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Homem-bombaCarlos Machado

Em que pensa o homem-bomba no exato momento de soltar o pino e estancar o tempo? Em que pensa o homem-bomba na hora imensa em que o sangue se adensa e todos os sis, e todos os poros, e todas as luas do universo projetam foras vorazes de gravitao na explosiva nave de seu corao? Em que veia-cava o medo crava seus tentculos? Em qual infinitsimo de segundo a mo trmula avana para o pino e vence a inrcia do ser vivo que deseja permanecer semente, no de idias, mas de carne viva?Sobre o(a) autor(a): Carlos Machado, jornalista, nascido em Muritiba (BA) em 1951. Embora escreva poesia h longo tempo, indito em livro. Edita um boletim literrio semanal, poesia.net, distribudo por e-mail. Endereo na web: www.avepalavra.kit.net.

Fim

Mario de S-Carneiro Quando eu morrer, batam em latas, rompam aos saltos e aos pinotes, faam estalar no ar chicotes, chamem palhaos e acrobatas! Que o meu caixo v sobre um burro ajaezado andaluza... A um morto nada se recusa. Eu quero por fora ir de burro. Sobre o(a) autor(a): Mrio de S-Carneiro nasceu em Lisboa (1890-1916). Sua obra revela toda sua inadaptao ao mundo e a constante busca do seu prprio eu. Percebe-se bem suas idias de morte e suicdio, seu pessimismo e desespero. Manteve correspondncia intensa com Pessoa

XadrezRosrio Castellanos Porque ramos amigos e, talvez, para juntar outros interesses aos muitos que nos obrigvamos, decidimos jogar jogos de inteligncia. Pusemos um tabuleiro frente a ns, equitativo em peas, em valores e em possibilidades de movimentos. Aprendemos as regras, juramos respeit-las, e a partida teve incio.

Eis-nos aqui, h um sculo sentados, meditando encarniadamente em como dar a estocada ltima que aniquile inapelavelmente e para sempre...o outro!

Eu

Augusto dos Anjos E o ndio, adstrito tnica escria, tendo o horror no rosto impresso, recebeu o achincalhe do progresso, anulando-o da crtica da histria! De repente, acordando da desgraa, viu toda a podrido de sua raa na tumba de Iracema!... Ah! Tudo, como um lgubre ciclone, exercia sobre ele ao funesta. Desde o desbravamento da floresta ultrajante inveno do telefone!

Trecho de Gregrio de MattosGregrio de Mattos A cada canto um grande conselheiro, Que nos quer governar. No sabem governar sua cozinha, E podem governar o mundo inteiro. Em cada porta um bem freqente olheiro, Que a vida do vizinho e da vizinha Pesquisa, escuta e espreita , Para o levar praa e ao terreiro. Muitos mulatos desavergonhados, Trazidos sob os ps dos homens nobres, Posta nas palmas toda a picardia, Estupendas usuras nos mercados, Todos os que no furtam muito pobres E eis aqui a cidade da Bahia. Sobre o(a) autor(a): Gregrio de Mattos nasceu em Salvador (1636-1695). Morou 32 anos em Lisboa. Conhecido como "Boca do Inferno", este advogado, poeta e agitador cultural, retratou a vida relaxada e promscua na cidade de Salvador.

Triste BahiaGregrio de Mattos Triste Bahia! Ests e estou Pobre te vejo Rica te vi eu quo dessemelhante do nosso antigo estado! a ti, tu a mi empenhado, j, tu a mi abundante.

A ti trocou-te a mquina mercante, Que em tua larga barra tem entrado, A mim foi-me trocando, e tem trocado, Tanto negcio e tanto negociante. Deste em dar tanto acar excelente, Pelas drogas inteis, que abelhuda, Simples aceitas do sagaz Brichote. Oh se quisera Deus, que de repente, Um dia amanheceras to sisuda Que fra de algodo o teu capote.

Sobre o(a) autor(a): Gregrio de Mattos nasceu em Salvador (1636-1695). Morou 32 anos em Lisboa. Conhecido como "Boca do Inferno", este advogado, poeta e agitador cultural, retratou a vida relaxada e promscua na cidade de Salvador.

Texto de Lou Andreas-SalomLou Andreas-Salom Ouse, ouse... ouse tudo!! No tenha necessidade de nada! No tente adequar sua vida a modelos, nem queira voc mesmo ser um modelo para ningum. Acredite: a vida lhe dar poucos presentes. Se voc quer uma vida, aprenda ... a roub-la! Ouse, ouse tudo! Seja na vida o que voc , acontea o que acontecer. No defenda nenhum princpio, mas algo de bem mais maravilhoso: algo que est em ns e que queima como o fogo da vida!! Sobre o(a) autor(a): Lou Andreas-Salom (1861-1937) foi uma bela mulher que escandalizou a sociedade e quebrou regras morais. Teve vrios amantes. Conheceu Freud, Jung, Nietzsche, entre outros grandes homens. Mulher engajada e sensvel, tinha mito de sedutora.

Adaptao livre de Kafka e BorgesKafka / Borges A verdade tudo aquilo que o homem precisa para viver, no pode ganhar nem comprar dos outros. Todo homem deve produz-la sempre no seu ntimo, se no ele se arruna. Viver sem a verdade impossvel, mas no exagere o culto da verdade. No h um nico homem no mundo, que no tenha mentido muitas vezes e com razo.

Adaptao de pensamentos de Goethe e Paul ValryGoethe / Paul Valry

Do que adianta voc ter essa alma colada aos ossos, dessa carne errada. Sem o risco a vida no vale a pena. Se voc no quiser arriscar, no comece. Isso quer dizer: e se voc arriscar e perder namorada, esposa, filhos, emprego, a cabea e at a alma? Mas sempre melhor isso, do que olhar para todas essas outras pessoas que nunca acertam, porque nunca se propem ao risco.

Texto sobre a loucuraEdward Bond Ns no podemos falar nada sobre ns e a nossa poca, sem comearmos por definir a loucura. Como que se explica que ns sejamos seres dotados de razo, enquanto a nossa sociedade to ligada loucura? Como as pessoas que tem toda a sua razo podem agir como se estivessem loucas e acreditar nas idias loucas que a sociedade lhe impe? Ns podemos encontrar uma resposta com aqueles que perderam a razo. O que que os deixou loucos? As pessoas ficam assim quando no chegam a criar uma relao funcional e prtica com a sociedade e com a realidade. O que eles fazem? Eles criam uma sociedade que uma realidade para eles. Eles ficam loucos para no perder a sua razo.

A sua loucura a explicao que eles do para a loucura que eles encontram no mundo. Sobre o(a) autor(a): Edward Bond, nasceu em 1934 em Holloway, Londres. Renomado autor teatral.

Poema em linha retaFernando Pessoa Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos tm sido campees em tudo. E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, Indesculpavelmente sujo, Eu, que tantas vezes no tenho tido pacincia para tomar banho, Eu, que tantas vezes tenho sido ridculo, absurdo, Que tenho enrolado os ps publicamente nos tapetes das etiquetas, Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, Que tenho sofrido enxovalhos e calado, Que quando no tenho calado, tenho sido mais ridculo ainda; Eu, que tenho sido cmico s criadas de hotel, Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moos de fretes, Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar, Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado Para fora da possibilidade do soco; Eu, que tenho sofrido a angstia das pequenas coisas ridculas, Eu verifico que no tenho par nisto tudo neste mundo. Toda a gente que eu conheo e que fala comigo Nunca teve um ato ridculo, nunca sofreu enxovalho, Nunca foi seno prncipe - todos eles prncipes - na vida... Quem me dera ouvir de algum a voz humana Que confessasse no um pecado, mas uma infmia; Que contasse, no uma violncia, mas uma cobardia! No, so todos o Ideal, se os oio e me falam. Quem h neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? prncipes, meus irmos, Arre, estou farto de semideuses! Onde que h gente no mundo? Ento sou s eu que vil e errneo nesta terra? Podero as mulheres no os terem amado, Podem ter sido trados - mas ridculos nunca! E eu, que tenho sido ridculo sem ter sido trado, Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear? Eu, que venho sido vil, literalmente vil, Vil no sentido mesquinho e infame da vileza. Sobre o(a) autor(a): Fernando Pessoa (1888 - 1935) nasceu em Lisboa. Considerado um dos mais importantes poetas modernistas. Criou heternimos famosos como Alberto Caieiro, Ricardo Reis e lvaro Campos.

Rua

Mrio Quintana Nada to comovente como a realidade. O importante saber de onde saem essas pessoas.

A rua acaba, sendo uma espcie de sala de visitas, ou o quarto da pessoa. Executivos caminham... A melhor maneira de sentir os ps no cho, ter a imaginao desesperadamente livre. As pessoas precisam s da rua para caminhar nela. Algumas para viver nela. Sobre o(a) autor(a): Mrio Quintana (1906 - 1994) nasceu em Alegrete - RS. Pertencente segunda gerao do Modernismo, chamado de poeta das coisas simples, despreocupado com a crtica. Em suas poesias percebe-se bom-humor e coloquialismo. Foi um grande tradutor.

Os ombros suportam o mundoCarlos Drummond de Andrade Chega um tempo em que no se diz mais: meu Deus. Tempo de absoluta depurao. Tempo em que no se diz mais: meu amor. Porque o amor resultou intil. E os olhos no choram. E as mos tecem apenas o rude trabalho. E o corao est seco. Em vo mulheres batem porta, no abrirs. Ficaste sozinho, a luz apagou-se, mas na sombra teus olhos resplandecem enormes. s todo certeza, j no sabes sofrer. E nada esperas de teus amigos. Pouco importa venha a velhice, que a velhice? Teu ombros suportam o mundo e ele no pesa mais que a mo de uma criana. As guerras, as fomes, as discusses dentro dos edifcios provam apenas que a vida prossegue e nem todos se libertaram ainda. Alguns, achando brbaro o espetculo, prefeririam (os delicados) morrer. Chegou um tempo em que no adianta morrer. Chegou um tempo em que a vida uma ordem. A vida apenas, sem mistificao. Sobre o(a) autor(a): Nascido em 1902 em Itabira do Mato Dentro - MG, faleceu no Rio de Janeiro em 1987. Chegou a se formar em Farmcia. Seu rigor na literatura beira a obsesso. Escreveu poesias, crnicas, contos e ensaios. Traduziu autores importantes para o portugus.

Eu queria ser mulherMrio de S-Carneiro Eu queria ser mulher para poder me estender ao lado dos meus amigos, nos cafs. Eu queria ser mulher para poder passar p de arroz pelo meu rosto diante de todos,nos cafs. Eu queria ser mulher para no ter que pensar na vida... Conhecer muitos velhos, a quem eu pedisse dinheiro. Eu queria ser mulher para passar o dia inteiro falando de modas, azendo

fofocas, muito entretida. Eu queria ser mulher para mexer nos meus seios, agu-los ao espelho antes de me deitar. Eu queria ser mulher para que me fosse bem todos esses lios. Esses lios que no homem, francamente no se pode desculpar. Eu queria ser mulher para ter muitos amantes, e engan-los, a todos, mesmo ao predileto. Como eu gostaria de enganar o meu amante loiro, o mais esbelto, o mais bonito. Engan-lo com um rapaz gordo, feio e de modos extravagantes. Eu queria ser mulher para excitar quem me olha. Eu queria ser mulher para poder me recusar. Sobre o(a) autor(a): Mrio de S-Carneiro nasceu em Lisboa (1890-1916). Sua obra revela toda sua inadaptao ao mundo e a constante busca do seu prprio eu. Percebe-se bem suas idias de morte e suicdio, seu pessimismo e desespero. Manteve correspondncia intensa com Pessoa.

Frases de NovalisNovalis "Todo corpo aspira a independncia". "As revelaes no se deixam conquistar pela fora". "O homem no o nico a falar, o universo fala, tudo fala, linguagens infinitas". Sobre o(a) autor(a): Novalis, nome literrio de Georg Friedrich Philipp von Hardenherg (1772 1801). Poeta excepcional, um dos maiores escritores alemes. "Hino para a noite" reune seis poemas de sua autoria que marcaram a fundao do Romantismo.

Texto de Edson MarquesEdson Marques Meu bisav, no incio do sculo passado, aos 60 anos de idade, abandonou tudo e apareceu por aqui, trazendo no colo uma adolescente para ser sua mulher: uma enorme loucura... Mas ele era um homem rebelde, um homem que no desistia. ento abandonou tudo: As propriedades e as impropriedades que a elas se ligam, a esposa controladora, os filhos perplexos, fazendas, noras, netos, e velhas emoes... Tudo por Vitalina: por aquela menina delicada e de cabelos longos ele abandonaria o mundo. Por ela, abandonou cabeas de gado e todas as "certezas" que lhe haviam dado. Jogou fora o velho ba de premissas usadas. Pela possibilidade aberta de uma nova vida, tomou aquelas decises que s os grandes homens conseguem tomar: montou o cavalo negro do risco absoluto e partiu!

J sabia que o nico crime que no tem perdo desperdiar a vida. Abandonou tudo para no ter que se abandonar, para no ter que abandonar a prpria existncia. No fosse por isso eu no estaria aqui, agora. Sou, portanto, bisneto da rebeldia. Bisneto da rebeldia, neto da emoo, filho da loucura, irmo do desejo, primo do prazer, amigo da liberdade, e amante de todos os meus amores. E existo, por incrvel que parea! No cu da minha boca no h fogos de artifcio. S estrelas! Sobre o(a) autor(a): Poeta, formado em Filosofia pela USP. Vencedor do Prmio Cervantes/Ibria em 1993. Scio-fundador da Ordem Nacional dos Escritores. Se diz "um socialista romntico". Lanou o livro: "Manual da Separao".

Trechos de "Bom dia para os defuntos"Manuel Scorza Trs momentos de um conto de Manuel Scorza sobre a criao do primeiro sindicato rural em cerro de pasco, no peru, no ano de 1903. O coronel Migdonio se dignou a sair varanda. "Ento, vocs querem criar um sindicato?" "Se o patro permitir", respondeu Flix. "Quantos esto de acordo?" "Treze, senhor." "V busc-los. Quero falar com todos." Na vastido da memria, ningum se lembrava de que peo algum tivesse penetrado na casa grande. Cobertos por seus ponchos, os camponeses sentiam que se excediam, mas no tiveram remdio seno entrar. "Que desejam, meus filhos?" Perguntou Don Migdonio afavelmente. silncio. "No se constranjam. No me oponho ao sindicato. No, no me oponho. Pelo contrrio, eu os felicito. Vivemos uma poca de mudanas. Todos queremos o progresso. brindemos ao sindicato!" A um sinal do fazendeiro, um criado entrou na sala com uma garrafa e copos para todos. "Vou brindar com o copo vazio. que ontem me excedi. Sade, rapazes!", bradou jovialmente Dom Migdonio. Jaramillo foi o primeiro a desabar. Tombaram outros trs fulminados e os demais revolveram-se na agonia de um retorcimento de tripas. "Filho da puta", conseguiu dizer Flix antes de borrar-se com as tripas

queimadas pelo veneno. O juiz, doutor Francisco Montenegro e o sargento Cabrera chegaram s seis horas da tarde escoltados por um piquete de guardas civis. Fecharam-se no escritrio com Don Migdonio. O que o juiz, o fazendeiro e o sargento discutiram permanece at hoje em mistrio. Para desmentir testemunhas que naquele distante ano de 1903 juraram ter visto os trs sairem abraados, rindo, os historiadores oficiais exibem uma prova irrefutvel: um comunicado oficial das autoridades, informando que os catorze camponeses tinham sido fulminados por um "enfarte coletivo". Sobre o(a) autor(a): Manuel Scorza nasceu em Lima/Peru em 1928 e faleceu na Espanha em 1983 num acidente areo. Este romancista e poeta foi exilado duas vezes por sua atividade poltica febril.

Trecho de "Entrada na Matria" Octavio Paz Hoje, eu poderia dizer todas as palavras. Um arranha-cu de eriadas palavras, um monumento grandioso e incoerente, palavras que desmoronam. Uma cidade imensa e sem sentido! Ardis da razo. Crimes da linguagem. Hoje, eu poderia dizer todas as palavras! Sobre o(a) autor(a): Octavio Paz nasceu e morreu na Cidade do Mxico (1914 - 1998). Foi encorajado por Pablo Neruda para se dedicar poesia. Foi escritor, poeta, diplomata e jornalista. Modstia

Arthur Schopenhauer Quem fez da modstia uma virtude esperava que todos passassem a falar de si prprios como se fossem idiotas. O que a modstia seno uma humildade hipcrita, atravs da qual um homem pede perdo por ter as qualidades e os mritos que os outros no tm? Sobre o(a) autor(a): O filsofo do pessimismo, Arthur Schopenhauer, nasceu na Polnia (1788 1860). Inimigo intelectual e pessoal de Hegel. Sua observao atenta do comportamento humano foi precurssora da psicanlise.

Trecho de "Bartlets Familiar Quotations"Martin Niemller Eles comearam perseguindo os comunistas, e eu no protestei, porque no era comunista. Depois, vieram buscar os judeus, e eu no protestei, porque no era judeu. Depois ainda, vieram buscar os sindicalistas, e eu no protestei, porque no era sindicalista. A, vieram buscar os homossexuais, e eu no protestei, porque no era homossexual. A ento, vieram buscar os ciganos, e eu no protestei, porque no era cigano. E depois, vieram buscar os imigrantes, e eu no protestei, porque no era imigrante. Depois, vieram me buscar. E j no havia ningum para protestar! Sobre o(a) autor(a): Lder religioso alemo, Martin Niemller viveu o holocausto na Alemanha, foi prisioneiro num campo de concentrao nazista.

Oua o TamborCaius_c Voc est sozinho, com sua mente cheia de rudos. Caminhando pelas ruas, a noite envolve seu corpo. Voc apenas v apenas o suficiente para no tropear nas caladas. Por um instante, voc escuta um som quase to vago quanto seus dias. Voc presta mais ateno. Percebe que um som ritmado como o de um tambor. Voc olha para trs e no enxerga nada. Pensa que est escutando as batidas de seu corao. O som aumenta um pouco mais. A cadncia a de seus passos. Voc caminha e o som aumenta mais. Quando seu calcanhar toca o solo, o tambor bate junto. O som vai ficando cada vez mais alto at fazer estremecer sua pele. Sua mente elimina os pensamentos vos e voc caminha cada vez mais forte. Quando o som atinge suas entranhas e ossos, voc sente uma vontade irresistvel de correr. Mas voc no corre. Apenas pra e olha para o universo a seu redor. Voc mira as estrelas, ergue seus braos e grita seu nome at que todos os rudos e dvidas se dissipem e voc volte a ser aquilo que sempre foi ou deveria ser. Sobre o(a) autor(a):

nome literrio de Joo Alberto Padoveze. Escreve livros, contos e poesias que esto disponveis na Internet. Seu livro independente publicado o "Contos de Interior".

Matar

Paulo Hecker Filho Voc sabe o que o desespero? Eu vi mater-se e mais, quer matar-se, matar a tudo Matar, matar, matar, ainda matar e no poder morrer Que desespero no morrer, que desespero, que desespero no morrer por mais que voc mate, que se mate, no surge um deus, um outro, um revlver Um revlver que dispara, embora voc mesmo seja o Deus, o outro o revlver que te mata . Sobre o(a) autor(a): Nascido em 12/06/1926 em Porto Alegre, Paulo Hecker Filho se formou em Direito. Atuou como jornalista no Estado de So Paulo e Zero Hora. Recebeu o Prmio PARKS em 49 por "Dirio". Grande crtico literrio. A partir de 84 se concentrou na poesia.

Deixa VirPaulo Hecker Filho a morte que vem, ou a vida? As duas juntam-se a perigo. Mas deixa vir, deixa vir, mesmo com a morte a frente, deixa vir. Deixa vir, como crepsculo lentamente at a vida na morte. Sobre o(a) autor(a): Nascido em 12/06/1926 em Porto Alegre, Paulo Hecker Filho se formou em Direito. Atuou como jornalista no Estado de So Paulo e Zero Hora. Recebeu o Prmio PARKS em 49 por "Dirio". Grande crtico literrio. A partir de 84 se concentrou na poesia.

Aniversrio

lvaro de Campos

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, eu era feliz e ningum estava morto. Na casa antiga, at eu fazer anos era uma tradio de h sculos, e a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religio qualquer. No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, eu tinha a grande sade de no perceber coisa nenhuma, de ser inteligente para entre a famlia, e de na ter as esperanas, j no sabia ter esperanas. Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida. O tempo em que festejavam o dia dos meus anos! O que eu sou hoje terem vendido a casa, terem morrido todos, estar eu sobrevivente a mim mesmo como um fsforo frio... No tempo em que festejavam o dia dos meus anos... Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo! Desejo fsico da alma de se encontrar al outra vez, por um aviagem metafsica e carnal, como uma dualidade eu para mim... Comer o passado como po de fome, sem tempo de manteiga nos dentes! As tias velhas, os primos diferente, e tudo era por minha causa, no tempo em que festejavam o dia dos meus anos... Pra, meu corao! No penses! Deixa o pensar na cabea! Meu Deus, Meu Deus! Hoje j no fao anos. Duro. Somam-se-me dias Serei velho quando o fr. Mais nada. Raiva de no ter trazido o passado roubado na Algibeira!... O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!... Sobre o(a) autor(a): Heternimo de Fernando Pessoa (1888/1935), lvaro de Campos nasceu em Tavira e se formou engenheiro. No incio foi inflenciado pelo Simbolismo, enveredou para o Futurismo e acabou por refletir uma forma pessismista da existncia, como no poema Tabacaria.

Jesus, um nordestino

Digenes da Cunha Lima Eu penso que Jesus devia de nascer em Belm, na Paraba. Sim, em Belm, perto de Guarabira e vizinho de Pirpirituba. E se no bastasse a vizinhana a indicar a rima e o caminho, perto de Nova Cruz. Era filho caula de dona Maria, mulher dona de beleza e que germinava bondade nas pessoas. Era menino moreno, muito esperto, embalado em rede de algodo cru. Tinha

sandlias com currulepo entre os dedos e cajus, em dezembro, a matar a sede. E seu pastor fora um vaqueiro nordestino, de gibo e perneira e guarda-peito, para livrar as suas carnes da Jurema. Vieram adorar o Deus-Menino os santos reis entrelaados de bom jeito: um negro, um ndio e um branco portugus. Seria fcil encontrar espinhos, para coroar a fronte de de Jesus, e um pau de arara em So Jos do egito para lev-lo, retirante, para So Paulo. Um santo feito para as grandes secas! Meu Deus, meu Deus, por que nos abandonaste, exclamaria enquanto repartia com o povo nu as suas vestes, multiplicadas como pes ou peixes. Quando criana, o Jesus da Paraba era carpinteiro como seu pai, fazendo caixes azis para os anjos do lugar. E proezas num cavalo de pau. Sim, num cavalo de pau, pois seu jumento era muito magro e nem servia para carne de jab. Jesus era um menino desnutrido a fazer o bem, desnutrido como os outros da regio, onde as coisas s vo na base do milagre ou da fora parida da vontade. Eu penso que Jesus devia de nascer em Belm, na Paraba! Sobre o(a) autor(a): Nascido em Nova Cruz (RN) no ano de 1937, o poeta e escritor Digenes da Cunha Lima formou-se em Direito. Ex-reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Tem 13 livros publicados. membro da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras.

Gilberto Freire Texto de Gilberto Freire, escrito em 1926. Teria sido uma viso? Eu ouo as vozes eu vejo as cores eu sinto os passos de outro Brasil que vem a mais tropical mais fraternal mais brasileiro. mapa desse Brasil em vez das cores dos Estados ter as cores das produes e dos trabalhos. Os homens desse Brasil em vez das cores das trs raas tero as cores das profisses e regies. As mulheres do Brasil em vez das cores boreais tero as cores variamente tropicais. Todo brasileiro poder dizer: assim que eu quero o Brasil, todo brasileiro e no apenas o bacharel ou o doutor o preto, o pardo, o roxo e no apenas o branco e o semibranco.

Qualquer brasileiro poder governar esse Brasil lenhador lavrador pescador vaqueiro marinheiro funileiro carpinteiro contanto que seja digno do governo do Brasil que tenha olhos para ver pelo Brasil, ouvidos para ouvir pelo Brasil coragem de morrer pelo Brasil nimo de viver pelo Brasil mos para agir pelo Brasil mos de escultor que saibam lidar com o barro forte e novo dos Brasis mos de engenheiro que lidem com ingresias e tratores europeus e norte-americanos a servio do Brasil mos sem anis (que os anis no deixam o homem criar nem trabalhar). Mos livres mos criadoras mos fraternais de todas as cores mos desiguais que trabalham por um Brasil sem Azevedos, sem Irineus sem Maurcios de Lacerda. Sem mos de jogadores nem de especuladores nem de mistificadores. Mos todas de trabalhadores, pretas, brancas, pardas, roxas, morenas, de artistas de escritores de operrios de lavradores de pastores de mes criando filhos de pais ensinando meninos de padres benzendo afilhados de mestres guiando aprendizes de irmos ajudando irmos mais moos de lavadeiras lavando de pedreiros edificando de doutores curando de cozinheiras cozinhando de vaqueiros tirando leite de vacas chamadas comadres dos homens. Mos brasileiras brancas, morenas, pretas, pardas, roxas tropicais sindicais fraternais. Eu ouo as vozes eu vejo as cores eu sinto os passos desse Brasil que vem a. Sobre o(a) autor(a): Gilberto Freire (Recife 1900) realizou uma vasta obra na interpretao da cultura brasileira, especialmente na questo rural e do paternalismo senhorial. Principais obras: Casa Grande & Senzala, Sobrados e Mucambos, Ordem e Progresso entre outras.

Teresa

Joo Cabral de Melo Neto JOO:Olho Teresa, vejo-a sentada aqui a meu lado. A poucos centmetros da mim. A poucos centmetros, muitos quilmetros. Por que essa impresso de que precisaria de quilmetros para medir a distncia, o afastamento em que a vejo

nesse momento? JOO: Olho Teresa como se olhasse o retrato de uma antepassada que tivesse vivido em outro sculo. Ou como se olhasse um vulto em outro continente, atravs de um telescpio. Vejo-a como se cobrisse a poeira tenussima ou o ar quase azul que envolvem as pessoas afastadas de ns muitos anos e lguas. JOO: Posso dizer dessa moa a meu lado que a mesma Teresa que durante todo o dia de hoje, por efeito do gs do sonho, senti pegada a mim? JOO: Esta a mesma Teresa que na noite passada conheci em toda intimidade? Posso dizer que a vi, falhei-le, posso dizer que a tive em toda intimidade? Que intimidade existe maior que a do sonho? A desse sonho que ainda trago em mim como um objeto que me pesasse no bolso? JOO: Ainda me parece sentir o mar do sonho que inundou meu quarto. Ainda sinto a onda chegando minha cama. Ainda me volta o espanto de despertar entre mveis e paredes que eu no compreendia pudessem estar enxutos. E sem nenhum sinal dessa gua que o sol secou mas de cujo contacto ainda me sinto friorento e meio mido (penso agora que seria mais justo, do mar do sonho, dizer que o sol o afugentou, porque os sonhos so como as aves, no apenas porque crescem e vivem no ar) JOO: Teresa aqui est, ao alcance de minha mo, de minha conversa. Por que, entretanto, me sinto sem direitos fora daquele mar? Ignorante dos gestos, das palavras? JOO: O sonho volta, me envolve novamente. A onda torna a bater em minha cadeira, ameaa chegar at a mesa. Penso que, no meio de toda essa gente de terra, gente que parece ter criado razes, como um lavrador ou uma colina, sou o nico a escutar esse mar. Talvez Teresa... JOO: Talvez Teresa... sim, quem me dir que esse oceano no nos comum? JOO: Posso esperar que esse oceano nos seja comum? Um sonho uma criao minha, nascida de meu tempo adormecido, ou existe nele uma participao de fora, de todo o universo, de uma geografia, sua histria, sua poesia? JOO: O arbusto ou a pedra aparecida em qualquer sonho pode ficar indiferente vida de que est participando? Pode ignorar o mundo que est ajudando a povoar? possvel que sintam essa participao, esses fantasmas, essa Teresa, por exemplo, agora distrada e distante? H algum sinal que faa compreender termos sido, juntos, peixes de um mesmo mar? JOO: Donde me veio a idia de que Teresa talvez participe de um universo privado, fechado em minha lembrana, desse mundo que atravs de minha fraqueza eu me compreendi ser o nico onde ser possvel cumprir os atos mais simples, como por exemplo caminhar, beber um copo de gua, escrever meu nome, nada, nem mesmo Teresa. Sobre o(a) autor(a): Primo de Manoel Bandeira e Gilberto Freire, Joo Cabral nasceu em Recife (1920). Tem 18 livros de poemas e 2 autos dramticos: "Morte e Vida Severina" e "Auto do Frade". Viveu 40 anos no exterior por sua carreira diplomtica.

Mude

Edson Marques Mude, mas comece devagar, porque a direo mais importante que a velocidade. Sente-se em outra cadeira, no outro lado da mesa. Mais tarde, mude de mesa. Quando sair, procure andar pelo outro lado da rua. Depois, mude de caminho, ande por outras ruas, calmamente, observando com ateno os lugares por onde voc passa. Tome outros nibus. Mude por uns tempos o estilo das roupas. D os seus sapatos velhos. Procure andar descalo alguns dias. Tire uma tarde inteira para passear livremente na praia, ou no parque, e ouvir o canto dos passarinhos. Veja o mundo de outras perspectivas. Abra e feche as gavetas e portas com a mo esquerda. Durma no outro lado da cama... Depois, procure dormir em outras camas. Assista a outros programas de tv, compre outros jornais... Leia outros livros, viva outros romances. Ame a novidade. Durma mais tarde. Durma mais cedo. Aprenda uma palavra nova por dia numa outra lngua.

Corrija a postura. Coma um pouco menos, Escolha comidas diferentes, Novos temperos, novas cores, Novas delcias. Tente o novo todo dia. O novo lado, o novo mtodo, o novo sabor, o novo jeito, o novo prazer, o novo amor, a nova vida. Tente. Busque novos amigos tente novos amores. Faa novas relaes. Almoce em outros locais, v a outros restaurantes, tome outro tipo de bebida compre po em outra padaria. Almoce mais cedo, jante mais tarde ou vice-versa. Escolha outro mercado... Outra marca de sabonete, outro creme dental... Tome banho em novos horrios. Use canetas de outras cores. V passear em outros lugares. Ame muito, cada vez mais, de modos diferentes. Troque de bolsa, de carteira, de malas, troque de carro, compre novos culos, escreva outras poesias. Jogue os velhos relgios, despertadores. Abra conta em outro banco. V a outros cinemas, outros cabelereiros, outros teatros, visite novos museus. mude. Lembre-se de que a vida uma s. E pense seriamente em arrumar um Outro emprego, uma nova ocupao, um trabalho mais light, mais prazeroso, mais digno, mais humano. Se voc no encontrar razes para ser livre, invente-as. Seja criativo.

E aproveite para fazer uma viagem despretensiosa, longa, se possvel sem destino. Experimente coisas novas. Troque novamente. Mude, de novo. Experimente outra vez. Voc certamente conhecer coisas melhores e coisas piores do que as j conhecidas, mas no isso o que importa. O mais importante a mudana, o movimento, o dinamismo, a energia. S o que est morto no muda! Repito por pura alegria de viver: A salvao pelo risco, sem o qual a vida no vale a pena!!! Sobre o(a) autor(a): Poeta, formado em Filosofia pela USP. Vencedor do Prmio Cervantes/Ibria em 1993. Scio-fundador da Ordem Nacional dos Escritores. Se diz "um socialista romntico". Lanou o livro: "Manual da Separao".

Guerra

Dalton Trumbo No tinha nem braos nem pernas. Atirou a cabea para trs e comeou a gritar o medo. Mas apenas comeou porque no tinha boca com que gritar. Ficou to surpreso de no gritar quanto tentou faz-lo que comeou a mexer as mandbulas como um homem que descobriu algo interessante e quer experimentar. Estava to seguro de que a idia de no ter boca era um sonho que se sentia capaz de investigar a coisa calmamente.Tentou mexer as mandbulas e no tinha mandbulas. Tentou passar a lngua do lado de dentro dos dentes e por sobre o cu da boca como se estivesse buscando uma semente de framboesa. Mas no tinha lngua nem dentes. Mas no tinha cu da boca nem boca. Tentou engolir mas no podia porque no tinha palato e no lhe restava msculos com que engolir. Comeou a sufocar e a arquejar. Era como se algum lhe tivesse empurrado um colcho sobre o rosto e o estivesse mantendo al.Respirava agora forte e depressa mas no estava realmente respirando porque nenhum ar passava pelo nariz. No tinha nariz.Podia sentir o peito subir e descer mas nenhuma respirao passava pelo lugar onde era o nariz.Experimentou o desejo furioso de morrer.Estava morto e queria se matar a guerra! Sobre o(a) autor(a): Roteirista e escritor, Dalton Trumbo (1905-1976) era um pacifista de grande dimenso. Foi barrado na indstria Hollywoodiana por no ceder aos inquisidores do Macarthismo. Escreveu o livro "Johnny vai Guerra" em 39, de onde foi retirado este texto.

A Morte DevagarMartha Medeiros

Morre lentamente quem no troca de idias, no troca de discurso, evita as prprias contradies. Morre lentamente quem vira escravo do hbito, repetindo todos os dias o mesmo trajeto e as mesmas compras no supermercado. Quem no troca de marca, no arrisca vestir uma cor nova, no d papo para quem no conhece. Morre lentamente quem faz da televiso o seu guru e seu parceiro dirio. Muitos no podem comprar um livro ou uma entrada de cinema, mas muitos podem, e ainda assim alienam-se diante de um tubo de imagens que traz informao e entretenimento, mas que no deveria, mesmo com apenas 14 polegadas, ocupar tanto espao em uma vida. Morre lentamente quem evita uma paixo, quem prefere o preto no branco e os pingos nos is a um turbilho de emoes indomveis, justamente as que resgatam brilho nos olhos, sorrisos e soluos, corao aos tropeos, sentimentos. Morre lentamente quem no vira a mesa quando est infeliz no trabalho, quem no arrisca o certo pelo incerto atrs de um sonho, quem no se permite, uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos. Morre lentamente quem no viaja, quem no l, quem no ouve msica, quem no acha graa de si mesmo. Morre lentamente quem destri seu amor-prprio. Pode ser depresso, que doena sria e requer ajuda profissional. Ento fenece a cada dia quem no se deixa ajudar. Morre lentamente quem no trabalha e quem no estuda, e na maioria das vezes isso no opo e, sim, destino: ento um governo omisso pode matar lentamente uma boa parcela da populao. Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da m sorte ou da chuva incessante, desistindo de um projeto antes de inici-lo, no perguntando sobre um assunto que desconhece e no respondendo quando lhe indagam o que sabe. Morre muita gente lentamente, e esta a morte mais ingrata e traioeira, pois quando ela se aproxima de verdade, a j estamos muito destreinados para percorrer o pouco tempo restante. Que amanh, portanto, demore muito para ser o nosso dia. J que no podemos evitar um final repentino, que ao menos evitemos a morte em suaves prestaes, lembrando sempre que estar vivo exige um esforo bem maior do que simplesmente respirar. Sobre o(a) autor(a): Martha Medeiros nasceu em Porto Alegre em 1961. Formada em Publicidade. Escreveu livros de poesias e de crnicas, seu mais recente lanamento o livro de fico: Div. Martha cronista do jornal Zero Hora.

MephistphelesGoethe Eu sou Mephistpheles. Mephistpheles, o diabo. E todos vocs so Faustos. Faustos, os que vendem a alma ao diabo. Tudo vaidade neste mundo vo, tudo tristeza, pop, nada. Quem acredita em sonhos porque j tem a alma morta. O mal da vida cabe entre nossos braos e abraos. Mas eu no sou o que vocs pensam. Eu no sou exatamente o que as Igrejas pensam. As Igrejas abominam-me. Deus me criou para que eu o imitasse de noite. Ele o Sol, eu sou a Lua.

A minha luz paira sobre tudo que ftil: margens de rios, pntanos, sombras. Quantas vezes vocs viram passar uma figura velada, rpida, figura que lhe darei toda felicidade. Figura que te beijaria indefinidamente. Era eu. Sou eu. Eu sou aquele que sempre procuraste e nunca poder achar. Os problemas que atormentam os Deuses. Quantas vezes Deus me disse citando Joo Cabral de Melo Neto: Ai de mim, ai de mim. Quem sou eu? Quantas vezes Deus me disse: Meu irmo, eu no sei quem eu sou. Senhores, venham at mim, venham at mim, venham. Eu os deixarei em rodopios fascinantes, vivos nos castelos e nas trevas, e nas trevas vocs vero todo o esplendor. De que adianta vocs viverem em casa como vocs vivem? De que adianta pagar as contas no fim do ms religiosamente, as contas de luz, gs, telefone, condomnio, IPTU? Todos vocs so Faustos. Venham, eu os arrastarei por uma vida bem selvagem atravs de uma rasa e v mediocridade, que o que vocs merecem. As suas bem humanas insaciabilidade, tero lbios, manjares, bebidas. difcil encontrar quem no queira vender sua alma ao diabo. As ltimas palavras de Goethe ao morrer foram: Luz, luz, mais luz!! Sobre o(a) autor(a): Johann Wolfgang von Goethe (1749 - 1832), nasceu em Frankfurt. Grande poeta e pensador alemo. Sua vasta obra abrange peas dramticas, romances, contos, poesias lricas, cartas e descries de viagem. Obras como: Fausto, Afinidades Eletivas e Ifignia

FaustoGoethe O destino do homem como se assemelha ao vento A alma do homem que se assemelha gua Por que tanto tormento, tanta aflio? Morrer s no ser visto preciso abraar a volpia Fartar-se de prazeres No ter medo da morte Sobre o(a) autor(a): Johann Wolfgang von Goethe (1749 - 1832), nasceu em Frankfurt. Grande poeta e pensador alemo. Sua vasta obra abrange peas dramticas, romances, contos, poesias lricas, cartas e descries de viagem. Obras como: Fausto, Afinidades Eletivas e Ifignia.

Colagem de vrios autoresVoltaire / William James / Victor Hugo / Dante Milano Temos um grande assunto a tratar aqui: a felicidade!... ... ou, ao menos, ser o menos infeliz que se possa neste mundo. Eu no poderia suportar que me dissessem que quanto mais se pensa, mais se

infeliz. Isso vale em relao s pessoas que pensam mal. No estou falando das pessoas que pensam mal dos outros, o que pode ser divertido, mas... tragicamente divertido! Falo daqueles que pensam de maneira errada, dos que rearranjam os seus preconceitos e julgam estar... pensando! Estes, sim, merecem compaixo, porque tm uma doena da alma, e toda doena um estado triste. Infeliz. Amo as pessoas que pensam de forma correta, mesmo aquelas que pensam de maneira diferente de mim. Pensar, meus amigos, um ato que pe em dvida a estrutura de tudo!

Esquecimento

Jorge Luis Borges J somos o esquecimento que seremos, a poeira elementar que nos ignora, que no foi Ado e que agora todos os homens. Somos apenas duas datas: a do princpio e a do trmino. No sou o insensato que se aferra ao mgico som de seu prprio nome. Penso com esperana naquele homem que no saber o que fui sobre a terra. Abaixo do indiferente azul do cu, esta meditao um consolo. Sobre o(a) autor(a): Jorge Luis Borges argentino, mas sua literatura teve forte influncia dos autores ingleses. Nas poesias e ensaios, a biblioteca de seu pai uma referncia constante.

Amrica LatinaGuaicaipuro Cautemc

Fala de Guaicaipuro Cautmoc: "A verdadeira dvida externa." - fala do cacique Guaicaipuro Cautmoc numa reunio com chefes de estado da Comunidade Europia. Eu, Guaicaipuro Cautmoc, descendente dos que povoaram a amrica h 40 mil anos, vim aqui encontrar os que nos encontraram h apenas 500 anos.O irmo advogado europeu me explica que aqui toda dvida deve ser paga,ainda que para isso se tenha que vender seres humanos ou pases inteiros. Pois bem! Eu tambm tenho dvidas a cobrar. Consta no arquivo das ndias ocidentais que entre os anos de 1503 e 1660, chegaram europa 185 mil quilos de ouro e 16 milhes de quilos de prata vindos da minha terra!... Teria sido um saque? No acredito. Seria pensar que os irmos cristos faltaram a seu stimo mandamento. Genocdio?... No. Eu jamais pensaria que os europeus, como Caim, matam e negam o sangue de seu irmo. Espoliao?... Seria o mesmo que dizer que o capitalismo deslanchou graas inundao da europa pelos metais preciosos arrancados de minha terra! Vamos considerar que esse ouro e essa prata foram o primeiro de muitos emprstimos amigveis que fizemos europa. Achar que no foi isso seria presumir a existncia de crimes de guerra, o que me daria o direito de exigir a devoluo dos metais e a cobrar indenizao por danos e perdas. Prefiro crer que ns, ndios, fizemos um emprstimo a vocs, europeus. Ao comemorar o quinto centenrio desse emprstimo, nos perguntamos se vocs usaram racional e responsavelmente os fundos que lhes adiantamos. Lamentamos dizer que no. Vocs dilapidaram esse dinheiro em armadas invencveis, terceiros reichs e outras formas de extermnio mtuo. e acabaram ocupados pelas tropas da OTAN. Vocs foram incapazes de acabar com o capital e deixar de depender das matrias primas e da energia barata que arrancam do terceiro mundo. Esse quadro deplorvel corrobora a afirmao de milton friedmann, segundo o qual uma economia no pode depender de subsdios. Por isso, meus senhores da europa, eu, guaicaipuro cautmoc, me sinto obrigado a cobrar o emprstimo que to generosamente lhes concedemos h 500 anos. E os juros. para seu prprio bem. No, no vamos cobrar de vocs as taxas de 20 a 30 por cento de juros que vocs impem ao terceiro mundo. Queremos apenas a devoluo dos metais preciosos, mais 10 por cento sobre 500 anos. Lamento dizer, mas a dvida europia para conosco, ndios, pesa mais que o planeta terra!... E vejam que calculamos isso em ouro e prata. No consideramos o sangue derramado de nossos ancestrais! Sei que vocs no tm esse dinheiro, porque no souberam gerar riquezas com nosso generoso emprstimo. Mas h sempre uma sada: entreguem-nos a europa inteira, como primeira prestao de sua dvida histrica.

"O Partido mais numeroso rene necessariamente a maior quantidade de imbecis; no apenas por ser o mais numeroso, mas tambm porque os imbecis se atraem entre si incomparavelmente mais do que os no-imbecis".

Paul Valry

Felicidade O segredo da felicidade fazer do seu dever o seu prazer. (Ulisses Guimares) Todas as frmulas para uma vida feliz repousam em um ideal superior. (A.Austragsilo)

A felicidade o subproduto do esforo de fazer o prximo feliz. (Greta Palmer) A felicidade que preciso no a de fazer o que quero, mas a de no fazer o que no quero. (Rousseau) A nica felicidade consiste em procurar a felicidade. (Saadi) Felicidade a certeza de que a nossa vida no est se passando inutilmente. (rico Verssimo) No fales da tua felicidade a algum menos feliz do que tu. (Malba Tahan) No h dever to esquecido quanto o dever de ser feliz. (Robert Louis Stevenson) No fcil encontrar a felicidade em ns mesmos, e no possvel encontr-la em qualquer outro lugar. (Agnes Repplier) Filosofia A filosofia deve ser a expresso racional da natureza. A lgica que deveria solucionar todo e qualquer problema criado pelo prprio homem, s vezes encontra-se completamente vencida e intil. (Temofrsio) A natureza sbia. Fez o prazer para que a vida se perpetuasse. (C.Robson) A pessoas que perdem sua vida na mediocridade, esta doena seria normalmente curada com um pouco de filosofia. (C.Robson) A primeira condio para se realizar alguma coisa no querer fazer tudo ao mesmo tempo. (Tristo de Atade) Aquele que aprende e no coloca em prtica como aquele que ara e no semeia. (Saadi) De olhos abertos vemos o nosso mundo exterior, de olhos fechados sentimos o nosso mundo interior. (Zen Budismo) Depois de satisfeito, restar ao homem buscar as chaves da sabedoria, para que abra novos horizontes. Estude o passado se quiser decifrar o futuro. (Confcio) Eu fecho meus olhos para ver. (Paul Gaugain) Nada perfeitamente belo de todos os pontos de vista. (Horcio) O mestre aponta o caminho, o discpulo segue sozinho at encontrar o mestre novamente, mas desta vez dentro de si mesmo. Sabemos o que somos, mas ignoramos em que podemos tornar-nos. (Shakespeare) Se existir uma forma ou maneira de fazer melhor...descubra-a (Thomas Edison) Um coisa para ser boa, tem que s-la integralmente. Para ser mau, basta um parte. (I.Kant) Vale a pena refletir muitas vezes as coisas belas. (Plato) Futuro Diga-me com quais partilha o presente e eu te direi aonde estar no futuro. (Adap.

J.C.) O amanh feito de hojes. (C.Robson) O amanh moldado pelo que fazemos e pensamos hoje. O passado nos revela a construo do futuro. (Teilhard de Chardin) O nico limite de nossas realizaes de amanh so nossas dvidas de hoje. (Les Giblin) O melhor que sabemos do futuro que ele vem um dia de cada vez. O que outrora fora bom, no significa que seja para sempre. (C.Robson) Quem depende do futuro est perdido no presente. (Sneca) Uma longa viagem comea com um nico passo. (Lao-Ts) O futuro como uma pipa, quanto mais abandonamos a linha, mais longe ele fica. (C.Robson) Quem depende do futuro est perdido no presente. (Sneca) As pessoas s se sentem felizes quando acreditam no futuro. (FHC) Dizem que o destino cego. Deve haver algum que o guie pela mo. (Getlio Vargas) O futuro pertence s massas, ou aos homens que podem explicar-lhes as coisas de maneira simples. (Jacob Burckhardt)

Histria Quem cai na luta com glria, tomba nos braos da histria. (Castro Alves) A histria da humanidade o homem e suas circunstncias. (D.Ortega) A histria o homem e suas circunstncias. (Ortega) A Histria um mito reescrito por cada gerao. (Voltaire) A histria no se faz s com dados, seno tambm com interpretaes. (Maraon) Ao analisar a histria evite ser profundo, porque geralmente as causas so superficiais. (R.W.Emerson) As espumas e as ondas que demonstram os acontecimentos atuais; esto intimamente atreladas pelas fossas do passado. (Braudel) Nenhum fato na longa histria do mundo to chocante como os amplos e repetidos extermnios de seus habitantes. (Charles Darwin) Humildade A humildade uma coisa estranha: no momento em que voc acha que a tem, a perdeu. Seja humilde. Quando no souber algo, pergunte. Quando no souber uma resposta diga simplesmente que no sabe. No tente enrolar.

H pessoas que so humildes por ostentao. (Leoni Kaseff) Honestidade Agir honestamente em qualquer situao a melhor maneira de trazer para si situaes honestas. Homens As piores coisa geralmente procuram aparecer para os melhores homens. No mundo, a maioria dos homens so excelentes, pena que a maioria no sabem disto. (C.Robson) As principais barreiras para um homem esto em si mesmo. (C.Robson) Um homem na verdade so dois, um que sempre fica pelas trilhas, pelos embates e paradigmas e outro que nos acompanha involuntariamente. A cortesia dos homens formal; das mulheres, cariciosa. (Rousseau) Nenhum homem uma ilha. O grande homem sabe que no melhor que nenhum homem; e tambm que no existe nenhum homem melhor que ele. O homem de corao largo tolerante; o tolerante nobre. (Lao-Ts) O homem um animal racional que sempre perde sua calma quando chamado a agir de acordo com os ditames da razo. (Oscar Wilde) Os homens de ideais so bastante previsveis, sabemos que eles nunca desistem. (C.Robson) Os homens fariam mais coisas, se no julgassem tantas coisas impossveis. (Malsherbes) Os homens so como as abelhas: valem menos que os seus produtos. (Jules Romain) Os homens sempre querem ser o primeiro amor de uma mulher, as mulheres gostariam de ser o ltimo caso de um homem. (Oscar Wilde) Um homem cheio de si sempre vazio. (M.T.) Um homem de coragem maioria. (Andrew Jackson ) Um homem no outra coisa se no o que fez de si mesmo. (Jean-Paul Sartre) Um homem que s o qu aprendeu, obscuro e indeciso, no firme em sua trajetria porque vacilante. Vive entre mil sonhos de grandeza. Porm vago, como um ovo sem gema. (Adp.Paideia) Um homem que vomita sua grandeza nos sentimentos alheios, tem por estes duradoura repulsa. (C.R.) Um homem s no conta mais nada quando no tem mais nada a contar. Uma das formas de se medir a grandeza de um homem medindo o grau das coisas que o deixa irritado. (Emerson) Alguns homens parecem ter descendido do chimpanz mais tarde do que os outros.

Muitas vezes o defeito mais notrio de um homem que mais contribui para sua melhor virtude. Nada na terra pode sorrir, exceto o homem. Quem no usa esse privilgio diminui um pouco sua humanidade. (annimo) Nem s de po vive o homem. Vive de po e de crdito. (Machado de Assis) Todo homem que aceitou a morte dono dos acontecimentos. (Monier) Trs coisas do a medida do homem : a riqueza, o poder e a adversidade. (provrbio rabe) Humanidade Quanto mais o indivduo aprender, tanto mais til se torna para si e para a sociedade. (Jos Ingenieros) A misso de qualquer ser no universo buscar o seu prprio equilbrio, isto sem dvida estamos cansados de ver em reaes fsico-qumicas. (C.Robson) O homem deve criar as oportunidades e no somente encontr-las. (Fracis Bacon) Amar a humanidade fcil; o difcil amar seres humanos. (Kalman Shulman) Tratando-se de seres humanos no existem melhores ou piores, bons ou ms; apenas os mais e os menos evoludos. (C.Robson) lutando contra os instintos que o homem se humaniza. (du Noy) O que vale no ser humano a sua capacidade de insatisfao. (Ortega Y Gasset) Idias & Ideologias Voc estar aberto a novas idias quando no limitar a sua imaginao. Uma pessoa com uma crena um poder social igual a noventa e nove outras que s tm interesses. (J.Stuart Mill) A curiosidade uma das manifestaes mais caractersticas de uma mente vigorosa. (Samuel Johnson) A invaso de um exrcito pode ser detida, mas no a invaso das idias. (Victor Hugo) A melhor forma de aprender ensinar. (Alexandre Rangel) A posio natural dos corpos no o repouso, mas o movimento. (Galileo Galilei) A vida tem a cor que voc pinta. (Mrio Bonatti) As grandes idias so simples. As idias no tm nenhuma importncia, elas so o uniforme vistoso posto nos sentimentos e nos instintos. Um costume indica muito mais o carter de um povo do que uma idia. (Pio Baroja) As pessoas tentam colocar palavras onde falta idias. (Goethe) Mais vale tentar e errar do que arrepender-se por no ter tentado. O ideal um impulso do esprito no sentido da perfeio.

O preo da perfeio a prtica constante. (Dale Carnegie) Quando se aumenta a velocidade necessrio que se aumente a concentrao. Se no mudarmos de direo, provavelmente terminaremos onde comeamos. (Prov. Chins) Sempre pergunte "por que?" antes de prosseguir. No faa nada mecanicamente, sem saber a finalidade. Todo homem culpado por aquilo que no fez. (Voltaire) Torne-se conhecido por suas idias e no por encontrar defeitos em tudo. Uma grande idia sem ao apenas uma idia. Uma idia sem execuo um sonho. (Duque de Saint-Simon) Uma idia sem execuo um sonho. (Duque de Saint-Simon) Viso sem ao devaneio. Ao sem viso pesadelo. (Prov. Japons) Iluso Alguma coisa sempre escapa ao naufrgio das iluses. (Machado de Assis) Informao Sempre existem informaes dispostas a faz-lo mudar o conceito sobre coisas ou pessoas. (C.Robson) Ingratido A ingratido uma forma de estupidez. Nunca encontrei um homem hbil que fosse ingrato. (Goethe) Ironia A ironia uma forma elegante de se ser mau... (Berilo Neves) Inveja A inveja dos inimigos uma forma de admirao muito mais sincera que a lisonja dos amigos" (annimo) A inveja e a admirao so dois aspectos de um mesmo fenmeno : a admirao nasce no forte; a inveja, no subalterno. (Jos Ingenieros) A inveja a dor de ver outros gozarem o que almejamos; o cime a dor de ver outros possurem o que possumos. (provrbio grego) Justia & Direito Quem no luta pelos seus direitos no digno deles. (Rui Barbosa) A fora do direito deve sempre superar o direito da fora. (Adap. A.F.N.) claro que a justia, sendo cega, no v se vista, e ento no cora. (Machado de Assis) Quem julga pelo que ouve e no pelo que entende, orelha, e no juiz. (Quevedo) Juventude

As iniciativas da juventude valem tanto quanto as experincias dos mais velhos. (Josephine Knorr) Juventude no seno a capacidade de ter surpresas. (Amiel) Os jovens no precisam de razes para viver; precisam s de pretextos. (Ortega y Gasset) Tinha em flor todas as iluses da juventude. (Machado de Assis) Liberdade Ns que acreditamos to profundamente na liberdade que preferimos morrer de p, do que viver ajoelhado. Tem-se a verdadeira liberdade quando a mente se liberta de todos os apegos. A justia que se proponha assegurar a igualdade de resultados deve comear por cometer a suprema injustia de punir aos bens dotados. (Antnio Paim) Liberdade a mais difcil prova que podemos propor a um povo. Saber viver em liberdade, eis a um dom que no foi igualmente distribudo entre todos os homens e todas as naes. (Paul Valry) Liberdade o direito de fazer tudo que as leis permitem. (Montesquieu) Liberdade , sempre e fundamentalmente, a liberdade de quem discorda de ns. (Rosa de Luxemburgo) Liberdade, igualdade : princpios duvidosos. O nico princpio humano a justia. (Henry Amiel) Ningum pode ser completamente livre at que todos o sejam. (Herbert Spencer) O mundo no ser salvo pelos caridosos, mas pelos eficientes. (Roberto Campos) A liberdade sempre perigosa, mas a coisa mais segura que temos. A liberdade nada mais do que aquilo que os indivduos tm o direito de fazer e que a sociedade (entenda-se Estado) no tem direito de impedir. (Benjamim Constant) Na primeira noite / Eles se aproximam / Colhem uma flor de nosso jardim / E no dizemos nada. / Na segunda noite, j no se escondem : / Pisam as flores / Matam nosso co / E no dizemos nada. / at que um dia / O mais frgil deles / Entra sozinho em nossa casa, / Rouba-nos a lua e, / Conhecendo nosso medo, / Arranca-nos a voz da garganta. / E porque no dissemos nada, / J no podemos dizer nada" (Maiakwsky) Os polticos que dizem que o povo no deve receber liberdade at que saiba exercla lembra-me aquele sujeito que decidiu no entrar na gua at que soubesse nadar. (Thomas Barbington) Sou pela liberdade e pelos direitos. / Sempre pergunto ao peixe, / Antes do almoo, / Como quer ser fritado. (Jan Staudynger) Leis da Fsica Dem-me um ponto de apoio e moverei a terra. (Arquimedes) Na natureza, nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. (Lavoisier)

Literatura Ah! No minha Marlia, aproveite-se do tempo, antes que ele faa o estrago de roubar do corpo as foras e do semblante a graa. (Trecho de Marlia de Dirceu / T.A.Gonzaga) Que havemos de esperar, Marlia bela? Que vo passando os florescente dias? As glrias que vm tarde j vm frias... (Trecho de Marlia de Dirceu / T.A.Gonzaga) Sobre nossas cabeas, sem possamos deter, o tempo corre; e para ns o tempo que se passa, tembm morre. (T.A.Gonzaga) Em realidade, somos mais do que conhecemos de ns prprios e, com freqncia, ouvimos sair de nossos lbios coisas que no acreditvamos ser capazes de dizer. (R.W.Emerson) Escolha um autor como escolheria um amigo. (Dillon) Sei, por experincia, que no Brasil todo sujeito inteligente acaba gostando de mim. (Manuel Bandeira) Somos todos criados com trs ou quatro idias que, em geral, so o nosso farnel de jornada. (Machado de Assis) Um grande livro comea geralmente com letra maiscula e, no fim, pe-se um ponto final. E no meio ? No meio, hay que poner talento (autor espanhol) Lazer Reserve um tempo para o seu lazer.

Cntico Negro (ntegra)Jos Rgio

"Vem por aqui" dizem-me alguns com os olhos doces Estendendo-me os braos, e seguros De que seria bom que eu os ouvisse Quando me dizem: "vem por aqui!" Eu olho-os com olhos lassos, (H, nos olhos meus, ironias e cansaos) E cruzo os braos,

E nunca vou por ali... A minha glria esta: Criar desumanidades! No acompanhar ningum. Que eu vivo com o mesmo sem-vontade Com que rasguei o ventre minha me No, no vou por a! S vou por onde Me levam meus prprios passos... Se ao que busco saber nenhum de vs responde Por que me repetis: "vem por aqui!"? Prefiro escorregar nos becos lamacentos, Redemoinhar aos ventos, Como farrapos, arrastar os ps sangrentos, A ir por a... Se vim ao mundo, foi S para desflorar florestas virgens, E desenhar meus prprios ps na areia inexplorada! O mais que fao no vale nada. Como, pois, sereis vs Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem Para eu derrubar os meus obstculos?... Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avs, E vs amais o que fcil! Eu amo o Longe e a Miragem, Amo os abismos, as torrentes, os desertos... Ide! Tendes estradas, Tendes jardins, tendes canteiros, Tendes ptria, tendes tetos, E tendes regras, e tratados, e filsofos, e sbios... Eu tenho a minha Loucura !

Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura, E sinto espuma, e sangue, e cnticos nos lbios... Deus e o Diabo que guiam, mais ningum! Todos tiveram pai, todos tiveram me; Mas eu, que nunca principio nem acabo, Nasci do amor que h entre Deus e o Diabo. Ah, que ningum me d piedosas intenes, Ningum me pea definies! Ningum me diga: "vem por aqui"! A minha vida um vendaval que se soltou, uma onda que se alevantou, um tomo a mais que se animou... No sei por onde vou, No sei para onde vou Sei que no vou por a! Sobre o(a) autor(a): Pseudnimo de Jos Maria dos Reis Pereira (1901 - 1969 / Portugal). Uma das maiores figuras da literatura portuguesa, destacou-se como poeta, ficcionista, dramaturgo, crtico, ensasta e colecionador de Arte Sacra.

Outra PraiaCarlos Heitor Cony Oleg Svinorg foi o nico nufrago que conseguiu chegar a terra firme.

O navio afundara ao largo, todos se afogaram. Somente Oleg, um gigante de 2 metros de altura, teve foras para nadar at a praia. Nem sabia que praia era. Um nufrago se salva em qualquer pedao de terra. Encontrou desolao sua volta. Campos cobertos de capim, rios apodrecidos, e em toda parte, miserveis que nem puderam socorr-lo, porque estavam mais famintos e desesperados do que Oleg. Perguntou se havia alguma coisa equivalente a um poder naquela ilha, no exatamente um governo, mas uma comisso qualquer que cuidasse de melhorar as condies em que todos viviam. Sim!... Havia uma comisso de notveis que trabalhavam dia e noite para reformar o que fosse preciso e a sim a ilha conheceria a prosperidade que todos desejavam.

Oleg procurou saber onde se reuniam os salvadores da ilha. Foi l e viu umas 500 pessoas discutindo se, no pas em dificuldade, a taxa de cmbio deveria ser superior ou inferior a 6,2%, se os maiores de 60 anos teriam direito ao redutor de 25% acrescido pelo coeficiente do tempo de servio, embora no houvesse servio algum naquela ilha. Um pequeno grupo escrevia tudo o que era discutido e comunicava de tempos em tempos a novidade ao resto da ilha. Mas ningum entendia como iam ficar as coisas e dava tudo na mesma! O mais importante, que inflamava coraes e mentes, era a taxa de juros, que estava altssima. E havia uma turma que achava a inflao pior do que a fome e o desemprego que atingia a todos. Para combat-la, os juros deveriam ser aumentados, disciplinando o consumo, porque ningum consumia nada. Oleg ouviu tudo e entendeu pouco, mas o bastante para atirar-se de volta s ondas e nadar em busca de outra praia.

Sobre o(a) autor(a): Nasceu no Rio de Janeiro em 1926. Tido como mudo, s pronunciou suas primeiras palavras aos 5 anos. Entrou para o seminrio e largou. Trabalhou em vrios jornais. Foi preso seis vezes por motivos polticos durante a ditadura. Entrou para ABL em 2000.

Olhe para todos a seu redor e veja o que temos feito de ns.

No tolos.

temos

amado,

acima

de

todas

as

coisas.

No temos aceito o que no entendemos porque no queremos passar por Temos amontoado coisas, coisas e coisas, mas no temos um ao outro. No temos nenhuma alegria que j que no esteja catalogada. Temos construdo catedrais, e ficado do lado de fora, pois as catedrais que ns mesmos construmos, tememos sejam armadilhas. No nos temos entregue a ns mesmos, pois isso seria o comeo de uma vida larga e ns a tememos. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de

ns que por amor diga: tens medo. Temos organizado associaes e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar, mas sem usar a palavra salvao para no nos envergonharmos de ser inocentes. No temos usado a palavra amor para no termos de reconhecer sua contextura de dio, de cime e de tantos outros contraditrios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possvel. Muitos de ns fazem arte por no saber como a outra coisa. Temos disfarado com falso amor a nossa indiferena, sabendo que nossa indiferena angstia disfarada. Temos disfarado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos o que realmente importa. Falar no que realmente importa considerado uma gafe. No temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. No temos sido puros e ingnuos para no rirmos de ns mesmos e para que no fim do dia possamos dizer "pelo menos no fui tolo" e assim no ficarmos perplexos antes de apagar a luz. candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitria nossa de cada dia.Sobre o(a) autor(a): A escritora nasceu na Ucrnia, mas viveu no Brasil desde os dois meses de idade. Suas obras mais famosas incluem Laos de Famlia, A Paixo Segundo G.H. e A Hora da Estrela. Nos textos, Clarice explora a solido e a incomunicabilidade humana.

Temos sorrido em pblico do que no

sorriramos quando ficssemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa

Texto de David Hume

Nada mais surpreendente do que ver com que facilidade a maioria governada pela minoria. observar ao longo da histria a submisso implcita com que os homens sujeitam seus sentimentos e paixes aos de seus governantes. De que modo se realiza esse prodgio? Como so os governados que detm a fra (apenas eles, a maioria, no sabem disso!). Os governantes nada tm por respaldo seno a opinio pblica. somente na opinio pblica que se fundamentam os governos, desde os mais despticos e militarizados at os mais liberais e populares. No , por isso, estranho o quanto mentem os poderosos com a ajuda dos meios de comunicao.

O Mistrio das CoisasFernando Pessoa - Alberto Caieiro

O mistrio das coisas, onde est ele? Onde est ele que no aparece ao menos para mostrar-nos que no mistrio? Que sabe o rio disso e que sabe a rvore? E eu, que no sou mais do que eles, que sei disso? Sempre que olho para as coisas e penso no que os homens pensam delas, rio como um regato que soa fresco numa pedra. Porque o nico sentido oculto das coisas elas no terem sentido oculto nenhum, mais estranho do que todas as estranhezas, do que os sonhos de todos os poetas e os pensamentos de todos os filsofos, que as coisas sejam o que realmente parecem ser e no haja nada que compreender. Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: As coisas no tm significao, tm existncia. As coisas so o nico sentido oculto das coisas! Sobre o(a) autor(a):

Fernando Pessoa (1888 - 1935) nasceu em Lisboa. Considerado um dos mais importantes poetas modernistas. Criou heternimos famosos como Alberto Caieiro, Ricardo Reis e lvaro Campos.

Uma imagem de prazer- Crnica Clarice Lispector Conheo em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. a viso de uma floresta, e na floresta vejo a clareira verde, meio escura, rodeada de alturas, e no meio desse bom escuro esto muitas borboletas, um leo amarelo sentado, e eu sentada no cho tricotando. As horas passam como muitos anos, e os anos se passam realmente, as borboletas cheias de grandes asas e o leo amarelo com manchas - mas as manchas so apenas para que se veja que ele amarelo, pelas manchas se v como ele seria se no fosse amarelo. O bom dessa imagem a penumbra, que no exige mais do que a capacidade de meus olhos e no ultrapassa minha viso. E ali estou eu, com borboleta, com leo. Minha clareira tem uns minrios, que so as cores. S existe uma ameaa: saber com apreenso que fora dali estou perdida, porque nem sequer ser floresta ( a floresta eu conheo de antemo, por amor), ser um campo vazio (e este eu conheo de antemo atravs do medo) - to vazio que tanto me far ir para um lado como para outro, um descampado to sem tampa e sem cor de cho que nele eu nem sequer encontraria um bicho para mim. Ponho apreenso de lado, suspiro para me refazer e fico toda gostando de minha intimidade com o leo e as borboletas; nenhum de ns pensa, a gente s gosta. Tambm eu no sou em preto e branco; sem que eu me veja, sei que para eles eu sou colorida, embora sem ultrapassar a capacidade de viso deles (ns no somos inquietantes). Sou com manchas azuis e verdes s para estas mostrarem que no sou azul nem verde - olha s o que eu no sou. A penumbra de um verde escuro e mido, eu sei que j disse isso mas repito por gosto de felicidade; quero a mesma coisa de novo e de novo. De modo que, como eu ia sentindo e dizendo, l estamos. E estamos muito bem. Para falar a verdade, nunca estive to bem. Por qu? No quero saber por qu. Cada um de ns est no seu lugar, eu me submeto bem ao meu lugar. Vou at repetir um pouco mais porque est ficando cada vez melhor: o leo amarelo e as borboletas caladas, eu sentada no cho tricotando, e ns assim cheios de gosto pela clareira verde. Ns somos contentes.

Roda-vivaTem dias que a gente se sente Como quem partiu ou morreu A gente estancou de repente Ou foi o mundo ento que cresceu A gente quer ter voz ativa No nosso destino mandar Mais eis que chega a roda-viva E carrega o destino pra l Roda mundo, roda-gigante Roda-moinho, roda pio O tempo rodou num instante Nas voltas do meu corao A gente vai contra a corrente At no poder resistir No volta do barco que sente O quanto deixou de cumprir Faz tempo que a gente cultiva A mais linda roseira que h Mas eis que chega a roda-viva E carrega a roseira pra l Roda mundo, roda-gigante Roda-moinho, roda pio O tempo rodou num instante Nas voltas do meu corao A roda da saia, a mulata No quer mais rodar, no senhor No posso fazer serenata A roda de samba acabou A gente toma a iniciativa Viola na rua, a cantar Mas eis que chega a roda-viva E carrega a viola pra l Roda mundo, roda-gigante Roda-moinho, roda pio O tempo rodou num instante

Chico Buarque de Hollanda lbum: Chico Buarque de Hollanda (1968) Sobre o autor

Nas voltas do meu corao O samba, a viola, a roseira Um dia a fogueira queimou Foi tudo iluso passageira Que a brisa primeira levou No peito a saudade cativa Faz fora pro tempo parar Mas eis que chega a roda-viva E carrega a saudade pra l Roda mundo, roda-gigante Roda-moinho, roda pio O tempo rodou num instante Nas voltas do meu corao Quem no conhece a cano Roda-viva, de Chico Buarque? Essa letra faz parte da famosssima pea de mesmo nome, escrita em 1967 e que, um ano depois, sob a direo de Jos Celso Martinez Corra, recebeu montagem altura, no teatro Oficina. Chico Buarque, que at ento era "a nica unanimidade brasileira", nas palavras de Millr Fernandes, chocou parte de seu pblico com a radicalidade crtica e o tom francamente agressivo da pea.Mas vamos letra Roda-viva: ela tem um cho histrico especfico, ou seja, os obscuros anos da ditadura. desse tempo que ela data e o que esse tempo representou para a experincia brasileira que ela aborda e cifra. Eu falei em "cifra"? Sim, a palavra cifra tem, alm da acepo comercial que conhecemos, o sentido de explicao de escrita hermtica, enigmtica, e, por extenso, passa a significar essa prpria escrita. Decifrar justamente tirar a cifra, tornar o texto claro, interpret-lo. Como dissemos, a composio de Chico se originou em meio ao turbilho da instaurao da ditadura militar no Brasil. Ditadura que representava, para a cultura, simplesmente o fim da liberdade de expresso. Um meio muito utilizado na poca (e, de um modo geral, em perodos no democrticos, no Brasil e em outros pases) para driblar a censura foi a metfora, o despistamento, a linguagem figurada, a cifra. Alguns escritores e jornalistas falavam aparentemente de flores e rouxinis, quando estavam se referindo situao polticosocial brasileira. O que roda-viva? Roda-viva , conforme os dicionrios, movimento incessante, corrupio, cortado; ainda confuso, barulho. O texto menciona aes frustradas pela roda-viva. Na letra a roda-viva est associada morte, ao contrrio do que indica a palavra. A roda ceifa, arranca aquilo que ainda est em desenvolvimento: a gente estancou de repente. A gente parou (de crescer) de repente. Note-se como expressivo o uso de estancar, que nos faz lembrar imediatamente de sangue. Somos abortados na capacidade de decidir o prprio destino, de adquirir autonomia como um rio barrado, como um fluxo de sangue estagnado. Essa espcie de vendaval arrebata a voz, o destino das pessoas e a capacidade de exprimir artisticamente seu sofrimento:arrebata-lhes ainda a viola . A roda-viva arrebata da gente a roseira h tanto cultivada e que no teve tempo de exibir tudo o que prometia. A composio cortada por dois movimentos: um expressa a ao empenhada, o trabalho sistemtico, o desejo de ser o sujeito da prpria histria. A esse movimento pertence o querer ter voz ativa, o ir contra a corrente (da roda-viva), o cultivo ininterrupto da rosa, o tocar viola na rua e a saudade de tudo isso (na medida em que a saudade pode ajudar a reorganizar o pensamento e a luta). O outro movimento expressa a ao abortiva exercida pela roda-viva. Esse movimento vem expresso numa frase reiterada: "Mas eis que chega a roda-viva e carrega (o que quer que seja) pra l". A conjuno "mas" sinaliza justamente essa mudana de direo, sinaliza ao adversa. A frase "eis que chega..." vem sempre ligada na letra a um tipo de estribilho, a uma frmula aparentemente ingnua, que lembra as cantigas de roda: "roda mundo, roda gigante/ roda-moinho, roda pio/ o tempo rodou num instante nas voltas do meu

corao". Essa frmula, inocente na aparncia, dado seu teor catico e quase surrealista (tpico de enigmas, cantigas de ninar etc.) e a referncia a brinquedos infantis (rodagigante, pio), tem o efeito de exprimir um desnorteio, uma situao absurda, fora do esquadro. De fato, no possvel conceber a ditadura como algo natural. Ela no pertence ordem da razo. Esses movimentos descritos na letra so, portanto, de trabalho em curso e de sucessiva frustrao. Isso descreve muito a experincia brasileira, tanto do ponto de vista social e poltico como do ponto de vista cultural. Quando estvamos comeando a engatinhar na democracia, instalado o regime totalitrio, para o qual no existem indivduos. Sufocase at a saudade (j cativa) de outros tempos. Mas esse ambiente de tanto mal-estar foi filtrado por Chico Buarque com muita cautela: era preciso despistar a censura, da a profuso de rodas e de versos encantatrios; era preciso dizer a verdade, da o tumulto e a sensao de frustrao advinda da mesma profuso de rodas, que diramos serem antes de trator.Francisco Buarque de Hollanda nasce em 19 de junho de 1944, na cidade do Rio de Janeiro. Quando est com dois anos, sua famlia se transfere para So Paulo. Tanto seu pai, o historiador Srgio Buarque de Hollanda, como sua me, Maria Amlia, gostavam de tocar piano e cantar com os amigos, entre eles Vincius de Morais. Estuda violo com sua irm Micha e, influenciado por Joo Gilberto, comea a fazer suas primeiras composies. Cursa at o terceiro ano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Seu primeiro compacto lanado em 1965. Participa de alguns festivais de msica popular brasileira e, em 1966, no II FMPB da TV Record, quando "A banda", msica de sua autoria, divide o primeiro lugar com "Disparada". Escreve peas, compe para cinema e teatro e lana vrios lbuns, entre os quais: Construo (1971), Sinal Fechado (1974), Almanaque (1981) e Paratodos (1993). Chico publicou Fazenda Modelo (1974), Chapeuzinho amarelo, livro-poema para crianas (1979), A bordo do Rui Barbosa (publicado em 1981) , Estorvo (1991) e, em 1994, Benjamin, ambos pela Companhia das Letras.

guas de maro pau, pedra, o fim do caminho um resto de toco, um pouco sozinho um caco de vidro, a vida, o sol a noite, a morte, um lao, o anzol peroba do campo, o n da madeira caing, candeia, o Matita Pereira madeira de vento, tombo da ribanceira o mistrio profundo o queira ou no queira o vento ventando, o fim da ladeira a viga, o vo, festa da cumeeira a chuva chovendo, conversa ribeira das guas de maro, o fim da canseira o p, o cho, a marcha estradeira passarinho na mo, pedra de atiradeira Uma ave no cu, uma ave no cho um regato, uma fonte um pedao de po o fundo do poo, o fim do caminho no rosto o desgosto, um pouco sozinho um estrepe, um prego uma ponta, um ponto um pingo pingando uma conta, um conto um peixe, um gesto uma prata brilhando a luz da manh, o tijolo chegando a lenha, o dia, o fim da picada a garrafa de cana, o estilhao na estrada o projeto da casa, o corpo na cama

O tom de Antonio Carlos Jobim e o tal de Joo Bosco

Tom Jobim Coleo Disco de Bolso: (1972) Sobre o autor

o carro enguiado, a lama, a lama um passo, uma ponte um sapo, uma r um resto de mato, na luz da manh so as guas de maro fechando o vero a promessa de vida no teu corao pau, pedra, o fim do caminho um resto de toco, um pouco sozinho uma cobra, um pau, Joo, Jos um espinho na mo, um corte no p so as guas de maro fechando o vero a promessa de vida no teu corao pau, pedra, o fim do caminho um resto de toco, um pouco sozinho um passo, uma ponte um sapo, uma r um belo horizonte, uma febre ter so as guas de maro fechando o vero a promessa de vida no teu corao pau, pedra, o fim do caminho um resto de toco, um pouco sozinho pau, pedra, o fim do caminho um resto de toco, um pouco sozinho Pau, pedra, fim do caminho resto de toco, pouco sozinho Pau, pedra, fim do caminho, resto de toco, pouco sozinho Chega dezembro e com ele vm o natal, o reveillon, as frias, depois o carnaval... Na verdade, o ano seguinte s se inicia mesmo depois de encerradas as folias populares. Nada melhor que uma boa enxurrada para varrer as cinzas do ano anterior e ento comear vida nova. Nada melhor que as refrescantes guas de maro, que esfriam nossa cabea para enfrentar mais um ano de luta... verdade que, em cidades como So Paulo, com problemas to graves como os de saneamento bsico, essas guas so muitas vezes sinnimo de enchente, caos e at mesmo de morte. Mas isso no culpa da natureza: cabe cultura (no caso, aos administradores pblicos, urbanistas e engenheiros) proteger os homens. Certamente no eram as chuvas paulistas que Tom Jobim tinha em mente quando comps "guas de maro". " pau, pedra, o fim do caminho um resto de toco, um pouco sozinho um caco de vidro, a vida, o sol a noite, a morte, um lao, o anzol peroba do campo, o n da madeira caing, candeia, o Matita Pereira..." O que temos aqui? Eu diria que um conjunto de elementos que lembram uma paisagem no urbana propriamente: pau, pedra, toco, a solido, peroba, n de madeira etc. So elementos de um contexto mais natural, onde quase no se sente a ao do homem. O "quase" que eu disse vai por conta dos seguintes objetos: caco de vidro, elemento que implica fabrico, tecnologia; candeia, objeto rstico para iluminao, a indicar, no entanto, que esse lugar tomado pelas guas de maro no

tem luz eltrica; e anzol, que, apesar de artefato humano, tem a ver com uma forma primitiva de relao com a natureza, ou seja, a pesca, favorecida decerto em tempos mais chuvosos, em que os rios ficam cheios. ndices de uma cultura mais ligada natureza so ainda a referncia a caings, bem como pela referncia ao matita pereira. Como vocs podem percerber, estamos a lguas dos centros urbanos, num espao onde ainda vigoram lendas, personagens folclricas, populaes pr-modernas, como os ndios, e onde so enfatizados os ciclos naturais, vida e morte, sol e noite: " um caco de vidro, a vida, o sol, a noite, a morte, um lao, o anzol." A letra de Tom Jobim basicamente descritiva, repertoriando uma srie de elementos que visam construir a atmosfera desencadeada pelas chuvas num ambiente mais rural. Sendo descritiva, no conta com uma progresso dramtica, um desfecho. Essa estrutura descritiva enfatizada pela reiterao intensa do verbo "ser", um verbo que serve, entre outras coisas, para dar atributo, qualidade a algo. Mas talvez esse verbo tenha um sentido algo ambguo aqui. A letra j se inicia sem mencionar o sujeito a que se liga o verbo. " pau, pedra, o fim do caminho", e assim at o fim, com variao dos predicativos. Imaginamos que o que pau, o que pedra "" as guas de maro. Ou seja, "guas de maro" significa pau, pedra, peroba do campo e tudo mais. Como dissemos, trata-se de representar a atmosfera mida de maro. Chegamos quase a sentir o cheiro da madeira molhada, a imaginar o corpo se refrescando ( o fim da canseira, como diz a letra). Mas, se assim, por que o verbo "ser" no est no plural, para concordar com "guas", no plural? Podemos cogitar alguns motivos: convenhamos que repetir "so" a todo o instante ficaria um pouco exaustivo. Seria so pra l, so pra c, so acol. A forma "" est muito mais na ponta da lngua, o que d bem mais agilidade msica; alm disso, o sujeito, "guas de maro", mais lgico do que sinttico. Ele figura no ttulo da cano, mas no na letra, pelo menos at quase o fim. "guas de maro" o pressuposto do texto, mas no est estruturado nele sintaticamente. O ttulo serve aqui para indicar o objeto de que se est falando. Por tudo isso, a concordncia no singular mais do que legtima. Tanto assim que Tom Jobim, que no era bobo, coloca bonitinho o verbo "ser" no plural quando a expresso "guas de maro" vem, no finzinho da cano, literalmente reproduzida no corpo do texto, passando de idia de fundo a elemento de estrutura sinttica, ou seja, passando de sujeito lgico a sujeito sinttico: "so as guas de maro fechando o vero a promessa de vida no teu corao. " A concordncia no plural tem o efeito de um resumo: todos os elementos relacionados nesse texto so, formam as guas de maro. Note-se, no entanto, que o verbo no singular retorna: " a promessa de vida". como se se quisesse dar mais peso agora "promessa de vida" do que s guas de maro. O que importa mais agora a promessa de vida. Mas voc pode perguntar: isso tambm no se aplica ao resto da letra? No poderamos dizer que a letra quis mais enfatizar os elementos, os aspectos vitais ligados s guas de maro, da ter usado o verbo no singular? possvel. H em toda a composio de Tom Jobim um apego a elementos variados, h mesmo uma espcie de desejo de fazer o inventrio de um mundo j meio fantstico para ns, homens urbanos, para quem saci e ndio tm algo em comum: a inexistncia, o serem coisas do passado. Esse estilo de inventrio acaba como que dando relevo ao detalhe, mas sem prejuzo de dar conta do conjunto. Tudo isso banhado pelas guas de maro, que fecham o vero. Notemos ainda que os elementos ligados ao do homem vo aumentando ao longo da cano: " um estrepe, um prego, uma conta, um conto ...

o carro enguiado, a lama, a lama." Ora, a palavra "projeto" bastante ligada ao plano da cultura. A natureza o lugar do espontneo, do acaso, que so o oposto do projeto, do clculo. J estamos num territrio no to primitivo, o que marcado pelo "carro enguiado" na lama. Trata-se de um mundo entre a natureza e a cultura. Natural o bastante para que no tenha calamento e fazer veculos atolarem e culturalmente modificado com a presena de carros e casas. um mundo intermedirio, de lama e de projeto, e onde a chuva cai como uma bno. O projeto, no entanto, respeita o ciclo natural: s possvel comear de fato a construo da casa (" o tijolo chegando") quando cessarem as chuvas. Com a terra seca e o outono, ento uma nova vida pode lanar as bases. Mas infelizmente ns, paulistas, temos de rezar para que as guas de maro no sejam promessa de morte e de desapropriao.

Campo de floresDeus me deu um amor no tempo de madureza, quando os frutos ou no so colhidos ou sabem a verme. Deus-ou foi talvez o Diabo-deu-me este amor maduro, e a um e outro agradeo, pois que tenho um amor. Pois que tenho um amor, volto aos mitos pretritos e outros acrescento aos que amor j criou. Eis que eu mesmo me torno o mito mais radioso e talhado em penumbra sou e no sou, mas sou. Mas sou cada vez mais, eu que no me sabia e cansado de mim julgava que era o mundo um vcuo atormentado, um sistema de erros. Amanhecem de novo as antigas manhs que no vivi jamais, pois jamais me sorriram. Mas me sorriam sempre atrs de tua sombra imensa e contrada como letra no muro e s hoje presente. Deus me deu um amor porque o mereci. De tantos que j tive ou tiveram em mim, o sumo se espremeu para fazer vinho ou foi sangue, talvez, que se armou em cogulo. E o tempo que levou uma rosa indecisa Carlos Drummond de Andrade Claro Engma (1951) Sobre o autor

a tirar sua cor dessas chamas extintas era o tempo mais justo. Era tempo de terra. Onde no h jardim, as flores nascem de um secreto investimento em formas improvveis. Hoje tenho um amor e me fao espaoso para arrecadar as alfaias de muitos amantes desgovernados, no mundo, ou triunfantes, e ao v-los amorosos e transidos em torno, o sagrado terror converto em jubilao. Seu gro de angstia amor j me oferece na mo esquerda. Enquanto a outra acaricia os cabelos e a voz e o passo e a arquitetura e o mistrio que alm faz os seres preciosos viso extasiada. Mas, porque me tocou um amor crepuscular, h que amar diferente. De uma grave pacincia ladrilhar minhas mos. E talvez a ironia tenha dilacerado a melhor doao. H que amar e calar. Para fora do tempo arrasto meus despojos e estou vivo na luz que baixa e me confunde.

"H que amar e calar" , diz Carlos Drummond de Andrade l pelas tantas neste que um de seus poemas mais lembrados. No custa observar que o poema se inicia com o magnfico verso "Deus me deu um amor no tempo de madureza", com relao ao qual muitos estranham "madureza", sinnimo de "maturidade", provavelmente porque essa palavra evoque o antigo curso de madureza, que como era chamado o curso supletivo. Nosso poeta considera, numa alegria que no lhe dissolve a estridncia irnica, que o amor se acompanha de silncio na maturidade (sem os folguedos de juventude), que, portanto, preciso amar e calar. E essa necessidade vem expressa pela forma mais grave que o "h que", rarssima na fala cotidiana. Essa gravidade d o tom ao poema, no qual um "amor crepuscular" surpreende o homem quase velho e que se supunha tomado demais pela melancolia. Como equacionar a graa de um amor a essa altura e a ferocidade de quem sempre foi torto na vida, como o poeta disse de si no Poema de sete faces, de seu primeiro livro de poesia? "H que amar diferente", soluciona Drummond, "h que amar e calar". A sintaxe do verbo haver uma das mais complexas da lngua portuguesa. O "Aurlio", por exemplo, registra 16 acepes para ele, entre as quais, curiosamente, no se encontra a de "ser preciso, urgir", que a que nos interessa aqui hoje. O dicionrio "Michaelis" e o "Caldas Aulete" tambm no trazem a forma usada por Drummond. Em todos eles encontramos a regncia em que haver, seguido de infinitivo e sem preposio, assume o sentido de ser possvel: "No h persuadi-lo de seus planos" (equivalente a "No possvel persuadi-lo de seus planos"). Mas no bem o caso aqui, em que temos "haver que+infinitivo" , na acepo de "dever", "ser preciso", o que registrado no "Dicionrio de Regncia Verbal" de Celso Luft. Este d dois exemplos de peso: Vieira - "No h que fiar em lgrimas" e um provrbio popular "No h que fiar em Deus em tempo de inverno". Notem que tanto nesses casos como no verso de Drummond no foi usado o pronome "se". Ele realmente no necessrio aqui, como no necessrio na expresso "osso duro de roer". Frases como "H que se pensar em novas diretrizes", "H que se melhorar a distribuio de renda" so deselegantes. Algo muito diferente do que ocorre no poeta de Itabira, em que o verbo grave, sem jamais ser inflado e a eloqncia no faz estardalhao. H que ler Drummond.

Carlos Drummond de Andrade

O poeta Carlos Drummond de Andrade nasce em Itabira, Minas Gerais, a 31 outubro de 1902. Em 1920 vai morar em Belo Horizonte, onde integra o movimento literrio modernista, do qual faziam parte, entre outros, Emlio Moura, Abgar Renault e Pedro Nava. Em 1925 conclui o curso de Farmcia. Em 1928, publica, na Revista Antropofagia, o poema "No meio do caminho" e, nesse mesmo ano, inicia sua carreira de funcionrio pblico. Seu primeiro livro, Alguma poesia, publicado em 1930, e o segundo, Brejo das almas, lanado em 1934. Escreve para diversos jornais e revistas. Dedica-se ao servio pblico e, no Rio de Janeiro, torna-se chefe do gabinete do Ministro da Educao. Em 1964, publicada, pela editora Aguilar, a Obra completa de Drummond. Entre seus livros mais importantes esto: Sentimento do mundo(1940), A rosa do povo(1945), Claro enigma(1951). considerado um dos maiores poetas brasileiros. Drummond dedica-se tambm crnica. Entre os principais livros em que revela grande domnio nesse gnero, destacam-se Passeios na ilha (1952), Fala, amendoeira (1957), Cadeira de balano (1966). Falece a 17 de agosto de 1987, deixando trs obras inditas

Num monumento aspirinaClaramente: o mais prtico dos sis, o sol de um comprimido de aspirina: de emprego fcil, porttil e barato, compacto de sol na lpide sucinta. Principalmente porque, sol artificial, que nada limita a funcionar de dia, que a noite no expulsa, cada noite, sol imune s leis da meteorologia, a toda hora em que se necessita dele levanta e vem (sempre num claro dia): acende, para secar a aniagem da alma, quar-la, em linhos de um meio-dia. Convergem: a aparncia e os efeitos da lente do comprimido de aspirina: o acabamento esmerado desse cristal, polido a esmeril e repolido a lima, prefigura o clima onde ele faz viver e o cartesiano de tudo nesse clima. De outro lado, porque lente interna, de uso interno, por detrs da retina, no serve exclusivamente para o olho

Joo Cabral de Melo Neto A educao pela pedra (1966) Sobre o autor

a lente, ou o comprimido de aspirina: ela reenfoca, para o corpo inteiro, o borroso de ao redor, e o reafina. O poeta Joo Cabral de Melo Neto, falecido em 1999, transcorreu parte de sua vida sob a tortura de uma terrvel enxaqueca. H mais de um depoimento sobre ele que comenta esse aspecto de sua biografia. No foi para menos, portanto, que o pernambucano dedicou uma verdadeira ode quilo a que ele sempre recorria para aliviar sua cefalia e, com a cabea mais leve, ento arquitetar intrincados poemas. O poema "Num monumento aspirina" produz, j pelo ttulo, um certo estranhamento no leitor, dada a combinao, meio estrondosa, dos substantivos "monumento" e "aspirina". Pois, em geral, fazemos monumentos s coisas grandes, aos acontecimentos e personagens histricos de relevo. Mas a uma aspirina, a um prosaico comprimido antipirtico... No dicionrio Aurlio, entre os significados de monumento, esto os seguintes: "obra de arte levantada em honra de algum, ou para comemorar algum acontecimento notvel"; "construo ou obra de escultura digna de admirao pela sua antiguidade"; "mausolu" etc. A graa do ttulo justamente a conjuno esquisita de um substantivo que evoca o descomunal e de uma palavra cujo sentido to mais rasteiro, ligada ao consumo imediato e ao comrcio. E em linguagem de comrcio, alis, que o comprimido de origem alem comea a ser descrito no poema: "fcil, porttil e barato". Isso lembra slogan publicitrio, no mesmo? Essa trinca de adjetivos ultracomum na apresentao de um produto, podendo ganhar variaes conforme o caso: "bom, bonito e barato"; "rpido, bonito e moderno" Realmente o poema tem algo de propaganda, a comear pelo elogio da conciso. O poeta utiliza com ironia o jargo publicitrio, espichado ao mximo, especialmente na primeira parte, que parece vender o comprimido ao leitor, que seria no s fcil, porttil e barato, como tambm "compacto de sol na lpide sucinta". Ou seja, ele comprime inmeras virtudes numa frma, num molde sucinto, diminuto. Falando em lpide, parece que o eu lrico estabelece uma analogia entre um caixozinho e a embalagem da aspirina, com a inscrio da fbrica e da composio qumica. Afinal, lpide , no caso, a pedra tumular sobre a qual costuma haver alguma inscrio. Mas no pequeno tmulo da embalagem h um sol poderoso. Mais poderoso que o sol meteorolgico. Ele concentra o mximo no mnimo. Alis, olhem bem a disposio estrfica do texto: so como dois blocos compactos, de 12 versos cada um. So, portanto, perfeitamente simtricos, como as duas faces de um comprimido-ou as faces de um caixo. A primeira parte, o rosto, digamos, tem um pouco a funo das embalagens, apresentando o produto e realando-lhe as virtudes. A segunda parte, como veremos, algo como a bula da aspirina, que explica como ela "age" sobre o organismo. evidente que Joo Cabral faz isso com meios eminentemente poticos. Por que o comprimido "o mais prtico dos sis"? Bem, isso s quem tem enxaquecas pode saber... As enxaquecas podem causar distrbios visuais de inmeros tipos, os quais variam de pessoa para pessoa. Mas, em geral, pode-se dizer que aquele que est acometido por esse problema no suporta a luz, artificial ou natural. A viso fica completamente turvada, e h mesmo pessoas que no enxergam nada nos momentos de crise. Bem, esse comentrio j est ficando mdico demais. Daqui a pouco vou ter de passar receitas... Mas que o poema de Joo Cabral vai um pouco por essa seara, no mesmo? A aspirina assume, nesse contexto, o estatuto de sol no apenas por seu formato esfrico e sua cor branca, mas porque leva luz aos olhos do doente. Ou seja, uma vez engolida, transforma-se numa espcie de lente de contato, pois de fato possibilita, como a lente (que tambm redondinha), olhar o mundo em redor. Assim, observem que toda a segunda parte do texto se dedica, com grande engenho, em descrever a converso do comprimido em lente, em descrever o modo de agir da aspirina. , como dissemos, a bula do poema, sua "informao tcnica", em contraposio ao primeiro bloco, que tem funo mais publicitria. Embora o poema

como um todo faa alarde do produto, trabalhando, com ironia e graa, o linguajar do comrcio. No final das contas, conclui o eu lrico, o moderno comprimido no serve apenas para o olho: (...) porque lente interna, de uso interno, por detrs da retina, no serve exclusivamente para o olho a lente, ou o comprimido de aspirina: ela reenfoca, para o corpo inteiro, o borroso de ao redor, e o reafina. Ela serve, portanto, para o corpo inteiro. E, no s, acrescentaramos: para a mente tambm. Sem ela, o poeta talvez no tivesse cabea para escrever poemas to inteligentes. Em tempo, o Ministrio da Sade adverte: comprimidos com dipirona, como a aspirina, so prejudiciais sade. Joo Cabral de Melo NetoJoo Cabral de Melo Neto nasce no Recife, em 9 de janeiro de 1920. Mas nos engenhos que passa quase toda a sua primeira infncia, mudando -se depois para a capital de Pernambuco. Em 1942 publica seu primeiro livro, Pedra do sono. Em 1945, sai O Engenheiro. Nesse mesmo ano, o poeta ingressa na carreira diplomtica, prestando servio em