A função mediadora do planejamento na aula de leitura de textos literários
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UniCEUB – Centro Universitário de Brasília
Curso Introdutório de Ciência Política
Prof. Cleber Fernandes Pessoa
1- SISTEMAS DE GOVERNO: PRESIDENCIALISMO E PARLAMENTARISMO
7.1 - Introdução
Os sistemas de governo democráticos são divididos em presidencialismo e
parlamentarismo e o seu significado é uma referência à localização do centro de poder
político: no presidencialismo o chefe de governo é o presidente da república e no
parlamentarismo o titular desta função é o primeiro-ministro.
De modo contrário ao que ocorreu com a introdução do semipresidencialismo,1 nem o
presidencialismo nem o parlamentarismo nasceram de um debate teórico acerca da
superioridade de um sistema em relação ao outro2, mas a criação de todos eles se deve a
formulações de estudiosos da política como Max Weber em relação à fundação da República de
Weimar (Alemanha semipresidencialista de 1918), John Locke em relação ao parlamentarismo
(Inglaterra, 1690), Montesquieu (1748) e os políticos e juristas, conhecidos como Founding
Fathers (patriarcas), Thomas Jefferson, George Washington, James Madison, Alexander
Hamilton, etc. para o presidencialismo (EUA, década de 1770/80).
Quando o presidencialismo surgiu, nos EUA, o sistema parlamentarista já se encontrava
em estágio razoavelmente avançado na Inglaterra. O termo “parlamentarismo” não era, ainda,
de domínio popular porque, até então, não se conhecia qualquer outro governo de parlamento, a
não ser na própria Inglaterra, em combinação com o Estado de direito (liberal) e este,
provavelmente, foi o fator mais relevante à época: o Estado liberal atuando como uma antítese
ao velho regime – o Estado absolutista. Portanto, o uso corrente do vocábulo parlamentarismo
se consolida a partir do século XIX, após a revolução de independência norteamericana, que
instituiu o presidencialismo, como uma expressão didática para identificar a soberania de poder
no parlamento. A mesma fórmula se aplicaria ao modelo presidencialista implantado nos EUA:
1Do presidencialismo e do parlamentarismo surge um derivação denominada de semipresidencialismo. Instituído na
Alemanha, em 1919, com o nome de República de Weimar, teve duração efêmera: daquele ano até a ascensão de
Hitler, em 1933. Além de outras experiências posteriores, o semipresidencialismo mais importante é o que está em
vigor na França, desde a inauguração da V República (1958). Em linhas gerais, é um sistema que preconiza a
coexistência entre primeiro-ministro e presidente, a “coabitation”. O primeiro-ministro é o chefe de governo, mas o
presidente não é um simples chefe de Estado, com funções apenas simbólicas como o presidente no
parlamentarismo genuíno. Na França semipresidencialista o presidente da república é detentor de alguns poderes
políticos que, às vezes, podem competir com as prerrogativas do primeiro-ministro (poderes de impedir e de
estatuir). Em algumas ocasiões, originadas pela disputas eleitorais, pode ocorrer de o presidente ser de um partido e
o primeiro-ministro ter sido eleito por uma maioria parlamentar de um partido (ou coalizão) de oposição. Neste
caso, o primeiro-ministro vai desejar legitimamente impor seu programa de governo gerando uma situação que,
hipoteticamente, poderia haver conflitos se o presidente resolvesse confrontar as políticas do primeiro-ministro.
Sob este cenário, havendo uma preponderância do chefe de governo (o primeiro-ministro), ao invés de
semipresidencialismo, seria mais apropriada a denominação de semiparlamentarismo.
2SARTORI, Giovanni. In: Engenharia Constitucional, p. 100.
2
um sistema presidencialista significa que, em se tratando de poder de governar, as prerrogativas
se concentram na autoridade do presidente.
Antes de aprofundar a abordagem conceitual e analítica da matéria, seria necessário
advertir que o propósito deste texto se restringe à apreciação acerca de sistemas de governo
associados a regimes democráticos, pois de outra maneira não haveria tanto sentido em discutir
as teses e implicações do parlamentarismo ou do presidencialismo sem sua simultânea
coexistência com a democracia, uma vez que em regimes não-democráticos, autoritários de toda
natureza, a ocorrência de um sistema presidencialista ou parlamentarista não exerceria qualquer
influência sobre o funcionamento de governos onipotentes e arbitrários, no sentido de moderá-
los, ou como forma de avaliação do funcionamento de suas instituições. Por isso, a escolha
adequada de um sistema de governo se constitui em uma superestrutura imprescindível para o
fortalecimento de um regime democrático, sendo que, neste caso, a democracia figura como a
estrutura, a base, e o presidencialismo e o parlamentarismo sua complementação, superestrutura.
O debate acerca da importância de um sistema de governo para o desenvolvimento e
consolidação da democracia foi recorrente por várias décadas, ao longo do século XX. Em
primeiro lugar, no período pós-1ª Guerra Mundial, quando houve uma significativa adesão de
países europeus à democracia, expansão que a teoria3 intitulou de “1ª Onda”. Depois, a “2ª
Onda” após a 2ª Guerra e, mais tarde, na década de 1970, em razão da redemocratização de
países do Sul da Europa, principalmente Portugal e Espanha, na chamada 3ª Onda, que
influenciou a inauguração ou o retorno da democracia de quase toda a América Latina, inclusive
o Brasil. Àquela época, muitos politólogos asseguravam que o debate fundamental deveria se
restringir apenas ao regime político - democracia ou ditadura -, pois os sistemas de governo –
parlamentarismo ou presidencialismo – não exerceriam influência suficientemente capaz de
imprimir maior ou menor eficiência para um regime político, no caso em questão regimes
democráticos recém estabelecidos. Hoje, parece haver um consenso de que a escolha adequada
de um determinado sistema de governo é crucial para o desenvolvimento de um país, tanto que
muitas das novas nações democráticas estão envolvidas em debates de projetos de adequação de
seus arcabouços institucionais, incluindo os sistemas de governo.
Como é da própria natureza dos regimes democráticos, que costumam ser extremamente
sensíveis à influência da participação popular nas decisões políticas, a maior ou menor
estabilidade dos governos e a permanência de grupos no poder por mais ou menos tempo, a
simples existência de uma forma de governo ou de outra, implica em maior ou menor
estabilidade política, afetando o grau de governabilidade e governança. Ocorre que a
3 Tese desenvolvida por Samuel P. Huntington. In: A Terceira Onda. São Paulo: Atlas, 1994.
3
participação popular na democracia representativa é materializada por meio da delegação de
poderes a representantes eleitos, cujo papel de representar é executado nas assembleias ou
parlamentos, com isso transformando as relações entre legislativo e executivo no eixo central da
vida democrática de uma sociedade. Essas relações se transformam em correlação de forças na
medida em que há uma luta pelo exercício das prerrogativas constitucionais de cada uma dessas
esferas políticas. O movimento desses dois poderes políticos e suas consequências – positivas
ou negativas – para a democracia pode ser demonstrado por meio de uma associação de ideias
com base na lei da física newtoniana, donde se deduz que em toda democracia também há uma
correlação entre massa e movimento, gerando constante atrito entre os poderes fundamentais do
Estado, especialmente legislativo e executivo. O embate entre os ramos de poder politicamente
fortes, como é saudável para toda democracia, mesmo com eventuais conflitos, é uma condição
sine qua non para o livre funcionamento do regime democrático, pois onde não houver
limitação de um poder por outro poder, como movimento de reação, haverá a concentração de
poderes, e onde houver a concentração de poderes haverá, consequentemente, o abuso, o
arbítrio, a tirania, o despotismo, a ditadura.
Dependendo de como a fricção entre massa e movimento se desenvolve, “fricção”
antagônica entre Legislativo e Executivo, o resultado será de formato diametralmente oposto
quanto ao modo de governar, e as características distintas do modo de governar, de exercer o
poder político, estruturam um sistema que pode ser presidencialista ou parlamentarista.
7.2 - O PRESIDENCIALISMO
Originado nos EUA, o presidencialismo se tornou o sistema de governo por excelência
na América Latina, influenciado pelo vizinho do norte. No Brasil, as circunstâncias que
provocaram o advento do presidencialismo republicano são tão singulares que a mera
comparação com a formação do presidencialismo dos países vizinhos fazem com que as
instituições do regime se vejam desconhecidas entre si. Ainda que as repúblicas
presidencialistas venham a ser coerentemente justificadas para os demais países da América
Latina, tal fundamentação não se aplica ao caso brasileiro. A longevidade do regime
monárquico ainda antes da Independência, na fase colonial, até o Segundo Império, garantiu
expressiva maturidade ao sistema político, tornando o advento da República Presidencialista um
equívoco, como admitiria mais tarde muitos dos próprios republicanos. Ao contrário do que
ocorreu durante pelo menos o primeiro meio século de República, cujos governos se
sustentaram no binômio pouco republicano „decretos-lei/Estado de sítio‟, “dentro das
4
perspectivas do século XIX, o parlamentarismo brasileiro foi compatível com os melhores
patamares políticos de seu tempo, avançando e se aprimorando gradualmente”.4
Caracterizado como um sistema de separação de poderes entre executivo e legislativo, as
premissas do presidencialismo garantem ao presidente as prerrogativas e faculdades de governo.
Em outras palavras, um sistema de governo para ser considerado presidencialista deve reunir as
seguintes características:
a) o presidente é ao mesmo tempo chefe de governo e chefe de Estado;
b) o presidente é escolhido por votação popular;
c) durante seu mandato não pode ser demitido por votação parlamentar, nem o
legislativo pode ser dissolvido pelo presidente; e,
d) o ministério (equipe de governo) é designado pelo presidente e é responsável
politicamente perante ele, não perante o legislativo.
Essas premissas compõem o que poderia ser denominado pressupostos jurídico-
constitucionais, pressupostos de ordem quantitativa, sem os quais um sistema de governo não
poderia ser denominado de presidencialista. A rigor, alguma flexibilidade de qualquer deles não
descaracterizaria o presidencialismo, mas se isto ocorrer, certamente este presidencialismo
estará a perder sua genuína identidade. Se a desfiguração for bastante evidente, é provável que
tal sistema estará caminhando para um tipo de parlamentarismo ou, no mínimo, engendrando
uma modalidade de semipresidencialismo. Deste modo um sistema presidencialista de governo
deve excluir, ou pelo menos resistir, a possibilidade de operar com instrumentos do
parlamentarismo e vice-versa.
O primeiro item, a, que configura quantitativamente o presidencialismo, estabelece que
uma mesma pessoa, o presidente, deve exercer a chefia de governo e de Estado
simultaneamente. Como chefe de governo, o presidente exerce efetivamente o poder político:
nomeia e demite ministros, diretores e presidente de autarquias, empresas estatais e de
economia mista, embaixadores, edita decretos (Medidas Provisórias, no caso do Brasil)
sanciona e veta matérias de ordem legislativa, dirige a política monetária, autoriza licitações de
obras públicas, ordena sua implementação, acompanhamento, avaliação e pagamento, etc.
Como chefe de Estado o presidente assume funções simbólicas e cerimoniais representando a
nação em eventos internos e externos ao presidir solenidades comemorativas como a do dia da
pátria, da independência e outras datas nacionais. No plano externo recebe, condecora
4ANDRADA, Bonifácio José Tamm de. Parlamentarismo e Realidade Nacional. Brasília: Gráfica do Senado
Federal, 1997.
5
autoridades estrangeiras ou participa no exterior de solenidades de limitadas consequências
políticas.
Concernente ao item b, no presidencialismo democrático a eleição do presidente sempre
ocorre por meio de uma votação popular que, em geral, é uma votação com participação direta
dos eleitores, como no Brasil, ou nem tanto como nos EUA, ou ainda como na Bolívia com
relação ao 2º turno, que tem lugar na Câmara dos Deputados, entre os seus membros, se nenhum
dos candidatos obtiver a maioria absoluta dos votos no 1º turno.
O item c prescreve que o presidente não pode ser demitido durante seu mandato, mas em
contrapartida, não detém a prerrogativa de dissolver o parlamento. Essas duas proibições são
hipóteses legitimamente possíveis no parlamentarismo. Entretanto, em virtude do regime de
separação de poderes entre legislativo e executivo vigente no presidencialismo nem um dos dois
poderes politicamente eletivos pode originariamente constituir ou destituir o outro. O mandato
do chefe de governo é prefixado tanto no presidencialismo quanto no parlamentarismo com a
diferença de que neste último o chefe de governo – o primeiro ministro – pode perder seu cargo,
ser demitido, durante o exercício de seu mandato caso perca a confiança da maioria
parlamentar. No presidencialismo o presidente por mais ilegítimo que seja não pode ser
demitido, pois constitucionalmente ele é considerado “irresponsável” politicamente perante o
legislativo. De maneira que um presidente ruim, fraco, ineficiente, ineficaz e ilegítimo
(impopular) só se despede do cargo ao fim de seu mandato, cuja duração média varia de 4 a 8
anos.5
O fato de ser irresponsável politicamente não assegura ao presidente imunidades de ordem
judicial, pois em um Estado de direito ou de direito-democrático a nem um indivíduo é tolerado
que se posicione arbitrariamente acima da lei; independente de ser ele presidente, monarca ou
primeiro-ministro, o “império da lei” tem validade erga omnes, isto é, recai sobre todos. A
tradicional aplicação da doutrina constitucional “the king do not wrong”6
herdada pelo
presidencialismo norteamericano das instituições inglesas só confere legalidade para atos
discricionários do presidente em relação à implementação de seu programa de governo, e não
para a esfera judiciária/penal, mesmo assim a possibilidade de uso do “poder discricionário”
dever acontecer como ultima ratio, isto é, como exceção e não como regra . O princípio da
impessoalidade, que orienta a moderna administração pública, com base nos pressupostos do
Estado de direito, pressupõe que todos os governantes estão sujeitos a responder por violação da
5 É ilustrativa a condição do atual presidente dos EUA, George W. Bush, que recorrentemente vem obtendo os mais
baixos índices de aprovação popular naquele país. Mesmo com a maioria de oposição no Congresso, ele não pode
ser demitido por ser irresponsável politicamente. 6 Em tradução livre, “o rei nunca erra, ou nunca está errado, portanto infalível” significa que o monarca não pode ser
responsabilizado.
6
ordem jurídica, independente de o sistema ser presidencialista ou parlamentarista. De modo que,
também no presidencialismo, os governantes podem ser acusados por crime de
responsabilidade. A configuração de crime de responsabilidade leva à instauração do processo
de impeachment, que pode culminar com a cassação de mandato e perda dos direitos políticos
do presidente. Distintamente da demissão política, que não tem consequências na esfera penal,
quando o presidente sofre o impeachment além de ter seus direitos políticos suspensos, a
configuração de crime de responsabilidade o leva a responder criminalmente na esfera judicial,
no foro de sua prerrogativa constitucional, a Corte Suprema.7
Em correspondência ao item d, pode-se verificar mais um indicativo da onipotência do
Presidente no exercício do poder executivo. Enquanto no parlamentarismo, via de regra, o
primeiro-ministro compartilha o poder com o gabinete, com os demais ministros, no
presidencialismo o presidente monopoliza o uso do poder discricionário, ad nutum, de nomear e
demitir livremente os seus auxiliares na administração pública, incluindo seus ministros, que
também não podem ser demitidos pelo parlamento (legislativo), e só respondem politicamente
perante o próprio presidente. Muito embora a Constituição brasileira de 1988 obrigue os
ministros a comparecer ao legislativo, se convocados para prestar esclarecimentos, ainda assim
esta aparente ingerência do poder legislativo não descaracteriza o princípio da separação de
poderes, que é a essência do presidencialismo.8
Pelo contrário, uma moderada dose de
imbricação, interpenetração e interdependência de atribuições dos poderes foi defendida por
Montesquieu como o antídoto à tirania, descritos como pesos e contrapesos em seu “O Espírito
das Leis”, como mecanismo de garantia das salvaguardas do Estado de liberdade.
Todas as premissas, do item a ao d, confirmam indubitavelmente a clássica definição
constitucional do presidente, sua posição hegemônica no executivo, que o classifica como o
primus solus, aquela autoridade que “reina” sem dividir, com quem quer que seja, as
atribuições daquele poder. Enfim, a legitimação do presidente na titularidade do cargo deriva
diretamente da vontade da maioria da nação (pelo povo), legitimando a tradição de não poder
ser demitido do cargo, de poder nomear e demitir livremente seus auxiliares no poder executivo.
7No Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF).
8É interessante observar que nos EUA, a nomeação do secretariado de governo (ministros) pelo presidente depende
de prévia aprovação do Senado. Em se tratando de presidencialismo norte-americano, considerado o mais “puro”,
esta exigência parece ser anômala, mas na verdade é apenas mais uma aplicação teórica de um dos cânones do
presidencialismo, a „Separação dos Poderes‟ de Montesquieu.
7
7.2.1 - Poderes constitucionais do presidente no Brasil e nos EUA: quem pode o quê,
quando e como
Apesar de o sistema presidencialista como um todo preconizar características semelhantes
às descritas nos 4 itens acima listados, razões de ordem intrínseca em cada país presidencialista
orientam a introdução de especificações jurídico-constitucionais que atendam mais
adequadamente sua realidade política, econômica e social.
Para demonstrar tais especificidades, EUA e Brasil, por razões óbvias, serão tomados
como base comparativa, de estudo de caso: os EUA por se tratar do protótipo do sistema, isto é,
além de ser o primeiro país a implantar o presidencialismo, são o único Estado entre as
democracias consideradas mais sólidas a ter um sistema presidencialista que, diga-se, dura mais
de 200 anos, sem ter sofrido qualquer ruptura constitucional; e o Brasil, claro, por se encontrar
na posição central de objeto de estudo de maior interesse deste ensaio.
Da mesma forma que ocorre em todo presidencialismo, também nos EUA o presidente
detém muitos poderes, mas nem sempre foi assim porque o regime político norteamericano já
nascera impregnado ideologicamente pelo liberalismo radical, cujo catecismo repugnava a
intervenção do Estado em assuntos privados, da sociedade ou, em síntese, um tipo de atividade
que dizia respeito estritamente à economia de mercado. Se nos dias atuais os EUA são vistos
como um modelo de “Estado mínimo”, pode-se afirmar que essa denominação seria ainda mais
precisa se em referência à sua 1ª fase como Estado independente. Assim, a trajetória do
presidencialismo norteamericano pode ser dividida em três períodos: o primeiro, que vai até a
Guerra Civil (1861-65), em que o liberalismo clássico impunha ao presidente tarefas limitadas,
semelhantes, talvez, às funções hoje exercidas pela rainha da Inglaterra, como a de representar a
nação em datas simbólicas ou eventos meramente cerimoniais, com a exceção de sua função de
comandante-em-chefe das forças armadas; o 2º período, pós-Guerra Civil, vai até o colapso da
Bolsa de Nova Iorque, em 1929, quando as funções do presidente se ampliam, mas ainda assim
distanciadas das várias atribuições de cunho social que se estenderam das políticas keynesianas
(New Deal) do presidente Roosevelt à atualidade.9 Tanto que até o fim da década de 1920, as
funções presidenciais eram tão diminutas que o presidente Calvin Coolidge, ao deixar o cargo,
quando perguntado sobre sua atuação presidencial, assim declarou: “talvez uma das realizações
9O presidente seguinte, Herbert Hoover (1929-1933), seguidor do tradicional manual Republicano de governar –
governos minimalistas - foi acusado de agir insuficientemente para aliviar o sofrimento dos mais afetados pela
Grande Depressão. Por esta razão, as favelas construídas de papelão que proliferavam pelas cidades norte-
americanas foram apelidadas de Hoovervilles, em irônica “homenagem” ao presidente em questão.
8
mais importantes da minha administração – disse ele de estalo à imprensa – foi cuidar da minha
vida”.10
Se comparados aos poderes de um presidente latinoamericano em geral, os poderes do
presidente dos EUA são significativamente limitados, e esta limitação é exercida através das
prerrogativas constitucionais garantidas ao Congresso americano, que desempenha seu papel
institucional de um dos pesos e contrapesos que equilibra o funcionamento do sistema. Apesar
dos limites, o presidente norteamericano é dotado de poderes, mas relativamente menores que
os de um presidente como o brasileiro. Por exemplo, exercendo o papel de veto player - poderes
de veto - ele possui a prerrogativa de vetar matérias aprovadas no Legislativo, mas esse poder
reativo (veto) tem que ser total e nunca parcial.
No Brasil, o presidente além de possuir o poder de veto total ainda detém o poder de
veto parcial, que lhe garante um extremo poder de controle sobre o Legislativo. A consequência
mais notória, majoritariamente danosa às instituições, é o desequilíbrio da correlação de forças,
vitais para a manutenção do Estado de direito ao configurar o tabuleiro da democracia como um
“jogo de soma zero”, aquele em que apenas um competidor é vitorioso e todos os restantes são
perdedores. A primeira constatação é a de que sobressai um executivo forte e um legislativo
fraco. Os extremos poderes constitucionais que o legislativo concedeu ao presidente brasileiro,
sob a escusa de aparelhá-lo de poderes emergenciais para solucionar crises imprevistas que os
parlamentares não podem resolver com prolongados debates, produziu uma instituição
legislativa/parlamentar débil, fisiológica e desmoralizada.
Nos EUA, tanto executivo quanto legislativo fazem uso dos poderes de que são dotados
ao ponto de essa correlação reproduzir um equilíbrio de forças historicamente conhecido como
“governo congressual”,11
pois aquele legislativo com frequência reivindica para si, e
efetivamente exerce suas atribuições, muitas vezes negando ao presidente a delegação de
poderes legislativos por ele requisitado.
No atual estágio da democracia, a democracia social, o debate acerca das prerrogativas
legislativas do presidente – poderes pró-ativos - tem se transformado em um dos tópicos de
maior repercussão política. Em comum, todos os presidentes possuem a prerrogativa de
influenciar na matéria legislativa através de projetos de lei, que em alguns países, em algumas
matérias legislativas específicas, são de iniciativa do executivo (presidente). Mas,
genericamente, o veículo legislativo mais vigoroso do presidente é o poder de decretar, em
10JOHNSON, Paul. In: Tempos Modernos: o mundo dos anos 20 aos 80, p. 182.
11No original, “Congressual Government”, obra de Woodrow Wilson, professor de Ciência Política e reitor da
Universidade Princeton, publicada antes de assumir o posto de Presidente dos EUA.
9
razão de sua celeridade e eficácia, intitulados de executive orders nos EUA, no Brasil até 1988
sob a denominação de “decreto-lei” e reformulados a partir da promulgação da Constituição de
1988 e rebatizada de “Medidas Provisórias”. As Medidas Provisórias conferem ao presidente
brasileiro mais poderes políticos que os Decretos do presidente norteamericano. Enquanto o
presidente brasileiro tem o livre-arbítrio12
de editar MPs sobre inúmeros assuntos, ao presidente
dos EUA cabe o papel de requisitá-la e esperar pela deliberação do Congresso a esse respeito.
Em outras palavras, o presidente para editar decretos precisa de autorização do Legislativo, que
frequentemente lhe nega tal delegação. Com exceção da política externa, em que o presidente
desempenha um papel hegemônico, que lhe confere poderes de um “presidencialismo imperial”
em razão da reciprocidade de apoio histórico que envolve os dois partidos preponderantes no
congresso, isto é, o partido de oposição do momento apoia a política externa do presidente por
saber que pode esperar atitude idêntica do adversário quando o cenário político se inverter, na
disputa interna a expectativa de cooperação é muito mais modesta.
De maneira semelhante à que se verifica hoje nos EUA, a limitação da ação legislativa do
presidente também foi praticada no Brasil durante a Democracia de 1946 a 1964, a despeito da
ampla autonomia decisória dos presidentes daquela época dita populista. Os Constituintes de 46
reagiram aos excessos de decretismo do período anterior, a ditadura do Estado Novo de Vargas,
e negaram aos presidentes não só o poder de editar decretos-lei como até mesmo de editar leis
delegadas: “De fato a Constituição de 46 proibiu explicitamente qualquer um dos três ramos de
governo (executivo, legislativo, judiciário) de delegar poderes ou atribuí-los um ao outro. Esta
prescrição foi observada durante todo o regime democrático de 1946-1964, com a notável
exceção dos 16 meses do interlúdio parlamentar em 1961-1963”.13
Por último, mas não menos importante, o Orçamento Público, considerado um dos mais
relevantes instrumentos de poder político em qualquer democracia, recebe tratamento
diametralmente oposto de cada um dos presidencialismos objeto deste estudo de caso.
Hipoteticamente, se houver desequilíbrio entre os poderes legislativo e executivo quanto à sua
elaboração, aprovação e liberação de recursos, essa relação assimétrica apontará um poder com
maior capacidade de subjugar o outro, impondo-lhe um papel político secundário. Assim
aconteceu durante a 1ª República - a República Velha - quando o poder Legislativo se
encontrava em posição hegemônica perante o Presidente da República, ressaltando que o
exacerbado poder do Legislativo nada mais era do que uma “delegação” dos poderosos
12Em seu artigo 62, dispõe a Constituição brasileira que “Em caso de „relevância e urgência‟[grifo nosso], o
Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei” (EC nº 32/2001, CF/88). 13
POWER, Thimothy. The pen is mightier than the Congress: presidential decree power in Brazil, p. 198-199. In:
CAREY John M.; SHUGART, Mathew Soberg. Executive Decree Authority. Cambridge University Press, p.
197-230, 1998.
10
governadores das províncias de então (os atuais estados-membros da federação), prática
conhecida como “política dos governadores”. Naquele período, todo o processo de elaboração e
consequente aprovação do Orçamento da União era prerrogativa exclusiva do legislativo
federal. Mais tarde, durante a primeira experiência de democracia de massas no Brasil, de 1946
até 1964, houve uma influência mista na correlação dos poderes políticos na construção da peça
orçamentária, resultando no equilíbrio entre legislativo e executivo. Na atual quadra
democrática, presumivelmente mais desenvolvida, a política orçamentária visivelmente dirige
privilégios ao Presidente da República, que utiliza o Orçamento como um trunfo para manter
sua hegemonia perante o legislativo, tornando-o dependente do comportamento clientelista do
executivo. Inegavelmente, um dos fatores que levou a tal estágio de ascendência do Executivo
sobre o Legislativo foi o reconhecimento da grave crise fiscal e monetária que o atual regime
herdou quando da transição do autoritarismo para a democracia, em 1985. O Congresso
constituinte de 1987/88 em seu duvidoso ou, no mínimo, negligente comportamento abriu mão
de prerrogativas legislativas quando delegou extremos poderes constitucionais ao presidente a
fim de que este pudesse executar medidas impopulares como mecanismo de sanar os obstáculos
da política monetária e fiscal (combate à inflação, à recessão, elevada dívida interna e externa).
Dentre esses poderes privilegiados, além da supremacia sobre o Orçamento, que tem o status de
“autorizativo”, o presidente conta ainda com outro vigoroso instrumento de estabilização da
política fiscal, frequentemente transformado em eficiente ferramenta da política clientelista: a
DRU (Desvinculação de Receitas da União). Por meio da manipulação do primeiro instrumento
- o Orçamento - o presidente domina a agenda do Congresso e submete, ou pelo menos mantém
sob controle, os governadores estaduais, incluindo os de oposição. Em tese, no processo de
apreciação da proposta orçamentária, os parlamentares podem emendá-lo, incluindo na proposta
obras públicas para suas regiões, mas como o empenho (liberação) das dotações (verbas)
depende da apreciação discricionária presidente, por ser o Orçamento de natureza autorizativa14
,
na prática se o parlamentar não é suficientemente cooperativo na aprovação das matérias de
interesse do presidente no legislativo simplesmente tais verbas, que são cruciais para a
sobrevivência política de muitos governadores estaduais e de parlamentares em suas regiões
14Em reportagem, combinada com editorial, o jornal O Globo, de 5/6/2010, criticou o modelo orçamentário
brasileiro. Entre exemplos, noticiou que um único parlamentar da base governista contava com emendas liberadas
superiores à totalidade das emendas do PSDB ou do DEM, partidos de oposição. Na parte do editorial, define como
despudor o uso que o governo faz da distribuição de verbas orçamentárias entre parlamentares aliados, afirmando
ser um velho vício nacional. Conclui que “(...) assim continuará até o dia em que o eleitorado, mais consciente,
passar a punir partidos e políticos especialistas neste tipo de deliquência”.
11
eleitorais, continuarão adormecendo nas gavetas da burocracia estatal. Além das obras previstas
no orçamento, que não são liberadas por mero arbítrio do presidente, cuja motivação oficial
seria o alcance ou a manutenção do equilíbrio fiscal das contas governamentais, na realidade
não são liberadas porque se trata de verbas que iriam atender interesses de regiões representadas
por governantes e representantes oposicionistas, que a contrario sensu, havendo a colaboração
desejada, o presidente não apenas assina a liberação das verbas como também, dependendo do
vulto do apoio e de seu humor, chega ao limite de nomear apadrinhados daqueles políticos em
seus redutos.
Através da DRU, o presidente monopoliza um elevado percentual dos recursos
orçamentários, uma vez que, excluídas as verbas “carimbadas”, que têm destinação específica, a
outra parte considerável, acima comentada, 20% de todo o montante orçamentário se encontram
disponíveis ao poder discricionário do presidente para a manutenção do jogo clientelista
(barganhas políticas).
Enquanto no Brasil o Orçamento é considerado pouco mais do que uma peça de ficção,
de natureza autorizativa, dependente do livre arbítrio do presidente, nos EUA tem natureza
inversamente proporcional, dotando aquele Congresso de poderes equilibrados em relação ao
executivo. Em outras palavras, seu Orçamento tipificado como de natureza “imperativa” ou
“impositiva” obriga o presidente a cumprir rigorosamente o que foi aprovado na íntegra, a
menos que uma necessidade urgente seja justificada, como em casos fortuitos ou de força maior,
situação em que o próprio Congresso dispõe da prerrogativa de avaliar a conveniência da
aprovação e liberação de verbas extras e suplementares, requisitadas pelo presidente.
7.2.2 - Presidencialismo norteamericano: o presidencialismo que funciona bem?
Nos EUA, regime matriz do presidencialismo, o funcionamento do sistema com partidos
fracos e indisciplinados produz resultados que, paradoxalmente, como será demonstrado,
contribuem para maior grau de governabilidade. Seu sistema eleitoral, majoritário/distrital,
tende a reproduzir no legislativo o bipartidarismo, impedindo a formação de um quadro
fragmentado e, por outro lado, facilitando a conciliação política. Esta conciliação se explica
pelos interesses localistas via políticas de pork barrel, uma moeda de troca que lembra,
guardadas as proporções, os acordos políticos operados no Brasil, sem deixar de considerar a
notável particularidade da conjunção de fatores de ordem política, cultural, étnica e religiosa15
formadora daquela sociedade política que tem inspirado uma tendência ideológica centrípeta,
15 Ver, a esse respeito, em Max Weber: A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo.
12
isto é, suas ideologias políticas convergem para um eixo central, comum aos dois grandes
agrupamentos políticos (republicanos e democratas).
Paradoxalmente, são as deficiências do modelo político-partidário que faz o sistema
funcionar nos EUA, pois a rigidez do presidencialismo seria incompatível com um sistema de
partidos fortes, disciplinados e ideológicos. De outro modo, sempre que um presidente se
deparasse com uma maioria de oposição no Congresso, e esta maioria fosse coesa, disciplinada
e decidida a não ceder a um programa de governo ideologicamente divergente, o cenário
político menos traumático que poderia ser previsto seria o de “paralisia decisória”. Em termos
estruturais, é improvável que no parlamentarismo haja ocorrência de tanta fragilidade, pois a
regra do sistema de governo parlamentar pressupõe uma integração contínua entre executivo e
legislativo, isto é, o primeiro-ministro, em geral, pertence à mesma maioria legislativa, uma vez
que por ela foi eleito – por um partido singular ou por uma coligação de partidos.
O estudo analítico dos dois sistemas de governo aponta para uma interessante
constatação. Os EUA, vencedores da II Guerra Mundial, impuseram a democracia com
parlamentarismo tanto no Japão quanto na Alemanha, para evitar o ressurgimento de regimes
autocráticos nesses dois países - o militarismo e o nazismo, respectivamente. Mais
recentemente, até mesmo em países pouco amistosos à tradição democrática, como Iraque e
Afeganistão, o modelo parlamentar tem sido imposto como um dos remédios para solucionar a
convulsão política em que se envolveram. Desta comparação, merecem ser destacadas algumas
questões como: por que os norteamericanos “escreveram” as constituições da Alemanha e do
Japão e, ao invés do parlamentarismo, não escolheram o presidencialismo como sistema de
governo? Por que parlamentarismo e não presidencialismo, se estão comprometidos em
apaziguar e estabilizar Iraque e Afeganistão? Será que desconfiam do próprio modelo que
criaram e praticam há quase 200 anos?
Giovanni Sartori sentencia que “o presidencialismo norteamericano já nasce com
defeitos irreversíveis, mas a despeito da própria Constituição têm os americanos levado o
regime a efeito apesar dela”.16
Quanto à governabilidade, as implicações do modelo
norteamericano conduzem a três configurações possíveis, nas relações entre executivo e
legislativo:17
a) governo unido;
b) governo dividido; e,
c) governo bipartidário.
16SARTORI, Giovanni, op. cit., p. 104.
17SARTORI, Giovanni, op. cit.; Antônio Octávio Cintra. In: Sistema Político Brasileiro: uma introdução. São
Paulo: Ed. Unesp, 2004.
13
O cenário de “governo unido” significa que tanto o presidente quanto a maioria no
Congresso pertencem ao mesmo partido. Por exemplo, se o presidente é do partido Republicano
e este mesmo partido possui a maioria das cadeiras no legislativo, está teoricamente
caracterizado o quadro de governo unido. Neste cenário, é natural esperar que a maioria
favorável ao presidente coopere com seus projetos reproduzindo elevado índice de
governabilidade, muito embora o sistema de representação distrital não contribua para a
formação de um quadro partidário confiável porque os deputados eleitos nos distritos muitas
vezes agem como meros lobistas ou moços de recados dos interesses de suas localidades,
destituídos de afinidades ideológico-partidárias. Preocupados com a reeleição, seus interesses
são mais vinculados à política provinciana em detrimento do debate nacional.
A segunda configuração possível, de “governo dividido”, levaria, em tese, o
funcionamento do sistema político a uma situação de colapso. Governo dividido significa que a
maioria partidária no Congresso é de oposição ao presidente, isto é, se o presidente da república
é do partido Republicano, a maioria que controla o Legislativo seria do partido Democrata. Um
cenário como este pressupõe um estado de paralisia decisória se, hipoteticamente, houvesse
polarização ideológica entre os partidos norteamericanos; o comportamento coerente dos
partidos adversários, se estes fossem disciplinados e ideológicos, estimularia o partido de
oposição majoritário no Congresso, a rejeitar todos os projetos do presidente, com o propósito
de enfraquecer seu governo e partido e derrotá-lo nas eleições seguintes. Caso houvesse tal
polarização ideológica entre os dois grandes partidos, como ocorreu em quase todo o século XX
na Europa democrática, nenhum presidente norteamericano conseguiria levar a bom termo o seu
mandato, e a impossibilidade de governar poderia levar a própria democracia a ter sua
existência questionada. Mas nem todos os americanos veem esta divisão com maus olhos. Pelo
contrário, sem saber das crises que poderiam surgir a partir de sua formação, os próprios
Patriarcas da Constituição celebraram e instituíram nela a teoria de “pesos e contrapesos” na
forma de separação dos poderes elaborada por Montesquieu, tida como a salvaguarda do Estado
de direito. A continuidade desta histórica partilha de poder foi defendida, no final do século
XIX, pelo então cientista político Woodrow Wilson, em sua obra, “Governo Congressual”. Até
hoje, o cidadão comum nos EUA, ignorando seus efeitos colaterais, exalta a existência do
governo dividido como um instrumento de controle que equilibra a luta entre os dois poderes.
Admitindo a premissa de que a aplicação da doutrina da separação de poderes induz
inerentemente a crises sistêmicas, surge naturalmente uma pergunta: por que, então, o sistema
tem funcionado? É bem provável que a resposta esteja no fato de que os partidos nos EUA são
14
fracos, indisciplinados e os parlamentares têm seus interesses centrados na política localista.18
O
fisiologismo dos políticos conduz à formação de acordos ad hoc19
entre o presidente e alguns
congressistas de oposição que, nesta aliança clientelista, cooperam para a estruturação de uma
maioria e, consequentemente, para a aprovação dos projetos de governo do presidente. No
vocabulário político norteamericano, este tipo de barganha de favores é conhecida como pork
barrel, algo próximo da tradicional forma de barganha praticada na política brasileira, o “toma
lá dá cá” ou, em palavras mais sutis, mas não menos éticas, usurpadas pelo uso distorcido que se
faz da oração de São Francisco de Assis, cuja máxima é descrita pelo: “é dando que se recebe”.
Como explicado acima, a aliança entre os dois grandes partidos é parcial, não se
constituindo, pois, em coalizão. Nos EUA, os dois partidos não celebram coalizão, o que
teoricamente é bastante lógico para qualquer padrão bipartidário. Portanto, o que antes poderia
degenerar para um ambiente de impasse - o governo dividido -, a operação de uma aliança
informal e pontual se transforma em “governo bipartidário”, arranjo político que atravessa as
linhas partidárias, supera os eventuais conflitos possibilitando uma situação de governabilidade.
7.2.3 - Brasil: presidencialismo de coalizão
O presidencialismo brasileiro, por razões intrínsecas, é constituído por um arranjo
institucional tão distinto do modelo norteamericano que sua configuração final praticamente
impossibilita a reprodução de cenário político semelhante, resultante das peculiares relações e
correlações entre executivo e legislativo. Em decorrência do sistema eleitoral proporcional
adotado no Brasil, para preencher as cadeiras na Câmara Baixa (deputados), é improvável a
formação do cenário de “governo unido”, pois, como se sabe, o método da proporcionalidade
tende ao surgimento de uma composição multipartidária no parlamento. O multipartidarismo,
em si, não é uma causa que sempre produz efeitos devastadores, pelo contrário, trata-se de uma
medida racional para superar impasses que o sistema majoritário/distrital não consegue
solucionar, em razão de sua tendência ao bipartidarismo. E a adoção de um parlamento
bipartidário não é uma fórmula eficaz para contentar uma sociedade plural (em termos étnicos,
culturais, religiosos, etc.) e polarizada (em termos políticos/ideológicos). Em um ambiente de
pluralismo político (democracia) o multipartidarismo tem sido considerado um mecanismo de
consenso capaz de reparar e apaziguar eventuais conflitos. Mas, a aplicação de um método
considerado eficaz para atender o ideal de pluralismo, nem sempre se traduz em resultados
eficientes, no que diz respeito à governabilidade. Observe-se o caso bastante emblemático do
18SARTORI, Giovanni, op. cit., p. 104
19Ad hoc: “para o momento”, acordo que tem validade para um assunto específico.
15
multipartidarismo brasileiro, cuja cultura estimulada pela cumplicidade da própria legislação
eleitoral e partidária faz com que o país tenha uma das mais frágeis configurações parlamentares
no terreno das democracias, fazendo da ideia de criação de partidos parlamentares no Brasil -
partidos socializados e disciplinados - simples retórica política local, limitando-se a uma fábula,
assim como a própria ideia de reforma política.
As características singulares do presidencialismo brasileiro, por uma combinação de
fatores estruturais e conjunturais foram intituladas teoricamente de presidencialismo de
coalizão.20
Esta expressão será utilizada como uma interpretação adaptada e estendida da
original, para funcionar como um instrumento explicativo das teses específicas deste ensaio.
Resumidamente, o presidencialismo de coalizão pode ser definido como um sistema
institucional – relações executivo/legislativo – em que o presidente da república ceteris paribus
(mantidos constantes todos os fatores), sempre será minoritário no legislativo. Guardadas as
proporções, se comparado com o modelo institucional norteamericano, o cenário político
brasileiro sempre será de “governo dividido”, com nulas ou limitadas expectativas de
“governo unido”.
Para o Brasil, espera-se como regra a formação do cenário de governo dividido, sendo
uma rigorosa probabilidade diante da evidente constatação de que dificilmente um só partido
conseguiria alocar a maioria absoluta das cadeiras parlamentares.21
Portanto, o presidencialismo
de coalizão reproduzido no Brasil é relativamente semelhante à estrutura do “governo dividido”,
exceto pelo fato de que nos EUA a oposição majoritária é unificada (de apenas um partido),
enquanto que no Brasil a oposição quando majoritária se encontra fragmentada em vários
partidos.
Falou-se em oposição majoritária no Brasil, mas é necessário atentar que só
teoricamente, pois de modo semelhante ao que ocorre nos EUA, o instrumento que flexibiliza a
rigidez do presidencialismo brasileiro também é a fragilidade e o fisiologismo dos partidos, mas
com uma significativa diferença: enquanto nos EUA mesmo o presidente se encontrando em
posição minoritária, sua minoria nunca é algo que possa ser caracterizada como irreversível,
pois sua desvantagem numérica no legislativo gira em torno de uma dezena de cadeiras ou
menos, situação que se resolve por meio de “acordos” com alguns poucos parlamentares do
partido de oposição, que tradicionalmente o presidente sabe onde e como procurá-los para um
20ABRANCHES, Sérgio H. H, op. cit.
21Nas eleições de 1986 o PMDB alocou a maioria absoluta das cadeiras do Congresso, tanto para a Câmara de
Deputados quanto para o Senado Federal, além de ter eleito 21 governadores dos 22 estados então existentes. Como
exceção à regra, aquelas eleições foram consideras „plebiscitárias‟, pois toda a campanha orbitou em torno de
praticamente um único tema, a referendação do “Plano Cruzado”.
16
“diálogo construtivo”. No Brasil, o ambiente de negociação de apoios parlamentares nunca é tão
pacífico, muitas vezes se apresentando como dramático. Além de partidos frágeis e
indisciplinados, some-se a isto um quadro de multipartidarismo fragmentado, que força o
presidente a recorrer a negociações individuais com os parlamentares. O presidente recorre a
negociações individuais porque raramente algum líder partidário se encontra em posição de
“negociar” em nome do partido e se, por outro lado, alguma liderança negocia em nome do
partido, o custo se torna mais elevado.22
O desgaste se multiplica na medida em que a
fragmentação partidária é exacerbada e os esforços do presidente são multiplicados e os
resultados práticos (apoios em votações) muitas vezes decepcionantes. Nos dias que correm, a
base do governo no Congresso é formada por cerca de 14 partidos, resultando uma relação
custo-benefício das barganhas entre partidos e parlamentares tão dispendiosa e desgastante para
o governo que o próprio presidente, antes não muito interessado em mudar a situação, pois sua
posição pouco ética de controle sobre o legislativo não o incomodava, agora já instruiu
autoridades ministeriais a enviar ao Congresso uma ampla proposta de Reforma Política. No
documento de 28 páginas, coordenado pelo ministro da Justiça o governo, em raro momento de
sinceridade, e um mea culpa embutido, argumenta à pagina quatro que “com as normas vigentes
existe um „incentivo ao mercado partidário‟ para manutenção das bases de coalizão e,
considerando-se a falta de coesão interna dos partidos, desvirtuamento para um verdadeiro
„mercado de votos‟ no Parlamento – fidelidade ao governo baseada, em muitos casos, em um
modelo de trocas calcado no binômio liberação/não-liberação de recursos para emendas
parlamentares ou nomeação/não-nomeação de indicados do parlamentar (ou de seu partido) para
determinados cargos da administração”.23
7.3 - O PARLAMENTARISMO
7.3.1 - Desenvolvimento do parlamentarismo: do parlamentarismo dualista ao
parlamentarismo monista
As revoluções liberais que derrubaram as monarquias absolutistas na Europa,
transformando-as em constitucionais, gradativamente foram adaptando suas antigas instituições
às doutrinas do Estado de direito, associando-as ao governo de parlamento, ramo do poder
estatal em que a nova classe revolucionária, a burguesia, se tornaria predominante.
Na Inglaterra, depois de uma guerra civil que durou várias décadas, a vitória do
parlamento sobre a monarquia absolutista transfere o núcleo do poder político do executivo para
22CINTRA, Antonio Octávio, op. cit.
23In: Folha de S. Paulo, 23/08/2008, p. A4.
17
o legislativo. A soberania do Estado, antes concentrada na pessoa do monarca, a partir daquela
revolução liberal – Revolução Gloriosa de 1688/9 – passaria a ser uma soberania popular
exercida pelos representantes na câmara baixa do poder legislativo, a Câmara dos Comuns. Esta
primeira etapa de governo representativo, exercido pela classe burguesa, semeia o germe do
futuro regime parlamentarista. Como a soberania política pertence ao parlamento, este limita os
poderes do rei, a partir de então restritos ao exercício do poder executivo, fórmula introduzida
sob inspiração de John Locke. Considerado “pai” do liberalismo moderno, este filósofo inglês
influenciou a reforma da constituição de seu país ao ponto de sua obra de Teoria de Estado, Os
dois Tratados sobre o Governo Civil, publicada em 1690, ser entendida como uma justificativa
post facto do movimento revolucionário. As teses de Locke, amplamente difundidas no curso do
absolutismo, além de sustentar os princípios do jusnaturalismo – direitos naturais invioláveis,
inalienáveis e imprescritíveis – fundamentam a supremacia política do parlamento.
A aplicação dessas ideias consolidariam gradualmente um novo modelo de governo, o
governo representativo parlamentar, mais firmado na linguagem da política como
parlamentarismo. Dividido em duas etapas, a primeira delas vem a ser a do “parlamentarismo
dualista”, assim intitulada pelo fato de que o parlamento e o rei dividiam entre si as
prerrogativas de poder: as legislativas e as executivas, respectivamente. Embora o novo Estado
constitucional admitisse a manutenção da monarquia como parte de sua estrutura, suas
atribuições institucionais deveriam se restringir ao exercício do poder Executivo e Federativo,24
mas o status do monarca não extrapolaria ao de um „comissário‟ do Legislativo no exercício
daquelas duas funções. Como já havia preconizado John Locke, o poder supremo se
concentraria no poder legislativo, derivando daí todas as decisões políticas, que o monarca no
exercício do poder governativo deveria indiscutivelmente executar.
Mas o primeiro século de relações entre rei e parlamento no contexto constitucional foi
um tanto tempestuoso. Apesar disso, nas primeiras décadas a mão do destino conspirou a favor
do desenvolvimento do parlamentarismo. Em função dos conflitos prolongados da guerra civil
da segunda metade do século XVII, o trono da Inglaterra ficaria vago logo nos primórdios do
liberalismo, e o rei substituto era um parente estrangeiro oriundo de estados alemães, que não
falava inglês e era malversado no latim. Na condição de chefe de governo e de Estado, no
regime constitucional e representativo, havia a necessidade de se relacionar com o parlamento, e
por força das circunstâncias designara um de seus ministros para exercer o papel de interlocutor
entre os dois poderes políticos. A personagem desta história foi o lorde Robert Walpole, que por
24Curiosamente, as funções delegadas ao poder Federativo, como prescreveu John Locke, seriam as mesmas que
hoje em dia são atribuídas pelos chefes de Estado, tanto no parlamentarismo quanto no presidencialismo.
18
ser o ministro preferido do rei para responder ao legislativo, foi ironizado pelos parlamentares
com o apelido de “primeiro-ministro”.25
Junto com esta tradição, a fragilidade de um rei
estrangeiro e um político hábil para negociar em seu nome foi determinante para o
fortalecimento do regime. Esta prática foi consolidando a monarquia parlamentar, embora os
conflitos intermináveis entre parlamento e rei da fase do parlamentarismo dualista só terão seu
desfecho quando a burguesia impõe nova derrota ao monarca inaugurando a era do
parlamentarismo monista,26
em vigor até os dias atuais. Na fase dualista, o parlamento desejava
responsabilizar os ministros do rei, podendo demiti-los e, mais tarde, passando a reivindicar,
inclusive, a prerrogativa de nomeá-lo.
Ainda na fase dualista, Sir Walpole, indiretamente, em nome do rei, “governou” por
várias décadas, fato inédito na história política britânica, mas com o fim de seu “reinado”, em
1786, todos os ministros teriam que ser membros do parlamento, ao mesmo tempo podendo ser
censurados por este poder.
Mas, só em 1832 a Grã-Bretanha fez a revolução por excelência, o “Reform Bill”27
. Daí
em diante, a Câmara dos Comuns torna-se o poder supremo, acima do rei e lordes.
Definitivamente, o parlamentarismo monista (democrático) se consolida como regra. Nele, a
supremacia do parlamento sobre o executivo se torna uma prerrogativa dos parlamentares de
eleger o chefe de governo e seu gabinete (ministros) sendo eles membros do próprio legislativo,
isto é, o primeiro-ministro não surge mais como uma indicação do rei, mas por meio de uma
eleição interna da Câmara Baixa (deputados), que elege um de seus pares para assumir o cargo.
Este primeiro-ministro eleito, na prática, não mais responde perante o rei. A partir de então sua
responsabilidade política será perante o próprio parlamento. Em suma, só o parlamento poderá
destituí-lo do cargo.
7.3.2 - Premissas do parlamentarismo
Diferentemente do presidencialismo, cuja característica fundamental é o princípio da
separação de poderes, o sistema de governo parlamentar não permite a separação entre
legislativo e executivo. Pelo contrário, na maioria das vezes suas relações são de tanta
cumplicidade que podem ser caracterizadas como relações orgânicas.28
Esta e outras linhas
mestras do parlamentarismo podem ser abstraídas das premissas a seguir:
25Até hoje, a expressão “primeiro-ministro” é uma designação popular, pois nas constituições escritas sua
denominação formal é a de “presidente do conselho de ministros” ou “chefe do conselho de ministros”. 26
BONAVIDES, Paulo, op. cit., 2004. 27
CHACON, Vamireh. O Novo Parlamentarismo. Cadernos da Fundação Milton Campos, p. 12. Brasília: Gráfica
do Senado, 1978. 28
CINTRA, Antonio Octávio, op. cit., p. 42.
19
a) a chefia de governo é exercida pelo primeiro-ministro e a chefia de Estado é
atribuída a uma outra autoridade, que pode ser um monarca ou presidente:
Esse item é um dos mais evidentes pressupostos do funcionamento do governo de
parlamento. Nele, duas autoridades distintas exercem duas diferentes atribuições: o primeiro-
ministro, no executivo, exercendo a função de chefe de governo, e o monarca ou presidente
exercendo a função de chefe de Estado. O chefe de Estado é um monarca se se tratar de um
parlamentarismo monárquico como é o caso do Reino Unido, Espanha, Holanda, Bélgica, etc.,
mas em se tratando de repúblicas tais como Alemanha, Áustria, Irlanda e Itália o chefe de
Estado é o presidente. No que concerne ao poder político, a figura proeminente é o primeiro-
ministro, e ao chefe de Estado resta exercer funções simbólicas e cerimoniais. Ao observar as
constituições parlamentaristas o leitor desatento pode cometer equívocos de interpretação, uma
vez que tais Cartas geralmente delegam ao chefe de Estado o poder formal para nomear e
demitir ministros e primeiro-ministro (premiê).29
Na realidade, esses atos configuram mais
poder de direito (poder formal) do que poder de fato (poder real), pois a luta pelo poder político
se desenvolve entre os partidos durante as eleições e no parlamento. Como será analisado
adiante, esta situação dificilmente ocorrerá na Inglaterra, não apenas porque lá não existe uma
constituição escrita, mas também em função de toda uma estrutura política singularmente
consolidada.
Nos tempos atuais, quando o chefe de Estado é um monarca, sua ascensão ao cargo se
concretiza pela hereditariedade e a duração de seu mandato é vitalícia. Entretanto, se o
parlamentarismo é republicano, o presidente, salvo significativas exceções, é eleito pelo
parlamento e, em geral, se encontra em posição acima das disputas partidárias como uma
reserva moral para arbitrar eventuais conflitos políticos.
De fato é o primeiro-ministro (auxiliado pelo gabinete – seus ministros) que governa,
isto é, exerce o poder político e o comando da administração pública. Não obstante as
atribuições de governar, o primeiro-ministro necessita de reunir uma conjugação de fatores para
que seu governo seja verdadeiramente efetivo, pois mesmo tendo sido eleito pela maioria,
algumas variáveis específicas concorrem para demonstrar quem prepondera sobre quem: se o
premiê sobre o parlamento ou o parlamento sobre o premiê. Como este sistema caracteriza um
governo de parlamento, em que não há separação de poderes entre executivo e legislativo, pode
ocorrer de o governante (primeiro-ministro) ser obrigado a conviver conflituosamente com sua
maioria por não possuir sólida liderança sobre ela.
29Vide exemplo da Constituição Federal da Alemanha, de 1949, em seus arts. 63 e 64.
20
b) a eleição do chefe de governo, o primeiro-ministro, se realiza por meio de eleição
indireta, entre os membros do parlamento:
No parlamentarismo clássico, a eleição do primeiro-ministro sempre acontece por meio
de eleições indiretas, significando que sua legitimidade no poder não decorre de uma votação
popular como no presidencialismo, mas de uma eleição realizada no parlamento em que a
maioria – de um partido singular ou de uma coligação de partidos – escolhe o chefe de governo;
os participantes da eleição são membros natos do legislativo, isto é, são representantes eleitos
diretamente pelo povo, por meio de eleições parlamentares. Depois de eleitos todos os
parlamentares, a assembleia se reúne para eleger o novo chefe do executivo, devendo este ser
um membro do parlamento, em geral, nas atuais democracias de massa, da Câmara Baixa (um
deputado).
c) o governo, além de nomeado pelo parlamento, para se manter no poder necessita
de apoio da maioria parlamentar que, se necessário, pode demitir o primeiro-ministro
através do voto de desconfiança:
Durante o mandato do primeiro-ministro o parlamento pode demiti-lo por decisão de sua
maioria. Ao contrário da regra presidencialista, o premiê eleito não tem sua legitimidade
garantida no cargo até o fim do mandato. Por isso, no parlamentarismo, dificilmente uma crise
de governo se transforma em crise de Estado porque se o governante perde a legitimidade
perante a nação ou o apoio da maioria legislativa os parlamentares o destituem do poder antes
que a crise alcance maiores proporções. Não é raro um primeiro-ministro se antecipar a uma
situação inevitável, e comunicar ao chefe de Estado sua demissão, solucionando o impasse antes
que partidos ou parlamentares apresentem o requerimento de voto de desconfiança com o
propósito de derrubá-lo.
d) antes do fim do mandato dos parlamentares é possível a dissolução do poder
legislativo, mas novas eleições para preencher as cadeiras legislativas devem ser
imediatamente marcadas:
Assim como a maioria parlamentar pode demitir o primeiro-ministro antes de terminado
o prazo pré-fixado de seu mandato, o mesmo também pode ocorrer com o mandato dos
parlamentares, bastando para isto que a assembleia (parlamento/legislativo) seja dissolvida.
Essas ocorrências são mais verificadas em presença de parlamentarismo multipartidário, em que
a própria natureza do modelo exige coalizão de partidos para alcançar numericamente a maioria
parlamentar e eleger o primeiro-ministro. A convivência pacífica de partidos aliados em
21
governos de coalizão é uma aposta de escassa margem de acerto. Conflitos acerca da
distribuição de cargos e da implementação programática das políticas públicas entre os partidos
aliados são constantes e geram vetos cruzados, pois a lógica do poder político induz a ação
partidária a comportamentos egoístas e raramente à cooperação. De modo contrário, o que se
comprova no modelo de parlamentarismo com dois partidos predominantes no legislativo é a
tendência de estabilidade. Entre dois partidos, o vencedor governará sem a necessidade de
acordos e, consequentemente, sem ser vítima de possíveis vetos e chantagens de aliados, como
se verá na abordagem sobre o sistema inglês.
7.3.3 - Dinâmica do parlamentarismo: qual o mais estável e por quê.
Depois da classificação quantitativa do parlamentarismo, com base em seus pressupostos
estruturais e na natureza de seu funcionamento, a etapa seguinte, para a conclusão da análise,
será a da avaliação qualitativa, que se relaciona à capacidade de eficiência do sistema. Diante
desta problemática, uma questão se apresenta como crucial: qual a tipologia de parlamentarismo
capaz de garantir maior estabilidade política? Em razão de uma série de combinação de fatores,
três tipologias históricas de parlamentarismo são os mais considerados como modelo de análise
comparativa:
a) o parlamentarismo britânico (cabinet system);
b) o sistema alemão (kanzlerdemokratie); e,
c) o parlamentarismo assembleísta (governo por assembleia ou convencional).
7.3.3(a) - O parlamentarismo britânico (sistema de gabinete).
O tipo de parlamentarismo inglês, além de ser o protótipo do parlamentarismo, por ser o
mais antigo, também é considerado o mais estável. Paradoxalmente, é o tipo menos „puro‟ de
parlamentarismo e o que mais se afasta de sua origem etimológica, pois ao invés de reproduzir
um governo essencialmente de parlamento, o que se verifica na prática não é uma
preponderância do parlamento como centro de poder, mas ao contrário, há uma hegemonia do
chefe de governo, isto é, há uma estrutura de governo baseada na autoridade do primeiro-
ministro (executivo) sobre o parlamento (legislativo). Em outras palavras, esta variedade de
primeiro-ministro, também conhecida como “sistema de primeiro-ministro ou sistema de
gabinete” tem sua elevada estabilidade amparada em uma coerente estrutura institucional
interdependente, formada por um tripé cujas partes não sobrevivem fora da engrenagem:
i) o sistema eleitoral majoritário (voto distrital);
ii) a configuração bipartidária no legislativo; e,
22
iii) a maioria parlamentar unipartidária.
Do primeiro item (i), aplicação do sistema eleitoral majoritário, sabe-se que sua mais
imediata consequência é a concretização de um parlamento bipartidário;30
da existência de dois
predominantes e hegemônicos partidos no parlamento (ii) o efeito mais visível é o fato já
descrito no parágrafo acima: a concretização de uma maioria parlamentar unipartidária que, por
sua vez, reproduz no executivo um governo de ação uniforme com o primeiro-ministro
efetivamente liderando o gabinete (os ministros são seus auxiliares e comandados), e um
legislativo disciplinado e cooperativo (os parlamentares são do mesmo partido que o primeiro-
ministro, do qual ele é o líder). Finalmente, o que resume a explicação da estabilidade do
parlamentarismo de tipo britânico é exatamente o fato de o premiê ser o líder do partido que
detém a maioria das cadeiras no parlamento e, como líder deste partido majoritário,
naturalmente será o escolhido entre seus pares para chefiar o governo, em uma eleição cujo
processo se desenrola sem conflitos, constituindo, portanto, um sistema bastante estável,
redundantemente denominado de “sistema de primeiro-ministro”. Por ser a tipologia de
parlamentarismo que mais se afasta da ideia de governo de parlamento, tem-se neste caso, uma
variedade de primeiro-ministro sui generis. Seus poderes, na prática, são tão sólidos que ao
invés da clássica denominação de primus inter pares, apropriada para os governantes no
parlamentarismo, talvez a mais adequada fosse primus solus, pois seus poderes são bastante
semelhantes aos de um presidente no presidencialismo: além das prerrogativas já descritas,
possui muita estabilidade no cargo - dificilmente sendo demitido -, e sua liderança o torna
poderoso também em relação ao gabinete para nomear e demitir quase livremente os ministros,
prática que, juridicamente, é da natureza do presidencialismo e não do parlamentarismo. Por
outro lado, sua preponderância política incontestável sobre a maioria legislativa configura o
“parlamento arena”,31
uma espécie de casa parlamentar/legislativa transformada na prática em
simples arena de debates, com baixa autonomia de independência crítica e propositura de leis,
em virtude da forte liderança política do primeiro-ministro.
7.3.3(b) - O parlamentarismo sob controle partidário
O modelo alemão é o tipo de parlamentarismo que melhor se enquadra nesta classificação.
O parlamentarismo sob controle partidário se encontra em uma posição intermediária em se
tratando de governabilidade. Sua característica mais evidente é que se trata de um sistema de
governo sob controle partidário. Embora não seja tipicamente um modelo de parlamentarismo
30Vide adiante o capítulo sobre sistemas eleitorais.
31CINTRA, Antonio Octávio, op. cit.
23
bipartidário, também não se encaixa no complexo sistema de parlamentarismo de coalizão,
historicamente conhecido como parlamentarismo assembleísta (governo de assembleia). Não
obstante se encontrar classificado em posição intermediária, o sistema alemão tem sido, nas
últimas décadas, tão estável quanto o sistema britânico. A duração do mandato de um primeiro-
ministro,32
que por si só não é a variável que exerce maior influência sobre a governabilidade,
mas não deixa de ser significativa para a estabilidade política, tem sido até mais prolongada que
a de alguns primeiros-ministros na Inglaterra. Desde o fim da II Guerra Mundial, quando a
Alemanha restaurou a democracia, dois primeiros-ministros, Konrad Adenauer e Helmut Khol,
permaneceram no poder por mais tempo que qualquer um de seus congêneres britânicos que
governaram durante o século XX.33
Pela apresentação da classificação, o status de poder do chanceler alemão não é tão sólido
quanto o do premiê britânico, pois ele não é, necessariamente, o líder de seu partido. Como há a
presença de aliados,34
mesmo que claramente minoritários na coalizão, espera-se do parceiro
hegemônico que, apesar da legitimidade de escolher o chanceler, o nome deste não seja lançado
de forma intransigente. Além disso, pelos mesmos fatores, nas relações do chanceler com os
outros ministros (gabinete) não se percebe a liderança incontestável deste, como é evidente no
sistema inglês.
O atual sistema de partidos na Alemanha é classificado pela teoria como um sistema
multipartidário. Não um multipartidarismo fragmentado como o brasileiro, mas moderado ao
ponto de ser reconhecido como um sistema de “dois e meio partidos”. Na prática, há uma
tendência quase irresistível em definir o sistema como bipartidário, pois todo chanceler
(primeiro-ministro) eleito até hoje pertencia ou pertence a um dos dois grandes partidos – a
CDU ou o SPD. O “meio-partido” mencionado é o Liberal Democrático (FDP) que nunca
elegeu um chanceler, mas seu apoio pode ser decisivo tanto para elegê-lo quanto para destituí-
lo. Em outras palavras, as relativamente poucas cadeiras parlamentares do FDP se somadas às
de um dos dois grandes partidos pode resultar na eleição do novo chanceler, podendo este ser
até mesmo do segundo maior partido naquela eleição parlamentar. Mais que isso, se o FDP se
retirar da coalizão, o primeiro-ministro que perde seu apoio pode cair em função de ter perdido
32Na Alemanha, o primeiro-ministro é tradicionalmente denominado de “chanceler”.
33O mandato de K. Adenauer durou 14 anos, e o de H. Khol cerca de 16. No século XX, o mandato de mais longa
duração na Inglaterra foi o da primeira-ministra Margareth Tatcher, de 1979 até 1990. 34
Além do FDP, dois outros pequenos partidos participam das coalizões de governo. Mas, diferentemente do FDP,
os Verdes são aliados históricos da social-democracia (SPD), quase um braço partidário; o mesmo ocorre com a
CSU, que é um braço da CDU na Baviera, onde este não está organizado e, portanto, nem concorre nas eleições.
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a maioria das cadeiras no parlamento. Em suma, eventualmente o „quase-bipartidarismo‟
alemão pode se deparar com um partido secundário exercendo o papel de “fiel da balança”.35
Ao contrário do que ocorre na Inglaterra, não é exatamente o sistema eleitoral que
estrutura o quase-bipartidarismo na Alemanha. Além do modelo eleitoral, duas outras variáveis
estão diretamente vinculadas à configuração partidária no parlamento: a cláusula ou barreira de
exclusão e a proibição de partidos contrários à democracia de competir nas eleições. O atual
sistema eleitoral da Alemanha, distrital-misto, é uma das várias criações constitucionais daquele
país ao longo do século XX, mais tarde imitado por vários países, entre eles Itália, Suécia,
Holanda, Japão, Israel, México e até a Bolívia. Na prática, parece ter sido a proibição de
partidos extremistas – tanto à esquerda quanto à direita – o fator decisivo que não apenas
contribuiu para a redução do número de partidos, mas mais importante, reduziu a polarização
ideológica da política alemã. A cláusula de barreira, lato sensu, estipula em 5% o desempenho
mínimo de votos para que um partido possa garantir suas cadeiras no parlamento,36
mas outra
fórmula da legislação contorna o rigor draconiano da barreira percentual, e suavizando, por fim
seus efeitos. Contudo, a estabilidade política e a durabilidade dos mandatos dos primeiros-
ministros também pode ser creditada ao instrumento do „voto de não-confiança construtivo‟.
Por esse método, o parlamento só pode demitir o chanceler se antes um novo nome houver sido
escolhido pela maioria parlamentar, concorrendo para maior estabilidade, pois o desejo de
destituir fica inibido pela maior dificuldade de se constituir um novo governo (gabinete).
7.3.3(c) - O Parlamentarismo Assembleísta37
Por último, o assembleísmo é o tipo de parlamentarismo mais instável, a despeito de ser
considerado o mais „puro‟ dos três modelos. Mais „puro‟ porque a expressão “parlamentarismo
assembleísta” pressupõe governo de parlamento ou de assembleia e, nestes termos, a expressão
é redundante porque “parlamento” e “assembleia” têm o mesmo significado, pois se referem ao
mesmo ramo de poder, o legislativo. É considerado mais puro em razão de o poder político
concretamente ser exercido pela assembleia e não pelo gabinete, nem pelo primeiro-ministro, ou
ambos conjuntamente. Em função desses fatores, o primeiro-ministro é um genuíno primus inter
pares (primeiro entre seus pares) porque efetivamente não se sobressai entre eles, não é
35De fato, esta situação ocorreu em 1982 quando o FDP estava em coalizão de governo com o SPD, mas ao
abandoná-la fez com que o primeiro-ministro perdesse a maioria no parlamento e se demitisse. Ato contínuo, aliou-
se ao outro grande partido, a CDU, tornando-se, com isso, o fator determinante para a eleição do novo chanceler. 36
Nas eleições parlamentares da Alemanha, hipoteticamente, um partido que consiga 4% dos votos teria direito a
cerca de uma dúzia de cadeiras no Bundestag (câmara baixa do parlamento federal), mas se não atingir a marca de
5% da votação nacional nenhum candidato toma posse no cargo. 37
Também designado de governo convencional, governo por assembleia, assembleísmo, etc.
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necessariamente o líder. Ao contrário do premiê britânico, ele é continuamente dependente dos
deputados que compõem a legislatura para permanecer no poder.
De um modo geral, o governo convencional (assembleísmo) surge como decorrência da
aplicação do sistema eleitoral proporcional. Como se sabe, a mais direta consequência da
utilização do método proporcional é a formação do multipartidarismo no legislativo. E,
mantidos constantes todos os fatores, o multipartidarismo resultante pode atingir um quadro
exacerbado, fazendo com que nenhum partido seja dominante, e muito menos predominante
dentro do parlamento. Nesse sentido, os partidos se verão forçados à formação de alianças para
eleger o primeiro-ministro, que ninguém pode de antemão afirmar quem será e a qual partido da
coalizão ele pertence. Depois de eleito, a autoridade política do primeiro-ministro estará sempre
dependente daquela maioria difusa de deputados, pois se sua política contrariar deputados e
partidos, estes podem abandonar a coalizão e, automaticamente, derrubar o governo. Os vetos
cruzados dos partidos da aliança tornam o gabinete um eterno refém dos parlamentares fazendo
do primeiro-ministro um governante fraco e sem liderança e, por outro lado, desponta um
parlamento destituído de quase nenhuma co-responsabilidade para a tarefa de governo.
Pelo contrário, a baixa capacidade do governo de aprovar seus projetos no legislativo
decorrente da conjunção de fatores descrita caracteriza este tipo de parlamento como
“parlamento transformador”. De forma oposta à tipologia britânica do “parlamento arena”, no
“parlamento transformador” o poder imperativo dos parlamentares sobre o primeiro-ministro e
seu gabinete “transforma” os projetos do executivo à sua imagem e semelhança, resultando
praticamente em assumir as tarefas de governar.
O período da III e IV repúblicas francesa (de 1875 a 1958, excetuada a fase do governo
fascista) é apontado como o protótipo do parlamentarismo assembleísta, ironicamente
conhecido como “República dos Deputados”. O modelo de democracia do pós-Guerra
estabelecido na Itália, com um partido dominante liderando as coalizões (PDC), até a
decomposição dos partidos no começo da década de 1990 em razão da Operação Mãos Limpas,
também se aproxima bastante do arquétipo do governo por assembleia. Semelhante ao regime
assembleísta francês, a duração média do mandato de um governo (gabinete) na Itália do
período foi inferior a 1 ano.
Embora um mesmo agrupamento de partidos reorganize a formação do novo gabinete, é
notável a ausência de cooperação entre os membros da coalizão, pois o projeto pessoal de um
parlamentar que deseja se tornar ministro ou até primeiro-ministro pode desmoronar a
estabilidade do governo.
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Mais recentemente, algumas das novas democracias erguidas dos escombros da ex-
URSS e do Leste europeu, também seguiram o caminho do assembleísmo. Um forte argumento
que pode explicar a adoção de uma democracia com parlamentarismo mais puro talvez seja o
incontido desejo de implantar uma democracia o mais democrática possível. É compreensível
que os anos de repressão e autoritarismo tenham sido os fatores preponderantes que
influenciaram a onda de democratismo que arrebatou os três agrupamentos de assembleísmo
citados. Por meio da introdução do sistema proporcional, as minorias antes sufocadas, passam a
ser representadas nas assembleias, tornando-as mais democráticas, e os regimes democráticos,
como se sabe, são significativamente hostis à governabilidade.
7.4 - Conclusão: presidencialismo, parlamentarismo e governabilidade
Analisar um regime político ou sistema de governo sob a ótica da governabilidade é uma
tarefa tão complexa quanto ambígua. São tantas as variáveis que compõem o universo desta
tipologia de avaliação que qualquer parecer prévio pode se resumir a um sofisma ou algo que vá
pouco além de uma pseudo-teoria. Qualquer que seja o sistema de governo, presidencialista,
semipresidencialista ou parlamentarista, combinado com a forma de governo democrática,
induzirá o analista, em avaliação sobre a governabilidade, a uma tendência irresistível de julgar
esta associação como pouco compatível. Com isto se quer dizer que, quanto mais democrático
for um governo, menor será sua capacidade de governança e governabilidade, pois democracia
implica em participação popular e quanto maior a participação, menor será a capacidade dos
governos de responder satisfatoriamente às demandas sociais. Por mais bem estruturado que
seja um Estado, se nele há uma população com elevada cultura cívica (consciência social,
educação política, capacidade de mobilização e de pressionar o poder público), constituindo este
quadro em avançada democracia, em razão de uma cidadania determinada em participar e em
não abrir mão de seus direitos de reivindicar perante o Estado, muito provavelmente instalaria
um cenário de impasse, em que haveria uma sobrecarga de demandas, causando paralisia
decisória, em que o Estado não conseguiria mais atuar em ambiente de democracia.
Pelos pressupostos apontados, as conjecturas levam à dedução de que havendo mais
democracia haverá menor probabilidade de governo estável, e invertendo os fatores, conclui-se
que havendo um governo autoritário, a capacidade de governabilidade será maior. Em outras
palavras, governabilidade pouco combina com democracia, mas com autoritarismo sua
probabilidade pode ser superestimada. Teoricamente, em regimes autoritários a participação
política é baixa e a capacidade decisória da burocracia e dos atores políticos é alta, havendo
pouca possibilidade de contestação popular, já que no autoritarismo o aparato repressivo do
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Estado, o poder de fato, é usado com maior frequência do que na democracia, que só usa esse
recurso de maneira esporádica, pois seu instrumento específico deve ser o poder de direito.
Partindo da premissa de que existe um governo democrático, e que a democracia não
pode e nem deve ser descartada, a variável democracia deve ser testada com os sistemas de
governo e suas mais variadas características para se obter uma forma mais adequada de regime
político que seja compatível com as especificidades de um determinado Estado.
Por ser o parlamentarismo, em tese, mais democrático que o presidencialismo, não se
pretende afirmar que todo parlamentarismo leva, necessariamente, à ingovernabilidade, e que
todo presidencialismo garantirá a existência de governos estáveis e eficientes. Por mais
democrático que seja um regime com presidencialismo, este sistema que se apoia em um
presidente soberano no executivo, não consegue, por isso mesmo, se livrar de sua tentadora
natureza autocrática, e por isso intitulado por seus críticos de ditadura com mandato fixo.
Todavia, sua natureza autocrática não o conduz diretamente à governabilidade. Pelo contrário,
como foi abordado, o presidencialismo é um sistema estruturalmente crítico, tendente a gerar
impasses políticos, enquanto que o parlamentarismo por sua natureza mais democrática estimula
a aproximação dos dois poderes políticos - executivo e legislativo; mais que isso, o
parlamentarismo desenvolve a formatação de partidos com personalidade parlamentar, isto é,
socializados tanto na fase de oposição quanto no papel de governo, reforçando a integração
entre governo e parlamento, virtudes que não devem ser desconsideradas para uma hipotética
reforma política. De sorte que a fórmula definitiva para combinar o sistema de governo mais
compatível com a democracia não existe na “farmacopéia” política; é uma ilusão capaz de se
tornar uma desilusão, devendo, portanto, a escolha do sistema mais apropriado para garantir a
governabilidade o produto de uma série de fatores que ao longo do tempo, com bom senso,
conciliação e inteligência, exprimam a racionalidade da cultura política de um povo.
Na comparação dos presidencialismos entre si, parece ser consensual a ideia de que o
modelo norteamericano é considerado forte e os latinos fracos. Por que são os latinos
considerados fracos se os presidentes têm poder quase ilimitado, como uma carta de corso,38
e
nos EUA os presidentes fortes? Na América Latina se construiu um tipo de presidencialismo
que, em razão da fragilidade das instituições, delega aos presidentes um falso poder de
resolução unilateral dos graves problemas herdados dos antecessores, um poder constituído que
se desdobra em poder constituinte. Como tais crises são difíceis de resolver, os presidentes
começam a se deparar com oposição de todos os setores e seu descrédito quase impossibilita as
38Letters of marque: licença que os presidentes têm, dadas as características do presidencialismo, semelhantes às que
os corsários recebiam para cometer ilícitos.
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tentativas posteriores de consertar os erros das primeiras medidas de quando tinham aprovação
de toda a nação, especificamente no início de seus mandatos. Nos EUA, ao contrário, o
presidente aparentemente fraco, porque presta contas no sistema de accountability, se vê
obrigado a responder horizontal e verticalmente – ao eleitorado, às instituições públicas e
semiprivadas; não possui ele os mesmos poderes de “decretismo” dos latinoamericanos, e o
regime permanece forte porque as políticas “salvacionistas”, se existirem, também são de
responsabilidade do poder representativo.39
39SARTORI, Giovanni, op. cit., p. 108 e 109.