TITUS BURCKHART Principios e métodos da Arte Sagrada

download TITUS BURCKHART Principios e métodos da Arte Sagrada

of 70

Transcript of TITUS BURCKHART Principios e métodos da Arte Sagrada

TITUS BURCKHART

Princpios e mtodos da Arte Sagrada

Ttulo da obra original: "Principes e metodes de lart sacr" Copyright 1976 por Dervy-Livres, Paris.Traduo de Carlos Takaoka. Todos os direitos reservados. Este livro no pode reproduzir-se, total ou parcialmente, por nenhum mtodo grfico, eletrnico ou mecnico , incluindo os sistemas de fotocpia, registro magnetofnico, ou de alimentao de dados, sem o expresso consentimento do editor. Fica estabelecido o depsito que estabelece a lei. N ____ 2004 Editora , endereo Repblica Federativa do Brasil ISBN ISBN IMPRESSO NO BRASIL Distribuidor

NDICE Prefcio ......................................................................... Introduo ...................................................................... Gnesis do templo hindu ............................................... Fundamentos da arte crist ............................................. "Eu sou a porta" - Consideraes sobre a iconografia do frontispcio da igreja romnica ........................................ Fundamentos da arte muulmana ..................................... A imagem do Buda ............................................................ A paisagem na arte do Extremo Oriente............................. Decadncia e renovao da arte crist............................... Notas ..................................................................................

PREFCIO

Quarenta anos se decorreram depois da apario do tratado de Titus Burckhardt sobre a Arte sacra, surgido em alemo sob o ttulo Von Wesen heiliger Kunst in den Weltreligionen e em francs sob sua forma atual, ambas as verses tendo sido escritas pelo mesmo autor. Desde ento, a obra se tornou um clssico nas duas verses de origem - em alemo e francs- mais que em outras lnguas europias, como em ingls, para a qual foi traduzida, assim como em muitas lnguas orientais, entre as quais o persa. Pode-se sem exagero dizer que se trata do estudo mais importante que jamais f tinha sido realizado em um s volume sobre o tema da arte sacra do Oriente e do Ocidente, retratado segundo a perspectiva tradicional. Antes de Burckhardt, A.K. Coomaraswamy escreveu numerosos e luminosas obras sobre a arte tradicional, hindu e budistas , e Frithjof Schuon tinha exposto de maneira penetrante os princpios e significao da arte tradicional. No entanto, Brukckhardt foi o primeiros a apresentar uma nica obra o corao e a essncia das grandes formas tradicionais da arte sacra do Oriente e do Ocidente. Assim fazendo, ele produziu todo conjunto de uma sntese e uma fonte fecundada, qual muitos estudantes da arte sacra vieram e vem ainda impulsionar o conhecimento e inspirao. De fato, todos o todas as grandes obras que Burckhardt publicou a seguir ou onde ele trata de da arte tradicional, seja o Cidade de Fs du Islam, do L`Art du lIslam - langage et signification ou de Diee Maurische Kultur in Spanien -trs livros consagrados civilizao islmica -, onde se trata de estudos fundamentais sobre a arte crist que se descobre em Siena e Chartes, todas as obras tomando o desenvolvimento das idias cujos princpios se encontram explicitados, nos diferentes captulos condensados, profundos e cada vez mais claros da presente obra. Do mesmo modo, os ensaios sobre a arte reunidos nos Sumrios sobre o conhecimento sacro, no Smbolo no Espelho do intelecto so, eles tambm , como qualidades o prprio os prolongamento e da aplicao dos princpios e idias j presentes no Princpios e mtodos da arte sacra. Assim esta obra ocupa um lugar central na obra de Burckhardt ao mesmo tempo que ele representa a contribuio excepcional que este autor trouxe ao estudo da arte tradicional e sacra. Em seu estudo da arte sacra, Burckhardt tem vasta experincia de diversas formas de arte e um conhecimento extenso dos autores que escreveram sobe a arte em numerosas lnguas, mais aliada a uma compreenso metafsica da natureza e uma inteligncia fora do comum, por vezes metafsica e visual. Ele sabia discernir, para alm e por traz das formas tradicional e sacra, a os arqutipos informais que elas refletem. Ainda no se trata de um discernimento de carter simplesmente mental mas tambm visual e "real" seu estado espiritual de realizao e de viso metafsica permitia a Burckhardt de perceber a transparncia das formas no mundo da natureza como na arte. Par ele, o mundo das formas no constitua um vu, um hijab segundo o termo utilizado pelos Sufis que ele conhecia bem e aos quais ele consagrou inmeros estudos, mas este mundo era uma theofania, uma manifestao do real sem forma. O saber tradicional que transparece nesta obra, como de resto em toda a obra de Burckhardt no evidentemente sem narrativa com os ensinamentos concerne tradio que figuram nas obras de Gunon, Coomaraswamy e mais particularmente de Schuon com quem Burckhardt tinha estreitas relaes. Alm disso, esta sabedoria era o fruto da dedicao e de uma clarividncia intelectual e de uma realizao pessoal aliadas a um tipo particular de gnio metafsico e artstico, qualidades graas as quais o autor pode no somente penetrar nos escritos esotricos de um In Arai e de um al-Jil com os quais ele adquire uma familiaridade desde os primeiros anos do estudo de rabe, mas tambm "falar" e "compreender" de maneiras espontnea as formas de arte sados das tradies afastadas, como o taosmo e o budismo, com as quais ele mesmo estava em contato. A mensagem dos Princpios e mtodos da arte sacra atemporal, o que explica porque a obra nada perdeu do frescor e da atualidade que eram suas desde o momento em que foram escritas. mesmo surpreendente este fato de que no se trata de um manual de histria da arte que poderia ser ultrapassada por novas descobertas e pesquisas histricas. Trata-se mais que uma exposio metafsica concernentes ao sentido das formas de uma arte que , porque sagrada, em sua raiz eterna, o sagrado no sendo jamais a manifestao do Eterno no temporal ou do Centro em toda roda da existncia. Porque ele possui uma qualidade que se situa fora do tempo, esta obra fala queles sabem escutar de uma maneira tambm eloqente e lhe transmite um ensinamento atual desde a sua apario. A exemplo de toda obra autenticamente tradicional, a de Titus Burckhardt fruto de uma viso sobre o

Imutvel e o Eterno, no murcha com a passagem dos anos. A presente obra a prova, ele que combina harmoniosamente beleza visual, literria e intelectual. Ele reside em outro dos elementos mais preciosos da herana de um autor que foi um dos mais eminentes intrpretes das doutrinas tradicionais no curso deste sculo, e com Coomaraswamy, pode ser considerado como a mais alta autoridade em matria da arte tradicional e sacra. Quem quer se interesse no mundo do Esprito e suas manifestaes das formas da arte sacra no pode deixar de estar reconhecido a Titus Burckhardt de haver consignado nesta obra prima o resultado do que foi o centro de suas preocupaes intelectuais e artsticas, que se rejubilar tambm de ver esta obra reaparecer no grande dia. Possa ele continuar a esclarecer, como ele fez no curso de dezenas de h anos passados, o caminho daqueles que procuram compreender o sentido do sacro, da arte sacra e da vida. Seyyed Hossein Nasr Bethesda, Maryland (U.S.A) Julho 1995

INTRODUO Os historiadores da arte que aplicam a denominao de "arte sagrada" a qualquer obra artstica de carter religioso esquecem que a arte essencialmente forma. Para que a arte seja chamada de sagrada, no s seus tema devem derivar de uma verdade espiritual, como tambm sua linguagem formal deve expressar a mesma origem. Esse no o caso da arte religiosa do Renascimento e do barroco que no se distinguem em nada, do ponto de vista estilstico, da arte profundamente profana de dessa poca. Nem os temas que essa arte toma de maneira superficial e literria - da religio nem os sentimentos devocionais dos quais se impregna quando necessrio, nem a nobreza de alma que ali se manifesta s vezes, so suficiente para conferir-lhe um carter sagrado. Somente uma arte na qual as formas mesmas reflitam a viso espiritual prpria de uma religio merece esse nome. Toda forma transmite uma qualidade do ser. O tema religioso de uma obra pode dar-se de certo modo por analogia, inclusive sem relao com a linguagem formal da obra como o prova a arte crist desde o Renascimento. Existem obras de arte essencialmente profanas de tema religioso, mas no h, entretanto obras sagradas com formas profanas, j que existe uma analogia rigorosa entre a forma e o esprito. Uma viso espiritual se expressa necessariamente mediante certa linguagem formal ; se esta linguagem falta. A arte supostamente sagrada extrai sua forma de qualquer arte profana, no existe uma viso espiritual da realidade. intil pretender explicar o estilo polimrfico de uma arte religiosa, seu carter indefinido ou vago, alegando a universalidade do dogma ou a li8berdade do esprito. Certamente a espiritualidade em si mesma, independente da forma , mas isso no significa que se expresse e transmita mediante qualquer forma. Devido a sua essncia qualitativa a ordem anloga na ordem sensvel, verdade na ordem intelectual o expresso pela noo grega de "eidos". Assim como um dogma ou uma doutrina podem manifesta de maneira adequada, ainda que sempre limitada - uma Verdade divina, tambm uma forma sensvel pode expressar uma verdade ou uma realidade que transcenda por sua vez o plano das formas sensveis o do pensamento. A arte sagrada se funda, ento em uma cincia das formas, melhor dizendo, no simbolismo inerente s formas, reforcemos aqui que um smbolo no simplesmente um signo convencional: Ele manifesta seu arqutipo, em virtual de uma lei ontolgica. Como o assinala Coolmaraswany, o ser smbolo , em de certo mundo, o que expressa. Por esta razo, o simbolismo tradicional jamais s est desprovido de beleza. J segundo a viso espiritual do mundo, a beleza de algo a transparncia de seus invlucros existenciais; a arte autntica bela porque verdadeira. No possvel, nem necessrio, que o artista ou arteso que exerce a arte sagrada estar consciente da lei divina inerente s formas : conhecer certos aspectos ou aplicaes limitadas pelas regras de seu ofcio, que lhe permitir pintar um cone, modelar um vaso sagrado ou caligrafar de maneira liturgicamente vlida sem que seja peremptrio conhecer a fundo os smbolos que maneja. A tradio, ao transmitir os modelos sagrados e as regras de trabalho garante a validez espiritual das formas. Tem uma fora secreta que comunica a toda civilizao e que caracteriza tambm a arte e ofcios cujo objetivo imediato no particularmente sagrado. Esta fora cria o estilo da civilizao tradicional e este estilo, impossvel de imitar de fora, se perpetua de maneira quase orgnica somente pela pujana nica do esprito que o anima. O conceito da arte submetida a regras objetivas e impessoais alvo de um dos preconceitos mais tenazes do mundo moderno. Se teme que sufoque o gnio criador. Em realidade, no existe a "obra tradicional" surgida de princpios imutveis e que no expresse a alegria criadora da alma. Por sua vez, o individualismo moderno produziu. com a exceo de algumas obras geniais mas espiritualmente esteireis. A fealdade indefinida e desesperante das formas que povoam hoje nossa vida cotidiana Uma das condies fundamentais para a felicidade saber que tudo quanto fazemos tem um sentido eterno; mas a quem capaz de conceber hoje em dia uma civilizao cujas manifestaes vitais se desenvolvem " imagem do cu" ?Em uma sociedade teocntrica, at a ato de vontade mais humilde participa da beno celeste. Permita-nos recordar aqui as palavras de um cantor de rua do Marrocos a quem lhe perguntamos o por que a pequena guitarra rabe que usava para salmodiar lendas tinha apenas duas cordas : "Agregar uma terceira corda dar o primeiro passo para a heresia. Quando Deus criou a alma de Ado, esta no queria entrar no corpo e revoava como um pssaro em torno da jaula; Deus ento mandou os anjos tocarem uma msica com as duas cordas chamadas `macho e `fmea. A alma, acreditando que a melodia residia no instrumento, o corpo, entrou ali e ficou presa. Por isso s se necessitam duas codas, que continuam sendo chamadas de macho e fmea para liberar a alma do corpo.1- "Ignoras tu, Asclpio, que Egito a imagem do ciclo e que s a projeo nesse mundo de todo o ordenamento das coisas celestiais"? (HermesTrimegisto, segundo a traduo francesa de L. Menard), (H verso em castelhano. Hermes Trimegisto, Trs ,tratados, Aguilar, Biblioteca de Iniciacin Filosfica, Bs.As.)

Esta lenda faz mais sentido do que aparenta ter, pois resume a doutrina tradicional da arte sagrada: sua finalidade no evocar sentimentos ou transmitir emoes; um smbolo que utiliza elementos simples e primordiais, uma pura aluso , cujo objeto real inefvel. de origem anglica porque seus modelos refletem realidades supraformais. Ao recapitular em parbolas a criao "arte divina"- a arte sagrada demonstra a natureza simblica do mundo e desvincula o esprito humana dos feitos toscos e efmeros. A origem anglica da arte est explicitamente formulada pela tradio hindu . Segundo o Aytareya Brahmana toda obra de arte na terra est a imitao da arte dos devas. "assim,, seja um elefante de terracota, um objeto em bronze, uma roupagem, um objeto de ouro ou um carro de mulas..." . Os devas correspondem aos anjos. As lendas crists que atribuem uma origem anglica a certas imagens milagrosas encerram a mesma idia. Os devas so em definitivo funes particulares do Esprito universal, vontades permanentes de Deus . ademais, segundo a doutrina comum, as civilizaes tradicionais, a arte sagrada deve imitar a arte divina. Notemos que esta imitao no significa em absoluto copiar a criao divina j concluda, o mundo tal corpo o vemos, pois seria uma v pretenso. O "naturalismo" em sentido estrito est excludo da arte sagrada; o que se deve imitar o modo de operar do esprito divino; necessrio trasladar suas leis ao domnio limitado do trabalho humano, isto , ao artesanato Em nenhuma doutrina tradicional a idia da arte divina joga um papel to importante como na hindu. Pois Maya no somente e o misterioso poder divino que faz com que o mundo parea existir fora da realidade divina, de tal modo que Maya provm a dualidade e a iluso. Bom , em seu essencial, aspecto positivo, a arte divina aquilo que produz a forma. Em princpio, no mais que possibilidade do Infinito de definir-se a si esmo, como objeto de Sua prpria viso, sem que sua infinitude resulte limitada. Assim, simultaneamente, Deus se manifesta no mundo e no se manifesta. se expressa e permanece em silncio. Do mesmo modo que o absoluto objetiva, em virtude de Sua Maya, certos aspectos de Si mesmo, ou possibilidade contidas Nele, determinando-as por uma viso distintiva, assim o artista concretiza em sua obra certos aspectos de si mesmo, os pior, por assim dizer, fora de seu ser indiferenciado. Na medida em que esta objetivao revela o transtorno de seu ser assume um carter puramente simblico. Por sua vez o artista se torna cada vez mais consciente do abismo que separa esta forma, reflexo de sua essncia do que esta em sua plenitude intemporal. O criador sabe: essa forma sou eu mesmo; sem embargo. Sou infinitamente mais que ela, pois nenhum forma se apodera da Essncia . Este testemunho que o cognocente puro." Sabe tambm que Deus quem se manifesta atravs de sua obra, de maneira que esta, por sua vez, sobrepassa o ego frgil e falvel do homem. Tal a analogia entre a arte divina e a arte humana: a realizao dedicao a si mesmo por objetivao. Para que esta tenha um alcance espiritual, para que no seja somente uma vaga introverso, necessrio que os meios de expresso provenham de uma viso essencial, dito de outro modo, no "eu" cheio de iluso e ignorncia de si mesmo quem ele elege arbitrariamente os meios, estes se tomam da tradio, da revelao formal e "objetiva" do ser supremo, que o "Ser intrnseco" de todos os seres." Tambm desde o ponto de vista cristo, Deus "artista" no sentido mais elevado do termo, porque criou homem "a Sua imagem" (Gnesis, I,27)Mas como a imagem no apenas semelhante em todo o seu modelo, mas tambm arrastar uma dissimilitude quase absoluta, termina por corromper-se . A queda de Ado turva o reflexo divino no homem , empana o espelho; sem embargo, este reflexo no se perde por completo, pois se a criatura est submetida a seus limites no ocorre o mesmo com a Plenitude divina. Os limites humanos no se opem , pois, em definitivo Plenitude divina. Os limites, manifestada como amor ilimitado 4e cuja mnima ilimitude deseja que Deus ""pronunciando-se" como Verbo eterno "descenda" ao mundo e adote o contorno perecvel da imagem- a natureza humana a fim de restabelecer a beleza original. Para o Cristianismo a imagem divina por excelncia a forma humana de cristo; e, consequentemente a arte crist tem um s objeto: a transfigurao do homem e do mundo que depende do homem , por sua participao em Cristo O que a viso crist das coisas extrai mediante a concentrao amorosa no verbo encarnado em Jesus cristo , a viso islmica o traslada ao universal e ao impessoal, para o , a arte divina segundo o Coro , Deus "artista" (mukawir) antes de tudo, a manifestao da Unidade divina na beleza e a regularidade do cosmos. A Unidade se reflete na harmonia do mltiplo, na ordem e no equilbrio da a beleza leva em si mesma todos esses so aspectos. A sabedoria radica em inferir da Unidade, a beleza do mundo. A finalidade da arte como o homem o modela, dessa ordem que manifestao direta da Unidade divina. A arte clarifica o mundo, ajuda

o esprito a separar-se da quantidade desordenada de coisas a fim de remontar-se em direo Unidade infinita. Segundo a viso taosta da realidade, a arte divina essencialmente a arte das transformaes : a natureza se transforma sem cessar obedecendo a lei do ciclo; seus contrastes evoluem em torno de um centro nico, inapreensvel.. Sem embargo, que quem compreende o movimento circular reconhece o centro, que sua essncia. Segundo a frmula mais simples, a perfeio artstica consiste na capacidade de tratar com um trao nico um circulo perfeito. identificar-se, implicitamente com seu centro , mantido tcito. Na medida em que possvel trasladar a noo de "arte divina" no Budismo que evita a personificao do Absoluto - a idia da arte divina" se aplica beleza milagrosa e mentalmente inesgotvel do Buda. Assim, quando nenhuma doutrina sobre Deus escape , em sua formulao, ao carter ilusrio da mente, que atribui seus limites ao ilimitado e suas formas conjeturais ao informal, a beleza da do Buda irradia um estado do ser que nenhum pensamento capaz de limitar. Esta beleza se resume na do loto. Se perpetua de maneira ritual na imagem pintada e esculpida do Bem-aventurado. Esses fundamentos da arte sagrada se encontram, em propores diversas, em cada uma das cinco grandes tradies as quais nos temos referido. Todas possuem essencialmente a plenitude da Verdade e Graas divinas. De modo que, em princpio, estas tradies so capazes de produzir todas as formas de espiritualidade possveis, Sem embargo, como cada religio se rege por uma perspectiva que determina sua "economia" espiritual, as manifestaes artsticas - por natureza coletivas e no isoladas - refletem em seu estilo esta perspectiva e no sua economia. Por outra parte, est implcito na natureza e da forma expressar tudo com um cerro exclusivismo, j que suas qualidades delimita aquilo que expressa e exclui por isso mesmo, certos aspectos do prprio arqutipo universal Esta lei se aplica naturalmente a todo tipo de manifestao formal,, no unicamente a arte: as diferentes revelaes divinas que esto na base das diversas religies se excluem mutuamente, se apenas se examinam seus perfis formais e no sua Essncia divina, que nica. Ali todavia aparece a analogia entre "arte divina" e arte humana. Ns nos limitaremos nas consideraes seguintes arte das cinco grandes tradies mencionadas., o Hindusmo, o Cristianismo, o Islo, o Budismo e o Taosmo, pois as leis artsticas que lhes so prprias no se deduzem unicamente de obras existentes, mas que tambm so confirmadas por escritos cannicos e pelo exemplo de seus mestres. Uma vez traado por este esquadro nos concentraremos em algumas manifestaes tpicas, j que a matria inesgotvel. Falaremos, em primeiro lugar, da arte hindu, cujos mtodos possuem uma grande continuidade no tempo a partir deste exemplo se vincularo as artes das civilizaes medievais e as civilizaes muito mais antigas. A arte crist o consideramos maior lugar, dada sua importncia para o leitor europeu. Mas no esgotaremos a descrio de todas as suas modalidades. A arte muulmana ocupar o terceiro lugar, pois existem em mais de um aspecto de polaridade a com a arte crist Com respeito arte do Extremo Oriente, budistas e taostas, nos limitaremos em definir alguns aspectos caractersticos e que o diferenciam notadamente das artes analisadas antes, a fim de indicar medianamente algumas alguns pontos de comparao grande variedade de expresses tradicionais. Se compreender que a arte sagrada sempre depende, de certo modo, da metafsica. Pois bem, esta em si mesma imitada. A imitao de seu objeto e qualidades infinito. De modo que no nos ser possvel estabelecer todas as relaes que unem as diferentes doutrinas sagradas. Pois ento convm referirmo-nos aqui a outros livros que constituem as premissas deste, livros que expem a essncia das tradies do Oriente e do Ocidente meridional em uma linguagem aceitvel acessvel ao leitor moderno europeu. Mencionaremos a obra de Ren Guenon (2)a de Frithjof Schuon(3), de Amanda Comaraswami (4).Com respeito arte sagrada (3) Introduction general a letude des Doctrines hindoues. EditionsVgas, Paris,3. Ed., 1939,.(H verso em espanhol: de algumas tradies em particular, citaremos o livro de Stella Kramrisch sobre o templo hindu .(5) Os Em seu momento, a medida que o julguemos til, mencionaremos outros livros e fontes tradicionaisIntroduction general al estudio de las doctrinas hindues, Losada, Buenos Aires.). Lhomme et son devenir selon le Vedanta, tudes tradicionelles, Paris , 4,ed., 1952 ;Le Simbolisme de la Croix Editions Vega, Paris 4 ed. 1952 Le Regne de la Quantit e le Signe du Temps Gallimard, Paris 4 ed.1950. La Grande Triade , Gallimard, Paris 2 ed. 1957.] (3) De lUnit transcendente des Religions Gallimard, Paris 1948 (H verso em espanhol : De la Unidad Transcendente de las religiones , Ed. Heliodoro, Madrid) LOiel du Couer Gallimard, Paris 1950. Perspective Esprituelles e Faits Humains Cahiers du Sud , Paris 1953.Castes e Races Derain, Lyon, 1957. (4) The Tramsfiguration of Nature in Arte Harvard University Press, Casmbridge, Mass.1934 Elements of Budhist Iconografy, Harvard University Press, Casmbridge, Mass. 1935. Hindouime et Boudisme Gallimard, Paris 1949. (5) The Hinduu Temple, University of Calcuttta, Calcut, 1946.

estudos de Daisetzu Teitaro Suzuki sbre o Budismo Zen e a obra de Eugenio Herrigel (Bundaku Haku hi ) sobre a arte cavalheiresca da arqueria no Zen (6)

.

(6) Le Zen dans lArt chevaleresque du Tir a Arcert Ervy Livres, Lion, pior ( H verso espanbola da editora Kier de Buenos Aires, e portuguesa da Editora do Pensamento. So Paulo.)

GNESIS DO TEMPLO HUNDU IPara os povos sedentrios , a arte sagrada por excelncia a construo de um santurio,, onde o esprito divino, invisivelmente presente no universo, "habite" de uma maneira direta e "pessoa "(7) O santurio se situa sempre - no sentido espiritual- no centro do mundo e esse fato o toma um autntico sacratum : ali o homem se subtrai a si do tempo e discurso indeterminado j que Deus se apresenta a ele "aqui" e "agora" Esta circunstncia se apresenta manifesta fora do templo: ao indicar as direes cardeais, esta forma ordena o espao com referncia a seus centro. Esta forma uma si sntese do mundo. O que o universo se encontra em incessante movimento, a arquitetura sagrada o fixa na forma permanente. No cosmos, o tempo domina o espao: na construo de um templo, pelo contrrio, o tempo transmudado no espao: os grandes ritos do cosmos visvel simbolizam os principais aspectos da existncia; desunidos e dispersos pelo devir, se renem e fixam na geometria do edifcio e deste modo e o templo representa, por sua forma regular e inamovvel, o mundo concludo, seu aspecto intemporal ou seu estado final, donde todas as coisas repousam no equilbrio que precede a sua reintegrao unidade indivisvel do Ser, Ademais, na medida em que o santurio prefigura esta transfigurao final do mundo - transfigurao que o cristianismo simboliza na "Jerusalm celeste " - se preenche da Paz divina (shekina em hebreu, shanti em snscrito) Do mesmo modo, a Paz divina descende a aquela alma, cujas modalidades ou contedos - anlogos aos do mundo descansam em um equilbrio simples e rico, comparvel, por sua unidade qualitativa, forma regular do santurio. A edificao do santurio ou da alma a introduz tambm um aspecto de sacrifcio: assim como as potncias da alma devem afastar-se do mundo a fim de constituir o receptculo da "Graa" , tambm os materiais com os quais se constitui o templo se subtraem do uso profano e se oferecem Divindade. Este sacrifcio deve compensar o "sacrifcio divino" que est na origem do mundo. Po8i v bem, em toda Deus a natureza a matria sacrificada sofre esta transformao qualitativa. E nesse sentido se identifica com um modelo divino. ?Este fenmeno tambm evidente na edificao do santurio. Recordemos a esse respeito, como exemplo tambm bem conhecido , a construo do Templo de Jerusalm por Salomo , segundo o plano revelado a David. O templo prefigura a culminncia do mundo mediante a sua forma retangular, que se ope forma circular do mundo arrastado pelo movimento csmico. Enquanto a forma esfrica do cu indefinida e alheia a toda medida, a do edifcio sagrado, retangular ou cbica, expressa a lei definitiva e imutvel. Por esta razo a arquitetura sagrada, qualquer que seja a tradio a que pertena, se reduz ao tema fundamental da transformao do crculo em quadrado. Na gnese do templo hindu, este tema aparece com particular evidncia e com toda a riqueza de seus contedos metafsicos e espirituais. Antes de desenvolver o tema devemos estabelecer que a relao entre eses dois smbolos fundamentais, o crculo e o quadrado, ou a esfera e o cubo, varia de significao segundo os nveis de referencia. Se o crculo simboliza a unidade indivisvel do Princcio .o quadrado simboliza a unidade indivisvel do Princpio. O quadrado expressa sua determinao primeira e imutvel, a Lei ou a nar Norma universal. E neste caso o primeiro smbolo indica uma unidade superior a que sugere o segundo. O mesmo sucede se relaciona o crculo com o cu, cujo movimento circular reproduz, e o quadrado com a Terra, da que sintetiza seu estado slido e relativamente inerte; desde esse momento o crculo o quadrado o que o ativo em relao ao passivo, ou que a vida para corpo, pois o cu quem engendra ativamente enquanto a Terra concebe e d a luz passivamente. Sem embargo, tambm se pode conceber uma hierarquia inversa : se considera o quadrado em sua significao metafsica, como smbolo da imutabilidade inicial que contm e resolve nela todas a antinomias csmicas e se relaciona, pelo contrrio o crculo, com seu modelo csmico, o movimento indefinido, o quadrado expressar uma realidade superior a do crculo, assim como a natureza permanentemente imitvel do princpio transcendente da atividade celeste e a causalidade csmica relativamente "exterior" ao princpi9o mesmo (8). Esta ltima relao simblica entre o crculo e o quadrado domina na arquitetura7. Nas civilizaes primitivas, a habitao considerada como uma imagem do cosmos, pois a casa - ou a tenda- "contem" e "envolve" ao homem a imitao do grande mundo Esta idia se conserva na linguagem dos povos mais diversos, j que se fala da "abbada" ou da "tenda" do cu e de seu "cima" para indicar o polo. . Quando se trata de um santurio, a analogia entre este e o cosmos mtua, pois o. '' 8- Este aspecto corresponde ao ponto de vista veda segundo o qual o dinamismo pertence substncia passiva - shakti - j que a Essncia ativa imvel.

Esprito divino "habita" no santurio da mesma maneira que "habita" no universo. Por outro lado, o Esprito contem o universo de modo que a analogia se inverte sagrada da ndia, enquanto a qualidade prpria da arquitetura a estabilidade - em virtude da qual reflete mais diretamente a Perfeio divina - e porque este ponto de vista inerente ao esprito hindu. Com efeito, este esprito sempre tende a transpor as realidades terrestres e csmicas, por mais divergentes que sejam, plenitude no-separativas e esttica da Essncia divina. Na arquitetura sagrada esta transfigurao espiritual se d em um modo inverso, esta se cristaliza no quadrado fundamental do templo (9). Mais adiante veremos como o quadrado procede procede da fixao dos principais movimentos do cu. Contudo, essa preeminncia simblica do quadrado sobre o crculo na arquitetura sagrada no exclui, nem a exclui, nem a ndia nem em outra parte, as manifestaes da relao e[ interior inversa entre os dois smbolos, quando esta ltima se impe em virtude da analogia entre os diversos elementos construtivos e as partes correspondentes do universo. A 'cristalizao" de todas as realidades csmicas em um smbolo geomtrico, que como a imagem inversa do intemporal, se formula , se formula na tradio hindu mediante da edificao do altar vdico cubo erguido com ladrilhos dispostos em vrias camadas representa o "corpo" de Prajapati o ser csmico total. Os devas imolaram este ser primognito na origem do mundo. Seus membros separados constituem os mltiplos aspectos ou partes do cosmos (10) e devem reunir-se simbolicamente Prajapati o aspecto manifesto do Princpio, aspecto que abarca a totalidade do mundo cuja diversidade e transformaes faz que se apresente fragmentado. Segundo este aspecto, Prajapati desgarrado pelo tempo: se identifica com o ciclo solar, o ano; logo com o ciclo lunar, o ms, e antes de tudo com o ciclo universal, com o conjunto dos ciclos csmicos. Em sua Essncia, Prusha. Essncia imutvel e indivisvel do homem e do universo. Segundo o Rig~Veda (X - 90) , a Prusha a quem os devas sacrificaram no comeo do mundo para formar as diversas partes dos cosmos e as diferentes espcies de seres viventes, Isto no deve entender-se como "pantesmo; Prusha em si mesmo no se divide; tampouco se "localiza" nos seres contingentes pois somente se "sacrifica " sua forma manifesta, aparente enquanto sua natureza eterna permanece inaltervel,. De maneira que ele , por sua vez, a vtima, e o fim desse sacrifcio. Os ltimos representam os aspectos divinos ou, mais precisamente as modalidades ou as funes de Buddi, que correspondem ao Logos, ao Intelecto ou ao Ato divino. Sei que a multiplicidade no est na natureza de Deus , ainda que esteja no do mundo, est prefigurada claramente na distino possvel dos aspectos ou funes do Divino; so estes ento os que "sacrificam" a Deus ao manifest-lo de maneira separativa (11) Por isso o sacrifcio reproduz e compensa, de alguma maneira, o sacrifcio pr-temporal dos devas. A unidade maneira, o sacrifcio prtemporal dos devas, a unidade do ser total se reconstitui simbolicamente e espiritualmente mediante o rito: do sacrificante se identifica ele mesmo com o altar, edificando a imagem do universo e sentindo as medidas de seu prprio corpo, se identifica igualmente com o animal sacrificado que se recoloca em virtude de certas qualidades (12) . Finalmente seu esprito se identifica com o fogo que reintegra a oferenda ao ilimitado inicial (13). Homem, altar, holocausto e fogo so igualmente Prajapati, e esta a Essncia divinal Alm disso o fogo, o altar de sacrifcio e a rea sagrada de onde se erige o altar recebem todos o nome de Agni. Segundo o rito, Agni filho e Prajapati e de todos os seres nascidos dele; eles o engendram conjuntamente em Ushas, a autora. Por ele, por esse filho divino que ascende em todo ato de sacrifcio, Prajapati se realiza em sua totalidade original. Agni se assimila a todas as formas do universo; toma a forma dos cincos guardadores do espao de Deus , os cinco pontos cardeais e o centro, tambm so9- Igualmente a construo do templo cristo simboliza a transmutao do "sculo" presente "sculo " futuro; o edifcio sagrado representa a Jerusalm celeste, cuja forma igualmente quadrada. 10- Isto recorda o desmembramento do corpo de Osiris segundo o mito egpcio. 11. Segundo a terminologia das religies monotestas, os devas correspondem aos anjos, enquanto representaes dos aspectos divinos. O mito da imolao de Prajapati pelos devas anlogo ao da doutrina sufista, segundo a qual Deus manifestou o universo mltiplo em virtude de Seus inmeros atributos. Nos mltiplos Nomes que de alguma maneira "exigem" a diversidade do mundo. que a analogia todavia mais surpreendente, quando se afirma que Deus se manifesta no mundo mediante os seus nomes. Ver nosso livro Introduction aux doctrines esoteriques de lIslam Dervy Livres. Paris, e a nossa traduo da "Sabedoria dos kam) de Ibn Arabi, Albin Michel, Paris , 1955. 12.Se o homem superior ao animal em virtude de seu "mandato" celeste, o animal tem uma relativa superioridade sobre o homem na medida em que se afastas de sua natureza primordial, pois o homem o animal sofre a mesma degradao em relao a sua norma csmica 13. A unio com a Essncia divina implica sempre, como fases ou aspectos de um mesmo ato espiritual, a reintegrao de todos os aspectos positivos do mundo - o de seus equivalentes interiores a um "lugar" simblico, ao sacrifcio da alma seu aspecto limitado e sua transformao pelo fogo do esprito."

identificados com os cinco sopros vitais e com os cinco sentidos, sendo todos eles anlogos entre si. E na

medida que abraa o cosmos, Prajapati penetra nele, o transformando-se em Agni-Vaishwanara, homem Universal que mais que a sintese-espiritual ou csmica, segundo os pontos de vista de todos os seres vivos (14). Assim como a totalidade da existncia, Prajapati que jamais deixou de ser tal maneira desde o ponto de vista divino - mas que desde a perspectiva dos seres contingentes foi dividido como eles e por eles, se reconstitui espiritualmente no rito de sacrifcio Para o sacrificante a universalidade de Agni- Prajapati o fim ltimo, universalidade em si mesma, eterna. A analogia entre o universo e o altar de sacrifcios est indicada pelo nmero e das disposies dos ladrilhos que constituem o altar. Por sua vez a analogia entre este ltimo e o homem se expressa mediante as propores do altar, originada nas medidas do corpo humano; ao largo a largura da base corresponde ao ancho de um homem com braos abertos. Os ladrilhos medem um p. E o obligo (nahbi) do altar mede um amplo quadrado. Ademais, "o homem de ouro", figura esquemtica do homem deve estar colocado dentro do altar, com a cabea em direo ao oriente - o holocausto tem sempre esta disposio - indica a analogia entre o homem e a vtima propiciatria.. Veremos mais adiante que a construo do templo implica estes mesmos pressupostos simblicos; No recinto coberto onde se sacrifica(pracina vamshala) se situam trs altares ; dois sobre o eixo lesteoeste e o terceiro ao sul desse mesmo eixo chamado "espinha oriental" (pracina -Varusha). O altar situado a leste, o lugar Ahavanya, corresponde ao Cu; o altar situado a oeste , o lugar Garapatya, o "mundo terrestre, e este mundo redondo"(Shatapatha-Brahmana, VII, 1.1.37). A forma do mbito terrestre a contido no crculo, que corresponde ao horizonte e, por conseguinte, a forma do cu visvel. Em troca a natureza do cu so simboliza mediante a o quadrado, porque a lei do Cu se expressa de maneira a mais direta e em ritmo quaternrio do cu o ciclo celeste, ritmo quaternrio do ciclo celeste, ritmo que por sua vez se fixa espacialmente na forma do quadrado E este simbolismo implica, pois, uma analogia inversa A imutabilidade do Ciclo, que transcende as formas, se reflete atravs do ritmo temporal em uma forma definitivamente "cristalizada" enquanto que a natureza limitada da terra , sujeita mudana, se integra na forma aparente do cu, isto m , na forma do movimento cclico (15). De conformidade com isto, o altar supremo (Uttara Vedi) construdo para o sacrifcio do Soma, a este a leste do altar do Cu sobre uma ria isolada (Satumiki Vedi), tem igualmente forma retangular. No transcurso do ano de iniciao (Diksha), o altar Ahavaniya substitudo por uma altar Garapatya, que conserva a forma circular, mas cuja base cobre uma rea igual a do altar Ahavanya , e esta transformao do quadrado em crculo se efetua mediante a distribuio dos ladrilhos da primeira camada do novo altar.. (16) O Purana Garhapatya, o antigo lugar Garapatya, era de natureza terrestre o Shaladaria Gharapatya, era de natureza e o melhor lugar de igual forma, de natureza celeste. O quadrado, que simboliza o cu, est contido implicitamente no crculo composto por ladrilhos retangulares (16 Assim, a construo do altar vdico implica, por um lado a transformao do crculo em quadrado dada a configurao quadrada ou cbica do ciclo universal e por outro lado, a do quadrado em crculo.. Esta dupla operao resume toda a arquitetura sagrada, segundo o faz notar Stella Kramrisch em sua importante obra sobre o templo hindu (17) Fundamentao do templo (em latim Templum significa, originalmente , o recinto sagrado destinado contemplao do cosmos). Diversos indcios assinalam que estes ritos constituem uma herana primordial que II O altar existe antes do tempo. Com isso queremos dizer que a arte de construir um altar mais antigo e mais universal que a arquitetura sagrada propriamente dito. Pois o altar utilizado tanto pelos povos nmades como pelos sedentrios, enquanto o templo s existe entre estes ltimos., O santurio primitivo a rea sagrada que contm o altar; e os ritos de consagrao e delimitao desta rea se utilizam na14.Ver Ren Gunon LHomme et son Devenir selon le Vedanta, Editions Tradicionelles , Paris. 1952. 15. A forma quadrada do altar Ahhavaniya , de Utara Vedi e de outros centros sagrados e de utenslios rituais no pode ter como alternativa a forma circular; enquanto que o Garhapatya , redondo, pode construir-se em rea circular ou quadrada, segundo uma ou outra escola. Isto significa que a "terra" pode conceber-se como redonda ou quadrada segundo sua forma prpria do "mundo celeste " (Stella Karamrisch, "The Hindu Temple", University of Calcutta, Calcut, 1946, vol. I. , p. 28). 16. Ver M. K. Majundar, "Sacrifical Altars" Vedis and agnis" em Journal of The Indian Society of Oriental Art, Jun-dic, 1939, Calcut. 17.No que concerne s relaes entre o simbolismo do altar e do templo hindu, remetemos ao excelente livro de Stella Kramrisch The Hindu Temple, op. Cit. Esta obra se baseia fundamentalmente nos Shastras da arquitetura sagrada e se refere aos escritos de Ananda K. Coomaraswamy.

une as duas grandes correntes de povos, sedentrios e nmades, to diferentes em suas manifestaes vitais (18) Como testemunho particularmente eloqente deste legado primordial citaremos aqui um sacerdote e sbio pertencente ao povo nmade dos ndios sioux. Hhaka Sapa (Corvo Negro), que descreve assim a consagrao de um altar do fogo: "Tomando o archote (o oficiante) a dirige s seis direes : em seguida, golpeia o solo em direo ao oeste. Repete o mesmo movimento, tocando o solo ao norte., e da mesma maneira ao oeste e ao sul; a seguir levanta o archote em direo ao cu e golpeia o solo no centro duas vezes e ergue duas vezes para o Grande Esprito. Uma vez feito isto, raspa a o solo e, com um basto previamente purificado com no fumo e oferecido s seis direes essenciais traa uma linha que vai do oeste ao centro, e do leste ao centro , depois do norte ao centro e finalmente do sul ao centro. Depois oferece o basto ao cu e toca o centro, a terra e novamente o centro. Assim se faz o altar, como disse; ,fixamos o centro da terra, e este, que , que e em realidade est em todo lugar, a morada do Grande Esprito,"(19). A consagrao do altar consiste, segundo o exemplo na invocao das relaes que unem os principais aspectos do universo com seu centro. Estes aspectos so o cu, que em sua atividade geradora se ope terra; princpio passivo e material; e s quatro direes ou "ventos", cujas foras determinam o cu do dia e a mudana das estaes. Correspondem a outros tantos poderes e apertos do Esprito universal(20) Assim como a forma geral do templo um retngulo, o altar nmade tal como aqui se o descreve, no est delimitado por um quadrado, ainda que se refira ao quaternrio das regies celestes. Este fato se explica pelo "estilo" de vida prprio dos nmades; para estes povos, as construes em forma retangular expressam a morte. (21) Os santurios nmades formados por tendas ou choas feitas com ramos, so geralmente redondos (22); seu modelo a abbada do cu; tambm os acampamentos nmades esto dispostos em forma circular, e a mesma norma se segue e s vezes nas cidades dos povos sedentrios que antes foram nmades, como os partos. A polaridade csmica entre o crculo e o quadrado se reflete desta maneira, no contraste entre povos nmades e sedentrios: os primeiros reconhecem seu ideal na natureza dinmica e indefinida do crculo, enquanto os segundos o vem no carter esttico e regular do quadrado.(23) Mas salvo essas diferenas de "estilo", a concepo do santurio a mesma ; agora est construda com materiais slidos, como o templo dos povos sedentrios, se bem que constitua o sacratum temporrio como o altar nmade, sempre estar situado no centro do mundo, Hhaka Sapa disse que este centro morada do Grande Esprito e se encontra, em realidade, em todas as partes; por isso apenas necessita um ponto de referncia simblico para realiz-lo. A ubiqidade do centro espiritual se expressa, alm disso, no centro sensvel, pelo fato de que as direes do espao, repartidas segundo os eixos mveis do cu estrelado, convergem da mesma forma em qualquer ponto situado na terra; efetivamente, os eixos visuais dos espectadores terrestres que contemplam a18.Os patriarcas de Israel, nmades , construam os altares a cu aberto, com pedras sem entalhar. Quando Salomo fez construir o templo de Jerusalm consagrando assim o carter sedentrio do povo, as pedras se dispuseram sem utilizar instrumentos de ferro, recordando a edificao do altar primitivo. 19..Cf. Hehaka Sapa, Les Rites secrets des Indiens Sioux textos recolhidos por Joseph Epes Brown, Paris , Payot, 1953, p. 22 20.. Ver Ibid Introduo de Frithjof Schuon. 21."A potncia do universo produz tudo em crculo. O ciclo circular. O vento, em sua mxima potncia, faz redemoinhos. Os pssaros constrem seus ninhos em forma de crculos, pois tem nossa mesma religio... Nossas tendas eram redondas como os ninhos dos pssaros e sempre se dispunham em crculo. O crculo da nao era(igual a ) um ninho feito de muitos ninhos, de onde o Grande Esprito quis que educssemos nossos filhos..." (Hhaka Sapa em Black Elk speaks, relatado por John Neidhart; Wiliam Morrow, New York, 1932.) 22 - O so tambm os santurios pr-histricos chamados Cromlehs, cujos crculos de pedras eretas imitam as direes cclicas do cu.. 23.s vezes a perfeio esttica do quadrado ou do cubo se combina se combina com o simbolismo dinmico do crculo. Tal o caso da Caaba, que constitui o centro de um rito de circunvoluo e sem dvida um dos santurios mais antigos; que foi construdo vrias vezes, mas sua forma, um cubo ligeiramente irregular, jamais se alterou. Os quatro ngulos (Arkan) da Caaba se orientam em direo aos quatro pontos cardeais do cu. O rito de circunvoluo (tawaf), que faz parte da peregrinao Caaba, e que o Islo conserva expressa de forma cabal a relao que existe entre o santurio e o movimento celeste: a circunvoluo se realiza sete vezes simbolizando o nmero das esferas celestes; trs vezes se fazem correndo e quatro vezes caminhando . Segundo a lenda a Caaba foi construda por um anjo, ou por Set, filho de Ado, em forma de pirmide. O dilvio a destruiu. Abano a reconstruiu em forma de cubo (Kabah). Est situada no eixo do mundo; seu prottipo est no cu, e em torno dele os anjos realizam o tawaf. Sempre segundo a lenda, a Presena divina (Sakina) se manifestou como uma serpente que conduziu Abraho at o lugar onde devia construir a Caaba. A serpente se enroscou em torno do edifcio. Isto recorda de maneira surpreendente o simbolismo hindu da serpente Attanta o Shesa, que se envolveu em torno do Vastu Purusha-mandala. Veremos mais adiante que o templo hindu tambm objeto de um rito de circunvoluo.

mesma estrela so praticamente paralelos, qualquer que seja a distncia geogrfica que os separe. Dito de

outro modo, no h "perspectiva" com respeito ao cu: seu centro est em todas as partes, pois a abbada, o "templo"universal" - no tem medida. Igualmente, quem contempla o as sol levantar-se e por-se mais alm de uma superfcie de gua, v o sendeiro de ouro dos raios refletidos na gua, dirigir-se diretamente at eles. Se esta via luminosa o segue, para qualquer outro observador simultneo, tambm lhe ocorre o mesmo. H nisto uma profunda significao. (24) (fig.1.fig 2 - Crculo de orientao segundo o Manasara Shipaq-Shastra) ) III O esquema fundamental do templo provm do procedimento de orientao, que constitui um rito no sentido estrito do termo, posto que une a forma do santurio ao movimento que aqui expresso da norma divina. No lugar destinado construo do templo, se erige um pilar e em torno dele se traa um crculo utilizando a modo de gnomoit: a sombra do pilar projetada sobre o crculo o indica nessa posies extremas manh e ao anoitecer, dois pontos unidos pelo eixo leste-oeste (figs.1 e 2). Ao redor destes mesmos pontos se traa a seguir - com a ajuda de um compasso feito de uma corda, crculos gmeos em forma de "peixe", determinando assim o eixo norte-sul (fig.2) (25) Outros crculos - centrados sobre os quatro pontos dos eixos obtidos - permitem fixar em suas intersees os quatro ngulos de um quadrado; se apresenta assim com a "quadratura" Do crculo solar, do qual o crculo do gnomons a imagem direta (fig3) (26) Este rito e orientao tem alcance universal. Sabemos que foi praticado nas civilizaes mais diversas : antigos livros chineses o mencionam. Vitrvio assinala que com este procedimento os romanos estabeleciam o cardo e o decumanus de suas cidades, depois de haver consultado os augrios sobre o lugar apropriado. Finalmente, numerosos indcios permitem supor que o mesmo mecanismo foi utilizados pelos construtores da Europa medieval Se ter notado que as trs fases do rito correspondem a trs figuras geomtricas fundamentais o crculo, imagem do ciclo solar, a cruz dos eixos cardeais e o quadrado resultante. Estes so os smbolos da grande trade do Extremo-Oriente.: Cu-Homem-Terra. (fig. 4). O Homem , nesta hierarquia, o intermedirio entre o Cu e a Terra, ou seja, entre o princpio ativo e o passivo, assim como a cruz dos eixos cardeais o intermedirio entre o ciclo ilimitado do cu e o "quadrado" terrestre. Segundo a tradio hindu, o quadrado obtido mediante o rito de orientao, que resume e circunscreve o plano do templo, o Vastu-Purusha-mandala , quer dizer, o smbolo do Purusha enquanto iminente existncia mesma, o smbolo espacial do Purusha. Se imagina a este ltimo a forma de um homem estendido no quadrado fundamental, em posio da vtima do sacrifcio vdico sua cabea se situado no oriente, seu ps ao ocidente, e suas mos tocando as esquinas noroeste sudeste do quadrado (27). a vtima primordial, o ser total que os devas sacrificaro no comeo do mundo que se "encarna" assim ao cosmos; o templo sua imagem cristalizada. pertencem ao Purusha, a Essncia incondicionais, o mundo inteiro, o passado e o futuro. Dele nasceu Viraj, a Inteligncia csmica, e de Virajj nasceu Purusha (como prottipo do homem).(Rig-Veda X.90 , 5) em sua forma limitativa, e de algum modo, "detida". O diagrama geomtrico do templo, o Vastu mandala, corresponde terra, mas por sua forma qualitativa uma expresso de Viraj, a inteligncia csmica ; finalmente, em sua essncia transcendente Purusha, a Essncia de todos os seres. IV O diagrama fundamental do tempo , em conseqncia, um smbolo de Presena divina no mundo, mas segundo uma perspectiva complementar tambm uma imagem da existncia em "bruto" e "asurica"24 Recordemos o simbolismo hindu da shushumna , o raio que une cada ser ao sol espiritual. 25 motivo do peixe, formado pela intercesso dos crculos, formado por trs crculos , assim como no esquema , entrecruzados, se encontra na arte ornamental de diversos povos e particularmente no egpcio, no merovngeo e no romano. 26.Ver Marusara-Shilpa-Shastra, texto snscrito resumido e editado em ingls por P.K. Acharya, Oxford University Press. 27. Na construo do altar vdico Agni-Prajapati como vtima do sacrifcio figura com o rosto voltado em direo ao cu, a mesma posio tem o Crucifixo incorporado. Segundo Honorius de Autuh, no plano da catedral. A posio "bodca para cima"do VashuParusha se refere a seu aspecto asurico, do qual falaremos mais adiante.

Considerado como vencida e transfigurada pelos devas (28) Estes dois aspectos rdto, por outra parte, indissoluvelmente unidos: sem o "selo" que o Esprito divino imprime "matria", esta no teria forma inteligvel: e sem a matria que recebe o "selo" divino, e os delimita. Nenhuma manifestao seria possvel. Segundo o Brtihat-Sammita (1 II. 2-3) existia antigamente, no comeo do atual Manvatara, uma "coisa uma"coisa"indefinvel e ininteligvel, que obstrua o cu e a terra; os devas o pegaram subitamente e a lanaram boca abaixo e se acomodaram sobre ela, na mesma posio que tinham quando a apreenderam ; Brahma a levou de devas (29) e a chamou Vastu-prusha . Esra substncia obscura, sem forma inteligvel, no mais que a existncia (Vastu) em sua raiz tenebrosa oposta luz da essncia, cujos raios so os devas. Em virtude da vitria dos devas sobre a existncia indiferenciada, esta recebe uma forma. Catica de per si, se converte no sustentculo de qualidade precisas e os devas obtm , por sua vez, um suporte para manifestar-se. Segundo este ponto de vista, a estabilidade do templo provm da "existncia ( Vastu); tambm, para obter a estabilidade do edifcio (Vastushanti), os ritos se dirigem a Vastuprusha ; o patro (Karaka) do templo, seu construtor ou doador, identificada com o asura, constitudo em vtima dos deuses e sustentculo da forma do templo. Assim se concebe o Vastu-Purusha-mandala, segundo pontos de vista diferentes e aparentemente opostos. O espirito hindu sempre tem conscincia desta dupla raiz das coisas, que procede a cada vez da Beleza infinita e da obscuridade existencial que a cobre com um vu; esta obscuridade , por sua vez, uma funo misteriosa do Infinito j que no seno a potncia plstica universal, Prakriti, ou Shakti que reveste os seres de formas limitadas. A arte hindu na arquitetura e ento na escultura: uma potncia csmica, generosa como a terra e misteriosa como a serpente, parece deslizar-se at nas menores formas : as cheias de sua tenso plstica , obedecendo geometria incorruptvel do Esprito ; Shakti que baila sobre o corpo imvel de Shiva. Segundo o ponto de vista que se assuma, a vtima incorporada no Vastu-mandala representar bem a Prusha, a Essncia universal, ou o asura vencido pelos devas. Conceber a Prusha como a vtima implica uma iluso, pois a Essncia divina que "descende" s formas do mundo transcende, em realidade, seus limites; por outra parte sua "incorporao - o ou o que parece - prottipo de todo sacrifcio, por analogia inversa. Mas somente a natureza passiva da existncia pode realmente ser suscetvel de sacrifcio; ela, e no a Essncia quem se transforma e, segundo esta perspectiva, no Prusha o que est encerrado no plano do templo como vtima do sacrifcio seno o asura, divinizado por seu sacrifcio. O simbolismo do Vastu-Prusha se encontra em povos que no tem nenhum nexo histrico com o mundo hindu. Assim, por exemplo, os Osabes , uma tribo doas plancies da Amrica do Norte, consideram a disposio ritual de seu acampamento como "a forma e o esprito de um homem perfeito" que em tempos de paz se volve para o oriente"... o centro - o lugar do meio - se encontra em seu smbolo que comumente o fogo que arde no centro da morada do mdico." (30). O importante que o acampamento , disposto segundo o que em ingls se denomina "campicle', resume o cosmos inteiro: a metade da tribo situada ao norte representa o Cu; a outra metade, estabelecida ao sul, simboliza a Terra . O fato de que o recinto ritual apresenta aqui a forma um crculo e no , como no caso do templo de a de um quadrado ou retngulo, se explica pelo "estilo' de vida nmade e no invalida a analogia que estamos considerando. Alm do disso, o carter p antropomorfo do templo se encontra na pipa sagrada, "uma espcie de figura corporal deste homem ideal, erigido em gnomo do universo sensvel ..."(31) Em outros lugares se encontra o mesmo simbolismo na idia de que um edifcio duradouro deve estar fincado sobre um ser vivente; dali a prtica de enterrar uma vtima de sacrifcio em seus fundamentos; em alguns casos a sombra de um homem vivo, "captada" e simbolicamente incorporada ao edifcio( 32); So sem dvida, afastados ecos do rito da Vastushanti, o da idia de uma vtima ao mesmo tempo divina e humana, incorporada no templo do mundo. Mais adiante, descreveremos uma concepo anloga do templo cristo, considerado como corpo do homem divino._28.-Um ocidental falaria da "matria em bruto" transformada por inspirao anglica ou divino em puro smbolo. A idia hindu da existncia (Vastu) implica em certo modo esta concepo da "matria em bruto" mas chega mais longe , pois a existncia considerada aqui como o princpio metafsico da separabilidade. 29- a transformao do caos em cosmos, o fiat lux, pelo qual a terra "informe e vazia" se preenche de reflexos divinos. 30. Bur Alexander, LArt et la Philosophie des Indiens de lAmerique du Nord, Ernest Leroux, Paris, 1926. 31. Ibid 32. Este costume existe no folclore romeno.

V

(Fig.5,fig.6Mandalas de nove e quatro casas) (Fig 7 Mandala de 64 casas, segundo Stella Kramrisch.) (Fig.8.-Mandala de 81 caixas, segundo Stella Kramrisch.) (Fig.9 - O Vastu-Prusha-mandala, segundo Stella Kramrisch) O Vastu-Prusha-mandala, ou o Vastu-mandala, cujo traado se obtm mediante o rito de orientao, est subdividido em quadrados menores, que constituem a rede sobre a qual se assentam os fundamentos do edifcio. A analogia entre o cosmos e o plano do templo se reflete at na organizao interior do plano : cada quadrado menor da mandala corresponde a uma das fases dos grandes ciclos csmicos e ao devas que a rege. Somente o campo central, formado por um ou vrios quadrados menores , se situa simbolicamente fora da ordem csmica: o Brahmasthana, lugar onde reside Brahma. Sobre este campo central se eleva o cubo do Garbhagriha, a "cmara do embrio", que contm o smbolo da Divindade a qual est consagrado ao templo. Existem trinta e dois tipos de Vastu-mandala, que se distinguem pelo nmero de quadrados menores. Estes tipos se distribuem em duas sries: os que contm um nmero impar de quadrados menores, e aqueles cuja diviso interna binria. A primeira srie se desenvolve a partir da mandala fundamental de nove quadrados, que especialmente um smbolo da terra (Prithivi) ou do meio terrestre : o quadrado central corresponde ao centro do mundo e os oito quadrados perifricos s regies cardeais e s quatro regies intermedirias do espao; se trata ento da forma da roda csmica de oito raios (fig.5). Com respeito aos mandalas de diviso binria , seu esquema de base est formado por quatro quadrados (fig.. 6); constitui o smbolo de Siva, a Divindade baixo o seu aspecto transformador : j temos visto que o ritmo quaternrio cuja fixao espacial o mandala, expressa o princpio do tempo. Se deve assinalar que este tipo de mandala no leva quadrado central; o "centro" do tempo presente eterno. Preferentemente se empregam duas mandalas para o plano simblico do templo; um tem sessenta e quatro quadrados menores e o outro oitenta e um. O primeiro se relaciona com a casta sacerdotal dos Brahmanes e com o aspecto macrocsmico do smbolo, enquanto que o segundo se vincula casta guerreira dos kshastriyas e o aspecto macrocsmido do Vastu-Prusha. A razo desta hierarquia resulta do que temos assinalado antes acercados mandalas fundamentais de quatro e nove quadrados, respectivamente : o esquema cujo centro no est expresso - seno somente indicado pela interseo de duas linhas - hierarquicamente superior aquele cujo centro est indicado por um "campo" central. A diferena anloga a do tempo e o espao: salvo esta distino, a constituio interna dos mandalas, de sessenta e quatro e oitenta e um quadrados, corresponde s mesmas idias. Assinalemos, primeiramente, que os nmeros 64 e 81 so submltiplos do nmero cclico fundamental 25920, que o nmero de anos contidos em uma preciso inteira de equincios: 64x 81x 5= 25920 (o submltiplo 5 corresponde ao samvatsara ciclo de 5 anos lunares-solares). A preciso dos equincios a "medida-limite" do cosmos, e ela somente, e ento mensurvel em relao a ciclos inferiores. Cada um destes dois mandalas representa pois uma abreviao do universo concebido como a "soma" de todos os ciclos csmicos (33) Dizamos que o "campo" central do mandala representa o Brahmasthana , a "estao" de Brahma; na mandala de 64 quadrados esta estao ocupando quatro quadrados centrais, e na de 81 quadrados, nove. Sobre este campo se levantar a cmara central que contm o smbolo da divindade titular do templo, anloga a hiranygarbha, o embrio de ouro", o germen luminoso do cosmos (figs 7 e 8) (34) Os quadrados situados em torno do Brahmasthana, executando os da periferia do mandala, esto destinados s doze divindades solares, os Adityas, reduzidos essencialmente a oito, j que oito delas formam pares hierogmicas; assim se disseminam as potncias divinas a partir da localizao de Brahma e se distribuem segundo as oito direes principais do espao. Por outro lado, estas direes esto associadas aos33.No rito solisticial da "dana do sol", os ndios Arapaho constituem uma grande choa em cujo centro se ergue a rvore sagrada, comparada com o mundo. A choa est formada por vinte e oito postes plantados em crculo, que sustentam as prtigas, fato que por sua vez se une rvore no centro. Para os ndios Corvos, pelo contrrio, a choa do sol, fica aberta acima, enquanto que o espao ao redor da rvore central se divide em doze compartimentos, onde se detm os bailarinos; em ambos os casos a forma do santurio se reflete nos dois ciclos do sol e da lua. No primeiro caso, o ciclo lunar est representado pelos vinte e oito postes do recinto, correspondentes s vinte e oito manses lunares. No segundo est indicado pelo duodenrio dos meses. Os ritos que acompanham a ereo da rvore da "dana do Sol" apresentam analogias surpreendentes com os ritos hindus da ereo do pilar de sacrifcios, que igualmente o eixo do mundo e a rvore csmica. 34. No rito de diksha se traslada o fogo de sacrifcio do novo altar Garapathia ao altar do fogo (Agni) em uma vasilha de terracota que tem a forma de cubo e chamada de "matriz" do fogo. Se diz que contm o universo manifesto, com a "caverna" do corao, que tambm est representada pela cmara central do templo, Garhagrika, cuja forma cbica (veja-se Stella Kramrisch. Op.cit) oito planetas do sistema hindu (os cinco planetas proprimente dito e o soll, a lua e Rahu, o demnio dos eclipses). Os quadrados da beira representam o ciclo lunar: no mandala de 64c quadrados, a beia de 28 compatimentos corresponde a 28 manses lunares; no mandala de 81

quadrados, se agregam as "morads " dos quatro Lokapalas, guardies das regies cardiais . Em ambos os casos, o ciclo da beira est dominado por 32 Paradelavatas regentes do universo, refletidos nas qualidasdes do espao. Sua hieirearquia se referee diviso quaternria do espao, segundo a progressso 4-8-16-32; na mandala de 64 e 81 quadrados basicamentea a mesma que distinghe a dos mandalas mais simples, dedicados respectivamente a Prithvi e a Siva, principalmenteprincpios de da extenso e do tempo; o primeiro determina a crux de odos eixos cardiais, mediante faixas de quadrados, o segundo exprssa somente linhas (fig. 9)

Como diagrama cosmolgico, o Vastu-Prusha-mandala fixa e coordena os ciclos do sol e da lua (36), ciclos fundamentais cujos ritmos divergentes descrevem o infinitamente variado do devir. Em certo sentido o mundo dura enquanto o sol a lua, o "macho" e a "fmea" no se acoplam, isto , enquanto seus ciclos respectivos no coincidem Os dois tipos de mandalas so como que complementares da resoluo dos dois ciclos em um s e mesma ordem intemporal. Atravs deste aspecto cosmolgico, o Vastu-Psrushamandala reflete "aspectos" do Ser, assim como as diversas funes do Esprito universal - manifestao csmica do Ser - podem conceber-se como outras tantas direes contidas no espao total ou de unidade de seu princpio comum. Desta maneira, o Vastu-Prusha-mandala tambm o solo de Viraj, a inteligncia csmica nascida do Prusha supremo (37). VI A transformao definitiva dos ciclos csmicos e, mais precisamente, dos movimentos so celestes, aparece tambm em forma cristalina simbolismo da cidade sagrada. A mandala por excelncia, de 64 quadrados menores, se compara com a cidade inexpugnvel dos deuses -Ayodiya - que o Ramayana descreve como um quadrado de oito compartimentos de cada lado. Ayodia contm em seu centro a Brahmapura - a moradia de Deus - assim como o plano do templo contm o Brahmastana. Tambm no cristianismo a sntese imutvel e celeste, cujo recinto demarcado por doze pilares, quadrado , e seu centro est habitado pelo Cordeiro divino (38).Segundo os Padres da Igreja, a Jerusalm celeste o prottipo do templo crist (39). O smbolo terrestre de Prusha, o Vastu-Prusha mandala simultaneamente plano do templo, da cidade e do palcio onde reside um rei consagrado. Determina tambm o lugar do trono, em torno do qual se representa, em certos casos, os 32 deuses aclitos de Indra, os Padadevatas, que determinavam as 4 x 8 direes do espao (40) Isto nos conduz a uma aplicao particular da mandala de sessenta e quatro quadrados. Se ter notado que este mandala corresponde ao tabuleiro de xadrez, o jogo de xadrez provm da ndia, uma aplicao destinada casta nobre e guerreira, do simbolismo inerente ao Vastu-Prusha- mandala. Algumas consideraes sobre este jogo no nos desviariam do tema, e ajudariam a avaliar melhor a complexidade deste simbolismo. O tabuleiro representa o mundo comum o "campo de ao" das potncias csmicas: os dois exrcitos, as 32 peas simbolizam, respectivamente, os devas, ou mais exatamente, os anjos, e os asuras, tits ou demnios (41):. O desenvolvimento do combate representado pelo jogo tem a mesma significao que o mito de Brihat-Samihita, que descreve a vitria dos devas sobre vastu, o aspecto "asurico" e informe da existncia. O sentido cavalheiresco do jogo deriva do mito j que a guerra legtima tem como modelo o35.Em certos diagramas cosmolgicos do esoterismo muulmano as fases e os ciclos celestes esto regidos por anjos que manifestam os nomes Divinos. Ver a respeito nosso estudo La cl spirituelle de lastrologie muulmane, tudes Tradicionelles, Paris , 1950. 36.Recordemos que no diagrama tradicional do horscopo o tratado da elptica tambm quadrado 37.As direes do espao correspondem em forma natural aos aspectos ou qualidades divinas que resultam da polarizao, com respeito a um centro dado, do espao ilimitado ou indiferenciado. Este centro coresponde ao "germen" do mundo. Notemos, de passagem que o "quadrado mgico" , que serve para "fixar" foras sutis com vistas a uma operao determinada um afastamento derivado do Vastu Mandala.. 38.Evoquemos ao passar pela surpreendente analogia fontica e semntica entre "Agnis" e "ignis" por um lado e "ignis" e "Agnis" por outro. Agreguemos que Ram , no simbolismo hindu o Bija mantra do fogo, representado por um carneiro. Em ingls, ram significa precisamente carneiro. 39. Na Jerusalm celeste o altar ocupar o centro, e ali estar o cordeiro. 40.Cf. Jeanine Auboyer, Le Trone et som symbolisme an lnde ancienne, Presses Univerwssitaires de France, Paris , 1949. Pig.50. 41. Os asuras so as manifestaes conscientes - e de certo modo pessoais - de "tamas", a tendncia ,"descendente" da existncia. Veja-se Ren Gunon, Le Symbolisme de la Croix, Vga, Paris , 1957. combate universal das foras celestes contra a das trevas (42)

O duplo aspecto da mandala do cosmos est em toda parte, perfeitamente indicado pela alternncia das cores branco e preto do tabuleiro. O fato de que o tabuleiro chins de xadrez , tambm derivado do Ashapada hindu no possui esta alternncia nos faz pensar que na ndia no se o conhecia antes de que o jogo fora adaptado e difundido antes pelos persas. De qualquer maneira , este elemento concorda com o duplo

sentido do Vastu Purusha-mandala; se assemelha tambm trama e uma tela : o mundo est entretido de tendncias csmicas opostas, expressas na oposio dia e noite, inverno e vero, vida e morte. Se se reduz o combate universal das foras celestes contra a das trevas (42)desenho do tabuleiro e a seu esquema mais simples, o mandala de quatro quadrados, smbolo de Siva, a simetria diagonal das cores corresponder diviso natural de um ciclo de fases complementares. Isto nos leva a considerar uma variante muito antiga do xadrez, que manifesta o simbolismo cclico do astu-Prusha mandala: o "jogo das quatro estaes", que se desenvolve entre quatro adversrios, de tal sorte que as peas dispostas nos quatro ngulos do tabuleiro avancem em sentido rotatrio, anlogo ao da marcha do sol (43) Evidentemente a disposio concntrica do Vastu-Prusha-mandala e a distribuio de seus elementos em torno do Brahamasthana no se aplicam ao simbolismo do tabuleiro. Isto no compreende nenhuma "estao" puramente divina; correspondente ao mundo, de onde se desenrola o combate entre as foras adversas (Fig 10) Se o mundo, em sua totalidade indefinida, representa multiplicao do espao pelo tempo, a possibilidades espaciais se combinam indefinidamente com as do tempo. Seu anlogo kin4rso - o "selo" desta totalidade - resultar, matematicamente falando, da diviso do tempo pelo espao; quer dizer, a gnesis do astu-Prusha -mandala dimana da "quadratura" do crculo celeste". Dimana da "quadratura" do crculo celeste. A riqueza praticamente ilimitada de combinaes possveis sobre o tabuleiro, , ento, uma imagem simbolicamente adequada das possibilidades continuas no universo, Nesse jogo a vitria de quem melhor avalia as possibilidades so implicadas em cada movimento, o que significa , e no na ordem simblica, quem possui um conhecimento mais amplo do "tecido" csmico: no cosmos como no xadrez, cada movimento decisivo, irreversvel e conduz opresso ou liberdade. A vitria , para o mais sbio, para ele que participa mais diretamente de Varaj, a inteligncia csmica, cujo mandala o "elo". Este um compndio da "arte real"(44). VII . Vimos que a construo do templo expressa uma cosmologia. Tambm possui um sentido "alqumico", na medida em que para o artista mesmo ele se sustm de uma realizao interior. Este sentido`alqusmico' j indicado no rito de orientao,, comparvel ao processo de "cristalizao" ou "coagulao" : o ciclo indefinido do cu se "fixa " ou "coagula" em quadrado fundamental por meio da cruz dos eixos cardeais, fundamental por meio da cruz dos eixos cardeais , que desempenha a funo de principio principalmente cristalizador. Se o mundo empobrecido pelo movimento cclico indefinido do cu anlogo alma passiva e inconsciente de sua prpria realidade essencial, a cruz, por seu carter discriminador esprito, ou mais exatamente, o ato espiritual, e o quadrado, o corpo "transmudado" por essa operao e convertido em receptculo e `veculo de uma conscincia nova e superior ; o "sal" alqumico da construo o meio de enlace entre o ativo e o passivo, entre o esprito e a alma. Por outra parte, o sentido "alqumico" da construo do templo exalta o simbolismo de Prusha, a incorporao do altar ao edifcio e considerado por vezes sob seu aspecto microscsmico. Este se funda mais especialmente no mandala de 81 quadrados, que corresponde ao corpo sutil de Vastu Prusha para o que representa o quadrado como um homem estendido, com o rosto no solo (45) e a cabea dirigida para o oriente . De forma gerale exceo feita de toda expreo antropomorfa, as linhas que costituem o traado geomtrico do Vastu- mandala se identifificam com as medidas de Prana, o sopro vital das principais correntes sutis de um corpo ; suas intersees e formas formam os marmas, pontos sensveis ou nus vitais que42. Quando os dois bandos opostos dois sistemas tradicionais diferentes, cada um significa para outro a expresso da dissoluo "aurica". 43. Para Alfonso, o sbio, as trinta e duas peas devem ter as cores verde, vermelho, negro e branco; correspondentes s quatro estaes :primavera, vero, outono e inverno, e aos quatro elementos, ar, fogo, terra e gua. Alfonso o Sbio, Livro de Acedrex, editado por Arnold Staiger, Eugen Rentch, Zurich.(1941). 44. Veja-se o nosso estudo : "Le simbolisme du jeu des checs" em Etudes traditionnelles. Paris, out. - nov. 1954 . 45.Veja-se a nota 27 com respeito a esta posio. oriente ; De modo geral, - exceo feita de toda expresso antropomrfica-, as linhas que constituem o tratado geomtrico do Vastu mandala se identificam com as medidas de Prana, o sopro vital de Vastu-Prusha. Os eixos principais e as diagonais assinalam as principais correntes sutis de um corpo, conhecimento de suas intersees formais, os marmas : pontos sensveis ou vazios vitais - que no devem incorporar-se s fundaes de muros, pilares ou portadas. Assim mesmo necessrio evitar a coincidncia dos eixos de vrios edifcios como os de um templo e de suas dependncias.

no devem incorporar-se fundao dos muros, pilares e prticos. A transgresso se traduz em distrbios no

organismo do doador do templo e considerado seu verdadeiro construtor (Karla) e identificado pelos ritos de fundao com Vashu-Purusha, em seu carter de vtima de sacrifcio incorporada ao edifcio Por causa dessa lei, certos elementos arquitetnicos se deslocam ligeiramente com relao aos elementos rigorosamente simtrico do plano. O simbolismo geomtrico do conjunto no resulta menos acabado, ao contrrio, imita o modelo original e no se confunde com a forma puramente material do tempo. Este feito mostra com particular claridade quanto difere a concepo tradicional de "medida" e regularidade da que expressam a cincia de seu fundamento religioso; por exemplo as superfcie e os ngulos de uma igreja romnica resultam sempre inexatos quando se aplicam medies rigorosamente rigorosas, mas a unidade do conjunto se impe com grande claridade. A regularidade do edifcio escapa ao controle mediania para reintegrar~se no inteligvel. Em troca, a maioria das construes modernas oferecem uma unidade puramente "aditiva" uma regularidade "inuma" provavelmente perfeita - em detalhe, mas se no se tratasse e "reproduzir" o modelo transcendente, segundo as possibilidades humanas, seno de "substitu-lo" por uma cpia mgica perfeitamente ajustada . Isto implica uma confuso satnica entre a forma material e a forma ideal ou "abstrata". Os edifcios modernos pe de relevo a inverso da relao normal entre as formas essenciais e as formas contingentes. O qual redunda em uma inatividade visual, incompatvel a sensibilidade de boa gana , diramos "substncia inicial" do artista contemplativo. Tal objetivo se prope a arquitetura hindu quando probe " as "correntes sutis" do edifcio sagrado. A forma corporal do templo deve distinguir-se de sua "vida sutil", tecida de prana, assim como esta se distingue de sua essncia intelectual, Viraj. Estes trs graus existenciais representa, simultaneamente , a manifestao total de Prusha, a Essncia divina, imanente ao Cosmos. Dito Deus de outro modo, o templo tem um esprito, uma alma e um corpo, igual que tal como o homem e o universo; assim o sacrificador vdico se identifica espiritualmente com o altar, que constri medida de um corpo, e com o universo; resumindo no altar, tambm o arquiteto do templo se identifica com o edifcio e com o que este representa. Assim, de cada fase da obra arquitetnica , ao mesmo tempo, uma fase de realizao espiritual. O artista confere a sua obra algo de suas prpria fora vital e, por sua vez participa da transformao que sofre esta fora, em virtude e da natureza sacramental e implicitamente universal da obra. Segundo este enfoque, a idia de sacramental e implicitamente universal da obra. Segundo este enfoque , a idia de Prusha incorporado ao edifcio adquire uma significao espiritual direta. Fig. 11 - Fundaes de um templo hindu, segundo Stella Kramrisch . . VIII A base do templo nem sempre cobre toda a extenso do Vast -mandala : em geral os muros dos fundaes se edificam parcialmente atrs ou adiante sobre o quadrado do mandala, para determinar a cruz dos eixos cardeais ou a estrela das oito direes. Esta articulao do contorno do templo sublinha especialmente tal como o Meru, a montanha polar. Sua parte inferior, mais ou menos cbica, sustenta uma srie de nveis escalonadas a guisa de pirmide. Esta se coroa com uma cpula aparente que supera um eixo vertical, o "eixo do mundo", que se considera atravessar o corpo do templo a partir do Garbhagriha , o santurio-caverna no corao do edifcio quase completamente macio (fig. 11) O eixo do mundo corresponde realidade transcendente de Prusha, a Essncia que atravessa todos os planos da existncia, ligando seus respectivos centros ao sen rei incondicionado, simbolicamente localizado no ponto supremo do eixo, muito alm da pirmide da existncia, imitada pelo templo de mltiplos nveis (46) . No altar vdico um canal de ar representa este eixo; atravessa trs camadas de ladrilhos e se desemboca, em sua extremidade inferior , no "homem de ouro" (Atraniyaprusha) encerrado no altar. O eixo se substitui pelo vazio, de maneira que no somente o princpio imvel em torno do qual evolui o cosmos, ma tambm a via que conduz fora do mundo, em direo ao Infinito. O templo hindu tem uma espcie de cpula (Sikhara) macia da qual emerge a extremidade do eixo. Esta cpula, que adota s vezes a forma de um disco grande, corresponde naturalmente do cu; o smbolo do mundo supraformal. O templo hindu - que no deve confundir-se com os edifcios adjacentes, salas e pavilhes de portas - no tem geralmente janelas que iluminem o santurio. Este s se comunica com o exterior mediante um corredor que conduz ao portal. Em troca, os muros exteriores se adornam com freqncia com nichos que encerram imediatamente imagens esculpidas de devas, e so como janelas macias por onde a Divindade,46. Veja-se Rn Gunon, Le symbolisme de la Croix, op. Cit.

presente no santurio, se mostra aos adoradores que circunscrevem ritualmente o templo. Em geral, a

cmara central deste, que se eleva sobre o Brahastana, somente contm o smbolo da Divindade; as representaes figurativas esto distribudas no vestbulo A Divindade nica se manifesta pois, somente no exterior mediante formas antropomorfas e mltiplas. Os peregrinos as descobrem a medida que avanam ao redor do corpo macio do edifcio sagrado com seus promontrios e quedas (47) No rito de circunvalao, o simbolismo arquitetnico e plstico do templo, que "fixa" os ciclos csmicos, se torna, por sua vez, o objeto de uma experincia cclica ; o templo ento, o eixo do mundo, em torno do qual giram os seres sujeito ao Samsara, o cosmos total enquanto Lei imutvel e divina. IX A arquitetura hindu tende a dissimular em perfis prolixos a vertical das massas compactas: em troca, afirma as linhas horizontais; a vertical das massas compactas, em troca, afirma as linhas horizontais; a vertical corresponde unidade ontolgica, essncia, que interior e transcendente, enquanto que a horizontal smbolo do grau existencial. A repetio da horizontal favorecida pela construo macia, em camadas sobrepostas sugere a multitude indefinida de graus de existncia. Esta indefinio , de certo modo, o reflexo manifesto da Infinitude Divina. O Hindusmo est obcecado pela nostalgia do Infinito, que considera por sua vez includo no Absoluto - como plenitude indiferenciada - e relativamente - na riqueza inesgotvel de possibilidades de manifestao -; este ltimo aspecto desaparece dentro do primeiro. Aqui reside o fundamento espiritual do pluralismo de formas, que confere arte hindu , apesar da simplicidade de seus tipos, algo da natureza exuberante da selva virgem. Este mesmo pluralismo se encontra na escultura figurativa, nas imagens de devas com inmeros membros e nas mesclas de formas humanas e animais, tambm em todo o protesmo oscilante - aos olhos ocidentais - entre a beleza e a monstruosidade. Em realidade, esta transformao do corpo humano que o aproxima de alguma maneira a organismos multiformes como as plantas e alguns animais marinhos tem por objetivos "dissolver" qualquer afirmao individual em um ritmo universal e indefinido. Este ritmo o jogo (lila) do infinito e se manifesta mediante a fora inesgotvel de Maya. Esta fora equvoca: generosa por seu fundo material que produz seres efmeros e os protege, compensando todo desequilbrio em sua amplitude se m limites mas tambm cruel por sua magia que os arrasta na ronda inexorvel do Samsara. Esta dupla natureza est simbolizada, na iconografia do templo hindu, pela mscara proteica de Kala-Mukha ou Kirti-Mukha, que coroa os arcos das portas e nichos (fig. 12) (Fig. 12 - Kala-mukha) Esta mscara tem algo de leo e de monstro marinho; no tem mandbula inferior, como se fosse um crnio suspenso a guisa de trofu: seus raios esto animados de vida intensa : as narinas aspiram o ar violentamente, enquanto que a bocarra cospe makaras (delfins) e grinaldas que correm pelos arcobotantes . a face "gloriosa" e terrvel da Divindade, origem da vida e da morte. Por trs desta e mscara de Gorgona se oculta o enigma divino, a causa deste mundo, por sua vez real e ao mesmo tempo irreal : manifestando este mundo, o Absoluto se revela e se oculta simultaneamente; dota de existncia aos seres, mas ao mesmo tempo os priva de sua viso (48) Alm disso os dois aspectos da Maya divina esto representadas individualmente : as leoas ou hierogrfos (shardulas ou vyati) enfurecidos que vem ao largo de colunas e nichos simbolizam seu aspecto terrvel, enquanto que as jovens de beleza celeste (surasundaris)se encarregam de seu aspecto benfico. Na exaltao da beleza feminina, a arte hindu supera de longe a arte grega, cujo ideal espiritual progressivamente reduzido a um ideal puramente humano cosmos - oposto ao caos indefinido - e portanto a beleza do corpo masculino, com suas propores nitidamente articuladas. A beleza flexvel e indivisa do corpo feminino, sua riqueza por vezes simples e por vezes complexa, como a do mar, escapa arte grega, ao menos no plano intelectual. O helenismo permanece fechado ao assentimento ao infinito, que confunde com o indefinido, como no concebe a Infinitude transcendente, tampouco percebe o plano da "Prakritas"(o comum),47. Veja-se Stella Kramrisch , op. cit. 48...O Kala Mukha tambm a cara de Rahu, demnio do eclipse. Cf. anandda K. Coooraraswamy, Theface of Glory.,

.

isto , como um oceano inesgotvel de formas Observemos que em sua poca de decadncia a arte grega se abre beleza "irracional" do corpo feminino, afastando-se assim de seu ethos. Na arte hindu, ao contrrio, o corpo feminino surge como uma manifestao espontnea e inocente do ritmo universal, como uma onda do oceano primordial, ou uma flor da rvore do mundo. Algo desta beleza inocente envolve tambm as imagens da unio sexual (maithuna) que adornam os templos hindu sufi Em sua mais profunda significao, expressam o estado Deus e unio espiritual A fuso do sujeito e do objeto, do interior e do exterior no Samadhi, igualmente simbolizam o complemento dos plos csmicos, do ativo e do passivo; o aspecto passional e equivocado destas imagens se dilui assim em uma viso universal. A escultura hindu assimila, sem esforo e sem perder sua unidade espiritual, os meios que , em outra parte conduziriam ao naturalismo. Transmuda a sensualidade mesma, saturando-a, e ento uma o conscincia espiritual, que se expressa na tenso plstica das superfcies: como as de uma campana, parecem estar feitas para dar um som puro Esta qualidade do modelado o fruto de um mtodo ritual que consiste em tocar a superfcie do corpo, da cabea aos ps, com o objetivo de empurrar a claridade da conscincia, at os limites extremos da vida psicofsica, que por isso mesmo se integram ao esprito (49). Por outro lado , a conscincia corporal que se reflete diretamente na escultura figurativa se transmuda na dana sagrada : o escultor hindu deve conhecer muito bem as regras da dana ritual, que a primeira das artes figurativas, j que como meio de expresso tem o prprio homem . A escultura se relaciona pois com duas artes radicalmente diferentes: e virtude de sua tcnica de sua artesanal, est aparentada com a arquitetura ,essencialmente esttica, que transforma o tempo em espao, absorvendo-o na continuidade do ritmo, resulta surpreendente que estes plos da arte hindu, a escultura e a dana, tenham engendrado juntos o que qui seja o fruto mais perfeito da arte hindu: a imagem de Siva danando (Lam. II) A dana de Siva expressa , simultaneamente, a produo, conservao e destruio do mundo, numa medida em que esta so fases da atividade personagem ,manente de Deus . Siva o "Senhor da dana" (Nataraja) . O mesmo revelou os princpios da dana ao sbio Bharatamuni, quem os codificou no Bharata-Natya-Shastra (50). Na esttua clssica de Siva danando se combinam de um modo perfeito as leis estticas da escultura e o ritmo da dana; se concebe o movimento como uma rotao em torno de um eixo imvel, mediante a decomposio em quatro gestos tpicos, que se sucedem como fases. Siva repousa em sua prpria amplitude; apenas est fixo, mas seu ritmo est contido em uma frmula esttica, como as ondas de um lquido em um vaso; o tempo se integra no intemporal. Os membros do deus se desenvolvem de tal maneira que o adorador que a v a esttua a de frente capta as suas formas imediatamente, j que esto ao inscritas no plano do crculo em chamas ; smbolo de Prakiti sem que sua polivalncia espacial, sem embargo, contemple a esttua e seu equilbrio esttico perfeito, como o de uma rvore que se desenvolva pelo espao. A preciso plstica do detalhe se une continuidade ininterrupta dos gestos. Siva dana sobre o demnio vencido da matria catica. Leva na mo direita um tambor, cujo pulso corresponde ao ato criador O gesto da mo levantada anuncia a paz, protegendo o que criou. A mo para baixo indica o p, que se ergue do solo, como signo de libertao. Em na ponta do p esquerdo leva a lama, que destruir o mundo. (51) As imagens de Siva danando mostram, na maioria das vezes os atributos de Deus, outras os de um asceta, ou ambos simultaneamente, pois Deus est muito mais alm de todas as formas, e somente assume uma forma para ser sua prpria vtima

49.Este no deixa de ter relao com a "fixao" alqumica 50. A origem "celeste" da dana hindu est provada indiretamente por sua influncia no espao e atravs dos sculos; mediante uma forma adaptada ao Budismo, influenciou o estilo coreogrfico do Tibete e a sia oriental, incluindo o Japo; em Java , sobreviveu islamizao da ilha, e, atravs da dana cigana, parece tambm haver influenciado na dana espanhola. 51. Cf. Ananda K. Coomaraswamy, The dance of Shiva, Simpking Marshall, Londres, 1818.

FUNDAMENTOS DA ARTE CRIST I O Cristianismo revelou seus mistrios no seio de um mundo catico e de carter profano; "irradiando - se em trevas" no pode jamais transformar em forma total o meio onde se expandia. Presente esta razo, a arte crist, comparada a das civilizaes do mdio oriente, estranhamente descontnua, tanto no estilo como em qualidade espiritual. Veremos mais adiante que a arte muulmana no pde lograr uma certa homogeneidade formal ao rechaar de sada a herana artstica do mundo greco-romano, ao menos dentro do mbito da pintura e da escultura. No Cristianismo o processo sucedeu de outra maneira : o pensamento cristo, com orientao salvacionista ( soteriolgica), exigia uma arte figurativa; o Cristianssimo no pode subtrair-se da herana artstica da Antigidade : ao assumi-la incorporou certos germens do naturalismo, no sentido antiespiritual do termo, e apesar do processo de assimilao sofrido por esta herana ao largo dos sculos, seu naturalismo latente aflorou conscincia espiritual cada vez que esta franqueava inclusive antes do Renascimento, poca em que se rompeu definitivamente com a tradio (52). A arte das civilizaes tradicionais do Oriente no se rescinde realmente em arte sagrado e arte profana - os modelos sagrados determinam tambm a arte popular - o mundo cristo, pelo contrrio, conheceu, apesar da arte sagrada, no seu sentido estrito, uma arte religiosa de formas "mundanas". A arte de verdadeira inspirao crist deriva de imagens de origem milagrosa, de Cristo e da Virgem; se acompanha de tradies artesanais, crists por adoo, mas de indubitvel carter sagrado. Nesse sentido seus mtodos de criao traduzem uma sabedoria essencial primordial, que responde espontaneamente s verdades espirituais do Cristianismo. Essas duas correntes , arte tradicional dos cones e artesanato tradicional, merecem na civilizao crist o nome de "arte sagrada" A tradio da imagem sagrada do "verdadeiro cone" (vera icon) a essncia teolgica e de origem ao mesmo tempo histrico e milagroso, conforme a natureza particular do Cristianismo. Voltaremos sobre e isto mais adiante. A filiao desta arte se perde, para ns, a obscuridade da poca anterior a Constantino e isto nada tem de surpreendente, j que muitas tradies reconhecidas como apostlicas, tambm fundem suas origem em uma relativa obscuridade. Sem dvida, houve, nos primeiros sculos do Cristianismo certa reserva com respeito a arte figurativa, reserva condicionada pela influncia judaica e pelo o contraste com o paganismo antigo. Ademais, durante muito tempo a tradio esteve viva em todas as partes e o Cristianismo no se manifestava publicamente. Por isso no princpio a representao artstica das verdades crists somente jogou um papel muito contingente e espordico. Mas, mais adiante tarde, quando a liberdade social, por um lado, e as exigncias da coletividade, por outro, favoreciam a arte religiosa e a faziam indispensvel, teria sido muito estranho que a tradio , com todo seu vigor espiritual , no tivesse dotado esta expresso do esprito que estava em condies de transmitir. Por sua vez a tradio artesanal, de razes pr-crists antes de tudo cosmlgica, pois a obra artesanal limita com naturalidade a formao do cosmos a partir do caos; sua viso das coisas no se assemelha de maneira imediata a revelao crist, cuja linguagem no tem nada de cosmolgico. Mas a integrao do smbolo artesanal no Cristianismo era um imperativo vital, pois a Igreja tinha a necessidade das artes plsticas para revestir-se de formas visveis e no podia incorporar ofcios sem ter em conta suas possibilidades espirituais. Ademais, na economia psquica e espiritual da "cidade" crist, o simbolismo artesanal era um fator de equilbrio: compensava a presso unilateral da moral crist, profundamente asctica, manifestando as verdades divinas sob um aspecto relativamente imoral, ou, em todo caso, involuntria. Ao menos que se instala sobre o que dele faa para chegar santidade, o simbolismo artesanal ope uma viso que santa por sua beleza (53) ; pelo ambiente que cria e faz participar aos homens em forma natural e quase involuntariamente, no mundo da santidade. Tambm por isso mesmo o Cristianismo despoja a herana artesanal dos caracteres artificiais que a agregou ao naturalismo greco-romano, brio de glrias humanas, e libera os elementos perenes, estes mesmos que determinam as leis csmicas (54)52. Pode-se dizer outro tanto dos germens do racionalismo filosfico, encrostados no pensamento cristo. Este corrobora na presente forma precisa o que dizamos sobre a arte. 53; A Gnoses , pelo fato mesmo de ser um conhecer e no um querer , est centrada sobre o que e no sobre o que deveria ser. Da resulta uma perspectiva do mundo e pela dvida que difere em muito a forma, qui "mentirosa" mas so de maneira "verdadeira". Como os voluntrios encaram as vicissitudes da existncia 1 ed. (Frithjof Schuon, Sentiers de Gnose, La Colombe, Paris , 1957, Caminho. "La Gnose, Langage de Soi"). 54. Devemos assinalar que a forma geral do templo cristo no a do templo greco-romano, mas a da baslica com abade e dos edifcios de cpula; estes aparecem em Roma em uma poca relativamente tardia. O interior do Panteon , com a imensa cpula que recebe a luz pelo "olho solar" no carece de grandeza, mas a luz se neutraliza devido ao carter antropomrfico e banal dos detalhes. Implica uma

certa grandeza filosfica mas que amor natureza nada tem que ver com a contemplao.

O ponto des contrato entre a tradio puramente crist, e de essncia teolgica, e a cosmologia prcrist, indicado nitidamente nos signos cristos das Catacumbas e, notavelmente , no monograma que forma uma roda de seis e ou oito raios Se sabe que esse monograma, um dos mis antigos, est formado pelas letras gregas X e P ( ji e ro), apenas combinadas com uma cruz. Quando este signo se inscreve em um crculo, a forma da roda csmica evidente. s vezes se substitui por uma simples cruz inscrita em um crculo. A natureza solar desse smbolo no oferecem dvidas: em certas inscries crists das Catacumbas, esse mesmo crculo, dotado de "mos de luz", elemento derivado dos emblemas solares do antigo Egito. Ademais a monograma combinada com a cruz se adorna o eixo vertical como um astro culminante , a cruz alada o Ankh egpcio (fig. 13) Fig. 13. Trs formas do monograma cristo das Catacumbas , segundo Oskar Beyer O crculo que rodeia o signo no seno a rbita solar, dividida pelos eixos do ciclo. A roda de seis raios se assemelha cruz de trs dimenses projetada sobre um plano; a roda de oito raios, formada pela combinao do monograma e a cruz, anloga a "rosa dos ventos", o esquema das quatro direes cardeais (as quatro direes intermedirias do cu) No devemos olvidar jamais que, para os da Antigidade e da Idade Mdia, o espao fsico considerado em sua totalidade sempre a objetivao do "espao espiritual", e em realidade isso precisamente, j que su