tirar o mês · 2011-07-06 · defesa da não transposição das águas do Rio São Francisco. ......

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A revista Cidadania & Meio Ambienteé uma publicação da Câmara de CulturaRua São José, 90, 11o andar, grupo1106Centro – 20.010-020 – Rio de Janeiro/RJ

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Editado e impresso no Brasil.

A Revista Cidadania & Meio Ambiente não seresponsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos

em matérias e artigos assinados. É proibida areprodução dos artigos publicados nesta edição sem

a devida solicitação por carta ou via e-mail aosrespectivos autores.

Caros Amigos,

Esta edição da revista Cidadania e Meio Ambiente é especialmentereflexiva, dedicada aos nossos mais prementes problemas socio-ambientais, com destaque para a água, mas também com o “olhar”atento para questões de cidadania.

Até agora foram 14 edições, fruto de muita dedicação de nossaequipe, dos colaboradores e dos articulistas. Isto sem falar do apoiode nossos leitores. A revista já é conhecida e reconhecida, a pontode que gostaríamos de dizer que ela já está consolidada, mas istonão é verdade.

Esta edição, por exemplo, só foi possível graças ao apoio publicitá-rio da Petrobras, que continua demonstrando que sua responsabili-dade social e ambiental vai muito além de meros slogans.

A maioria das grandes empresas, públicas ou privadas, não vai alémde entupir nossas caixas postais com releases. Parece estranho por-que elas julgam importante informar aos nossos leitores, mas nãojulgam importante nos apoiar. Infelizmente, o conjunto das mídiasindependentes socioambientais não conta com apoio publicitário.

De nossa parte, conhecemos os interesses dos leitores e tentamosatendê-los. Este é o compromisso básico de nossa equipe, colabo-radores e articulistas. Fazemos o que está ao nosso alcance, da me-lhor forma que conseguimos, simplesmente porque é o certo a fa-zer, sempre reafirmando nosso “mantra”:

“Compreendemos desenvolvimento sustentável como sendo soci-almente justo, economicamente inclusivo e ambientalmente respon-sável. Se não for assim não é sustentável. Aliás, também não é de-senvolvimento. É apenas um processo exploratório, irresponsável eganancioso, que atende a uma minoria poderosa, rica e politica-mente influente.”

Estamos fazendo a nossa parte e nossos leitores também. Isto podeparecer pouco, mas, diante da mediocridade generalizada, já é umpasso na direção certa.

Desejamos a todos uma agradável e proveitosa leitura.

Até a próxima edição.

Henrique CortezCoordenador do EcoDebate

E D I T O R I A L

Diretora

Editor

Subeditor

Projeto Gráfico

Revisão

Regina [email protected]

Hélio [email protected]

Henrique [email protected]

Lucia H. [email protected]

Adilson dos SantosJP14455/65/09

Colaboraram nesta edição

Aldicir ScarioAntonio Arrais

Carlos Ferreira de Abreu CastroFrei Gilvander Moreira

IHU On-LineJadilson Cirqueira de Sousa

João SuassunaKatarini MiguelLeonardo Boff

Luana LourençoRoberto Antonio Liebgott

Rogério Grassetto Teixeira da Cunha

Nº14 – 2008Capa: NASA Center/Goddard Space Flight Center/Image #119

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Convivência com o semi-áridoAs condições inóspitas que perduram há séculos e aflige milhões de nordestinosnão são insolúveis. Basta se levar em conta as peculiaridades ambientais, climáti-cas, geológicas e biológicas para pôr fim à indústria da seca. Por João Suassuna

PARNA Chapada das Mesas: implementação problemáticaMaranhão e Tocantins lutam na justiça para que os fundos destinados à compensa-ção ambiental pela construção da barragem UHE–Estreito não sejam pulverizadosentre outras Unidades de Conservação. Por Jadilson Cirqueira de Sousa

Política Indigenista: mera retórica no governo LulaA atual política de expansão de infra-estrutura para acelerar o crescimento nãoquestiona os impactos sociais, ambientais, políticos e econômicos que vitimam amassa de pobres e os povos indígenas. Por Roberto Antonio Liebgott

S.O.S. MeroEm andamento em quatro estados brasileiros, o Projeto Meros do Brasil mobilizapesquisadores, pescadores, mergulhadores e todos os cidadãos para a preservaçãodo Senhor das Pedras e do ecossistema marítimo e costeiro. Por Katarini Miguel

Ladislau Dowbor:“A lógica do sistema é insustentável ambientalmente.”

Nesta entrevista, o Prof. do PPG em Administração da PUC-SP analisa a situação doplaneta a partir dos dados apontados pelo relatório do Painel Intergovernamental sobreMudanças Climáticas (IPCC), que trata do aquecimento global. Por IHU On-Line

Princípio TerraNesta fase de aquecimento global com mudanças irreversíveis, o teólogo alerta parao fato de que a salvação da Terra não vai cair do céu. Será fruto da nova co-respon-sabilidade e do renovado cuidado de toda a família humana. Por Leonardo Boff

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Água: desperdício e poluiçãoO Brasil perde diariamente seis bilhões de litros de água potável, apenas 25% doesgoto são tratados e 61% dos municípios não providenciam destinação adequadapara os resíduos sólidos coletados Por Luana Lourenço e Antonio Arrais / ABr

Escassez de água: crise silenciosaBoa parte dos conflitos políticos e sociais no futuro não terá como causa o petróleo.Será provocado pelas disputas em torno da água doce, cujos estoques diminuemdramaticamente a cada ano. Por Carlos Ferreira de Abreu Castro e Aldicir Scario / PNUD

Dom Frei Luis Flávio Cappio: balanço do jejumApós 24 dias de jejum e oração, Dom Cappio decidiu adotar outras estratégias emdefesa da não transposição das águas do Rio São Francisco. O recuo no tempopermite avaliar 10 conquistas de seu valioso testemunho. Por Frei Gilvander Moreira

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Além da poluição das águas superficiais, o Brasil perde diariamentecerca de seis bilhões de litros de água potável – o suficiente para

abastecer 38 milhões de pessoas. Para piorar o quadro, apenas 25%do esgoto coletado no país são tratados, e 61% dos 5.564

municípios não dão destinação adequada aos resíduos sólidos.

ÁGUAE S P E C I A L Á G U A

por Luana Lourenço/Agência Brasil

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A poluição tornou 70% das águasde rios, lagos e lagoas do Brasilimpróprias para o consumo. É o

que aponta relatório editado pela organi-zação não-governamental Defensoria daÁgua, ligada à Conferência Nacional dosBispos do Brasil (CNBB).

A pesquisa, que traz dados do período2004-2008, envolveu 423 pesquisadores,830 monitores de campo e cerca de 1.500voluntários, que identificaram 20.760 áre-as de contaminação em todo o país.

Em relação à primeira edição do documen-to, divulgado em 2004, a contaminaçãodas águas superficiais cresceu 280%,dado que torna do Dia Mundial da Água,celebrado a 22 de março, um momento dereflexão sobre a necessidade de medidasurgentes. “Nesse ritmo, se nada for feitonos próximos quatro anos, 90% das águasestarão impróprias para o contato huma-no, sendo que atualmente mais de 70% jásão impróprias para o consumo”, diz otexto dos pesquisadores.

OS GRANDES POLUIDORES

As principais causas da contaminaçãosão atribuídas principalmente ao agrone-gócio e à atividade industrial. “Há umafalta generalizada de controle e de fiscali-zação da geração, da destinação e do tra-tamento de resíduos, sejam eles urbanos,de saúde ou residenciais”, avalia o secre-tário-geral da Defensoria da Água, Leo-nardo Morelli.

Segundo o relatório da ONG, a mineração,a produção de suco de laranja e de deri-vados da cana-de-açúcar são destaquesnegativos devido aos problemas ambien-tais provocados pelo descarte inadequa-do de resíduos industriais e pelas conse-qüências sociais ligadas aos empreendi-mentos, como exploração de mão-de-obrae avanço sobre áreas indígenas.

O documento critica ainda a “euforia” coma produção de biodiesel, o que, segundo aONG, demonstra “uma tendência para a eco-nomia agrícola, com empresas petrolíferasaltamente contaminadoras apropriando-seindevidamente do discurso do uso de ele-mentos naturais, que na verdade mascaramas tentativas de sobrevida dos combustí-veis fósseis”. Também são apontados o lan-çamento de esgotos diretamente nos rios ea exposição de resíduos em lixões.

BRASIL: APENAS 25% DO ESGOTO

COLETADO SÃO TRATADOS

Os números do saneamento básico mos-tram que o Brasil ainda tem muito a avançarna data em que a Organização das NaçõesUnidas (ONU) comemora o Dia Mundial daÁgua. O índice médio de coleta de esgotosno país é de 69,7%, sendo que o tratamentoatinge apenas 25%. Os números são do Sis-tema Nacional de Informações sobre Sane-amento, do Ministério das Cidades.

A ONU elegeu 2008 como o Ano do Sa-neamento e deve recomendar aos paísesa formulação de políticas públicas parauniversalizar o acesso a esse serviço. “Nomundo todo, 2,6 bilhões de pessoas nãotêm acesso a saneamento e estão expos-tas diariamente a doenças, como diarréiae cólera”, aponta José Turbino, represen-tante da ONU para Alimentação e Agri-cultura (FAO). Os números de coleta etratamento de esgotos no Brasil refletemdiferenças regionais históricas do país:

■ no Sudeste, o índice de coleta éde 91,4%,■ já na Região Norte, não chega a9% das habitações.

“Temos uma distribuição desigual do de-senvolvimento e, evidentemente, a con-seqüência disso é que as políticas públi-

cas muitas vezes também acompanhamesse desnível. [A diferença] é decorrên-cia da falta de políticas de saneamentono âmbito nacional em sucessivos go-vernos”, avalia o secretário de RecursosHídricos e Ambiente Urbano do MMA,Luciano Zica.

Entre as capitais, as diferenças chegam amais de 90%. Enquanto em cidades comoSão Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizon-te, Brasília e Porto Alegre a coleta de es-goto atinge quase toda a população (comíndices superiores a 85%), em Porto Ve-lho apenas 2,2% têm saneamento básico.Os dados fazem parte de um relatório doInstituto Socioambiental (ISA), que traçaum panorama do alcance de sistemas desaneamento no país.”Um dos principaisdesafios do Brasil é a coleta e tratamentode esgoto, em especial nas áreas mais ur-banizadas. Tivemos um período muitogrande de descaso, há um déficit a sercumprido. Temos que parar de transfor-mar o Brasil, que é o país dos rios, no paísdos esgotos”, alerta Marussia Whately,uma das coordenadoras do ISA.

Além de investimentos em programas desaneamento, Whately também aponta anecessidade de políticas específicas paratratamento de resíduos sólidos, avaliação

Língua negra de esgoto polui e degrada as águas do Médio São Francisco, nacomunidade pesqueira de Morpará, Bahia. Foto: João Zinclar

Temos que parar de transformar o Brasil,que é o país dos rios, no país dos esgotos.“

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compartilhada pelo representante doMMA. “A questão do ambiente urbano edos resíduos sólidos foi agregada ao de-bate dos recursos hídricos, que até bempouco tempo eram políticas bem desfoca-das. Teremos condições de trabalhar deforma harmônica segmentos que têm im-pactos diretos na qualidade da água; nãohá como dissociar a questão do lixo daboa gestão da água”, avalia Luciano Zica.

O Ministério das Cidades prevê a aplica-ção de R$ 40 bilhões até 2010, no chama-do PAC do Saneamento, em referência aoPrograma de Aceleração do Crescimento.A previsão de investimentos precisa sercumprida para que o país alcance a metaestabelecida pela ONU nos Objetivos deDesenvolvimento do Milênio.

USO CONSCIENTE DA ÁGUA

PODE EVITAR DESPERDÍCIO

Diariamente, nas capitais bra-sileiras, o desperdício de águapotável equivale a 2.500 pis-cinas olímpicas (em média 2,5milhões de litros de água). E aculpa, neste caso, não é doconsumidor. A perda de cercade seis bilhões de litros – osuficiente para abastecer 38milhões de pessoas – aconte-ce entre a retirada dos manan-ciais e a chegada às torneiras.

Os números fazem parte de umrelatório do Instituto Socio-ambiental (ISA), que traça umpanorama do alcance de siste-mas de saneamento básico edo volume de desperdício deáguas no país. Segundo Ma-russia Whately, uma das coor-denadoras do ISA, as perdassão causadas por vazamentonas redes de abastecimento, submediçãonos hidrômetros e fraudes.“A maioria das capitais – 15 das 27 – per-de mais da metade da água produzida”,informa o relatório. Porto Velho, capitalde Rondônia, é a campeã em desperdício,com 78,8% de perda. As cidades de RioBranco, Manaus e Belém também têm ín-dices superiores a 70%. O desperdícionessas capitais seria suficiente para abas-tecer quase cinco milhões de habitantes.

Segundo Tânia Baylão, superintendentede Produção de Água da Companhia de

Unaí (MG) foi destacada em relatório de ONG britânica comoexemplo mundial de abastecimento público de água: 100% das casastêm água tratada. Alcides Ribeiro, secretário de Desenvolvimento eMeio Ambiente, mostra a estação de tratamento de água da cidade.Foto: Valter Campanato/ABr

Saneamento Ambiental do Distrito Fede-ral (Caesb), a redução de desperdício pas-sa por garantia de investimentos nas re-des e atendimento rápido de notificaçõesde vazamentos. “Combater a perda temque ser uma diretriz básica, temos inclusi-ve uma linha de financiamento prioritáriapara isso.” O Distrito Federal é a unidadeda federação com o menor registro de per-da na distribuição, com 27,3%.

CONSUMO DOMÉSTICO EXAGERADO

Além da perda na distribuição, o relatóriotambém apresenta um mapa do consumo do-méstico de água e mostra que a média nacio-nal, de 150 litros per capita, está 40 litros aci-ma do recomendado pela Organização dasNações Unidas (ONU). Em cidades comoSão Paulo, Rio de Janeiro e Vitória, o consu-mo ultrapassa 220 litros por dia.

“Infelizmente, o brasileiro acha que comotemos bastante água não é preciso econo-mizar. Pelo contrário, temos regiões em quese você dividir o volume de água pela po-pulação, podemos considerá-las como áre-as de déficit hídrico, como São Paulo e Riode Janeiro, por exemplo”, explica AntônioFélix Domingues, chefe das assessorias daAgência Nacional de Águas (ANA).

Marussia Whately, representante do ISA,aponta a conta de água conjunta em con-domínios residenciais como uma das cau-sas do alto consumo em regiões urbanas.

“O usuário acaba não tendo o mesmo cui-dado com o aumento do consumo de águaassim como tem com a conta de luz”, com-para. Ela defende que “pequenas trans-formações em hábitos diários podem ge-rar grandes mudanças” e acredita que aconscientização é uma das ferramentaspara diminuir o desperdício.

ECONOMIZAR É PRECISO

O brasileiro gasta, em média, 40 litros deágua a mais que o total de 110 litros percapita recomendado pela Organização dasNações Unidas (ONU). No Dia Mundial daÁgua (22), a Agência Nacional de Águas(ANA) e o Instituto Socioambiental (ISA)sugerem algumas mudanças de hábito parareduzir o desperdício no uso doméstico.“É importante trabalhar com a consciênciade que estamos lidando com um recurso

que é finito, cada vez maisescasso e que passa poruma série de processos atéchegar a nossa casa. A con-servação é responsabilida-de de todos: seja da con-cessionária de saneamento,diminuindo as perdas; se-jam dos prefeitos evitandoa degradação de mananci-ais; seja do consumidor fi-nal, evitando o desperdícioe o uso desnecessário”, lis-ta Marussia Whately.

A agência e o instituto têmcampanhas específicassobre conservação dos re-cursos hídricos. Confiraalgumas medidas para evi-tar o desperdício:■ Reduzir em cinco minu-tos o tempo de uso dochuveiro elétrico: a econo-mia pode chegar a 48 litros

de água por banho.■ Trocar bacias sanitárias por modelosmais eficientes para evitar vazamentos.■ Instalar medição individualizada em cadaapartamento, em edifícios residenciais.■ Reutilizar a água do último enxágüe damáquina de lavar para a limpeza domésti-ca e para descarga nos banheiros.■ Instalar equipamentos poupadores, comotorneiras que regulam a vazão. ■

Luana Lourenço, da Agência Brasil –Matéria publicada pelo EcoDebate em24/03/2008.

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Dos 5.564 municípios brasileiros, apenas 39% têm meios de destinação adequada para os resíduos sólidos coletados.Os outros 61% “contribuem para a degradação do meio ambiente, do solo, das águas e, principalmente, colocam em riscoa saúde pública”, informa Carlos Silva Filho, assessor jurídico e de Assuntos Institucionais da Associação Brasileira deEmpresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe).

Segundo o assessor, a situação mais crítica está concentrada nas Regiões Norte e Nordeste, onde os percentuais demunicípios que não dão destinação adequada aos resíduos sólidos chegam a 85% e 76%, respectivamente. Situaçãoinversa é registrada nas Região Sudeste, puxada pelo Estado de São Paulo, e na Região Sul.

Carlos Silva Filho citou o que ele considera um dado mais preocupante ainda: além do alto percentual de municí-pios que não fazem destinação adequada dos resíduos sólidos, no ano de 2007 “dez milhões de toneladas deresíduos urbanos sequer foram coletadas, o que demonstra, com certeza, que eles não tiveram destino adequado”.

O diagnóstico dessa situação precária, segundo o representante da Abrelpe, se deve a um conjunto de fatores, como:■ a falta de uma cultura sobre a real necessidade de adequação da destinação dos resíduos sólidos;

■ a falta, em muitos municípios, de locais adequados para a construção de aterros sanitários ou depósito ouqualquer outra forma de recepção de resíduos adequada; e principalmente■ a falta de recursos a serem aplicados nesse setor.

Segundo Carlos Silva Filho, a média de gastos dos municípios brasileiros, em 2007, com o setor de resíduos sólidos ficouem R$ 2,20/ mês, por domicílio de quatro pessoas, o que representa aproximadamente de R$ 0,60 a R$ 0,80/dia/pessoa. “Não dá para fazer nada com esse valor tão pequeno”, alerta o especialista.

Para Carlos Silva Filho, não há necessidade de uso de recursos públicos na melhoria dos serviços dessa área, “já queexistem empresas privadas dispostas a investir nesse setor, embora falte aplicação desses recursos públicos em pesquisasde tecnologias alternativas e de reciclagem, o que significaria a aplicação de políticas públicas de apoio ao setor”.

O representante da Abrelpe lembra que em 19 de março último, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)liberou o uso de embalagens PET(1) (garrafa de plástico) recicladas em alimentos, em função do surgimento de novatecnologia de reaproveitamento do polietilenotereftalato. “Temos de ter o cuidado de não mais deixar que esse materialacabe em um aterro sanitário. Ele deve voltar à cadeia produtiva.”

TRATAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS:

QUADRO CAÓTICO

Antonio Arrais – Rádio Nacional/Agência Brasil, publicada no EcoDebate de 24/03/2008.

(1) Nota do Editor - Segundo a Anvisa, cerca de 184 mil toneladas de garrafas PET deixaram de ser recicladas, no Brasil, em 2007. Estematerial é principalmente utilizado na fabricação de garrafas plásticas para bebidas não alcoólicas, como refrigerantes e sucos, entreoutros alimentos. As garrafas PET demoram cerca de 100 anos para se decompor no meio ambiente. A Associação Brasileira da Indústriado PET (Abipet) estima que, só em 2006, foram produzidas, no Brasil, 378 mil toneladas de embalagens à base de PET. Para maisinformações sobre as normas de reciclagem do PET, consultar www.anvisa.gov.br:80/divulga/noticias/2008/190308_2.htm

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ESCASSEZ DE ÁGUA:

A CRISE SILENCIOSA

A água é vida para as pessoase para o planeta. A água doce é– por si só – o elemento maisprecioso da vida na Terra. Éessencial para a satisfação dasnecessidades humanas bási-cas, a saúde, a produção de ali-mentos, a energia e a manuten-ção dos ecossistemas regio-nais e mundiais. “Embora seobserve pelos países, mundoafora, tanta negligência e tantafalta de visão com relação aeste recurso, é de se esperarque os seres humanos tenhampela água grande respeito, queprocurem manter seus reserva-tórios naturais e salvaguardarsua pureza. De fato, o futuroda espécie humana e de muitas

como causa o petróleoe será provocada pelas disputasem torno da água doce,cujos estoques diminuemdramaticamente a cada ano.É tempo de se dar um bastaà exclusão hídrica.

s

outras espécies pode ficar com-prometido, a menos que hajauma melhora significativa naadministração dos recursos hí-dricos terrestres.” (1)

O acesso à água já é um dosmais limitantes fatores para odesenvolvimento socioeconô-mico de muitas regiões. “A suaausência, ou contaminação,leva à redução dos espaços devida, e ocasiona, além de imen-sos custos humanos, uma per-da global de produtividade so-cial. (2) A competição de usospela agricultura, geração deenergia, indústria e o abasteci-mento humano tem geradoconflitos geopolíticos esocioambientais e afetado di-

retamente grande parte da po-pulação da Terra. Mais de 2,6bilhões de pessoas carecem desaneamento básico e mais deum bilhão continuam a utilizarfontes de água impróprias parao consumo. Por falta de águalimpa, metade dos leitos hos-pitalares disponíveis no mun-do é ocupada e cerca de 5 mi-lhões de pessoas (3), na suamaioria crianças, morre anual-mente. Apesar destes dadosassustadores, a crise da águaé uma crise silenciosa.

A qualidade e quantidade deágua têm impactos diretos nosmeios de vida das populaçõesmais pobres, na sua saúde ena sua vulnerabilidade a crises

de todos os tipos. Também afe-tam grandemente o estado domeio ambiente, a capacidadedos ecossistemas de fornecerserviços ambientais e a proba-bilidade de desastres ambien-tais. Em todo o mundo, a faltade medidas sanitárias e de tra-tamento de esgotos polui riose lagos; lençóis freáticos sãorapidamente exauridos e con-taminados por métodos de ex-ploração inadequados; águassuperficiais são superexplora-das pela irrigação e poluídaspor agrotóxicos; populaçõesde peixes são sobreexploradas,áreas úmidas, rios e outrosecossistemas reguladores deáguas são drenados, canaliza-dos, represados e desviados

Por Carlos Ferreira de Abreu Castro e Aldicir Scariot – PNUD

Já é consenso que grande parte dos conflitospolíticos e sociais no futuro deixará de ter

Crise ilenciosa

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OS OITO OBJETIVOS FIXADOSPELA CONFERÊNCIA DO MILÊNIO:

■ A erradicação da pobreza e da fome.

■ A universalização do acesso à educação primária.

■ A promoção da igualdade entre os gêneros.

■ A redução da mortalidade infantil.

■ A melhoria da saúde materna.

■ O combate à AIDS, malária e outras doenças.

■ A promoção da sustentabilidade ambiental.

■ O desenvolvimento de parcerias para o desenvolvimento.

Porto Velho (RO) - Crianças da comunidade carente de SãoSebastião. Na capital de Rondônia, apenas 3% da populaçãotêm saneamento e 50% não contam com abastecimento de água.A Prefeitura recebeu R$ 600 milhões para esse tipo de obras,por conta do PAC. Foto: Roosevelt Pinheiro/ABr

sem planejamento.(4) Os esto-ques de água doce estão sen-do intensamente diminuídospelo despejo diário de 2 milhõesde toneladas de poluentes (de-jetos humanos, lixo, venenose muitos outros efluentes agrí-colas e industriais) nos rios elagos. A salinidade, assimcomo a contaminação por ar-sênico, fluoretos e outras toxi-nas ameaçam o fornecimentode água potável em muitas re-giões do mundo.

EXCLUSÃO HÍDRICA:

OS POVOS SEM ÁGUA

Uma das conseqüências maisperversas deste mau uso é aexclusão hídrica. Hoje, apenasmetade da população das na-ções em desenvolvimento temacesso seguro à água potável.A escassez de água aumentarásignificativamente nos próxi-mos anos devido ao aumentodo impacto combinado resul-tante do aumento do uso percapita de água e dos efeitos dasmudanças climáticas. O aumen-to da população e da renda re-flete diretamente no aumento doconsumo de água e na produ-ção de resíduos poluentes. Apopulação urbana dos paísesem desenvolvimento aumenta-rá dramaticamente, gerando de-manda muito além da capacida-de, já inadequada, de infra-es-trutura para fornecimento deágua e saneamento.

Em 2050, pelo menos uma emcada quatro pessoas provavel-mente viverá em um país afeta-do por escassez crônica ou re-corrente de água potável. Istopoderá restringir seriamente adisponibilidade de água paratodas as finalidades, particu-larmente para a agricultura, queatualmente responde por 70%de toda a água consumida.(5) Afalta de conciliação entre todosesses usos e funções da água,o aumento da demanda aliadoaos conflitos já existentes e aassimetria de poder entre os in-teresses envolvidos criou uma

nova categoria de injustiçasocial – a exclusão hídrica, os“povos sem água”.

O cenário de escassez provo-cado pela degradação e peladistribuição irregular gera con-flitos, seja dentro dos própri-os países ou entre nações. His-toricamente, dominar o uso daágua dos rios fez com que al-gumas civilizações se utilizas-sem disso como forma de exer-cer poder sobre outros povose regiões geográficas. Umexemplo de conflito modernopelo uso da água é vivenciado

por israelenses e palestinos.Israel depende das águas sub-terrâneas que estão no territó-rio palestino ocupado e retiracerca de 30% da disponibilida-de do aqüífero, comprometen-do a capacidade de recargadesse reservatório.(6)

O estoque de água já é gran-demente desigual. A Ásia, com60% da população mundial,detém apenas 36% da águadoce mundial. As disparidadescontinuarão a crescer. Hoje,vinte países enfrentam umadramática falta de água. Em

2050, se mudanças profundasnão ocorrerem, a escassez deágua afetará 7 bilhões de pes-soas em 60 países(7). É uma cri-se silenciosa, é uma crise dosque não têm voz.

A ÁGUA E OS OBJETIVOS

DE DESENVOLVIMENTO

DO MILÊNIO

Como afirmou Nitin Desai, se-cretário-geral da Cúpula Mun-dial sobre DesenvolvimentoSustentável, não é possívelmelhorar a difícil situação dospobres do mundo sem fazer al-guma coisa em relação à quali-dade da base de recursos deque dependem: as terras e osrecursos hídricos. Melhorar autilização dos recursos hídri-cos é decisivo para todas asoutras dimensões do desen-volvimento sustentável. Para oPrograma das Nações Unidaspara o Desenvolvimento(PNUD), a água é um ponto departida catalítico nos esforçospara ajudar os países em de-senvolvimento na luta contraa fome e a pobreza, na salva-guarda da saúde humana, naredução da mortalidade infan-til e na gestão e proteção dosrecursos naturais.

Durante a Conferência do Mi-lênio, promovida pela Organi-zação das Nações Unidas emsetembro de 2000, 191 países –a maioria representada na con-ferência por seus chefes deestado ou governo – subscre-veram a Declaração do Milê-nio, que estabeleceu um con-junto de objetivos para o de-senvolvimento e a erradicaçãoda pobreza no mundo, os cha-mados Objetivos de Desenvol-vimento do Milênio (ODM) –(ver quadro à esquerda).

Dada esta lista de oito objetivosinternacionais comuns, 18 metase mais de 40 indicadores foramdefinidos, tendo em vista possi-bilitar entendimento e avaliaçõesuniformes dos ODM nos níveisglobal, regional e nacional. A

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meta 10 visa reduzir pela meta-de, até 2015, a parcela da popu-lação sem acesso seguro e du-radouro à água potável.

“Nenhuma medida poderiacontribuir mais para reduzir aincidência de doenças e salvarvidas no mundo em desenvol-vimento do que fornecer águapotável e saneamento adequa-do a todos.” Essa afirmaçãodo então secretário-geral daONU, Kofi Annan, define deforma categórica o papel fun-damental que a água e o sane-amento desempenham na erra-dicação da pobreza e para as-segurar o desenvolvimentohumano sustentável.

No contexto dos ODMs a águadesempenha um papel centraldevido à sua importância parapromover o crescimento eco-nômico e reduzir a pobreza,propiciar segurança alimentar,melhorar as condições da saú-de ambiental e proteger osecossistemas. A expansão doacesso ao fornecimento do-méstico de água e aos servi-ços de saneamento contribui-rá para o alcance de váriosODMs, visto que a água estáintrinsecamente ligada a eles.É difícil imaginar como podehaver avanços significativos,sem primeiro assegurar que aspessoas tenham um forneci-mento duradouro e confiávelde água e instalações sanitári-as adequadas.

A CRISE DA ÁGUA

NO BRASIL

O Brasil detém 12% das reser-vas de água doce do mundo,sendo que cerca de 70% dessetotal estão na Bacia Amazôni-ca, onde a densidade popula-cional é a menor do país. Poroutro lado, a região mais áridae pobre do Brasil, o Nordeste,onde vivem 28% da população,possui somente 5% da águadoce. A alta densidade popu-lacional, a poluição e a agricul-tura, aliadas à visão de que a

água é um recurso infinito, jáprovocam o aumento na escas-sez de água de qualidade nasregiões Sul e Sudeste do país,onde vive 60% da população.

Os índices de abastecimento deágua mostram que há enormesdesigualdades entre regiões eentre ricos e pobres. Os maisprejudicados são aqueles quevivem nas favelas, periferias epequenas cidades. Somenteum terço dos 40% mais pobresdispõe de serviços de água esaneamento, enquanto quepara os 10% mais ricos essevalor sobe para 80%. O sanea-mento básico atinge somente56% dos domicílios urbanos e

Mais de 2,6 bilhões

de pessoas carecem

de saneamento básico

e mais de um bilhão

continuam a utilizar fontes

de água impróprias

para o consumo.

meramente 13% dos domicíli-os rurais. As classes mais al-tas, com rendimentos acima de10 salários mínimos, têm cober-tura 25% maior em água e aci-ma de 40% em esgoto que apopulação com renda inferiora dois salários mínimos, cujosíndices de cobertura dessesserviços estão abaixo da mé-dia nacional.(8)

A Meta 11 dos ODMs estabe-lece que, até 2020, deve havermelhora significativa na qua-lidade de vida de 100 milhõesde habitantes de moradias ina-dequadas em todo o mundo,incluindo-se acesso a esgota-mento sanitário (indicador 31).

A análise dos dados demons-tra que diminuiu, em termosrelativos, a proporção da po-pulação sem acesso a esgota-mento sanitário – apesar de,em número absolutos, ter ha-vido aumento da populaçãobrasileira e da população semacesso a esses serviços. Defato, em 1991 havia 75,1 mi-lhões de pessoas (61,6%) semacesso à rede de esgoto e, em2000, esse número subiu para93,7 milhões, o equivalente a55,6% dos habitantes. Se o rit-mo de queda percentual con-tinuar o mesmo, em 2015 ain-da haverá 45,5% da populaçãosem acesso a esgotamentosanitário. A projeção dessesdados indica que pouco me-nos da metade da populaçãodo Brasil (42,3%) continuariasem acesso à rede de esgotoem 2020. (9) Essas disparida-des demonstram o quanto oBrasil ainda tem de avançarnessa questão.

O ACESSO À ÁGUA

E SANEAMENTO

É UMA QUESTÃO ÉTICA

A crise da água vem aumen-tando, mesmo com algunsavanços obtidos para atingiros objetivos estabelecidos em2000. O Projeto do Milênio dasNações Unidas foi estabeleci-do em 2002 para desenvolverum plano de ação que habiliteos países em desenvolvimen-to a alcançar os Objetivos deDesenvolvimento do Milênioe a reverter o massacre da po-breza, da fome e das doençasque atinge bilhões de pesso-as. As equipes das dez forças-tarefas do Projeto Milênio,congregando 265 especialis-tas de todo o mundo, foramdesafiadas a diagnosticar osprincipais impedimentos ao al-cance dos Objetivos de De-senvolvimento do Milênio e aapresentar recomendações decomo superar os obstáculos,colocando as nações no ca-minho certo para atingir asmetas até 2015.

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Cidadania&MeioAmbiente 11

REFERÊNCIAS:

(1) J.W.Maurits la Rivière -“Threats to the World’s Water” -Scientific American, special issue -Managing Planet Earth, 1989(2) Ladislaw Dobor. In “A Repro-dução Social” Volume 2 PolíticaEconômica e Social : os desafio doBrasil. 2001(3) Dados do relatório da Força-tarefa da ONU. Água e Saneamentodo Projeto do Milênio. 2005. Naliteratura especializada, estes dadosvariam muito, com números até cin-co vezes maiores.(4) WWF-Brasil “Programa Águapara a Vida - Conservação e Gestãode Água Doce”(5) UN/WWAP (United Nations/World Water Assessment Program-me). 2003. UN World Water Devel-opment Report: Water for People,Water for Life. Paris, New York andOxford: United Nations Educa-tional, Scientific and CulturalOrganization and Berghahn Books.(6) Instituto Socioambiental – ISA.Almanaque Brasil Socioambiental,2004. Relatos de diferentes confli-tos entre intra e inter nações, bemcomo resultantes do crescente pro-cesso de privatização dos serviçosde águas e saneamento – pode servisto em Evaristo Miranda. Águana natureza e na vida dos homens.Idéias e Letras. 2004 e emMohamed Bouguerra. As Batalhasda Água: por um bem comum dahumanidade. Editora Vozes, 2004.(7) The United Nations WorldWater Development Report 2003,UNESCO-WWAP.(8) Ministério das Cidades 2004.Saneamento Ambiental. CadernosMCidades, vol. 5.(9) Centro de Pesquisa de OpiniãoPública – DATAUnB. Relatório Na-cional ODM 7 “Garantir a Sustenta-bilidade Ambiental”. UnB, 2004.(10) Estima-se que sejam necessá-rios apenas 4% dos gastos militarescom armamentos no mundo paraprover água potável e saneamentoadequado para toda a humanidade.(11) Mohamed Bouguerra. As Ba-talhas da Água: por um bem comumda humanidade. Editora Vozes,2004. 238p.(12) Ex-secretário-geral da Con-ferência das Nações Unidas sobreHabitações Humanas (Habitat II)

Carlos Ferreira de AbreuCastro – Doutor em MeioAmbiente e Desenvolvimento,Coordenador da Unidade de MeioAmbiente, Programa das NaçõesUnidas para o Desenvolvimento –a PNUD/Brasil.

Aldicir Scariot – Doutor emEcologia, Analista de Projetos,Programa das Nações Unidaspara o Desenvolvimento –PNUD/Brasil.

No início de 2005, a força-tare-fa sobre Água e Saneamentorecomendou ações críticaspara minorar a crise global deágua e saneamento e promo-ver a gestão adequada dos re-cursos aquáticos. (Ver algumasdas ações recomendadas noquadro Água e Saneamento.)

Estas recomendações mostramclaramente que, após cincoanos, a ONU continua concla-mando os países a assumir oacesso seguro à água potávelcomo prioridade máxima emsuas agendas. O mais grave é ofato de que as metas estabele-cidas para 2015 não visam a eli-minar, e sim reduzir, a tremendainjustiça social da falta de aces-so seguro à água e ao sanea-mento básico para todos oshabitantes da Terra. De acordocom a força-tarefa, expandir acobertura de água e saneamen-to não requer somas colossaisde dinheiro(10), nem descober-tas científicas inovadoras. Qua-tro em cada dez pessoas nomundo não têm acesso nem auma simples latrina de fossanão-asséptica e são obrigadasa defecar a céu aberto. Obvia-mente, o conhecimento, as fer-ramentas e os recursos finan-ceiros estão disponíveis parapôr fim a esta infâmia.

Como afirma Mohamed Bou-guerra(11), o fornecimento deágua para a humanidade articu-la-se estreitamente às priorida-des estabelecidas pelos ho-mens. Os usos que damos à águarefletem, no fim das contas, osnossos valores mais profundos.“A água é, primeiramente, umaquestão política e ética. Nenhu-ma outra questão merece maisatenção por parte da humanida-de. Ela determina a paz univer-sal e o futuro de todos os seresvivos.” A posição de WallyN’Dow(12), para quem grandeparte dos conflitos políticos esociais no futuro deixarão de tercomo causa o petróleo e serãoprovocados pelas disputas em

torno da água, é hoje praticamen-te um consenso.

O alerta feito por Bouguerra nãopode ser ignorado. Necessita-mos, hoje, da formulação de umapolítica global para a água, fun-dada sobre o plano da ética, eque sirva de guia para definiruma partilha equilibrada dosrecursos. “Dessa maneira seporia fim aos embates indignosque os detentores do poder ealguns grupos de pressão exer-

cem sobre este recurso. Se apolítica da água precisa ser in-tegrada à viabilidade econômi-ca, não é menos indispensávelque ela englobe também a soli-dariedade social, a cooperaçãocom os países mais desprovi-dos, a responsabilidade ecoló-gica e a utilização racional des-se recurso, para não comprome-ter as necessidades das gera-ções atuais e futuras e dos de-mais seres vivos que partilhamconosco a água do globo.” ■

O Programa 1 Milhão de Cisternas levou água ao Povo Xacriabá, emSão João das Missões, MG, Médio São Francisco.Foto: João Zinclar

ÁGUA E SANEAMENTO

■ Governos nacionais e outras partes envolvidas devemassumir o compromisso de definir a crise do saneamentocomo prioridade máxima em suas agendas.

■ Investimentos em água e saneamento devem ser ampli-ados e devem focalizar a provisão sustentável de serviços,em vez de apenas construir instalações.

■ Governos e agências doadoras devem fortalecer as co-munidades locais com a autoridade, recursos e capacida-de profissional necessários para a gestão do fornecimen-to de água e a provisão de serviços de saneamento.

■ Dentro do contexto das estratégias nacionais de redu-ção da pobreza, os países devem elaborar planos coe-rentes de desenvolvimento e gestão dos recursos hídricos.

■ A inovação deve ser incentivada para acelerar o progres-so, e assim alcançar diversos objetivos de desenvolvimentosimultaneamente. Por exemplo, o desenvolvimento de no-vas formas de reutilização da água recuperada na agricul-tura poderia aumentar o rendimento das colheitas e redu-zir a fome, melhorando também o saneamento.

■ Mecanismos de coordenação devem ser implementadospara melhorar e avaliar o impacto das atividades financi-adas por agências internacionais no âmbito nacional.

12

Por Frei Gilvander Moreira

Para fazermos um balanço, aprende-mos já nos rudimentos da contabi-lidade que temos de analisar os

ganhos e os prejuízos. O saldo é o resulta-do do lado bom menos o lado ruim das açõesque não atenderam às nossas expectativas.Pois bem, é com este olhar que nos propu-semos a avaliar o que vimos e sentimos –de longe e de perto –, na luta do povo enca-beçada por Dom Cappio contra a transpo-sição e em prol do Rio São Francisco.

Durante os 24 dias de jejum e oração deFrei Luiz quantas cartas, e-mails, telefone-mas e manifestações de apoio dos quatrocantos do mundo: antenados e solidários.Quantas pessoas Frei Luiz ouviu, aconse-lhou, confessou, abraçou, beijou, dirigiumensagens, ou simplesmente olhou comcarinho. Quantas pessoas participaram do

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ta JEJUM

Dom Frei Luiz Flávio Cappio:

BALANÇO

do“jejum solidário”, uma proposta que ga-nhou conotações – até certo ponto sur-preendentes – de crítica a uma sociedadeque tem abundância de comida, mas au-mento da fome. Milhares de pessoas sen-tiram-se questionadas profundamente noseu estilo de vida cristã, diante do valiosotestemunho de Frei Luiz, ainda que suaspalavras e atitudes proféticas tenham sidoignoradas por autoridades que se fizeramsurdas à voz do povo.

Na capela de São Francisco, na pequenacidade de Sobradinho, no sertão da Bahia,graças ao espírito divino presente naságuas do rio, os 24 dias de jejum e oraçãode Dom Cappio (de 27/11/2007 a 20/12/2007) revelaram o crescente compromis-so de milhões de brasileiros com a preser-vação do São Francisco. O rio não é mais

algo fora de nós. É a nossa identidade.No princípio era a água; e a água se fez“carne”: criaturas todas do universo. Nãosomos apenas filhos e filhas da água.Somos água que sente, que canta, quepensa, que ama, que deseja, que cria.

O gesto de Dom Cappio desmascarou a ig-norância e a omissão de muitos cidadãos.Desmascarou sobretudo a arrogância doGoverno e o cinismo das instituições tidascomo democráticas. Mostrou que os qua-tro poderes – Midiático, Executivo, Legisla-tivo e Judiciário – continuam de joelhos di-ante do poder econômico nacional e inter-nacional. Revelou que o Governo do presi-dente Inácio da Silva revestiu-se de autori-tarismo, de arrogância e prepotência na cor-rupção. Ou nas palavras de Dom TomásBalduino: “O Governo Lula esgotou-se.”

E S P E C I A L Á G U A

Cidadania&MeioAmbiente 13

Queremos água para 44 milhões,

não só para 12.

Para nove estados, não apenas quatro.

Para 1.356 municípios, não apenas 397.

Politicamente, não se legitima a transposi-ção do Rio São Francisco. Os movimentospopulares, representantes legítimos dopovo, levantaram-se na defesa das águascomo bem comum. Denunciaram a mercan-tilização da água para o hidronegócio. Ojejum de Frei Luiz desnudou a verdade so-bre a malfadada transposição: uma obrafaraônica. A maior da história do Brasil. Osestudos oficiais mostram: 70% da água vãopara a irrigação, 26% para uso industrial,somente 4% para população difusa.

O gesto de Dom Cappio fortaleceu a ViaCampesina, os movimentos populares eas lideranças sociais, os setores religio-sos e a consciência cidadã para prosse-guirem na luta ecológica, o que significaluta contra injustiças sociais, políticas eeconômicas. Internacionalmente, a reper-cussão gerou bons frutos. A ComissãoPastoral da Terra, Pastorais Sociais e par-te dos movimentos populares que nãomediram esforços na luta ao lado de DomCappio também saíram fortalecidos.

Frei Luiz irrompeu como uma forte lideran-ça do Brasil atual. Será como uma “espadade Dâmocles” levantada sobre a cabeçados quatro poderes, das instituições, doscidadãos, cúmplices do crime e acomoda-dos. A voz e o testemunho de Frei Luizvalorizaram o amor pela causa dos pobres.

O gesto profético de Dom Cappio curou acegueira de milhões de pessoas. Jejum eoração foram instrumentos para desnudara mentira. Mobilizou a CNBB, a Igreja Ca-tólica, os cristãos, boa parte do clero e dosreligiosos. Nas mentes e corações de mi-lhares de pessoas despertou a indignação.

A conquista das conquistas: Dom Cap-pio continua vivo entre nós. Mais do quenunca ele será um grande profeta no meiodo povo a encorajar a luta dos pequenosna denúncia de arbitrariedades e desu-manidades dos quatro poderes que, tra-vestidos de Estado de Direito, insistemem imperar sobre os pobres e sobre o am-biente natural.

O gesto profético de Dom Luiz sacudiu aIgreja, o Governo e pessoas de tantas ins-tituições. A força cristalina do testemu-nho de profeta tocou feridas profundas,encobertas por discursos fáceis, palavrasjogadas ao vento. Dom Cappio retomouuma modalidade de luta assentada sobre

a fina flor da tradição cristã: jejum e ora-ção. Resgatou no coração de muitos mili-tantes uma espiritualidade nova. Jejuar eorar continua sendo expressão da resis-tência contra os faraós de hoje.

A continuidade do debate fará com quecaiam outras máscaras! Muitos neófitosno debate sobre a transposição – temaque já está em pauta há pelos menos 10anos – expressam incongruências, desin-formação e o velho preconceito em malpensar a partir do Sul/Sudeste, o que segeneralizou chamar “Nordeste”. Não dámais para ignorar a revolução silenciosaque se expressa no paradigma da convi-vência com o semi-árido.

Com Roberto Malvezzi somamos:“O saldo do gesto de Frei Luiz Cappio de-marca as margens e estabelece um abismomoral entre companheiros que até ontembebiam da mesma água. O rio que nos sepa-ra é mais profundo que o São Francisco. Oque está em jogo é o futuro deste país, dopróprio planeta, da própria humanidade.Será que o caminho do governo está mes-mo “livre” para prosseguir com o projetoapós a decisão do STF de liberar as obras?Uma obra de longo prazo, que envolve bi-lhões de reais durante sucessivos gover-nos, nunca está garantida antes de sua con-clusão. A preocupação fundamental de-monstrada pelo governo foi “não fazer con-cessões ao bispo”, como demonstração de“autoridade”. Muitas vezes, a expressãocorrente foi que “ceder liquidaria o Esta-do”. Ou: “Agora é o São Francisco, depoispodem querer barrar usinas no Rio Madei-ra”. Portanto, o governo sabe que o gestode Frei Luiz aponta não só contra o gover-no e seu PAC – Programa de Aceleração doCrescimento... das empresas, não do povo– mas igualmente contra o modelo de de-senvolvimento que está sendo imposto so-bre a natureza, as pessoas e as comunida-des mais pobres do país.”

Não podemos perder de vista que o nos-so projeto é muito maior. Queremos águapara 44 milhões, não só para 12. Para noveestados, não apenas quatro. Para 1.356municípios, não apenas 397. Tudo pelametade do preço da transposição. O Atlasdo Nordeste (da ANA – Agência Nacio-nal de Águas) e as iniciativas da ASA –Articulação do Semi-árido – (sociedadecivil) que lutam pela construção de 1 mi-lhão de cisternas e a implementação de144 tipos de tecnologias alternativas esustentáveis ecologicamente são muitomais abrangentes e têm finalidade noabastecimento humano.

A transposição é econômica, neoliberal.

Um camponês do Ceará alerta: “Nenhumprojeto faraônico beneficia os pequenos.O que beneficia os pequenos são as pe-quenas obras multiplicadas aos milhares.”Por isso a luta continua! As reflexões oriun-das do testemunho de Dom Cappio fize-ram e ainda farão borbulhar o Espírito parasuscitar e dinamizar muitas outras liçõescomo testemunho de autêntica cidadania.

Queiram os opositores e o governo ounão o saldo é positivo! Com Dom Cappiovivo e a verdade gritando mais forte –após o jejum e oração não apenas de um,mas de tantos – temos hoje a certeza ain-da maior de estarmos do lado certo destahistória. Ou como profetizou LeonardoBoff, a transposição já está amaldiçoada!(Belo Horizonte/MG, 20/01/2007). ■

Frei Gilvander Moreira – FreiCarmelita, mestre em Exegese Bíblica,professor de Teologia Bíblica, assessor daCPT, CEBs, SAB, CEBI e Via Campesina,colaborador e articulista do EcoDebate.E-mail: [email protected] –http://www.gilvander.org

E tudo pela metade do preço da transposição.”

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SEMI-ÁRIDO: CONDIÇÕES AMBIENTAIS

Também chamado de sertão – cenário geográfico onde ocorremas secas –, o semi-árido brasileiro abrange os seguintes estados:Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alago-as, Sergipe, Bahia e o Vale do Jequitinhonha, no norte de MinasGerais. Estima-se nele uma população de cerca de 20 milhões depessoas das quais, no exacerbar de uma seca, 10 milhões passamsede e fome. É uma região de elevadas temperaturas (média de26ºC), onde o regime pluvial é bastante irregular. A média pluvio-métrica anual oscila entre 400 e 800mm, com volume anual preci-pitado estimado em cerca de 700 bilhões de m³. Os solos sãogeralmente rasos, pedregosos (escudo cristalino), com ocorrên-cia de vegetação do tipo xerófila.

Essas condições ambientais intrínsecas ao solo e ao clima ser-vem de base para a sua classificação em zonas: caatingas, seridó,carrasco e agreste. As estiagens prolongadas ocorrem ciclica-mente, trazendo efeitos nocivos para a economia da região eacarretando custos sociais elevadíssimos.

A economia da região – ainda que mais industrializada hoje doque há anos – está baseada no setor primário: um complexo depecuária extensiva e agricultura de baixo rendimento.

Uma reflexão apropriada sobre essas questões precisa ser feitapor quem queira compreender o potencial dos recursos naturais

As condições inóspitasque perduram há séculose afligem milhões no meiorural nordestino podemter fim. Basta se levar emconta as peculiaridadesambientais, climáticas,geológicas e biológicasdo semi-árido.

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RD

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TE

COM O SEMI-ÁRIDO

por João Suassuna

CONVIVÊNCIA

do semi-árido e, principalmente, os elementos biológicos quenele vivem. O enfoque principal desses assuntos constitui fun-damentalmente o programa de trabalho do Instituto Nacional dosemi-árido – INSA, em Campina Grande, PB. Pouco se teria ainventar, mas muito a aprender com a diversidade da sua nature-za, pensando conceitualmente na semi-aridez como vantagem.

PLANTAS E ANIMAIS ADAPTADOS

Atualmente, é indispensável no semi-árido a ampliação de traba-lhos que visem ao tratamento adequado dos elementos biológi-cos – plantas e animais – afinados com a natureza peculiar doclima e com a circunstância sociocultural da região.

A identificação de forrageiras adequadas e a produção básica desuas sementes é um processo paralelo peculiar. Para a revogaçãoda pobreza no meio rural nordestino há de se começar levandoem conta essas peculiaridades.

A prioridade natural do uso da terra e a harmonia necessáriaentre os animais e o ambiente apontam para a concepção desistemas de produção específicos, permanentes, que devem co-meçar pela escolha das espécies apropriadas, sejam de animais,sejam de vegetais.

A vegetação natural – a caatinga – é rica, mas carece de maioresestudos que visem à perenização do seu extrato herbáceo e à racio-

foto:Glauco Umbelino

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Cidadania&MeioAmbiente 15

nalização do seu uso. É de fundamental im-portância o desenvolvimento de trabalhosvisando à preservação de ruminantes depequeno porte, através da multiplicação dasdiferentes raças de cabras e ovelhas nati-vas do Nordeste seco, portadores de fun-ções produtivas múltiplas: para leite, pele ecarnes. São as cabras vivazes, de pêlos cur-tos, e as prolíficas ovelhas deslanadas, depele e carne superlativas.

Quanto aos bovinos, é importante a es-colha de raças zebuínas, originárias dospré-desertos da Ásia, produtoras de leiterico, de oportuna competência para dige-rir materiais fibrosos e dotadas de carca-ça enxuta, com carnes sadias. Paralelamen-te ao Guzerá e ao Sindi, o gado “pé duro”do Piauí também deverá ser escolhidodevido à sua adaptação ao semi-áridodesde o período colonial e ao seu enormepotencial produtivo, de baixo custo.

O trabalho deve ser voltado especificamen-te para o melhoramento funcional e sele-ção inovadora, através de controles zoo-técnicos desse importante acervo preser-vado, de admirável frugalidade e sintoniafisiológica com os caprichos da naturezaregional, num ajuste de cinco séculos.

Esses animais, além da dimensão zootec-nológica, fazem parte da história de vidados nordestinos, tendo fornecido leite,couro, carne e trabalho aos nossos ante-passados, inserindo-se em nosso patri-mônio sociocultural.

A QUESTÃO HÍDRICA

João Suassuna – Engº Agrônomo e Pesquisador da FundaçãoJoaquim Nabuco, colaborador e articulista do EcoDebate.

Semi-árido:

20 milhões de

pessoas, das quais

10 milhões passam

sede e fome

no exacerbar

de uma seca.

Cerca de 70% da superfície do semi-árido nordestino têm geolo-gia cristalina. Nesse tipo de estrutura edáfica, os escoamentossuperficiais são muito maiores do que a parte que se infiltra nosolo. Essas características dos solos nordestinos resultaram emcorridas desenfreadas para a construção de represas, visando aoarmazenamento das águas para posterior aproveitamento. Esti-ma-se atualmente, no Nordeste seco, um quantitativo de cerca de70.000 represas de pequeno, médio e grande portes.

As represas da região acumulam um potencial de cerca de 37bilhões de m³. É o maior volume represado em regiões semi-ári-das do mundo. Apesar disso não há uma política, na região, quegaranta o abastecimento eficiente de suas populações, principal-mente aquelas localizadas de forma difusa. A malha de adutorasque permite o acesso das águas às populações é incipiente. Oresultado disso é a existência de um número expressivo de famí-lias vivendo, em sua maioria, no entorno das principais represasnordestinas, sem ter acesso ao precioso líquido. Além do mais,não existe vontade política para resolver esse tipo de situação,que perdura há séculos e aflige milhões de nordestinos.

Fala-se muito na água do subsolo para seresolver, de vez, os problemas hídricos daregião semi-árida. Esta é uma alternativaimportante, mas não é a solução para todo oproblema. Dadas as características geológi-cas da região, há poucas possibilidades deacúmulos satisfatórios de água nesse meio.Elas ocorrem nas fraturas das rochas e nosaluviões próximos de rios e riachos. Em ge-ral, essas águas são pouco volumosas (ospoços secam aos constantes bombeamen-tos) e freqüentemente de má qualidade. Aságuas que têm contato com esse tipo deestrutura se mineralizam com muita facilida-de, tornando-se salinizadas.

A título de exemplo, estima-se que 35%dos 60.000 poços escavados no cristali-no do Nordeste estejam secos ou obstru-ídos, ou com água inadequada ao consu-mo humano. O uso do dessalinizador emtais casos é antieconômico, pois 1 m³ deágua dessalinizada custa cerca de US$ 0,80(oitenta centavos de dólar).

Todavia, é importante a exploração racio-nal das regiões nordestinas de geologiasedimentária, evitando, sempre que pos-sível, os desperdícios d’água, a exemplodaqueles existentes no Estado do Piauí,que não aproveita de forma satisfatóriaas águas dos poços jorrantes escavadosna região do vale do Rio Gurgüéia, no mu-nicípio de Cristino Castro. Os poços jor-ram 24 horas por dia e não existe um pro-jeto de uso adequado que justifique o pro-grama de perfuração ali realizado.

ABASTECIMENTO A BAIXO CUSTO

Alternativas para a solução do abastecimento difuso no Nor-deste existem e podem ser implementadas a custos relativamen-te baixos. A Asa Brasil, por exemplo, é uma organização nãogovernamental que vem difundindo uma série de tecnologiasde acumulação de água no semi-árido, a exemplo das cisternasrurais, barragens subterrâneas, barreiros, trincheiras e manda-las, visando à solução dos problemas dessa parcela da popula-ção considerada a mais carente em termos de recursos hídricos.

Outra alternativa para a solução dos problemas de abastecimen-to das populações do semi-árido foi posta em prática, em dezem-bro de 2006, pelo próprio governo federal. Trata-se da edição doAtlas Nordeste de Abastecimento Urbano de Água. Esse traba-lho estabelece um diagnóstico preciso da atual situação hídricanordestina, com proposta de solução para o abastecimento atra-vés do uso de adutoras (tubulações), beneficiando cerca de 34milhões de nordestinos. ■

foto: Adriano & Adriana Aquino

foto: Maria Hsu

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A CRIAÇÃO DA UNIDADE

DE CONSERVAÇÃO

Ao término de intensa luta dos ambienta-listas da região de Carolina, o presidenteda República assinava, em 12 de dezem-bro de 2005, o decreto de criação da Uni-dade de Conservação denominada Par-que Nacional Chapada das Mesas – comárea de 160.000ha e abrangendo os muni-cípios de Estreito, Carolina e Riachão.

A partir de então, o órgão licenciador am-biental (IBAMA) passou a aceitar a Uni-dade de Conservação (PARNA Chapadadas Mesas) como sujeita à compensaçãoambiental a cargo dos empreendedores daUHE–Estreito (Usina Hidrelétrica de Es-treito), em início da construção, desde queconcedida a licença de instalação.

Em nosso país, a compensação ambien-tal é disciplinada pela Lei nº 9.985/00 -SNUC (Sistema Nacional de Unidades de

Os estados do Maranhãoe Tocantins lutam na justiça

para que os fundos destinadosà compensação ambiental,

pela construção da barragemUHE–Estreito, não sejampulverizados entre outras

Unidades de Conservação,como preconiza o IBAMA.

PARQUE NACIONAL CHAPADA DAS MESAS

por Jadilson Cirqueira de Sousa

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Conservação), que foi regulamentada peloDecreto nº 4.340/02, alterado mais tardepelo Decreto nº 5.566/05. De acordo como art. 36 da Lei 9.985/00 - SNUC:

“nos casos de licenciamento ambien-tal de empreendimentos de significati-vo impacto ambiental, assim conside-rado pelo órgão ambiental competen-te, com fundamento em estudo de im-pacto ambiental e respectivo relatório- EIA/RIMA, o empreendedor é obri-gado a apoiar a implantação e manu-tenção de unidade de conservação doGrupo de Proteção Integral, de acordocom o disposto neste artigo e no regu-lamento desta lei.”

Por seu turno, o art. 31 do Decreto 4.340/02 determina que:

“Para os fins de fixação da compensa-ção ambiental de que trata o art. 36 daLei nº 9.985, de 2000, o órgão ambien-tal licenciador estabelecerá o grau de

impacto a partir de estudo prévio deimpacto ambiental e respectivo relató-rio - EIA/RIMA realizados quando doprocesso de licenciamento ambiental,sendo considerados os impactos ne-gativos e não mitigáveis aos recursosambientais. Parágrafo único. Os per-centuais serão fixados, gradualmente,a partir de 0,5% (meio por cento) doscustos totais previstos para a implan-tação do empreendimento.”

Cabe esclarecer a distinção entre compen-sação ambiental e medidas mitigadoras ouprogramas de compensação social. Em facedo documento de compromisso – em prin-cípio prejudicial aos atingidos pelo Parque– foi encaminhada Recomendação ao pre-sidente do IBAMA, subscrita pelo Minis-tério Público, no sentido de que os recur-sos previstos para a compensação ambi-ental fossem destinados somente à imple-mentação e manutenção de unidades de

IMPLEMENTAÇÃOPROBLEMÁTICA

GESTÃ

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conservação situadas noMaranhão e Tocantins –previstas nos estudos am-bientais e de acordo com aLei – por estarem diretamen-te envolvidos pela constru-ção da UHE–Estreito.

COMPENSAÇÃO

PULVERIZADA

PELO IBAMA

Entretanto, o que seria umbenefício e tanto para a re-gião mais atingida pelo re-servatório da UHE–Estrei-to – com especificidadepara Carolina – passou aser mais um tormento e in-segurança diante da pos-sibilidade de uma não im-plementação rápida, segu-ra e eficaz do PARNA Cha-pada das Mesas.

Em janeiro de 2006 chegouao conhecimento do Minis-tério Público e da comuni-dade a existência de umaminuta do Termo de Com-promisso a ser firmado entreo IBAMA e o CESTE (con-sórcio de empresas para aconstrução da UHE–Estrei-to), como forma de compen-sação ambiental, no valor es-timado de R$ 9.635.000,00(nove milhões, seiscentos etrinta e cinco mil reais), pri-meira parcela, correspon-dente a 0,5% do valor do em-preendimento, com previsãodo repasse de recursos a ou-tras unidades de conserva-ção distribuídas nos seguin-tes estados:

■ Minas Gerais: PARNA Serra daCanastra, PARNA Sempre Vivas eEstação Ecológica Piratininga.

■ Mato Grosso: Estação Ecológi-ca Iquê.

■ Bahia: Reserva de Vidas Silves-tres Veredas do Oeste Baiano.

■ Tocantins: Parque Estadual doLageado (destinação não previstanos Estudos de Impactos Ambien-tais da UHE–Estreito).

A compensação ambiental

visa compensar o que será destruído

e inutilizado na natureza

pela intervenção humana

no meio ambiente.

A exemplo do Parque Nacional

Chapada das Mesas, inúmeras

unidades de conservação foram

criadas pelo poder público e não

implementadas na sua totalidade.

A iniciativa do órgão ambiental licencia-dor vem causando descontentamentosnas comunidades diretamente envolvidaspelo empreendimento em questão, face àcriação recente do Parque Nacional Cha-pada das Mesas, criado justamente paraamenizar os impactos oriundos da cons-trução da UHE–Estreito.

Em face do documento de compromis-so – em princípio prejudicial aos atingi-dos pelo parque – foi encaminhada re-comendação ao presidente do IBAMA,subscrita pelo Ministério Público, no

sentido de que os re-cursos previstos paraa compensação ambi-ental fossem destina-dos somente à imple-mentação e manuten-ção de unidades deconservação situadasno Maranhão e To-cantins – previstasnos estudos ambien-tais e de acordo coma lei – por estarem di-retamente envolvidaspela construção daUHE–Estreito.

O IBAMA respondeu oseguinte: “...identifica-das unidades de con-servação dentro da áreade influência direta ouindireta do empreendi-mento, com base noEIA/RIMA, essas uni-dades necessariamentereceberão recursos dacompensação ambien-tal, mas que, além des-sas unidades afetadas,outras poderão ser be-neficiadas, independen-te de estarem ou nãodentro da área de influ-ência, por consideraçãoà conservação doBioma ao qual o empre-endimento é construí-do, que no caso será ocerrado, razão pela qualas unidades de conser-vação nos estados deMinas Gerais, Bahia,Mato Grosso e Tocan-

tins poderão ser beneficiadas.”

Ao nosso modesto entendimento, a ile-galidade é manifesta na medida em quea lei prevê a aplicação dos recursos dacompensação ambiental para as unida-des de conservação previstas no EIA/RIMA. O que não acontecerá, caso oTermo de Compromisso seja assinadonos termos atuais, já que as unidadesdos estados de Mato Grosso, Bahia,Minas Gerais e Tocantins sequer forammencionadas no referido estudo e rela-tório de impacto ambiental específico daUHE–Estreito.

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Jadilson Cirqueira de Sousa – Promotorde Justiça de Carolina, Maranhão, colunistado Jornal Regional de Porto Franco,colaborador do CAO-UMA-MP/MA eespecialista em Ciências JurídicoUrbanísticas e Ambientais pela Faculdade deDireito da Universidade de Lisboa, Portugal.Publicado originalmente em EcoDebate,www.ecodebate.com.br, 10/05/2006.

Não é razoável que as comunidades dos estados

do Maranhão e do Tocantins arquem com

os encargos da UHE–Estreito, enquanto outras unidades

da Federação, beneficiadas pelo empreendimento,

gozam de recursos destinados à compensação ambiental.

UNIDADES DE CONSERVAÇÃO:

VÍTIMAS DA BUROCRACIA

Deve-se considerar, ainda, que o rateiodas quantias destinadas à compensaçãoambiental, para outras unidades de con-servação, somente contribuirá para a nãoimplementação, na sua totalidade doPARNA Chapada das Mesas, precisamen-te fundiários, causando imensuráveisprejuízos às comunidades diretamenteatingidas. Nesse sentido, os meios de co-municação do país não param de denun-ciar inúmeras unidades de conservaçãocriadas pelo poder público e não imple-mentadas na sua totalidade.

Quanto à proporcionalidade, faz-se ne-cessário avaliar que os benefícios ener-géticos advindos da UHE–Estreito re-percutirão principalmente em favor daRegião Sudeste – que, por ser mais in-dustrializada, carece de mais energia.Mas os ônus do empreendimento fica-rão sobre os estados do Maranhão eTocantins. Não é razoável/proporcionalque as comunidades dos estados do Ma-ranhão e do Tocantins arquem com osencargos sócio-político-econômico-cul-tural-ambientais do empreendimento,enquanto outras unidades da Federação– que já serão beneficiadas com a ener-gia a ser gerada – gozem de recursosdestinados à compensação ambiental emdetrimento daquelas.

Preocupados com a não implementaçãoda Unidade de Conservação PARNA Cha-pada das Mesas – justamente pela roti-neira alegação de falta de recursos e bu-rocracia – a comunidade de Carolina já semobilizou e criou a Associação dos Atin-gidos pelo PARNA Chapada das Mesaspara lutar pelas corretas e justas indeni-zações desapropriatórias, implementaçãoe funcionamento, além de outras provi-

dências para evitar impactos socioeconô-micos e ambientais danosos e, o mais gra-ve, sem a devida reparação pelo órgão pú-blico responsável.

Desta forma, verificando-se facilmente a ile-galidade, irrazoabilidade/desproporciona-lidade e irregularidade dos atos adminis-trativos que estão prestes a se concretizar,os Ministérios Públicos do Maranhão eTocantins com o Ministério Público Fede-ral ajuizaram, em 17 de março de 2006, umaAção Civil Pública junto à Justiça Federalem Imperatriz, buscando a tutela jurisdicio-nal para coibir que, caso haja a viabilidadeambiental por parte do IBAMA para aUHE–Estreito, os recursos obrigatóriospara a compensação ambiental sejam dire-cionados somente para o PARNA Chapa-da das Mesas e Monumento Natural deÁrvores Fossilizadas no Tocantins, bemcomo a impossibilidade do IBAMA desti-nar tais recursos específicos para outrasunidades de conservação do Brasil.

Concordando com o Ministério Público, ojuiz federal da Seção Judiciária de Impera-triz, Dr. Lucas Rosendo Máximo de Araújo,em brilhante decisão liminar, determinou aoIBAMA que se abstenha de firmar Termode Compromisso para o cumprimento dacompensação ambiental destinando recur-sos a outras unidades de conservação nãocontempladas no EIA/RIMA de Estreito.Assim, tivemos êxito na primeira etapa doprocesso judicial.

Independentemente das medidas judiciaisa cargo do Ministério Público, é mister eimprescindível que a população da regiãoatingida pelo PARNA Chapada das Mesase pela UHE -Estreito se mobilizem, inclusi-ve politicamente, para a fiscalização e defe-sa de interesses e direitos que porventurasejam ilegais, indevidos e danosos. ■

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O ano de 2007 foi marcado con-junturalmente pelo anúncio doPAC (Programa de Aceleração

do Crescimento), que nada mais é do queum amontoado de obras de infra-estru-tura e de grandes investimentos agroin-dustriais da iniciativa privada, com finan-ciamento de recursos públicos.

No entanto, este programa serve comouma espécie de chapéu, que faz sombraaos pés de barro das estruturas nas quaisestão alicerçadas as políticas públicas di-recionadas para a população brasileira que,na sua ampla maioria, é composta de gen-te que vive abaixo da linha da pobreza.

A fórmula de “aceleração” do crescimen-to parece ser essa: investimentos volu-mosos em obras que asseguram lucrativi-dade a grandes aglomerados financeirose um conjunto de ações compensatórias(bolsa-escola, bolsa-família) para diminuiro impacto causado pela falta de políticassérias e voltadas para a população.

A atual políticade expansão

de infra-estruturapara aceleraro crescimentonão questiona

os impactos sociais,ambientais,econômicose políticos,

que vitimam amassa de pobres e

os povos indígenas.

MERA RETÓRICA NO GOVERNO LULA

INDÍGENAS: OS DESERDADOS DO PAC

O foco das obras do PAC não é a popula-ção empobrecida, nem os que dependemde assistência pública em saúde, educação,habitação, seguridade social, que deveriamser entendidas como direito social e nãocomo mercadoria ou produto de consumo.

O PAC está direcionado para favorecer seto-res da agroindústria, dos agrocombustíveis;os setores que pretendem explorar a energiahidráulica (hidrelétricas); o latifúndio da soja,da cana, do gado; a indústria de celulose,como Aracruz e a Votorantim; os grandesbancos como Bradesco, Itaú, HSBC, os quecada vez lucram mais no país. Expandir in-vestimentos, assegurar infra-estrutura paraacelerar o crescimento tornou-se quase uma“lei universal” e, para tanto, não são ques-tionados os caminhos e nem mesmo os im-pactos sociais, ambientais, econômicos e po-líticos que estas ações irão provocar.

Além dos incentivos às empresas que pra-ticam o plantio (em larga escala) do euca-

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por Roberto Antonio Liebgott

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POLÍTICA INDIGENISTA

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lipto, do pinos e da cana-de-açúcar, pro-movendo um verdadeiro “deserto verde”em amplas regiões do sul, sudeste e cen-tro-oeste do país, o governo está agoraoficializando a privatização das florestasna Amazônia, entregando-as para a explo-ração de grandes madeireiras. O argumen-to é de que esta exploração será feita atra-vés de planos de manejo auto-sustentá-veis. De saída, poderíamos indagar sobreas estruturas que o governo pretende co-locar a serviço desse controle e manejo,ou será que devemos confiar no bom sen-so e na consciência ambiental de empre-sas que visam, acima de qualquer coisa,assegurar os próprios lucros e os de seusacionistas? Nestas florestas habitam diver-sos povos indígenas, alguns deles viven-do em situação de isolamento, devendo,portanto, ser protegidos pelo governo.Suas vidas são inegavelmente ameaçadaspelo avanço descomunal da exploraçãomadeireira, que está sendo oficializada peloMinistério do Meio Ambiente.

AS GRAVES AMEAÇAS

AOS POVOS INDÍGENAS

O que isso tem a ver com a política indi-genista do governo Lula? Vale lembrarque o Conselho Indigenista Missionário(Cimi) divulgou recentemente um balan-ço da política indigenista em 2007, no qualaponta quatro graves problemas que afe-tam os povos indígenas – todos direta-mente relacionados ao PAC – a saber:

Na conjunção

de forças entre

o capital

e o social,

os povos indígenas

não passam

de retórica para

agradar segmentos

internacionais

preocupados

com a defesa dos

Direitos Humanos

no Brasil.

■■■■■ A questão fundiária – Existe uma com-pleta paralisação nos procedimentos dedemarcação e desintrusão das terras indí-genas, tendência que se observa desde oinício do primeiro mandato do PresidenteLula, e que se intensifica agora, porquemuitos dos investimentos do PAC incidemsobre essas terras de norte a sul do país.Diante disso, o governo se omite, negligen-cia e descumpre o que determina a Consti-tuição Federal, deixando de aplicar os re-cursos que deveriam ser destinados à de-marcação, proteção e fiscalização das áreasindígenas. No ano de 2007 o investimentofederal, no que tange a esta demanda, foiquase zero. Some-se a isso o fato da FUNAIestar completamente sucateada em termosde infra-estrutura e de pessoal qualificadopara o exercício das obrigações administra-tivas, técnicas e de execução de serviçosjunto às comunidades indígenas.

■■■■■ A violência – Até o final do mês denovembro de 2007 foram assassinadas 61pessoas – somente no Mato Grosso doSul foram mortas 38 –, sem contar as tenta-tivas de assassinatos, as agressões, o con-finamento em pequenos acampamentos nabeira de estrada ou no interior de fazen-das. E ainda há a destacar a exploração damão-de-obra indígena nos canaviais: re-centemente, um grupo móvel de fiscaliza-ção de trabalho escravo encontrou 820 in-dígenas que trabalhavam em situação de-gradante nas propriedades da Companhia

Na foto maior,o Presidente Luiz InácioLula da Silva, o ministro daSaúde (esq.), José GomesTemporão, e o presidente daFunai (dir.), Márcio Meira,recebem integrantes daComissão Nacionalde Política Indigenistano Palácio do Planalto.Foto: Ricardo Stuckert/PR

Na foto menor, funcionáriosda Fundação Nacional doÍndio (Funai) e da PolíciaFederal (PF) com índioscaiapó, durante a operaçãopara combater a grilagemde terras, a extração ilegalde madeira e o garimpona área indígena.Foto: Marcello Casal Jr/ABr

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Roberto Antonio Liebgott - Vice-Presidentedo Cimi (Conselho Indigenista Missionário)

Brasileira de Açúcar e Álcool (Agrisul,CBAA e Usina Debrasa). No que se refereà Debrasa, o programa Globo Rural (RedeGlobo de Televisão) fez propaganda comosendo modelo de empreendimento. Depoisse confirmou que a propaganda era enga-nosa porque nesta usina os índios não sãotratados como cidadãos.

■■■■■ A política indigenista – Ela deveriaestar amparada numa legislação que asse-gure a ampla participação indígena nas dis-cussões, planejamento e execução dos ser-viços. Para isso é necessária a aprovaçãodo Estatuto dos Povos Indígenas, que seencontra engavetado no Congresso Na-cional desde 1994. A principal razão paraque o Estatuto não seja colocado em vota-ção parece ser a opção preferencial que acasa legislativa insiste em manter pelos se-tores que têm interesses na exploração dasterras indígenas, tais como as madeireiras,mineradoras, latifundiários da soja, cana, eu-calipto e gado. Os povos indígenas, na óti-ca dos referidos segmentos, devem ser tra-tados como empecilhos e/ou como pendu-ricalhos (expressão do presidente da Repú-blica), a serem removidos pelo poder públi-co e não como sujeitos merecedores de ga-rantias constitucionais.

Com essa concepção em curso, as terrasindígenas ficam vulneráveis à aprovaçãode legislações específicas ou grandesprojetos que permitem atividades e açõesmeramente exploratórias e sem compro-misso com a preservação da vida, da na-tureza e dos direitos dos povos que mile-narmente ocupam o território brasileiro.

Grave exemplo disso é o que vem aconte-cendo na Região Nordeste com a implan-tação do projeto de transposição do RioSão Francisco. A transposição afronta alegislação ambiental, porque causará im-pactos irreversíveis ao meio ambiente,afeta a legislação indigenista porque des-respeita a Constituição Federal em seuartigo 231, no qual se determina que asobras planejadas sobre terras indígenasprecisam de uma regulamentação especi-al, além do consentimento do CongressoNacional e ouvidas as comunidades indí-genas. É necessário considerar, principal-mente, que a transposição do Rio SãoFrancisco afeta diretamente a vida e osinteresses das populações ribeirinhas, dascomunidades pobres que dependem delepara a sua subsistência e dos povos indí-

genas que mantêm vínculos históricos,místicos, sagrados e cotidianos com o Rio.

■■■■■ A política de atenção à saúde – Aterceirização e municipalização das açõese serviços na assistência às comunidadesé uma afronta à Lei Arouca (Lei 9.836/99),que define pela implementação de um Sub-sistema de Atenção à Saúde Indígena, ten-do por base os Distritos Sanitários Espe-ciais com autonomia administrativa e finan-ceira. O subsistema deve estar intrinseca-mente ligado ao SUS e ser gestionado poruma Secretaria Especial vinculada ao Mi-nistério da Saúde, mas com responsabili-dade exclusiva pela saúde indígena.

Ao contrário disso, o governo insiste emmanter convênios terceirizados com ONGse prefeituras, o que provoca o desconten-tamento nas comunidades indígenas, cau-sam danos administrativos, financeiros ede acompanhamento às necessidades eanseios dos povos e, acima de tudo, impe-dem a efetiva participação destes povosno controle, planejamento e execução dosserviços. Registram-se, em função disso,o alastramento de doenças como hepatite,malária, tuberculose, parasitoses, desnu-trição e mortalidade infantil.

Os povos indígenas e as entidades indige-nistas propuseram ao governo a criação deum Conselho Nacional de Política Indige-nista, mas a proposta foi rejeitada. Em seulugar, depois de muita pressão do movimen-to indígena, foi constituída a CNPI (Comis-

são Nacional de Política Indigenista), queacaba por ter caráter meramente de discus-são e debates. Tanto é assim que, no que serefere à saúde indígena, o Ministério daSaúde emitiu a Portaria de número 2.656/2007, sem que o assunto fosse discutido naCNPI. Outro aspecto que demonstra a faltade compromisso do atual governo com aCNPI é o fato de sua base de sustentaçãono Congresso Nacional ter instalado umaComissão Especial para discutir o projetode mineração em terras indígenas – (o PL1.610/96, do senador Romero Jucá) – quan-do havia um acordo na CNPI de que estamatéria seria remetida à discussão na pro-posta de Estatuto dos Povos Indígenas.

Diante de todas essas questões podemosconcluir que o atual governo não tem in-teresse em se indispor com os segmentosque ele considera estratégicos para a suasustentação enquanto governo, nem comos grupos econômicos que vislumbramgrandes rentabilidades financeiras com apolítica brasileira. Portanto, nesta conjun-ção de forças entre o capital e o social, ospovos indígenas não passam de retórica(em discursos esporádicos) para agradara alguns segmentos internacionais preo-cupados com a defesa dos Direitos Hu-manos no Brasil. [Porto Alegre (RS), 27de novembro de 2007] ■

Brasília - Um grupo de índios Xavante, a maioria crianças, mulheres e idosos, impede osfuncionários da Funai de entrar no prédio para trabalhar. Eles pedem a reabertura doposto da Funai em Xavantina, no Mato Grosso. Foto: Roosewelt Pinheiro/ABr

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S.O.S MERO

por Katarini Miguel

Em curso em quatro estados brasileiros, o Projeto Meros

do Brasil mobiliza pesquisadores, pescadores,

mergulhadores e todos os cidadãos

para a preservação do Senhor das Pedras.

Conhecido como o Senhor das Pe-dras ou Gigante do Mar, o mero –Epinephelus itajara, família Serra-

nidae, a mesma da garoupa e do badejo –pode atingir dois metros e meio de com-primento, pesar mais de 450 quilos e vivermais de 40 anos. Vítima de pesca indiscri-minada, escassez de habitat e poluição doambiente marinho, esta magnífica espécievem sofrendo sérias perdas populacionais.Fato agravado por sua reprodução tardia– somente após sete anos de vida! – epelo hábito de formar agregações repro-dutivas, isto é, reunião de vários indivídu-os para o acasalamento, comportamentoque facilita a pesca predatória.

Todos aqueles fatores aliados à falta de in-formações consistentes sobre a biologia domero foram decisivos para inclusão do pei-xe na lista vermelha das espécies ameaça-das de extinção da IUCN (InternacionalUnion for Conservation Nature). A espécieestá protegida pela Portaria do Ibama 42(09 de 2007), que proibiu a pesca e a comer-cialização do mero, por um período de cin-co anos em todo o território brasileiro.

AS AÇÕES PRESERVACIONISTAS

As ações para conservação do mero fo-ram iniciadas em 2001, em Santa Catarina,e a aprovação do projeto junto à Petrobrasimpulsionou três linhas de atuação: Pes-quisa e Conservação, Gestão Ambiental eEducação/Comunicação Ambiental. Ouseja, estudos envolvendo as comunidadeslocais e o conhecimento ecológico dos pes-cadores de cada região , além de ações degestão, educação ambiental com a popu-lação e mergulhos para identificação dospontos de agregação da espécie, registroe marcação dos meros. Manifestações ar-tísticas, produção de vídeos e de materialimpresso e o site www.merosdobrasil.orgcompletam as ações.

Segundo Paulo Beckenkamp, gerente-exe-cutivo do projeto Meros do Brasil, o resul-tado de todo este levantamento de infor-mações resultará num Plano de Ação comdefinição de políticas específicas para aconservação do mero e, conseqüentemen-te, de seu habitat. Beckenkamp informa quetambém serão investigadas as alternativassustentáveis de geração de renda, tendo o

mero como foco central, em atividadescomo o ecoturismo de base comunitária, oartesanato e as manifestações culturais decomunidades ribeirinhas e de pescadores.

O TRABALHO DE CAMPO

A equipe de mergulhadores do projetoMeros do Brasil iniciou os mergulhospara reconhecimento de locais de agre-gação da espécie no dia 21 de dezembrode 2007. As imagens registradas e o pro-cesso de identificação dos exemplarespermitirão conhecer as áreas de agrega-ção e determinar a situação das popula-ções de meros na Região Sul do país.Segundo Mauricio Hostim, responsáveltécnico do projeto, estudos consistentessobre as populações de meros no Golfodo México serão importante referencialpara a equipe brasileira. “Com a identifica-ção da dinâmica e a localização dos locaisde agregação reprodutiva, poderemos de-finir estratégias de proteção da reprodu-ção dos meros em nosso litoral.” Seis mer-gulhadores atuam neste levantamento,consoante protocolo internacional e reco-mendação do ICM-Bio e do Ibama.

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PROJETO MEROS DO BRASIL

■ Com o patrocínio da Petrobras, através do Programa Petrobras Ambien-tal, o projeto Meros – Estratégias para a conservação de ambientes costeirose marinhos do Brasil congrega as seguintes instituições: Univali / Universi-dade do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, o Instituto Ambiental Vidágua,em São Paulo, a Associação dos Estudos Costeiros e Marinhos dos Abro-lhos / Ecomar, na Bahia e o Instituto Recifes Costeiros, em Pernambuco.

■ O projeto também conta com o apoio de instituições governamentais enão-governamentais, como a Universidade Federal de Pernambuco,Cepene/Ibama (Centros de Pesquisa e Extensão Pesqueira da Região Nor-deste), Movimento Cultural Artemanha, Cepsul/Ibama (Centros de Pes-quisa e Extensão Pesqueira das regiões Sudeste e Sul), Cepnor/Ibama(Centros de Pesquisa e Extensão Pesqueira da região Norte), Parque Na-cional Marinho dos Abrolhos e ONG-Ignis.

Katarini Miguel – Assessoria de Imprensa“Meros do Brasil”.E-mail: [email protected] –www.merosdobrasil.org

Nas quatro áreas focais em estudo, os téc-nicos executores iniciaram a investigaçãodo Conhecimento Ecológico Local, que vaienvolver mais de mil integrantes de comu-nidades de pescadores, marisqueiros e ri-beirinhos. Segundo o oceanógrafo Leo-poldo Cavaleri Gerhardinger, coordenadordo Programa Multiinstitucional de Conhe-cimentos e Práticas Locais, o objetivo des-sa etapa é contar com a cooperação dascomunidades em ações voltadas à conser-vação da espécie e ao resgate de conheci-mentos sobre o ciclo de vida do mero e deoutras espécies ameaçadas.

Estão sendo realizadas entrevistas com pes-cadores e lideranças comunitárias mais anti-gas para coleta de informações consistentessobre o mero. Posteriormente, os questioná-rios investigativos voltar-se-ão especifica-mente à espécie, a fim de compor um bancode dados do conhecimento tradicional, que,aliado à pesquisa acadêmica, contribuirá paraa otimização das ações de pesquisa e con-servação. “Estas atividades compõem asações do Programa de Conhecimentos e Prá-ticas Locais, um programa paralelo que atuaconjugado à Rede Meros do Brasil,na buscade maior reconhecimento e resgate da cultu-ra marítima no Brasil e sua integração com ossistemas modernos de manejo da biodiversi-dade marinha”, explica Gerhardinger.

SOLTURA E MARCAÇÃO

Em julho de 2007, o Instituto Recifes Cos-teiros, parceiro do projeto com sede em Ta-mandaré (PE), realizou a primeira ação desoltura e marcação do projeto. O institutorecebeu de uma fazenda de cultivo de ca-marão da região cinco exemplares de mero,que após tratamento em tanques de águasalgada se encontraram em condição devoltar ao mar. Um dos meros teve que sersolto com urgência, na própria região deTamandaré, porque não estava reagindo bemà adaptação. O outro, devidamente prepa-rado para o monitoramento, foi solto em 3de julho, no recife Pirambu. “Fizemos no pei-xe uma marcação a frio com nitrogênio liqui-do para monitorá-lo. Pode-se acompanharo devenir do indivíduo, saber como ele sedesloca e se vai sobreviver”, explica Beatri-ce Padovani, coordenadora do projeto Me-ros do Brasil, em Pernambuco.

Na ocasião de marcação e soltura foi co-letado material biológico para estudos deidentidade genética. Rodrigo Torres, ge-neticista e pesquisador do projeto, colheu

amostras de tecido das nadadeiras que vãopermitir o desenvolvimento de uma ferra-menta de genética forense, que objetivamitigar os efeitos da pesca predatória. Tor-res também pretende evidenciar o grau devariação genética da espécie e verificarcomo as variações estão distribuídas, aolongo da costa brasileira.

O primeiro mero foi solto em local fecha-do, ou seja, onde a pesca é proibida. O

outro foi deixado em área aberta. “Assim,teremos como comparar a trajetória dospeixes em regiões distintas – com e semrestrição de pesca”, conclui Beatrice Pa-dovani. Em breve, outros meros tambémserão soltos e monitorados por parte daequipe do projeto Meros do Brasil. ■

Na foto maior, menino de comunidade ribeirinha recebe os ensinamentos ambientaisque garantem a preservação do mero e dos ambientes marinho e costeiro. A educaçãoambiental já começa a se refletir no manejo não predatório da biodiversidade mari-nha. Na foto menor, à esq., marcação e medição de mero em SC8 (fotos: ProjetoMeros do Brasil). Na foto da direita, a equipe de mergulhadores do projeto: Athila,Leonardo-Leco, Johnatas e Jonas (foto: Mauricio Hostim).

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LADISLAU DOWBOR

Para o professor Ladislau Dowbor,do PPG em Administração da PUC-SP,“o drama é que nós não temos tantotempo assim” para agir em benefíciodo planeta. Nesta entrevista à IHUOn-Line, Ladislau faz uma análiseda situação do planeta, a partirdos dados apontados pelo relatóriodo International Panel of ClimateChange ou Painel Intergovernamentalsobre Mudanças Climáticas (IPCC)que tratou do aquecimento global.

IHU ON-LINE – QUAIS OS PRINCIPAIS PONTOS DE CONVERGÊNCIA E

DIVERGÊNCIA ENTRE OS CIENTISTAS SOBRE O AQUECIMENTO GLOBAL?

LADISLAU DOWBOR – O principal ponto é que há pouquíssimasdivergências. Uma das coisas impressionantes do Relatório doPainel Intergovernamental, publicado em fevereiro, é que ele foichamado o “relatório das certezas”. Foram deixadas de lado nãoas coisas sobre as quais há divergência, mas aquelas onde ascertezas não são completas. Surgiram dúvidas apenas em relaçãoa aspectos originados de pressões políticas. Temos, por exem-plo, o grupo Exxon Mobil, que é produtor de petróleo, que temfinanciado pessoas das mais variadas áreas para tentar dar sufi-cientes “mexidas” no ambiente, para causar a impressão de queninguém tem certeza das coisas. Na realidade, a grande caracte-rística é a convergência.Existe um debate em curso referente à dimensão da participação huma-na nos processos de aquecimento global e qual é a parte das varia-

“ A lógica do sistema

ções naturais, ligadas a ciclos solares. Esse é um argumento válido emtermos científicos, mas em termos políticos é secundário. Mesmo quehaja uma participação num processo natural de aquecimento, os im-pactos para a sociedade, para a agricultura, para a nossa vida vão seriguais. Se a gente ainda, além de um processo natural, estiver aumen-tando as emissões do efeito estufa, as coisas só vão piorar.

Hoje, no conjunto, estamos razoavelmente seguros do processo.Essa segurança está ligada à forma como olhamos para o futuro. Secomeçarmos a tomar medidas hoje, com mudanças corretivas climá-ticas, vamos ter que esperar algumas décadas até as coisas começa-rem a se reequilibrar. O que preocupa, basicamente, é o seguinte: nãopodemos esperar ter todas as certezas para começa a agir. Porque oritmo de mudar os rumos é muito lento pela inércia dos processosplanetários. Esperar que as catástrofes surjam de maneira generali-zada para começar a tomar medidas é simplesmente irresponsável.

é insustentável ambientalmente.”

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IHU – O QUE FARIA PARTE DE UM DEBATE

POLÍTICO SOBRE O CAOS AMBIENTAL?

L.D. – Está no centro, hoje, o problemadas alternativas energéticas, que vem tan-to pelo lado do impacto ambiental – emis-sões de gás, aquecimento global etc. –como pelo fato de que estamos liquidan-do a principal reserva de energia móvel doplaneta. Essa nossa pequena espaçonaveTerra veio com reservas de combustível,que chamamos de petróleo. Levaram maisde 100 milhões de anos para se constituir eteremos acabado com ela em 200 anos. Apressão nisso é muito forte e o mecanismoé simples. Tirar petróleo da Arábia Saudita custa dois dólares obarril. No mercado internacional, esse bruto vai se vender entre 60 e70 dólares o barril. Os lucros das empresas que extraem o petróleosão tão gigantescos que ninguém consegue segurar a vontade de-las de ganhar dinheiro.

O ponto central é que elas não estão produzindo o petróleo, e simapenas extraindo reservas naturais que pertencem ao planeta.Isso leva a uma reconsideração de como vemos os recursos na-turais em geral. Lester Brown caracteriza isso como o sistemanatural de suporte da economia. Estão no centro a alternativaenergética e o comportamento da sociedade em relação ao con-junto dos recursos naturais do planeta, que as empresas explo-ram sem produzir, apenas extraem, como é o caso da destruiçãoflorestal, da destruição da vida marítima, da poluição das águas.Para as empresas, isso vem virtualmente ou quase de graça. Dámuito dinheiro. Há um imenso segmento da economia mundialque está baseado simplesmente em destruir as bases de sobrevi-vência do planeta, sobretudo das gerações futuras.

Nesse processo, há um estudo interessante do Banco Mundial so-bre o fato de que todo esse processo de globalização serve a maisou menos um terço do planeta. O relatório se chama “Os próximos 4bilhões”, que foca os 4 bilhões de habitantes do planeta que nãoestão sendo beneficiados pelo processo de globalização. Isso signi-fica que a problemática do aquecimento global, do esgotamento dosrecursos naturais, e a problemática da desigualdade, do não acessoa bens e direitos básicos convergem e geram o que está na mesa emtermos políticos. Temos que produzir outras coisas, produzir de ou-tras maneiras, e administrar esse processo de forma inovadora.

IHU - QUAL A ALTERNATIVA PARA QUE O PODER E OS INTERESSES

ECONÔMICOS NÃO PREVALEÇAM SOBRE AS QUESTÕES AMBIENTAIS?

L.D. – O motor desse processo de ruptura de equilíbrios planetáriossão hoje as grandes corporações. Hoje elas têm produtos internosempresariais. O PIB empresarial equivale ao PIB de muitas nações. Asempresas têm gigantescos recursos financeiros e mobilizam os recur-sos naturais a nível globalizado, contando que não há governo mun-dial. Então, por exemplo, se temos empresas que geram determinadocaos num país, é natural que o governo tome medidas. Na esfera dasempresas transnacionais, como não há governo mundial, faz-se o quese quer. Cortam-se as florestas nos países de governos mais fracos,consegue-se, via corrupção, outros métodos de exploração de recur-sos naturais. É preciso ver também que essa massa dos 4 bilhões do“andar de baixo” da economia mundial, as pessoas mais pobres, tem

uma voz muito fraca no planeta.Por exemplo, sabemos que a pesca in-dustrial oceânica está destruindo asreservas de vida dos mares e a princi-pal base de vida do planeta. Isso estáimpactando cerca de trezentos milhõesde pessoas no mundo, que vivem dire-tamente de pesca artesanal, buscandosuas proteínas nas costas marítimas. Acada dia, sentimos isso nas costas bra-sileiras, inclusive, porque há menospeixes. E não há como gritar. Afinal, segrita com quem? São empresas que di-zem “esse é um espaço internacional,

as águas são internacionais, trata-se de uma economia de merca-do, e estamos legitimamente pescando o que queremos”.

A relação de poder é central porque temos uma economia que seglobalizou, enquanto que os controles políticos da economia, a cha-mada política econômica, continuam fragmentados em cerca de 200países. Não se consegue montar um sistema de controle. Algumasdas áreas mais destrutivas são claramente da área do banditismo.Temos cerca de 65 paraísos fiscais, que essas empresas usam paraevadir impostos, para lavar dinheiro de droga. A África está inunda-da por armas de pequeno porte, que são vendidas para diversosgrupos políticos. Ninguém controla o comércio mundial de armas.Depois são investidos gigantescos recursos para controlar o terro-rismo. São claros sinais de um processo econômico que está globa-lizado, e não temos os sistemas de controle correspondentes. For-mas de governança planetária estão na ordem do dia.

IHU – TUDO BEM QUE VIVEMOS NA CULTURA CAPITALISTA, MAS NÃO

PODEMOS VISLUMBRAR A POSSIBILIDADE DA PREOCUPAÇÃO AMBIENTAL

SER MAIOR DO QUE A PREOCUPAÇÃO ECONÔMICA GANANCIOSA? ATÉ

POR UMA QUESTÃO DE SOBREVIVÊNCIA…

L.D. – A preocupação está surgindo sob forma basicamente deconscientização, de uma maneira cada vez mais generalizada noplaneta. Isso é importante. Tanto assim que, sentindo a pressão,muitas empresas hoje estão se declarando a favor de responsabi-lidade social e ambiental. Por exemplo, vejamos a força do InstitutoEthos, que tenta agrupar as empresas que tentam uma certa res-ponsabilidade. Surgem movimentos como o Ethical Market Place,nos Estados Unidos, e no Brasil já surgiu também um com o nomede Mercado Ético (www.mercadoetico.com.br –, inspirado por HazelHenderson). Temos todo o trabalho das Nações Unidas, a imensaimportância que foi a Eco 92, no Rio de Janeiro. Enfim, o progressoda tomada de consciência é cada vez maior.

Mas quando olhamos a força da principal base de poder políticodo país, que é o governo Bush, cercado por grandes grupos deempresas de petróleo e grandes grupos que estão ligados ao go-verno norte-americano, vemos que temos uma longa briga pelafrente. Há esperança pelo trabalho das ONGs, pelas empresas queestão se dando conta da responsabilidade social e ambiental, háesperança quando algumas mídias, nesse caso mais raras, come-çam a efetivamente divulgar o problema. Mas é um processo lon-go. A janela de tomada de consciência avança mais lentamente doque a proximidade da vulnerabilidade. O drama é esse: nós nãotemos tanto tempo assim.

Há um imenso segmento

da economia mundial

que está baseado

simplesmente em destruir

as bases de sobrevivência

do planeta, sobretudo das

gerações futuras.”

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IHU – EM QUE MEDIDA UMA MUDANÇA DO

PADRÃO ENERGÉTICO MUNDIAL PODERÁ AJUDAR

NO CONTROLE DO AQUECIMENTO GLOBAL?

ESSA AJUDA VIRIA EM CURTO, MÉDIO OU

LONGO PRAZO?

L.D. – Se nos colocarmos na frente da tele-visão para registrar diversos programas,vamos encontrar dezenas de mensagenspublicitárias: que é preciso comprar um car-ro mais potente, com mais cilindradas. Nóscontinuamos a empurrar uma coisa que sa-bemos ser simplesmente irreal.

Peguemos como exemplo a cidade de SãoPaulo. Hoje estamos utilizando carros individualmente. Para ir-mos de um lugar a outro, é preciso energia para transportar asduas toneladas do carro para uma pessoa que pesa só 70 quilose a média da velocidade do trânsito em São Paulo é 14 quilôme-tros por hora. Na cidade de São Paulo há 6 milhões de automó-veis e quase todos, hoje, andam em primeira e segunda marcha otempo todo, revelando o gigantesco desperdício que estamoscometendo.

Há cidades que optaram pelo transporte público. Temos iniciati-vas muito interessantes. Por exemplo, em Barcelona, foram inau-gurados, neste mês, 100 estacionamentos de bicicletas públicas.Em toda a cidade, em qualquer lugar, as pessoas estão a umadistância a pé de pegar uma bicicleta. A pessoa pega um cartão,paga um dinheiro pequeno, se identifica, e é liberada a bicicleta.Ela vai onde quer e larga a bicicleta em outro estacionamento;tranca e outra pessoa pode pegar. É uma coisa pequena, mas narealidade envolve a mudança do estilo de todos nós. Eu me pe-guei dias atrás levando uma carta para o correio. Estava atrasa-do, e era urgente. Tirei minha Blazer de duas toneladas, mais osmeus 90 quilos, para levar para o correio uma carta de 20 gramas.Isso é surrealista. Sabemos, pois os cálculos já foram feitos, quenós precisaríamos de quatro planetas para sustentar isso. O nos-so modelo de consumo é simplesmente inviável.

As montadoras de automóvel, as concessionárias, as autopeças,toda essa gente não está nem aí. Enquanto não houver uma regula-mentação rigorosa sobre esses processos, a tendência é a pessoasimplesmente comprar o carro quando seus recursos o permitem.Estou pegando o exemplo do carro porque é óbvio, e é imensamenteabsurdo. Mas podemos pegar outras coisas. Eu tenho problemas acada vez que compro algo numa loja. Compro um produto que jávem embrulhado num plástico, esse plástico está dentro de umacaixinha, daí a moça me dá uma sacolinha, e quer que eu leve issodentro da sacola da loja para mostrar aos outros onde eu comprei.Há países onde, quando se entrega uma geladeira numa casa, aempresa é obrigada a retirar a embalagem e usá-la de novo em outrasentregas, em vez de guardarmos em nossa casa, para depois jogá-lana rua e haver ainda o custo de o lixeiro levá-la.

É só a gente parar para pensar. Estamos com um modelo, que apublicidade e as novelas nos empurram, de sermos consumidoresfrenéticos. E nos dizem que isso é bom para o PIB. Na realidade,isso é de uma demagogia profunda. O cálculo que fazemos nascidades é que nós jogamos fora, por dia, meio quilo de embalagens

por pessoa. Tudo isso é custo de produ-ção. É petróleo, são as florestas que pro-duzem papel. Tudo isso jogado fora, des-perdiçado de maneira surrealista. Outroexemplo: o japonês gosta de barbatana detubarão. Grandes empresas de pesca ca-çam os tubarões, sendo que no ano de2005 foram mortos 93 milhões de tubarões.Eles cortam as barbatanas e jogam o restofora. O drama não é só fazer essa burrice.Isso se ensina nas escolas de administra-ção: “você otimiza a sua viagem, o dieseldo barco de pesca, se você pega só ascoisas que vão render mais”. A lógica do

sistema é simplesmente insustentável. Constatamos que estamoschegando ao limite do caos, onde a busca de lucro por corpora-ções, por grupos privados, gera o caos para o resto do planeta.

IHU – EM QUE ALTERNATIVAS PODEMOS PENSAR, QUANDO FALAMOS

DE MUDANÇA DE PADRÃO ENERGÉTICO?

L.D. – Os estudos estão avançando bem. O problema é que aindústria não está interessada, não acompanhando esses proces-sos. A energia geotérmica tem um gigantesco potencial. Cada vezque se aprofunda na Terra aumenta a temperatura, e se pode usaressas diferenças de temperatura para gerar energia. Temos a energiasolar, a energia eólica, e a produção de células fotovoltaicas começaa ser perfeitamente viável. E estão surgindo com muita força tanto aexpansão do etanol e do biodiesel, como a transformação energéticaa partir da celulose, que permitirá utilizar todos os subprodutos dosvegetais. Há países que estão investindo na energia nuclear, emmeio ao debate que vivenciamos. Hoje, as alternativas estão razoa-velmente bem mapeadas. Só que não enchem os bolsos como opetróleo. Esse é o lado da mudança das fontes de energia.

Do lado do consumo de energia, há imensos ganhos. Quando acon-teceu o choque do petróleo, ainda nos anos 1970, em que ele aumen-tou brutalmente de preço, os americanos fizeram uma campanhagigantesca de redução do consumo de aquecimento doméstico, queé uma grande absorção de energia nos Estados Unidos durante oinverno. Descobriram que com coisas simples, como pôr janelasduplas, com vácuo, é possível mudar radicalmente. E realmente con-seguiram reduzir drasticamente o consumo de energia no país. Masisso envolve uma mudança de cultura da população, e essa culturaenvolve a participação dos meios de comunicação.

O principal controlador de mídia no mundo, que é Rupert Murdo-ch, e tem a Fox e outros canais que controlam grande parte da mídiamundial, está com toda a força do lado da expansão do consumo,porque daí todo mundo fica mais rico. Esse é o discurso. O peso damídia, sua democratização, o acesso a essas informações, está setornando crucial para poder mudar a cultura ambiental no planeta.

O erro do cálculo do PIB – Outro ponto importante é quetemos que mudar o cálculo do PIB. Até hoje, se aumentarmosa produção de petróleo, isso aumenta nosso PIB. O BancoMundial começou a mudar esse cálculo. Ele diz que tirar opetróleo da terra não é produto, é descapitalização. Estamosvendendo os móveis da casa. Abater florestas também já nãoé considerado (como calculamos no Brasil hoje) aumento do

Esperar que as

catástrofes surjam de

maneira generalizada

para começar a tomar

medidas,

é simplesmente

irresponsável.

Cidadania&MeioAmbiente 29

PIB e sim descapitalização. É destruição deum capital natural que não estará disponí-vel para gerações futuras. Essas são mu-danças da forma de cálculo do produto, oque é essencial.

IHU – Que relação podemos estabelecerentre modelos alternativos de energia, mo-delos alternativos de produção e padrõesalternativos de consumo? Que modelo deprodução e de organização social deveriaemergir da crise anunciada pelas prováveisalterações climáticas em escala planetária?L.D. – De um lado, temos um conjunto denovas metodologias de cálculo. O cálculo doPIB é, em termos metodológicos, simplesmente errado. Temos in-dicadores de progresso genuíno, em que descontamos o que esta-mos descapitalizando do planeta. As diversas metodologias decálculo que estão surgindo estão resumidas num livrinho muitobom, que se chama Os novos indicadores de riqueza, de JeanGadrey. Temos que passar a contabilizar corretamente. Imagineque, na nossa casa, calculemos nossos gastos, as nossas entra-das, o salário, mas estamos vendendo os móveis e esquecemos decalcular isso. Estamos, com isso, reduzindo o capital. Então temosque fazer outro tipo de cálculo.

No conjunto, precisamos equilibrar nesse processo três elemen-tos desse cálculo do aquecimento global:

1) energia, a sua forma de produção e seus volumes e formasde consumo;2) a produção de alimentos, porque não podemos desenvol-ver ou sustentar artificialmente a produção de automóveis nomercado à custa da produção e do equilíbrio alimentar doplaneta, que já é muito crítico; e3) o nível das emissões.

Esse processo precisa ser sustentável no longo prazo. Cada paísterá de buscar os processos correspondentes. Por exemplo, aCoréia do Sul fez com o trabalho voluntário um gigantesco pro-cesso de reflorestamento do país. Há países que estão cobrandotaxas muito mais elevadas às pessoas que usam carros em cen-tros urbanos, caso de Singapura, onde as pessoas passam apreferir o transporte coletivo, que é muito mais econômico. Quan-do olhamos as diferentes iniciativas, vemos que está todo mun-do buscando alternativas para uma consciência vaga e difusa, àmedida que estamos indo lentamente para um desastre. Os ame-ricanos têm uma fórmula “simpática” que se chama “slow motioncatástrofe”. Estamos vivendo uma catástrofe em câmera lenta.

IHU – O SENHOR INSISTE NUM APROVEITAMENTO DA MÃO-DE-OBRA

EXCEDENTE. NO CASO BRASILEIRO, DE QUE FORMA ESSA MÃO-DE-

OBRA PODERIA SER APROVEITADA NA ELABORAÇÃO DE UM PLANO DE

PRODUÇÃO ENERGÉTICA E DE ALIMENTOS NUM MESMO ESPAÇO

INTEGRADO, DE FORMA A ASSOCIAR A AGRICULTURA ALIMENTAR COM A

PRODUÇÃO ENERGÉTICA?

L.D. . – Para já, nós temos 20 milhões de pessoas, como ordem degrandeza, ocupadas na agricultura. É muita gente. Nós temos hojea maior reserva de terra, de solo agrícola, parada do planeta. Nóstemos um clima excelente. Nós não temos, como na Rússia, sete

meses por ano de solo congelado. Nóssomos um dos países mais bem dotadosem água do planeta. Frente a isso e frenteà demanda crescente de cereais no plane-ta e à nova pressão de uso de produtosagrícolas na parte energética, substituin-do o petróleo, o Brasil tem cartas extrema-mente fortes na mão. Vai depender decomo ele passa a utilizá-las. Existe pres-são dos grandes grupos, tanto nacionais– como os grandes produtores de soja,as tradicionais agroexportadoras –, comoos gigantes do comércio de grãos, queestão interessados simplesmente em uti-lizar o Brasil como um espaço físico para

expandir a produção para alimentar os automóveis.

A alternativa para mais um ciclo agroexportador, com todos osdesastres, tanto ambientais como sociais, será dinamizar o conjun-to da base de pequenos e médios produtores do Brasil, associan-do com uma produção energética, mas com o que se chama decultivos associados. É feita a agroexportação e é realizado, no meiodesse processo, em rodízio, um conjunto de produtos alimentares.Com isso, se tira esses agricultores da miséria, indo-se muito alémda dinâmica já positiva que tem hoje o Pronaf e se organiza umabase agrícola diversificada. Essa é a grande oportunidade sobre aqual estamos trabalhando. A negociação internacional vai depen-der da capacidade do Brasil de entender a carta que tem.

IHU – QUAIS OS MAIORES RISCOS DO USO ENERGÉTICO DA

AGRICULTURA?

L.D. – Isso envolve conseqüências das relações de poder. Omundo produz hoje mais de um quilo de cereal por dia, por habitan-te. Comer um quilo de arroz por dia é muita coisa. Não há insufici-ência de produção de alimentos. O que há é o mau uso dessesalimentos e má distribuição. Disso resulta o fato de que temos hojecerca de 1 bilhão de pessoas desnutridas no planeta. A grandepreocupação é a seguinte: quem conseguirá falar mais alto? Aspessoas que têm fome ou os proprietários de automóveis quequerem continuar a ajudá-lo de maneira que desperdice energia?

A problemática ambiental precisa ser vista conjugada com outrogrande drama planetário, que é a desigualdade. Só venceremos odesafio resgatando a inclusão da base, do conjunto dos excluídosdo planeta, ou dos excluídos do Brasil, no nosso caso, cruzandoisso com o desenvolvimento da agricultura familiar, a associação daagricultura energética com a agricultura alimentar, num processoequilibrado e de distribuição equilibrada dos resultados. ■

Ladislau Dowbor – Formado em Economia Política pelaUniversidade de Lausanne, Suíça, e doutor em Ciências Econômicaspela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, Polônia(1976). Também faz consultoria para diversas agências das NaçõesUnidas, governos e municípios. É autor e co-autor de cerca de 40livros, e de numerosos artigos. Destacamos o livro Formação doTerceiro Mundo. 15. ed. São Paulo: Brasiliense. O professor tem umsite pessoal – http://dowbor.org/ – onde publica seus artigos.Entrevista publicada originalmente pelo IHU On-line [IHU On-line épublicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidadedo Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS].

Constatamos que

estamos chegando ao

limite do caos, onde a

busca de lucro por

corporações, por grupos

privados, gera o caos

para o resto do Planeta.

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PRINCÍPIO-TERRA“ Esta imagem da Terra, vista do espaço exterior,

suscita em nós sentimento de sacralidadee está criando novo estado de consciência.”

por Leonardo Boff

Leonardo Boff é Teólogo e professor emérito de ética da UERJ.Artigo enviado por Frei Gilvander Moreira, colaborador do EcoDebate.

Nunca se falou tanto da Terra como nos últimos tempos.Parece até que a Terra acaba de ser descoberta. Os sereshumanos fizeram um sem-número de descobertas de povos

indígenas embrenhados nas florestas remotas, deseres novos da natureza, de terras distantese de continentes inteiros. Mas a Terranunca foi objeto de descoberta. Foipreciso que saíssemos dela e avíssemos a partir de fora, paraentão descobri-la como Ter-ra e Casa Comum.

Isso ocorreu a partir dosanos 60, com as viagensespaciais. Os astronau-tas nos revelaram ima-gens nunca dantes vis-tas. Usaram expressõespatéticas, como:

“A Terra parece umaárvore de Natal, de-pendurada no fundoescuro do universo.”

“Ela é belíssima, resplan-decente, azul-branca.”

“Ela cabe na palma de minhamão e pode ser encoberta commeu polegar.”

Outros tiveram sentimentos de venera-ção e de gratidão e rezaram. Todos voltaramcom renovado amor pela boa e velha Terra, nossa Mãe.

Esta imagem do globo terrestre visto do espaço exterior, divulgadadiariamente pelas televisões do mundo inteiro, suscita em nós senti-mento de sacralidade, e está criando novo estado de consciência. Naperspectiva dos astronautas, a partir do cosmos, Terra e Humanidadeformam uma única entidade. Nós não vivemos apenas sobre a Terra.Somos a própria Terra que sente, pensa, ama, sonha, venera e cuida.

Mas nos últimos tempos se anunciaram graves ameaças que pe-sam sobre a totalidade de nossa Terra. Os dados publicados apartir de 2 de fevereiro de 2007, culminando em 17 de novembro,pelo organismo da ONU, Painel Intergovernamental das Mudan-ças Climáticas, com os impasses recentes em Bali, nos dão contade que já entramos na fase do aquecimento global, com mudan-ças abruptas e irreversíveis. Ele pode variar de 1,4 até 6 grausCelsius, dependendo das regiões terrestres.

As mudanças climáticas possuem origem andrópica, quer dizer, temno ser humano (capitalista) que inaugurou o processo industrialistaselvagem seu principal causador. Se nada for feito iremos ao encon-

tro do pior, e milhões de seres humanos poderãodeixar de viver sobre o planeta.

Como destruímos irresponsavelmen-te, devemos agora regenerar ur-

gentemente. A salvação da Ter-ra não cai do céu. Será fruto

da nova co-responsabilida-de e do renovado cuidadode toda a família humana.

Dada esta situação nova,a Terra se tornou, de fato,o obscuro e grande obje-to do cuidado e do amorhumano. Ela não é o cen-tro físico do universo,

como pensavam os anti-gos, mas ela se tornou, nosúltimos tempos, o centro afe-

tivo da humanidade. Só te-mos este planeta para nós. É

daqui que contemplamos o inteirouniverso. É aqui que trabalhamos,

amamos, choramos, esperamos, sonha-mos e veneramos. É a partir da Terra que faze-

mos a grande travessia rumo ao além.

Lentamente estamos descobrindo que o valor supremo é asse-gurar a persistência do planeta Terra e garantir as condiçõesecológicas e espirituais para que a espécie humana se realize etoda a comunidade de vida se perpetue.

Em razão desta nova consciência, falamos do princípio Terra. Elefunda uma nova radicalidade. Cada saber, cada instituição, cadareligião e cada pessoa deve colocar-se esta pergunta:

Que faço eu para preservar a mátria comum e garantir que tenhafuturo, já que ela, há 4,3 bilhões de anos, está sendo construídae merece continuar a existir?Porque somos Terra não haverá para nós céu sem Terra. ■

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NT

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