TocaNews 21, de Abril de 2012

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Boletim Informativo das Pesquisas do Projeto Paleotocas Número 21 – Abril de 2012 Site: www.ufrgs.br/paleotocas Distribuição Dirigida Responsável: Prof. Heinrich Frank Contato: [email protected] Fone: 51.30320382 EDITORIAL Nestes últimos meses temos localizado e também visitado várias paleotocas fora da Região Sul. As ocorrências isoladas em Minas Gerais, por exemplo, mostram que também ali paleotocas devem ser freqüentes, basta procurar por túneis “redondos”. Em uma dessas paleotocas, as marcas de garra estão tão bem preservadas que parece que “a preguiça acabou de fugir”, nas palavras do Prof. Buchmann. Trabalhos Científicos em 2012 Estamos trabalhando com afinco na publicação e divulgação dos resultados das pesquisas efetuadas. Nestes primeiros três meses do ano, enviamos um artigo para uma revista científica nacional, realizamos a revisão no texto de um capítulo de livro, enviamos um Resumo para apresentação na Reunião Acadêmica da Biologia da Unisinos (RABU) e enviamos outro Resumo para apresentação nas Jornadas Argentinas de Paleontologia de Vertebrados (JAPV). Internet continua rendendo A busca de novas ocorrências de paleotocas através de pesquisa de imagens na internet continua produzindo resultados. Menos que no estágio inicial, mas sempre surge alguma “caverna” que na realidade é paleotoca. A última identificação deste tipo está localizada em Chapecó, SC. O local chama-se ‘Gruta Sede Figueira”, ou ‘Capela N.S. de Lourdes”. Possui três paleotocas lado a lado, escavadas em arenito Botucatu. Há poucas imagens boas do local, uma está reproduzida abaixo.

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Page 1: TocaNews 21, de Abril de 2012

Boletim Informativo das Pesquisas do Projeto Paleotocas Número 21 – Abril de 2012 Site: www.ufrgs.br/paleotocas Distribuição Dirigida Responsável: Prof. Heinrich Frank Contato: [email protected] Fone: 51.30320382

EDITORIAL

Nestes últimos meses temos localizado

e também visitado várias paleotocas fora da

Região Sul. As ocorrências isoladas em Minas

Gerais, por exemplo, mostram que também ali

paleotocas devem ser freqüentes, basta

procurar por túneis “redondos”. Em uma

dessas paleotocas, as marcas de garra estão

tão bem preservadas que parece que “a

preguiça acabou de fugir”, nas palavras do

Prof. Buchmann.

Trabalhos Científicos em 2012

Estamos trabalhando com afinco na

publicação e divulgação dos resultados das

pesquisas efetuadas. Nestes primeiros três

meses do ano, enviamos um artigo para uma

revista científica nacional, realizamos a

revisão no texto de um capítulo de livro,

enviamos um Resumo para apresentação na

Reunião Acadêmica da Biologia da Unisinos

(RABU) e enviamos outro Resumo para

apresentação nas Jornadas Argentinas de

Paleontologia de Vertebrados (JAPV).

Internet continua rendendo

A busca de novas ocorrências de

paleotocas através de pesquisa de imagens na

internet continua produzindo resultados.

Menos que no estágio inicial, mas sempre

surge alguma “caverna” que na realidade é

paleotoca.

A última identificação deste tipo está

localizada em Chapecó, SC. O local chama-se

‘Gruta Sede Figueira”, ou ‘Capela N.S. de

Lourdes”. Possui três paleotocas lado a lado,

escavadas em arenito Botucatu. Há poucas

imagens boas do local, uma está reproduzida

abaixo.

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As pessoas simplesmente não acreditam na gente Essa constatação nós já fizemos várias vezes: quando encontramos uma paleotoca e

explicamos às pessoas que o túnel não foi formado pela água ou pelos índios, as pessoas

simplesmente não acreditam. Não acreditam porque nunca ouviram falar da megafauna que viveu

até bem pouco tempo atrás em toda a América do Sul. Já ouviram falar de dinossauros, mas é algo

distante, completamente dissociado de sua realidade e do local em que vivem.

Quando explicamos que na região em que vivem havia elefantes, camelos, rinocerontes,

ursos, tigres, cavalos, tatus gigantes e preguiças gigantes, as pessoas não acreditam. Por educação,

não discutem nada, mas no fundo não acreditam. Preferem acreditar, por exemplo, que a paleotoca

foi cavada por Jesuítas misteriosos que desejavam esconder exatamente ali o ouro que tinham

acumulado... Ou que os índios sul-americanos conseguiam escavar longos túneis ramificados. Não

importa dos túneis serem baixinhos, escuros, úmidos e sem ventilação – as pessoas acham que são

dos índios e que os índios viviam ali mesmo.

Bem, desta vez temos duas fotografias muito legais para compartilhar (na próxima página):

no início da década de 1940, foi resgatado um esqueleto de preguiça gigante na localidade de Salto

Grande do Iguaçu - PR, perto do município de Porto Vitória. Hoje o local está alagado por

barragem. O esqueleto foi levado ao Rio de Janeiro.

As fotografias foram gentilmente repassadas pela Profa Renate Ihlenfeld. Quem fez as fotos

foi seu avô, Carlos Ihlenfeld. Por mais estranho que isso nos pareça hoje em dia, as preguiças

estiveram vivendo exatamente onde nós vivemos hoje. E os túneis que as preguiças cavaram estão

por toda a parte.

Da mesma forma, os ossos desses bichos estão por toda a parte. Não nos morros e nas matas,

mas enterrados nos banhados ao longo dos rios ou no fundo de lagoas. A fossilização dos ossos é

um processo difícil. Os ossos precisam ser soterrados imediatamente após a morte do animal, caso

contrário se desfazem e não sobra nada. Mas se eles são soterrados debaixo de lama pelas águas de

uma grande enchente, pode acontecer a fossilização. Portanto, a imensa maioria dos ossos não se

preservou. Apenas aqueles que afundaram ou foram soterrados em lama de baixo de água. Muitos

aparecem nas praias do Litoral Sul do Rio Grande do Sul. A RBS TV apresentou recentemente a

série “Curtas Gaúchos”, chamada “O Homem e a Natureza – A Maior Praia do Mundo”. No último

episódio desta série alguns minutos iniciais são dedicados aos ossos da megafauna encontrados nas

praias gaúchos. Assista em http://redeglobo.globo.com/rs/rbstvrs/curtasgauchos/videos

Cavando nos banhados e nas margens de lagoas, pode aparecer um osso fóssil de um bicho

da megafauna. Um fêmur de elefante, uma tíbia de rinoceronte, um crânio de tigre Smilodon – o

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Diego do filme “A Era do Gelo”. Mas essas oportunidades são raras e as pessoas que encontram

esses ossos não se dão conta de que é um osso e jogam o objeto fora. Então, pode ter um osso

fossilizado de preguiça gigante perto de você, abaixo de você – você não sabe. Só cavando e tendo

muita sorte.

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Uma análise da paleotoca “Furna do Nenê”

Ao invés de apresentar aqui uma lista de ocorrências novas, vamos detalhar a “Furna do

Nenê”, que é um excelente exemplo de como uma paleotoca pode se tornar quase irreconhecível

através dos processos naturais que lentamente vão destruindo o túnel. A “Furna do Nenê”, muito

conhecida na região, localiza-se no município de Timbé do Sul, na localidade de Molha Coco, nas

coordenadas 28º 46´ 00.63´´ S , 49º 52´ 12.56´´ W. Seu nome vem do apelido do proprietário da

área e o acesso se dá por 12 km de estrada de chão em condições sofríveis a partir de Timbé do Sul.

A furna localiza-se ao lado da estrada, a uma distância de 75 metros (seta)

Porque “Molha Coco”?

Porque os dois morros

no centro da imagem à

esquerda lembram

cocos. Quando chove ....

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Planta baixa (mapa), desenhada a mão livre, da Furna do Nenê. O túnel da esquerda tem aproximadamente 6 metros de comprimento, enquanto o túnel da direita possui um comprimento total de aproximadamente 26,5 metros. As setas numeradas indicam a direção da tomada das fotos abaixo.

Na entrada da furna observa-se

um túnel que entra para a

esquerda e um túnel que entra

para a direita. Além disso, tem

um bloco de pedra grês (arenito

Botucatu) desabado na entrada.

A Furna é muito úmida, com

água correndo no piso. Mesmo

na ocasião em que a visitamos,

em época de forte seca, foi

necessário usar botas para

entrar.

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Fotografia 1: Aspecto do túnel da

esquerda. Seu formato irregular não é

característico de uma paleotoca e os

blocos caídos no piso mostram que

houve abundantes desabamentos. No

nível do observador, as paredes

côncavas indicam a posição de um

possível túnel precursor desta cavidade,

mas nas paredes não há marcas de garra

e a definição da feição como paleotoca

não é conclusiva. Cientificamente, este

túnel tem uma importância muito baixa

porque não fornece nenhuma

informação de valor.

Fotografia 2: Aspecto do início do

túnel da direita. Esta imagem já

corresponde mais ao que se espera de

uma paleotoca. As concavidades em

ambas as paredes na altura da cabeça

do observador, a leve sinuosidade e o

porte sugerem fortemente uma

paleotoca. O teto “pontudo” é

facilmente entendido como resultado de

desabamentos, enquanto a altura do

túnel e as características do piso são

explicadas pela água que corre no piso

o tempo todo. A imagem, como a

anterior, foi feita pelo Guia de Turismo

Fernando.

([email protected])

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O mesmo trecho do túnel da fotografia da página anterior, agora visto de dentro para fora.

Observa-se nitidamente 3 níveis horizontais na parede da esquerda: um nível inferior de textura

irregular, provavelmente devido à erosão pela água corrente. Um nível intermediário de parede lisa,

que lembra muito as paredes de paleotocas usadas por muito tempo, com os corpos dos bichos

roçando e alisando as paredes. E um nível superior, com alguns sulcos profundos.

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Imagem de uma porção do nível superior referido na imagem anterior. Ali estão elas: as

marcas de garras, produzidas pelos animais que cavaram o túnel original. Esses sulcos profundos no

centro da imagem (seta vermelha), predominantemente verticais, são as marcas da escavação do

túnel pelas preguiças gigantes. E elas apenas se preservaram neste nível: no topo das paredes

laterais do túnel original. E estas marcas de garra provam que o túnel original aqui foi uma

paleotoca. As marcas no teto sumiram devido aos desabamentos, as marcas na base das paredes

laterais sumiram devido à erosão pela água, apenas neste nível algumas marcas se preservaram.

Abaixo delas, as finas ranhuras verticais paralelas (seta azul) foram produzidas pelas águas que

“brotaram” nas paredes e que escorreram pelas paredes, produzindo esses sulcos.

Vista detalhada das ranhuras

produzidas pelo escorrimento da

água nas paredes laterais de uma

paleotoca muito úmida. A largura

das ranhuras é de até 3 mm, o

espaçamento entre elas não

supera 2 cm.

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Fotografia 3: Aspecto da bifurcação do túnel, vista de dentro para fora. Enquanto a entrada do

túnel (à direita) corresponde a uma paleotoca, a cavidade que é vista à esquerda nem de longe

lembra uma paleotoca. O teto reto, o lado esquerdo reto, o piso afunilado, com uma base de menos

de 10 cm de largura, evidenciam que a cavidade foi produzida por erosão da água com

desabamentos de blocos de arenito.

Vista de detalhe da cavidade da

esquerda da fotografia 3. O piso tem

poucos centímetros de largura, a

profundidade da cavidade não supera 3

metros. É claro que a Furna do Nenê não

é iluminada como aparenta nestas

imagens todas: tudo é completamente

escuro. As fotos foram obtidas com uma

máquina fotográfica de boa qualidade

montada em um tripé, acionada por

controle remoto, com longa exposição e

iluminando os túneis com uma lanterna

especial importada de luz branca.

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Fotografia 4: Porção final da Furna do Nenê. A largura do piso com água é de menos de 50 cm

(Seta vermelha). A altura máxima nesta porção chega a 3 metros (até a seta azul). O comprimento

deste trecho é de aproximadamente 10 metros. Salta a vista o teto reto, resultado do desabamento de

uma grande placa de rocha cuja orientação corresponde à estrutura da rocha. O piso estreito é

resultado da erosão pela água. Da paleotoca original sobraram poucas feições. Ao fundo, percebe-se

o diâmetro original (seta laranja). A destruição do túnel original foi tão completa que nem marcas

de garra foram observadas neste trecho. Na fresta bem ao fundo deste trecho habitam alguns

morcegos. Além deles, encontramos na furna alguns opiliões, grilos e várias aranhas enormes.

A interpretação da Furna do Nenê como uma paleotoca erodida e descaracterizada deve-se a

algumas feições, mal preservadas, mas que podem ser reconhecidas a partir do momento em que se

conhece estas feições de paleotocas preservadas. Cientificamente a Furna do Nenê consegue

acrescentar muito pouco, pois suas dimensões não são originais, suas paredes estão erodidas, etc. A

Furna confirma a sinuosidade das paleotocas em geral (quem está na entrada não vê o que tem no

fundo), a ocorrência das paleotocas nesta região (e deve ter muito mais), o comprimento destes

túneis (sempre superiores a 20-30 metros) e suas larguras originais (superiores a um metro). Se

houver interesse por algumas das fotos, basta solicitar por email que enviamos os arquivos

originais.

Obrigado pela leitura.