Textus Receptus e Novum Testamentum Graece

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1 Textus Receptus e Novum Testamentum Graece Edson de Faria Francisco. São Bernardo do Campo, março de 2014. 1. Textus Receptus e Novum Testamentum Graece Atualmente, existem várias edições do Novo Testamento grego que são publicadas tanto no exterior quanto no Brasil. Por um lado, existem edições que apresentam o texto do assim denominado Textus Receptus (lat. Texto Recebido) e por outro lado, existem as edições acadêmicas que apresentam texto reconstruído, tendo por base antigos manuscritos gregos do Novo Testamento. Atualmente, o Textus Receptus é publicado principalmente pela Trinitarian Bible Society (TBS), em Londres, na Inglaterra. No Brasil, o mesmo texto é distribuído pela Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil (SBTB). Tal obra é baseada nas edições de Boaventura Elzevir e Abraão Elzevir (Leiden, 1624, 1633 e 1641) e que é a su- cessora das edições de Erasmo de Roterdã (Basileia, 1516) e de Teodoro Beza (Genebra, 1565). A edição dos irmãos Elzevir serviu de base para a tradução do Novo Testamento para o português feita por João Ferreira de Almeida e publicada em Batávia (atual ilha de Java, na Indonésia), em 1681. Tal edição apresenta texto que possui os acréscimos posterio- res feitos pelos copistas cristãos ao longo de séculos. O texto com os acréscimos é nomi- nado pelos eruditos de “texto bizantino”, “texto majoritário” ou “texto coinê”. Este tipo de texto é atestado pela maioria dos manuscritos gregos do Novo Testamento e que tem as seguintes características: tendência para ampliações, correção estilística, adição de elemen- tos explicativos, modernização do vocabulário etc. O objetivo principal de tais recursos literários era a de se produzir um texto mais elegante e mais fluente. Desde o século 19, eruditos bíblicos europeus vêm publicando edições científicas do Novo Testamento grego, na intensão de tentar recuperar a forma do texto o mais pró- ximo possível da forma original. Isto é, as edições científicas ou acadêmicas tentam recupe- rar a forma mais primitiva possível do texto grego neotestamentário, sem os acréscimos e alterações posteriores. Atualmente, a edição acadêmica mais respeitada e aceita no mundo bíblico erudito é aquela iniciada pelos estudiosos alemães Eberhard e Erwin Nestle e apri- morada no século 20 pelo erudito alemão Kurt Aland. Tal edição é conhecida como Novum Testamentum Graece (lat. Novo Testamento Grego), sendo publicada pela primeira vez por Eberhard Nestle, em Württemberg, na Alemanha, em 1898. Desde os anos 1950, Kurt Aland aperfeiçoou a edição que é conhecida como Nestle-Aland Novum Testamentum Graece. Tal obra está agora em sua 28ª edição (NA 28 ) (Stuttgart, 2012), publicada pela Deutsche Bibelgesellschaft, em Stuttgart, na Alemanha. Além da referida publicação, Aland também publicou a obra The Greek New Testa- ment (GNT) que possui exatamente o mesmo texto do Novum Testamentum Graece, mas com aparato crítico distinto para ser utilizado principalmente pelos tradutores. Tal obra está agora em sua 4ª edição (GNT 4 ) (Stuttgart, 1993), publicada também pela Deutsche Bibel- gesellschaft. A edição Novum Testamentum Graece foi concebida para ser utilizada principal- mente pelos exegetas e pelos estudantes de teologia e a edição The Greek New Testament foi idealizada para ser usada principalmente pelos tradutores. Esta última é publicada no Brasil pela Deutsche Bibelgesellschaft e pela Sociedade Bíblica do Brasil (SBB) com o título O Novo Testamento Grego (Stuttgart-Barueri, 2009). Além disso, a referida obra é a base do Novo Testamento Interlinear Grego-Português (Barueri, 2004), editado pela SBB. 2. O Texto do Novum Testamentum Graece A edição Novum Testamentum Graece apresenta um texto reconstruído que tem por base os cerca de 5400 manuscritos gregos datados na época antiga e medieval. A edição traz um aparato crítico no rodapé de cada página com citações de manuscritos bíblicos

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    Textus Receptus e Novum Testamentum Graece

    Edson de Faria Francisco. So Bernardo do Campo, maro de 2014.

    1. Textus Receptus e Novum Testamentum Graece Atualmente, existem vrias edies do Novo Testamento grego que so publicadas tanto no exterior quanto no Brasil. Por um lado, existem edies que apresentam o texto do assim denominado Textus Receptus (lat. Texto Recebido) e por outro lado, existem as edies acadmicas que apresentam texto reconstrudo, tendo por base antigos manuscritos gregos do Novo Testamento. Atualmente, o Textus Receptus publicado principalmente pela Trinitarian Bible Society (TBS), em Londres, na Inglaterra. No Brasil, o mesmo texto distribudo pela Sociedade Bblica Trinitariana do Brasil (SBTB). Tal obra baseada nas edies de Boaventura Elzevir e Abrao Elzevir (Leiden, 1624, 1633 e 1641) e que a su-cessora das edies de Erasmo de Roterd (Basileia, 1516) e de Teodoro Beza (Genebra, 1565). A edio dos irmos Elzevir serviu de base para a traduo do Novo Testamento para o portugus feita por Joo Ferreira de Almeida e publicada em Batvia (atual ilha de Java, na Indonsia), em 1681. Tal edio apresenta texto que possui os acrscimos posterio-res feitos pelos copistas cristos ao longo de sculos. O texto com os acrscimos nomi-nado pelos eruditos de texto bizantino, texto majoritrio ou texto coin. Este tipo de texto atestado pela maioria dos manuscritos gregos do Novo Testamento e que tem as seguintes caractersticas: tendncia para ampliaes, correo estilstica, adio de elemen-tos explicativos, modernizao do vocabulrio etc. O objetivo principal de tais recursos literrios era a de se produzir um texto mais elegante e mais fluente.

    Desde o sculo 19, eruditos bblicos europeus vm publicando edies cientficas do Novo Testamento grego, na intenso de tentar recuperar a forma do texto o mais pr-ximo possvel da forma original. Isto , as edies cientficas ou acadmicas tentam recupe-rar a forma mais primitiva possvel do texto grego neotestamentrio, sem os acrscimos e alteraes posteriores. Atualmente, a edio acadmica mais respeitada e aceita no mundo bblico erudito aquela iniciada pelos estudiosos alemes Eberhard e Erwin Nestle e apri-morada no sculo 20 pelo erudito alemo Kurt Aland. Tal edio conhecida como Novum Testamentum Graece (lat. Novo Testamento Grego), sendo publicada pela primeira vez por Eberhard Nestle, em Wrttemberg, na Alemanha, em 1898. Desde os anos 1950, Kurt Aland aperfeioou a edio que conhecida como Nestle-Aland Novum Testamentum Graece. Tal obra est agora em sua 28 edio (NA28) (Stuttgart, 2012), publicada pela Deutsche Bibelgesellschaft, em Stuttgart, na Alemanha.

    Alm da referida publicao, Aland tambm publicou a obra The Greek New Testa-ment (GNT) que possui exatamente o mesmo texto do Novum Testamentum Graece, mas com aparato crtico distinto para ser utilizado principalmente pelos tradutores. Tal obra est agora em sua 4 edio (GNT4) (Stuttgart, 1993), publicada tambm pela Deutsche Bibel-gesellschaft. A edio Novum Testamentum Graece foi concebida para ser utilizada principal-mente pelos exegetas e pelos estudantes de teologia e a edio The Greek New Testament foi idealizada para ser usada principalmente pelos tradutores. Esta ltima publicada no Brasil pela Deutsche Bibelgesellschaft e pela Sociedade Bblica do Brasil (SBB) com o ttulo O Novo Testamento Grego (Stuttgart-Barueri, 2009). Alm disso, a referida obra a base do Novo Testamento Interlinear Grego-Portugus (Barueri, 2004), editado pela SBB. 2. O Texto do Novum Testamentum Graece

    A edio Novum Testamentum Graece apresenta um texto reconstrudo que tem por base os cerca de 5400 manuscritos gregos datados na poca antiga e medieval. A edio traz um aparato crtico no rodap de cada pgina com citaes de manuscritos bblicos

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    gregos em papiro, em uncial (maisculo), em cursivo (minsculo), de lecionrios e de ver-ses bblicas antigas em latim, em siraco, em copta, em armnio, em georgiano, em gtico, em etope e em eslavnico. Alm das verses bblicas clssicas, a edio leva em considera-o, igualmente, as citaes bblicas registradas tanto nos escritos dos Pais gregos e latinos da Igreja quanto nos lecionrios gregos. Todas estas citaes justificam as decises textuais tomadas pelos editores na intenso de reconstruir a possvel forma original primitiva do texto grego neotestamentrio. No corpo principal consta o texto primitivo sem os acrsci-mos posteriores e no aparato crtico so encontrados os acrscimos e as alteraes posteri-ores feitas pelos escribas cristos ao longo de sculos, como atestado no ento denominado texto bizantino. O texto principal do Novum Testamentum Graece apresenta a possvel for-ma do Novo Testamento grego como seria no incio do 2 sculo da era crist.

    No Novum Testamentum Graece os acrscimos posteriores no so encontrados no corpo principal da edio, mas so localizados apenas no aparato crtico. Algumas amplia-es posteriores de certa extenso de tamanho, mas de datao muito antiga, so colocadas no texto principal, mas entre colchetes duplos . Em tal obra, comum constatar a au-sncia de determinados versculos ou a ausncia de determinados trechos de versculos (cf. Mt 5.44; 6.13; 20.16; 20.22-23; 25.13; Mc 9.49; 10.7; Lc 4.4; 8.43; 11.11; At 28.16; Rm 16.24; 16.25-27 etc.). Acrscimos posteriores de certa extenso e de datao muito antiga esto no texto principal, mas so colocados entre colchetes duplos, como Marcos 16.9-20; Lucas 22.43-44; Joo 7.53-8.11, entre outros trechos. Por exemplo, a doxologia do Pai Nosso, em Mateus 6.13 (pois teu o reino...), encontrada apenas no aparato crtico e no no texto principal. O trecho bendizei os que vos maldizem, ..., em Mateus 5.44, localizado apenas no aparato crtico e no no texto principal. O Evangelho de Marcos ter-mina em Marcos 16.8. Os escribas cristos completaram o texto, escrevendo alguns finais. Existem o final longo (Mc 16.9-20) e o final curto e ambos so encontrados no texto prin-cipal da edio, mas entre colchetes duplos . Expresses colocadas entre colchetes sim-ples indicam que h dvidas sobre a autenticidade das mesmas (cf. Mc 1.1).

    Como ilustrao, abaixo esto imagens do incio do Evangelho de Marcos na 27 edio (NA27) (Stuttgart, 1993) e na 28 edio (NA28) (Stuttgart, 2012) do Nestle-Aland.

    Nestle-Aland Novum Testamentum Graece, 27 edio (NA27)

    Nestle-Aland Novum Testamentum Graece, 28 edio (NA28)

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    O texto bblico no corpo principal exatamente o mesmo entre a 27 edio e a 28 edio, com apenas algumas pequenas alteraes na disposio do texto. Outra diferena perceptvel so as referncias bblicas na margem lateral esquerda do texto. A 28 edio possui mais referncias bblicas do que a edio anterior. A principal diferena entre ambas as edies relacionada, praticamente, com o aparato crtico. O aparato crtico da 27 edi-o possui o total de 16 linhas de texto, enquanto o da 28 edio possui o total de 18 li-nhas (duas linhas de diferena). Os antigos testemunhos textuais citados no aparato crtico sempre justificam as decises editoriais em relao ao texto principal da referida edio.

    3. O Novo Testamento (Textus Receptus) e o Novo Testamento Grego

    Abaixo esto imagens do incio do Evangelho de Marcos na edio - O Novo Testamento: o Texto Grego, Base da Verso Joo Ferreira de Almeida de 1681, publicada pela Trinitarian Bible Society (Londres, s.d.) e a edio O Novo Testamento Grego (Stuttgart-Barueri, 2009), publicada pela Deutsche Bibelgesellschaft e pela SBB. A obra da esquerda representa o Textus Receptus, que por sua vez representa, tambm, o texto bizantino e a obra da direita representa o texto reconstrudo que remontaria ao incio do 2 sculo da era crist.

    O Novo Testamento (Textus Receptus) O Novo Testamento Grego, 4 edio (NTG4) Algumas diferenas textuais entre ambas as edies: No versculo 1, a expresso (filho de Deus) encontrada sem nenhuma obser-vao no Textus Receptus, mas colocada entre colchetes simples no NTG4. Os colchetes simples indicam que o trecho tem a autenticidade duvidosa. No versculo 2, a locuo (como est escrito nos profe-tas:) encontrada no Textus Receptus, mas no NTG4 encontrada a expresso (conforme est escrito no Isaas o profeta:).

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    No versculo 3, xodo 23.20 citado no Textus Receptus da seguinte maneira: (eis que, eu envio o meu mensageiro). A mesma passagem bblica citada no NTG4 da seguinte maneira: (eis, envio o meu mensageiro). No versculo 4, encontrada a expresso (Joo que batiza) no Textus Receptus, enquanto achada a mesma locuo, mas redigida como (Joo [o] que batiza) no NTG4. No versculo 5, o Textus Receptus apresenta a seguinte leitura: (no rio Jordo por ele). Todavia, o NTG4 possui a seguinte leitura: (por ele no rio Jordo). No versculo 6, consta no Textus Receptus a leitura (estava ento Joo...). No NTG4 consta a leitura (e estava o Joo...).

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    Referncias Bibliogrficas ALAND, Kurt; ALAND, Barbara. O Texto do Novo Testamento: Introduo s Edies Cientficas do

    Novo Testamento Grego bem como Teoria e Prtica da Moderna Crtica Textual. Barueri: Sociedade Bblica do Brasil, 2013.

    PAROSCHI, Wilson. Origem e Transmisso do Texto do Novo Testamento. Barueri: Sociedade B-blica do Brasil, 2012.

    SCHOLZ, Vilson. Princpios de Interpretao Bblica: Introduo Hermenutica com nfase em Gne-ros Literrios. Canoas: ULBRA, 2006, p. 43-62.

    SILVA, Cssio Murilo D. da. Metodologia de Exegese Bblica. Coleo Bblia e Histria. So Paulo: Paulinas, 2000, p. 42-43.

    STUART, Douglas; FEE, Gordon D. Manual de Exegese Bblica: Antigo e Novo Testamentos. So Paulo: Vida Nova, 2008, p. 255-256.

    TREBOLLE BARRERA, Julio. A Bblia Judaica e a Bblia Crist: Introduo Histria da Bblia. Petrpolis: Vozes, 1996, p. 396-414.

    WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento: Manual de Metodologia. 2. ed. So Leopoldo-So Paulo: Sinodal-Paulus, 2001.