Texturas vulcânicas e significado vulcanológico das rochas ... · PDF...

4
179 Texturas vulcânicas e significado vulcanológico das rochas de Aljustrel (Faixa Piritosa Ibérica, Portugal) Volcanic textures and volcanological significance of the Aljustrel rocks (Iberian Pyrite Belt, Portugal) José C. Leitão Departamento de Geologia, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro [email protected] SUMÁRIO Nas últimas quatro décadas os vulcanitos ácidos de Aljustrel sempre foram considerados tufos, rochas vulcânicas explosivas. Todavia o estudo textural realizado em cerca de cinco centenas de lâminas delgadas, de amostras representativas de todas as litologias e sectores de Aljustrel, revelou a presença de um vulcanismo lávico com fácies coerentes e autoclásticas, rochas vulcaniclásticas ressedimentadas sin-eruptivas e rochas sedimentares vulcanogénicas. Nunca foram encontradas quaisquer evidências texturais de rochas piroclásticas. Palavras-chave: Faixa Piritosa Ibérica, Aljustrel, texturas vulcânicas, vulcanismo efusivo SUMMARY For the past four decades the Aljustrel acid volcanic rocks have been considered tuffs, rocks originated by an explosive type of volcanism. However the textural study carried out in about five hundred thin sections, from samples representing all the different lithologies and sectors in Aljustrel, showed the presence of an effusive volcanism with coherent and autoclastic facies, resedimented syn-eruptive volcaniclastic rocks and sedimentary volcanogenic rocks. No textural evidence for pyroclastic rocks was ever found. Key-words: Iberian Pyrite Belt, Aljustrel, volcanic textures, effusive volcanism Introdução Os vulcanitos de Aljustrel foram considerados como rochas piroclásticas pela primeira vez em 1969 [1]. Mais tarde foi descrita a petrografia destas rochas e estabelecida a sua estratigrafia [2] e [3]. No conjunto destes trabalhos os vulcanitos de Aljustrel são definidos como rochas de quimismo rio-dacítico e divididas em duas sequências paralelas, equivalendo-se lateralmente: a sequência Fácies Felsítica/Tufo da Mina com fenocristais de albite e a sequência Tufo com Megacristais/Tufo Verde com fenocristais de albite e de quartzo. No estudo do depósito de Feitais [4], é mantida a interpretação dos vulcanitos como rochas piroclásticas e feita uma revisão da estratigrafia considerando o zonamento vertical descrito anteriormente como uma característica secundária e incluindo as diferentes unidades em apenas duas, o Tufo com Olhos de Quartzo e o Tufo da Mina. As rochas são consideradas riólitos, mais rico em ferro o primeiro, mais silicioso o segundo. Também no estudo do depósito do Gavião [5], é mantida a interpretação dos vulcanitos de Aljustrel como rochas piroclásticas. Recentemente [6], foram revistas as relações estratigráficas das duas unidades deste vulcanismo ácido e destas com um vulcanismo básico que foi descrito. O significado de algumas rochas até aí vistas como piroclásticas foi questionado sendo reinterpretadas como rochas vulcaniclásticas sin- vulcânicas e rochas sedimentares epiclásticas, resultantes de deposição por acção de movimentos de massa. Desde então o trabalho de microscopia realizado pelo autor, embora inicialmente dirigido para a investigação de outro tipo de questões, não deixou de ter em atenção e de dar relevância à observação das texturas vulcânicas presentes e à questão do seu significado vulcanológico. A amostragem foi alargada sempre que necessário por forma a cobrir de forma representativa as diferentes litologias e extendido a todas as áreas de Aljustrel. Texturas vulcânicas O estudo textural utilizou como referências básicas a terminologia e os critérios definidos em [7] e [8].

Transcript of Texturas vulcânicas e significado vulcanológico das rochas ... · PDF...

179

Texturas vulcânicas e significado vulcanológico das rochas de

Aljustrel (Faixa Piritosa Ibérica, Portugal)

Volcanic textures and volcanological significance of the Aljustrel

rocks (Iberian Pyrite Belt, Portugal)

José C. Leitão

Departamento de Geologia, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

[email protected] SUMÁRIO

Nas últimas quatro décadas os vulcanitos ácidos de Aljustrel sempre foram considerados tufos, rochas vulcânicas explosivas. Todavia o estudo textural realizado em cerca de cinco centenas de lâminas delgadas, de amostras representativas de todas as litologias e sectores de Aljustrel, revelou a presença de um vulcanismo lávico com fácies coerentes e autoclásticas, rochas vulcaniclásticas ressedimentadas sin-eruptivas e rochas sedimentares vulcanogénicas. Nunca foram encontradas quaisquer evidências texturais de rochas piroclásticas.

Palavras-chave: Faixa Piritosa Ibérica, Aljustrel, texturas vulcânicas, vulcanismo efusivo

SUMMARY For the past four decades the Aljustrel acid volcanic rocks have been considered tuffs, rocks originated by an explosive type of volcanism. However the textural study carried out in about five hundred thin sections, from samples representing all the different lithologies and sectors in Aljustrel, showed the presence of an effusive volcanism with coherent and autoclastic facies, resedimented syn-eruptive volcaniclastic rocks and sedimentary volcanogenic rocks. No textural evidence for pyroclastic rocks was ever found.

Key-words: Iberian Pyrite Belt, Aljustrel, volcanic textures, effusive volcanism

Introdução Os vulcanitos de Aljustrel foram considerados como rochas piroclásticas pela primeira vez em 1969 [1]. Mais tarde foi descrita a petrografia destas rochas e estabelecida a sua estratigrafia [2] e [3]. No conjunto destes trabalhos os vulcanitos de Aljustrel são definidos como rochas de quimismo rio-dacítico e divididas em duas sequências paralelas, equivalendo-se lateralmente: a sequência Fácies Felsítica/Tufo da Mina com fenocristais de albite e a sequência Tufo com Megacristais/Tufo Verde com fenocristais de albite e de quartzo. No estudo do depósito de Feitais [4], é mantida a interpretação dos vulcanitos como rochas piroclásticas e feita uma revisão da estratigrafia considerando o zonamento vertical descrito anteriormente como uma característica secundária e incluindo as diferentes unidades em apenas duas, o Tufo com Olhos de Quartzo e o Tufo da Mina. As rochas são consideradas riólitos, mais rico em ferro o primeiro, mais silicioso o segundo. Também no estudo do depósito do Gavião [5], é mantida a

interpretação dos vulcanitos de Aljustrel como rochas piroclásticas. Recentemente [6], foram revistas as relações estratigráficas das duas unidades deste vulcanismo ácido e destas com um vulcanismo básico que foi descrito. O significado de algumas rochas até aí vistas como piroclásticas foi questionado sendo reinterpretadas como rochas vulcaniclásticas sin-vulcânicas e rochas sedimentares epiclásticas, resultantes de deposição por acção de movimentos de massa. Desde então o trabalho de microscopia realizado pelo autor, embora inicialmente dirigido para a investigação de outro tipo de questões, não deixou de ter em atenção e de dar relevância à observação das texturas vulcânicas presentes e à questão do seu significado vulcanológico. A amostragem foi alargada sempre que necessário por forma a cobrir de forma representativa as diferentes litologias e extendido a todas as áreas de Aljustrel.

Texturas vulcânicas O estudo textural utilizou como referências básicas a terminologia e os critérios definidos em [7] e [8].

180

As fácies reconhecidas incluem lavas, coerentes e autoclásticas, depósitos vulcaniclásticos e rochas sedimentares vulcanogénicas. As lavas constituem a maior parte da espessura nas duas unidades. As lavas coerentes apresentam aspectos texturais como: (*) Textura porfirítica ou microporfirítica, normalmente com fenocristais euédricos de albite e/ou quartzo distribuídos de forma uniforme; (*) A matriz tem textura traquítica ou politaxítica; (*) Uma foliação de fluxo está muitas vezes presente, outras vezes a rocha é maciça; (*) Frequentemente a rocha é vesicular/amigdalítica com preenchimento de quartzo, calcite ou clorite; (*) Zonamento em função da densidade e dimensão das vesículas que permite inferir a presença de almofadas ou lobos em escoadas; (*) Ocorrência de vidro vulcânico com textura perlítica. É possível estabelecer uma correspondência com a terminologia anteriormente utilizada para descrever estas rochas [2] e [3]. Assim, os felsitos maciços e felsófiros no Tufo da Mina bem como as litologias felsofíricas do Tufo com Olhos de Quartzo correspondem a lavas coerentes. As fácies autoclásticas incluem autobrechas e hialoclastitos e caracterizam-se por: (*) Estritamente monomíticos; (*) Clastos com textura porfirítica ou microporfirítica com matiz traquítica ou pilotaxítica; (*) Autobrechas incorporam clastos com foliação de fluxo e têm tendência tabular com extremidades denteadas muito recortadas; (*) Alguns hialoclastitos têm fragmentos com margens em que se sobrepõem os efeitos do arrefecimento rápido e das alterações por reacção com a água do mar; (*) Por vezes os fragmentos dos hialoclastitos ajustam-se como num “puzzle”; (*) Matriz detrítica dos hialoclastitos constituída por fragmentos com dimensão da areia. Anteriormente estas brechas não eram distinguidas dos felsitos maciços e felsófiros. Outros tufos lapilli/brecha revelaram-se falsas brechas, o aspecto bréchico resulta da diferença de estado de alteração entre os pseudo-fragmentos e a matriz. É este o caso do tufo-brecha a muro do depósito de Feitais [2]. Há transição desde os hialoclastitos até às rochas vulcaniclásticas. Nestas as texturas detríticas são características. Nas brechas há um largo predomínio da matriz. As granulometrias correspondentes a arenitos são muito mais frequentes e há indícios de transporte por movimentos de massa que incluem a estratificação gradativa. Todas estas rochas eram anteriormente consideradas tufos brecha, tufos porfiríticos e tufos granulares. Ocorrem ainda rochas sedimentares vulcanogénicas que incluem fragmentos de origem vulcânica, de diferentes tipos e composições, e de origem não-vulcânica, anteriormente descritas como tufos lapilli. Os diferentes episódios de actividade vulcânica terminam com deposição de sedimentos siliciosos que incluem jaspes e chertes. Nalguns casos, pelo menos, foi possível demonstrar que estes chertes são na realidade radiolaritos e noutros casos é possível

demonstrar que a pigmentação com manchas vermelhas, jaspíticas corresponde à alteração hidrotermal de radiolaritos pré-existentes. As rochas antes designadas como tufíticas, incluídas na Formação Siliciosa do Paraíso [1], [2] e [3], são claramente de natureza sedimentar vulcanogénica. Fotografias As fotografias documentam as texturas referidas. As designações litológicas tradicionais estão entre “ ”. A graduação da régua de escala é centimétrica.

Fig.1: Gavião, sondagem SA4_311,55. “Felsito maciço”, lava coerente com textura traquítica (N.C.).

Fig.2: Gavião, sondagem SA8_272,90. ”Tufo com olhos de quartzo”, lava coerente com textura politaxítica, fenocristal bipiramidado de quartzo e fenocristais euédricos de plagioclase (N.C.).

Fig.3: Gavião, sondagem SA9_323,95. “Tufo lapilli/brecha”, vidro vulcânico com textura perlítica clássica (N.C.).

181

Fig.4: Moinho, sondagem B119_13,77-13,89. “Felsito maciço”, lava coerente muito vesiculada.

Fig.5: Gavião, sondagem SA24_409,50. “Felsito maciço”, lava coerente, amígdalas de quartzo em matriz traquítica (N.C.).

Fig.6: Moinho, superfície local 11C8C. “Tufo com olhos de quartzo”, lava coerente com laminação fluidal (N.C.).

Fig.7: Moinho, piso 200 local 3AM200A. “Tufo brecha”, hialoclastito ligeiramente transportado, fragmentos com margem de arrefecimento (centro superior) e com laminação fluidal (centro inferior).

Fig.8: Moinho, piso 200 local 3AM200A. “Tufo brecha”, hialoclastito, fragmento (centro inferior) com textura traquítica fluidal acentuada (N.C.).

Fig.9: Moinho, piso 200 local 3AM200A. “Tufo brecha”, hialoclastito, matriz com textura detrítica (N.C.).

Fig.10: Feitais, sondagem FS6_190,82-190,93. “Tufo brecha”, lava coerente, falsa brecha.

Fig.11: Feitais, sondagem FS6_190,80. “Tufo brecha”, lava coerente, falsa brecha, fragmentos e matriz sem fronteira nítida, distinguidos por uma alteração filitosa mais intensa na matriz (N.C.).

182

Fig.12: Feitais, sondagem FI2_226,37-226,47. “Tufo lapilli/brecha”, autobrecha, fragmentos denteados com laminação fluidal.

Fig.13: Feitais, sondagem FI2_226,40. “Tufo lapilli/brecha”, autobrecha, fragmentos mais finos que a matriz, ambos microporfiríticos e com laminação fluidal, fronteira nítida (N.C.).

Fig.14: Azinhal, sondagem LCSA1_104,05. Cherte com fósseis de radiolários (N.P.).

Fig.15: Gavião, sondagem SA4_123,19-123,35. “Tufo lapilli/brecha”, brecha sedimentar vulcanogénica (epiclástica), fragmentos variados de origem vulcânica e fragmentos de xistos negros.

Fig.16: Azinhal, sondagem A3_93,54-93,74. “Tufo com olhos de quartzo”, rocha ressedimentada vulcaniclástica com estratificação gradativa. Conclusões A evidência é de total clareza. Nunca foram encontradas quaisquer evidências texturais de rochas piroclásticas. Os vulcanitos de Aljustrel resultaram de um tipo de vulcanismo efusivo. É óbvio que as estimativas sobre a profundidade da bacia deposicional devem ser reapreciadas. O reconhecimento da natureza e distribuição dos diferentes tipos de brechas e rochas sedimentares intercaladas na sequência vulcânica permitirá reconstituir a arquitectura do ambiente deposicional em que o vulcanismo e a sedimentação ocorreram. As implicações relacionadas com a evolução geodinâmica da bacia deposicional e com a metalogénese são previsíveis. Agradecimentos O autor agradece ao Laboratório do Departamento de Geologia da U.T.A.D. a preparação de lâminas delgadas e os muito úteis comentários e sugestões de Robert W. Hodder, Professor Emérito da University of Western Ontario. Referências bibliográficas [1] Schermerhorn, L. J. G. & Stanton, W. I. (1969) Folded overthrusts at Aljustrel (South Portugal). Geol. Mag. 106(2): 130-141. [2] Carvalho, D., Conde, L., Enrile, J. H., Oliveira, V. & Schermerhorn, L. J. G. S. (1976) III Reunião de Geologia do Sudoeste do Maciço Hespérico da Península Ibérica, Huelva-Beja, 1975. Livro-guia das excursões geológicas. Comun. Serv. Geol. Portugal 60: 271-315. [3] Schermerhorn, L. J. G. (1976) The Aljustrel Volcanics: Megacryst Tuff and Green Tuff (Aljustrel and Gavião Pyritite Deposits, South Portugal). Memórias e Notícias, Publ. Mus. Lab. Mineral. Geol., Univ. Coimbra 82: 41-60. [4] Barriga, F. J. A. S. (1983) Hydrothermal metamorphism and ore genesis at Aljustrel, Portugal. PhD thesis, University of Western Ontario, 368 p. [5] Relvas, J. M. R. S. (1991) Estudo Geológico e Metalogenético da Área de Gavião, Baixo Alentejo. Tese P. A. P. C. C., Univ. de Lisboa. [6] Leitão, J. C. R. (2004) Estratigrafia e Estrutura dos Depósitos de Sulfuretos Maciços Vulcanogénicos de Aljustrel. Tese P. A. P. C. C. , U.T.A.D. [7] McPhie, J., Doyle, M. & Allen, R. (1993) Volcanic Textures. A guide to the interpretation of textures in volcanic rocks. CODES, University of Tasmania, 197p. [8] Gifkins, C., Herrmann, W. & Large, R. (2005) Altered Volcanic Rocks. A guide to description and interpretation. CODES, University of Tasmania, 275p.