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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
CENTRO DE CIÊNCIAS E HUMANIDADES
ALEX FERREIRA DE ANDRADE
EDUCAÇÃO MUSICAL NO CONTEXTO DA INCLUSÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
São Paulo 2009
ALEX FERREIRA DE ANDRADE
EDUCAÇÃO MUSICAL NO CONTEXTO DA INCLUSÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Trabalho de Graduação Interdisciplinar apresentado ao Curso de Pedagogia do Centro de Ciências e Humanidades da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do título de Licenciatura em Pedagogia.
ORIENTADORA: Profa. Dra. Ani Martins da Silva
São Paulo
2009
O mundo espera por suas exigências, Precisa de seu descontentamento, suas sugestões.
O mundo olha pra vocês com um resto de esperança. É tempo de não mais se contentarem
Com essas gotas no oceano. Bertold Brecht
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pelas oportunidades no trilhar da vida.
Aos meus pais e meu irmão pela confiança.
À minha querida namorada pela dedicação e paciência
Aos meus queridos amigos Viviane Louro e Luis Alonso que me ensinam sempre.
Meus amigos da pedagogia, que sempre terei um carinho especial.
Meus professores Eduardo Rodrigues, Cristiane Serpa, Wilson Duarte Resende, Hélcio
D´Latorre pela ampliação da minha trajetória no ensino musical.
Aos amigos do Conservatório Mozart, Escola Municipal de Música e Estação Especial
da Lapa pelo companheirismo e aprendizagem.
À professora Ms.Carla Biancha Angellucci pela profundidade e comprometimento
com o ato docente.
À minha querida orientadora Dra. Ani Martins da Silva pela paciência, profundo
conhecimento e auxílio.
RESUMO
O presente estudo, Educação Musical no Contexto da Inclusão de Pessoas com Deficiência, tem como foco a investigação das propostas metodológicas e apropriação simbólica da aprendizagem musical por pessoas com deficiência. Objetivou-se a análise das perspectivas metodológicas trazidas na literatura de educação musical para inclusão de pessoas com deficiência, assim como a identificação e análise das adaptações metodológicas junto à pessoa com deficiência. Optou-se por uma pesquisa de natureza teórica a partir de publicações de trabalhos sobre educação musical e deficiência, no que tange à construção simbólica e aprendizagem de música. A análise da literatura que fundamentou o presente trabalho indica as possibilidades de apropriação simbólica de pessoas com deficiência mental, visual, auditiva e física adaptando-se as metodologias de ensino, considerando-se as diferentes deficiências dos alunos, para uma aprendizagem da estrutura simbólica musical. A música para pessoas com deficiência com ênfase na apropriação simbólica ocorre como possibilidade de ensino e a aprendizagem de música para pessoas com deficiência ocorrerá a partir de métodos ativos e com uma educação musical de qualidade.
Palavras-chave: educação musical, deficiência, métodos ativos, apropriação simbólica.
ABSTRACT
The aim of the present study, Musical Education in the Context of the Inclusion of People with Disabilities, is to investigate the methodological purposes and the symbolic appropriation of musical learning by disabled people. The main focus was the analysis of the methodological perspectives presented in literature on musical education for the inclusion of people with disabilities, as well as the recognition and analysis of the methodological adaptations for disabled people. The study follows theoretical research on published academic papers about musical education and disability concerning symbolic construction and music learning. The selected literature indicates the possibilities of symbolic appropriation by people with mental, visual, hearing and physical disabilities having the teaching methodologies adapted and the different disabilities of students considered for the learning of the musical symbolic structure. Music for disabled people with focus on symbolic appropriation occurs as a possibility of music teaching and, for people with disabilities, music learning will happen with active methods and quality music education. Key-words: musical education, disability, active methods, symbolic appropriation
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 8
2 ARTE E EDUCAÇÃO MUSICAL ESPECIAL: BREVE HISTÓRICO ...................... 12
2.1 OS PARADIGMAS E O OLHAR FRENTE À PESSOA COM DEFICIÊNCIA .................. 12 2.2 ARTE E DEFICIÊNCIA .................................................................................................. 14 2.3 A INSERÇÃO DA ARTE NA EDUCAÇÃO ESPECIAL .................................................. 15 2.4 A MÚSICA E A INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA ..................................... 16 2.5 A EDUCAÇÃO MUSICAL ESPECIAL E O SIMPÓSIO DE EDUCAÇÃO MUSICAL
ESPECIAL............................................................................................................................ 19
3 ASPECTOS PEDAGÓGICOS DA EDUCAÇÃO MUSICAL ....................................... 22
3.1 UM RECORTE NA EDUCAÇÃO MUSICAL: O SÉCULO XX ........................................ 22 3.2 EDUCAÇÃO MUSICAL E DEFICIÊNCIA MENTAL ...................................................... 25 3.3 A EDUCAÇÃO MUSICAL PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA FÍSICA ..................... 26 3.4 DEFICIÊNCIA VISUAL E EDUCAÇÃO MUSICAL ........................................................ 28 3.5 MÚSICA E DEFICIÊNCIA AUDITIVA ............................................................................ 30 3.6 VIVÊNCIAS PESSOAIS NA ÁREA DA EDUCAÇÃO MUSICAL ESPECIALIZADA ....... 31
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 34
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 36
8
1 INTRODUÇÃO
A grandiosa música é a escritura do homem completo. É a mais solicitada de todas as artes, a mais mesclada com a existência social, a mais ligada com a vida, cujo funcionamento orgânico anima, acompanha e imita [...] A música é, por natureza, humana em sua essência e serve, pois, para despertar e desenvolver as faculdades humanas, pois a música não está fora do homem, mas no homem.[...] Educar-se na música é crescer com plenitude e alegria (Paul Valery; Edgar Willems; Violeta Gainza).
A ligação da música com o homem vem desde os primórdios da civilização.
Certamente, sua função e importância se diferiram em cada época, mas, de uma maneira ou de
outra, ela sempre acompanhou o homem. Atualmente, a música encontra-se presente no dia a
dia das pessoas de muitas formas distintas: em trilhas sonoras de filmes e ambientes sonoros
em restaurantes; como fonte de entretenimento; em manifestações religiosas e culturais; na
dança e em festas. Além disso, a música é encarada por muitos como importante fonte de
educação - essencial para a formação completa do indivíduo, como também um meio de
profissionalização, um modo eficaz de reabilitação e, ultimamente, um veículo incisivo na
inclusão social de grupos marginalizados. Como afirma Brasil (2002, p. 15):
A Arte [incluindo nesta, a música] é um campo rico de experimentações, aberto às
novas composições e elaborações, por isso propõe olhares diferenciados sobre a
realidade. Olhares que eliminam barreiras arquitetônicas, comportamentais
(segregação, estigma e preconceito) e de comunicação, por não partirem de modelos
pré-estabelecidos. Por esta razão, a Arte representa, por excelência, um vetor de
inclusão social.
Com o surgimento da educação especial e, posteriormente, da educação inclusiva, as
pessoas com deficiência, antes totalmente excluídas por serem diferentes, puderam participar
mais ativamente de nossa sociedade.
No que se refere à introdução da Arte na educação especial, esta teve um importante
marco, no Brasil, a partir das idéias da psicóloga russa Helena Antipoff e do movimento
"Escolinhas de Arte", que incluía no ensino de arte as pessoas com deficiência. A partir de
9
então, várias propostas em busca da aproximação da Arte à realidade dos portadores de
deficiências vem sendo arquitetadas. Em vários centros que têm por objetivos desenvolver
habilidades artísticas das pessoas com deficiência, a Arte, seja ela como manifestação
plástica, sonora ou outras, é utilizada como elemento de integração social, reabilitação ou
reeducação psicomotora (Brasil, 2002).
Koellreutter, em entrevista à Pavan (1998,p.3), afirma que a música é um meio de
desenvolver faculdades para o exercício de qualquer profissão. De acordo com suas palavras,
a música trabalha a concentração, autodisciplina, capacidade analítica, desembaraço,
autoconfiança, criatividade, senso crítico, memória, sensibilidade e valores qualitativos. Além
do que pode valorizar o ponto de vista nacional, religioso, político e social. Gainza (1988,
p.107) e Lima (1998, p. 78) completam:
O que importa é que seja estabelecido o equilíbrio do contínuo fluir da música dentro e fora do indivíduo, estendendo laços para outros seres humanos e vivenciando plenamente a atividade musical [...] Por meio da música, é possível transformar a personalidade, tornar a pessoa num ser mais participativo, autêntico e livre, dar meios a ela de crescer, criar, perceber, desabrochar todas as suas potencialidades.
Partindo desses pressupostos, a pessoa com deficiência deveria ter as mesmas chances
que uma pessoa não deficiente no que tange ao contato musical, pois, estabelecer o equilíbrio
do fluir da música como menciona Gainza, desabrochar as potencialidades latentes no
indivíduo como afirma Lima ou trabalhar autoconfiança, capacidade analítica, concentração,
entre outros fatores, como expõe Koellreutter, independe de padrões pré-determinados:
Cada pessoa é única, com características físicas, mentais, sensorias, afetivas e cognitivas diferenciadas. Portanto, há necessidade de se respeitar e valorizar a diversidade e a singulariedade de cada ser humano (BRASIL, 2002, p.13).
A prática docente também insere a reflexão em relação aos métodos de educação
musical, sendo que os métodos ativos desenvolvem a aprendizagem musical tendo
conhecimento dos educadores de maneira contextualizada, tendo uma relação importante do
sujeito, propondo atribuições socialmente construídas como vemos em Fonterrada, 2001,
p.76:
O esquecimento dos métodos ativos de educação musical vem sendo danoso ao ensino de música no País, provocando duas posturas opostas: a de adotar um método acriticamente e de maneira descontextualizada, descartando outras possibilidades, e a de ignorar seus procedimentos, investindo em propostas pessoais, geralmente baseadas em ensaio- e – erro e, em geral privilegiando o ensino técnico- instrumental (leia-se treinamento dos olhos e das mãos) ou a diversão, dentro do pressuposto de que a música é lazer [...] é importante que os educadores musicais pioneiros sejam revisitados [...] da qual se pode extrair subsídios para propostas adequadas ao contexto da escola e da cultura brasileira.
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Por estar envolvido com o ensino de música para pessoas com deficiência, minha
opção pelo tema se deve, portanto à afinidade com a área de estudo.
Por isso venho apresento minha trajetória como educador musical e a busca recorrente
de entender a diversidade humana, em especial, nessa pesquisa, as pessoas com deficiência.
Em 1997, comecei ministar aulas de flauta transversal em um conservatório pequeno
em São Paulo. Estudei flauta transversal na Escola Municipal de Música por 6 anos. Em 1998,
surgiu um aluno com Sindrome de Down querendo estudar flauta doce. Comecei a pesquisar
sobre como funcionava as estruturas da boca da pessoa com Sindrome de Down, pois pedia
para que ele fizesse um “ataque” com a língua para que tivesse uma sonoridade boa. Percebi
que minhas orientações eram em vão. Foi quando descobri que a literatura da época citava
sobre macroglossia em pessoas com Síndrome de Down, que seria uma língua maior; hoje em
dia se sabe que não é isso. Os estudos apontam para uma hipotonia generalizada.
Então começamos a fazer atividades para treino de articulação com parlendas. A partir
disso, o aluno começou a articular melhor o som na flauta.
Em 1999, fiz o curso de Músico-Reabilitação/AACD, que era o antigo nome do setor
que se chama hoje Musicoterapia.
Conheci a Ms. Viviane Louro no Conservatório Mozart onde trabalhávamos. A
Viviane estava cursando o Mestrado e começamos a estudar sobre música e deficiência, pois
tínhamos os mesmos interesses.
Fizemos inúmeros cursos sobre deficiência física, dente eles, o de Malformação
Congênita e Formação para Professores da Rede Regular para inclusão de pessoas com
deficiência física, na AACD.
Na Apae de São Paulo fizemos um curso de Psicomotricidade que nos deu subsídios
técnicos para o desenvolvimentos das atividades com os alunos.
Começamos a receber alunos com deficiência auditiva, que freqüentavam uma importante
instituição de São Paulo. Então soubemos do Simpósio de Educação Musical para surdos em
Uberlândia e aprendemos Libras para o ensino de Música.
Há 5 anos, juntamente com Lisbeth Soares,Viviane Louro e Luis Garcia Louro
iniciamos o I Simpósio de Educação Musical Especial do País e não paramos de tentar
melhorar a relação de ensino aprendizagem das pessoas com deficiência e autismo.
A Viviane me apresentou o co-orientador do Mestrado Dr. Luis Garcia Alonso que nos
incentivou a lançar o livro em que ele escreveu conosco: Educação Musical e Deficiência:
Propostas pedagógicas, publicado em 2006.
Depois, tomamos caminhos diferentes, Viviane foi estudar um pouco mais sobre surdez
e eu fui estudar autismo.
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Fui para o Rio de Janeiro onde conheci a professora Dra Carla Gikovate com
especialização em autismo em Yale e o Dr Walter Camargos, Raimundo Facion e conheci
sobre o espectro autista e Asperger. Continuo estudando sobre o tema.
Hoje em dia, trabalho em instituição especializada, com deficiências múltiplas e
pessoas do espectro autista.
Trabalhando em instituição especializada pude perceber a possível falta de
profissionais especializados em relação à aprendizagem musical para pessoas com deficiência,
pois muitos alunos se queixavam da falta de escola de música.
O objetivo geral da pesquisa está focado em analisar as propostas metodológicas e
apropriação simbólica1 da aprendizagem musical, em pessoas com deficiência.
No que se refere aos objetivos específicos, nos propomos a analisar as perspectivas
metodológicas da literatura de educação musical para a inclusão de pessoas com deficiência; e
identificar e analisar as adaptações metodológicas junto à pessoa como deficiência, na área de
educação musical.
A pesquisa é de natureza teórica, de abordagem qualitativa, e tem como foco
publicações de trabalhos sobre educação musical e deficiência no que tange a construção
simbólica e aprendizagem de música.
O trabalho foi organizado, conforme segue: No Capítulo I, tratamos sobre Arte e
Educação Musical Especial, dando um enfoque aos Paradigmas Educacionais e à Pessoa com
Deficiência, Arte e Deficiência. Abordamos ainda a Inserção da Arte na Educação Especial,
Música e Inclusão da Pessoa com Deficiência e A Educação Musical Especial e o Simpósio
de Educação Especial Nacional
No Capitulo II, abordamos os Aspectos Pedagógicos da Educação Musical, com
destaque em: Um recorte na Educação Musical: o Século XX, Educação Musical e
Deficiência Mental, Educação Musical para Pessoas com Deficiência Física, Deficiência
Visual e Música e Deficiência Auditiva.
1 Apropriação simbólica como significação do processo de ensino-aprendizagem musical.
12
2 Arte E Educação Musical Especial: Breve Histórico
Iniciamos este capítulo trazendo os principais modelos de atendimento destinados às
pessoas com deficiência, sustentados em concepções que trazem as marcas históricas da
sociedade brasileira no trato daqueles que se afastam da norma em função de suas
deficiências.
Nossa intenção em apresentar, mesmo que de forma breve, esses paradigmas, é por
entendermos que o paradigma atual, denominado inclusão, tem se configurado como pano de
fundo para as transformações que tem ocorrido na oferta de ensino de arte, e mais
especificamente da educação musical, às pessoas com deficiência, pois a arte, como afirma
Reily (2006, p.13), expressa-se de forma contundente no âmbito da educação inclusiva,
conforme tematizada neste capítulo.
2.1 OS PARADIGMAS E O OLHAR FRENTE À PESSOA COM
DEFICIÊNCIA
No Brasil, até o século passado, por volta dos anos de 1950, as pessoas com
deficiência eram colocadas à margem da sociedade, em ambientes restritos, asilos, hospitais
psiquiátricos – paradigma denominado de Institucionalização (BRASIL, 2005).
Bueno(1999), ao referir-se às instituições especializadas criadas e destinadas às
pessoas com deficiência, coloca que as mesmas tinham caráter paternalista:
[...] através de uma política de “favor”, terem sido criadas instituições que, pelo menos, ofereciam abrigo e proteção para uma parcela da população, cumpria a função de auxílio aos desvalidos, isto é, àqueles que não possuíam condições pessoais para exercerem a cidadania. Além disso, na medida em que se prenderam a iniciativas isoladas, deixaram de fora a maior parte dos surdos e cegos, ao mesmo tempo que, como internato, retiraram o convívio social indivíduos que não necessitavam ser isolados pelo incipiente processo produtivo (p.86).
Nesse processo de institucionalização, por influência da medicina e da psicologia,
surgiram instituições com a intenção higienista, como apontado por Jannuzzi (apud
Bueno,1999,p.88):
[...] pregação sobre eugenia, propalando a “regeneração física e psíquica” preocupação em relação à saúde com referência a problemas básicos causadores de nossa degenerescência e taras [...] considerações que vão fazer parte do discurso sobre deficiência mental.
Dentre as instituições criadas, por iniciativas particulares, e destinadas ao atendimento de
pessoas com deficiência mental com um olhar para as artes, temos a “[...] Sociedade
13
Pestalozzi de Minas Gerais (Belo Horizonte, 1932 [as][...] Escolinhas de Arte do Brasil (Rio
de Janeiro,1948)”(BUENO,1999,p.89-90).
.
Entretanto, os custos para manter as instituições e as críticas direcionadas pelos
defensores dos direitos humanos fizeram com que o paradigma fosse repensado, na década de
60 do século XX, as discussões sobre deficientes centraram-se na normalização e na
desinstitucionalização, como vemos em Brasil (2005, p.17-18):
[...] no mundo ocidental, o movimento pela desinstitucionalização, baseado na ideologia da normalização, que defendia a necessidade de introduzir a pessoas com necessidades educacionais especiais na sociedade, procurando ajudá-las a adquirir as condições e os padrões da vida cotidiana, no nível mais próximo possível do normal [...] para então poder ser inserida, integrada, ao convívio em sociedade. (grifo do autor)
Com esse olhar, o sujeito é quem deve mudar. Surge, então, um novo modelo: o
Paradigma de Serviços, que defende, numa primeira instância, a necessidade do sujeito ser
avaliado por profissionais qualificados para analisarem o que deve ser modificado na vida do
sujeito; no segundo momento, esses profissionais deveriam elaborar um programa para
desenvolver o que falta para a normalidade e, no terceiro momento, encaminhar a pessoa com
deficiência para a vida em sociedade (BRASIL, 2005).
As criticas foram feitas pela sociedade, como cita Omote (2006, p.264): “[...] um erro
cometido no passado, uma visão enviesada, que resultou em ações unilaterais nas quais o
esforço feito para alcançar a integração no meio social cabia às pessoas deficientes”.
Surgiu, principalmente após a Declaração de Salamanca (1994), um novo olhar para o
meio, e não somente para a pessoa com deficiência. Entramos no Paradigma de Suporte,
atualmente defendido e conhecido com inclusão. Para Omote:
A inclusão não pode ser vista como princípio ou uma prática que substitui modelos anteriores de atendimento de deficientes, como às vezes tem sido sugerido. Têm o mérito de deslocar o foco de atenção para o meio, o qual pode estar criando condições que impõem diferenciação e limitação a determinados grupos de pessoas. Entretanto, a origem do problema nem sempre está apenas no ambiente em que discrimina, segrega e exclui essas pessoas. Muitas vezes, essas pessoas têm de fato, dificuldades e limitações por diferentes razões. As dificuldades e limitações resultam da interação entre as demandas do meio e as características das pessoas. Assim, precisam também ser capacitadas para o enfrentamento das demandas do meio que pretende ser inclusivo. Os conceitos que nos orientam no passado, como a normalização e a integração, não podem ser banidos do nosso referencial teórico-filosófico (2006, p.264).
Temos, portanto, ao longo dos tempos, mudanças nas formas de compreender e
significar as deficiências, implicando, nos dias atuais, em uma leitura social que, no plano do
discurso, reconhece e valoriza a diversidade humana, entre essas, a diferença marcada pela
deficiência, quer física, visual, auditiva ou mental.
14
É nesse contexto que situamos o ensino da arte, como um dos caminhos de
aprendizagem da pessoa com deficiência, e seu conseqüente desenvolvimento, dentre outros
possíveis caminhos.
2.2 ARTE E DEFICIÊNCIA
A arte como possibilidade de desenvolver habilidades artísticas tem em sua história
diversos olhares, em decorrência de diversas expressões do fazer arte.
Essas diversas formas de apropriação do conhecimento artístico estão ligadas a
diversas linguagens, como observamos em Brasil (2002, p.14):
[...] ser capaz de ler e de se expressar utilizando-se de linguagens artísticas é uma forma de conhecimento que possibilita a inclusão, cabendo as escolas garantir tal aprendizagem a todos os seus alunos. Nesse sentido, o ensino da arte assegura, além da produção artística por parte do aluno, a formação do público/leitor sensível, aberto ao conhecimento da diversidade das realizações em arte`a qual possa ter acesso.
A aprendizagem da arte se configura como importante articulação do desenvolvimento
dos indivíduos, que congregam no desenvolvimento integral.
Uma função igualmente importante que o ensino da arte tem a cumprir diz respeito à dimensão social das manifestações artísticas. A arte de cada cultura revela o modo de perceber, sentir e articular significados e valores que governam os diferentes tipos de relações entre os indivíduos na sociedade. A arte solicita a visão, a escuta e os demais sentidos como portas de entrada para uma compreensão mais significativa das questões sociais. Essa forma de comunicação é rápida e eficaz, pois atinge o interlocutor por meio de uma síntese ausente na explicação dos fatos (BRASIL, 1997, p.14).
A arte move o individuo a perceber sua identidade e as suas modificações, respeitando
seu desenvolvimento em diferentes contextos, pois:
A aprendizagem em arte acompanha o processo de desenvolvimento geral da criança e do jovem desse período, que observa que sua participação nas atividades do cotidiano social estão envoltas nas regularidades, acordos, construções e leis que reconhece na dinâmica social da comunidade à qual pertence, pelo fato de se perceber como parte constitutiva desta (BRASIL,1997,p.31).
Assim como o observamos sobre a cultura e a linguagem em Brasil (1997, p.32):
A aprendizagem artística envolve, portanto, um conjunto de diferentes tipos de conhecimentos, que visam à criação de significações, exercitando fundamentalmente a constante possibilidade de transformação do ser humano. Além disso, encarar a arte como produção de significações que se transformam no tempo e no espaço permite contextualizar a época em que se vive na sua relação com as demais.
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Percebemos a necessidade de inserção da pessoa com deficiência em diversos
contextos e as artes expressam-se de forma contundente no âmbito da educação inclusiva,
como afirma Reily (2006, p.13):
A Educação Inclusiva é uma conquista indiscutível. No contexto da inclusão, o ensino da arte apresenta possibilidades importantes na busca de caminhos efetivos para que todos os alunos, sobretudo aqueles com necessidades especiais, possam vivenciar expressões, contribuindo para a construção do conhecimento e o exercício pleno da cidadania.
2.3 A INSERÇÃO DA ARTE NA EDUCAÇÃO ESPECIAL
No Brasil, a proposta de ensino de arte para pessoas com deficiência, foi
fundamentada a partir do Movimento Escolinhas de Arte, em 1948, no Rio de Janeiro. Trata-
se de marco importante na implementação de um olhar possível para construção da arte como
possibilidade para as pessoas com deficiência.
A Arte na Educação Especial teve importante marco, no Brasil, a partir das idéias da educadora russa Helena Antipoff e do Movimento Escolinhas de Arte , que incluía, no ensino da arte, as pessoas com necessidades educativas especiais (BRASIL,2002,p.7).
Nessa concepção, e por influência de Antipoff, que introduziu o ensino de arte na
Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais novas ações foram geradas em diversas instituições,
como as APAes e, a partir da prática, foram sistematizando o sistema de ensino artístico da
época, para pessoas com deficiência mental.(BRASIL,2002)
Em 1989, tem início os festivais, em especial do programa Arte sem Barreiras e com a
mediação da Secretaria de Educação Especial, iniciam-se publicações para organização e
apropriações dos conhecimentos que estavam sendo construídos nos festivais, como o Manual
de Arte Educação: Uma Dinâmica para o Desenvolvimento (BRASIL,2002).
Nesse momento, o paradigma da Inclusão começa a se incorporar nas discussões, nas
ações frente à educação especial principalmente com a publicação da Declaração Mundial
sobre Educação para (1990) e da Declaração de Salamanca (1994), como observamos abaixo:
Principio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as crianças devem aprender juntas, sempre que possível, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que elas possam ter. Escolas inclusivas devem reconhecer e responder às necessidades diversas de seus alunos, acomodando ambos os estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando uma educação de qualidade à todos através de um currículo apropriado, arranjos organizacionais, estratégias de ensino, uso de recurso e parceria com as comunidades. Na verdade, deveria existir uma continuidade de serviços e apoio proporcional ao contínuo de necessidades especiais encontradas dentro da escola (BRASIL, 1994, p.5).
16
Essa concepção defende o desenvolvimento e capacitação da pessoa com deficiência
frente à aprendizagem de arte, respeitando os tempos de aprendizagem, oportunizando as
adaptações necessárias as mesmas.
2.4 A MÚSICA E A INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
As pessoas com deficiência têm o direito à aprendizagem e ao desenvolvimento de
habilidades que as levem a se apropriar de conteúdos artísticos como expressão da sua
cidadania.
Com essa intencionalidade, a música, dentre as diversas possibilidades artísticas, ela se
mostra como aliada do desenvolvimento das capacidades cognitivas e estruturais, como
colocado por Birkenshaw-Fleming (apud JOLY, 2003, p.2-3), que acredita no reforço da auto-
estima, respeitando as limitações, porém incentivando o aluno a participar e se tornar
independente; música como papel socializador pela ação do processo pedagógico; no
desenvolvimento da estrutura psicomotora com a utilização da música; na utilização de
parlendas e de pequenas canções para aquisição da linguagem e de conceitos musicais ligados
a questões mnemônicas, e que a partir da aula estruturada com objetivos específicos, contribui
para a promoção do desenvolvimento integral dos indivíduos com deficiência.
Vemos também a importância da música para pessoas com necessidades especiais em
Penovi (apud JOLY, 2003, p.3):
[...] entender e considerar a música como um elemento fundamental no rol de aspectos que contribuem para o desenvolvimento de indivíduos; agrupar as crianças de acordo com as suas dificuldades motoras e suas reações frente ao ensino musical; manter um espírito investigativo e pesquisar o material adequado às características e necessidades de cada criança.
Então, entramos em uma relação em que o processo de aprendizagem musical de
pessoas com deficiência está relacionada a um dimensão mais ampla.
Quando pensamos na proposta de incluir a pessoa com deficiência em escolas, nos
defrontamos com barreiras arquitetônicas, que são de ordem estrutural, e com barreiras
relacionais, como aponta Vash (apud Louro, 2003, p.40):
[...] existem casos em que a deficiência nada afeta a capacidade do indivíduo de aprender ou se comunicar. Mesmo assim, muitas dessas pessoas são segregadas em escolas especiais, simplesmente para evitar barreiras arquitetônicas- comuns nas escolas do Brasil – ou problemas com colegas de classes ou pais de alunos que não desejam ver seus filhos na companhia de “deficientes”.
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Nas escolas de música, tanto de nível técnico como nas livres, a “lógica da exclusão”
não se mostra diferenciada, como observamos em Louro (2003, p.36): ”Aqueles que não
conseguem cumprir de forma satisfatória o programa exigido ou a matéria estipulada para
entrar numa instituição de música, certamente são excluídos”.
Sabemos da demanda em instituições de música quando a mesma tem qualidade e
também da falta de vagas para suprir o sistema, entretanto Brasil (2002, p.13) traz a
importância da arte para ultrapassar barreiras:
A Arte é um campo rico de experimentações, aberto às novas composições e elaborações, por isso propõe olhares diferenciados sobre a realidade. Olhares que eliminam barreiras arquitetônicas, comportamentais (segregação, estigma e preconceito) e de comunicação, por não partirem de modelos preestabelecidos. Por esta razão, a Arte representa, por excelência, um vetor de inclusão social.
Há pouca possibilidade de oportunizar a aprendizagem de música, tanto em
instituições como em escolas, como aponta Louro (2003, p.37):
Geralmente, um portador de deficiência entra em contato com arte, mais especificamente, com música apenas aulas do ensino básico ou em instituições especializadas como APAEs, AACD, institutos para portadores de deficiências visuais, entre outras. Mesmo assim, a música, no ensino básico público, quando inserida no currículo, é direcionada de forma superficial. Já nas instituições para portadores de deficiências, a música é encarada como atividade lúdica ou de reabilitação [...] Assim, o portador de deficiência com vontade de profissionalizar-se na área musical ou mesmo por hobby, mas dentro de um processo de alta qualidade, se vê em circunstâncias bastante desfavoráveis.
O trabalho, na maioria das vezes, restringe-se a simples repetição de movimentos
associados à música, sem um caráter da expressão artística musical: “[...] é possível verificar a
utilização apenas de músicas vinculadas pela mídia, de gestos estereotipados, de atividades de
simples reprodução e não de criação, perpetuando a idéia corrente de música apenas como
passatempo e não como linguagem” (SOARES, 2006, p.87).
Diante da concepção inclusiva, Bang (apud Louro 2003, p.39) coloca que: “os
deficientes tem direito moral, cívico e legal de receber um nível de educação artística
semelhante ao das pessoas não-deficientes”.
Essa inserção precisa ter objetivos e critérios específicos para o melhor
desenvolvimento desse aluno, pois:
No âmbito de tais discussões, torna-se relevante abordar a inserção de pessoas com deficiência no campo das artes [...] Nesse sentido, pressupõe-se que os alunos com deficiência tenham acesso às escolas de arte regulares, e que participem de atividades artísticas juntamente com alunos sem deficiências. (BONILHA & CARRASCO, 2007, p.2)
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Acreditamos que tanto a escola regular como as instituições de música têm objetivos
específicos no que tange à aprendizagem e que existem limites operacionais nesse processo.
Temos que levar em consideração os objetivos para não misturar aprendizagem com terapia
no ambiente que tem intenções educativas, como conclui Omote, 2006, p.260:
Na defesa incondicional da inclusão precisamos reconhecer a realidade de certos quadros de comprometimento que tornam os seus portadores tão limitados e alterados que necessitam de atendimento especializado distinto daquele que a escola de ensino comum pode proporcionar. São crianças e jovens que necessitam de atendimentos especializados multidisciplinares para assegurar condições necessárias a uma vida digna, ainda que bastante limitada. As ações educacionais que podem ser realizadas dizem respeito, por exemplo, às atividades da vida diária para alcançar alguma independência e melhor qualidade de vida e não qualquer tentativa de escolarização, pelo menos, nas condições atuais de recursos de ensino e outras condições pedagógicas de que nossas escolas e a nossa tecnologia de ensino dispõem.
O documento Estratégias e Orientações Sobre Artes: Respondendo com Arte às
Necessidades Especiais (2002) do Ministério da Educação, no que tange aos fundamentos do
ensino de música, apresenta um enfoque do ISO (Identidade Sonora do Indivíduo), como
observamos abaixo:
Ressaltamos ainda que em cada um de nós existe um ritmo, marcação silenciosa de formas, ondas e ressonâncias individuais, que nos conectam com as demais coisas do universo. Esse ritmo chamado ISO (Identidade sonora, caracteriza cada pessoa e é semelhante ao histórico de vida. O ISO é a representação do mundo sonoro do indivíduo e também está presente nas crianças que nascem com déficit auditivo. Estas apresentam, entretanto, aspectos diferenciados. Por exemplo: no Reflexo de Moro, observado nos primeiros de vida, a criança não se assusta, não reage ai som de um grito ou de uma palma; no aspecto de piscar (cócleo-palpebral), a criança mantém os olhos abertos e não movimenta a cabeça para procurar o som, ou seja, a fonte sonora (p.26).
Na concepção de ensino musical, Louro (2008, p.2) retifica:
[...] encarar a produção ou intenção artística de uma pessoa que tenha determinada deficiência como fazendo parte somente de um processo reabilitacional ou direcionar a educação musical para o mesmo, apenas para sua inclusão social, são atitudes que podem podar o potencial artístico da pessoa, colocando-a num patamar inferior de realização.
Em relação ao processo inclusivo de pessoas com deficiência, autores reforçam a
importância do conhecimento da educação inclusiva na formação universitária inicial e na
pós-graduação, como afirma Mittler (apud SOARES, 2006, p.89):
[...] destaca a importância de que todos os professores [...]tenham acesso aos princípios básicos da educação inclusiva, entendendo que, desta maneira, será cada vez maior o contingente de profissionais que tenham práticas inclusivas e que valorizam seus princípios.
Como informa Louro (2008, p.2):
19
[...] há o fato de que poucos professores de música são beneficiados por informações pertinentes às pessoas com deficiências durante seu processo de formação pedagógica musical. Portanto, quando se depara com um aluno de música que não tem os mesmos padrões do que está acostumado, sejam estes físicos, intelectuais ou comportamentais, sua primeira reação é a de rejeição (não querer dar aulas para esse aluno) ou, ficar completamente perdido, sem saber o que fazer.
Nesse processo, o professor não vendo possibilidades de ajustar os objetivos propostos
em prol da aprendizagem da pessoa com deficiência inserida em contextos escolares regulares
ou de ensino de música, se utiliza da socialização como proposta de “inclusão” (ANDRADE,
2008).
Vale destacar as intervenções de profissionais da educação especial juntamente com
professores da sala regular para que ocorra um trabalho em conjunto para efetivamente
ocorrer à inclusão da pessoa com deficiência, como observamos em Capellini (apud SOARES
2006, p.89):
[...] importância do ensino colaborativo, resultante de uma parceria entre o professor de Educação Especial e professor da escola regular, como uma estratégia para o ensino de pessoas com necessidades educacionais especiais.
2.5 A EDUCAÇÃO MUSICAL ESPECIAL E O SIMPÓSIO DE EDUCAÇÃO
MUSICAL ESPECIAL
A implementação da educação inclusiva no contexto da educação musical vêm se
ampliando há cinco anos, quando ocorreu o 1º. Simpósio de Educação Musical Especial de
âmbito nacional, cujas propostas inovadoras se sustentam na diversidade de temas abordados
por profissionais que estudam e trabalham com pessoas com deficiência.
Segundo Louro & Soares (2008), no Simpósio, foram abordados desde aspectos
clínicos das deficiências até estruturas metodológicas ancoradas em diversas concepções de
ensino direcionado a pessoas com diferentes deficiências, tais como: adaptações
metodológicas para pessoas com deficiência física; deficiência mental; musicografia braille;
metodologias específicas para pessoas com espectro autista; educação musical dentro em
contextos hospitalares e música para pessoas com deficiência auditiva.
Como observamos em Louro & Soares (2008, p.2):
Nestes cinco anos, a programação do Simpósio procurou sempre oferecer palestras, mesas redondas, debates, oficinas (aulas práticas), grupos de discussões, espaço para apresentações de trabalhos e apresentações musicais ou artísticas de pessoas com deficiências ou outros grupos de inclusão. A intenção é mesclar momentos de
20
discussões teóricas com vivências, proporcionando aos palestrantes e participantes momentos de trocas e de novas aprendizagens.
Percebemos a importância da iniciativa e das relações importantes estabelecidas com
profissionais de diversos estados para a implementação da educação inclusiva por meio da
educação musical especial. Mas, dada nossa constituição territorial e a ampla demanda de
pessoas com deficiência em nosso país, o que tem sido feito ainda é insuficiente.
Em 2004, foi publicado pela Secretaria de Educação Especial- SEE/MEC- a
Normatização Internacional de Musicografia Braille, para a organização e edição de músicas
em braille no país com o título Novo Manual Internacional de Musicografia Braille.
Um destaque importante no que tange à Educação Musical para pessoas com
deficiência visual, refere-se à professora Dolores Tomé, residente em Brasília, com o livro
Introdução à Musicografia Braille, publicada em 2003. Em 2006, temos a publicação do
mestrado da Fabiana Bonilha: Leitura musical na ponta dos dedos: caminhos e desafios do
ensino de musicografia braille na perspectiva de alunos e professores, e o trabalho da Ms.
Isabel Bertevelli em São Paulo, no Instituto Padre Chico e na Instituição LARAMARA. São
profissionais que se dedicam com afinco ao desenvolvimento da aprendizagem musical de
pessoas com deficiência visual
Outra proposta inovadora se deu em 2006, com o lançamento do Livro Educação
Musical Especial: Propostas Pedagógicas, de autoria de Viviane Louro, Luis Alonso e Alex
Andrade, sendo a primeira publicação nacional sobre o tema. O livro aborda a diferença entre
educação musical especial e musicoterapia; Psicomotricidade e Aprendizagem Musical;
Adaptações para pessoas com deficiência; Tecnologia Assistiva; Adaptações pedagógicas;
Educação Musical e Atividades Pedagógicas.
No meio acadêmico podemos citar as produções da professora Dra Ilza Zenker Joly da
Universidade Federal de São Carlos, que concluiu sua dissertação de mestrado em 1994, com
o Título: Efeitos de procedimentos de Musicalização Infantil em crianças Deficientes,
abordando estudos de casos e o efeito da aprendizagem musical em crianças com deficiência.
Em 2003, Viviane dos Santos Louro concluiu a dissertação de mestrado na UNESP
com o título As adaptações a favor da inclusão do portador de deficiência física na educação
musical: um estudo de caso. Sob a orientação de Joly, Lisbeth Soares dissertou, em 2006, no
mestrado, sobre o tema Formação e prática docente musical no processo de educação
inclusiva de pessoas com necessidades especiais, e, atualmente, ministra a disciplina
“Educação Musical Especial”, na Faculdade de Música Carlos Gomes, em São Paulo.
Em Uberlândia, temos um trabalho expressivo da educadora musical Sarita Araújo que
trabalha com educação Musical para surdos que publicou o artigo: O surdo: caminho para
21
educação musical, no Anais da ABEM(Associação Brasileira de Educadores Musicais, em
2004; e em São Paulo, temos a professora Viviane Louro, que trabalha na perspectiva da
aprendizagem de música para pessoas com surdez.
Temos, também, na Universidade Federal de Goiás, a mestranda Viviane Cristina
Drogomirecki, que vem trabalhando com proposta de educação musical inclusiva com alunos
da graduação em música, da universidade.
Em 2007, o livro Arte & Inclusão Educacional, em que os Autores Alessandro Arten
Sérgio Zanck e Viviane Louro apresentam atividades musicais, pedagógicas e cênicas para o
trabalho com pessoas com deficiência.
Temos, portanto, publicações no país que vem estruturando um caminho possível em
relação ao ensino de música para pessoas com deficiência.
22
3. ASPECTOS PEDAGÓGICOS DA EDUCAÇÃO MUSICAL
Neste capítulo apresentaremos as principais correntes que influenciaram e continuam
influenciando a concepção de educação musical no cenário brasileiro.
Trazemos ainda, contribuições específicas, no que se refere à educação musical de
pessoas com deficiência mental, física, auditiva e visual, como destaque para os aspectos
metodológicos, em especial as adaptações requeridas nesse ensino, que está circunscrito no
âmbito da Educação Especial.
3.1 UM RECORTE NA EDUCAÇÃO MUSICAL: O SÉCULO XX
Em Fonterrada (2001), buscamos as referências históricas das principais correntes da
Educação Musical, como será apresentado neste tópico. Desse modo, e dada a ausência de
bibliografia com sustentação teórica consistente, em português, nos restringiremos a situar
apenas as páginas da obra referida, evitando, assim, sobrecarregar o texto com repetições da
referência.
No conjunto da obra, a autora refere a sete importantes contribuições para a educação
musical dentre elas, Émile-Jacques Dalcroze, professor de música que viveu na Suiça entre
1865 e 1950 que percebeu a dificuldade dos alunos de relacionar e, principalmente, escrever
acordes:“Dalcroze inverteu a ordem estabelecida, incentivando a escuta e o toque de piano,
antes do aluno realizar a atividade”(p.77). Outra dificuldade percebida foi a da estruturação
rítmica em sua relação com a execução, o que o levou a propor a utilização do canto e do
corpo como importantes elementos relacionados à aprendizagem musical. Inferiu que a
educação musical poderia mudar a humanidade com ação no coletivo, pois:
O Ideal de Dalcroze é a união dos indivíduos, num processo que caminha em direção ao coletivo; para ele, caberia à arte esse papel aglutinador, graças a sua capacidade de suscitar nos indivíduos, a expressão de sentimentos comuns (p.79).
As bases da educação musical estão ligadas ao canto e ao movimento, como vemos em
Seashore (apud FONTERRADA, 2001, p.80):
As impressões de ritmos musicais despertam sempre, em certa medida motoras na mente do ouvinte e, em seu corpo, reações musculares intuitivas. As sensações musculares acabam por associar-se às sensações auditivas que assim reforçadas, se impõem mais ao espírito, para apreciar a análise.
23
Na educação musical dalcroziana a utilização do ritmo e do gesto evidenciam a
construção da educação musical como foco na aprendizagem individual que transforma e
direciona para questões mais complexas:
Seu sistema, muito embora dedique-se ao desenvolvimento de competências individuais, pois é intensamente vivenciado pelo aluno, num movimento integrado que reúne capacidades psico-motoras, sensíveis, mentais e espirituais, é, também pensado como agente de educação coletiva(p.82).
Dalcroze utiliza o movimento na educação musical de forma a relacionar a prática e a teoria, como:
Bater palmas nos tempos rítmicos acentuados, interromper ou recomeçar, subitamente, um movimento, representar com um gesto o caráter anacrúsico de um trecho, ou criar um movimento expressivo que represente uma determinada frase musical, são exemplos do que se pode explorar numa aula dalcroziana (p.87).
Outro educador importante foi austríaco Edgar Willems, aluno de Dalcroze, que
propunha uma escuta musical a partir do conhecimento do ser humano.
A arte de educar encontra sua base racional de conhecimento das relações restritas, vitais, que existem entre os elementos fundamentais da matéria a ensinar, e as próprias da natureza humana (p.89).
Willems estrutura seu método no aspecto teórico e prático, conforme segue.
[...] Willems dedica-se a dois aspectos: o teórico-que engloba os elementos fundamentais da audição e da natureza humana- e o prático, em que organiza o material didático necessário à aplicação de suas idéias à educação musical. Willems divide a audição em aspectos importantes: sensorial, afetivo e mental.
Os aspectos sensoriais do som estão ligados a aspectos importantes com relação
timbrísca, altura, duração e intensidade, em que são utilizados intervalos de tessitura variável
para chegar em relações pequenas intratonáis. O aspecto afetivo está relacionado à emoção
provocada pela música utilizando-a com a exposição dos sentimentos, desenvolvendo escuta
interior, imaginação e desenvolvendo uma escuta com sensibilidade. O último aspecto seria o
mental em que necessita de habilidades desenvolvidas primeiramente dos dois aspectos
citados anteriormente, que deve criar possibilidades de criação, relacionando os objetos
sonoros com a utilização de sinos, por exemplo.
O Húngaro Zoltán Kodály, educador musical que nasceu em um momento conturbado
na Hungria, que vinha num processo de ocupação pelos turcos, fez uma pesquisa sobre a
identidade folclórica do húngaro, com a crença de que a partir das músicas poderia construir a
nacionalidade do país.
Sua pesquisa foi elaborada juntamente com o compositor Bela Bártok, com
sociólogos, etnomusicólogos, dentre outros, que foram em busca da identidade do país. No
24
processo de constituição da identidade húngara e como a falta de materiais, a utilização do
canto, e de músicas folclóricas e a leitura musical associada, foram estabelecidas como
obrigatórias nas escolas húngaras.
O sistema era gradativo de ensino, em que se utilizava:
Um sistema de símbolos de duração rítmica; um sistema de alturas relativas, conhecido como dó móvel (Tonic Solfa); um conjunto de sinais manuais que auxiliam o desenvolvimento de relações tonais, conhecido como manosofa (p.103).
Carl Orff, importante educador musical, fundamentou a educação musical pautada no
ritmo, no movimento e na improvisação interligando-a com outras artes. Deixou uma
importante coletânea de cinco volumes intitulados Orff-Schulwerk (1954). Com a ajuda de
seus amigos Karl Maedler e Curt Sachs desenvolveu o instrumental Orff que consiste em
instrumentos de percussão (metalofones, xilofones, tambores, flautas doces e instrumentos de
percussão pequenos), fazendo com que as crianças desenvolvam o prazer pelo tocar.
Do ponto de vista metodológico, a utilização de danças de várias partes do mundo, a
utilização do eco para estruturar frases e ostinatos; utilização de escalas (iniciando pela
pentatônica) para futuras improvisações são observadas na concepção musical de Orff.
Shinishi Suzuki acredita na educação musical como aproximação da cultura do aluno e
a estimulação auditiva no ambiente doméstico, com a ajuda dos pais. A partir da imitação dos
pais desenvolve a aprendizagem musical.
Na sua concepção, acreditava que a repetição constante, a utilização de gravações, o
reforço positivo, ambiente que promova o tocar em público, repertório variado e o estimulo
para a execução de ouvido, propiciam a internalização da música.
Podemos citar dois educadores chamados de segunda geração, que tem sido na
atualidade referências para educadores musicais no Brasil: John Paynter e Murray Schafer.
John Paynter, atualmente professor da Universidade de York e de escolas inglesas,
insere uma educação musical mais livre, em que a escuta ambiental e ativa gera
aprendizagem. Sua proposta está relacionada à experimentação artística a partir do interior da
criança.
Murray Schafer tem a preocupação com a qualidade da escuta. Educador musical que
vive no Canadá, propõe uma educação sonora com a utilização de sons ambientais com uma
proposta que pode ser utilizada tanto em escolas de música como em escola regulares.
Na seqüência, trazemos olhares diferenciados em relação ao ensino de música para
pessoas com deficiência.
25
3.2 EDUCAÇÃO MUSICAL E DEFICIÊNCIA MENTAL
O ensino de música para pessoas com deficiência mental vêm sendo considerado uma
ferramenta para o desenvolvimento de novas habilidades.
Arten (2007, p.27) evidencia um olhar importante em relação à pessoa com deficiência
mental:
A maior dificuldade dessas pessoas, geralmente, é a abstração, simbolização e criação de conceitos. O que uma pessoa assim precisa é que o professor “crie o caminho para a compreensão e simbolização”, ou seja, faça tudo primeiramente no concreto para ir abstraindo [grifo do autor].
Para exemplificar a intervenção pedagógica musical para pessoas com deficiência
mental, usaremos o exemplo da intencionalidade de se conceituar o princípio da duração (sons
curtos e longos) e a execução vocal dos ritmos com a utilização de jogos.
Observamos um jogo interessante com a utilização de fichas de EVA (um polímero
encontrado em papelaria) de duas cores distintas. Com uma das cores faz retângulos com
aproximadamente 8X12 cm e utiliza a outra cor fazendo quadrados menores ou círculos de
aproximadamente 1X1 (LOURO, 2006).
Como observamos na figura abaixo na figura (Fig.1)
Figura1- Fichas rítmicas2
Temos, então, a descrição do jogo por Louro (2006, p.116):
O professor deve então, apresentar as fichas aos alunos. Para facilitar a compreensão, poderá apresentar duas de cada vez, tocando ou cantando o que está escrito. De preferência começar pelas fichas com ritmos bem diferentes (ex: som somente longo e quatro sons curtos) para eles compreenderem melhor a diferença
2 Figura extraída de Louro, 2006 p.116.
26
entre os desenhos e associá-los ao som correspondente [...] O professor poderá pouco a pouco aumentar a quantidade de fichas conforme o desenvolvimento da turma. Depois, fazer o “ditado rítmico” (com duas ou mais fichas à frente dos alunos) para que eles identifiquem-nas.
Esse exemplo de intervenção tem como objetivos trabalhar princípios da duração,
execução vocal dos ritmos, atenção, lateralidade, regras e memória.
Com esse jogo percebemos a intenção da autora em estimular as relações de duração e
a rítmica. Donald (apud SACKS, 2007, p.240) evidencia a importância do ritmo para o
desenvolvimento da linguagem não-verbal:
[...] a habilidade rítmica como um pré-requisito não só para a música, mas para todo tipo de atividade não verbal, dos mais simples padrões rítmicos da vida agrícola aos mais complexos comportamentos sociais e rituais.
Acreditamos nas possibilidades de desenvolver o potencial das pessoas com
deficiência mental com o auxílio da música sem deixá-los à margem das relações intrínsecas
ao sistema e estruturação musical.
Também acolhemos a concepção de ganhos secundários no desenvolvimento integral
do indivíduo, por intermédio da música, mas acreditamos numa aprendizagem da arte pela
arte, ou seja, como constituição estética.
3.3 EDUCAÇÃO MUSICAL PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA FÍSICA
A Educação Musical para pessoas com deficiência física têm particularidades em
relação aos aspectos do fazer musical; que destacaremos os relacionados à Tecnologia
Assistiva, que Hopkins,1998,p.326 define como:
Qualquer elemento, peça, ou sistema, que seja adquirido comercialmente sem modificações, modificado ou feito sob medida, utilizado para aumentar, manter ou melhorar as capacidades funcionais de indivíduos com deficiências.
Se a adaptação foi desenvolvida para atender uma especificidade da pessoa é
denominada individualizada. Se for empregada na maior parte das atividades do indivíduo é
chamada de geral. Se a atividade for para uma habilidade do individuo, como a utilização de
uma órtese para tocar um instrumento musical, é denominada específica (Louro, 2006)
Em relação à música, a Tecnologia Assistiva pode ser de grande auxilio, como foi
caracterizada por Louro (2003) e Nascimento (2003).
Temos os Dispositivos e Adaptações instrumentais. Quando há alterações no
instrumento musical ou para o instrumento musical, ilustrado na figura 2, que seria uma
plataforma de madeira que fica no chão, na qual, há uma haste regulável com um prendedor
27
de objetos para uma pessoa que poderia ter uma malformação congênita impossibilitada de
segurar o pandeiro (Figura.2).
Figura 2- Dispositivo para fixação de instrumento.3
Podemos também observar um teclado adaptado para pessoas com Paralisia Cerebral
com espasticidade e sem movimentação para desenvolver a dinâmica das mãos para tocar
teclado, por não ter dissociação dos dedos. Temos a adaptação para a utilização da mão
fechada no teclado, com as teclas maiores para tocar o instrumento4.
Figura3-Teclado Adaptado
3 Figura 2 extraída de Louro, 2006, p.74. 4 Figura3 extraída de Louro, 2006, p.75
28
3.4 DEFICIÊNCIA VISUAL E EDUCAÇÃO MUSICAL
“O sucesso de um músico cego há de ser atribuído ao talento e esforço individuais, à competência do mestre, à eficácia do método empregado, e nunca à cegueira em si mesma” (OLIVEIRA, 2002)
As pessoas com deficiência visual têm o direito de ter um ensino de arte com
qualidade e desenvolvimento das habilidades artísticas como pontua Bonilha & Carrasco,
(2007, p.2):
Pressupõem-se, portanto, que, no campo das artes, as pessoas com deficiência tenham direito a uma formação de qualidade de seu empenho, devendo ser garantido a eles o pleno acesso ao conhecimento inerente a todas as linguagens artísticas.
Entretanto, o olhar que se tem ainda em relação à deficiência visual é de que todos
teriam um “dom” ou uma incapacidade para a música em função da deficiência como, aponta
Bonilha & Carrasco:
No campo da música, essa concepção estereotipada aparece à medida que o cego, ora é considerado como uma pessoa naturalmente apta para a música ( ou com dons musicais extraordinários), e ora é considerado como um músico incapaz de ler ou de compreender uma partitura, bem como freqüentar uma escola regular(2007,p.2).
Percebemos aprendizagem para pessoas com deficiência visual pode e deve ter qualidade na
especificação em relação à linguagem simbólica, e que a Musicografia Braille é um material simbólico
que instrumentaliza e proporciona autonomia, como Bonillha & Carrasco cita:
O ensino da Musicografia Braille é imprescindível para que a pessoa com deficiência visual possua uma formação musical de qualidade. A Alfabetização musical permite aos cegos que venham atuar como profissionais capacitados, podendo exercer atividades pedagógicas e trabalhar com instrumentistas (2007, p.5).
A Musicografia Braille é uma linguagem internacional normatizada pela União Mundial de
Cegos, que mantém em sua estrutura o SubComitê de Musicografia Braille. Em 2004, o Manual
Internacional de Musicografia Braille foi traduzido pelo Ministério da Educação/ Secretaria de
Educação Especial- MEC/SEE.
Um exemplo dessa normatização está na figura (Figura 4) em que vemos as notas e as pausas
constituídas pelas letras d, e, f, g , h , i ,j ; e as notas e pausas representam dois valores constituindo os
29
símbolos musicais como: claves, fórmulas de compasso, intervalos, barras, pontos dentre outros.
Figura 4-Musicografia Braille5
5 Figura extraída de Tomé, 2009.
30
Mesmo que o professor de música não tenha formação em Musicografia Braille é
importante que compreenda seu papel frente à pessoa com deficiência visual:
[...] o professor precisa ser consciente de seu papel junto a seu aluno com deficiência visual. Antes de tudo, ele é um educador musical, assim como o é para seus demais alunos. Sua responsabilidade é a de prover as condições para que o estudante que lhe foi confiado venha a ter uma formação musical consistente. Logo, ainda que o professor desconheça o código musical em Braille, ele tem o papel de ensinar os fundamentos da Música, com base em sua formação profissional. Ele pode ensinar a técnica de um instrumento, bem como os conceitos relativos à Teoria Musical, à Harmonia, à História da Música, a aspectos estilísticos das obras, etc. Esses conhecimentos de que o professor dispõe subsidiarão o aprendizado da Musicografia Braille por parte de seu aluno (BONILHA& CARRASCO, 2007, p.6).
3.5 MÚSICA E DEFICIÊNCIA AUDITIVA
A educação musical para pessoas com deficiência auditiva no país ainda está em
processo de desenvolvimento, pois ainda há um olhar de que pessoas com deficiência auditiva
não aprendem música.
Ocorrem propostas possíveis. Em Uberlândia acontece o Simpósio de Música para
Surdos em que a professora Sarita Araújo com afinco desenvolve metodologias para o ensino
de música e surdez.
Em São Paulo, Viviane Louro estuda as relações metodológicas para a aprendizagem
de música para pessoas com surdez, e nos aponta algumas dificuldades que o professor pode
enfrentar (LOURO, 2008, p.1):
A Primeira grande dificuldade numa sala de aula de música para surdos é a comunicação. Por isso, um professor de música precisa saber de LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) minimamente para poder passar o conteúdo de aula. A segunda dificuldade é que certas expressões musicais tais como “tocar no tempo”, valor das figuras musicais, entre outras, são muito difíceis de serem expressas em LIBRAS, pois o vocabulário se difere sensivelmente do português.
A autora discorre também sobre caminhos possíveis para a aprendizagem de pessoas
com surdez e elucida questões primordiais para a aprendizagem de música para pessoas com
deficiência auditiva:
Musicalmente falando, o primeiro grande desafio é fazer o surdo se concentrar e compreender a importância de se manter a pulsação. Neste sentido, é interessante iniciar as aulas com exercícios de concentração e pulsação através de atividades lúdicas, usando sempre o corpo como meio de expressão e compreensão do conteúdo. Num segundo momento, pode-se introduzir a leitura rítmica musical, visto que o fato de aprender a ler as figuras colabora em muito com a organização neurológica dos alunos e facilita a compreensão musical. Paralelo a esse trabalho, é importante fazer sempre exercícios psicomotores e atividades para ampliar a sensibilidade tátil e “percepção” do som das vibrações.(LOURO,2008,p.1)
31
Percebemos a importância do ensino de música para pessoas com deficiência pelo seu
caráter artístico, como afirma Bonilha e Carrasco (2007, p.2):
Pressupõem-se, portanto, que, no campo das artes, as pessoas com deficiência tenham direito a uma formação de qualidade de seu empenho, devendo ser garantido a eles o pleno acesso ao conhecimento inerente a todas as linguagens artísticas.
3.6 VIVÊNCIAS PESSOAIS NA ÁREA DA EDUCAÇÃO MUSICAL
ESPECIALIZADA
Nessa seção do capitulo iremos relatar algumas vivências de educação musical para
pessoas com deficiência e autismo, em que dedico atualmente boa parte da minha atuação
profissional.
Durante a trajetória da minha prática docente tive a oportunidade de ministrar aulas
para pessoas com diversas deficiências e, nesse ínterim, conheci a Ms. Viviane dos Santos
Louro que me auxiliou muito na prática docente.
Uma das deficiências físicas que trabalho são de pessoas com Paralisia Cerebral (PC).
Fui então à AACD fazer o curso “Como tratamos a Paralisia Cerebral” em que tive contato
com formas de pensar a prática docente e cuidados que deveria ter com os alunos acometidos
com PC.
As pessoas com Paralisia Cerebral têm particularidades na aprendizagem musical
principalmente quando tem comprometimento no aparelho fonador. Nesses casos é importante
a utilização de comunicação suplementar ou alternativa, com a utilização de pranchas
temáticas que podem ser feitas pelo professor.
Ministrei aula para uma menina com Osteogênese Imperfecta e na instituição em que
trabalhava essa criança teria que aprender flauta doce. Conversei com a sua mãe e solicitei
para que conversasse com o médico para saber da sua capacidade pulmonar, pois havia
pesquisado e, feito um Curso na AACD sobre Malformação Congênita e descobri sobre os
diferentes tipos de osteogênese e, como característica ocorre falta do colágeno na estrutura
óssea tendo muitas possibilidades de fraturas. Fiquei preocupado com o esforço para a
expiração e inspiração, e foi confirmado que a criança poderia tocar a flauta, pois auxiliaria na
ampliação da capacidade pulmonar. Teve apropriação simbólica de leitura rítmica e melódica
assim como conseguiu executar melodias na flauta
Outra criança muito importante foi um aluno com Amelia dos membros superiores que
tocava xilofone com os pés. Essa criança tinha boa compreensão e ótima aprendizagem
32
simbólica. Percebi, porém, que ela não conseguia tocar o instrumento musical com precisão o
que me levou conversar com um amigo, que é Terapeuta Ocupacional, e, então, tivemos a
idéia de fazer uma ponteira (órtese) com material termoplástico para ser colocado no hálux do
pé para que ele tocasse teclado com o pé e a partir de então executava o movimento tanto
quanto a estrutura melódica e rítmica de leitura.
Outra aluna marcante em minha trajetória profissional apresentava um quadro de PC
com ataxia, e manifestava o desejo de aprender flauta. Então, foi feita uma adaptação na
flauta para que ela tocasse, com a colocação da lixa nos contornos dos buracos da flauta,
então ela poderia sentir “ os buracos” e diminuir os tremores causados pela ataxia pela relação
da intencionalidade do aprender e a percepção sensorial .
Chega um aluno na sala de aula muito irritado com olhar fixo e com Sindrome de
Down, muito diferente do estereótipo de que todos são amorosos e felizes, esse aluno era
tenso e não gostava de aproximação.
Com o tempo percebi que nunca tinha saído de casa e que tinha dificuldade de
estabelecer turno, compreender a fala. Então, propus juntamente com a Ms. Viviane dos
Santos Louro uma atividade com a utilização de fichas de EVA em que teria que aprender
sobre o tamanho do som. Percebeu que fazia sentido e que poderia confiar nos professores. A
partir de então acreditou que poderia fazer mais coisas. Hoje em dia faz teatro.
Um outro aluno, tempos depois, apareceu na sala de aula, muito ansioso querendo
aprender música. Perguntou sobre os instrumentos musicais e queria aprender tudo
rapidamente. Mas quando errava ficava muito nervoso, pois percebia que não conseguia
aprender na velocidade que gostaria. Conversamos e acordamos que teríamos que ter
paciência para conseguir aprender, e foi o que fizemos. Começamos a tocar devagar com
baquetas diferentes e com pesos diferenciados. E ele dizia sempre “vou conseguir e estou
confiante”. Conversei com o rapaz, também, sobre a possibilidade de não dar certo, mas que
não desistiríamos, que encontraríamos outras instrumentos caso não desse certo. Ele
conseguiu, chegou na apresentação confiante, e apresentou a música num teatro cheio.
Encontrei esse aluno anos depois dizendo que saiu da aula de música, pois tinha sido
convocado para competir na China no atletismo para pessoas com deficiência mental.
Um rapaz chega acompanhado para fazer a aula de música. Logo que se senta, coloca
as duas mãos no pescoço olhando para baixo. Perguntei seu nome então percebi que tinha
deficiência visual. Tinha o trapézio muito hipertônico o que dificultava sua postura.
Não usava bengala e não andava sozinho. Adulto, sem representação simbólica e
esquema corporal. Não foi aprender braille pois a família não o levou à escola, pois dava
trabalho... Queria ser músico. Conversamos sobre a possibilidade de ir, à escola, mas a família
33
abortou a idéia com o discurso de que não o levaria, pois estavam cansados... Conheceu
aspectos básicos como pulsação, formas musicais, timbre, altura, e intensidade com a
utilização de texturas (algodão e lixa de madeira). Aprendeu um pouco de flauta mas não
voltou mais . Não soubemos mais dele.
Um aluno novo apareceu na sala com aparelho auditivo e com um olhar triste. Adulto
não conhecia escola. Ficou em casa, pois os familiares diziam que ele era muito irritado.
Percebemos que não tinha discurso e começamos a mostrar o corpo dele com os instrumentos
musicais que tinham vibrações diferenciadas. Com um ditado corporal deveria perceber qual
parte do corpo vibrava mais com o instrumento próximo. Então, começou a mostrar um
caminho simbólico que ainda desconhecia, o de pertencer ao grupo. Começou a entender
princípios básicos de pulsação e não faltava a nenhuma aula. Hoje estuda numa escola para
deficientes auditivos e se destaca pela habilidade musical.
Um garoto de três anos começou a fazer aula de música. Na primeira aula andava em
círculos e não queria participar da aula. A mãe, paciente, ficou fazendo aula nos primeiros
dias e estruturamos uma rotina na qual a criança pudesse participar a aula toda. Ele chegou
para mãe e disse “tchau mamãe”, mostrando que ela não precisava ficar mais, pois ele
conseguia participar sozinho. Ele tinha algumas estereotipias que foram diminuídas com a
utilização de imagens, com a intenção de aprender timbres e generalizar animais, pois gostava
de um animal somente. Fui para o Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro aprender sobre o
espectro autista e Asperger, e aprendi como lidar com o discurso e como dar funcionalidade
para as estereotipias.
Durante a aula de música, fomos trabalhando as propriedades do som e com a turma
dele, quando foi direcionado para uma escola regular, trabalhamos a relação com os amigos e
as atividades em conjunto.
34
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em nosso trabalho podemos perceber que a Arte para pessoas com deficiência, em
nosso país, surgiu num primeiro momento como reabilitação. Essa marca caminha até os dias
de hoje com as ofertas de cursos de arte-terapia que ocorrem hoje em dia.
O Documento Estratégias e Orientações sobre Artes: Respondendo com Arte às
Necessidades Especiais (2002) reforça em alguns momentos a utilização da ISO (Identidade
Sonora) como estratégia de arte. Porém essa estratégia é recurso da musicoterapia e não
educacional. O documento legitima uma manutenção do olhar de reabilitação no ambiente
educacional.
A Arte como possibilidade se iniciou na Educação Especial com uma construção a
partir da psicologia, entretanto, como área de conhecimento pode e deve ser inserida como
perspectiva artística.
Sabemos que a arte- terapia tem sua função dentro da área da saúde, mas percebemos
que existe um enfoque da Arte como educação, e foi neste enfoque que nos detivemos.
A música como possibilidade de apropriação simbólica por pessoas com deficiência
vem sendo desenvolvida no país, entretanto, mais eventos, como Simpósio de Educação
Musical Especial, poderiam existir para uma melhor divulgação entre os professores de
música e o olhar não ficar apenas no desempenho da melhor performance.
A literatura aos poucos vem se construindo no país, tanto em livros, artigos e cursos de
mestrado. Contudo, trabalhos a partir do olhar da construção simbólica da estrutura musical
estão sendo incorporados nas discussões, principalmente no Simpósio de Educação Musical
Especial e aos poucos em pós-graduações de ensino musical.
A música para pessoas com deficiência como ênfase na apropriação simbólica, como
vemos neste trabalho, existe como possibilidade de ensino.
As adaptações, quando necessárias, no sentido inclusivo, devem ter um foco na
construção simbólica do sujeito, a partir das diferentes correntes de educadores musicais que
o professor escolha como condutor de sua prática, tendo um olhar mais amplo da
aprendizagem musical como campo de conhecimento para pessoas com deficiência.
Sabemos também que há limites na educação musical para pessoas com deficiência e
que a mesma está ocorrendo a passos lentos, assim como a inclusão escolar.
Acreditamos que nas licenciaturas das universidades de música deveriam ampliar e
fornecer conteúdos para a aprendizagem de música para pessoas com deficiência, a partir da
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aprendizagem de música baseada em métodos ativos e com uma educação musical de
qualidade.
O trabalho ampliou nossa visão quanto à possibilidade de apropriação simbólica por
pessoas com deficiência e adaptações possíveis em música, podendo mudar a trajetória de
pessoas, que tem direito a educação.
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REFERÊNCIAS
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