Texto Base Sintaxe Versao Final
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7/29/2019 Texto Base Sintaxe Versao Final
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Universidade Federal de Santa Catarina
Licenciatura e Bacharelado em Letras-Libras na Modalidade a Distncia
Autores da primeira edio:
Izete Lehmkuhl Coelho (UFSC)
Isabel de Oliveira e Silva Monguilhott (UFAM/PG-UFSC)
Marco Antonio Martins (PG-UFSC/CNPq)
Texto reeditado por:
Izete Lehmkuhl Coelho (UFSC)
Marco Antonio Martins (PG-UFSC/CNPq)
Lucilene Lisboa de Liz (PG-UFSC/CNPq)
Fabola Sucupira Ferreira Sell (FASC/IESGF/UNIFEBE)
Sintaxe
Florianpolis
2009
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SUMRIO
INTRODUO ------------------------------------------------------------------------------------- 3
Temtica I CONCEITOS BSICOS ----------------------------------------------------------- 5
Unidade 1: Pressupostos da Teoria Gerativa ..................................................................... 5
Unidade 2: A formao das sentenas ............................................................................... 14
Leituras complementares .................................................................................................... 16
Temtica II OS SINTAGMAS ----------------------------------------------------------------- 17Unidade 3: Categorias lexicais ........................................................................................... 18
Unidade 4: Categorias gramaticais (ou funcionais) ........................................................... 23
Leituras complementares ................................................................................................... 26
Temtica III PREDICADOS E ARGUMENTOS ------------------------------------------- 27
Unidade 5: Exigncia sinttica dos argumentos ................................................................ 28
Unidade 6: Papis temticos dos argumentos ................................................................... 41Unidade 7: Verbos monoargumentais ............................................................................... 47
Leituras complementares ................................................................................................... 57
Temtica IV Distribuio dos constituintes na sentena ------------------------------------- 58
Unidade 8: Ordem dos constituintes ................................................................................. 58
Leituras complementares ................................................................................................... 65
CONSIDERAES FINAIS ---------------------------------------------------------------------- 66
BIBLIOGRAFIA GERAL ------------------------------------------------------------------------- 68
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INTRODUO
O objetivo central deste livro-texto o estudo de alguns aspectos relacionados
sintaxe das lnguas naturais, com especial ateno a fenmenos sintticos do portugus do
Brasil e com tpicos pontuais em Lngua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Em tese,
considerando o conhecimento adquirido na escola, voc j deve saber muita coisa relacionada
ao estudo da sintaxe. Para recordar, importante dizer que a sintaxe um mdulo da
gramtica que estuda as relaes entre constituintes, conforme veremos com mais
detalhamento nas pginas que seguem. Voc deve estar se lembrando (com certa angstia,
talvez) do estudo de sintaxe associado a um livro com regras prescritivas do bem falar e
escrever. A sua lembrana diz respeito a uma possibilidade de estudar sintaxe, mas vamosaqui trilhar um outro caminho.
Antes de mais nada vale lembrar que podemos observar diversos fenmenos (fsicos,
geogrficos, sociais, lingsticos etc.) no mundo em que vivemos e interpret-los a partir de
uma determinada teoria. Construmos teorias para explicar esses fenmenos. A gua, por
exemplo, se transforma em gelo quando atinge a temperatura de 0C, e esse um fenmeno
natural e observvel. Em todas as lnguas humanas as oraes exibem sujeito, e esse
tambm um fato natural e observvel. Assim como na fsica, em lingstica nos valemos deuma teoria para explicar (ou interpretar) fenmenos observveis.
Neste livro-texto, a teoria utilizada para o estudo de fenmenos sintticos a teoria
gerativa; mais especificamente a teoria de Princpios e Parmetros (cf. CHOMSKY, 1981;
1986), que tem o nome de Noam Chomsky como precursor. H outras possibilidades que no
sero trabalhadas aqui sugerimos que voc leia o artigo Sintaxe de, Rosane Berlinck, Marina
Augusto e Ana Paula Scher (BERLINCK; AUGUSTO & SCHER, 2001) para uma viso geral
sobre essa questo.Nesse sentido, vamos assumir uma concepo de gramtica bastante especfica neste
livro-texto. Com base nos pressupostos da teoria de Princpios e Parmetros, entendemos
gramtica como uma teoria sobre o conhecimento lingstico que um falante tem quando sabe
uma lngua natural, como o portugus brasileiro ou LIBRAS, por exemplo. Apresentaremos
neste curso as vantagens do estudo da sintaxe a partir da teoria de Princpios e Parmetros.
O livro-texto contempla quatro temticas e est dividido em oito unidades: Na
Temtica I, discutiremos alguns pressupostos basilares da teoria de Princpios e Parmetros
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(Unidade 1) e o processo de formao de sentenas (Unidade 2); na Temtica II, colocamos
em destaque o estudo dos sintagmas e a relevncia das categorias ou ncleos na formao
de objetos sintticos, as lexicais (Unidade 3) e as funcionais (Unidade 4). As relaes entre
predicados e argumentos esto por conta da Temtica III; especificamente nesse tema,
discutimos a seleo sinttica (Unidade 5) e a seleo semntica (Unidade 6) de argumentos e
aprofundamos a discusso sobre os verbos monoargumentais (Unidade 7). Na Temtica IV,
fecharemos este livro-texto com uma discusso sobre a sintaxe da ordem dos constituintes nas
lnguas naturais (Unidade 8).
Ao longo deste livro-texto sugerimos leituras relacionadas s temticas aqui
discutidas.
Bom curso e boa leitura!
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Temtica I CONCEITOS BSICOS
Nesta unidade, vamos traar discusses a respeito dos pressupostos bsicos da sintaxe.
Como j foi dito, tomamos as noes de lngua, como objeto mental, e de competncia
lingstica de Chomsky, que voc j deve ter visto na disciplina Introduo aos Estudos
Lingsticos, para tratar da formao das sentenas. Antes, porm, para incio de conversa,
sugerimos que voc v ao DVD para retomar algumas noes que voc provavelmente traz da
escola a respeito de sintaxe e de gramtica.
Unidade 1. Pressupostos bsicos da Teoria Gerativa
Sabemos que existe uma infinidade de possibilidades de combinao entre as palavras
de uma lngua para formar sentenas. Sendo assim, as sentenas de uma lngua so bastante
diversas entre si, em termos do nmero de palavras, da ordem em que elas se dispem e do
sentido que expressam. No entanto, apesar dessa diversidade, existem Princpios universais
que regulam a formao de sentenas em todas as lnguas naturais, existem tambm regras
que variam de uma lngua para outra, os Parmetros, e regras que variam dentro de uma
mesma lngua.Antes de avanarmos a discusso, seria interessante esclarecermos a perspectiva que
nortear esta disciplina. Como brevemente exposto na introduo, estamos adotando uma
perspectiva formalista para o estudo da sintaxe. Esta perspectiva se caracteriza pela
preocupao com o aspecto formal da lngua sem nfase situao comunicativa em que as
formas lingsticas aparecem. Tal perspectiva se baseia nos pressupostos da Gramtica
Gerativa idealizada por Noam Chomsky no final da dcada de 50. Para a Teoria Gerativa, a
lngua vista como um objeto mental, vinculado a uma capacidade inata do ser humano paracompreender e produzir sentenas.
bom lembrar que a perspectiva formalista no a nica abordagem que temos para
estudar as questes sintticas. H tambm a perspectiva funcionalista que, diferentemente da
formalista, enfatiza a situao comunicativa na qual as sentenas se inserem, entendendo que
a forma como as sentenas se organizam fruto da necessidade comunicativa do ser humano.
O foco dessa perspectiva vai alm dos limites da sentena, envolvendo-se com o contexto em
que a sentena se insere. Como j dissemos, essa discusso a respeito das diferentes
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perspectivas para o estudo da sintaxe objeto do estudo de Berlinck, Augusto e Scher (2001,
p.207-244) o qual sugerimos a leitura.
Voltemos, ento, a alguns pressupostos bsicos da perspectiva gerativista. Segundo
Chomsky, o ser humano dotado de uma capacidade inata para a linguagem. Como voc
sabe, o homem, diferentemente dos macacos, dos golfinhos ou das abelhas, o nico animal
dotado com a capacidade da linguagem/lngua. Embora outros animais de uma forma ou de
outra se comuniquem1, o homem a nica espcie que combina um certo nmero de
elementos de acordo com determinados princpios para formar sentenas. Essa capacidade
que nasce conosco e tem a ver com o tipo especfico de estrutura e organizao da mente
humana denominada Faculdade da Linguagem.
A Faculdade da Linguagem entendida pela gramtica gerativa, conforme Raposo(1992, p.15), como o resultado da interao complexa entre vrios sistemas ou mdulos
autnomos de natureza diversa, caracterizados por regras e princpios especficos a cada um
deles, e no como uma massa homognea.
Assim como outras faculdades que temos no nosso organismo, a Faculdade da
Linguagem dedicada especificamente a alguma funo. Nesse caso, lngua. essa
faculdade inata que possibilita a qualquer um de ns a aquisio de uma ou mais lnguas
particulares (ou naturais).A Faculdade da Linguagem , no seu estado inicial, igual para todos os seres
humanos. Todo o indivduo que nasce, seja no Brasil ou nos Estados Unidos, por exemplo,
nasce com a mesma capacidade de adquirir lngua(gem) e parte, portanto, do mesmo estado
inicial, denominado pela Teoria Gerativa de Gramtica Universal (GU). A GU , portanto, o
estgio inicial da Faculdade da Linguagem de um falante que est adquirindo uma lngua.
A Faculdade da Linguagem vai se modificando de acordo com os estmulos externos,
de acordo com as experincias pelas quais cada um vai passando. Por isso, a criana quenasce no Brasil, sendo exposta ao portugus (do Brasil), vai adquirir essa lngua; sendo
exposta a LIBRAS, vai adquirir essa lngua; sendo exposta ao tucano, vai adquirir essa lngua.
E a criana que nasce nos Estados Unidos vai adquirir o ingls, a lngua de sinais americana
ou ainda uma lngua indgena a que for exposta. Assim, conforme o ambiente lingstico a
1As pesquisas cientficas tm mostrado cada vez mais essa capacidade comunicativa dos animais. Ao final destaunidade, voc encontrar um exemplo retirado da Revista Discutindo Lngua Portuguesa (Ano 1, n. 4, p.07,2006), intitulado Fala, Bicho!. Veja tambm o site www.discutindolinguaportuguesa.com.br e a introduo deLyons (1987).
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que formos expostos a nossa Faculdade da Linguagem, inicialmente igual para todos, vai se
modificando.
Vale ressaltar que, se no formos expostos a algum estmulo externo, no
conseguiremos desenvolver esse conhecimento lingstico, mesmo com todo o aparato inato
para tal capacidade. Esse estmulo externo a que nos referimos so as interaes verbais entre
a criana e os outros membros da comunidade em que ela se encontra. Caso no haja qualquer
interao verbal entre a criana e outros indivduos mais experientes, no haver aquisio de
lngua, pois o estmulo externo imprescindvel para o gatilho necessrio Faculdade da
Linguagem no processo de aquisio de uma lngua particular. Existem alguns casos relatados
na literatura, como o caso dos meninos-lobo que no tendo interao verbal com outros
seres humanos no conseguiram desenvolver sua linguagem2. Voc talvez conhea tambmrelatos de crianas surdas que, sem o conhecimento por parte da famlia, no interagem
verbalmente e desenvolvem, por conta disso, tardiamente a linguagem. No entanto, como
essas crianas possuem, como qualquer outra, a Faculdade da Linguagem adquirem o
conhecimento lingstico e se tornam capazes de produzir toda e qualquer sentena na lngua
de sinais.
Parece claro, ento, que toda e qualquer criana, seja de qualquer nvel
socioeconmico ou nacionalidade, partir do mesmo estado inicial da Faculdade daLinguagem. Esse estado inicial, como vimos anteriormente, a GU, que se constitui de
Princpios e de Parmetros. Os princpios so rgidos, invariveis e universais, ou seja, vlidos
para todas as lnguas e qualquer gramtica final (ou lngua particular) ter que apresent-los.
Os Parmetros so variveis, ou seja, podem variar de uma lngua para outra.
Voc est achando essa discusso um pouco abstrata? Vamos tentar entender melhor o
que so os Princpios e os Parmetros nas lnguas naturais, atravs de exemplos. Como
dissemos, os Princpios so universais e, por isso, valem para toda e qualquer lngua.Observemos as sentenas a seguir:
(1) O Jooi disse que elei est doente
(2) *Elei disse que o Jooi est doente
2 Ao final desta unidade, voc dever assistir ao filme Nell, que ser objeto de discusso de uma das atividades
propostas nesta disciplina.
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O ndice isubscrito indica que os elementos so correferenciais, ou seja, Joo e ele
se referem a uma mesma pessoa. Enquanto a sentena (1) bem formada, a (2) no , pois na
sentena (2) o pronome ele no pode ter a mesma referncia do sintagma Joo. Na verdade,
um pronome como ele no pode estar co-indexado nesta configurao sinttica. E isso parece
acontecer com essas sentenas traduzidas para toda e qualquer lngua natural. Logo,
afirmamos que h um Princpio que rege a combinao dos elementos na sentena, o qual
determina quando um nome pode ou no estar co-indexado com um pronome. Agora,
retomemos alguns exemplos de Raposo (1992, p. 56), para discutirmos o conceito de
Parmetros:
(3) Eles j chegaram da escola(4) j chegaram da escola
(5) Ils sont dj arrivs de lcole
(6) * sont dj arrivs de lcole3
(7) They already arrived from school
(8) * already arrived from school
Voc arriscaria uma explicao para o fato de as sentenas (3) e (4) em portugus
brasileiro serem possveis (gramaticais) e as sentenas (6) em francs e (8) em ingls no? O
que est em jogo j no pode mais ser um Princpio, mas um Parmetro, pois marcado
diferentemente para o portugus, para o francs e para o ingls, no mesmo? Observe que
enquanto em portugus a orao bem formada com realizao do sujeito lexical, cf. (3), ou
sem, cf. (4), em francs e ingls a boa formao da orao depende da realizao lexical dosujeito, conforme os pares em (5)/(6) e (7)/(8).
Se voc est lembrado, estamos falando do Parmetro do sujeito nulo, que voc j
discutiu na disciplinaIntroduo aos Estudos Lingsticos. Com base na verso da teoria de
Princpios e Parmetros que utilizamos, esse parmetro pode ser marcado positiva ou
negativamente nas lnguas naturais. No caso do portugus, a marcao parece ser positiva; por
3 O asterisco no incio da sentena (*) indica que uma sentena mal formada ou agramatical numa determinadalngua natural.
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isso, podemos ter sentenas sem o sujeito expresso ou foneticamente realizado, como em (4).
Por outro lado, o francs e o ingls marcam esse Parmetro negativamente, j que no
permitem sentenas sem o sujeito expresso ou foneticamente realizado, como em (6) e (8). A
marcao do valor positivo ou negativo do parmetro feita pela criana a partir da
informao lingstica contida nos dados a que ela est exposta no perodo de aquisio da
linguagem.
No momento em que a criana passa a fixar ou estabelecer os parmetros da gramtica
de sua lngua particular, com base nos dados lingsticos que esto ao seu alcance, a
gramtica da criana vai se constituindo, vai amadurecendo. As gramticas das lnguas
particulares se constituem, ento, de Princpios e de Parmetros j fixados. Como dissemos
anteriormente, a Gramtica Universal (GU) o estado inicial da Faculdade da Linguagem. Ja gramtica do indivduo adulto, vista como a evoluo da Gramtica Universal, constitui o
estado final.
Retornemos, agora, ao conhecimento inato que nos capacita a distinguir se uma
sentena faz parte ou no da gramtica da nossa lngua materna; ou seja, o conhecimento que
nos possibilita dizer que as sentenas (9) e (10) do portugus so bem formadas e a (11) no
.
(9) O menino caiu
(10) Caiu o menino
(11) *Menino o caiu
Como voc pode constatar as sentenas em (9) e (10) so bem formadas em portugus.
J a em (11) no parece uma sentena possvel no portugus. Por qu? Embora haja diferentes
possibilidades de combinar as inmeras palavras de uma lngua, existem algumas regras queimpedem, por exemplo, a combinao em (11) em que o artigo o no est antecedendo o
substantivo menino. Essas regras so, na verdade, Princpios universais obedecidos por
todas as gramticas das lnguas naturais; as gramticas impem uma srie de restries para
tais combinaes.
O domnio que temos da nossa lngua materna tem sido tratado na teoria Gerativa de
competncia. A competncia, nesse sentido, o conhecimento mental e inato que permite a
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aquisio da gramtica de uma lngua natural, assim como permite tambm o reconhecimento
das estruturas geradas por essa gramtica internalizada.
Para ilustrar ainda mais o que estamos dizendo, consideremos agora os seguintes
exemplos em (12) e (13):
(12) a. Maria saiu sem a bolsa
b. * sem a Maria saiu a bolsa
(13) a. Os meninos foram embora
b. * meninos embora foram os
Observamos que as sentenas em (12b) e (13b) so agramaticais, pois no asreconhecemos como pertencentes gramtica da lngua portuguesa, diferentemente do que
acontece com as sentenas em (12a) e (13a), que so gramaticais. Dessa forma, podemos
afirmar que o conhecimento que nos capacita distinguir as sentenas (a) das sentenas (b) est
relacionado competncia dos falantes que sabem portugus.
As diferentes possibilidades de uso das sentenas em (12a) e (13a) relacionadas a
diferentes contextos scio-culturais fazem parte do que se conhece na literatura gerativa como
performance ou desempenho. Vejamos um exemplo. Pelo que foi dito acima, todos ns temosa mesma competncia lingstica, ou seja, todos ns indistintamente somos capazes de avaliar
as sentenas da nossa lngua: se so gramaticais ou no; se fazem parte da gramtica da nossa
lngua ou no. No entanto, observamos no dia-a-dia que algumas pessoas convencem,
persuadem, emocionam melhor lingisticamente do que outras. Voc arriscaria uma hiptese
para o que as diferencia ento?
O que faz com que algumas pessoas sejam mais habilidosas do que outras no uso
concreto da lngua, nesse sentido, faz parte do desempenho. Assim como algumas nascemmais habilidosas para nadar, outras nascem com habilidades manuais e outras so mais hbeis
com o uso da palavra: seja convencendo, como o caso dos publicitrios talentosos; seja
emocionando, como alguns poetas. Essa habilidade em parte tambm pode ser desenvolvida
ao longo dos anos, seja na escola ou com o estmulo da famlia, de amigos etc., pela leitura e
produo textual.
Para ilustrar como essa habilidade no uso concreto da lngua varia de pessoa para
pessoa, diferenciando assim competncia de desempenho, na proposta da teoria gerativa,
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tomemos emprestado um exemplo retirado de Negro et al. (2002, p.114). Primeiramente,
temos um bilhete escrito por algum que perdeu o pai e, ao aproximar-se o dia de finados, faz
um pedido a um amigo:
Como amanh dia de finados, eu queria pedir pra voc ir ao cemitrio visitar o meu
pai. Eu gostaria que voc pusesse umas flores no tmulo dele e que rezasse, no por
ele, mas por mim que, por ter guardado na lembrana somente os momentos de
amargura, me sinto to morto quanto ele.
A seguir, voc encontrar o poema escrito por Manoel Bandeira sobre a mesma
temtica:
Poema de Finados
Amanh que dia dos mortos
Vai ao cemitrio. Vai
E procura entre as sepulturas
A sepultura de meu pai.
Leva trs rosas bem bonitas.
Ajoelha e reze uma orao.
No pede pelo pai, mas pelo filho:
O filho tem mais preciso.
O que resta de mim na vida
a amargura do que sofri.Pois nada quero, nada espero.
E em verdade estou morto ali.
(Manuel Bandeira. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Jos Olympio/Instituto Nacional do Livro, 1970,
p.128-129, apudNegro et al., 2002, p. 114)
Parece ficar claro, a partir desses exemplos, que tanto o autor do bilhete quanto
Manuel Bandeira produzem sentenas bem formadas, ou seja, ambos so competentes
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lingisticamente. No entanto, existem diferenas no uso concreto da lngua, no mesmo?
Essas diferenas dizem respeito ao desempenho, performance dos autores.
Voc pode estar pensando tambm nos casos de lapsos de memria, desvios de
ateno, distraes, hesitaes, que so to comuns no uso da lngua no dia-a-dia. Para ilustrar
essa questo, tomemos emprestado mais um exemplo das autoras (Negro et al., 2002, p.116):
Ontem eu conheci um cara, que amigo do Joo, se lembra?, aquele Joo que
estudou comigo no primrio, que era filho de um homem importante, agora no me
lembro dele, mas acho que ele era dono de um jornal ou de uma revista, ou talvez
fosse um poltico, no sei mais, s sei que ele tinha um bigode de todo tamanho... Mas
do que mesmo que eu tava falando?
Nesse caso, temos um fragmento de fala e, por isso, tambm estamos falando do uso
concreto da lngua que diz respeito ao desempenho do falante.
Em sntese, vimos, nesta unidade, que a Faculdade da Linguagem uma capacidade
humana inata que nos possibilita adquirir a gramtica de uma lngua natural. O estado inicial
da Faculdade da Linguagem o que chamamos Gramtica Universal (GU). A GU
constituda de princpios (vlidos para todas as lnguas) e parmetros (variveis de uma lnguapara outra). De acordo com os estmulos externos a que somos expostos, a FL, que
inicialmente igual para todos os seres humanos, vai se modificando a partir da fixao dos
parmetros da(s) lngua(s) que estamos adquirindo.
Vimos tambm que os seres humanos nascem dotados de uma capacidade para a
linguagem. Essa capacidade inata que temos para adquirir a gramtica de uma lngua a que
formos expostos quando crianas conhecida como competncia. J o uso concreto desse
conhecimento, que varia de um indivduo para outro, o que define o desempenho ouperformance.
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Fonte: Revista Discutindo Lngua Portuguesa, Ano 1, n. 4, p.07, 2006.
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Unidade 2. A formao das sentenas
Como j vimos ao longo da Unidade 1, a sintaxe trata especificamente da estrutura das
sentenas. Essas so geradas a partir da combinao entre os elementos de uma lngua. Vimos
tambm que os elementos que formam as sentenas no se combinam aleatoriamente. Os seus
constituintes obedecem a determinadas regras para se combinarem e respeitam uma hierarquia
dentro da sentena. So essas as noes que vamos retomar agora.
Para entendermos o que so constituintes, recorremos a Perini (2001, p.44). Segundo o
autor, constituintes so certos grupos de unidades que fazem parte de seqncias maiores,
mas que mostram um determinado grau de coeso entre eles. Observe a orao em (14), a
seguir.
(14) A casa de Lulu azul e branca.
Na orao em (14) os falantes percebem que a casa de Lulu forma uma unidade, o que no se
verifica comLulu azul. Dizemos ento que a casa de Lulu um constituinte e queLulu
azul (na frase em (14) no um constituinte.
A idia que as oraes so formadas de constituintes, muitas vezes uns dentro dosoutros. Assim a orao em (14) poderia ser analisada como contendo, entre outros, os
constituintes seguintes:
[a casa de Lulu azul e branca]
[a casa de Lulu]
[casa de Lulu]
[azul e branca][ azul e branca]
Note-se que certos constituintes esto dentro de outros: o constituinte [a casa de Lulu]
est dentro do constituinte [a casa de Lulu azul e branca] , e o constituinte [azul e branca]
est dentro do constituinte [ azul e branca], que por sua vez est dentro de [a casa de Lulu
azul e branca]. Note-se que a orao completa igualmente um constituinte.
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Voc deve lembrar das anlises gramaticais feitas na escola. Na sentena em (14),
certamente voc classificaria a casa de Lulu como sujeito e azul e branca como predicativo
do sujeito, mas no classificaria Lulu azul, no mesmo? E isto porque Lulu azul no
um constituinte.
Esses constituintes so organizados em categorias gramaticais. Desde muito cedo (e
isto faz parte da nossa competncia lingstica), embora no tenhamos conscincia disto,
reconhecemos e somos capazes de agrupar as palavras da nossa lngua de acordo com suas
propriedades gramaticais.
Se pedirmos, por exemplo, a qualquer falante de portugus para agrupar palavras
como: menino, brincamos, gato, mesa, cantou ejogarei, ele no ter dificuldade em dizer que
menino, gato e mesa so palavras que compartilham certas caractersticas, assim comobrincamos, cantou e jogarei, tambm apresentam caractersticas em comum. Os falantes
sabem que cada um destes grupos pertence a uma determinada categoria gramatical. Sabem
ainda que o grupo de palavras constitudo por menino, gato e mesa no varia de acordo com o
tempo que a sentena quer expressar (se passado, presente ou futuro) ou com as marcas da
pessoa que o antecede, por isso, os falantes no flexionam essas palavras como: meninamos,
gatou ou mesarei, flexes verbais, nem mesmo as crianas em processo de aquisio da
linguagem; evidncia de que h algo inato determinando esse conhecimento. J o grupo depalavras formado por brincamos, cantou ejogarei, apresenta a propriedade de indicar tempo e
de assumir formas variadas dependendo dos traos morfolgicos de seus sujeitos. Essas
marcas morfolgicas fornecem pistas para que o falante possa distinguir a categoria
gramatical de verbo, por exemplo. Outro critrio que nos fornece pistas da categoria
gramatical de um determinado item lexical a posio que ele ocupa na sentena. Voltaremos
a essas questes na Temtica II, na seqncia.
Os constituintes se combinam hierarquicamente para formar sentenas. Isso quer dizerque as sentenas se organizam em constituintes que, por sua vez, so formados de outros
constituintes. Vamos analisar o exemplo em (15), a seguir:
(15) Os meninos fizeram uma tremenda baguna
Sabemos que para formar essa sentena, primeiro, temos de juntar a palavra baguna
com tremenda formando o constituinte hierarquicamente superior [tremenda baguna] que se
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junta ao item lexical uma formando o constituinte hierarquicamente superior [uma tremenda
baguna]. Fazemos isso tambm com o vocbulo meninos que se junta a os formando o
constituinte [os meninos]. A forma verbal fizeram4 se junta ao constituinte [uma tremenda
baguna] formando um constituinte hierarquicamente superior [fizeram uma tremenda
baguna] que, por fim, se junta ao constituinte [os meninos] formando a sentena. A
combinao dos constituintes que formam a sentena em (15) est representada abaixo:
Os meninos fizeram uma tremenda baguna
Os meninos fizeram uma tremenda baguna
Os meninos fizeram uma tremenda baguna
uma tremenda baguna
tremenda baguna
Em resumo, as sentenas so formadas de constituintes, que se organizam em
categorias gramaticais, de acordo com suas propriedades gramaticais, ou seja, a partir das
caractersticas compartilhadas com outros constituintes. Os constituintes, para formar
sentenas, combinam-se de forma hierrquica. Como j dito, essa questo ser retomada nas
prximas unidades.
LEITURAS COMPLEMENTARES
MIOTO, Carlos; FIGUEIREDO SILVA, Maria Cristina; LOPES, Ruth. Novo Manual de
Sintaxe. Florianpolis: Insular, 2004 (captulo 1).
NEGRO, Esmeralda, SCHER, Ana Paula e VIOTTI, Evani de Carvalho. A competncialingstica. In: FIORIN, Jos Luiz (org.) Introduo Lingstica II: Princpios de anlise.
So Paulo: Editora Contexto, 2002.
RAPOSO, Eduardo Paiva. Teoria da gramtica. A faculdade da linguagem. 2. ed. Lisboa:
Editorial Caminho, 1992 (captulo 1).
4
Observe que a forma verbalfizeram poderia se desmembrar morfologicamente (radical+desinncias).
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Temtica II OS SINTAGMAS
Voc j parou para observar os vocbulos que compem as diversas lnguas
particulares como a LIBRAS, o portugus, o ingls, o japons etc?. Num primeiro momento,
uma coisa certa: conseguimos em todas as lnguas particulares dividir os vocbulos em (no
mnimo) dois grandes grupos5 - os Nomes e os Verbos. Uma outra grande questo que se
coloca : por que precisamos dividir os vocbulos de uma lngua e classific-los? E o que
muito interessante numa possvel classificao que dispomos de diferentes classes de
vocbulos (o que chamaremos de tomos lingsticos) para, a partir de certa criatividade,
gerar um nmero infinito de sentenas nas mais variadas lnguas naturais.
importante lembrar que, de acordo com discusso nas Unidades 1 e 2, fazer sintaxe recursivamente juntar elementos, constituintes, sintagmas, em busca de unidades maiores,
mais complexas e elaboradas, portanto. No processo de juno, a noo de hierarquia
fundamental tendo em vista que para fazer sintaxe no juntamos aleatoriamente os elementos.
Voc certamente nunca entrou em contato com uma sentena como (16), a seguir. No entanto,
consegue atribuir um significado sentena. Um dos motivos pelos quais isso possvel que
conseguimos decompor a sentena em (16) em constituintes menores: [uma aranha
vermelha]; [avanou]; [o sinal azul na Avenida Beira Mar] . Ou ainda: [uma aranha];[aranha]...
O que fizemos num primeiro momento foi dividir a sentena em sintagmas (nominais
e verbais); depois dividir os sintagmas (no caso um nominal) em constituintes menores (os
tomos lingsticos) artigo, nome, adjetivo.
(16) Uma aranha vermelha avanou o sinal azul na Avenida Beira Mar em Florianpolis
Est claro para voc o que um constituinte? Olhemos mais de perto para esta noo.
Podemos dizer que um constituinte uma unidade sinttica construda hierarquicamente.
Nesse sentido, um sintagma se constitui a partir de relaes (hierrquicas) e se pensarmos
nestas relaes a partir dos diferentes vocbulos que constituem uma sentena como (16), por
exemplo, observamos que nos trs sintagmas elencados acima todas as demais palavras esto
relacionadas ora a um nome [aranha]/[sinal] e ora a um verbo [avanar]. Observamos, ento,
5
Observe que esta classificao dos vocbulos formais das lnguas foi proposta j por Aristteles.
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que todo constituinte se constri a partir de um ncleo. Este ncleo, por sua vez, pode ser
lexical ou funcional.
Nas Unidades 3 e 4, a seguir vamos olhar, mais detalhadamente, para algumas das
caractersticas das categorias ou ncleos lexicais, especialmente aquelas atreladas aos
nomes, aos verbos, aos adjetivos e s preposies, e das categorias funcionais (ou
gramaticais).
Unidade 3. Categorias lexicais
Vamos retomar a discusso a respeito dos nomes e verbos. Observando os itens
lexicais de uma lngua, como o portugus ou LIBRAS, por exemplo, percebemos que taisitens podem (de acordo com critrios morfolgicos, distribucionais e semnticos) ser
classificados num nmero finito de categorias lexicais. O que parece ser uma propriedade
universal nas mais variadas lnguas naturais a diviso das palavras (ou do lxico, num uso
mais tcnico do termo) a partir dos traos verbais e nominais. Podemos, pois, com base nesses
dois traos (verbal e nominal) descrever quatro (grandes) categorias lexicais nas lnguas
naturais: aquelas que tm traos nominais, mas no tm traos verbais: os NOMES; aquelas
que tm traos nominais e traos verbais: os ADJETIVOS; aquelas que no tm traosnominais nem traos verbais: as PREPOSIES; e aquelas que no tm traos nominais e
tm traos verbais: os VERBOS. Pois bem, temos, como voc pode perceber,quatro ncleos
lexicais que esto representados no quadro 1 abaixo6:
QUADRO 1. Ncleos lexicais
[+N] [-N]
[-V] NOME PREPOSIO[+V] ADJETIVO VERBO
Diramos que os traos so, de fato, os melhores amigos dos lingistas, ou daqueles
que se interessam por descrever e explicar os (diversos) fenmenos atrelados s lnguas
naturais. Sobre os traos verbais e nominais, em especfico, e considerando algumas
6 Para uma discusso mais detalhada a respeito deste assunto, sugerimos a leitura dos captulos I e II de Mioto,
Figueiredo Silva e Lopes (2004).
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propriedades (i) morfolgicas, (ii) distribucionais e (iii) semnticas dos itens lexicais que
compem o lxico das lnguas naturais, busquemos compreender as caractersticas das
categorias (ou ncleos) lexicais aqui estudadas: os nomes, os verbos, as preposies e os
adjetivos.
Mesmo sem reconhecer o item lexicalfedruxarem (17) e (18), como uma palavra do
portugus, conseguimos perceber algumas propriedades deste vocbulo tendo em vista os
critrios (i), (ii) e (iii) j por ns listados7. Em primeiro lugar, observamos na sentena em
(17) que o vocbulofedruxarapresenta uma morfologia particular que carrega tempo/modo
e pessoa/nmero nas flexes -v e -mos, respectivamente. Percebemos ainda que tal vocbulo
est distribucionalmente alocado numa determinada posio da estrutura, de modo que
preferencialmente tal posio parece ser aquela entre um agente aquele que faz a ao defedruxar e um objeto a coisa fedruxada, como em (17). A sentena (18) em que o
vocbulo fedruxaraparece numa posio final da estrutura no nos parece ser uma sentena
boa em portugus. Em terceiro lugar, percebemos que o item fedruxarest semanticamente
relacionado a outros constituintes [Maria e eu e o cabelo] , de modo que atribumos ao
primeiro constituinte [Maria e eu] um papel de agente e ao constituinte [o cabelo] um papel
de tema. Essa discusso ser retomada na Temtica III.
(17) A Maria e eufedruxavmos o cabelo
(18) ? A Maria e eu o cabelofedruxvamos8
(19) Fedruxar[A Maria; o cabelo]
Observamos que as propriedades morfolgicas, distribucionais e semnticas
depreendidas de um vocbulo desconhecido, como o item fedruxarem (17), numa estrutura
so aquelas compartilhadas por muitos outros vocbulos classificados como verbos emportugus. Mais especificamente, reconhecemos que o vocbulo em questo estabelece uma
relao entre os demais elementos que constituem a sentena, propriedade esta caracterstica
7 Percebemos ainda outros elementos como o fato de este vocbulo ser formado por uma seqncia de sons quese combinam em slabas com uma determinada seqncia CV/CCV/CVC, de acordo com o padro fonottico doportugus do Brasil, conforme voc viu na disciplina de Fontica e Fonologia.
8
O ponto de interrogao ? indica que a estrutura parece no ser uma sentena bem formada nessa lngua; nocaso apresentado em (18), por questes relacionadas com a ordem dos constituintes.
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dos verbos. Esse conhecimento no nos ensinado. Ele faz parte da nossa competncia
lingstica como falantes de portugus.
Observe agora o vocbulo apalaia nas sentenas em (20)-(23), a seguir. Voc
certamente nunca entrou em contato com esse vocbulo em portugus. No entanto,
observando as estruturas nas quais ele aparece e tendo em vista os critrios morfolgicos,
distribucionais e semnticos, conforme discutimos acima, voc capaz de classificar
(minimamente, ao menos) esse vocbulo na gramtica do portugus. Qual classificao voc
arriscaria?
(20) A apalaia est quebrada
(21) Asapalaias quase sempre quebram(22) As belasapalaias quase sempre quebram
(23) A Maria gosta de apalaias quebradas
Vejamos. A comear pela morfologia depreendida a partir da observao (sempre
numa relao de oposio) das sentenas (20) e (21), constatamos que a marca de plural se d
no vocbulo com o acrscimo do morfema -s. E, ainda, ao pluralizarmos o item lexical
apalaia, acrescentamos tambm uma marca de plural, estabelecendo uma relao deconcordncia, no artigo a, que antecede o item apalaia, cf. (21). Voc certamente identifica
que essa marca morfmica particular a muitas outras palavras do portugus, tais como nos
vocbulos mesas, chinelos, cachorros etc. Tais vocbulos nomeiam o mundo (em que
vivemos e at mesmo aqueles que idealizamos ou inventamos). Reconhecidamente apalaia,
nesse contexto, nomeia algo que nem mesmo sabemos do que se trata, mas sabemos
certamente que esse vocbulo est de fato nomeando uma substncia nas sentenas listadas
acima.Ainda dentro do Sintagma Nominal das sentenas em questo, identificamos que a
posio estrutural em que o vocbulo apalaia aparece possui determinadas propriedades
bastante especficas. Em todas as posies, no entanto, apalaia o ncleo do sintagma
nominal. E mais: de acordo com o arranjo sinttico (ou com a formao composicional) em
(21), observamos que o item lexical apalaia (seja l qual substncia tal coisa nomeie no
mundo) possui algumas propriedades semnticas, como a de ser quebrvel, por exemplo.
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Em linhas gerais, estamos diante de um vocbulo que nomeia uma determinada
substncia, cujas propriedades nos conduzem a classific-lo como um nome na gramtica do
portugus. Observe que essa classificao depreendida somente a partir das propriedades
morfolgicas, distribucionais (ou sintticas) e semnticas que tal item estabelece na relao
com os demais vocbulos numa determinada estrutura. Essas propriedades, como j
destacamos, fazem parte da gramtica da lngua adquirida.
Vimos at aqui, com exemplos do portugus, as propriedades de duas (grandes)
classes de vocbulos que constituem as diversas lnguas naturais: os nomes e os verbos.
importante observar que os nomes esto sempre associados a substncias enquanto os verbos
a relaes. Como vimos nos exemplos acima, de um lado, reconhecemos em fedruxaruma
relao entre os constituintes de uma determinada sentena e que atravs desta relao quecaracterizamos (e classificamos) este item lexical como um verbo. De outro lado, mesmo no
reconhecendo o vocbulo apalaia como um item lexical do portugus, atribumos a ele uma
substncia o que o caracteriza (ou classifica) como um nome. Observe os exemplos a seguir.
(24) A Maria colocou o livro sobre a mesa [em cima; abaixo; sobre a]
(25) *A Maria colocou o livro mesa
Num primeiro momento bastante tranqilo reconhecer o verbo colocou, tendo em
vista a relao que este item estabelece com os demais itens da estrutura (colocar[Maria; o
livro; a mesa]) em (24). Reconhecemos ainda que os itens relacionados ao verbo so
substncias e, por tal motivo, os reconhecemos como nomes (substantivos) nas sentenas (24)
e (25). Nesse contexto, o que voc diria acerca do item lexical sobre na sentena (24)?
Observe a sentena (25) em que o item sobre no est presente.
Podemos constatar que o que garante a realizao do vocbulo mesa na sentena (24) a preposio sobre[em cima; abaixo; sobre a]. Nesse caso, a preposio que seleciona o
item mesa. Observe na sentena (26), a seguir, que o item lexical sobre possui algumas
restries de seleo. Ele no pode selecionar um item como amor, por exemplo, como
evidencia a estrutura a seguir.
(26) ?A Maria colocou o livro sobre o amor
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Itens lexicais como sobre [em cima; abaixo; sobre a] so classificados como
preposies tendo em vista que tais itens estabelecem relaes entre substncias e so ncleos
lexicais porque selecionam determinados elementos (ou constituintes) com base em
propriedades distribucionais e semnticas.
As preposies so marcadas pelos valores negativos [-Verbais; -Nominais] por no
apresentarem traos nominais de gnero e de nmero, nem traos verbais de tempo, modo e
pessoa. Os vocbulos com essas propriedades formam uma classe fechada nas gramticas das
lnguas, resistindo formao de novos itens e no se derivam produtivamente a partir de um
radical que d origem a vocbulos de outras classes.
Observe agora o item fininha nas sentenas (27)-(29), a seguir. Voc reconhece nele
uma relao? Certamente no. A relao entre os itens das sentenas estabelecida pelo itemcortou (cortar [Maria; a cebola]). Reconhece ento no item fininha uma substncia?
Tambm no. Reconhecemos emMaria e cebola tal propriedade, conforme delineamos acima
para o item apalaia.
Valendo-nos das propriedades (i) morfolgicas, (ii) distribucionais e (iii) semnticas
vamos delinear as caractersticas do itemfininha nas sentenas a seguir.
(27) A Maria cortou a cebolafininha(28) A Maria cortou as cebolasfininhas
(29) A Maria cortoufininha a cebola
Em primeiro lugar, observamos que o item lexical fininha entra numa relao de
concordncia de gnero e de nmero com o item cebola em (27) [cebola fininha
feminino/singular] e em (28) [cebolas fininhas feminino/plural]. Percebemos essa relao
devido marca morfolgica nos itens em questo. Voc pode perceber que nessas sentenas oitem lexical fininha est, de algum modo, relacionado ao item cebola. Em segundo lugar,
podemos salientar que os itens cebola(s) e fininha(s) nas sentenas (27) e (28) estabelecem
uma relao semntica entre si. Nesse contexto, so as cebolas que a Maria cortou que tm a
propriedade e/ou caracterstica de serem fininhas (e no as de serem grossas, por oposio).
Em outras palavras, percebemos que fininha a propriedade da cebola cortada pela Maria.
H, pois, uma relao entre os itens cebola efininha.
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Uma terceira questo a ordem do itemfininha em relao ao item cebola na estrutura
da sentena. Observe que na estrutura (29) o item lexical fininha precede o item cebola. A
relao semntica estabelecida agora entre os itens fininha e cortou, ou seja, fininha a
qualidade dos cortes que a Maria fez na cebola. Neste caso, o item lexical fininha est
qualificando, de algum modo, o evento de cortar executado pela Maria e no a qualidade
(fininha ou grossa) da cebola.
Observe os exemplos em (30) e (31), a seguir.
(30) Maria cortou a(s) cebola(s) fininho
(31) Maria cortou fininho a(s) cebola(s)
Podemos constatar que itens lexicais como fininho na gramtica das lnguas naturais
podem a depender de propriedades morfolgicas, distribucionais e semnticas se relacionar a
nomes (substncias), adjetivando-os (qualificando-os), ou a verbos (relaes) caracterizando a
relao por eles estabelecida. No somente os critrios distribucionais caracterizam o item
fininho como estando relacionado ao verbo. Em (30), por exemplo, ele est numa posio
privilegiada para o adjetivo no portugus, ou seja, aps o substantivo, mas a morfologia de
masculino singular estabelece a relao desse item como o evento (de cortar a cebola)realizado pela Maria.
Sumarizando as questes discutidas nessa Unidade 3, as categorias ou ncleos lexicais
possuem a propriedade de selecionar elementos tendo em vista determinadas caractersticas
(morfolgicas, distribucionais e semnticas) na derivao de objetos sintticos. A partir de
apenas dois traos distintivos, portanto, os ncleos lexicais podem ser classificados em
verbais [+V; -N], nominais [-V; +N], adjetivais [+V; +N] e preposicionais [-V; -N].
Unidade 4. Categorias gramaticais (ou funcionais)
Vimos, na unidade 3, que os ncleos lexicais nos permitem fazer sintaxe, ou seja,
juntar elementos recursivamente para formar constituintes maiores, mais complexos, portanto.
Nossa competncia lingstica, no entanto, dispe de um outro conhecimento para que
possamos fazer sintaxe: reconhecemos categorias gramaticais (ou funcionais) nos
constituintes complexos formados. Pensemos. Temos categorias lexicais (e dentre elas os
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ncleos nominais, verbais, preposicionais e adjetivais que se juntam, ou se combinam, na
sintaxe. Essa juntao ou combinao, por sua vez, guiada, tambm, por categorias
funcionais. Diramos que so as categorias funcionais que fazem a mquina da sintaxe
efetivamente funcionar; ou, ainda, que a sintaxe motivada pela manifestao dos traos das
categorias funcionais. Observe as sentenas a seguir.
(32) A Maria cortou/cortava o bolo/A Maria cortar o bolo
(33) A Maria vai cortar o bolo
(34) *A Maria cortar o bolo
(35) A Maria vai cortar o bolo amanh/hoje/agora/*ontem
De algum modo as lnguas naturais, ao combinar os elementos para formar
constituintes, precisam sinalizar (ou, em outras palavras, marcar) propriedades como Tempo,
Modo e Aspecto, por exemplo. No caso do portugus a marca de tempo e de modo tem que
vir necessariamente expressa no verbo da estrutura, isso faz com que a sentena (32) seja
agramatical (ou no possvel) na gramtica dessa lngua. O que interessante destacar que a
categoria tempo, aspecto e modo expressa no portugus, muitas vezes, na morfologia do
verbo principal como em (32) ou no verbo auxiliar como em (33), muito embora possamosainda marcar o tempo, modo (e aspecto) tambm com alguns advrbios, como em (35).
Alm dos traos flexionais9 de tempo, modo e aspecto, as lnguas naturais dispem,
ainda, de traos de nmero e de pessoa (nos itens verbais) e tambm de gnero (nos itens
nominais). Observe as sentenas a seguir.
(36) A Maria ganhou um presente
(37) A Maria e a Joana ganhariam um presente(38) Eu, a Maria e a Joana ganharemos um presente
Percebemos que as marcas morfolgicas sublinhadas nos verbos das estruturas
carregam traos de pessoa e nmero [ganhou 3 pessoa do singular; ganhariam 3
9 A distino entre morfologia flexional e morfologia derivacional foi trabalhada j no curso de morfologia. Casovoc tenha dificuldades em articular esses conceitos reler o Captulo 10 de Mattoso Cmara Jr. (1970) e o
Captulo 9 de Rocha (1998).
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pessoa do plural; ganharemos 3 pessoa do plural] e de tempo e modo [ganhou
pretrito perfeito do Indicativo; ganhariam futuro do pretrito do Indicativo; ganharemos
futuro do presente do Indicativo]. H, pois, uma sintaxe na formao quer da estrutura
morfolgica do verbo quer da sentena. Como podemos observar, no portugus a estrutura de
flexo do verbo se d a partir da raiz, da vogal temtica (se for o caso), do morfema de tempo
e modo e do morfema de nmero e pessoa. Retomando as sentenas listadas acima, no
podemos formar o item *ganhamosre ou *mosreganha, por exemplo.
Observamos, ainda, que h uma morfologia bastante especfica para os verbos na
gramtica do portugus, de modo que as regras que operam na gramtica dessa lngua no
permitem fazer sintaxe, ou juntar morfemas de tempo e modo ou de nmero e pessoa a itens
no verbais, como mostra a agramaticalidade de itens como *mesamos e *Mariaei, porexemplo.
Sem que nos tenham dito, somos capazes de saber que, no portugus, podemos juntar
o morfema -vel a um item lexical como surfe e formar [surfvel]; no entanto, nunca podemos
juntar esse morfema a um item como mesa para formar [*mesvel], por exemplo. Nossa
competncia lingstica como falantes de portugus nos permite depreender tal processo
(gramatical) de maneira bastante natural. Uma criana em fase de aquisio pode at
generalizar um processo gramatical de uma Lngua, e produzir um item como fazi tendo emvista que essa a marca morfolgica que designa a primeira pessoa do singular no pretrito
perfeito do indicativo de modo mais regular no portugus, em vocbulos como dormi,
comi, li, escrevi etc. Percebemos, todavia, que no podemos juntar determinados
morfemas a determinados vocbulos, de modo que h uma regra bastante clara que nos
permite juntar o morfema -vel a verbos e no a nomes, por exemplo.
Para ilustrar o que foi dito acima, observe algumas situaes descritas em Rocha
(1998), em que novas palavras foram criadas.
Situao 1: pai e filho passeiam pelo terreiro. De repente, o filho v uma formiga e pisa em
cima dela. Como ela permanece imvel, o filho afirma:
Pai, a formiga morreu!
Segundos depois, a formiga volta a andar e o filho exclama:
Pai, a formiga desmorreu!
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Situao 2: Perguntando sobre o que seria quando crescer, o mesmo filho da situao 1
respondeu:
Fabricador de carro!
Situao 3: Em seu conhecido programa de televiso, o entrevistador J Soares, aps saber
que determinado integrante de uma banda tinha o costume de colocar apelido em todo
mundo, exclamou:
Ah, esse o apelidador da turma!
(ROCHA 1998, p. 21)
Em resumo, os constituintes ou ncleos funcionais possuem a propriedade deselecionar argumentos. Esses ncleos esto associados a funes gramaticais (como a de
carregar traos de tempo, aspecto, modo e de pessoa, nmero) nas lnguas naturais.
LEITURAS COMPLEMENTARES
MATEUS, Maria Helena Mira; BRITO, Ana Maria; DUARTE, Ins & FARIA, Isabel Hub
(2003). Gramtica da Lngua Portuguesa. 6 ed. Lisboa: Caminho. (Introduo e 1 Captulo)
MIOTO, Carlos; FIGUEIREDO SILVA, Maria Cristina; LOPES, Ruth. Novo Manual deSintaxe. Florianpolis: Insular, 2004 (captulo 1).
NEGRO, Esmeralda, SCHER, Ana Paula e VIOTTI, Evani de Carvalho. A competncia
lingstica. In: FIORIN, Jos Luiz (org.) Introduo Lingstica II: Princpios de anlise.
So Paulo: Editora Contexto, 2002.
RAPOSO, Eduardo Paiva. Teoria da gramtica. A faculdade da linguagem. 2. ed. Lisboa:
Editorial Caminho, 1992 (captulo 1).
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Temtica III - PREDICADOS E ARGUMENTOS
Como vocs viram na disciplinaIntroduo aos Estudos Lingsticos e na Temtica I
deste Curso, a Sintaxe se ocupa de estudar as propriedades de combinao de certas
expresses lingsticas. Essas propriedades determinam a construo e a estruturao das
sentenas de uma determinada lngua. Para a construo de uma sentena acessamos,
primeiramente, nosso lxico mental, isto , o conjunto de elementos que temos em nossas
mentes/crebro. Esses elementos se combinam formando constituintes e esses se organizam
em unidades maiores formando as sentenas. As sentenas so como pequenas cenas que
usamos em diferentes situaes para a expresso do pensamento.
importante considerar que essas pequenas cenas se organizam, principalmente,com aquilo que o lxico mental dispe. Ele possui, por exemplo, informaes categoriais
sobre as palavras que contm. Essas palavras j vm com informaes relevantes a respeito da
categoria a que pertencem (verbo, nome, adjetivo, por exemplo, como vimos na unidade 3),
das possibilidades de aparecerem como ncleos das sentenas e das restries impostas aos
elementos que se relacionam com eles. Passaremos a chamar aqui esses ncleos de
predicados10 e aos elementos selecionados por eles de argumentos para usar a terminologia
conhecida na teoria gerativa, que pode ser assim definida, segundo Negro et al (2003, p.100):
Predicados so itens capazes de impor condies sobre os elementos que com elescompem o constituinte do qual so ncleos (ncleos lexicais); so, portanto, itens que
possuem a capacidade de selecionar elementos.
Argumentos so itens que satisfazem as exigncias de combinao dos predicados, ou ,em outras palavras, so elementos selecionados pelo predicado.
a respeito dessas pequenas cenas que vamos tratar nesta unidade, com ateno
especial a formao das sentenas, bem como as exigncias sintticas dos predicados. Antes,
porm, vamos mostrar como se constroem as representaes das sentenas em rvores.
10 importante ressaltar aqui que a noo de predicado no corresponde noo de que faz uso a gramticanormativa. Para a teoria gerativa, alm do verbo, todas as categorias como nomes, adjetivos, advrbios epreposies tambm podem ser consideradas predicados (ou ncleos lexicais). Esse termo foi cunhado da lgicaclssica.
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Unidade 5: Exigncia sinttica dos argumentos
Como j vimos, na teoria Gerativa afirma-se que todas as lnguas humanas dispem de
um sistema modular inato, a Faculdade da Linguagem, formado por categorias, que so
determinadas por Princpios e Parmetros. Vimos tambm que os princpios gramaticais
universais so invariantes nas lnguas naturais e determinam a natureza e a aquisio da
estrutura gramatical. Embora haja princpios universais que determinam as linhas gerais da
estrutura gramatical, h tambm aspectos particulares dela que esto sujeitos variao entre
as lnguas particulares, os parmetros. Na medida em que os parmetros vo se fixando, as
gramticas das lnguas particulares vo se constituindo.
Vamos agora trazer um novo conceito para discutir com voc nesta unidade, a respeitoda descrio abstrata que a teoria gerativa faz das sentenas de uma lngua, o esquema X-
barra (X). Postula-se que as categorias (determinadas por Princpios e Parmetros) se
submetem ao esquema X-barra. Esse esquema o mdulo da gramtica que permite
representar a natureza de um constituinte, as relaes que se estabelecem dentro dele e o
modo como se hierarquizam para formar as sentenas. Configura-se como um esquema geral
capaz de projetar uma estrutura frasal com as principais categorias lexicais e funcionais11, no
qual aparecem distribudas as posies de ncleo, especificador e complemento. Essasposies podem ser visualizadas em forma de rvore (estrutura arbrea) e esto assim
representadas:
(39) XP
/ \
YP X
/ \Xo ZP
Como j sabemos, todo constituinte se constri a partir de um ncleo. A varivel X do
esquema acima usada para representar qualquer ncleo, a partir do qual as relaes so
estabelecidas. Cada ncleo lexical/predicado (nome, verbo, adjetivo e preposio) pode
11
Sugerimos que voc retome as discusses a respeito das categorias lexicais e funcionais que foramapresentadas nas unidades 3 e 4 para entender melhor essa discusso.
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projetar uma posio de especificador (YP) e uma posio destinada aos complementos
(ZP), visualizada em (40).
(40) XP
/ \
Spec X
/ \
Xo Compl
Da mesma forma que as categorias lexicais, as categorias funcionais projetam as
posies de especificador e complemento, obedecendo mesma estrutura hierrquicailustrada acima. Vale lembrar que, enquanto os ncleos lexicais interessa-nos aqui em
particular o verbo tm a capacidade de selecionar semanticamente seus argumentos, os
ncleos funcionais, como, por exemplo, a flexo (INFL), codificam certas propriedades
gramaticais que definem se uma sentena finita ou infinitiva. Consideremos agora uma
sentena sem tempo (isto , sem flexo), como [Joo comprar um carro] representada na
estrutura arbrea (41)
(41) VP
/ \
SN V
Joo / \
Vo SN
comprar um carro
Para falar da posio hierrquica (estrutural) que os argumentos ocupam na sentena,
vamos reconhecer duas reas, a rea direita, composta de sintagmas que seguem o ncleo e a
rea esquerda, composta de sintagmas que o precedem. Em (41), a sentena [Joo comprar um
carro] est representada na Estrutura Profunda (EP)12. O item lexical comprar(ou predicado)
est na posio de ncleo da sentena e se relaciona com dois argumentos, um sua direita
12 Voc tambm poder encontrar o termo EP, em textos da rea, representado pela sigla DS, do ingls Deep
Structure. Estrutura Profunda (EP) considerada na teoria gerativa (no modelo de Regncia e Ligao) um nvelde representao de base de uma sentena, antes de qualquer movimento de constituintes.
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(relao simtrica) e outro sua esquerda (relao assimtrica). O ncleo subcategoriza o
complemento (o argumento interno), mantendo uma relao de irmandade (de irmos mesmo)
com ele, uma vez que ambos so imediatamente dominados por V, como podemos observar
na representao arbrea (41), comprare um carro esto dominados pelo mesmo elemento,
V. J o argumento externo no subcategorizado pelo ncleo, mas selecionado, visto que a
relao entre os dois no de irmandade, e o especificador est mais alto que o verbo na
estrutura.
Vejamos agora o esquema arbreo relacionado aos ncleos funcionais. Da mesma
forma que os ncleos lexicais, os funcionais encabeam constituintes, mas tm funo
eminentemente gramatical. Como o esquema X-barra se aplica a qualquer constituinte lexical
ou funcional, I, nesse caso deve ser o ncleo do constituinte IP, representado em (42), comum complemento e uma posio de especificador.
(42) IP
/ \
spec I
/ \
Io
compl
Vejamos agora como ficaria a representao arbrea de uma sentena com tempo (isto
com flexo) como em [Joo comprou um carro].Esta sentena agora est representada em
Estrutura Superficial (ES)13, com uma projeo de VP e uma de IP. Vejamos.
13 Estrutura Superficial (ES) considerada neste modelo um nvel de representao de uma sentena que vai ser
interpretada fonologicamente por PF (como a estrutura pronunciada) e semanticamente por LF (qual o sentidoda sentena).
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(43) IP
/ \
spec I
Joo i / \
Io VP
comprou j / \
spec V
ti / \
Vo SN
tj um carro
Como podemos observar em (43), os movimentos esto representados da seguinte
forma: o constituinte movido ganha um ndice (subscrito), como em [Joo i] e [comprou j], e
no lugar do elemento movido vai aparecer um vestgio (t), do ingls trace, com o mesmo
ndice do elemento movido: ti e tj, respectivamente. De modo geral, podemos dizer que o
argumento externo Joo se alou para a posio de especificador do ncleo funcional (IP)
para requisitos de Caso nominativo14. E o argumento interno um carro, ou o objeto,
permanece na posio de complemento. Na verdade, o que se conhece como sujeito e comoobjeto resultado de uma configurao estrutural, de forma que, nessa relao, objeto direto
o constituinte que ocupa a posio de complemento do verbo e sujeito o constituinte que
ocupa a posio de especificador de IP.
Como a posio de sujeito tratada de agora em diante como posio de especificador
de IP - obrigatria (constitui um dos Princpios das lnguas naturais), mesmo que um verbo
no selecione um argumento externo, ela vai ser ocupada, na ES, ou por um argumento
interno, movido da posio em que recebe papel temtico, ou por um pronome expletivo (isto, pronome sem significado referencial, como itdo ingls em sentenas como em It rains). O
movimento de um argumento para a posio de especificador de IP legitimado por questes
de Caso. Vejamos como seria representada uma sentena como [O carro chegou].
14 A noo de Caso nominativo est ligada atribuio de Caso abstrato, pelo ncleo funcional I, ao argumento
que vai para a posio de especificador de IP, dando a este argumento estatuto de sujeito. Essa discusso serretomada nesta mesma unidade.
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(44) IP
/ \
spec I
o carro i / \
Io VP
chegou j \
V
/ \
Vo SN
tj ti
O sintagma nominal o carro se move da posio de complemento do verbo chegar
para a posio de especificador de IP, passando a concordar com o verbo chegar. Note-se que
o carro s vai para a posio de sujeito (posio de especificador de IP) porque nesta sentena
no h argumento externo, diferentemente do que acontece em (43).
Antes de discutir as questes de Caso, em uma lngua como o portugus, vale lembrar
que a teoria gerativa prev que a Faculdade da Linguagem (FL) deve conter um mecanismo
que desloca sintagmas de sua posio de base (aquela posio em que ele foi gerado, EP) paraaloc-los em outras posies na sentena15. bastante comum, nas lnguas, que os verbos se
desloquem de sua posio de base para o ncleo da flexo (I), a fim de se completarem
morfologicamente. Esse movimento deve acontecer de ncleo a ncleo, obedecendo, assim, a
restrio de movimento nuclear (Head Movement Constraint).
Costuma-se dizer, na teoria gerativa, que as condies de boa formao de uma
sentena esto diretamente ligadas atribuio de Caso e de papel temtico16 para os
sintagmas nominais. Os sintagmas que aparecem/so realizados como sujeitos das sentenas,por exemplo, devem receber Caso nominativo da flexo. Nesse contexto da flexo, o verbo se
movimenta para I para amalgamar sua flexo e o sintagma nominal se movimenta para
receber Caso nominativo de I, deixando um vestgio em sua posio de base, com o qual
forma uma cadeia: a cadeia por movimento. O movimento do sintagma nominal realiza-se de
uma posio temtica () e no Casual (no-K) para uma posio no-temtica (no-) e
15 Tal mecanismo conhecido na Teoria Gerativa como mova .
16 Papel temtico ser discutido na unidade 7.
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Casual (K). A esse conjunto de posies no-temtica e temtica de um mesmo sintagma
nominal d-se o nome de cadeia, representada aqui em (45).
(45) [ SN, t ]
no-
K no-K
Vale lembrar que a marcao casual dos sintagmas nominais um fenmeno universal
nas lnguas naturais e no apenas uma propriedade das lnguas que possuem marcas casuais
morfolgicas. A diferena entre as lnguas a forma como essa marcao se expressa: nas
lnguas que tm marcao morfolgica de Caso, ele se expressa concretamente (como era o
caso do latim, por exemplo); e nas que no manifestam marcao nos morfemas, ele se
expressa abstratamente (como o caso do portugus e de LIBRAS), da a noo de Caso
abstrato na sintaxe. O modelo, com o qual trabalhamos, prev que todos os sintagmas
nominais foneticamente realizados manifestem um Caso, do contrrio, so excludos pela
gramtica. Vejamos em que direo.
Do ponto de vista deste modelo, a atribuio casual a um sintagma nominal feita sob
regncia ou concordncia especificador/ncleo do sintagma pela categoria que lhe atribuiCaso. O Caso pode ser atribudo pela flexo (Caso nominativo), pelo verbo (Caso acusativo) e
pela preposio (Caso oblquo). O Caso nominativo manifesta-se em um sintagma nominal na
posio de especificadorde IP; o Caso acusativo manifesta-se na posio de um complemento
de um verbo transitivo e o Caso oblquo manifesta-se na posio de um complemento de uma
preposio.
Enfim, h restries semnticas e sintticas de combinao de verbos e possveis
sintagmas com determinados papis temticos e Caso17
. Para a nossa discusso, nessemomento, basta salientar que o Caso nominativo atribudo a sintagmas que figuram como o
sujeito da sentena e Caso acusativo para sintagmas que figuram como objeto da sentena.
Caso nominativo est diretamente relacionado, no portugus, marcao da concordncia
sujeito-verbo e Caso acusativo no-marcao da concordncia e possibilidades de se
17 Vamos discutir aqui Caso abstrato rapidamente, mas se voc quiser saber mais detalhes, consulte Mioto et al.
(2004).
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cliticizar o objeto, ou seja, possibilidade de alternar o sintagma nominal por um cltico18. Os
exemplos em (46) ilustram essas propriedades.
(46) a. A Maria comprou um carro velho
b. A Maria comprou-o velho (o= um carro)
Em (46a), a flexo do verbo comprou atribui Caso nominativo para o sintagmaA Maria e em
(46b) o verbo comprar atribui caso acusativo para um carro.
O portugus uma lngua em que os sintagmas nominais no so marcados morfologicamente
por Caso (a marcao abstrata). Entretanto, resduos de marcas casuais podem ser
observados no sistema dos pronomes pessoais: eu a forma do Caso nominativo, me aforma do Caso acusativo e mim a forma do Caso oblquo, como podemos observar nas
sentenas em (47).
(47) a. Eu vi a Maria
b. A Maria me viu
c. A Maria deu um livro para mim
O fato de os pronomes ainda manifestarem Caso explcito, pode servir como evidncia de que
existe marcao de caso no portugus.
Pois bem. Voc deve ter observado que at agora mostramos, de maneira bem sucinta,
como se constroem as representaes das sentenas em rvores nos nveis EP e ES, utilizando
a teoria X-barra. Mostramos tambm a relao dos ncleos lexicais e funcionais com os
constituintes que ocupam a posio de complemento e de especificador para a composio da
estrutura interna das sentenas. Voc achou essa discusso muito abstrata? No se preocupe,vamos discutir a seguir as imposies sintticas dos predicados para a boa formao de uma
sentena, como se fossem pequenas cenas com exemplos do portugus.
Primeiramente, para tratar das exigncias sintticas de formao das sentenas, vamos
retomar aqui a discusso feita na Temtica II19 a respeito das diferenas entre verbo e nome.
18 Por cltico entende-se um elemento fonologicamente dependente do verbo.
19
Seria importante que voc retomasse as unidades 3 e 4, referentes a categorias lexicais e funcionais, antesdessa discusso.
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Verbos e nomes tm distribuio diferente nas lnguas, como voc pode facilmente constatar
nos exemplos abaixo:
(48) a Joo comprou um carro na semana passada.
b *Joo a compra um carro na semana passada.
(49) a. A compra do carro foi feita na semana passada.
b. *A comprou do carro foi feita na semana passada.
As sentenas (48) e (49) descrevem uma cena de compra de um carro. Em (48a) o
verbo comprar estabelece um evento de compra entre os sintagmas nominais Joo e umcarro. O verbo comprar o predicado da sentena, por exigir a presena de dois participantes
para comporem a cena. Os itens selecionados (ou impostos) so chamados de argumentos;
como se o verbo possusse lacunas que deveriam ser preenchidas por argumentos. Essas
lacunas so chamadas de lugares. No exemplo (48a), os sintagmas Joo e um carro so
argumentos do predicado comprar. O lugar do argumento Joo e o lugar do argumento um
carro so imposies sintticas do predicado comprar, um verbo de dois lugares. O que
equivale a dizer que impossvel montar uma sentena com o verbo comprar sem colocardois sintagmas do tipoJoo, um comprador, e um carro, a coisa comprada.
Quanto aos constituintes comprar e compra (exemplos 48 e 49, respectivamente), o
importante aqui notar que os dois elementos figuram como ncleos, e no so
substancialmente diferentes; ambos exigem, pelo menos, um argumento que indique o objeto
comprado (um carro). J na semana passada, por sua vez, no faz parte da estrutura
argumental do verbo, nem do nome. A falta desse constituinte no torna a sentena
agramatical, como em (50).
(50) Joo comprou um carro
Entretanto, a falta de um dos dois argumentos selecionados pelo verbo, como em (51), torna a
sentena agramatical/impossvel.
(51) a *Joo comprou.
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b *Comprou um carro
Vale lembrar aqui que (51) s seria possvel se os argumentos um carro e Jooestivessem
implcitos.
Considere agora os exemplos em (52), abaixo:
(52) a. Joo deu um carro para sua namorada
b. O carro chegou
Na sentena (52a), o predicado dar precisa de trs argumentos para se combinar com
ele, representados aqui pelos participantes: um carro,sua namorada e Joo. O que significadizer que um verbo de trs lugares. A falta de qualquer um dos trs argumentos torna a
sentena agramatical. J em (52b), o predicado chegar impe a necessidade apenas de um
argumento, o carro, por isso considerado um verbo de um lugar. Mas, novamente, a falta
desse nico argumento tambm torna a sentena agramatical.
Enfim, nas cenas apresentadas nos exemplos (48) e (52), os verbos comprar, dar e
chegar vo ser considerados ncleos (tambm denominados predicados), j que esses termos
so responsveis por todas as exigncias impostas aos argumentos das sentenas. So eles quevo impor o nmero de argumentos (dois, trs ou um, respectivamente) a ser selecionado.
Verbos de dois lugares tambm so conhecidos como verbos transitivos/biargumentais,
verbos de trs lugares so conhecidos como verbos bitransitivos/triargumentais e verbos de
um lugar, como verbos monoargumentais.
Os argumentos selecionados por um verbo de dois argumentos como comprar so de
duas naturezas: externos e internos. H pelo menos duas grandes relaes que precisam ser
construdas com esses tipos de verbos:(i) a relao que se estabelece entre o ncleo e seu complemento, formando osintagma verbal (SV);
(ii) a relao que se estabelece entre o SV e o argumento externo, completando apequena cena (ou a sentena).
Nesse momento vocs poderiam nos fazer as seguintes perguntas:
Como os argumentos de comprarse juntam ao verbo?
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Ser que o fazem ao mesmo tempo?
Evidncias sintticas nos mostram que, numa construo transitiva, o argumento
interno que se junta primeiramente ao verbo, ocupando a posio de complemento. O ncleo e
o complemento, juntos, vo impor restries ao segundo argumento denominado externo. A
posio ocupada pelo argumento externo chamada de especificador. Nesse caso, dizemos
que argumento interno ocupa a posio de complemento e argumento externo ocupa a posio
de especificador.
De modo geral, podemos dizer que so internos os argumentos que figuram como
objetos e externos os argumentos que figuram como sujeitos das sentenas. Na verdade, o que
se conhece como sujeito e como objeto resultado de uma configurao estrutural. Objetodireto o constituinte que ocupa a posio de complemento do verbo e sujeito o constituinte
que ocupa a posio de especificador. Alm disso, importante ressaltar que o ncleo se
relaciona assimetricamente com o especificador e simetricamente com seu complemento (cf.
esquema X-barra). Vamos discutir um pouco agora essa simetria/assimetria. Consideremos
para tanto outras cenas, como em (53):
(53) a. Joo quebrou a perna na ltima semanab. Joo quebrou o vaso na ltima semana
Em (53), parece claro que o predicado quebrar um verbo de dois lugares (seleciona
dois argumentos), entretanto, enquanto as restries impostas para o argumento interno so
fornecidas pelo verbo, as exigncias/restries para o argumento externo necessariamente
precisam ser dadas pelo composto [verbo+argumento interno]. Evidncias sintticas nos
mostram que o argumento interno que se junta primeiramente ao verbo, formando osintagma verbal (SV). S depois que o SV vai impor restries ao outro argumento (o
externo). O papel que o argumento externo vai receber em (53) de ator ou de objeto afetado,
por exemplo, conseqncia direta do resultado da composio [quebrar a perna] ou
[quebrar o vaso]. Retomaremos esses exemplos na prxima seo, quando discutiremos as
exigncias semnticas dos predicadores.
Encontramos tambm vrios exemplos no portugus em que um verbo e o seu
argumento interno formam uma expresso idiomtica, excluindo o argumento externo, como
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em (54a) e (54c), mas parece que no encontramos tais expresses envolvendo um sujeito e
um verbo, sem o complemento, como a agramaticalidade de (54b) e de (54d) evidenciam.
(54) a. Quebrar a cara
b. *Ele quebrou
c. Bater as botas
d. *Ele bateu
Como podemos observar em (54), expresses idiomticas podem ser formadas apenas
por sintagmas verbais. Isso nos leva a concluir que o verbo e seu argumento interno, que
figuram como verbo e complemento, devem ter uma relao mais estreita (simtrica) do que overbo e seu argumento externo, ou seja, sujeito e verbo.
Consideremos agora o paradigma em (55).
(55) a. Joo quebrou o vaso
b. O vaso quebrou/O vaso quebrou-se20
c. O vaso foi quebrado (por Joo)
d.?? O Joo quebrou
Note-se que o argumento que se mantm nas estruturas em (55) o interno, o vaso. De
(55a) podemos derivar (55b) e (55c), relacionando o verbo quebrar a seu argumento interno,
mas no formamos (55d). Logo, parece que o argumento interno indispensvel para a
formao das sentenas.
Consideremos agora verbos de um lugar, como em (56), no que segue. As perguntas
que poderamos fazer so as seguintes:
Como explicar, ento, os verbos monoargumentais? O argumento selecionado por esse predicador interno ou externo?
20
Sugerimos que voc leia a dissertao de mestrado de Marco A. Martins (2005) sobre as construes deindeterminao com SE para entender melhor as sentenas ilustradas em (55b) com e sem SE.
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(56) a. Joo correu
b. Joo chegou/Chegou Joo
Muitos autores j mostraram que predicados como correr e predicados como chegar,
apesar de serem considerados verbos de um lugar, apresentam argumentos de natureza
diferente. Enquanto o verbo correr seleciona um argumento externo, o verbo chegar
seleciona um argumento interno. Essa distino est diretamente relacionada aos papis dos
participantes da cena (de agente e de tema, respectivamente) e aos traos impostos a cada um
dos argumentos, como em (57) e (58):
(57) a. Joo correu a corrida de So Silvestre
b. *A encomenda correu
(58) a. *Joo chegou a chegada triunfal
b. A encomenda chegou
Enquanto (57) permite um objeto cognato, mas no permite um argumento [-
animado]; (58) no permite cognato (pelo menos no irrestritamente) e admite argumento [-animado]. Essas diferenas podem nos levar a confirmar a existncia de duas classes de
verbos monoargumentais: a classe dos verbos intransitivos (j legitimada pela gramtica
tradicional) e a classe dos verbos inacusativos21
Esta distino entre as duas classes de monoargumentais, intransitivos e inacusativos,
pode ser explicada em termos de seleo de argumento: no primeiro caso, o argumento
selecionado externo e no segundo caso interno. Enquanto o primeiro verbo pode ser
potencialmente um transitivo (com a possibilidade de objeto cognato), o segundo no podegerar um objeto cognato, pois a posio do argumento interno j est ocupada. Se verbos
prototipicamente intransitivos seguem padres dos verbos transitivos, com a possibilidade de
projetar um argumento interno, na verdade poderamos dizer que eles so transitivos
potenciais.
Alm do nmero de argumentos definidos pelos itens lexicais (ncleos), que estamos
chamando aqui de predicados, h tipos de argumentos especficos para se combinar com os
21
Vamos trazer para reflexo na unidade 8 outros detalhes sobre os verbos inacusativos.
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ncleos. Como voc pode observar, os exemplos em (57) e (58) ilustram essa exigncia
quanto s (im)possibilidades de determinados verbos selecionarem argumentos [+animado]
e/ou [-animado]. No caso do verbo comprar, o predicado exige que um de seus argumentos
(o externo) seja capaz de fazer referncia a algum comprador, como os exemplos em (59),
abaixo, ilustram (retomados de (46)):
(59) a. Joo comprou um carro
b. *A mesa comprou um carro
Joo, em (59) marcado por traos semnticos [+animado] que o distingue de mesa [-
animado]. Dizemos, ento, que um verbo como comprar exige que seu argumento externoseja [+ animado].
Outros tipos de predicados tambm podem tomar argumentos. So os nomes, os
adjetivos e as preposies. Retomemos a sentena (49a), agora como (60) para a discusso
do nome como ncleo lexical.
(60) A compra do carro (pelo Joo) foi feita na semana passada.
Em (60), o nome compra derivado do verbo comprar e tambm estabelece um
evento de compra que impe restries a seus argumentos: o objeto da compra (o carro) e o
comprador (o Joo). Logo, o carro e o Joo so argumentos selecionados pelo nome
compra, um predicador de dois lugares( semelhana do verbo comprar).
Consideremos agora exemplos com adjetivos:
(61) a. Maria foi favorvel compra do carrob. Maria est feliz
c. Maria comprou um belo carro
Em (61) h trs adjetivos em questo. O adjetivo favorvel em (61a) um predicador
de dois lugares, que impe restries sobre os argumentos selecionados por ele, Maria e a
compra (argumentos externo e interno, respectivamente). Em (61b) o adjetivo feliz tambm
impe restries a seu argumento Maria. No poderamos dizer: A mesa est feliz, por
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exemplo. J em (61c) belo no figura como argumento, mas como adjunto, pois faz parte do
sintagma nominal [um belo carro]. O ncleo lexical em (61c) o verbo comprar. ele que
impe condies sobre os argumentosMaria e carro.
Alm de verbos, nomes e adjetivos que figuram como predicados, h tambm
preposies que no so s elementos relacionais (ou gramaticais), mas ncleos lexicais. Elas
tambm vo impor restries a seus argumentos. Vejamos os exemplos em (62):
(62) a. A compra do carro foi feita pelo Joo contra a vontade de Maria.
b. Joo viajou para So Paulo
A preposio contra em (62a) relaciona os argumentos Joo e a vontade de Maria.Pode ser considerada um predicado, pois impe restries sobre os argumentos por ele
selecionado: um externo (o Joo) e um interno (a vontade de Maria).
Para distinguirmos as preposies gramaticais (ou funcionais) das preposies que
figuram como ncleos lexicais (ou predicados), consideremos as preposies de e para dos
exemplos (62a) e (62b). Elas so de natureza diferente: enquanto a primeira meramente
relacional, contribui apenas para a combinao entre o nome compra e seu argumento o carro,
em [a compra do carro], a segunda indica direo, impe restries ao argumento So Paulo[para So Paulo], que necessariamente tem de ser um lugar (no poderamos dizer: *Joo
viajou paraa mesa).
Em sntese, verbos, nomes, adjetivos e preposies so predicados quando forem
ncleos lexicais, ou seja, quando figurarem como elementos que impem exigncias a seus
argumentos. Essas exigncias esto relacionadas ao nmero de argumentos selecionado, ao
tipo de argumento (interno ou externo), aos traos desses argumentos ([+animado] ou [-
animado]) e aos papis dos participantes da situao descrita. Na prxima unidade, vamosfalar desses papis.
Unidade 6. Papis temticos dos argumentos
Como j dito, uma das maneiras de entender as sentenas de uma lngua consiste em
imaginar que elas representam pequenas cenas. Nessas cenas, diferentes entidades
desempenham papis importantes e necessrios. Esses papis so, em geral, determinados
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pelo verbo e so mais ou menos fixos. Esses verbos, como j salientamos, so considerados
predicados e so, por sua vez, os responsveis pela seleo dos argumentos que com eles se
relacionam. Alm dos verbos, esses papis tambm podem ser determinados por outras
categorias lexicais, como nomes, adjetivos e preposies.
Imaginemos, agora, uma situao como a descrita na unidade 3, aqui retomada:
Situao 1: pai e filho passeiam pelo terreiro. De repente, o filho v uma formiga e pisa em
cima dela. Como ela permanece imvel, o filho afirma:
Pai, a formiga morreu!
Segundos depois, a formiga volta a andar e o filho exclama:
Pai, a formiga desmorreu!
Ao comentarmos essa situao para algum podemos descrev-la de vrias formas
diferentes dependendo daquilo que queremos evidenciar:
(63) a. Pai e filho passeiam pelo terreiro da casa.
b. O menino viu uma formiga
c. O menino pisou em cima da formigad. O menino matou a formiga
e. A formiga foi morta pelo menino.
f. A formiga morreu
g. A formiga desmorreu
As sentenas acima descrevem situaes22 diferentes. As situaes so descritas, de
modo geral, pelos verbos passear, ver, ter (existir), pisar, matar e desmorrer. A situao depassear (em (63a)) requer a presena de um participante, que no caso est representado pelo
pai e pelo filho (algum passeia), que o ator que desencadeia o processo de passear. A
situao de ver (em (63b)) envolve dois participantes: aquele que viu (o menino) e aquele que
visto (a formiga). Podemos dizer que no primeiro caso o constituinte O pai e o filho um
argumento do predicado passear e no segundo caso o menino e a formiga so dois
argumentos exigidos pelo verbo ver. Os exemplos (63d) e (63e) so diferentes formas de
22
Situao um termo geral para descrevermos atividades, eventos e estados.
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representao de uma pequena cena, cujo verbo matare cujos participantes so o menino e
uma formiga.
(64) a. O menino matou a formiga com o p
MATAR (o menino, a formiga)
b. A formiga foi morta (pelo menino) com o p.
SER MORTA (a formiga, o menino)
Ao descrevermos uma cena, vamos realar determinada situao e minimizar a
importncia de outra, dependendo do papel requerido pelos constituintes na sentena. Em
(64a), por exemplo, realamos o papel do ator da cena (o agente) e em (64b) realamos opapel do objeto afetado, a formiga. Podemos dizer, ento, que na primeira sentena o sujeito
desempenha o papel de agente e na segunda, o papel de paciente. Alm disso, o sintagma o
menino desempenha o mesmo papel nas duas pequenas cenas, o mesmo acontece com o
sintagma a formiga.
Se voltamos pequena cena descrita em (64), voc pode notar que o p o
instrumento usado para matar a formiga, mesmo no sendo argumento imposto pelo
predicado.Retomemos agora a sentena em (63b), retomada abaixo em (65). O verbo ver tambm um
verbo de dois lugares, mas o papel dos participantes agora no relativo a aes, mas ao
prprio ato de falar sobre experincias (processo perceptivo).
(65) O menino viu uma formiga
VER (o menino, uma formiga)
Neste caso, realamos o papel do experienciador, foi o menino que [viu a formiga]. E
a formiga continua sendo o objeto, mas nesse caso, um objeto neutro (no afetado), apenas
um tema.
Consideremos agora as sentenas (63a) e (63f), agora em (66) e (67).
(66) Pai e filho passeiam pelo terreiro de casa
PASSEAR (pai e filho)
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(67) A formiga morreu (ou a formiga desmorreu)
MORRER (a formiga)
Tanto passear como morrer (ou desmorrer) so verbos de um lugar, isto , requerem
a presena de apenas um argumento. Esse argumento, porm, apresenta papis diferentes: em
(66)pai e filho um argumento que desempenha o papel de agente e em (67) a formiga um
argumento tema. A expresso pelo terreiro de casa, em (66) no se caracteriza como
argumento, pois no exigido pelo verbo ( apenas um adjunto).
Poderamos acrescentar mesma situao descrita alguns detalhes a respeito da cena.
Vejamos:
(68) a. O terreiro da casa estava limpo
b. A formiguinha estava viva
c. O menino ficou feliz23
d. O menino gosta da formiguinha
Observemos os adjetivos limpo, viva e feliz das pequenas cenas descritas em (68).Nessas sentenas, a predicao est sendo feita pelos adjetivos, que expressam propriedades
atribudas a certos constituintes. Em (68) limpo uma propriedade atribuda ao terreiro, viva
uma propriedade atribuda formiguinha e feliz uma propriedade atribuda ao menino.
Essas sentenas expressam uma situao estativa, mas existe uma grande diferena entre as
sentenas em (68a, b, c), de um lado, e a sentena (68d), de outro. Enquanto (68d) envolve a
participao de dois argumentos impostos pelo predicado verbo gostar (como em (69a), a
seguir) as primeiras envolvem apenas um participante (o terreiro/a formiguinha/o menino). Osconstituintes que esto funcionando como predicados das primeiras sentenas so os
adjetivos, como ilustra (69b):
(69) a. O menino gosta da formiguinha.
GOSTAR (o menino, a formiguinha)
b. O menino ficou feliz.
23 Note-se que em (31b) o verbo que est em jogo na estrutura da sentena de ligao (ou cpula).
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FELIZ (o menino)
Em (69a), o verbo gostar impe ao argumento interno a formiguinha o papel de tema
(aquele que gostado) e ao argumento o menino o papel de experienciador (aquele que gosta).
J em (69b), o adjetivo feliz impe a menino o papel neutro de tema. Poderamos, ainda,
acrescentar situao descrita a seguinte cena:
(70) A destruio da formiga pelo menino foi uma iluso
DESTRUIO (a formiga, o menino)
Dentro da expresso a destruio da formiga pelo menino tambm existe uma relaode predicao, estabelecida desta vez pelo nome destruio. Destruio expressa uma
situao, que envolve dois participantes: a formiga e o menino. Mais uma vez estamos diante
de um predicador de dois lugares. O nome deverbal24 destruio toma como argumento a
formiga e o menino, o primeiro um objeto afetado e o segundo um