Texto Capitulo 02 VAUX

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CEEDUC Centro Evangélico de Educação e Cultura Curso: Bacharel de Teologia (Ministério) Turma: Modular Carga Horária: 45 h/s Disciplina: Sociologia do AT Professora: Izabel Cristina Veiga Mello Acadêmico: __________________________________ Fichamento do Capítulo 02 do livro Instituições de Israel no Antigo Testamento. VAUX, Roland de. Instituições de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2004. Página Citação Comentário (p.46) POLIGAMIA E MONOGAMIA O relato da criação do primeiro casal humano, Gn 2.21-24, apresenta o casamento monogâmico como de acordo com a vontade de Deus. Os patriarcas da linhagem de Sete são apresentados como monógamos, por exemplo, Noé, Gn 7.7, enquanto a poligamia aparece na linhagem reprovada de Caim: Lameque tomou duas mulheres, Gn 4.19. Essa é a idéia que se tinha das origens. Na época patriarcal, Abraão tinha, a princípio, uma só mulher. Sara, mas como esta era estéril, Abraão tomou sua escrava Hagar, como lhe havia proposto a própria Sara, Gn

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CEEDUC

Centro Evangélico de Educação e Cultura

Curso: Bacharel de Teologia (Ministério)

Turma: Modular

Carga Horária: 45 h/s

Disciplina: Sociologia do AT

Professora: Izabel Cristina Veiga Mello

Acadêmico: __________________________________

Fichamento do Capítulo 02 do livro Instituições de Israel no Antigo Testamento.

VAUX, Roland de. Instituições de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova,

2004.

Página Citação Comentário

(p.46)

POLIGAMIA E MONOGAMIA O relato da criação do primeiro casal humano, Gn 2.21-24, apresenta o casamento monogâmico como de acordo com a vontade de Deus. Os patriarcas da linhagem de Sete são apresentados como monógamos, por exemplo, Noé, Gn 7.7, enquanto a poligamia aparece na linhagem reprovada de Caim: Lameque tomou duas mulheres, Gn 4.19. Essa é a idéia que se tinha das origens. Na época patriarcal, Abraão tinha, a princípio, uma só mulher. Sara, mas como esta era estéril, Abraão tomou sua escrava Hagar, como lhe havia proposto a própria Sara, Gn

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16.1,2. Abraão tomou também a Quetura como esposa, Gn 25.1, mas isto é contado depois da morte de Sara, Gn 23.1,2, e Quetura poderia ter sido a esposa titular. Contudo, Gn 25.6 fala no plural das concubinas de Abraão e parece designar assim a Hagar e a Quetura. Naor, que teve filhos de sua mulher Milca, tem também uma concubina, Reumá, Gn 22.20-24. Do mesmo modo Elifaz, filho de Esaú, tem uma mulher e uma concubina, Gn 36.11,12. Em tudo isto, os patriarcas seguem os costumes de seu ambiente. Segundo o Código de Hamurabi, por volta de 1700 antes de nossa era, o marido não pode tomar uma segunda esposa a não ser em caso de esterilidade da primeira. E mesmo desse direito se vê privado se sua própria esposa lhe fornece uma concubina escrava. Não obstante, o marido pode, mesmo sua mulher tendo filhos, tomar ele mesmo uma concubina, mas uma só - a menos que esta seja estéril -, e a concubina nunca tem os mesmos direitos que a esposa. Na região de Kerkuk, século XV a.C., os costumes são mais ou menos os mesmos. Parece, todavia, que a mulher estéril é obrigada a procurar uma concubina para seu marido. Em todos esses casos observa-se uma monogamia relativa: nunca há mais que uma esposa titular. Mas há outros exemplos que ultrapassam esse limite. Jacó toma como esposas as duas irmãs Lia e Raquel, e cada uma delas lhe dá (p.47) sua escrava, Gn 29.15-30; 30.1-9. Esaú tem três mulheres, as três consideradas do mesmo nível, Gn 26.34; 28.9; 36.1-5. Assim, os costumes do período patriarcal mostram-se menos severos que os da Mesopotâmia, na mesma época. Estes, aliás, não tardam em fazer-se mais brandos. Na compilação de direito assírio, que data de fins do segundo milênio, há um lugar, entre a esposa e a concubina escrava, para a esirtu, a "dama do harém"; um homem pode ter várias esirtu, e uma esirtu pode ser elevada à dignidade de esposa. Em Israel, sob os juizes e sob a monarquia, desaparecem as antigas restrições. Gideão tinha "muitas mulheres" e, pelo menos, uma concubina, Jz 8.30,31. A bigamia é reconhecida como um ato legal por Dt 21.15-17, e os reis tinham um harém, às vezes numeroso.

Parece então que não havia limites. Muito mais tarde, e de forma completamente teórica, o Talmude estabelecerá o número de quatro esposas para um homem comum, e de dezoito para um rei. Na realidade, somente os príncipes podiam se permitir o luxo de um harém numeroso. As pessoas comuns deveriam contentar-se com uma ou duas mulheres. O pai de Samuel tinha duas esposas, uma das quais era estéril, l Sm 1.2. Conforme 2 Cr 24.3, o sacerdote Joiada escolheu duas mulheres para o rei Joás. Não é fácil dizer se tal bigamia, a que se refere também Dt 21.15-17, era muito freqüente. A situação era, sem dúvida, a mesma que a dos beduínos e felás da Palestina moderna, os quais, não obstante as facilidades que lhes dá a lei muçulmana, raramente são polígamos. Às vezes, o interesse é o que leva à procura de uma segunda mulher, pois assim obtém-se uma criada; contudo, com mais freqüência há o desejo de ter numerosos filhos, principalmente quando a primeira mulher é estéril ou teve somente filhas. A isto acrescenta-se que a mulher oriental, que se casa muito jovem, perde logo seu vigor. Os mesmos motivos intervieram na antiguidade israelita. A presença de várias esposas não contribuía para a paz no lar. A mulher estéril era menosprezada por sua companheira; assim, por exemplo, Ana por Penina, l Sm 1.6, mesmo sendo esta uma escrava; e Sara por Hagar, Gn 16.4,5. Por outro lado, a mulher estéril tinha ciúmes da esposa fecunda, como no caso de Raquel e Lia, Gn 30.1. A esses motivos de

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inimizade acrescentavam-se as preferências do marido por uma delas, Gn 29.30,31; l Sm 1.5; a lei de Dt 21.15-17 teve de intervir para que os filhos da mulher menos amada não fossem desapossados em favor dos filhos da esposa preferida. Esse traço dos costumes se reflete na língua, que chama "rivais" as mulheres de um mesmo homem, l Sm 1.6; cf. Eclo 37.11. (p.48) Parece, entretanto, que a monogamia era o estado mais freqüente na família israelita. É surpreendente que os livros de Samuel e dos Reis, que compreendem todo o período da monarquia, não mostrem entre o povo comum mais casos de bigamia que o do pai de Samuel, bem no início. Da mesma forma os livros sapienciais, que apresentam um quadro da sociedade de sua época, não falam de poligamia. Salvo o texto de Eclo 37.11, que acabamos de citar e que, aliás, se poderia interpretar em sentido menos estrito, as numerosas passagens que concernem à mulher em família compreendem-se melhor no contexto de uma família estritamente monógama. Assim, por exemplo, Pv 5.15-19; Ecl 9.9; Eclo 26.1-4, e o elogio da mulher perfeita, que fecha o livro dos Provérbios, 31.10-31. O livro de Tobias, que é uma história familiar, só põe em cena famílias monógamas, a do velho Tobit, a de Ragüel e a que o jovem Tobias funda com Sara. E com a imagem de um casamento monógamo que os profetas representam a Israel como a esposa única escolhida pelo Deus único, Os 2.4s; Jr 2.2; Is 50.1; 54.6,7; 62.4,5, e Ezequiel desenvolve a metáfora em uma alegoria, Ez 16. Se o mesmo profeta compara as relações de Iahvé com Samaria e Jerusalém a um casamento com duas irmãs, Ez 23, cf. Também Jr 3.6-11, é para adaptar às condições da história posterior ao cisma político a alegoria que havia proposto no capítulo 16. O TIPO DO CASAMENTO ISRAELITA Assim como a filha não casada está na dependência do pai, assim também a mulher casada está na dependência de seu marido. O Decálogo, Ex 20.17, enumera a mulher entre as demais posses, junto com o escravo e a escrava, o boi e o asno. O marido é chamado o ba 'al de uma mulher, seu "dono", da mesma maneira que é o ba 'al de uma casa ou de um campo, Ex 21.3,22; 2 Sm 11.26; Pv 12.4 etc. Uma mulher casada é "posse" de um ba'al, Gn 20.3; Dt 22.22. "Tomar esposa" se expressa pelo verbo da mesma raiz que ba'al e significa, portanto, "tornar-se dono", Dt 21.13; 24.1. Esses usos da língua indicam que a mulher era de fato considerada como a propriedade de seu marido, que havia sido comprada por ele? A Etnografia mostra em alguns povos tais casamentos por compra, e com freqüência se disse que o mesmo havia sucedido em Israel. À parte o vocabulário, propõe-se como argumento a história de Raquel e de Lia, que dizem que seu pai lhes havia "vendido", Gn 31.15; mas não se deve dar sentido formal e jurídico a essa palavra proferida por mulheres encolerizadas. Invoca-se, sobretudo, e com razão, o uso do mohar. (p.49) O mohar é uma quantidade de dinheiro que o noivo era obrigado a pagar ao pai da moça. A palavra aparece na Bíblia somente três vezes, Gn 34.12; Ex 22.16; l Sm 18.25. O montante podia variar segundo as exigências do pai, Gn 34.12, ou segundo a situação social da família, l Sm 18.23. No caso de um casamento imposto depois do estupro de uma virgem, a lei prescreve o pagamento de 50 sidos de prata, Dt 22.29. Mas trata-se de uma penalidade e o mohar ordinário devia ser inferior a essa quantia. Essa representa mais ou menos o que o

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faraó Amenófis III pagava às mulheres de Gezer destinadas a seu harém. Segundo Ex 21.32, 30 sidos indenizavam pela morte de uma escrava, mas também isso era uma penalidade. Para o cumprimento de um voto, 30 sidos representavam o valor de uma mulher, mas uma moça de menos de vinte anos era estimada somente em 10 sidos, Lv 27.4,5. O pagamento do mohar podia ser substituído por uma prestação de serviço, como no caso dos dois casamentos de Jacó, Gn 29.15-30, ou por um serviço notável, como no casamento de Davi com Mical, l Sm 18.25-27, ou no de Otniel com a filha de Calebe, Js 15.16 = Jz 1.12. Essa obrigação de entregar uma quantia em dinheiro, ou seu equivalente, à família da noiva, dá evidentemente ao casamento israelita a aparência de uma compra. Mas o mohar se apresenta, mais que como o preço pago pela mulher, como uma compensação dada à família e, apesar da semelhança exterior, isto é algo moralmente diferente: o futuro marido adquire assim um direito sobre a mulher, mas nem por isso a mulher é uma mercadoria. A diferença salta aos olhos se o casamento com mohar é comparado com outro tipo de união que é verdadeiramente uma compra: uma moça podia ser vendida por seu pai a outro homem que a destinava a ser sua concubina ou a concubina de seu filho, era escrava e podia ser revendida, menos a estrangeiros, Ex 21.7-11. Além disso, é provável que o pai não tivesse senão o usufruto do mohar e que esse voltasse às mãos de sua filha como herança ou se a morte de seu marido a reduzisse à indigência. Dessa maneira poderia explicar-se a queixa de Raquel e de Lia contra seu pai que havia "consumido seu dinheiro" depois de tê-las "vendido", Gn 31.15. Entre os árabes da Palestina moderna observa-se um costume parecido, inclusive no nome, o mahr, que o noivo entrega aos pais da moça. A quantia varia segundo as localidades e a riqueza da família, se a moça contrai matrimônio dentro da parentela ou fora de seu clã, se ela é da mesma localidade ou de outra. Os interessados não consideram esse pagamento como verdadeira compra, e uma parte da quantia é empregada no enxoval da noiva. Um costume análogo, mas não idêntico, existia no antigo direito babilônico: a tirhatu, que aliás não era condição necessária para o casamento, entregava-se (p.50) geralmente ao pai da noiva, e às vezes à noiva em pessoa. A quantia variava muito de l a 50 sidos de prata. Essa soma era administrada pelo pai, que tinha o usufruto, mas não podia dispor dela, e voltava às mãos da mulher se ficava viúva, ou a seus filhos depois da morte da mãe. No direito assírio, a tirhatu era entregue à própria noiva. Não era um preço de compra, era apenas, segundo duas explicações prováveis, uma compensação feita à jovem pela perda de sua virgindade ou um dote destinado a ajudar a mulher se perdesse o marido. A mesma situação se manifesta nos contratos de casamento procedentes da colônia judaica de Elefantina, nos quais o mohar se conta entre os bens da mulher, mesmo que tenha sido entregue ao seu pai. Diferentes do mohar são os presentes que o jovem oferecia por ocasião do casamento: as duas coisas se distinguem muito bem em Gn 34.12. Esses presentes oferecidos à moça e sua família eram uma recompensa por terem aceitado a petição de mão. Uma vez concluído o casamento de Rebeca, o servo de Abraão apresenta jóias e vestidos para a jovem e ricos presentes para seu irmão e para sua mãe, Gn 24.53.

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O mesmo costume se acha também na Mesopotâmia. Segundo o Código de Hamurabi, o noivo distribuía presentes aos pais da moça e, se estes rompiam os esponsais, deviam restituir o dobro do que haviam recebido. Segundo a lei assíria, na qual a tirhatu é já um presente em dinheiro dado à moça, o noivo lhe oferecia ao mesmo tempo adereços e dava um presente a seu pai. A moça também contribuía por ocasião do casamento, ou seja, existia o dote? Isso é difícil de conciliar com o desembolso do mohar por parte do noivo. De fato, o mohar não existe em casos em que aparece algo que se assemelha ao dote: o faraó dá Gezer como presente de casamento à sua filha, quando Salomão a toma por esposa, l Rs 9.16; quando do casamento de Tobias com Sara, o pai desta entrega a Tobias a metade de sua fortuna, Tb 8.21. Mas o casamento de Salomão se faz à maneira egípcia e sai das condições comuns, e a história de Tobias se situa em um ambiente estrangeiro. Além disso, como Sara é filha única, essa entrega parece um adiantamento da herança. Em Israel, os pais podiam dar presentes à sua filha pelo casamento, dar-lhe uma escrava, Gn 24.59; 29.24,29, ou mesmo terras, Js 15.18,19, onde, aliás, o dom é consecutivo ao casamento; mas o costume de dotar a filha nunca enraizou em terra judaica. Eclo 25.22 parece até repugnar esse costume: "É motivo de ira, censura e grande vergonha que uma mulher sustente o seu marido”. Contudo, segundo as leis babilônicas, a jovem esposa recebia de seu pai alguns bens, que lhe pertenciam como propriedade particular e dos quais seu marido tinha somente o usufruto. Restituíam-se à mulher se vinha a ficar viúva (p.51) ou se fosse repudiada sem que houvesse culpa de sua parte. As leis assírias parecem conter disposições semelhantes. A mulher, ao casar-se, deixa seus pais e vai morar com seu marido, ela seliga ao clã deste, ao qual pertencerão os filhos que ela der à luz. Rebeca deixa seu irmão e sua mãe, Gn 24.58-59, e Abraão não quer que seu filho Isaque vá à Mesopotâmia se a mulher que escolheu não aceita vir para Canaã, Gn 24.5-8. Entretanto, alguns casamentos mencionados na Bíblia parecem escapar a essa regra geral. Jacó, casado com Lia e com Raquel, segue vivendo com seu sogro Labão; quando foge, Labão lhe reprova por ter levado suas filhas e protesta que são "suas" filhas e que os filhos delas são "seus" filhos, Gn 31.26,43. Gideão tem uma concubina que continua vivendo com sua família em Siquém, Jz 8.31, e o filho deste, Abimeleque, afirma o parentesco que o une ao clã de sua mãe, Jz 9.1-2. Quando Sansão toma por esposa uma filistéia de Timna, o casamento se celebra na casa da mulher, que segue vivendo com seus pais, onde Sansão vai visitá-la, Jz 14.8s; 15.1-2. Pensou-se reconhecer nesses casamentos um tipo de união em que a mulher não deixa a casa paterna, onde o marido vai morar com ela desligando-se assim de seu próprio clã. É um tipo que os etnógrafos chamam de casamento beena, por ter esse nome no Ceilão (Sri Lanka), onde foi mais estudado. Mas a comparação é inexata. Os catorze anos de serviço de Jacó são o equivalente do mohar. Se permanece outros seis anos na casa de seu sogro, Gn 31.41, é porque teme ainda a vingança de Esaú.Gn27.42-45, e além disso, porque tem um contrato com Labão, Gn 30.25-31. De fato, Labão não põe à partida de Jacó com suas mulheres nenhuma consideração de direito matrimonial, Gn 30.25s, mas unicamente lhe reprova fazê-lo em segredo, Gn 31.26-28. Ele falaria de outra maneira se o casamento de Jacó o tivesse integrado ao clã de seu sogro. No caso de Gideão, o texto salienta que se trata de uma concubina. A história do casamento de Sansão é mais interessante, mas devemos notar que

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Sansão não vive com sua mulher em Timna, mas simplesmente a visita e não é incorporado a seu clã. Não se trata, pois, de um casamento beena. O caso de Gideão deve antes ser comparado à união sadiqa dos antigos árabes. Não é tanto um verdadeiro casamento quanto uma união aceita pelo costume: sadiqa significa "amante, companheira". Com relação ao casamento de Sansão, ele se parece muito com uma forma encontrada entre os árabes da Palestina: é um verdadeiro casamento, mas sem coabitação permanente; a esposa é chefe em sua casa e o marido, chamado djôz musarrib, "esposo visitante", aparece como hóspede e leva presentes. As antigas leis assírias prevêem também o caso em que uma mulher casada continue vivendo com seu (p.52) pai, mas não se demonstrou que esse gênero de casamento, chamado erebu, constitua um tipo especial de casamento. A ESCOLHA DA ESPOSA A Bíblia não dá nenhuma informação acerca da idade em que as moças se casavam. A prática de casar primeiro a filha mais velha não era universal, Gn 29.26. Parece certo que se casavam as filhas muito jovens, como se fez durante muito tempo e se faz ainda freqüentemente no Oriente, e o mesmo devia suceder com os moços. Segundo as indicações dos livros dos Reis, que ordinariamente dão a idade de cada rei de Judá no momento de sua chegada ao trono, assim como a duração de seu reinado e a idade do filho que lhe sucede, que é normalmente o primogênito, pode-se calcular que Joaquim se casou aos 16 anos, Amom e Josias já aos 14; mas esses cálculos se baseiam em números que não são de todo seguros. Mais tarde, os rabinos determinaram a idade mínima do casamento para as moças aos 12 anos, e aos 13 para os moços. Em tais condições compreende-se que a intervenção dos pais seja decisiva para a conclusão do casamento. Não se consulta a jovem nem, freqüentemente, o jovem. Para escolher uma mulher para Isaque, Abraão envia seu criado, que trata do assunto com Labão, irmão de Rebeca, Gn 24.33-53. Somente depois pede-se o consentimento a Rebeca,vv. 57-58, que, segundo o paralelo de certos textos da Mesopotâmia, só é necessário porque Rebeca havia perdido seu pai e está sob a autoridade de seu irmão. Hagar, expulsa por Abraão, escolhe uma esposa para Ismael, Gn 21.21, Judá casa seu primogênito, Gn 38.6. Ocorre também que o pai oriente a escolha de seu filho: Isaque envia Jacó para casar-se com uma de suas primas, Gn 28.1-2. É Hamor que pede a mão de Diná para seu filho Siquém, Gn 34.4,6. Sansão pede a seus pais a filistéia por quem está apaixonado, Jz 14.2-3. Esaú, por independente que seja, leva em conta a vontade de seu pai, Gn 28.8-9. Calebe, Js 15.16, e Saul, l Sm 18.17, 19,21,27; 25.44, decidem sobre o casamento de suas filhas. No final do Antigo Testamento, o velho Tobit aconselha seu filho sobre a escolha de uma esposa, Tb 4.12-13, e o casamento de Tobias conclui-se com o pai de Sara, na ausência da jovem, Tb 7.9-12. Como o pedido de casamento é feito aos pais da moça, com eles é que se discutem as condições, especialmente a quantia do mohar, Gn 29.15s; 34.12. Em resumo, como hoje, as filhas casadeiras proporcionavam a seus pais inquietações preocupações, Eclo 42.9. (p.53) Não obstante, essa autoridade dos pais não era tal que não deixasse lugar em absoluto aos sentimentos dos jovens. Havia em Israel casamentos por afeto. O jovem podia manifestar suas preferências, Gn 34.4; Jz 14.2. Ele podia decidir por si mesmo sem consultar seus pais e até

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contra a vontade deles, Gn 26.34-35. Mais raro é que a jovem tome a iniciativa, como a filha de Saul, Mical, que se apaixona por Davi, l Sm 18.20. De fato, esses sentimentos tinham muitas ocasiões de nascer e de exteriorizar-se, pois as jovens eram muito livres. É verdade que 2 Mc 3.19 fala das jovens de Jerusalém confinadas em suas casas, mas essa informação refere-se à época grega e a uma circunstância extraordinária. O véu com que se cobriam as mulheres é uma prática ainda mais tardia. Em épocas antigas as jovens não ficavam enclausuradas e saíam sem véu. Elas apascentavam os rebanhos, Gn 29.6, iam buscar água, Gn 24.13; l Sm 9.11, também apanhavam as espigas deixadas pelos segadores, Rt 2.2s, faziam visitas, Gn 34.1. Podiam sem dificuldade falar com os homens, Gn24.15.21; 29.11-12; l Sm 9.11-13. Essa liberdade expunha, às vezes, as moças às violências dos rapazes, Gn 34.1-2, mas o sedutor era obrigado a casar-se com a vítima pagando um elevado mohar e não tinha direito de repudiá-la depois, Ex 22.15; Dt 22.28,29. Era costume casar-se com uma parente: isso era uma herança da vida tribal. Abraão envia seu servo para buscar uma esposa para Isaque da sua família na Mesopotâmia, Gn 24.4; Isaque, por sua vez, também envia para lá Jacó para que se case, Gn 28.2. Labão declara que prefere dar sua filha a Jacó que a um estrangeiro, Gn 29.19. O pai de Sansão lamenta que este não tome por mulher uma moça de seu clã, Jz 14.3. Tobit aconselha seu filho que escolha uma mulher de sua tribo, Tb 4.12. Os casamentos entre primos irmãos eram freqüentes, como por exemplo o casamento de Isaque com Rebeca, o de Jacó com Lia e Raquel. Atualmente, ainda é assim entre os árabes da Palestina, onde o jovem tem direito garantido à mão de sua prima. Segundo Tb 6.12-13; 7.10, Sara não pode ser recusada a Tobias porque esse é seu parente mais próximo; nos é dito ser esta uma "lei de Moisés", Tb 6.13; 7.11-12. Não obstante, no Pentateuco não há nenhuma prescrição legislativa desse tipo; o texto se refere aos relatos de Gênesis sobre os casamentos de Isaque e Jacó, cf. especialmente Gn 24.50-51, ou talvez à lei que obriga as filhas herdeiras a casarem-se no clã de seu pai para evitar que se transfiram bens da família, Nm 36.5-9. Sara é, efetivamente, filha única de Ragüel, Tb 6.12. A mesma consideração do patrimônio e dos vínculos de sangue funda a obrigação do levir para com a cunhada que ficou viúva. (p.54) Havia, contudo, casamentos fora da parentela, e inclusive casamentos com mulheres estrangeiras. Esaú tem duas mulheres hititas, Gn 26.34; José, uma egípcia, Gn 41.45; Moisés, uma midianita, Ex 2.21; as duas noras de Noemi são moabitas, Rt l .4; Davi tem entre suas mulheres uma calebita e uma araméia, 2 Sm 3.3; o harém de Salomão compreende "além da filha do faraó, moabitas, amonitas, edomitas, sidônias e hititas", l Rs 11.1; cf. 14.21. Acabe toma por esposa a sidônia Jezabel, l Rs 16.31. E por outro lado, moças de Israel se casavam com estrangeiros: Bate-Seba com um hitita, 2 Sm 11.3, a mãe do bronzista Hirão, com um homem de Tiro, l Rs 7.13,14. Esses casamentos mistos que a política aconselhava aos reis tornaram-se freqüentes entre o povo comum desde a instalação em Canaã, Jz 3.6. Não só eram um atentado à pureza de sangue, mas também punham em perigo a fé religiosa, l Rs 11.4, e eram proibidos pela lei, Ex

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34.15-16; Dt 7.3-4. As cativas de guerra abria-se uma exceção: podiam ser desposadas após uma cerimônia que simbolizava o abandono de seu lugar de origem, Dt 21.10-14. Essas proibições não foram muito respeitadas: a comunidade que voltou do Exílio, continuou realizando casamentos mistos. Ml 2.11-12; Esdras e Neemias tiveram que tomar medidas severas, que não parecem ter sido muito eficazes, Ed 9.10; Ne 10.31; 13.23-27. Entretanto, no interior da família estão proibidos os casamentos com parentes imediatos pelo sangue ou por aliança, pois o indivíduo não deve se unir a "sua própria carne", Lv 18.6, a afinidade era considerada como um laço igual ao da consangüinidade, cf. 18.17. Essas proibições se referem, pois, à proibição do incesto. Algumas são primitivas, outras foram acrescentadas mais tarde; estão reunidas sobretudo em Lv 18. Há impedimentos de consangüinidade em linha direta entre pai e filha, mãe e filho, Lv 18.7, entre pai e neta, Lv 18.10, em linha colateral entre irmão e irmã, Lv 18.9; Dt 27.22. O casamento com uma meia-irmã, aceito na época patriarcal, Gn 20.12, e ainda sob Davi, 2 Sm 13.13, é proibido pelas leis de Lv 18.11; 20.17; o casamento entre sobrinho e tia, como o casamento do qual nasceu Moisés, Ex 6.20, Nm 26.59, é proibido por Lv 18.12-13; 20.19. Há impedimento de afinidade entre um filho e sua madrasta, Lv 18.8, entre sogro e nora, Lv 18.15; 20.12; cf. Gn 38.26, entre sogra e genro, Lv 20.14; Dt 27.23, entre um homem e a filha ou a neta de uma mulher com quem ele tenha se casado, Lv 18.17, entre um homem e a mulher de seu tio, Lv 18.14; 20.20, entre cunhado e cunhada, Lv 18.16; 20.21. O casamento com duas irmãs, que poderia ser autorizado pelo exemplo de Jacó, é proibido por Lv 18.18. Os membros da linhagem sacerdotal estavam sujeitos a restrições especiais. Segundo Lv 21.7, não podiam tomar por esposa uma mulher que tivesse (p.55) se prostituído ou que tivesse sido repudiada por seu marido. Ez 44.22 acrescenta ainda as viúvas, a não ser que elas fossem viúvas de um sacerdote. Para o sumo sacerdote havia regras ainda mais estritas: só podia tomar como esposa uma virgem de Israel. OS ESPONSAIS Os esponsais são a promessa de casamento feita algum tempo antes da celebração das núpcias. Era um costume que existia em Israel e a língua hebraica tem um verbo especial para expressá-lo: é o verbo 'arás, empregado onze vezes na Bíblia. Os livros históricos dão poucas informações sobre isto. O caso de Isaque e de Jacó são particulares: sem dúvida Rebeca foi prometida a Isaque na Mesopotâmia, mas o casamento foi celebrado quando ela chegou em Canaã, Gn 24.67; Jacó espera sete anos antes de casar-se, mas tem um compromisso especial com Labão, Gn 29.15-21. O caso de Davi e das duas filhas de Saul é mais claro: Merabe lhe havia sido prometida, mas "quando chegou o momento" foi dada a outro, l Sm 18.17-19; Mical foi prometida a Davi em troca de cem prepúcios de filisteus, que ele apresentou "antes de vencido o prazo", l Sm 18.26-27. Em compensação, Tobias desposou Sara logo depois que o casamento foi acertado, Tb 7.9-16. Mas os textos legislativos provam que os esponsais eram um costume reconhecido e que tinham efeitos jurídicos. Segundo Dt 20.7, um homem que se comprometeu com uma moça, mas que ainda não tenha se casado com ela, está dispensado de ir à guerra. A lei de Dt 22.23-27 regulamenta o caso de uma virgem que está prometida e sofre violência por parte de

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um homem que não é o seu noivo. Se o estupro aconteceu na cidade, a noiva é apedrejada juntamente com seu sedutor, pois deveria ter pedido socorro; se foi assediada no campo, somente o homem deve ser morto, pois a moça pode ter gritado e não ter sido ouvida. A glosa de l Sm 18.21 conserva provavelmente a fórmula que o pai da moça pronunciava e que garantia a validez do noivado: "Hoje tu serás meu genro." O preço do mohar era discutido com os pais no momento do noivado e sem dúvida era entregue imediatamente se, como era o costume, fosse pago em dinheiro. Os esponsais existiam igualmente na Mesopotâmia. Concluíam-se com o desembolso da tirhatu, equivalente do mohar, e acarretavam conseqüências jurídicas. Entre o noivado e o casamento havia um intervalo mais ou menos longo, durante o qual cada uma das partes podia voltar atrás, mas recebia uma penalidade. As leis hititas contêm disposições análogas. (p.56) AS CERIMONIAS DE CASAMENTO É interessante observar que em Israel, como na Mesopotâmia, o casamento é um assunto puramente civil e não é sancionado por nenhum ato religioso. É certo que Malaquias chama a esposa "a mulher de tua aliança", berît, Ml 2.14, e que com freqüência berît se refere a um pacto religioso, mas aqui este pacto não é senão o contrato de casamento. Em Pv 2.17, o casamento é chamado "a aliança de Deus" e, na alegoria de Ez 16.8, a aliança do Sinai torna-se o contrato de casamento entre lahvé e Israel. Fora estas prováveis alusões, o Antigo Testamento não menciona contrato escrito de casamento a não ser na história de Tobias, Tb 7.13. Possuímos muitos contratos de casamento procedentes da colônia judaica de Elefantina, que datam do século V antes de nossa era, e na época greco-romana o costume estava bem estabelecido entre os judeus. É difícil dizer até onde ele remonta. Existia desde muito tempo na Mesopotâmia, e o Código de Hamurabi declara inválido um casamento concluído sem que um contrato tenha sido estabelecido. Em Israel redigiam-se documentos de divórcio desde, antes do Exílio, Dt 24.1,3; Jr 3.8: seria, pois, estranho se naquele tempo não houvesse contratos de casamento, e o silêncio dos textos é, talvez, acidental. A fórmula determinante do casamento é dada nos contratos de Elefantina, que são redigidos em nome do marido: "Ela é minha esposa e eu seu marido a partir de hoje, para sempre"; a mulher não faz nenhuma declaração. Pode-se encontrar um equivalente em Tb 7.11, onde o pai de Sara diz a Tobias: "Desde agora és seu irmão e ela é tua irmã”. Em um contrato do século II d.C., descoberto no deserto de Judá, a fórmula é: "Tu serás minha mulher." O casamento era ocasião de alegria. A cerimônia principal era a entrada da noiva na casa do esposo. O noivo, com a cabeça adornada com um diadema, Ct 3.11; Is 61.10, acompanhado por seus amigos com tamborins e músicas, l Mc 9.39, dirigia-se à casa da noiva. Esta estava ricamente vestida e adornada com jóias, SI 45.14-15; Is 61.10, mas, coberta com um véu, Ct4.1,3; 6.7, e só se descobria no aposento nupcial. Por isso Rebeca se cobriu com um véu ao avistar seu noivo Isaque, Gn 24.65, e esse costume permitiu a Labão substituir Raquel por Lia no primeiro casamento de Jacó, Gn 29.23-25. A moça, acompanhada de suas amigas, SI 45.15, é conduzida à casa do esposo, SI 45.16; cf. Gn 24.67. Cantam-se cantos de amor, Jr

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16.9, nos quais se celebram as qualidades do casal, dos quais temos exemplos no SI 45 e no Cântico dos Cânticos, seja qual for a interpretação que lhes seja dada, alegórica ou literal. Os árabes da Palestina e da Síria conservaram costumes análogos: o cortejo, os cantos nupciais, o véu da noiva. Às vezes, durante o trajeto, uma espada (p.57) é levada pela noiva ou diante dela, e às vezes ela executa, avançando e retrocedendo, a dança do sabre. Relacionou-se a isso a dança da sulamita em Ct 7.1. Em algumas tribos a noiva tenta, por brincadeira, escapar de seu noivo que deve simular conquistá-la à força. Foi proposto ver nessas brincadeiras uma sobrevivência do casamento por rapto, do qual haveria igualmente um vestígio no Antigo Testamento: o rapto pelos benjamitas das moças que dançavam nas vinhas de Siló, Jz 21.19-23. Essas comparações não parecem ter fundamento. O gesto de brandir a espada tem valor profilático: corta a má sorte e afugenta os demônios. Nada indica que a dança da sulamita seja uma dança do sabre, e o episódio de Siló se explica pelas circunstâncias extraordinárias mencionadas no relato. Em seguida, celebrava-se o grande banquete, Gn 29.22; Jz 14.10; Tb 7.14. Nesses três casos a ceia acontece na casa dos pais da noiva, mas em condições particulares. Pela regra geral dava-se, certamente, na casa do noivo, cf. Mt 22.2. A festa durava normalmente sete dias, Gn 29.27; Jz 14.12, e podia se prolongar por até duas semanas, Tb 8.20; 10.7. Contudo, o casamento se consumava já na primeira noite, Gn 29.23; Tb 8.1. Dessa noite nupcial se conservava o tecido manchado de sangue que provava a virgindade da noiva e que servia de prova em caso de calúnia do marido, Dt 22.13-21. O mesmo costume ingênuo existe ainda na Palestina e em outros países muçulmanos. O REPÚDIO E O DIVÓRCIO O marido pode repudiar sua mulher. O motivo aceito por Dt 24.1 é "ter ele achado coisa indecente nela". A expressão é muito genérica e, na época rabínica, discutia-se vigorosamente sobre a abrangência desse texto. A escola rigorista de Shammai só admitia como causa de repúdio o adultério e a má conduta, mas a escola de Hillel, cuja interpretação era mais abrangente, contentava-se com qualquer motivo, inclusive fútil, como a mulher ter cozinhado mal um prato ou, simplesmente, que outra mulher agradasse mais o marido. Já Eclo 25.26 dizia ao marido: "Se tua esposa não obedece ao dedo e ao olho separa-te dela." A formalidade do repúdio era simples: o marido fazia uma declaração contrária à que tinha estabelecido o casamento: "Ela já não é minha esposa e eu já não sou seu marido". Os 2.4. Na colônia de Elefantina, ele dizia diante de testemunhas: "Eu me divorcio de minha mulher", literalmente: "Odeio minha mulher. "Na Assíria, ele dizia: "Eu a repudio", ou seja: "Você não é mais minha mulher. "Mas, em Israel, como na Mesopotâmia e em Elefantina, o marido devia redigir um documento de repúdio, Dt 24.1,3; Is 50.1; Jr 3.8, ((p.58) que permitia à mulher voltar a casar-se, Dt 24.2. Nas cavernas de Murabba'at descobriu-se um documento de repúdio, de princípios do século II d.C. A lei estabelecia poucas restrições ao direito do marido: um homem que tivesse acusado falsamente sua mulher de não ser virgem ao casar-se com ele, não podia repudiá-la nunca mais, Dt 22.13-19; da mesma maneira, um homem que tivesse tido que se casar com uma moça que ele tinha violado, Dt 22.28-29. Se uma mulher repudiada volta a casar-se, e fica

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livre por ter morrido seu segundo marido ou por que este a repudiou, o primeiro marido não pode retomá-la, Dt 24.3-4; cf. Jr 3. l. O duplo casamento de Oséias, Os 2.3, se é que se trata, como parece, da mesma mulher repudiada e tomada novamente, não está sob essa lei, pois a mulher não tinha voltado a casar-se neste ínterim, mas se prostituído. A lei também não se aplicava no caso de Mical, casada com Davi, dada depois em casamento a outro e, finalmente, retomada por Davi, l Sm 18.20-27; 25.44; 2 Sm 3.13-16, posto que Davi não a tinha repudiado. Não sabemos se os maridos israelitas faziam freqüentemente uso desse direito, que parece ter sido bastante difundido. Os escritos sapienciais fazem o elogio da fidelidade conjugal, Pv 5.15-19; Ec 9.9, e Malaquias ensina que o casamento faz dos cônjuges um só ser, e que o marido deve sustentar o juramento feito à sua companheira: "Odeio o repúdio, diz Iahvé. Deus de Israel". Ml 2.14-16. Mas será preciso aguardar o Novo Testamento para que Jesus proclame a indissolubilidade do casamento, Mt 5.31-32; 19.1-9 e paralelos, com o mesmo argumento que empregava Malaquias: "O que Deus uniu, o homem não deve separar”. As mulheres, ao contrário, não podiam pedir o divórcio. Mesmo no princípio de nossa era, quando Salomé, a irmã de Herodes, enviou uma carta de repúdio a seu esposo Kostabar, sua ação foi considerada contrária à lei judaica. Se o Evangelho apresenta a hipótese de uma mulher que repudia seu marido, Mc 10.12 (que falta nos paralelos), é seguramente pensando nas práticas dos gentios. Mas a colônia de Elefantina, que havia sofrido influências estrangeiras, admitia que o divórcio fosse pronunciado pela mulher. E até na Palestina é atestado esse uso no século II de nossa era por um documento do deserto de Judá. Na Mesopotâmia, segundo o Código de Hamurabi, o marido pode repudiar sua mulher pronunciando a fórmula de divórcio, mas deve dar-lhe uma compensação que varia segundo cada caso. A mulher não pode divorciar-se a não ser depois que uma decisão do juiz reconheça a culpa do marido. Segundo as leis assírias, o marido pode repudiar sua mulher sem compensação, mas a mulher não pode obter o divórcio. Os contratos apresentam uma situação mais (p.59) complexa e com freqüência prevêem condições mais onerosas para o marido: no momento da conclusão do casamento, os pais da noiva a protegiam com cláusulas específicas. Mesmo que o Antigo Testamento se cale sobre essa questão, é provável que também em Israel algumas condições pecuniárias estivessem ligadas ao repúdio. Segundo os contratos matrimoniais de Elefantina, o marido que repudiava sua mulher não podia reclamar o mohar, pagava o "preço do divórcio" e a mulher conservava tudo o que havia levado ao casamento; a mulher que se separava de seu marido pagava o mesmo "preço do divórcio" e conservava seus bens pessoais, inclusive, pelo que parece, o mohar. O ADULTÉRIO E A FORNICAÇÃO O Decálogo condena o adultério, Ex 20.14; Dt 5.18, junto com o homicídio e o furto como atos que prejudicam ao próximo. Em Lv 18.20, o adultério inclui-se entre os interditos matrimoniais, é algo que torna "impuro". Como em todo o Oriente antigo, o adultério é, pois, um delito privado, mas o texto de Lv 18.20 lhe acrescenta uma consideração religiosa e os relatos de Gn 20.1-13; 26.7-11, apresentam o adultério como uma falta castigada por Deus.

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O adultério de um homem com uma mulher casada é severamente punido: os dois cúmplices são condenados à morte, Lv 20; 10; Dt 22.22; nesse caso, a noiva é comparada à esposa, Dt 22;23s: efetivamente a noiva pertence a seu noivo como a mulher a seu marido. A pena se executa mediante apedrejamento, segundo Dt 22.23s; Ez 16;40; cf. Jo 8.5; entretanto, é possível que, antigamente, se aplicasse a pena do fogo: Judá condenou sua nora Tamar a ser queimada viva, Gn 38.24, porque suspeitou que ela havia se entregado a um homem sendo viúva de seu filho Er, estando prometida, pela lei do levirato, a outro filho seu. Sela. A coleção mais recente dos Provérbios, Pv 1.9, põe repetidas vezes em alerta os jovens contra as seduções de uma mulher infiel a seu marido. A mulher é chamada "estrangeira", isto é, simplesmente, a mulher de outro, Pv 2.16-19; 5.2-14; 6.23-7.27. Tal amor conduz à morte, 2.18; 5.5; 7.26,27, mas essa "morte" é geralmente sinônimo de perdição moral; uma vez aparece como a vingança do marido ofendido, 6.34, mas jamais como castigo legal de adultério. As partes antigas de Provérbios fazem poucas alusões ao adultério. Pv 30.18-20, e comparam-no à prostituição, 23.27. O homem que freqüenta as prostitutas dissipa seus bens e perde seu vigor, Pv 29.3; 31.3, mas não comete um delito punível pela lei. Nenhuma censura recai sobre Judá por ter agido (p.60) com Tamar como uma prostituta, Gn 38.15-19; sua única falta consiste em não ter observado, a respeito de sua nora, a lei do levirato, Gn 38.26. A fidelidade conjugal é recomendada ao marido em Pv 5.15-19, mas sua infidelidade não é castigada, a não ser no caso em que prejudique o direito alheio e tenha por cúmplice uma mulher casada. Em contraste com essa indulgência de que usufrui o marido, a imoralidade da mulher casada está sujeita a duros castigos; o marido pode, sem dúvida, perdoar sua mulher, mas pode também repudiá-la e ela sofre uma pena difamatória, Os 2.5,11-12; Ez 16.37-38; 23.29. É a "grande falta" de que falam alguns textos do Egito e Ugarit, a "grande falta" que ia cometer o rei de Gerar com Sara, Gn20.9; cf., metaforicamente, aplicado à idolatria Ex 32.21,30-31. Nos faltam informações sobre as mulheres não casadas; só se sabe que se a filha de um sacerdote se prostituísse, devia ser queimada viva, Lv 21.9. O LEVIRATO Segundo uma lei de Dt 25.5-10, se irmãos vivem juntos e um deles morre sem deixar descendência, um dos irmãos sobreviventes toma por mulher a viúva, e o primogênito desse novo casamento é considerado legalmente como filho do falecido. Entretanto, o cunhado pode esquivar-se dessa obrigação mediante uma declaração feita ante os Anciãos da cidade, mas ele é desonrado: a viúva rejeitada o descalça e lhe cospe na cara porque "não edifica a casa de seu irmão". Essa instituição é chamada levirato, do latim levir, que traduz o hebraico yabam, "cunhado". No Antigo Testamento ela é ilustrada por dois exemplos, que são difíceis de interpretar e que só imperfeitamente correspondem à lei do Deuteronômio: a história de Tamar e a de Rute.

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O primogênito de Judá, Er, morre sem deixar descendência de sua mulher Tamar, Gn 38.6-7. Seu irmão Onã tinha o dever de casar-se com a viúva, mas ele não quer ter um filho que não seja legalmente seu, ele faz estéril sua união com Tamar e, por esse pecado, lahvé o mata, 38.8-10. Judá deveria então dar para Tamar seu último filho, Selá, mas esquiva-se do dever, 38.11. Então Tamar se une por astúcia a seu sogro, 38.15-19. Nesse antigo relato, a lei do levirato aparece mais estrita que no Deuteronômio: o cunhado não pode escapar dela e o dever incumbe sucessivamente a todos os irmãos sobreviventes, cf. Mt 22.24-27. A união de Tamar com Judá poderia ser uma reminiscência de um tempo em que o dever do levirato afetava o sogro se não tivesse outro filho, que é o que se praticou em outros povos; contudo, aqui é mais o ato desesperado de uma mulher que quer ter filhos do mesmo sangue que seu marido. (p.61) A história de Rute combina o costume do levirato com o dever do resgate que incumbia ao go'el. A lei de Dt 25 não se aplica porque Rute não tem mais cunhado, Rt 1.11-12. O fato de que um parente próximo deva tomá-la por esposa, e isso seguindo certa ordem, Rt 2.20; 3.12, indica seguramente uma época ou um ambiente em que a lei do levirato era um assunto de clã mais do que de família no sentido estrito. De qualquer forma, as intenções e os efeitos desse casamento são os de um casamento levirático: trata-se de "perpetuar o nome do falecido", Rt 4.5,10; cf. 2.20, do qual a criança que há de nascer será considerada filha, Rt 4.6; cf. 4.17. Esse costume tinha paralelos em outros povos, e especialmente entre os vizinhos de Israel. O Código de Hamurabi não fala dele, mas as leis assírias consagram-lhe vários artigos. Nelas não se expressa a condição de que a viúva não tenha filho, mas isso pode ser devido a uma lacuna do texto. Em compensação, essas leis assimilam, com respeito a isso, os esponsais a um casamento consumado: se um noivo morre, sua noiva deve casar-se com o irmão do falecido. Algumas leis hititas falam também do levirato, mas com menos detalhe. O costume existia entre os hurritas de Nuzu e talvez em Elam. Também é atestada em Ugarit. Muito discutiu-se sobre o significado do levirato. Alguns explicaram-no como meio de assegurar a continuidade do culto aos antepassados, enquanto outros descobriram nele um indício de sociedade fratriarcal. Independentemente de como era entre outros povos, o Antigo Testamento dá uma explicação que lhe é própria e que parece suficiente. A razão essencial é a de perpetuar a descendência masculina, o "nome", a "casa", e é por isso que a criança (provavelmente só a primeira) de um casamento levirático é considerada filha do falecido. Não é somente um motivo sentimental, é a expressão da importância dada aos laços de sangue. Uma razão concomitante é a de evitar a transferência dos bens da família. Essa consideração aparece em Dt 25.5, que põe como condição do levirato que os irmãos vivam juntos, e, na história de Rute, ela explica que o direito de resgate da terra esteja ligado com a obrigação de casar-se com a viúva. A mesma preocupação se encontra na legislação do jubileu, Lv 25, e na lei sobre as filhas herdeiras, Nm 36.2-9.