Textos Hipocraticos o Doente o Medico e (1)

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    Resenhas de Tradues 179

    Henrique F.Cairus; Wilson A.Ribeiro Jr., Textos hipocrticos:o doente, o mdico e a doena.Coleo Histria e Sade. Rio deJaneiro: Fiocruz, 2005. 251 pp.

    A obra de Cairus e Ribeiro vempreencher uma lacuna deixada im-perdoavelmente vazia por longosanos: a traduo para o vernculode alguns dos mais importantes tra-tados do Corpus hippocraticum, acoletnea de obras mdicas (em suamaioria atribudas pelos antigos aHipcrates de Cs, opai da medi-cina). A primeira parte da obra,sob a responsabilidade de Cairus,inclui trs tratados (Da doenasagrada,Ares, guas e lugareseDa natureza do homem),

    elencados pelo tradutor a fim dedemonstrar a relevncia do Corpushippocraticumpara a histria damedicina, a filosofia e a antropo-logia. A segunda parte, sob os cui-dados de Ribeiro, inclui os trata-dos deontolgicos (oJuramento,aLei,Do mdico,Do decoroe os

    Preceitos) que estabelecem a eti-queta mdica, na antigidade, elanam as bases da tica mdica.

    A traduo, embora apenasparcial, do Corpus hippocraticum

    , indubitavelmente, uma contri-buio notvel aos estudosfilolgicos clssicos e histria damedicina. Embora os tradutoresadvirtam que o estilo duro evisceralmente anti-literrio dos tra-tados do Corpus hippocraticumfoiobservado (p. 41), notamos, comsatisfao, que a traduo tem umfluxo agradvel e bastanteelucidativa. provvel, no entan-to, que haja alguns pontos em queo observador atento note algumasdiscrepncias. Nos poucos pontosem que comparei o texto grego

    com a traduo (com a finalidadeprecpua de verificar a acuracidadeda mesma), notei, modestamente,apenas um pequeno descuido nofim do 9 do tratadoDa naturezado homem, onde a traduo eemagrecendo os corpos parakaita smata leptunonta, embora li-

    teral, poderia ser menos ambguase a expresso grega fosse vertidacomo enquanto emagrecem oscorpos. Algumas falhas tipogr-ficas poderiam ter sido evitadas,no entanto, com uma reviso maisatenta. A ttulo de exemplificao,menciono as seguintes incorrees:

    carregada pus em vez de car-regada de pus (p. 48), o apareci-mento inexplicvel do nmero 17quase no fim do 15 deDa natu-reza do homem(p. 50), doenas

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    segradas (p. 131), marocfalosem vez de macrocfalos (p.139), soemente (p. 140), a pa-lavra partem desnecessariamentegrafada em caracteres gregos (p.141), cuticos em vez de cus-ticos (p. 141), ajuda em vezde ajudam (p. 183), entre ou-tros tantos erros. Na seo sob oscuidados de Ribeiro, aparece umnmero consideravelmente alto depalavras desnecessariamentehifenizadas, como, para citar unspoucos exemplos, evi-tando (p.152), res-peitar (p. 154), apre-

    sen-tam (p. 169), etc. Esses pe-quenos descuidos tambm ocorremno texto grego: a palavra panakeian, por exemplo, apareceindevidamente separada (p. 152)e h uma frase aparentemente in-completa na nota 293 (p. 179).

    A contribuio de Ribeiro ser,

    provavelmente, mais til uma vezque ele depende menos de Jouannae Littr e, principalmente, apre-senta comentrios para os tratadospor ele traduzidos. Em vez de co-mentar seus textos, Cairus nos re-mete, invariavelmente, a discus-ses preliminares e de menor peso

    (como as questes de autoria edata) j empreendidas por outrosautores, especialmente osfrancfonos (o que explica, porexemplo, sua preferncia por cha-

    mar Dnis a Dionsio deHalicarnaso).1Cairus, alis, depen-de excessivamente de fontes secun-drias, apud sendo, aparente-mente, uma de suas palavras favo-ritas. Ribeiro mais ousado, for-necendo-nos, de fato, interpreta-es teis (e geralmente plausveis)para as tradues que nos oferece.Um exemplo de sua preocupaoem facilitar as coisas para o leitor sua deciso de incluir um pequenoesboo grfico das ventosas (p.189), instrumentos mdicos descri-tos no 7 doDo mdico. Gostaria,

    no entanto, de que ele tivesse to-mado mais tempo para desenvol-ver sua tese de que os mdicos nocuidavam dos doentes nos templosde cura (p. 175), que me parecevai de encontro opinio jestabelecida entre os classicistas.

    Os tradutores demonstram um

    louvvel respeito pela arte mdica,mas duvido que tal respeito tivessesido partilhado pelos contempor-neos da coleo hipocrtica, afinalde contas, a medicina era umatechne h documentao abundan-te de que a aristocracia greco-ro-mana via, com desfavor, qualquer

    atividade que dependesse do uso dasmos. Os autores demonstram umacerta relutncia em aceitar a possi-bilidade da existncia de escravosengajados na prtica da medicina

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    (p. 160), incorrendo mesmo na te-meridade de usar o argumento dosilncio para declarar que s os es-cravos de mdicos livres podiamatuar como mdicos (mas sem pres-tar o juramento de Hipcrates!). Ostradutores parecem, s vezes, de-fender a posio reducionista de quea medicina deveria ter a primaziaentre as cincias (p. 32). Numapoca em que to recentemente sediscutiu o assim-chamadoAto M-dico, no sei se os demais eruditosconcordariam com os tradutores deque os mdicos teriam sido os pri-

    meiros a interrogar a natureza como esprito aberto (p. 33). Isso ex-plica tambm por que aplaudem avaliosa contribuio de Littr (p.32) em demonstrar que a medicinaera a arte dopharmakon, enquantoa mgica dos curandeiros dependiaexclusivamente do encantamento

    (epaiod). A literatura j demons-trou ostensivamente que os mgi-cos da Grcia Antiga faziam amplautilizao depharmaka.2

    A diagramao e a qualidadevisual do texto so excelentes. Asdeficincias da obra se limitam aalguns erros tipogrficos, falta

    de um comentrio para a traduodos tratados da primeira parte dolivro e ausncia de um glossriopara os principais termos mdicos

    presentes no livro (os tradutoress fornecem um limitado gloss-rio de personagens). Apesar des-sas limitaes (compreensveisdada a dificuldade do empreendi-mento), a existncia de uma tra-duo do Corpus hippocraticumemportugus e sua publicao, sob osauspcios da Fundao OswaldoCruz (em excelente edio biln-ge), no podem ser subestimadas.A obra certamente desencadearuma onda de estudos hipocrticosno Brasil que h de trazer para nos-sas letras clssicas preocupaes j

    em voga entre os estudiosos estran-geiros, atualizando-nos frente a umarea de estudos que, embora impor-tantssima, vem sendo relegada asegundo plano em um pas que nemsempre amigo dos livros.

    Notas

    1. No estou plenamente convencidode que Cairus tenha conseguido escapar tentao de produzir uma anliselittreana aprs la lettre (p. 93).

    2. Cf. TORRES, Milton Luiz . Amgica ertica de Simaeta no idlio2 de Tecrito. Phaos: Revista deEstudos Clssicos, Campinas, v. 2,

    p. 187-204, 2002. Milton L. TorresFaculdades Adventistas da Bahia