‑se cativado pela personalidade da actriz, com a qual iniciará uma demorada relação de trabalho e de amizade.

1964 Viaja até Nova Iorque, trabalhando intensamente durante um Verão invulgarmente

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quente no apoio à produção de Film, protagonizada pelo lendário actor de cinema Buster Keaton (cujo trabalho SB admirava profundamente); esta será a única visita de SB aos Estados Unidos.

1965 Escreve Imagination morte imaginez e Eh Joe (a sua primeira peça para televisão), durante a Primavera. Escreve Assez e dá início à composição de Le dépeupleur, durante o Outono.

1966 Traduz Textes pour rien para inglês e colabora na tradução de Watt para francês.

1967 É ‑lhe diagnosticado um glaucoma. Thomas MacGreevy, um dos seus mais antigos amigos, morre, facto que perturba profundamente o escritor. Dá início a uma carreira de encenador em Berlim, no Schiller ‑Theater Werkstatt, com a encenação de Endspiel, que se estreia a 26 de Setembro.

1969 Escreve Sans, que traduz para inglês sob o título Lessness. A 23 de Outubro, recebe a notícia da atribuição do Prémio Nobel da Literatura, batendo, nesse ano, o favorito Norman Mailer. Encontra ‑se, na altura, na Tunísia, com Suzanne, de onde se escapará algumas semanas mais tarde, em meados de Dezembro, para as mais “remotas” paragens de Cascais, nos arredores de Lisboa, onde o casal passa cerca de um mês. Em lugar de recusar a distinção da Academia sueca, como havia feito Jean ‑Paul Sartre, SB envia o seu editor francês Jérôme Lindon para receber o prémio na sua ausência, acabando por rapidamente distribuir o dinheiro pelos seus amigos mais necessitados.

1970 Autoriza finalmente a muito adiada publicação de Mercier et Camier e Premier amour, ambos escritos em 1946. É submetido a uma primeira e bem sucedida operação às cataratas – a segunda terá lugar em Fevereiro de 1971. 1972 Escreve Not I durante a Primavera, após uma viagem a Marrocos, e traduz Premier amour para inglês, entre Abril e Maio. No Verão, SB é invadido por amigos, familiares e outros visitantes, entre os quais Deirdre Bair, então a escrever a primeira biografia do escritor. SB dir ‑lhe ‑á, numa formulação que ficaria famosa, que não a ajudaria na sua tarefa, mas que também não contrariaria os seus esforços.

1973 Ultrapassando um período de ensaios emocionalmente desgastantes, Billie Whitelaw assegura uma representação muito bem sucedida de Not I em Londres, desse modo reforçando o respeito de SB pelo seu talento. Escreve As the Story Was Told, em Agosto.

1974 Vive uma nova explosão criativa e a 8 de Junho, em Paris, sente ‑se inspirado a dar início à composição de That Time, uma peça próxima de Not I. Estas duas peças altamente experimentais, como o próprio SB reconhece, desafiam os limites daquilo que é possível realizar em teatro.

1975 Encena Godot na Alemanha, em Berlim, em Março, e começa a escrever Footfalls. Em Paris, encena ainda a versão francesa de Not I (Pas moi), em Abril, e escreve Pour finir encore, em Dezembro.

1976 No Outono, começa a escrever a peça para televisão …but the clouds… . Footfalls e That Time estreiam ‑se no Royal Court Theatre, Londres, a 20 de Maio, integradas nas celebrações do 70.º aniversário do escritor. O próprio SB assegura a direcção de Billie Whitelaw em Footfalls. 1977 Começa a escrever Company, um texto profundamente pessoal, recheado de memórias da sua infância. A versão filmada de Not I é transmitida pela BBC 2, em Abril. Encena Krapp’s Last Tape, em Berlim.

1979 O mais antigo amigo de SB, A.J. “Con” Leventhal morre a 3 de Outubro. Começa a escrever Mal vu mal dit (Ill Seen Ill Said).

1980 A 7 de Maio, SB viaja para Londres para encenar Endgame com Rick Cluchey e a San Quentin Drama Workshop. Durante esses ensaios, S.E. Gontarski pede a SB uma nova peça para um simpósio planeado para Maio de 1981, em Columbus, Ohio, por ocasião do seu 75.º aniversário. Escreve aquilo que virá a ser Ohio Impromptu, estreado justamente em Ohio, encenado por Alan Schneider, a 9 de Maio de 1981. Ainda em 1980, escreve Rockaby, instigado por Danielle Labeille, para uma outra conferência em sua homenagem, também por ocasião do seu 75.º aniversário, na State University of New York.

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1982 Escreve e traduz Catastrophe. Escreve e realiza Nacht und Träume. A realização televisiva de SB de Quad é transmitida na Alemanha pela Süddeutscher Rundfunk, enquanto Catastrophe é representada no Festival de Avignon.

1984 Roger Blin morre a 20 de Janeiro. Visita Londres para supervisionar a produção de Godot pela San Quentin Drama Workshop, preparada por Walter Asmus. 1986 A saúde de SB dá os primeiros sinais de preocupação com a manifestação de um enfisema. 1988 Escreve “Fragment for Barney Rosset”, uma primeira versão daquilo que se tornará Stirrings Still, publicada numa edição de luxo com desenhos de Louis le Brocquy. 1989 Suzanne morre a 17 de Julho. A 11 de Dezembro, SB entra em coma, vindo a falecer às 13:00 do dia 22 de Dezembro. É enterrado ao lado de Suzanne no Cemitério de Montparnasse. 1992 Dream of Fair to Middling Women é publicado postumamente. 1995 Eleutheria é publicada postumamente. •

* Esta cronologia toma como base aquela preparada pelo investigador

norte ‑americano S.E. Gontarski (publicada em C.J. Ackerley e

S.E. Gontarski, The Grove Companion to Samuel Beckett, New York,

Grove Press, 2004, pp. xix ‑xxvii), embora tenha sido pontualmente

enriquecida com algumas outras informações.

Tradução e edição Paulo Eduardo Carvalho.

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ASSéDIO – Associação de Ideias Obscuras

A ASSéDIO é um projecto teatral que aposta sobretudo na divulgação e exploração criativa da dramaturgia contemporânea. Para esse fim, impomo ‑nos não só a manutenção de uma linha de rigor na selecção do repertório, mas também a consolidação de um equilíbrio da estrutura artística e meios de produção, condições essenciais para a permanente actualização das linguagens criativas da cena. Por isso, foram já alguns os autores divulgados pela primeira vez em Portugal em espectáculos produzidos pela ASSéDIO, tais como: Marie Laberge, Gerardjan Rijnders, Martin Crimp, João Tuna, Wallace Shawn, Marie Jones, Cecilia Parkert e Tom Murphy.A ASSéDIO surgiu em 1998 e a sua formação tem vindo a conhecer inevitáveis, e até mesmo desejáveis, evoluções; no entanto, ela continua a configurar uma precoce e rara consciência estratégica da indispensabilidade de agregação de um núcleo de talentos e competências capazes de assegurar simultaneamente autonomia e identidade artísticas.Estamos convencidos de que o modo como a ASSéDIO vem organizando a sua actividade se oferece como uma contribuição valiosa no panorama teatral da cidade do Porto, e mesmo no quadro nacional, justamente pela forma, sistemática e coerente, como vem contribuindo para a (in)formação de públicos, que todos os agentes culturais desejam cada vez mais in(formados) e capazes de dialogar com propostas dramatúrgicas arrojadas e exigentes. •

Ensemble – Sociedade de Actores

Unidade de investigação e produção teatral, e formação contínua de actores. O projecto desenvolve ‑se em três eixos fundamentais: Espectáculos, Estúdio de Actores e Serviço Educativo.Os Espectáculos, regidos por critérios de grande exigência de qualidade, são construídos sobre textos do repertório clássico e das dramaturgias modernas, e apostando também na criação de obras originais. Reflectem os resultados do trabalho realizado em estúdio, através de um exercício profissional competente e digno. Procuram o correcto enquadramento dos jovens actores recém ‑formados, e promovem a formação de novos públicos.O Estúdio de Actores é o espaço íntimo de trabalho fora das produções. Lugar de encontro entre actores, criadores, estudiosos e formadores, em seminários e workshops, é o espaço onde se promove a experimentação teatral e se interrogam e aperfeiçoam recursos, onde se faz a abordagem prática de textos da nova dramaturgia e das questões que levantam ao actor e às formas tradicionais de representação. O Serviço Educativo é um conjunto de programas de aproximação da cultura teatral aos diversos agentes de formação académica e ao público em geral. Integra actualmente os programas Caracol, Shakespeare para o séc. XXI e Sedução na Escola. •

F IC h A TéCNICA

TNSJ | D IGRESSãO

coordenação de produção

Maria João Teixeira

direcção de palco

Emanuel Pina

direcção de cena

Cátia Esteves

maquinaria de cena

António Quaresma

Carlos Barbosa

operação de luz

António Pedra

José Rodrigues

operação de som

Miguel Ângelo Silva

maquilhagem

Lícia Cunha

fotografia de cena

João Tuna

F IC h A TéCNICA

TNDM I I

direcção de cena

Manuel Guicho

apoio à operação de som

Pedro Costa

apoio à operação de luz

Pedro Alves/Feliciano Branco

maquinaria

Rui Carvalheira

Paulo Brito/Marco Ribeiro

auxiliar de camarim

Paula Miranda

Teatro Nacional São João

Praça da Batalha

4000 ‑102 Porto

T 22 340 19 00 | F 22 208 83 03

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ASSéDIO – Associação de Ideias Obscuras

Rua Nova da Alfândega, 7, Sala 202

4050 ‑430 Porto

T | F 22 338 98 77

www.assedioteatro.com.pt

[email protected]

Ensemble – Sociedade de Actores

Tv. da Telheira – Ferreiró

4475 ‑674 Avioso (St.ª Maria)

T 22 982 63 18 | TM 96 513 55 58

[email protected]

www.ensembledeactores.com

Edição

Departamento de Edições do TNSJ

Coordenação

João Luís Pereira

Documentação

Paula Braga

Design gráfico

João Faria, João Guedes

Fotografia

João Tuna, John Minihan (retrato de

Samuel Beckett)

Impressão

Empresa Diário do Porto, Lda.

Não é permitido filmar, gravar ou fotografar

durante o espectáculo. O uso de telemóveis,

pagers ou relógios com sinal sonoro é

incómodo, tanto para os intérpretes como

para os espectadores.

Apoios e Agradecimentos TNSJ

Parceiro Media

Apoios à divulgação

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