Título: A construção histórica da infância e a televisão...

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Título: A construção histórica da infância e a televisão enquanto dispositivo de produção de subjetividade Autora: Rachel Gadioli Pires Brasil Professor Orientador: Dr. Pedro Paulo Gastalho de Bicalho. Professores da Banca de Defesa: Profº Dr. Pedro Paulo Gastalho de Bicalho Profª Ms. Eliana Vianna Profº Ms. Karla Soares Pereira

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Título: A construção histórica da infância e a televisão enquanto dispositivo de produção de subjetividade Autora: Rachel Gadioli Pires Brasil Professor Orientador: Dr. Pedro Paulo Gastalho de Bicalho. Professores da Banca de Defesa: Profº Dr. Pedro Paulo Gastalho de Bicalho Profª Ms. Eliana Vianna Profº Ms. Karla Soares Pereira

Título: A construção histórica da infância e a televisão enquanto dispositivo de produção de subjetividade. Resumo: O presente estudo visa elucidar o processo de formação da subjetividade da infância nos dias atuais, partindo de uma abordagem sócio-histórica. Para tanto, iremos recorrer aos registros históricos apresentados por Philippe Ariès, a fim de analisar como ocorreu o surgimento da infância – conceito que pode ser historicamente datado. Mediante esta perspectiva, pode-se perceber que a subjetividade infantil não é algo natural, mas sim, construída a partir de certos interesses que criam condições de possibilidade para tal. Na atualidade observa-se a influência do sistema capitalista na produção de subjetividades que atendam aos seus interesses, como por exemplo, o consumo. A produção de um certo tipo de subjetividade constitui o alicerce do sistema capitalista, pois desta forma, através dos meios de comunicação de massa, assegura-se um controle cada vez mais hegemônico sobre a vida dos indivíduos, controle este que se inicia na infância. Sendo assim, partindo da premissa que a infância é produzida com base em certos interesses, este trabalho propõe-se examinar o modo de funcionamento da mídia televisiva enquanto responsável por grande parte desta produção subjetiva, tendo em vista a forte influência que a mesma exerce no cotidiano infantil na atualidade. Palavras-chave: Produção de Subjetividade – Infância – Televisão.

INSTITUTO DE PSICOLOGIA

À Associação Brasileira de Psicologia Social

Indico, para fins de inscrição de trabalho no prêmio Silvia Lane, a monografia intitulada “A construção histórica da infância e a televisão enquanto dispositivo de produção de subjetividade”, cuja autora, psicóloga Rachel Gadioli Pires Brasil, produziu sob minha orientação como Trabalho de Conclusão de Curso (Formação de Psicólogo), das Faculdades Integradas Maria Thereza, instituição na qual exerci o cargo de professor adjunto entre os anos de 2005 e 2006. Ressalto a qualidade das análises teóricas e do potencial de intervenção crítica da então aluna, características necessárias para a construção de uma psicologia comprometida com a realidade e com as urgências da sociedade brasileira. Rio de Janeiro, 26 de março de 2007.

Pedro Paulo Gastalho de Bicalho Professor Adjunto – Matr. SIAPE 2320770 Av. Pasteur, 250 – Pavilhão Nilton Campos Campus Praia Vermelha CEP: 22290-240 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil E-mail: [email protected]

UNIVERSIDADE FEDERALDO RIO DE JANEIRO u f r j

INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa tratar, pautado numa abordagem sócio-histórica, o processo de

formação da subjetividade da infância. Para tanto será pensada a televisão enquanto analisador

das práticas de produção de subjetividade na atualidade.

Desta forma, será abordada a noção de infância partindo de uma concepção de história

não linear, com início, meio e fim; mas sim como um campo de forças em luta, no qual um certo

modo de funcionamento emerge como hegemônica dentre muitos outros possíveis.

O estudo procura compreender o processo de produção da infância como algo construído

historicamente, tendo como ponto de partida as contribuições de Philippe Ariès (1981) que

aponta para o fato de que num determinado momento a criança aparece no cenário social,

passando a ter um lugar específico dentro das instituições.

Sendo assim, pensar a subjetividade enquanto uma construção sócio-histórica, implica no

reconhecimento de relações de saber/poder que produzem rupturas nas práticas existentes de uma

determinada época, provocando um outro modo de funcionamento, existente até então, e

moldando assim uma nova maneira de pensar e ser dos indivíduos; ou seja, produzindo novas

subjetividades. Aproxima-se, portanto, da concepção genealógica de história proposta por

Foucault (Bacca, 2004).

Percebe-se no decorrer da história inúmeras transformações que vêm ocorrendo no que se

refere à construção subjetiva da infância; o que possibilita questionar quanto às conseqüências

dessa produção sobre o sujeito, assim como apontar os campos de força que agem sutilmente

“por trás” desses acontecimentos.

Partindo da premissa que a infância não é algo natural, mas construída historicamente; a

pesquisa propõe-se a pensar a mídia televisiva enquanto instrumento responsável por grande

parte desta produção, tendo em vista ser este dispositivo o meio utilizado como objeto de

dominação, visando o consumo e a normalização das crianças na contemporaneidade.

Segundo Bourdieu (1997), a televisão é um recurso que alcança grande parte da

população que a tem como única fonte de informação hegemônica; sendo assim, tem sido um

dispositivo fortemente utilizado para a dominação e sujeição dos indivíduos; pois exerce uma

espécie de monopólio sobre a formação das opiniões da maioria dos infantes que absorve

indiscriminadamente tudo o que lhe é oferecido, impondo assim modelos de verdade e formas de

viver na realidade.

Para o desenvolvimento deste trabalho será feito uso das seguintes questões norteadoras:

1. Baseado na pesquisa de Ariès de que a infância é algo produzido, como a televisão tem

influenciado na construção e nos possíveis desdobramentos desse saber na atualidade?

2. Quais os efeitos produzidos pelo “bombardeamento simbólico” da mídia televisiva na

confecção das subjetividades infantis?

A metodologia empregada para conduzir essas questões será a leitura dos teóricos

relacionados ao tema.

O primeiro capítulo tratará o modo como se deu o surgimento da infância situando essa

construção dentro de um contexto sócio-histórico, atentando para as condições que possibilitaram

a emergência deste conceito: infância.

O capítulo seguinte visa elucidar a subjetividade enquanto uma produção sócio-histórica

em constante movimento que é fabricada e modelada no campo social em que o indivíduo está

inserido.

Posteriormente, no último capítulo, será trabalhada a mídia televisa como um dos meios

de produção subjetiva que tem influenciado quase que soberanamente a infância nos dias

hodiernos.

Tendo em vista ser a Psicologia uma ciência da subjetividade (Canguilhem,1972), torna-

se fundamental a compreensão da produção subjetiva da infância, atentando para este mecanismo

(televisão) que influencia na construção do modo de ser das crianças.

1 - INFÂNCIA: UMA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA.

O que é infância? Será que a infância sempre foi da forma que conhecemos hoje? Sempre

existiu a idéia de “criança”? Em todos os lugares do mundo a infância se dá da mesma maneira?

A infância é natural ou foi algo que num determinado momento passou a existir?

Para pensar sobre essas questões será feita uma viagem pela história, partindo da leitura

da obra de Ariès (1981), onde é possível entender a construção da noção de infância como uma

produção historicamente datada. O autor transcorre através de pinturas da Renascença (onde

aparecem crianças vestidas como adultos), de diários, testamentos, igrejas e túmulos, e apresenta

a maneira como surgiu e se transformou a concepção da criança e da família.

Com o auxílio destes documentos, Ariès constata a ausência do “sentimento de infância”

presente nos dias de hoje e situa a constituição desse novo conceito na transição dos séculos XVII

para o XVIII.

Observa-se que até o século XII a criança não era representada na arte medieval, o que

possibilita pensar que a infância, da maneira como conhecemos hoje, era um conceito

desconhecido. O autor citado menciona que “a descoberta da infância começou sem dúvida no

século XIII, e sua evolução pode ser acompanhada na história da arte e na iconografia dos séculos

XV e XVI (...)”, sendo que os sinais mais evidentes e numerosos dessa descoberta ocorrem no

fim do século XVI e durante o século XVII. (p. 65)

Até então o que distinguia a criança do adulto era o seu tamanho. “A criança era portanto

diferente do homem, mas apenas no tamanho e na força, enquanto as outras características

permaneciam iguais. Seria então interessante comparar a criança ao anão (...)” (p.14)

Os registros históricos comprovam que a passagem da criança pela família e pela

sociedade se dava de maneira breve e insignificante.

Um fato bastante nítido que comprova o quanto a infância era ignorada é o traje pelo qual

a criança era retratada. Até a Idade Média vestia-se indiferentemente todas as classes de idade;

sendo a única preocupação manter visíveis, através da roupa, os degraus da hierarquia social.

Sendo assim, nada no traje medieval separava a criança do adulto.

Somente no séc. XVI é que a criança, da classe alta, aparece representada não mais com

trajes de adultos. Com isso, surge uma nova preocupação, isolar as crianças e separá-las através

da roupa, esta, por sua vez, passou a manifestar as etapas do crescimento. Percebe-se então o

momento em que surge a necessidade de separar de maneira visível a criança do adulto através do

traje. “No fim do século XVI, o costume decidiu que a criança, agora reconhecida como uma

entidade separada, tivesse também seu traje particular” (p.78).

Contudo, um sentimento superficial da infância era reservado aos primeiros anos de vida.

Momento em que o pequeno infante era uma “coisinha engraçadinha”. Segundo Ariès (1981), o

surgimento da infância teve como marco o ato de mimar e paparicar as crianças; estas, por sua

vez, eram vistas como meio de entretenimento dos adultos.

“As pessoas se divertiam com a criança pequena como um animalzinho, um

macaquinho impudico. Se ela morresse então, como muitas vezes acontecia,

alguns podiam ficar desolados, mas a regra geral era não fazer muito caso,

pois uma outra criança logo a substituiria. A criança não chegava a sair de

uma espécie de anonimato.” (p.10).

Outro aspecto que merece atenção era o fato de persistir e ser tolerado até o fim do século

XVII o infanticídio. Este ato, por não ser uma prática declaradamente aceita, era “praticado em

segredo (...) as crianças morriam asfixiadas naturalmente na cama dos pais, onde dormiam. Não

se fazia nada para conservá-las ou para salvá-las” (p.17). Dentre as várias causas da mortalidade

infantil, a maioria poderia ser imputada à imprudência dos adultos.

Ariès relata que quando a criança conseguia sobreviver aos primeiros anos de vida, tendo

em vista a grande mortalidade da época, “era comum que passasse a viver em outra casa que não

fosse a de sua família” (p.10). A família antiga não tinha função afetiva e muito menos estava

restrita a um espaço privado, desta forma:

“as trocas afetivas e as comunicações sociais eram realizadas fora da

família, num “meio” muito denso e quente composto de vizinhos, amigos,

amos e criados, crianças e velhos, mulheres e homens (...) as famílias

conjugais se diluíam nesse meio” (p.11).

Sendo assim, a transmissão dos valores, do conhecimento e a socialização da criança não

era responsabilidade da família, conforme acontece hodiernamente. A aprendizagem se dava por

meio da convivência com os adultos. “A criança aprendia as coisas que devia saber ajudando os

adultos a fazê-las”. (p.10)

Jurandir Freire Costa (2004) ressalta essa concepção, mas referindo-se a sociedade

brasileira no período colonial. Relata que

“A imagem da criança frágil, portadora de uma vida delicada merecedora do

desvelo absoluto dos pais, é uma imagem recente. A família colonial

ignorava-a ou subestimava-a. Em virtude disso, privou-a do tipo da quota de

afeição que, modernamente, reconhecemos como indispensáveis a seu

desenvolvimento físico e emocional. Nem sempre o neném foi a “majestade”

na família”. (p.155).

Na sociedade medieval havia uma idéia de continuidade entre a vida pública e privada,

sendo uma o prolongamento da outra. Somente no século XVII e início do XVIII é que a família

se retraiu dentro de uma casa, um espaço reservado e íntimo (Ariès, 1981). Mas por que ocorreu

essa mudança? O que possibilitou esse retraimento da família?

No século XVII apresenta-se, de maneira mais imperativa, uma mudança considerável. “A

escola substituiu a aprendizagem como meio de educação. Isso quer dizer que a criança deixou de

ser misturada aos adultos e de aprender a vida diretamente, através do contato com eles” (Ariès,

1981:11). Com isso, inicia-se assim um processo de enclausuramento das crianças através da

escolarização.

Para Ariès, essa separação das crianças foi marcada por um movimento de moralização

dos homens promovido pelos reformadores católicos ou protestantes, pelas leis e pelo Estado.

Todavia, esse enclausuramento só foi possível com o consentimento das famílias. Mas como se

deu esse consentimento?

Costa (2004) aponta para a atuação dos higienistas1 na história. Na busca para

compreender o alto índice da mortalidade infantil, eles esbarram na falta de laços afetivos entre

pais e filhos, concluindo que a família era prejudicial à infância. Com isso, se dá a apropriação

1 Conforme dito por Bicalho, 2005 (apud Coimbra, 2000): “Encontramos no Brasil, no final do século XIX e início do século XX, o movimento higienista que, extrapolando o meio médico, penetra em toda a sociedade brasileira, aliando-se a alguns especialistas, como pedagogos, arquitetos, urbanistas e juristas. Tal movimento imiscuiu-se nos mais diferentes setores da sociedade, redefinindo papéis que deveriam desempenhar, em um regime capitalista, a família, a criança, a mulher, a cidade e as classes pobres. Foi sendo ordenada, portanto, a família nuclear burguesa, que passou a ficar sob a tutela dos médicos, detentores da ciência, aqueles que indicam e orientam como todos devem se comportar, morar, comer, dormir, trabalhar, viver (...). Tal tutela passou a se exercida sobre as diferentes classes sociais, em especial sobre pobres. Ela se fez sentir em cima da necessidade de transformá-los em corpos produtivos, evitando, com isso, a formação de espíritos descontentes, desajustados e rebeldes” (p. 32 - 3).

médica da infância, demonstrando possuir um saber sobre a criança. “A idéia de nocividade do

meio familiar pode ser tomada como o grande trunfo médico na luta pela hegemonia educativa

das crianças” (p.171).

Com o discurso higienista sobre a incompetência dos pais na criação dos filhos, surge

como “solução” para o problema a escolarização, seria o confinamento da criança no colégio.

Desta forma, é declarado e legitimado o saber higienista sobre o que era melhor para os filhos,

passando a exercer o poder sobre os mesmos.

O que visavam com essa nova prática? Conforme esclarece Costa (2004), “na família

higiênica, pais e filhos vão aprender a conservar a vida para poder colocá-la à serviço da nação”.

A intrusão médica no cotidiano familiar tinha como ideal acompanhar desde cedo as crianças de

perto para quando estas crescessem pudessem “oferecer docilmente suas vidas ao país” (p.179).

O discurso proferido era que as primeiras épocas da vida, ou seja, a infância, seria o

momento ideal para moldar no sujeito os bons hábitos. E a isso se propunha a educação. “O

interesse pelas crianças era um passo na criação do adulto adequado à ordem médica” (Costa,

2004:175).

Essa preocupação acentuada com a criança, obviamente, afetou o modo das famílias se

relacionarem com seus filhos, conforme salienta Ariès:

“A família tornou-se o lugar de uma afeição necessária entre os cônjuges e

entre pais e filhos, algo que ela não era antes. Essa afeição se exprimiu,

sobretudo através da importância que se passou atribuir a educação (...) Trata-

se de um sentimento inteiramente novo: os pais se interessavam pelos estudos

de seus filhos e os acompanhavam com uma solicitude habitual nos séculos

XIX e XX, mas outrora desconhecida”. (p. 11 - 12).

Portanto, observa-se um acontecimento significativo: a criança sai do anonimato em que

se encontrava para tornar-se o centro da família. Perdê-la ou substituí-la passa a ser algo

extremamente doloroso.

Assim, começou a se falar na fragilidade e na debilidade da infância. A criança passou a

adquirir importância dentro da família e dentro do sentimento da família, sendo direcionados a

ela uma série de cuidados especiais tão comuns nos dias atuais. Desta forma, a análise feita por

Ariès possibilita problematizar a idéia de infância e pensá-la não como algo natural, mas como

uma construção sócio-histórica, um produto das relações de saber/poder que definem o modo de

funcionamento da sociedade.

Enfim, se a infância é entendida como uma construção que encontrou condições de

possibilidade para emergir, conforme descrito neste capítulo; pode-se também pensar que é

possível “o seu fim”.

2 – CAPITALISMO, CONSUMO E PRODUÇÃO DE SUBJETIVIDADE.

Conforme visto no capítulo anterior, a noção de infância não é natural, mas histórica e

cultural. Desta forma, segundo Jobim e Souza (2000), cada período profere um discurso que

revela seus ideais e expectativas em relação às crianças, trazendo assim conseqüências

constitutivas sobre o sujeito em formação.

Portanto, a maneira pela qual a sociedade entende a infância interfere diretamente no

comportamento das crianças, modelando formas de ser e agir de acordo com as expectativas dos

discursos que circulam entre as pessoas. Mas que discursos são estes? Que efeitos os mesmos

produzem sobre as subjetividades infantis?

Para entender a produção da subjetividade da infância é preciso primeiro compreender o

que é a produção de subjetividade e como isso acontece.

Para tanto, partir-se-á de uma concepção de sujeito contrariando a idéia de uma essência,

ou de uma suposta natureza humana. Guattari (2005) fala sobre subjetividade como sendo

essencialmente fabricada, construída e modelada. E é baseado neste entendimento que se

desenvolverá este estudo.

O mesmo autor afirma que a subjetividade não se situa num campo individual, mas é

fabricada e modelada no registro social através da cultura de massa, também chamada de

“cultura-mercadoria”, que é utilizada como um instrumento do capitalismo para a normalização

dos indivíduos. Desta forma,

“o que há é simplesmente uma produção de subjetividade. Não somente uma

produção da subjetividade individuada – subjetividade dos indivíduos – mas

uma produção de subjetividade social que se pode encontrar em todos os

níveis da produção e do consumo. E ainda uma produção da subjetividade

inconsciente (...) Essa grande fábrica, essa poderosa máquina capitalística

produz, inclusive, aquilo que acontece conosco quando sonhamos, quando

devaneamos (...) e assim por diante. Em todo caso, ela garante uma função

hegemônica em todos os campos” (p.22).

Sendo assim, a produção em série da subjetividade pode ser considerada como a produção

mais importante do que qualquer outro tipo de produção, pois a mesma estabelece o alicerce do

sistema capitalista. Portanto, “a produção de subjetividade constitui matéria-prima de toda e

qualquer produção” (Guattari, 2005:36).

O capitalismo representa “uma imensa máquina produtiva de uma subjetividade

industrializada e nivelada em escala mundial” e se tornou a “base na formação da força coletiva

do trabalho e da força de controle social coletivo” (Guattari, 2005:48).

É através dessa produção da subjetividade capitalista, utilizando os meios de comunicação

de massa, que as classes dominantes asseguram um controle, cada vez mais hegemônico, sobre os

sistemas de produção e de vida social, formando assim indivíduos condizentes com os seus

interesses – produção e consumo.

De acordo com Guattari (2005):

“a cultura não é apenas uma transmissão de informação cultural (...) mas é

também uma maneira de as elites capitalísticas exporem um mercado geral de

poder. Um poder não apenas sobre os objetos culturais, ou sobre as

possibilidades de manipulá-los e criar algo, mas também poder de atribuir a si

objetos culturais como signo distintivo na relação social com os outros”. (p.

27)

Percebe-se assim os atravessamentos da cultura capitalística em todos os campos de

expressão; portanto, pode-se concluir que, na verdade, só existe uma cultura: a capitalística,

utilizada para proveito das produções do poder dominante.

Para Jobim e Souza (2000) “a adesão aos modelos impostos pelo fascismo do consumo é

total e incondicional” e “os verdadeiros modelos culturais são renegados, ou melhor, são

substituídos pela padronização absoluta do desejo. As subjetividades contemporâneas se

expressam como kits de perfis-padrão que obedecem a órbita do mercado”. (p. 92-93).

Qual seria o efeito desta lógica sobre a infância? Segundo Guattari (2005), “é desde a infância

que se instaura a máquina de produção de subjetividade capitalística, desde a entrada da criança

no mundo das línguas dominantes, com todos os modelos tanto imaginários quanto técnicos nos

quais ela deve se inserir”. (p.49). Com isso, o efeito deste modo de funcionamento é a

padronização do desejo visando o controle e a dominação da subjetividade infantil.

Sendo assim, “a ordem capitalística é projetada na realidade do mundo e na realidade psíquica.

Ela incide nos esquemas de conduta, de ação, de gestos, de pensamento, de sentido, de

sentimento, de afeto, etc.” (Guattari, 2005:51).

A ordem capitalista está enraizada de tal forma que produz os modos de relações humanas

até mesmo nas representações inconscientes. Com isso, este sistema, por meio de alguns

dispositivos, como, por exemplo, a mídia, detém o domínio na formação das subjetividades

infantis manipulando assim o modo de ser das crianças, ditando como devem se comportar, como

precisam ser ensinadas; enfim, afirmando o que é certo ou errado.

Entretanto, com base na premissa foucaultiana de acontecimento2, entende-se que toda

verdade é produzida através das relações de poder. Ou seja, todo saber para existir irá depender

de como se dá o arranjo das relações de poder que legitimam a emergência de um saber como

verdade. Para tanto, é preciso olhar a história atentando para como essas verdades surgiram ou

foram construídas. Desta forma, é necessário analisar as condições de surgimento das “verdades”:

como um saber se constitui como verdade (arqueologia) e como se dá o arranjo das relações de

poder que sustentam a emergência desse saber (genealogia).

2 Bicalho (2005) explica o acontecimento em Foucault como “algo que assinala formas diferentes de saber e poder, uma ruptura importante” (p.17). Sendo assim, Foucault pensa a “história como campo de forças em luta, onde saberes, práticas e discursos se produzem e se confrontam, onde um certo modo de funcionamento se hegemoniza dentre tantas possibilidades, emergindo certas subjetividades que constroem modos de vida e de existência”(p. 16). Desta forma, “são construídos discursos que se legitimam e se constituem enquanto enunciados de verdade, com o status de verdade absoluta” (p.17).

Estas relações de poder estão presentes no cotidiano e se manifestam através de técnicas,

mecanismos e aparelhos institucionais visando o controle e a dominação das crianças. Preparam

assim seres aptos e desejantes para consumir. A cultura do consumo é algo evidente e inevitável

na contemporaneidade dos grandes centros urbanos.

Assim, para as pessoas que detém o poder do discurso os seus enunciados assumem

estatutos de verdade que vão transformando os sentidos da vida, dando contorno às mais variadas

formas de viver.

O poder cria, a partir de seu modo de funcionamento e de seus interesses, realidades,

sujeitos, comportamentos, sentimentos; enfim, criam maneiras de ser e estar no mundo.

Soma-se a isso um acontecimento recente: a criação de um mercado consumidor dirigido

exclusivamente à criança. A criança tem sido vista como “habitante deste novo mundo do

consumo, e, talvez, o mais promissor” (Garcia, Castro e Souza 1997: 101).

Uma recente reportagem da revista ISTO É aponta para essa questão. “As meninas estão

crescendo mais rápido. Já tem curvas, comportamento e hábitos de consumo de adultas que

movimentam no mundo uma indústria de R$ 33 bilhões anuais”. (nº 1901, p. 46)

Com isso, é possível perceber que por trás deste acontecimento há interesses que

permeiam o cotidiano infantil e afetam diretamente a maneira das crianças serem e estarem no

mundo.

Contudo, para Jobim e Souza (2000), a infância apresenta-se

“como elemento capaz de desencantar o feitiço da cultura do consumo (...) a

incapacidade infantil de entender certas palavras e manusear os objetos

dando-lhes usos e significações ainda não fixados pela cultura do consumo

nos faz lembrar que tanto os objetos como as palavras estão no mundo para

serem permanentemente re-significados através de nossas ações. A criança, na

sua fragilidade, aponta ao adulto verdades que ele não consegue mais ouvir ou

enxergar.” (p.97)

E, para finalizar, a mesma autora conclui que:

“A criança, apesar de tudo, pode nos fazer recuperar o olhar crítico sobre o

mal-estar de nossa cultura. Construindo seu universo particular no interior de

um universo maior reificado, ela mostra que é capaz de resgatar uma

compreensão polifônica do mundo, desenvolvendo, através do jogo que

estabelece na relação com os outros e com as coisas, os múltiplos sentidos que

as realidades física e social podem adquirir. É preciso continuar enriquecendo

a humanidade com novos mitos e utopias. A criança sabe...”(p.98).

Enfim, pode-se concluir que o Capitalismo, enquanto representante ideal dos interesses

dominantes, faz uso de dispositivos visando a produção de subjetividades subservientes e

manipuladas à lógica hegemônica. E é na “produção de poder subjetivo” que se expressa o lucro

capitalista. (Guattari, 2005). Através desta produção de subjetividade as classes que detêm o

poder podem assegurar um controle cada vez maior sobre a vida social das pessoas.

3 – MÍDIA TELEVISIVA E A INFÂNCIA CONTEMPORÂNEA.

A televisão é um componente característico e evidente da sociedade contemporânea que

atravessa a vida das crianças desde o início da sua existência. Este dispositivo se transformou

num aparelho indispensável na atualidade. Está presente em quase todos os estabelecimentos,

como por exemplo restaurantes, hotéis, escolas e, principalmente, nas residências.

A TV, além de ser um aparato eletrônico, é um meio de comunicação de grande alcance

que veicula imagens, informação, divertimento e, sobretudo, produz significados e sentidos que

estão intimamente relacionados aos modos de ser, pensar, conhecer e se relacionar com o mundo,

ou seja, produz subjetividade3.

A televisão tem servido como um instrumento estratégico para o desenvolvimento

cultural, político e econômico da sociedade, tendo em vista que a mesma atua de maneira quase

que soberana sobre a formação subjetiva das crianças que se submetem às suas programações

absorvendo indiscriminadamente tudo o que lhes é oferecido, dando início, assim, a um processo

de alienação e ausência de reflexão que torna a criança uma mera consumidora dos produtos

midiáticos.

3 Subjetividade entendida enquanto uma construção sócio-histórica e, portanto, não natural e estática, mas sempre produzida.

A mesma reportagem citada no capítulo anterior, extraída da revista ISTO É, relata que no

Brasil as crianças ficam aproximadamente 4 (quatro) horas e 51 (cinqüenta e um) minutos em

frente da TV. O que apresenta uma amostra do grande poder de influência que este dispositivo

representa no cotidiano infantil.

De acordo com o relatório final do projeto Ética na TV (CONSELHO FEDERAL DE

PSICOLOGIA, 2006), a TV aberta é o veículo estruturador do sistema de comunicação de massa

nacional; sendo considerada como única fonte de informação de 40% da população, está presente

em 90% das casas da população brasileira.

O mesmo relatório assevera que:

“A mídia, por sua visibilidade, penetração e pelo alto valor social que lhe é

atribuído, tem posição privilegiada tanto na produção de novos sentidos

quanto na disseminação de sentidos hegemônicos. Por meio dela estes são

disponibilizados às pessoas, que podem incorporá-los e/ou agregá-los a seu

repertório para assim criar outros novos, ou simplesmente descartá-los. A

responsabilidade social da mídia deve ser dimensionada em função desse

papel preponderante na circulação de conteúdos simbólicos, potencializado

por seu status de autoridade e juiz no mundo moderno” (p. 61-62)

Portanto, a televisão exerce um poder significativo sobre a sociedade atual, ocupando um

lugar privilegiado no cotidiano dos brasileiros onde os mesmos são submetidos a diversas

aprendizagens que dizem respeito a maneira de ver e estar no mundo. Ou seja,

“São modos de vida que de alguma forma pautam, orientam, interpelam o

cotidiano de milhões de cidadãos brasileiros – ou seja, participam da

produção de sua identidade individual e cultural e operam sobre a constituição

de sua subjetividade”. (Fischer, 2006).

Assim, a mídia televisiva, enquanto instrumento que expressa, na maioria das vezes, os

interesses dominantes, infiltra-se nos lares através de entretenimentos e informações que visam

moldar valores e princípios éticos, afetando todo um processo de subjetivação e determinando

comportamentos e condutas sociais desejadas. Devido a abrangência da mídia, as pessoas passam

a ver a realidade segundo certos padrões pré-estabelecidos. Com isso, exerce uma espécie de

ditadura velada onde um modo de funcionamento é imposto como ideal e correto. Sendo assim, a

televisão apresenta-se como “um formidável instrumento de manutenção da ordem simbólica”

(Bourdieu, 1997. p.20).

Segundo Bourdieu (1997):

“a televisão que se pretende um instrumento de registro torna-se um

instrumento de criação de realidade. Caminha-se cada vez mais rumo a

universos em que o mundo social é descrito-prescrito pela televisão. A

televisão se torna o árbitro de acesso à existência social e política” (p. 29).

E as crianças? Estas estão sendo “bombardeadas” simbolicamente a todo tempo pela

televisão, pois na maioria das vezes a mesma se coloca em uma situação passiva diante das

mensagens propagadas pelo monopólio da mídia. A televisão, por sua vez, apresenta conteúdos

tendo como parâmetro, unicamente, o índice de audiência.

O que está em questão não é o fato da televisão ser algo bom ou ruim, mas sim questionar

o modo como este dispositivo é utilizado, a que fim se pretende. Para tanto, é preciso recorrer a

história com o intuito de observar como ocorreu o surgimento e o desenvolvimento da televisão

no Brasil.

As transmissões televisivas no Brasil tiveram início em 1950. Entretanto somente na

década de 60 é que de fato este instrumento passou a ser valorizado e estimado. Os primeiros a

descobrirem o poder deste meio foram os militares.

Para uma melhor compreensão dos fatos será preciso relembrar um importante momento

vivido pela sociedade brasileira, o Regime Militar. A partir de 1964, inicia-se no Brasil um

regime ditatorial imposto pelo golpe militar que duraria 21 anos. Tão logo assumiram o poder, os

governantes passaram a exercer sua autoridade por meio dos Atos Institucionais, estabelecendo

diversos poderes extra-constitucionais que visavam suprimir os principais focos de oposição.

Estes Atos Institucionais (AI) alegavam o combate contra a “corrupção e subversão” e mediante

esta argumentação os políticos fizeram a nação silenciar. Desta forma, quando a oposição se

levantava contra o regime militar, as ações eram interrompidas e impedidas por novas medidas

institucionais.

Assim, a Tv brasileira nasceu como uma estratégia de poder. As lideranças militares

perceberam na televisão um poderoso instrumento capaz de promover e garantir a “ordem

social”. Um instrumento que atingisse todo o território nacional, poderia difundir de forma

hegemônica conteúdos de ordem cultural, política, social e moral. Mas, para que assim fosse, esse

equipamento precisaria estar a serviço dos interesses militares.

Para tanto, os militares estimularam um sistema de comunicação centralizado onde

delegava-se um poder excessivo aos principais empresários do setor visando tê-los como aliados.

Era preciso uma rede de televisão de confiança do regime. Destaca-se então nesse cenário a Rede

Globo de Televisão cumprindo o papel de disseminar a ideologia oficial.

Em 1969 foi criada uma Lei de Segurança Nacional, na qual destacava-se a censura prévia

dos meios de comunicação. Com isso, o regime militar passou a regular tanto as relações das

emissoras entre si como destas com a sociedade. Desta forma, os programas de televisão que

eram considerados pelos militares como uma manifestação de oposição ao regime eram

censurados e banidos do conhecimento público.

Durante certo período a Rede Globo atuou como o braço direito de relações públicas da

ditadura. Com o tempo, esta emissora

“passou a atuar de forma autônoma, como um verdadeiro partido político,

usando seu poderio para influenciar (...) na configuração das relações de

poder, abrangendo a escolha dos governantes. Em pouco mais de uma

década, em termos sociais e culturais, o Brasil escapou do controle dos

generais. E se jogou nos braços envolventes e sedutores da televisão.

Começava a ditadura velada de meia dúzia de famílias (...)” (CONSELHO

FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2006, p.14 – grifos do autor).

Assim, a TV, que não é neutra, atua incutindo valores, princípios e conceitos, despertando

nas pessoas, desde cedo, o gosto pelo consumo e uma subjetividade plenamente moldada a certos

interesses.

Soma-se a esse fato, um acontecimento que tem-se observado na atualidade: o contato das

crianças entre si ou com os outros adultos cedem lugar ao impacto televisual. Com isso, grande

parte do tempo dos infantes é investido em frente à TV. Pode-se assim observar uma forte

influência da mídia televisiva na socialização das crianças e perceber que a realidade dos infantes

está profundamente marcada por essa experiência acolhedora à televisão. Cabe então indagar e

analisar quanto aos efeitos que os programas televisionados apresentam na formação da

subjetividade infantil. O que esta situação está representando em termos da produção da

subjetividade das crianças?

Mediante o saber psicanalítico, entendemos que

“a criança necessita do adulto (...) ou um outro diferente, para se constituir

como sujeito neste processo de se projetar continuamente para além de si

mesma, em busca de ideais, lançando-se em prol de seus projetos e utopias”.

(Garcia, Castro, Jobim e Souza (org.) 1997: 101)

Sendo assim, se é através de um outro que o ser (criança) se constitui enquanto sujeito,

pode-se então indagar com se dá essa constituição quando este outro é a televisão e não um outro

humano.

Segundo Garcia, Castro, Jobim e Souza (org. 1997),

“o distanciamento em relação ao adulto propicia uma outra inserção da criança

no mundo da cultura, não aquela humanizada que ocorre pela convivência com

um outro humano, mas aquela obtida pelas identificações com imagens

presentes na mídia, ou, ainda, com identificações com máquinas.” (p. 103).

“As crianças de hoje entretem-se, cada vez mais, com o ‘outro televisivo’,

remoto, virtual, maquínico, talhado à guisa do imaginário do consumo”.

(p.104).

Com isso, os modos de viver na contemporaneidade desencadeiam um estilo cada vez

mais solitário, onde a imagem que se presentifica é a da “família assistindo à tevê, cada membro

diante do seu próprio aparelho, em cantos separados da casa”. (Garcia, Castro, Jobim e Souza

(org.) 1997:104).

Desta forma, crianças e adultos não mais se misturam e a socialização desta é produzida

pela mídia televisiva que é onde a criança investe grande parte do seu tempo quando não está na

escola. Assim, de acordo com Jobim e Souza (2000) o convívio familiar se estabelece numa

interação muda entre os integrantes que se esbarram entre os intervalos dos programas da TV.

Se a televisão é um forte dispositivo da manipulação, construção e formação da

subjetividade infantil, e, como visto anteriormente, está, geralmente, a mercê dos interesses

dominantes; este instrumento produz em larga escala processos de subjetivação. Sendo assim,

todo o cotidiano das pessoas passa a ser organizado de acordo com a ideologia dominante.

Um exemplo que serve como bom analisador para pensar a soberania da mídia televisiva

na sociedade é o fato ocorrido em 1992 com o “movimento caras-pintadas”. A Rede Globo

estrategicamente lança a mini-serie Anos Rebeldes estimulando o povo a ir as ruas e pedir o

impeachment4 de Collor. Assim, a emissora manipulou a opinião pública colocando Collor na

presidência e quando foi conveniente ela o tirou.

Tendo em vista a massificação dos meios de comunicação na sociedade hodierna de

controle total e global, onde são criados a todo tempo determinadas essências e modelos de

homem, de família e de sociedade, será que é possível pensar num escape, num modo de fugir

daquilo que é imposto como subjetividade ideal e esperada? Sim. Há possibilidades de produzir

rupturas. É possível a existência de subjetividades não homogêneas. Existe um campo de criação

e invenção que se estabelecem como linhas de fuga ao que se apresenta como estático e normal.

Segundo Bicalho (1998), traçar linhas de fuga equivale

4 Um processo que se instaurou contra o governo de Fernando Collor de Mello a fim de destituí-lo do cargo de presidente. O mesmo foi impugnado de seu mandato por envolvimento em esquemas de corrupção. Os indícios de propinas e desvios de verbas públicas juntamente com o incentivo da mídia (controladora dos meios de comunicação de massa) gerou amplas manifestações populares que foram fundamentais para a queda do presidente.

“(...) lançar um olhar diferenciado, capaz de abalar seu próprio modelo e

produzir acontecimentos no cotidiano em que se vive, afetando o sistema e

impedindo-o de ser homogêneo, propiciando encontros que atravessam o que

seria, a priori, o em-si”. (p.35)

Portanto, a televisão também pode se tornar um instrumento que atue de maneira a

possibilitar aos telespectadores um posicionamento crítico frente a realidade e apto a exercer sua

cidadania de forma ativa e consistente. O que está em questão é a maneira com que este

equipamento pode ser utilizado, que ao invés de funcionar como mecanismo de opressão

simbólica, pode ser usado como um extraordinário meio de promover a democracia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mediante ao exposto no decorrer deste trabalho, como pensar a infância na atualidade?

Quais as implicações advindas da cultura do consumo e da mídia televisiva na constituição

subjetiva da infância?

Conforme visto anteriormente, a infância está em permanente construção, num constante

devir. Sendo assim, presenciamos na contemporaneidade o surgimento de uma nova produção da

subjetividade construída em função das influências que a mídia e a cultura do consumo exercem

sobre as pessoas e, principalmente, sobre as crianças.

A mídia televisiva invade o cotidiano infantil assumindo um papel significativo na

construção de valores e ideais sociais e culturais. Propaga a cultura do consumo no campo social,

construindo a realidade da criança e legitimando comportamentos que atendem aos interesses

dominantes.

Desta forma, o modo como a infância é entendida e vivenciada não ocorre de forma

natural, mas é antes de tudo uma produção histórica que se inscreve num campo de forças (que

não é individual, mas sim coletivo e múltiplos) onde saberes e práticas se produzem e se

confrontam, fazendo emergir assim um certo modo de ser e funcionar da infância. Objetivam,

com isso, enquadrar os indivíduos dentro de modelos e verdades legitimados socialmente.

Portanto, as subjetividades são forjadas por inúmeros atravessamentos que compõem um

campo de forças em luta. Assim, os indivíduos são atravessados constantemente por linhas de

natureza diversa, como por exemplo, família, escola, comunidade e mídia.

Enfim, a televisão, por meio de suas práticas e discursos, tem produzido efeitos

significativos na infância dos dias atuais. Entretanto, o presente estudo não teve como objetivo

qualificar a influência da mídia como boa ou ruim, mas sim colocar em análise e chamar a

atenção para o modo como este mecanismo vem sendo utilizado, assim como, problematizar as

relações de poder que se utilizam deste instrumento com o intuito de formar e manipular a

construção subjetiva das crianças.

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