Tinhas do Couro Cabeludo na Idade Pediátrica.pdf

download Tinhas do Couro Cabeludo na Idade Pediátrica.pdf

of 4

Transcript of Tinhas do Couro Cabeludo na Idade Pediátrica.pdf

  • 7/29/2019 Tinhas do Couro Cabeludo na Idade Peditrica.pdf

    1/4

    23artigos de reviso

    NASCER E CRESCERrevista do hospital de crianas maria pia

    ano 2004, vol. XIII, n. 1

    Tinhas do Couro Cabeludo na Idade Peditrica

    Teresa Hernndez1, Susana Machado2, Snia Carvalho1, Manuela Selores2

    1 Servio de Pediatria - Hospital Geral Santo Antnio,S.A.2

    Servio de Dermatologia - Hospital Geral SantoAntnio, S.A.

    RESUMOOs autores fazem a reviso da

    etiopatogenia e clnica das tinhas docouro cabeludo na idade peditrica,salientando a sua elevada frequncia, e,por vezes, a dificuldade no diagnsticodesta doena. So descritos os meioscomplementares de diagnstico e asdiferentes opes teraputicas.

    Palavras-chave: tinha do courocabeludo, crianas, diagnstico, trata-mento.

    Nascer e Crescer 2004; 13 (1): 23-26

    INTRODUOA Tinea capitis a infeco fngica

    mais comum na idade peditrica. Trata--se de uma infeco fngica superficial(tambm denominada dermatofitose) docouro cabeludo, sobrancelhas e pestanasque atinge principalmente a haste capilare os folculos, causada por fungos dognero Trichophytone Microsporum.Osprincipais agentes causadores da maiorparte dos casos de Tinea capitiseram oMicrosporum canise o Microsporum au-douinii.Actualmente, oM. caniscontinuaa ser o principal agente causador a nvelmundial, enquanto que, nos EUA, nosltimos anos, o Trichophyton tonsuranso responsvel por aproximadamente90% dos casos de Tinea capitis(1,2,3,4,5).

    A Tinea capitis afecta principal-mente crianas em idade escolar (3-7anos) (2,4), sendo rara nos adultos. Atransmisso faz-se atravs do contactocom animais infectados, solo e de pessoapara pessoa. Tanto as crianas como os

    adultos podem ser portadores assinto-mticos. Os fungos podem sobreviverem meios externos, como chapus,pentes, almofadas e lenis, por longosperodos de tempo, sendo o seu perodode incubao desconhecido (2). A inci-dncia maior em afro-americanos,comparativamente aos caucasianos ehispnicos, sendo baixa a sua incidncianos asiticos (4). A incidncia de tinha docouro cabeludo nos adultos tem aumen-tado nos ltimos anos, com base emestudos multicntricos realizados nosEUA, Frana, Itlia e Taiwan (3), o querepresenta um problema de sade pbli-ca. Alm de ser uma doena de fcildisseminao, o diagnstico pode tornar--se difcil pela inespecificidade dos sinais

    clnicos, condicionando demora na ins-tituio de um tratamento eficaz e erra-dicao da afeco, aumentando onmero de portadores assintomticos. importante que os profissionais de sadeestejam atentos a esta hiptese dediagnstico.

    ETIOPATOGENIAAs hifas do fungo crescem de forma

    centrfuga no estrato crneo desde o

    stio de inoculao, progredindo em pro-fundidade ao longo do cabelo e invadindoa queratina medida que esta formada.A zona afectada estende-se medidaque o cabelo cresce e visvel sobre asuperfcie da pele no 12 - 14 dia. Oscabelos infectados so quebradios epela 3 semana j so evidentes cabelospartidos. A infeco continua a disse-minar-se no estrato crneo envolvendooutros cabelos.

    As tinhas do couro cabeludo podemclassificar-se segundo o modo como osdermatfitos formam esporos depois deinvadir a haste capilar (Tabela 1):

    Infeces ectotrix: os esporosvem-se no exterior da haste capilar.Podem ser de pequeno tamanho (2 3m, caracterstico daMycrosporum spp.),ou grandes (3 5 ou 5 10 m, causadaspelo Trichophyton mentagrophytes everrucosum respectivamente), quecostumam provocar maior inflamao.

    Infeces endotrix: os esporos,que medem entre 4 e 8 m, dispem-seao longo da haste capilar; so causadaspor Trichophyton spp.

    A tinha favosa uma forma deTinea capitis causada essencialmentepelo T. Schoenleinii. Tem uma formacaracterstica de invaso endotrix emque h muito poucos esporos presentes,

    visualizando-se as hifas paralelas hastecapilar. Geralmente surge em pessoascom ms condies de higiene e baixonvel scio-econmico, com elevadatransmisso intradomiciliria.

    A prevalncia de um dado derma-tfito como causador da doena varia depas para pas (Tabela 2); importanteter em conta que filhos de imigrantestendem a ser infectados com os fungosdo seu pas de origem, independen-temente do tempo de residncia no pas

    de emigrao(1,8)

    .

    CLNICAA apresentao clnica da tinha do

    couro cabeludo varia desde uma derma-tose descamativa no inflamatria, se-melhante dermatite seborreica, a umadoena inflamatria com leses erite-matosas e descamativas com alopcia,podendo progredir para leses tipoKrioncelsi. O Krioncaracteriza-se por fen-menos inflamatrios, de tipo foliculiteagrupada, que surgem sobre reas pilo-

  • 7/29/2019 Tinhas do Couro Cabeludo na Idade Peditrica.pdf

    2/4

    24 artigos de reviso

    NASCER E CRESCERrevista do hospital de crianas maria piaano 2004, vol. XIII, n. 1

    caractersticas inflamatrias mais evi-dentes do que as causadas por M. canis.So tpicas as leses solitrias com reasde tumefaco e pstulas (Krion) com

    perda de cabelos (Fig. 2). Infeces Endotrix: caracterizam-

    se por reas circulares de alopcia comligeiro eritema e descamao. Em algunsdoentes, a descamao disseminadacom eritema generalizado, tipo dermatiteseborreica, levando a uma perda pro-gressiva de cabelo. Por vezes desen-volve-se um Krion, seguido de cica-trizao e alopcia permanente.

    O Favo caracteriza-se por crostas eescamas amarelas e aderentes (esctula

    fvica) (Fig.3) podendo complicar-se dealopcia cicatricial. No entanto, h formasde infeco porT. schoenleiniisemelhan-tes a dermatite seborreica ou falsa tinhaamiantcea, dificultando o seu diagns-tico. Raramente, a tinha favosa pode serprovocada pelo T. violaceum e M.gypseum.

    DIAGNSTICOO diagnstico de Tinea capitis

    feito pela observao em microscopiaptica de elementos do fungo emamostras de cabelo ou pele infectada. Acultura necessria para a identificaodo agente especfico. importante esta-belecer o diagnstico correcto porqueclinicamente as leses podem sersemelhantes mas a teraputica diferesegundo o agente etiolgico especfico.

    A lmpada de Wood uma fonteartificial de luz ultravioleta de longoespectro. Provoca uma fluorescnciaverde brilhante nos cabelos infectados

    por algumas espcies de Mycrosporummas no pelas Trichophyton spp., comexcepo do T. schoenleiniique apre-senta uma fluorescncia verde acizen-tada.

    A colheita das amostras de peledeve ser feita nas zonas de alopcia porraspagem. Os cabelos devem serigualmente raspados do couro cabeludoe no arrancados. As amostras devemser humedecidas com uma gota dehidrxido de potssio 30% (KOH) e

    observadas ao microscpio ptico combaixa intensidade de luz e com pouca

    Tabela ITipos de invaso do cabelo

    Microsporum

    Trichophyton

    M. audouinii*

    M. canis*

    M. gypseum

    M. ferrugineum*

    M rivalieri*

    T. mentagrophytes

    T. verrucosum

    T. gourvilii

    T. soudanense

    T. tonsurans

    T. violaceum

    T. yaoundei

    T. schoenleinii*

    ECTOTRIX

    ECTOTRIX

    ECTOTRIX

    ENDOTRIX

    ENDOTRIX

    2 3

    3 5

    5 10

    4 8

    4 8

    EspciesDisposio dos

    esporos

    Tamanho (m)

    * Cabelos infectados exibem fluorescncia com a lmpada de Wood.

    Tabela II

    Distribuio geogrfica dos principais dermatfitos causadores de Tinea capitis

    M. canis

    T. tonsurans

    Europa

    T. tonsurans

    M. canis

    Amrica doNorte e Sul

    Austrlia frica Mdio Oriente sia

    M. canis

    T. tonsurans

    T. violaceum

    T. soudanense

    T. tonsurans

    T. yaoundei

    M. audouinii

    M. canis

    T. schoenleinii

    T. violaceum

    M. ferrugineum

    sas. Produzem-se ndulos, com tendnciasupurativa, que quando acentuada,promove a expulso dos plos parasitadose na sua resoluo ficam cicatrizes queoriginam uma alopcia definitiva. Nasformas agudas comum haver febre,tumefaco ganglionar regional e,eventualmente, aparecimento de eruposecundria designada por ides.

    O tipo de leso vai depender dainteraco entre o hospedeiro e o agenteetiolgico. Podemos distinguir:

    Infeces Ectotrix/esporos pe-quenos: quando o fungo causador an-tropoflico (ex M. ferrugineum). Carac-teriza-se por pequena rea circular quese estende lentamente, pouco escamosae eritematosa, com perda parcial docabelo. As leses tm caractersticasmais inflamatrias quando o agenteetiolgico responsvel uma espciezooflica ou geoflica (ex. M. canis) (Fig.1).

    Infeces Ectotrix/esporos gran-des: causadas por espcies zooflicas:T. verrucosumeT. mentagrophytes. Tm

  • 7/29/2019 Tinhas do Couro Cabeludo na Idade Peditrica.pdf

    3/4

    25artigos de reviso

    NASCER E CRESCERrevista do hospital de crianas maria pia

    ano 2004, vol. XIII, n. 1

    ampliao. Os dermatfitos mostramhifas ramificadas e compridas de umacor verde plido caracterstica (Fig.4).Frequentemente no vemos as hifas massim o cabelo fragmentado e normalmenterodeado de mltiplos esporos (Fig. 5).

    A cultura dos fungos uma tcnicasimples e faz-se em meios j preparadose comercializados para o efeito, semnecessidade de estufa. Os patogneosmais comuns crescem nos meios Sabou-raud dextrose agar. Contudo, conta-minantes crescem tambm rapidamenteneste meio, mascarando os verdadeirospatogneos. Assim, necessrio

    adicionar ciclohexamina e cloranfenicolpara tornar o meio mais selectivo para oisolamento do dermatfito (Mycosel,Mycobiotic). O Dermatophyte TestMedium (DTM) contm um indicador depH de fenol, que serve para diferenciaros dermatfitos de outros fungos. Asdiferentes espcies de Trichophytonpodem ser distinguidas pelas suasnecessidades nutricionais, reveladas nosmeios Trichophyton agar n 1 a 7, comdiferentes suplementos. S aps 4

    semanas sem crescimento que asculturas podem ser consideradasnegativas.

    O diagnstico diferencial deve serefectuado com as seguintes situaes:(1,6,7,8)

    1. Dermatite seborreica e falsatinha amiantcea

    2. Tricotilomania3. Alopcia traumtica4. Psorase5. Imptigo/ foliculite

    6. Alopcia areata

    Figura 1 - Microsporum canis.

    Figura 2 - Leses tpicas de Krion nocouro cabeludo. Placas eritematosas eedemaciadas, purulentas, com alopcia.

    Figura 3 - Favo.

    Figura 4 - Hifas de Microsporum canis empreparao com KOH.

    Figura 5 - Esporos em cabelo preparadocom KOH.

    7. Dermatite atpica8. Sfilis secundria

    TRATAMENTOA teraputica oral essencial dado

    que os medicamentos tpicos no socapazes de penetrarem adequadamenteno folculo e haste capilar. A griseofulvina,disponvel desde 1958, o nico antifn-gico de administrao oral autorizadopela U.S. Food and Drug Administration(FDA) para tratamento das tinhas docouro cabeludo nas crianas. A dose de 10 a 20 mg/Kg/dia, durante seis a oitosemanas, devendo ser tomado com uma

    refeio gorda para facilitar a absoro.Podem surgir reaces adversas comosonolncia, cefaleias, nuseas, fotos-sensibilidade e reaces urticariformes.

    O uso do champ de sulfureto deselnio a 2,5%, duas vezes por semana,associado a griseofulvina, reduz a fre-quncia de culturas positivas. Outraalternativa o champ de cetoconazol a2%. Pode ser til o uso de queratolticosque promovem a remoo do estratocrneo, local principal de infeco fngicanas micoses superficiais. Deve sersempre alertada a necessidade de evitara partilha de objectos pessoais comopentes, escovas, chapus, toalhas,roupas ou almofadas. Tratando-se deespcies antropoflicas, os contactantesda pessoa infectada devem fazer otratamento com champs antifngicospara reduzir o estado de portadorassintomtico e evitar a propagao dadoena.

    A terbinafina, o itraconazol e oflucanazol tambm so eficazes no

    tratamento da tinha do couro cabeludo,apesar de ainda no terem sido aprova-dos pela FDA para a idade peditrica. Asdoses recomendadas para a terbinafinaso de 3 a 6 mg/kg/dia, durante 2 a 6semanas, para o itraconazol de 3 a 5 mg/Kg/dia, durante 2 a 4 semanas e para ofluconazol de 6mg/kg/dia durante 20dias. Segundo a literatura, no h aindacasos descritos de uso de terbinafina emcrianas com idade inferior a 2 anos.Aps esta idade, parece ser bem tolera-

    da, com poucos efeitos laterais descritos,sendo as mais comuns perturbaes

  • 7/29/2019 Tinhas do Couro Cabeludo na Idade Peditrica.pdf

    4/4

    26 artigos de reviso

    NASCER E CRESCERrevista do hospital de crianas maria piaano 2004, vol. XIII, n. 1

    5 - Bronson D, Desai D, Barsky S, FolleyS. An epidemic of infection with Tricophy-ton tonsuransrevealed in a 20-year sur-vey of fungal infections in Chicago. J AmAcad Dermatol1983; 8(3): 322-30.6 - Yvonne M. Clayton: Superficial fungalinfections. In: Harper J, Oranje A, ProseN (eds). Textbook of Pediatric Dermatol-ogy. Oxford: Blackwell Science, 2000:447 60.7 - Rasmussen J. Cutaneous fungusinfections in children. Pediatr Rev1992;13(4):152-6.8 - Stein DH. Tineas superficial der-matophyte infections. Pediatr Rev1998;19(11): 368-72.

    9 - Lopes-Gomez S, Del Palacio A, VanCutsen J, Cuetara MS, Iglesias L, Rodri-guez-Noriega A. Itraconazole versusgriseofulvin in the treatment of tineacapitis: a double-blind randomized studyin children. Int J Dermatol 1994; 33:743-7.10 - Elewski BE, Hay RJ. Internationalsummit on cutaneous antifungal therapy:focus on tinea capitis. Pediatr Dermatol1996; 13(1): 69-77.

    Correspondncia:Teresa HernndezServio de PediatriaHospital Geral de Santo Antnio, S.A.Largo Prof. Abel Salazar4150-011 Porto

    gastrointestinais e exantema cutneo,em cerca de 2% das crianas tratadas (6).O itraconazol tem sido usado para tratarcasos de Tinea capitispor M. canise T.tonsurans, com bons resultados e semefeitos laterais descritos (9). A compli-cao tipo Krionnecessita da terapu-tica associada de corticide oral, duranteos primeiros 8 a 15 dias, para reduzir ainflamao e a incidncia de cicatriz.

    A Tinea capitis tem um impactosocial marcado, causando grande preo-cupao aos pais e professores, levando restrio de actividades sociais e dafrequncia escolar pela criana infectada.Segundo a literatura (10), aconselhvel

    o absentismo escolar at 5 dias aps oincio da teraputica oral.

    As infeces provocadas por esp-cies zooflicas implicam a observaoveterinria dos animais de estimaoem contacto.

    TINEA CAPITIS IN CHILDREN

    ABSTRACTThe authors present a review of the

    etiopathogenesis, clinical and laboratoryfindings and therapeutic options of tineacapitis in children, emphasizing the fre-quency and, sometimes, the difficulty ofthe diagnosis.

    Key-words: tinea capitis, children,diagnosis, treatment.

    Nascer e Crescer 2004; 13 (1): 23-26

    BIBLIOGRAFIA

    1 - Elewski B. Tinea capitis: a currentperspective. J Am Acad Dermatol2000;42 (1 Pt 1): 1-20.2 - Williams J, Honig P, McGinley K,Leyden J. Semiquantitative study of tineacapitis and the asymptomatic carrier statein inner-city school children. Pediatrics1995; 96(2): 265-7.3 - Hay RJ, Robles W, Midgley G, MooreMK. Tinea capitis in Europe: new per-spective on an old problem. J Eur AcadDermatol Venereol2001; 15(3): 229-33.

    4 - Lobato M, Vugia D, Frieden I. Tineacapitis in California children: a popula-tion-based study of a growing epidemic.Pediatrics1997; 99(4): 551-4.