TÂNIA RAMOS SILVA FONSECA BÓCIO EM BOVINOS NO ESTADO …
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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADO EM
BIOCIÊNCIA ANIMAL
TÂNIA RAMOS SILVA FONSECA
BÓCIO EM BOVINOS NO ESTADO DE MATO GROSSO
Cuiabá
2017
TÂNIA RAMOS SILVA FONSECA
BÓCIO EM BOVINOS NO ESTADO DE MATO GROSSO
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Biociência Animal, da Universidade de Cuiabá – UNIC, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Biociência Animal
Orientadora: Profª. Drª. Fabiana Marques Boabaid
Cuiabá 2017
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Bibliotecária Marilce de Fátima de A. Silva – CRB-1/2149
F676b Fonseca, Tânia Ramos Silva.
Bócio em bovinos no Estado de Mato Grosso/ Tânia Ramos Silva Fonseca. -- Cuiabá --MT, 2017.
52,;fls.
Dissertação (Mestrado Biociência Animal) – Faculdade de Medicina Veterinária – Universidade de Cuiabá (UNIC). Cuiabá – MT, 2017
Orientadora: Profª. Drª. Fabiana Marques Boabaid
1.Lodo. 2. Hiperplasia – Tireoide. 3. Ruminantes. I. Título. CDU 591.2
Dedico este trabalho a Deus e a todas as pessoas que, de alguma maneira lutam pelo bem-estar dos animais.
AGRADECIMENTOS
Ao meu marido José Adilson por todo o apoio que me deu, quando foi
possível.
À minha filha Rafaela pela compreensão de tantas vezes ficar distante.
À Universidade de Cuiabá/Campus Beira Rio e ao Programa de Pós-
Graduação em Medicina Veterinária.
A Drª. Fabiana pela dedicação, compreensão, orientações e
ensinamentos.
Ao Dr. Marcelo Diniz dos Santos, coordenador do curso, pela paciência e
colaboração.
Ao Dr. Glauco José N. de Galiza pelo suporte e ensinamentos.
Aos professores do curso de Mestrado em Biociência Animal.
Ao colaborador Fabricio Moreira Costa.
Ao diretor Taner Bittencourt da UNIC Sinop-Aeroporto, pela compreensão.
Aos coordenadores Francianne B. Zandonadi, Vanessa B. H. Dolce e
Altivo Souza e Souza pelo apoio incondicional.
Aos professores do curso de Enfermagem da UNIC SINOP AEROPORTO
pelo apoio, parceria, compreensão e torcida para esta conquista. Claudia
Zangrande, Claudia Camila M. T. Sampaio, Sulmaya A. S. Vieira, Márcia C. B. Klein
e Sandra R. Inocêncio.
À Dona Doralice, técnica do Laboratório de Anatomia Patológica pela
humildade e simplicidade e suporte técnico prestado.
À secretaria do programa de mestrado pela eficiência.
Aos colegas de pós-graduação.
FONSECA, T.R.S. Bócio em bovinos no estado de Mato Grosso. 2017. 52 f. Dissertação (Mestrado Biociência Animal) – Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade de Cuiabá, MT, 2017.
RESUMO
O iodo é um mineral necessário à dieta tanto de humanos quanto de animais pois participa em muitos processos no organismo, tendo como destaque a formação dos hormônios tireoidianos. A deficiência de iodo pode desencadear o bócio, que consiste no aumento de volume não neoplásico e não inflamatório da tireoide. A deficiência de iodo em fêmeas prenhes pode desencadear bócio congênito, reconhecido em diferentes espécies como ovinos, caprinos, bovinos e, também em humanos. Neste trabalho objetiva-se relatar a ocorrência de surtos de bócio congênito em bovinos no Estado de Mato Grosso, abordando os aspectos epidemiológicos, clínicos e patológicos dessa condição. As informações dos casos foram obtidas em visitas a 3 propriedades ou por meio de contato com o veterinário responsável. Foi realizada a necropsia de dois bezerros e de uma vaca e seu feto. As propriedades afetadas localizam-se nos municípios de Nossa Senhora do Livramento, Várzea Grande e Jaciara, no Estado de Mato Grosso. O primeiro caso trata-se de um bezerro que apresentou mixedema e aumento bilateral difuso da glândula tireoide. Nesta propriedade, durante o período do surto, houve o nascimento de 80 bezerros e, destes, 20 vieram a óbito logo após o nascimento apresentando sinais clínicos compatíveis com bócio. No segundo caso uma vaca morreu após apresentar prostração e anorexia. Durante a realização da necropsia, constatou-se que a vaca estava prenhe e, que tanto ela quanto o feto, apresentavam aumento da glândula tireoide. No feto observou-se ainda áreas multifocais de alopecia. No terceiro caso, um bezerro apresentou dificuldade para mamar e prostração, evoluindo para morte e na necropsia também evidenciou-se acentuado aumento da tireoide. Foi constatado que as três propriedades diluíam sal mineral com sal branco, com a finalidade de aumentar o consumo. Histologicamente, todos os bezerros necropsiados apresentavam hiperplasia das células foliculares da tireoide, formando folículos heterogêneos com múltiplas camadas, com interstício bem vascularizado e destituído de coloide (bócio hiperplásico difuso). O feto do caso dois apresentava multifocais folículos pilosos em fase telógena. O diagnóstico nestes casos foi baseado nos achados anatomopatológicos, associados aos sinais clínicos e aos fatores epidemiológicos, os quais são condizentes com a maioria dos casos relatados em diversas espécies.
Palavras-chave: deficiência de iodo, defeitos congênitos, hiperplasia da tireoide,
doenças de ruminantes.
FONSECA, T.R.S. Goiter in cattle in Mato Grosso State - Brazil. 2017. 52 f. Dissertation (Master Animal Bioscience) – Faculdade de Medicina Veterinário, Universidade de Cuiabá, MT, 2017.
ABSTRACT Iodine is a mineral needed in the diet of both human and animals, because it takes part in many organic processes, especially those related to thyroid hormones buildup. Iodine deficiency can result in goiter, which consists in the non-neoplastic non-inflammatory enlargement of the thyroid glands. When it occurs during pregnancy, it can result in a condition known as congenital goiter, which is reported in different species, such as sheep, goats, cattle and even humans. The aim of this study is to report the epidemiological, clinical and pathological aspects of congenital goiter cases in calves in Mato Grosso State - Brazil. The data were collected on visits to the farms or through the farm’s veterinarians. Necropsy has been done in two calves and a cow and its fetus. The outbreaks occurred in the municipalities of Nossa Senhora do Livramento, Várzea Grande and Jaciara in Mato Grosso State. The first calf submitted to necropsy showed myxedema and bilateral diffuse thyroid enlargement. During the period of the outbreak in this property, 20 of the 80 calves born came to death shortly after birth showing signs consistent with goiter. In the second case a cow died after presenting prostration and anorexia. At necropsy, it was found that the cow was pregnant, and that both cow and the fetus had marked increase in the thyroid gland and the fetus additionally showed multifocal areas of alopecia. In the third case, a calf showed difficulty feeding and prostration, evolving to death, and at necropsy a severe increase in thyroid was revealed. It was found that the three properties mixed white salt with mineral salt, in order to increase consumption. Histologically, all calves necropsied had hyperplasia of the thyroid follicular cells, forming heterogeneous and multi-layered follicles, which were devoid of colloid and had a well-vascularized interstitium (diffuse hyperplastic goiter). The fetus of the second case showed additionally multifocal hair follicles in telogen phase. The diagnosis in these cases was based on pathological findings associated with clinical signs and epidemiological factors, which were consistent with most cases reported in several species.
Keywords: iodine deficiency, congenital defects, thyroid hyperplasia, diseases of
ruminants.
LISTA DE FIGURAS
Figura 01. Sistema de regulação de hormônios tireoidianos. TRH: hormônio
liberador de tireotrofina, TSH: hormônio estimulante da tireoide, T3:
triiodotironina e T4: tiroxina................................................................................
14
Figura 2. Vista ventral da glândula tireoide de um bovino com a traqueia e
laringe..................................................................................................................
16
Figura 3. Imagem ilustrativa da diferença de tamanho entre uma glândula
tireoide normal (A) e hiperplásica (B)..................................................................
18
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................ 11
2 REFERENCIAL TEÓRICO............................................................................. 13
2.1 Mineral Iodo.................................................................................................. 13
2.2 Glândula tireoide e seus hormônios.............................................................. 15
2.3 Hipotireoidismo.............................................................................................. 18
2.3.1 Hipotireoidismo Congênito......................................................................... 19
2.4 Bócio............................................................................................................. 19
2.4.1 Aspectos epidemiológicos do bócio em bovinos........................................ 21
2.4.2 Quadro clínico-patológico do bócio em bovinos......................................... 22
2.4.3 Diagnóstico................................................................................................ 23
2.4.4 Tratamento e profilaxia.............................................................................. 24
2.4.5 A Influência da pastagem na dieta animal................................................. 24
REFERÊNCIAS.................................................................................................. 26
3 OBJETIVOS..................................................................................................... 31
3.1 Objetivo geral................................................................................................ 31
3.2 Objetivos específicos.................................................................................... 31
4 ARTIGO: BÓCIO EM BOVINOS NO ESTADO DE MATO GROSSO............ 32
4.1 Introdução..................................................................................................... 33
4.2 Material e métodos........................................................................................ 36
4.3 Discussão...................................................................................................... 39
4.4 Conclusões.................................................................................................... 44
REFERÊNCIAS.................................................................................................. 44
LEGENDAS DE FIGURAS................................................................................. 50
11
INTRODUÇÃO
O bócio é uma manifestação clínica que consiste no aumento não
neoplásico e não inflamatório da glândula tireoide. Seu aparecimento pode ser
ocasionado pela deficiência de iodo, pela ingestão de substâncias bociogênicas ou,
ainda, pela disfunção da glândula tireoide pode resultar em uma produção hormonal
deficiente ou excessiva.
Entre alguns alimentos que causam o bócio, estão os do gênero Brássica,
como a colza, a couve, o nabo, o farelo de soja, o farelo de algodão, amendoim,
gergelim e trevo branco (WARKENTIN (2003).
A manifestação do bócio evidencia que o funcionamento da tireoide está
inadequado e, e reflete uma condição sistêmica, decorrente da produção insuficiente
dos hormônios tireoidianos, envolvidos nos processos de crescimento e maturação
celular de todos os tecidos.
Quando as disfunções da tireoide acometem animais no período de
prenhez, pode haver manifestação de bócio congênito no neonato, que pode se
manifestar como crescimento deficiente, anorexia, mixedema, intolerância ao frio,
pele espessada com áreas de alopecia, hiperpigmentação, pelos quebradiços, entre
outros. Todas essas alterações comprometem o desenvolvimento do animal e, em
alguns casos, podem levar à morte.
O bovino é suscetível ao bócio relacionado à deficiência de iodo na dieta,
ou seja, quando não recebem suplementação mineral ou quando a suplementação
mineral é inadequada. Além disso, nessa espécie a condição pode resultar da
ingestão de plantas que contém substâncias bociogênicas, como aquelas do gênero
Brassica.
O Estado de Mato Grosso possui um grande rebanho bovino,
representando uma importante divisa econômica para o país, que tem na exportação
de carne uma de suas vocações mais pungentes. Com isso fica evidente a
necessidade de reconhecer as condições que possam comprometer a saúde do
rebanho bovino, assim como os fatores que favoreçam a sua ocorrência, para
subsidiar ações preventivas.
12
Desse modo, objetivou-se relatar a ocorrência de surtos de bócio
congênito em bezerros no Estado de Mato Grosso, abordando os aspectos
epidemiológicos, clínicos e patológicos dessa condição.
13
REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Mineral Iodo
Assim como o ser humano, os animais podem sofrer deficiência de iodo, o
que causa distúrbios da tireoide, principalmente, o bócio endêmico. O iodo é
fundamental para a biossíntese de hormônios tireoidianos, pois controla o
metabolismo, o crescimento das células, maturação, desenvolvimento e o
crescimento dos tecidos, (HETZEL, 1989 apud PAULIKOVÁ; et al., 2002).
Diversos minerais desempenham funções importantes no organismo dos
animais, como a participação como ativadores de processos enzimáticos,
mantenedores do equilíbrio ácido-básico, permeabilidade celular e componentes
estruturais dos tecidos corporais (TOKARNIA; DÖBEREINER; PEIXOTO, 2000).
Dentre os minerais requeridos na alimentação, o iodo é conhecido como
um dos microelementos ou oligoelementos, pois, as quantidades necessárias ao
organismos não são altas e suas funções relacionam-se, principalmente, com a
síntese de enzimas e hormônios (ZIMMERMANN; GALETTI, 2015).
A distribuição deste elemento na natureza tem relação com áreas
geográficas e com os diversos tipos de solos que apresentam, alterando assim as
concentrações minerais (DANTAS; NEGRÃO, 2010).
As áreas destinadas ao gado, muitas vezes, possuem pastagens nativas,
geralmente, compostas de espécies forrageiras de baixa produtividade e de limitada
concentração de sais minerais (PONTES; et al., 2002).
É sabido, porém, que as exigências orgânicas dos minerais para os
bovinos são variáveis de acordo com estado fisiológico (DANTAS; NEGRÃO, 2010).
O iodo, por exemplo, é requerido em quantidades consideravelmente
maiores no, período reprodutivo e durante a lactação, devido à associação do iodo
com a formação dos hormônios tireoidianos e as funções destes durante estes
períodos. É por esse motivo que a suplementação com iodo produz efeitos positivos
ao organismo quando realizada adequadamente (HEMKEN, 1970).
14
O iodo é normalmente absorvido na forma de iodetos ou iodatos,
principalmente através da mucosa do intestino delgado, porém nos ruminantes a
maior parte é absorvido através do rúmen. Da circulação sanguínea o iodo será
capturado pela tireoide e, na sequência essas moléculas são oxidadas pela tireoide
peroxidase e peróxido de hidrogênio. Após esse processo de oxidação, o iodo une-
se à tirosina da tireoglobulina, dando origem à monoiodotirosina e, depois à
diiodotirosina, e por condensação oxidativa das duas moléculas tem-se a formação
dos hormônios triiodotironina (T3) e tiroxina (T4) (OSÓRIO; RODRIGUEZ; SUAREZ,
2014).
Para que o processo descrito ocorra, é necessário que haja liberação do
hormônio estimulante da tireoide (conhecido pela sigla TSH, derivada de thyroid-
stimulating hormone) pela hipófise. Este hormônio age sobre a glândula tireoide,
estimulando-a a produzir os hormônios T3 e T4. Para efeitos de controle dessa
regulação, a liberação de TSH também é influenciada pelos níveis destes hormônios
dentro de um mecanismo de feedback (OSÓRIO; RODRIGUEZ; SUAREZ, 2014).
Figura 01. Sistema de regulação de hormônios tireoidianos. TRH: hormônio liberador de tireotrofina, TSH: hormônio estimulante da tireoide, T3: triiodotironina e T4: tiroxina.
Fonte: Martins; Monteiro (2007).
15
A deficiência de iodo provoca diminuição de produção de T3 e T4 e
estimula a hipófise a produzir e liberar maiores quantidades de TSH. Este último tem
a função de estimular a tireoide a captar iodo e produzir os hormônios tireoidianos, e
como o iodo não está disponível, irá levar a uma hiperestimulação da glândula e a
sua hiperplasia e hipertrofia, que é caracterizada clinicamente pelo bócio (DANTAS;
NEGRÃO, 2010).
O uso excessivo de iodo pode causar intoxicação quando exceder a
exigência diária, podendo ocorrer por consumo prolongado de dieta com
suplementos à base de iodo ou quando ingerido incorretamente por muito tempo
(PAULIKOVÁ; et al., 2002).
Para o citado autor, estudos desenvolvidos mostraram resultados
distintos, que não alteraram as funções da tireoide, mesmo após o uso prolongado
de iodo, tendo sofrido alteração somente quando consumido em dose 500 vezes
maior que o exigido diariamente.
Quando o iodo é utilizado em quantidade insuficiente, pode ocorrer
interferência na fertilidade se a tireoide for afetada. Introduzir iodo na dieta animal
melhora a libido, aumentando a concentração e o movimento do sêmen. Associou-
se à ausência de libido em touros e machos sexualmente insatisfatórios, a
tireoidectonia que, a partir da suplementação com tireoproteina, estes tiveram
melhor desempenho na reprodução. Ao acrescentar esse mineral na alimentação,
aumenta-se a atividade tireoidiana, que auxilia na capacidade reprodutiva através do
estímulo sobre a hipófise anterior, que secreta as gonadotrofinas (SOUZA, 2014).
2.2 Glândula tireoide e seus hormônios
A tireoide é uma glândula endócrina que sintetiza e secreta hormônios
que regulam a taxa de metabolismo do corpo. Suas atividades são controladas pela
hipófise através do hormônio estimulante da tireoide (TSH). Anatomicamente a
tireoide é constituída por dois lóbulos unidos por um istmo e apoiados na traqueia
(SINGH e BEIGH, 2013).
A glândula tireoide tem importante papel como produtora de hormônios
tireoidianos HTs, necessários para diferenciar células e o crescimento do organismo
16
(OSÓRIO; RODRIGUEZ; SUAREZ, 2004). A glândula pode apresentar variações
anatômicas conforme a espécie animal, de forma que os seres humanos e o suíno
possuem um grande istmo que forma um lobo piramidal, conectando os dois lobos
laterais. No bovino há uma faixa bastante ampla de tecido glandular que forma o
istmo de ligação (Figura 2). No cavalo, ovelha, cabra, gato e cachorro, o istmo é
apenas um resquício e pode estar ausente (SINGH e BEIGH, 2013).
Figura 2. Vista ventral da glândula tireoide de um bovino com a traqueia e laringe.
Fonte: König; Liebich, (2016).
A tireoide é composta por numerosos folículos, formados por uma esfera
fechada de células altamente especializadas circundando um cerne contendo um
material rico em proteína, denominado coloide (SILVA; COSTA, 2013).
É um dos órgãos mais vascularizados do organismo. Este suprimento de
sangue elevado se deve à necessidade da tireoide ser exposta a uma quantidade
adequada de iodo a fim de manter a função normal da glândula. Consequentemente,
a alteração do fluxo sanguíneo é um importante fator de manutenção dos níveis de
hormônios tireoidianos (HTs) constantes em condições de variação da ingestão de
iodo (BORGES; et al., 2000).
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A biossíntese de HTs é dependente da presença de quantidades
adequadas de iodo. No entanto, durante a privação de iodo, os níveis séricos de
HTs são mantidos constantes devido à mobilização de consideráveis reservas de T3
e T4 presentes no coloide, pela otimização do transporte de iodeto para o interior da
célula folicular e aumentada eficiência da síntese de iodotironinas, catalisadas pela
enzima tireoperoxidase. Da mesma maneira, durante a ingestão elevada de iodo,
níveis estáveis de HTs são mantidos na corrente sanguínea devido, em parte, a uma
autorregulação do transporte de iodeto, o que limita sua captação e organificação
pelas células foliculares (BORGES et al., 2000, OSÓRIO; RODRIGUEZ; SUAREZ,
2014).
Os HTs provocam no organismo efeitos sobre o metabolismo e
crescimento celular, o transporte ativo de íons através das membranas celulares,
envolvendo de forma especial o sistema cardiovascular e reprodutor, bem como a
secreção de outras glândulas, entre outros. Os efeitos sobre o organismo são tão
proeminentes que qualquer disfunção na sua produção resulta em efeitos clínicos
marcados (OSÓRIO, RODRIGUEZ e SUAREZ, 2014).
O desequilíbrio na produção dos HTs, pode desencadear situações
patológicas distintas, denominadas hipotireoidismo e hipertireoidismo. A primeira
condição se caracteriza por diminuição da função da glândula, enquanto na
segunda condição há aumento da secreção dos hormônios e a potencialização de
seus efeitos sobre o organismo, ambas associadas a prejuízos ao organismo
(FONSECA; MELEK, 2014).
O hipotireoidismo pode decorrer de uma doença autoimune, bem como
por deficiência nutricional, em que tem destaque ingestão insuficiente de iodo, pois,
conforme já mencionado está intimamente relacionado ao processo de formação dos
hormônios tireoidianos. Quando a carência de iodo ocasiona o aumento da glândula
tireoide recebe a denominação de bócio (Figura 3) (MEYER; MAIA, 2009).
Os hormônios da tireoide são responsáveis pela metabolização orgânica,
fazendo aumentar o consumo de O2, a síntese proteica, o crescimento e
diferenciação dos tecidos, sendo importante para regular a temperatura corporal,
função cardiovascular, motilidade intestinal e reflexos neurológicos, sendo
fundamentais para a vida do feto, nos dois primeiros anos, em seu crescimento e
18
desenvolvimento do sistema nervoso e esquelético (FRANCO; MARGOTTO;
ALMEIDA, 2004).
Os HTs auxiliam na regulação da produção de calor, quando se é exposto
ao frio, há o aumento de plasma e concentração de T4, T3 e cortisol. Dessa forma,
os ruminantes conseguem adaptar-se ao frio e restrição alimentar. Os processos
fisiológicos exigem que a glândula tireoide tenha atividade normal, pois se houver
deficiência na produção desses hormônios, reduz-se a energia e a liberação de calor
do corpo, diminuindo o metabolismo basal do animal (OSÓRIO; RORIGUEZ;
SUAREZ, 2004).
Figura 3. Imagem ilustrativa da diferença de tamanho entre uma glândula tireoide
normal (A) e hiperplásica (B).
Fonte: Widmaier; Raff; Strang, (2013).
2.3 Hipotireoidismo
No hipotireoidismo há uma diminuição da quantidade de HTs circulantes,
o que pode provocar várias alterações no organismo. Junto à redução na secreção
19
de HTs há aumento na secreção de TSH pela hipófise, com a finalidade de
compensar a baixa de HTs circulante. Esse é o motivo pelo qual se constata o
aumento do tamanho da tireoide, também chamado de bócio (OSÓRIO;
RODRIGUEZ; SUAREZ, 2014).
Nos ruminantes o hipotireoidismo está associado ao consumo deficiente
de iodo, devido a uma alimentação pobre nessa substância, ou ainda, quando os
animais estão recebendo quantidades suficientes de iodo, porém substâncias
bociogênicas interferem na absorção desse elemento pela tireoide. Há diversas
plantas que podem ter efeitos bociogênicos, como as que contém glicosídeos
cianogênicos, além das crucíferas e da soja, as quais impedem a formação da
tiroxina (TOKARNIA et al., 2010; OSÓRIO; RODRIGUEZ; SUAREZ, 2014).
2.3.1 Hipotireoidismo Congênito
O hipotireoidismo congênito é a incapacidade da glândula tireoide do
neonato em produzir quantidades suficientes dos hormônios tireoidianos. É
decorrente da produção insuficiente de T3 e T4 durante o desenvolvimento
intrauterino, em que o indivíduo já nasce com redução na secreção de HTs, com
efeitos sobre o desenvolvimento dos sistemas nervoso e esquelético (NUNES et al.,
2013). O hipotireoidismo congênito pode resultar de defeitos durante a
embriogênese ou devido a ingestão deficiente de iodo pela mãe, já que esse mineral
é disponibilizado de forma transplacentária para o feto (HEMKEM, 1970; MACIEL et
al., 2013; BARONE et. al., 2013). Uma das consequências do hipotireoidismo é o
bócio, ou seja, uma aumento da glândula tireoide sem causa neoplásica ou
inflamatória (ZIMMERMANN e GALETTI, 2015).
2.4 Bócio
O bócio se caracteriza como o alargamento da glândula tireoide,
causado pela deficiência de iodo em dietas nutricionais, entre outros, que divergem
entre si e provocam uma síntese de tiroxina e triidotironina deficiente, diminuindo
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hormônios no sangue, detectado pela glândula do hipotálamo e pituitária, o que leva
a aumentar a secreção de TSH, resultando em hipertrofia e hiperplasia das células
foliculares da tireoide. Há alguns subtipos de bócio reconhecidos, são eles: difuso
hiperplástico, coloide iodeto-excesso, multifocal hiperplástico e congênita
dyshormonogenetic (SINGH; BEIGH, 2013).
Bócio hiperplásico difuso: Essa doença é autoimune, com anticorpos
da classe IgG que atacam sítios antigênicos do epitélio folicular, dentre eles, o
receptor de TSH, ativano-se, então, a função tireoidiana, aumentando-se a produção
de T3 e T4. Nesse caso, há dois tipos e autoanticorpos para o receptor de TSH:
Iunoglobulina, que estimula a tireóide e induz hipersecreção hormonal e,
Iunoglobulina, que leva ao crescimento da tireóide e produz hiperplasia folicular.
(MEYER; MAIA, 2009).
O bócio hiperplástico em ruminantes pode se dar pela prolongada
exposição a cianogênicos glucósidos de plantas como o trevo branco, grama e
farinha de linhaça, bem como culturas de Brassica e outras leguminosas que
contenham aminoácido tóxico não proteico (SINGH; BEGH, 2013).
Bócio coloide: há um aumento do volume tireoidiano, que se classifica
de 4 modos: Nodular ou difuso; Atóxico, quando a função da tireoide se encontra
normal, ou tóxico, caracterizado como hipertireoidismo; Malígno ou benigno;
Endêmico ou esporádico, em que observam folículos aumentados e com muitos
coloides. O fator principal para esse tipo de bócio é a falta de iodo na dieta
(MEDEIROS-NETO, 1998).
Bócio congênito: o iodo tem função de fundamental importância para o
organismo, caso haja deficiência, pode-se ocasionar o bócio e, entre alguns tipos
está o bócio congênito. Esse mineral atua nos tecidos e fluidos, mantendo o
equilíbrio do animal. É diagnosticado pelo aumento da glândula tireoide (GOLBERT,
2006).
O bócio é tipicamente uma condição clinicamente importante,
principalmente em neonatos e fetos. Na fêmea prenhe pode ocasionar gestação
prolongada, distocia e retenção e placenta (SINGH; BEIGH, 2013).
Em animais adultos, o bócio é raramente relatado e normalmente é de
pouca importância clínica (FITZGERALD; et al., 2014).
21
Em seres humanos, de acordo com a frequência de ocorrência, o bócio
pode ser classificado como endêmico e esporádico. O primeiro, comumente
associado à deficiência de iodo na dieta, ocasionando, consequentemente, alteração
na síntese dos hormônios tireoidianos. O bócio endêmico ocorre quando sua
incidência atinge uma proporção de 10% da população de determinada região, por
exemplo regiões montanhosas como Andes. Nestas, a concentração natural de iodo
no solo e água é muito baixo (KUMAR; et al., 2010, WIDMAIER; RAFF; STRANG,
2013).
A forma esporádica, advém de outras causas nem sempre conhecidas,
mas, relacionadas com distúrbios de funcionamento da tireoide (KUMAR; et al.,
2010).
Há algumas substâncias causadoras do bócio em animais, pois elas
interferem na síntese de hormônios da tireoide. A glândula aumenta pelo estímulo
excessivo do hormônio TSH, que é liberado pela glândula pituitária, para tentar
aumentar a produção de hormônios da tireoide. Dentre esses alimentos destacam-
se: a colza, couve, nabo, farelo de algodão, farelo e soja, amendoim, gergelim e
trevo branco (WARKENTIN, 2003).
2.4.1 Aspectos epidemiológicos do bócio em bovinos
Sendo a disponibilidade de iodo na dieta um dos fatores mais importantes
para o funcionamento normal da tireoide, considera-se que a prevalência do bócio é
inversamente proporcional à ingestão de iodo pelo animal (MEYER; MAIA, 2009).
Rebanhos bovinos que não recebem suplementação com iodo, por exemplo,
podem apresentar diminuição na produção e qualidade do leite, falhas reprodutivas
e casos de bócio congênito. Todas essas consequências trazem perdas econômicas
consideráveis ao rebanho (PEIXOTO; et al., 2003).
Além da carência de iodo, os animais podem apresentar o bócio quando
são expostos, de modo prolongado, a substâncias bociogênicas. Muitas substâncias
químicas são potencialmente causadoras de disfunção da tireoide, sendo capazes
de gerar bócio. Essas substâncias podem ser encontradas em diferentes vegetais,
22
como a mandioca, linhaça, sorgo, batata-doce, repolho, couve-flor, couve, brócolis,
rabanete, soja, painço, fumo, entre outras (GONZÁLEZ; SILVA, 2006, TADDEI et al.,
2011, SINGH; BEIGH, 2013).
Há ainda o bócio congênito de caráter hereditário, também denominado
bócio disormonogênico hereditário, no qual ocorrem mutações em genes que
codificam enzimas envolvidas com a síntese dos hormônios tireoidianos. Os genes
associados a essa condição parecem ser autossômicos de expressão recessiva,
havendo registros em bovinos da raça Afrikander (ROBBINS, 1966).
Na prevenção do bócio, foi sugerido pelo cientista francês Boussingault,
que se adicionasse iodo ao sal comum nas dietas, em 1831. Entretanto, ele só foi
utilizado em 1924, com a realização de uma campanha, em Michigam, Estados
Unidos. Em cinco anos, diminuiu-se de 38,6% para 9% o índice do bócio e, a partir
daí adotou-se o sal iodado pela indústria animal (WARKENTIN, 2003).
2.4.2 Quadro clínico-patológico do bócio em bovinos
O bócio é caracterizado clinicamente como um aumento de volume da
tireoide que, em casos extremos, pode causar compressão da traqueia do neonato
e, com isso, morte por asfixia logo após o nascimento. Nos animais sobreviventes a
dispneia decorrente da compressão traqueal pela tireoide pode ocasionar dificuldade
em ingerir leite e, dessa forma, emagrecimento em longo prazo (ANDRIGUETTO et
al., 2002, DANTAS; NEGRÃO, 2010, TOKARNIA; et al., 2010, SINGH; BEG, 2013).
Frequentemente também é possível se observar espessamento da pele e
tecido subcutâneo da cabeça, pescoço e membros torácicos (mixedema), e, por
vezes, ausência localizada ou total de pelos (TOKARNIA; et al., 2010).
Além de provocar o bócio, pode levar à diminuição na produção de leite,
redução ou supressão do estro, aumento da incidência de retenção da placenta e
distocia (ANDRIGUETTO; et al., 2002, DANTAS; NEGRÃO, 2010, TOKARNIA et al.,
2010, SINGH; BEIGH, 2013).
23
À necropsia, os animais com hipotireoidismo podem apresentar aumento
bilateral acentuado da tireoide, com coloração vermelho-escura, devido ao aumento
da vascularização, decorrente do estímulo constante do TSH (ROSOL; GRÖNE,
2016). No bócio congênito pode haver ainda mixedema cutâneo e alopecia multifocal
ou difusa, (PAULÍKOVÁ; et al., 2002, KOIKKALAINEN; et al., 2014, PANZIERA; et
al., 2014).
Do ponto de vista histológico, o bócio apresenta dois estágios hiperplásico
e o de involução coloidal. O estágio hiperplásico é caracterizado por marcada
hiperplasia e hipertrofia do epitélio folicular com aumento de tecido intersticial, e pela
diminuição do lúmen coloidal, podendo ser observado ainda projeções papilares do
epitélio folicular. O estágio coloidal é caracterizado pelo aumento considerável do
lúmen coloidal, associado à diminuição do tecido intersticial e um afinamento do
epitélio folicular (KUMAR; et al., 2010, PANZIERA; et al., 2014, ROSOL; GRÖNE,
2016).
2.4.3 Diagnóstico
O diagnóstico pode ser baseado na apresentação clínico-patológica de
bócio, somado aos dados epidemiológicos como privação de iodo na dieta, bem
como consumo de substâncias bociogênicas. A deficiência leve de iodo pode ser
suspeitada também em casos de perturbações da fertilidade do rebanho, o que pode
ser confirmado por meio de diagnóstico terapêutico (TOKARNIA et al., 2010,
DÖBEREINER; PEIXOTO, 2000, PANZIERA; et al., 2014, KOIKKALAINEN; et al.,
2014).
Em alguns casos podem ser utilizados ainda exames laboratoriais como
dosagem do T3, T4 e TSH e exames de imagem (HENRY, 2008, HALL, 2011).
O exame radiográfico cervical pode ser usado para analisar se há
compressão e desvio das estruturas cervicais, como a traqueia (FRANCO;
MARGOTTO; ALMEIDA, 2004).
24
2.4.4 Tratamento e profilaxia
O tratamento do bócio por deficiência de iodo pode ser realizado através da
suplementação adequada desse mineral na dieta ou administração de tiroxina oral
(GONZÁLEZ; SILVA, 2006; RIET-CORREA, 2007; PANZIERA et al., 2014). Como
profilaxia recomenda-se a suplementação do rebanho com iodo, sobretudo em áreas
com deficiência desse mineral (RIET-CORREA, 2007)., Também é importante
salientar as diferentes necessidades de consumo, em relação à espécie e à fase da
vida produtiva, como gestação, lactação entre outros. Por outro lado, quando houver
suplementação adequada, é importante identificar e eliminar substâncias
bociogênicas da alimentação dos animais (ANDRIGUETTO et al., 2002; ESCOTT –
STUMP et al., 2011).
2.4.5 A Influência da pastagem na dieta animal
A alimentação animal encontra-se ligada às pastagens e, nesse sentido, a
deficiência mineral pode afetá-la, sendo de grande importância a análise do solo,
para detectar possível falta de minerais. De acordo com estudos realizados em
algumas regiões do Brasil, constata-se que há diversas interpretações referentes ao
valores encontrados em alguns elementos, que são relativos, se comparado a outros
minerais de uma mesma amostra, pois interferem na apropriação do alimento pelo
animal. A amostra coletada nessas pesquisas se referem à forragem ingerida e, em
alguns locais, a coleta é de difícil. Deve-se considerar os teores dos elementos, que
variam durante as estações do ano. Levam-se em conta, também, a quantidade que
o animal assimila, a contaminação, quantidade do alimento e a terra que come junto
com a pastagem. As plantas não se aproveitam de todos os elementos de um
mineral existente no solo, motivo este da deficiência mineral (TOKARNIA;
DOBEREINER; PEIXOTO, 2000).
Ao ingerir terra em grande quantidade, o animal pode ter minerais
suplementados ou diminuídos. Dessa forma, quando se consome muita terra,
verifica-se problemas tanto de manejo do rebanho como das pastagens. Conforme
estudos realizados, há variação na composição química das forrageiras, pois
25
dependem de fatores como o tipo de solo, da espécie da forrageira, do clima, entre
outros. Conforme dados coletados em cultivo nos cerrados brasileiros, percebeu-se
deficiências de P, Zn, Cu e de Na em bovinos nos pastejos, porém considera-se que
há uma seleção natural pelo bovino quanto a qualidade da forragem consumida
(NICODEMO, 2008).
Substâncias bociogênicas podem agravar a deficiência de iodo em
bovinos pela interferência na síntese de processamento e na liberação de hormônios
da tireoide, o que a deixa aumentada. A dieta pode ser suplementada com iodo,
apenas nos efeitos dos tiocinatos e isotiocianatos. Observou-se em estudos que, o
animal consome menos minerais, quando há maturidade das forragens onde o clima
é temperado e das gramíneas tropicais (NICODEMO, 2008).
Para Dantas; Negrão (2010), as pastagens são, às vezes, a única fonte
de nutrientes para os bovinos em pastejo e, a insuficiência alimentar tanto na
qualidade quanto na quantidade implica em limitações para o desempenho desses
animais. Todavia, os pecuaristas já se conscientizam da necessidade e da
importância da suplementação na dieta, para um melhor resultado, pois destinam-se
a maior parte das terras férteis para a agricultura, enquanto para a agropecuária
sobram os solos de baixa fertilidade, desequilibrando a quantidade de minerais nas
forragens, diminuindo-se, assim a produção e reprodução dos bovinos.
26
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3 OBJETIVOS
3.1 Objetivo geral
Relatar a ocorrência de surtos de bócio congênito em bovinos no
Estado de Mato Grosso.
3.2 Objetivos específicos
Descrever os sinais clínicos e achados patológicos observados em
neonatos com bócio congênito por deficiência de iodo.
Identificar os fatores de risco para a ocorrência de bócio congênito
por deficiência de iodo em bovinos, que possibilitem traçar estratégias de
prevenção e controle da enfermidade no Estado.
32
4 ARTIGO
BÓCIO EM BOVINOS NO ESTADO DE MATO GROSSO
RESUMO
Bócio consiste no aumento não inflamatório e não neoplásico da glândula tireoide em animais adultos e recém-nascidos. Uma das principais causas envolvidas é a deficiência nutricional de iodo. Neste trabalho, relatam-se três propriedades com quadros de bócio em bovinos no Estado do Mato Grosso, Brasil. No primeira propriedade (propriedade A), 60 bezerros foram afetados, sendo que 20 morreram logo após o nascimento, 30 recuperaram-se e 10 permaneceram doentes e tiveram remissão dos sinais apenas após tratamento parenteral com iodo. Na segunda propriedade (propriedade B) uma vaca e seu feto foram acometidos e na terceira (propriedade C) dois bezerros foram afetados. Os principais sinais clínicos observados nos bezerros foram aumento de volume bilateral na região cervical ventral, emagrecimento, dificuldade respiratória, hipotricose e desenvolvimento corpóreo retardado. Na propriedade A foi relatada ainda a ocorrência de abortamentos. Macroscopicamente, os bezerros e o feto apresentavam tireoide aumentada, de coloração vermelho-escura, com vascularização evidente e edema subcutâneo cervical. No surto dois também foi observado, à necropsia, aumento de volume da glândula tireoide da vaca. Microscopicamente, a tiroide dos bezerros e do feto apresentava folículos tireoidianos hiperplásicos, heterogêneos, destituídos de coloide e com interstício acentuadamente vascularizado. A tireoide da vaca era semelhante à dos bezerros, no entanto, possuía quantidade maior de coloide. Em todos os casos a suplementação mineral era realizada por meio da mistura de sal mineral com sal branco. Na propriedade A o sal branco era não iodado e misturado em partes iguais com o sal mineral. Na propriedade B o sal também era misturado a um sal branco não iodado na proporção e 1:2, respectivamente. Na propriedade C o sal mineral e o sal branco não iodado eram ofertados em cochos separados no campo e, segundo relato do proprietário, os animais priorizavam o consumo do sal branco. Em todas as propriedades acompanhadas foi recomendada a interrupção da adição de sal branco na mistura mineral e a administração de iodo aos bezerros acometidos. Após essas medidas não foram observados novos casos nas propriedades. Apesar de ser uma enfermidade bem conhecida, ainda são poucos os relatos de casos de bócio em bovinos no Brasil. Além disso, pouco se sabe sobre as reais deficiências minerais de cada região, além da observação de que simples orientações de manejo nutricional ainda são extremamente necessárias. Palavras chaves: Deficiência de iodo, hiperplasia da tireoide, doenças de ruminantes.
33
ABSTRACT Goiter consists of a non-inflammatory and non-neoplastic enlargement of the thyroid gland in adults and neonates. One of the main causes involved is the nutritional deficiency of iodine. In this study three outbreaks of goiter in cattle in the state of Mato Grosso, Brazil, are reported. In the first outbreak (Farm A) 60 calves were affected, of which 20 died soon after birth, 30 recovered and 10 remained sick. In the second outbreak (Farm B) a cow and its fetus were affected and in the third outbreak (Farm C) two calves were affected. The main clinical signs observed were bilateral volume increase of the thyroid gland, weight loss, respiratory distress, hypotrichosis, myxedema and retarded body development. Additionally in the Farm A abortions were reported. Macroscopically the thyroid of the calves and fetus was enlarged, dark red with evident vascularization and cervical subcutaneous edema. In the Farm B the cow showed enlarged thyroid gland as well. Microscopically the calves and the fetus had hyperplastic and heterogeneous thyroid follicles with absence of colloid and vascularized interstitium. The histology of the cow's thyroid was similar to that of calves, however, it had a higher amount of colloid. In all outbreaks the mineral supplementation was performed by mixing non-iodized white salt with the mineral mixture. On the property A the white salt was non-iodized and mixed in equal parts with the mineral salt. At property B the salt was also mixed to a non-iodized white salt in ratio and 1:2, respectively. In the property C, mineral salt and non-iodized white salt were offered in separate troughs in the field, and according to the owner's report the animals prioritized the consumption of white salt. In all the monitored properties it was recommended to stop the addition of white salt in the mineral mixture and the administration of iodine to the affected calves. After these measurements no new cases were observed in the properties. Despite being a well-known disease, there are still few reported cases of goiter in cattle in Brazil. Moreover, little is known about the actual mineral deficiencies of each region, and that simple nutritional management guidelines are still needed.
Keys words: Lodine deficiency, thyroid hyperplasia, ruminant diseases.
4.1 Introdução
O bom funcionamento da tireoide com a produção normal de
triiodotironina (T3) e tiroxina (T4) é essencial para a reprodução e para o
desenvolvimento normal dos animais (Frankson; et al., 2011).
A produção desses hormônios tireoidianos necessita de duas
moléculas: a tirosina e o iodo. O iodo torna-se disponível somente após sua
ingestão através da alimentação e da conversão em iodeto no trato
gastrointestinal. Conforme são produzidos, os hormônios T3 e T4 são
34
armazenados como coloide nos ácinos formados pelas células foliculares. O
desequilíbrio na produção desses hormônios, pela ausência de iodo disponível
ou pela impossibilidade de sua utilização, gera uma hiperestimulação
tireoidiana por hormônio tireoestimulante (TSH) e consequente formação do
bócio (CUNNINGHAM; KLEIN 2008, EILER 2012).
Bócio é uma manifestação clínica que consiste no aumento de
volume da glândula tireoide sem o envolvimento de um processo neoplásico ou
inflamatório (CAPEN, 1993).
Essa hiperplasia, pelo baixo nível de iodo na circulação sanguínea,
pode ocorrer pela deficiência do mineral na alimentação, pela ingestão de
substâncias bocígenas presentes em plantas ou silagem à base de soja, pela
deficiência de selênio, que impossibilita a conversão de T4 em T3, ou por um
elevado nível de cálcio na dieta, o que diminui a absorção do iodo no intestino
(HEMKEN; et al., 1971, WICHTEL; et al., 1996, Riet-Correa, 2007, Tokarnia; et
al., 2010).
A deficiência de iodo em vacas gestantes pode ocasionar bócio
congênito, que se caracteriza pelo nascimento de bezerros com aumento de
volume da glândula tireoide. Os relatos desses casos já foram descritos
principalmente em bovinos, caprinos, ovinos e humanos (WITHER 1997,
PEZZUTI; et al., 2009, CAMPBELL; et al., 2012, Panziera; et al., 2014).
Os animais com bócio congênito podem apresentar um crescimento
deficiente, anorexia, mixedema, intolerância ao frio, pele espessa com áreas de
alopecia, hiperpigmentação e pelos quebradiços (RADOSTITS; et al.. 2002,
TOKARNIA; et al., 2010).
Em animais adultos, os efeitos dos baixos níveis de iodo na
alimentação são, na maioria das vezes, subclínicos. Quando há manifestação
de sinais, esses são relacionados sobretudo à reprodução, como diminuição da
libido em machos, abortamentos, partos distócicos, ou ainda associados à
queda na produção de leite (MOHAN REDDI; RAJAN 1986, THRIFT; et al.,
1999, KUMAR; et al., 2014, RANDHAWA; et al., 2014).
O excesso de iodo também é descrito como causa de bócio em
animais, pois interfere com a fusão dos lisossomos às gotículas de coloide
internalizadas pelas células foliculares, impedindo a síntese e secreção de T3 e
T4, e, dessa forma, estimulando a liberação de TSH pela pituitária (BLAXTER,
35
1948, FISH; SWANSON, 1982, LA PERLE, 2013, ONG; et al., 2014; ROSOL;
GRÖNER, 2016).
É sabido, por exemplo, que potros nascidos de éguas alimentadas
com algas marinhas, as quais contêm teores elevados de iodo, ou ainda que
animais criados em ambientes com alta disponibilidade do mineral podem
desenvolver bócio devido ao aumento dos níveis séricos de iodo (DURHAM
1995, PAULÍKOVÁ; et al., 2002, ROSOL; GRÖNER, 2016).
Para que haja manifestação clínica de bócio associado a excesso de
iodo, é necessário que sejam administradas doses diárias muito além daquelas
previstas para a espécie e categoria animal. Fetos e neonatos também são
considerados grupos de risco para a apresentação clínica do excesso de iodo,
pois esse mineral é concentrado tanto pela placenta como pela glândula
mamária (SEIMIYA; et al., 1991, DURHAM, 1995, ROSOL; GRÖNER, 2016).
Há ainda o bócio congênito de caráter hereditário, também
denominado bócio disormonogênico hereditário, no qual ocorrem mutações em
genes que codificam enzimas envolvidas com a síntese dos hormônios
tireoidianos. Os genes associados a essa condição parecem ser autossômicos
de expressão recessiva, havendo registros em bovinos da raça Afrikander,
ovinos Corriedale, Merino, Romney Marsh e Dorset Horn, além de caprinos
Saanen miniaturas (ROBBINS, 1966, DE VIJLDER; et al., 1980, VAISMAN
2004).
No Brasil, os relatos de bócio congênito por deficiência de iodo em
bovinos são escassos, havendo registros nos estados de Minas Gerais, Mato
Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás (Tokarnia; et al., 2000, Tokarnia; et al.
2010). A infrequência desses casos fica evidente ao serem analisados os
dados de estudos de defeitos congênitos na espécie bovina no Brasil. Em
levantamentos de registros de necropsia obtidos de diferentes laboratórios de
patologia na região sul do Brasil (Pavarini; et al., 2008, Marcolongo-Pereira
2010, Macedo; et al., 2011), um do semiárido nordestino (Dantas; et al., 2010)
e outro da região norte (Campos; et al., 2009) apenas um caso de bócio
congênito em feto bovino foi registrado (Macedo; et al., 2011). Assim sendo, o
objetivo desse trabalho é relatar três casos de bócio em bovinos no Estado do
Mato Grosso, Brasil, abordando os aspectos epidemiológicos, clínicos e
patológicos dessa enfermidade.
36
4.2 Material e métodos
Os dados epidemiológicos e clínicos foram obtidos em visitas às 3
propriedades onde os casos ocorreram, ou ainda através de informações
cedidas pelos proprietários ou veterinários responsáveis. Realizou-se
necropsia de três bezerros, sendo um de cada propriedade, e de uma vaca, da
segunda propriedade. Todos os bovinos submetidos a necropsia tiveram morte
natural e, durante o exame de necropsia, fragmentos de diversos órgãos das
cavidades abdominal e torácica, sistema nervoso central, pele e glândula
tireoide foram coletados, fixados em formol tamponado a 10%, processados
rotineiramente para histologia e corados pela técnica de hematoxilina e eosina
(HE).
4.3 Resultados
Epidemiologia e sinais clínicos
O primeiro caso ocorreu no período de janeiro a abril de 2015, em
uma propriedade rural do município de Nossa Senhora do Livramento
(15°46’30” S 56°20’44” O) na região Centro-Sul mato-grossense (propriedade
A). Neste estabelecimento havia 122 bovinos destinados à produção de leite e
corte, divididos em lotes de vacas solteiras e lactantes e representados pelas
raças Girolando (40), Holandês (10), Nelore (2), Jersey (5) e mestiços (47). Os
bovinos eram mantidos em piquetes formados, predominantemente, por
Brachiaria brizantha, com menores proporções de B. humidicola, Andropogon
gayanus e Panicum maximum cv. Massai. A água fornecida era proveniente de
poço e a suplementação mineral era realizada com partes iguais de sal branco
não iodado, misturado a sal mineral comercial. A mistura era fornecida em
cochos distribuídos em todos os piquetes da propriedade. A reprodução era
através de monta natural e os bezerros acometidos não eram filhos do mesmo
touro. O proprietário relatou que alguns dos bezerros acometidos eram filhos
de vacas que foram introduzidas na propriedade no início da prenhez. Segundo
registros da propriedade, a condição já era registada pelo segundo ano
37
consecutivo, sendo que entre os 80 bezerros nascidos na última temporada, de
ambos os sexos e diferentes raças, 20 vieram a óbito logo após o nascimento,
apresentando aumento de volume da região cervical ventral. Dos bezerros que
apresentaram os sinais clínicos ao nascimento, cerca de 30 se recuperaram
espontaneamente e 10 apresentaram regressão do volume cervical apenas
após tratamento com iodo parenteral. As manifestações clínicas observadas
nos bezerros compreendiam aumento de volume bilateral na região cervical
ventral, caudal ao ângulo das mandíbulas que, ocasionalmente, acarretava
dificuldade respiratória e óbito. Alguns dos bezerros, com auxílio de um
funcionário, conseguiam mamar e se mantiveram vivos, porém, permaneciam
magros e com o desenvolvimento retardado, quando comparados a outros não
acometidos. Além disso, parte dos bezerros possuía áreas de rarefação pilosa
(hipotricose) e mixedema, principalmente na face e região cervical. Alguns
animais apresentavam relutância em se movimentar, passavam boa parte do
tempo em decúbito esternal e respondiam pouco aos estímulos externos. Nos
animais adultos não foram observados aumento de volume da tireoide. Apesar
de não haver estimativas numéricas da ocorrência de abortamentos, segundo o
proprietário, esses foram observados principalmente no terço final da gestação,
com fetos apresentando hipotricose e aumento de volume na região laríngea.
Por ocasião do surto foi realizada a necropsia de um bezerro macho, de um dia
de vida e sem raça definida.
O segundo caso ocorreu em abril de 2016 em uma propriedade na
área rural da cidade de Várzea-Grande (15°38’49” S 56°07’58” O) (propriedade
B). No local eram criadas três vacas Girolanda e um touro Nelore mantidos em
piquetes com pastagem degradada e água à vontade. No período da seca,
entre maio e setembro, os bovinos recebiam casquinha de soja e cevada.
Durante o ano todo recebiam ainda suplementação mineral no cocho, que era
composta por duas partes de sal branco não iodado e uma parte de sal mineral
comercial. O manejo reprodutivo era através de monta natural. Em visita à
propriedade a produtora informou que uma das vacas, que estava no terço final
da gestação, havia apresentado prostração e anorexia no dia anterior. Na
manhã do dia seguinte foi encontrada em decúbito lateral, e no início da tarde
veio a óbito. A proprietária informou ainda, que no ano anterior, dois bezerros
recém-nascidos haviam morrido logo após o nascimento e que estes
38
apresentaram desenvolvimento retardado e letargia. A mesma não soube dizer
se os bezerros possuíam aumento de volume submandibular, no entanto, o
manejo nutricional era o mesmo. Nesta propriedade realizou-se a necropsia da
vaca Girolanda e seu feto em estágio final de desenvolvimento.
O terceiro caso foi registrado em uma propriedade no município de
Jaciara (15°57’54” S 54°58’04” O) (propriedade C). No local eram criados 96
bovinos das raças Nelore, Girolanda, Gir e mestiços. A reprodução era
realizada através de monta natural com um touro Girolando e inseminação
artificial. Os bovinos eram mantidos em pastagem de Brachiaria brizantha com
fornecimento de sal branco não iodado em cocho separado do sal mineral.
Segundo o proprietário, o consumo dos bovinos era de aproximadamente
quatro sacos de sal branco não iodado para cada um saco de sal mineral. Na
história clínica o responsável pelo animal relatou que o mesmo possuía
dificuldades para mamar e que apresentava um aumento de volume
submandibular. Um mês depois o produtor relatou que mais um bezerro
apresentou os mesmos sinais clínicos, porém com aumento de volume mais
discreto, e que em algumas semanas após a administração de suplementação
mineral, recuperou-se. Nesta propriedade apenas um bezerro da raça Gir, com
oito dias de idade, morreu e foi encaminhado para o exame de necropsia.
Achados macroscópicos
Macroscopicamente observou-se, nos bezerros das propriedades A
e C, bom estado corporal, acentuado aumento de volume na região cervical
ventral, imediatamente caudal ao ângulo das mandíbulas. Ao rebater a pele,
evidenciou-se que a glândula tireoide estava difusamente aumentada de
volume, de coloração vermelho-escura e com a vascularização evidente. O
bezerro da propriedade A apresentava ainda moderado edema subcutâneo na
região da cabeça, pescoço e barbela (mixedema).
A vaca da propriedade B apresentava estado corporal ruim e estava
prenhe. À necropsia da vaca contatou-se fígado difusamente amarelado, de
bordos arredondados e aspecto untuoso. A tireoide estava discretamente
aumentada de forma difusa e de coloração vermelha. Essa alteração era,
entretanto, imperceptível ao exame externo, sendo constatada somente após a
39
remoção da pele da região cervical. Ao examinar o feto desta vaca, observou-
se que este já estava a termo, entretanto ele apresentava áreas multifocais
extensas de alopecia e hipotricose de forma bilateral. Notou-se ainda que a
glândula tireoide estava acentuadamente aumentada e com caraterísticas
semelhantes às dos bezerros das outras propriedades.
Achados microscópicos
Na análise histológica dos dois bezerros e do feto submetidos a
necropsia, a principal alteração foi constatada na glândula tireoide, a qual
apresentava um aumento difuso no número de células foliculares (hiperplasia).
Os folículos eram destituídos de coloide, tortuosos, possuíam diferentes
tamanhos, com uma a três camadas de células foliculares e frequentemente
formavam projeções papilares. As células foliculares eram cuboidais a
colunares, com citoplasma marcadamente eosinofílico e núcleo hipercromático.
O tecido intersticial estava amplamente vascularizado. A tireoide da vaca
também possuía folículos heterogêneos e com moderada hiperplasia, com
características celulares semelhantes a dos bezerros, porém era notado
coloide no interior de ocasionais folículos.
Na pele do bezerro da propriedade A observou-se espessamento da
derme com afrouxamento das fibras de colágeno e discreta deposição de
material de aspecto mucinoso em matriz conjuntiva. A pele do feto apresentava
ocasionais folículos pilosos em fase telógena, predominantemente sem as
hastes pilosas. O infundíbulo folicular demonstrava moderado espessamento
que, por vezes, se afilava e formava um cordão extenso.
No fígado da vaca observou-se vacuolização hepatocelular
multifocal moderada, caracterizada pela formação de vacúolos claros, grandes
e bem definidos no interior do citoplasma dos hepatócitos, deslocando
frequentemente o núcleo para a periferia.
4.3 Discussão
Os casos de bócio em bovinos descritos nesse trabalho foram
diagnosticados com base nos achados clínico-patológicos, associados aos
40
dados epidemiológicos. Além disso, com o diagnóstico de bócio, os produtores
foram orientados a utilizar um suplemento mineral sem adição de sal branco.
Após a mudança de manejo, não se observaram novos casos em nenhuma das
propriedades, e os bezerros do primeiro caso apresentaram regressão da
hiperplasia tireoidiana, o que reforça a teoria da carência de iodo na patogenia
da enfermidade.
No Brasil o bócio é, na maior parte das vezes, derivado da
deficiência nutricional de iodo (Martins, 1946, Tokarnia; et al., 2000, Panziera;
et al., 2014). As doenças decorrentes das deficiências minerais em ruminantes
estão relacionadas com a área geográfica, com a qualidade das pastagens e
com a ausência de suplementação mineral. Entretanto, é possível constatar
que, mesmo antes da utilização do sal iodado nas misturas minerais, os casos
de bócio em bovinos eram considerados infrequentes, provavelmente devido
ao fato de que os bovinos necessitam de uma quantidade menor de iodo
quando comparados aos seres humanos, ou ainda porque adquirem o mineral
através de outras fontes, como a água e as pastagens (Tokarnia; et al., 2000,
Tokarnia et al. 2010).
Nas três propriedades acompanhadas constatou-se o uso de sal
mineral próprio para bovinos, com quantidades adequadas de iodo para a
espécie, no entanto, a administração do sal branco não iodado misturado ao
sal mineral, fez com que os níveis de iodo se diluíssem e se tornassem
insuficientes. Outros autores já alertavam sobre o risco da indução de bócio,
em decorrência da utilização de sal grosso não iodado como base para
incorporação da mistura mineral (Peixoto; et al., 2003). Além disso, é
importante ressaltar que o cloreto de sódio pode agir tanto como estimulante da
ingestão da suplementação mineral, quanto como limitador de seu consumo
quando em excesso (Peixoto; et al., 2005). Sendo assim, , conclui-se que o
aumento do nível de cloreto de sódio na alimentação oferecida aos bovinos
desse relato pode ter influenciado negativamente a ingestão de iodo.
Somado ao manejo nutricional inadequado, com adição de cloreto
de sódio à mistura mineral, há ainda indícios de que a carência de iodo seja um
problema inerente ao solo do Estado de Mato Grosso (Tokarnia; et al., 2010).
Como regra geral, é sabido que a dispersão do iodo para o solo ocorre
principalmente através da volatilização do mineral presente no mar até a
41
atmosfera e, portanto, quanto mais distante a área estiver do mar, menor a
quantidade de iodo no solo (Fuge, 2012). O Estado de Mato Grosso, localizado
no centro da América do Sul, representa o ponto mais distante dos oceanos de
todo o continente, o que poderia contribuir para a deficiência de iodo em seu
solo.
Fêmeas em terço final de gestação e de raças leiteiras necessitam
de um maior equilíbrio metabólico para a transição do período do parto até a
preparação da glândula mamária para a produção de leite. A glândula tireoide
desempenha papel importante nessa fase, pois ao secretar tiroxina (T4),
estimula o metabolismo energético do animal. Quando há deficiência de iodo e
consequente queda nos níveis séricos de T4, as vacas passam a mobilizar
gordura para produção de energia (Djokovic; et al., 2014, Fiore et al. 2015). A
vaca da segunda propriedade passava por esse período de transição, com um
feto a termo e em déficit energético. O papel dos hormônios tireoidianos no
metabolismo energético apontam a deficiência de iodo como causa mais
provável do bócio, bem como da lipidose hepática constatados nessa vaca.
Segundo autores pesquisadoses, cetose pode ser desencadeada por
hipotireoidismo em vacas, e a suplementação com iodo pode diminuir a
incidência desse distúrbio metabólico na espécie (HEMKEN 1970,
ANDRIGUETTO et. al., 2002).
É necessário reforçar que o acometimento de adultos por bócio é
raro e, quando há deficiência de iodo no rebanho, as manifestações
normalmente se restringem a perturbações de fertilidade ou são subclínicas
(Tokarnia; et al., 2010, Randhawa; et al., 2014). Entretanto, em fetos a termo a
condição é de especial importância, pois no terço final da gestação, o
requerimento de iodo fetal é superior ao do bovino adulto e este deve ser
obtido a partir do plasma materno (Hemkem, 1970).
Apesar de não mensuradas estatisticamente, a queixa de perdas
reprodutivas do produtor da primeira propriedade é condizente com a
deficiência de iodo. Tanto em machos quanto em fêmeas as alterações no
sistema reprodutor podem levar à infertilidade e ou abortamentos devido a
participação direta de T3 e T4 no funcionamento das gônadas. Nas fêmeas,
essas enzimas estimulam a esteroidogênese ovariana para que haja a
liberação dos hormônios necessários à ovulação e posterior manutenção da
42
prenhez (Thrift; et al., 1999a, Thrift; et al., 1999b, Spicer; et al., 2001). Nos
machos o hipotireoidismo está associado à diminuição do volume,
concentração e motilidade espermática, já que os níveis séricos de T4
determinam a atividade das células de Sertoli (REDDI; RAJAN 1986,
OLUTOBI; et al., 2013).
Alguns minerais são capazes de interferir no funcionamento normal
da tireoide, a exemplo do cálcio, que quando apresenta níveis séricos
elevados, pode diminuir a absorção de iodo no intestino e favorecer o
desenvolvimento de bócio (Hellwig, 1940, Taylor, 1954). De maneira inversa, a
deficiência de selênio propicia a ocorrência de bócio, pois está estreitamente
relacionado com a formação de enzimas que convertem T4 em T3 (Levander;
Whanger, 1996). O nitrato, encontrado na água, forragens e solo,
principalmente em áreas com fertilização constante do solo, também pode
participar da patogênese do bócio. Apesar do mecanismo ainda não ser
precisamente esclarecido, sabe-se que quando em excesso, o nitrato compete
com o iodo e o impede de entrar na glândula tireoide (Eskiocak; et al., 2005).
Acredita-se que, nos casos de bócio aqui relatados, não houve envolvimento e
interferência de nenhum desses minerais, já que após a suplementação de
iodo nas três propriedades não foram registrados novos casos.
Plantas que contêm glicosídeos cianogênicos, como as do gênero
Manihot, podem induzir bócio pela formação hepática de tiocianeto, que
impede a absorção de iodo pela tireoide. Entretanto, a maioria das intoxicações
por plantas que contêm ácido cianídrico são agudas e letais, enquanto que o
desenvolvimento de bócio só ocorre quando há ingestão de doses baixas por
um longo tempo (Amorim; et al., 2005, Tokarnia; et al., 2012). Outras plantas
com ação bocígena são as crucíferas (couve, repolho, brócolis) e a soja, que
impedem a formação de tiroxina (Ikeda; et al., 2000, Tokarnia; et al., 2010). Na
segunda propriedade a produtora relatou oferecer casquinha de soja para os
animais durante a seca, porém, no período em que a visita foi realizada, a vaca
só se alimentava a pasto e da mistura de sal mineral com sal branco não
iodado. Nas demais propriedades, os bovinos não eram alimentados com
nenhuma planta bocígena.
A possibilidade de o bócio congênito ser oriundo de defeitos
genéticos foi descartada, visto que as propriedades dos casos 1 e 3 faziam
43
manejo reprodutivo com diferentes touros e mesmo na propriedade 2, apesar
da existência de um único reprodutor até esta data, não se registrou
reincidência dessa condição após a troca da suplementação mineral.
Embora casos de bócio congênito por carência de iodo sejam
responsivos à suplementação desse mineral, casos relacionados com outras
etiologias, como a competição de certos minerais pela absorção entérica de
iodo, os defeitos genéticos na função tireoidiana ou a ingestão de substâncias
bociogênicas, a terapia mais indicada é a administração parenteral de tiroxina
(T4) (SINGH; BEIGH, 2013, KASHYAP; et al., 2015).
Os sinais clínicos e os achados macroscópicos encontrados nos
casos apresentados são semelhantes aos observados em outras descrições de
bócio por deficiência de iodo em bovinos (Wither, 1997, Tokarnia; et al., 2000)
bem como em caprinos (Martins, 1946, Panziera; et al., 2014), ovinos
(Campbell; et al., 2012) e seres humanos (Pezzuti; et al., 2009). Em bezerros, o
aumento bilateral difuso da tireoide é considerado o principal indicador do
hipotireoidismo congênito (Stukowsky; et al., 1961, Wither, 1997). O aumento
de volume das tireoides é apontado como a causa da maioria dos óbitos dos
bezerros neonatos da primeira e terceira propriedades, decorrente da
dificuldade em realizar a mamada e, consequente, debilidade geral,
semelhante ao que foi constatado em outros relatos (Sinclair; Andrews, 1954,
Seimiya; et al., 1991).
As características histológicas descritas em todos os bezerros são
compatíveis com bócio hiperplásico difuso. As células foliculares são mais
numerosas e os ácinos formados, na maioria das vezes não apresentam
coloide. A ausência de coloide é marcante, já que as células foliculares
estimuladas continuamente pelo TSH, tornam-se colunares para exercer maior
captação de coloide por endocitose (Capen, 1993, Jones; et al., 2000, La Perle,
2013). A pele, por sua vez, apresentou à histologia, folículos em fase telógena
sem hastes pilosas ou ainda folículos displásicos. Essas características são
consideradas indicativas de um distúrbio folicular de origem endócrina (Gross;
et al., 2009).
Na fêmea adulta da segunda propriedade, a análise histológica da
tireoide evidenciou hiperplasia das células foliculares com quantidade variada
de coloide. Em jovens, quando essa característica é observada, remete a uma
44
fase de regressão do bócio hiperplásico após suplementação de iodo. Em
adultos o bócio se manifesta de forma menos evidente, pois com o aumento da
idade há uma diminuição na demanda por hormônios tireoidianos (La Perle,
2013) o que justifica o aumento bilateral difuso da tireoide da vaca não
apresentar a mesma intensidade que no feto.
Casos de bócio congênito como os descritos, evidenciam que
apesar do aumento da utilização de misturas minerais, orientações simples de
manejo nutricional ainda se fazem necessárias. Sendo assim, torna-se evidente
que a assistência de profissionais capacitados no campo é uma das premissas
para a prevenção de doenças carenciais nos rebanhos brasileiros.
4.4 Conclusões
O diagnóstico de bócio por deficiência de iodo em bovinos foi
estabelecido com base nos aspectos epidemiológicos, clínico-patológicos e
resposta à suplementação de iodo. Conclui-se que o bócio afeta principalmente
fêmeas prenhes, sendo responsável por perdas econômicas associadas a
abortamentos e nascimento de animais fracos e subdesenvolvidos.
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LEGENDAS DE FIGURAS
Figura 1. Bócio congênito em bezerros no Estado de Mato Grosso. Caso 1. (A)
Aumento de volume na região cervical ventral. (B) Tireoide difusamente aumentada
e tecido subcutâneo da região cervical de aspecto gelatinoso.
Figura 2. Bócio congênito em bezerros no Estado de Mato Grosso. Caso 2. (A) Vaca
em terço final de gestação com fígado difusamente amarelado e aspecto untuoso.
(B) Tireoide da vaca, discretamente aumentada. (C) Feto com áreas de alopecia e
aumento acentuado de volume na região cervical ventral. (D) Feto com a tireoide
acentuadamente aumentada e avermelhada de forma difusa.
Figura 3. Bócio congênito em bezerros no Estado de Mato Grosso. Caso 3 (A)
aumento de volume acentuado na região cervical ventral. (B) tireoide, aumento de
volume bilateral simétrico e coloração difusamente avermelhada.
Figura 4. Bócio congênito em bezerros no Estado de Mato Grosso. (A) Tireoide, feto
do caso 2, folículos heterogêneos, destituídos de colóide e interstício amplamente
vascularizado (bócio hiperplásico difuso). Coloração de hematoxilina e eosina. Obj
4x. (B) Tireoide, vaca do caso 2, bócio hiperplásico difuso. Coloração de
hematoxilina e eosina. Obj 4x.