TEXTO 3 - SACHS, Ignacy. Em Busca de Novas Estratégias

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ESTUDOS AVANÇADOS 9 (25), 1995 29 S NAÇÕES UNIDAS convocaram para o mês de março de 1995, em Copenhague, um encontro de cúpula dos chefes de Estado, consagrado ao desenvolvimento social. A data da reunião está carregada de símbolos. É que 1995 marca o qüinquagésimo aniversário do lançamento da bomba atômica sobre Hiroshima, do fim da Segunda Guerra Mundial e da criação da ONU. Essa será, portanto, uma ocasião privilegiada para se estabelecer um balanço em claro-escuro do meio-século transcorrido, refletir sobre a possibilidade de se modificar o rumo dos próximos 50 anos e alcançar um resultado mais satisfatório em termos de paz e desenvolvimento, os dois objetivos centrais das Nações Unidas. O meio-século transcorrido Antes deveríamos dizer balanço em escuro-claro, porque, ao longo todo do período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, sucederam-se conflitos de cunho político, étnico e até mesmo religioso, violências institucionais, violações múltiplas dos direitos fundamentais, imposição de regimes autoritários e práticas de democracia de fachada. Durante a Guerra Fria, o equilíbrio do terror entre as duas superpotências permitiu evitar o pior: o conflito mundial que levaria ao holocausto nuclear. O fim da Guerra Fria não conseguiu afastar por completo o perigo; reduziu-lhe, porém, consideravelmente, a probabilidade. Em contrapartida, conflitos locais têm-se multiplicado através do século, que se encerra com uma onda de genocídios na África e no coração da Europa, a qual vê assim ressurgir a longa seqüência de horrores: as duas guerras mundiais, os campos de extermínio e os gulag. No entanto, no que diz respeito à geopolítica, duas mudanças maiores ocorreram: a descolonização e emancipação dos países colonizados ou depen- dentes (1), seguidas pelo desmoronamento do socialismo real em 1989 e, depois, o desmembramento da União Soviética. A isso convém acrescentar o fim do regime de apartheid na África do Sul, que se deu em 1994, e a esperança, que continua firme, de uma paz duradoura no Oriente Médio. A descolonização tanto quanto o desmoronamento do socialismo real constituem duas rupturas históricas irreversíveis, cujas conseqüências continuam Em busca de novas estratégias de desenvolvimento IGNACY SACHS A

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  • ESTUDOS AVANADOS 9 (25), 1995 29

    S NAES UNIDAS convocaram para o ms de maro de 1995, emCopenhague, um encontro de cpula dos chefes de Estado, consagradoao desenvolvimento social. A data da reunio est carregada de smbolos.

    que 1995 marca o qinquagsimo aniversrio do lanamento da bomba atmicasobre Hiroshima, do fim da Segunda Guerra Mundial e da criao da ONU. Essaser, portanto, uma ocasio privilegiada para se estabelecer um balano emclaro-escuro do meio-sculo transcorrido, refletir sobre a possibilidade de semodificar o rumo dos prximos 50 anos e alcanar um resultado mais satisfatrioem termos de paz e desenvolvimento, os dois objetivos centrais das Naes Unidas.

    O meio-sculo transcorrido

    Antes deveramos dizer balano em escuro-claro, porque, ao longo tododo perodo que se seguiu Segunda Guerra Mundial, sucederam-se conflitos decunho poltico, tnico e at mesmo religioso, violncias institucionais, violaesmltiplas dos direitos fundamentais, imposio de regimes autoritrios e prticasde democracia de fachada.

    Durante a Guerra Fria, o equilbrio do terror entre as duas superpotnciaspermitiu evitar o pior: o conflito mundial que levaria ao holocausto nuclear. Ofim da Guerra Fria no conseguiu afastar por completo o perigo; reduziu-lhe,porm, consideravelmente, a probabilidade. Em contrapartida, conflitos locaistm-se multiplicado atravs do sculo, que se encerra com uma onda de genocdiosna frica e no corao da Europa, a qual v assim ressurgir a longa seqncia dehorrores: as duas guerras mundiais, os campos de extermnio e os gulag.

    No entanto, no que diz respeito geopoltica, duas mudanas maioresocorreram: a descolonizao e emancipao dos pases colonizados ou depen-dentes (1), seguidas pelo desmoronamento do socialismo real em 1989 e,depois, o desmembramento da Unio Sovitica. A isso convm acrescentar o fimdo regime de apartheid na frica do Sul, que se deu em 1994, e a esperana, quecontinua firme, de uma paz duradoura no Oriente Mdio.

    A descolonizao tanto quanto o desmoronamento do socialismo realconstituem duas rupturas histricas irreversveis, cujas conseqncias continuam

    Em busca de novasestratgias de desenvolvimentoIGNACY SACHS

    A

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    pesando, muito significativamente sobre o nosso presente. Para alm das simpli-ficaes exageradas que pretendem substituir o esquema bipolar da Guerra Friapor um suposto choque de civilizaes, a busca das identidades no deixa derepresentar um terreno frtil ao crescimento dos etnonacionalismos efundamentalismos perigosamente anacrnicos. O historiador polons Witold Kula(1960) definia o subdesenvolvimento como uma coexistncia de assincronismos.Nessa perspectiva, pode-se falar em involuo ou processo de subdesenvolvi-mento bastante generalizado, simultneo aos fenmenos de mundializao, cujosimpactos econmicos e sociais diferenciados positivos e negativos exigemprofunda avaliao. Uma apreciao uniformemente positiva de tais fenmenosremete antes teologia do mercado do que a uma anlise cientfica.

    O perodo que acabamos de viver testemunhou um desenvolvimento semprecedente do poder tecnolgico, do volume dos bens, dos servios produzidose das trocas comerciais. O estilo de consumo e o modo de viver transformaram-seprofundamente para uma maioria de habitantes dos pases industrializados e umaminoria dos pases do Terceiro Mundo, sem que os progressos materiais indicadospela progresso das mdias tivessem se generalizado. Num pas to rico como a Frana, uma ruptura social separa hoje os dois teros dos ganhadores, do terodos perdedores, cada vez mais excludos da sociedade de consumo e privados doexerccio de seu direito que, porm, fundamental ao trabalho. Em outraspalavras, a Frana, tambm, possui seu Quarto Mundo e o Sul est presente noNorte. A minoria privilegiada nos pases do Terceiro Mundo constitui, emcontrapartida, um Norte no Sul, sem que se possa falar de encraves territorialmentedefendidos. O Norte e o Sul vivem lado a lado e se interpenetram, especialmentenas grandes cidades.

    Com a revoluo dos transportes e em grau ainda mais significativo ada comunicao, o mundo encolheu. Desses avanos tecnolgicos que se ori-ginam os fenmenos da mundializao j mencionados, os quais se manifestamde maneira desigual em campos to variados quanto finanas, economia,tecnologia e cultura.

    Na hora atual, estamos vivendo um desacoplamento da economia financeirae da economia real (Drucker, 1986) e, como conseqncia, a implantao deredes de especulao financeira que atraem capitais que poderiam ter financiadoinvestimentos produtivos e contribudo para a criao de empregos. As empresastransnacionais assumiram o papel de protagonistas da economia e das trocascomerciais, a ponto de tornarem obsoletas as estatsticas da produo e docomrcio internacional apresentadas na forma de agregados nacionais.

    A mdia espalha por toda a parte as mesmas representaes da boa vida,baseada no consumo desenfreado e no sonho hollywoodiano. Reduzida minoriade homens e mulheres desloca-se com facilidade pelo mundo a ponto de trans-formar turismo e viagens em setor privilegiado da economia (3). A maioria dos

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    habitantes de nosso planeta continua porm, vivendo como se fosse glebae adscripti.O contraste marcante entre as restries mobilidade da mo-de-obra em escalainternacional e a mobilidade cada vez maior dos demais fatores de produo.

    O nosso domnio da cincia e da tecnologia continua bastante imperfeito.Prometeu estorvou a si mesmo, segundo uma metfora de Jean Jacques Salomon(1984). O poder destruidor das tecnologias, cujo uso permanece subordinado busca de projetos financeiros e econmicos de curto prazo, manifestou-se, poroutro lado, pela degradao do meio-ambiente, cuja gesto prudente tornou-seum imperativo mundial, como o mostrou a conferncia internacional Rio 92sobre a Terra.

    Acima de tudo, o progresso cientfico e tcnico no cumpriu as promessasde um bem-estar generalizado para o conjunto da humanidade. Em 1930, Keynespensava que o problema econmico da humanidade fosse definitivamente resolvidono espao de um sculo. Pela primeira vez, desde seu aparecimento na Terra, ohomem poderia ento enfrentar seu problema verdadeiro: Como empregar aliberdade arrancada aos entraves econmicos, como ocupar os tempos de lazer,que cincia e juros compostos haviam conquistado para ele, de modo agradvel,prudente e bom? (Keynes, 1971:l36).

    Nosso poder tecnolgico seria, desde j, suficiente para oferecer a cada umdos homens um conforto material razovel. Segundo dados do Banco Mundial,a renda mdia per capita, em plano mundial, estava em 1992 na casa dos US$4.300. Para efeito de comparao, a renda per capita no Reino Unido era deUS$ 4.593 em 1900 e a dos Estados Unidos, na mesma poca, de US$ 4.096(Maddison, 1994).

    Entretanto, a desigualdade que caracteriza a distribuio das rendas entrepases e dentro dos pases tira toda e qualquer significao de tal mdia. Em1991, o quinto mais rico da populao do mundo apropriava-se de 84,7% do PNBmundial, enquanto o quinto mais pobre estava reduzido a l,4%. Em 30 anos, adisparidade das rendas entre esses dois extremos passou de 30 por um a 60 por um.

    Fato ainda mais importante nas sociedades modernas, a excluso passou aliderar, superando a explorao. Os ricos j no precisam dos pobres. provavel-mente a razo por que tentam esquec-los (5).

    A distribuio cada vez mais desigual dos frutos dos progressos tecnolgicoe econmico resulta da m organizao social e poltica, no da escassez de bens.Aponta para a responsabilidade do poder poltico, incapaz de assegurar o usojudicioso do poder tecnolgico (Ruffolo, 1988). Estamos aqui no cerne da noode maldesenvolvimento (Sachs, 1994), o qual no incompatvel com um cresci-mento da economia, at mesmo forte. que crescimento e desenvolvimento

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    no so sinnimos. Enquanto persistirem enormes disparidade sociais, o cresci-mento permanecer, com certeza, uma condio necessria, embora de modoalgum suficiente, do desenvolvimento, cujos aspectos distributivos e qualitativosno podem ser negligenciados. um erro dizer que os exorbitantes custossociais e ecolgicos de certas formas de crescimento econmico constituem osdanos inelutveis do progresso.

    Progresso para quem?

    Essa problemtica ser abordada na Conferncia sobre desenvolvimentosocial, que incluiu na sua ordem do dia os trs pontos seguintes: luta contra apobreza, integrao social e criao de empregos produtivos. No aceitvelnem necessrio que os progressos financeiros e econmicos sejam pagos pordesemprego ou subemprego estruturais, resultando em fenmenos cada vez maisgeneralizados de excluso social e pobreza.

    A articulao da ordem do dia de Copenhague, como foi, alis, o caso daRio-92, constitui uma recusa implcita de teorias economicistas que fazem do

    Figura 1O clice da vergonha

    Repartio da atividade econmica em 1991(percentagem do total mundial)

    PNB - 84,7Comercio mundial - 84,2Poupana interna - 85,5

    Investimento interno - 85Quinto mais rico

    Dis

    pari

    dad

    es e

    con

    m

    icas

    mu

    nd

    iais

    Cada faixa horizontalrepresenta um quintoda populao mundial

    PNB - 1,4Comrcio mundial - 0,9Poupana interna - 0,7Investimento interno - 0,9

    Quinto mais pobre

    Fonte: PNUD - Relatrio mundial sobre desenvolvimento humano, 1994:67.

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    crescimento o objetivo central, se no o nico. Assinala tambm o fim da crenana difuso quase automtica dos resultados do crescimento econmico no conjuntoda sociedade. Como escreve Louis Emmerij (1994), ningum poderia contestar ofato de que o crescimento econmico seja, a longo prazo, eficiente para alcanaros objetivos sociais e lutar contra a pobreza, mas de trs a cinco geraes podemser necessrias para chegar a essa meta. Em outros termos, o perodo de transioseria humanamente insuportvel e politicamente irresponsvel.

    Eis a razo por que necessrio tratar simultaneamente os cinco temas:paz, economia, meio-ambiente, justia e democracia tomando as condies sociaiscomo ponto de partida dos esforos em prol do desenvolvimento (6). O presentetexto tem um objetivo muito mais restrito. Limita-se a analisar os aspectos daproblemtica do desenvolvimento que parecem merecer ateno especial. A seguir,depois de examinarmos a crise generalizada no conjunto dos continentes,insistindo sobre a insero produtiva por meio do emprego e auto-emprego,iniciaremos a busca de novos paradigmas de desenvolvimento, partindo dosseguintes temas: a superao do economicismo; a necessidade de uma axiologiauniversal; as relaes entre o econmico, o ecolgico e o social; a regulaodemocrtica das economias; a redefinio do papel do Estado; as novas formasde parceria entre os atores sociais, a cincia e a tecnologia a servio do desenvol-vimento social; e as reformas do sistema internacional.

    A crise social generalizada

    A Conferncia de Copenhague ser confrontada com uma crise social genera-lizada, com formas e intensidades diferentes, que atinge, salvo poucas excees, ospases do Terceiro Mundo, os da Europa do Leste e da ex-Unio Sovitica(chamados hoje pases em transio) e at mesmo os pases industrializados.

    No Terceiro Mundo, aos antigos pobres, vtimas do subdesenvolvimentodo aparelho produtivo, juntaram-se os novos pobres, vtimas de um conceitomimtico de modernidade construdo pela transposio das tecnologias maismodernas vindas dos pases industrializados. verdade que o uso seletivo dessastecnologias se impe. A abertura indiscriminada das economias do Sul, porm,seria capaz de intensificar os processos de dualismo da economia e da sociedadee, conseqentemente, a acelerao das excluses e a ameaa, em prazoindeterminado, do apartheid social.

    Os pases em transio devem enfrentar, simultaneamente, um desafiotrplice. Precisam estabilizar as economias; criar, a partir de nada, o conjunto dasinstituies necessrias ao funcionamento das economias, predominantemente ade mercado; enfim, reestruturar profundamente o aparelho de produo de modoa aumentar sua eficincia e competitividade nos mercados internacionais e seudesempenho no que diz respeito ao gerenciamento do meio-ambiente. Sob

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    vrios aspectos, os problemas dos pases em transio se parecem com os dospases do Terceiro Mundo (7).

    Transformao como essa no poderia, de qualquer forma, realizar-se semcustos sociais elevados. Porm, a escolha de uma nova estratgia inspirada pelailuso de que fosse possvel implantar imediatamente o capitalismo e o reinosoberano da economia de mercado parece ter aumentado os custos e, atmesmo, prolongado sua durao alm do necessrio.

    A degradao das relaes sociais; a deteriorao dos servios de sade, deeducao e de previdncia social; o aparecimento de desemprego estruturalimportante e difcil de ser eliminado; a vulnerabilidade dos pases em transio aum tratamento de choque representado pela abertura demasiadamente bruscade suas economias; a permissividade com relao s prticas do capitalismoselvagem constituem vrios fatores que oneram negativamente o balano da grandetransformao, pelo menos at o presente momento.

    Sem dvida alguma, o elemento mais surpreendente da crise social adeteriorao da situao dos pases industrializados, ocorrida aps dcadas deprogressos econmico e tecnolgico particularmente rpidos.

    Quase se poderia dizer que estamos assistindo sua terceiromundializao. que a instrumentao intelectual criada antigamente para estudar a dualidadeeconmica e social dos pases ps-coloniais e explicar os fenmenos de exclusosocial e segregao espacial voltou tona com intensidade no debate que agitaatualmente a maior parte dos pases industrializados. O desemprego, a crescenteprecariedade do trabalho e as diversas excluses resultantes tornaram-se endmicas.O eufemismo sociedade com ritmo dual no engana mais a ningum. MarshallWolfe (1994) distingue vrias excluses: as dos meios de subsistncia livelihood,dos servios sociais de proteo e redes de segurana, da cultura do consumo, doprocesso de escolhas polticas, das bases de organizao popular e de solidariedadee, finalmente, da aptido para compreender o que est acontecendo.

    Tudo ocorre, portanto, ao oposto do que as teorias otimistas do desenvol-vimento deixavam prever. No lugar do desaparecimento do setor tradicional pelatransferncia progressiva do excedente de sua mo-de-obra para o setor moder-no, assistimos expulso das sobras de trabalhadores do setor moderno parasetores de economia informal, de fundos de quintal ou nitidamente ilegal, atmesmo sua marginalizao pura e simples, fadados aflio da ociosidadeforada, condenados situao de assistidos, para alguns do bero ao tmulo.

    No momento em que mais precisamos dele, o Estado-protetor (WelfareState) levado ao banco dos rus e at parcialmente desmantelado sob o pretextode custos excessivos, das complicaes de sua burocracia e da suposta eficincia

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    das frmulas substitutivas que postulam a comercializao dos servios sociais.No h dvida de que as modalidades de funcionamento dos Estados protetoresdevem mudar. No se deve esquecer, porm, que constituem a nica contribuiorealmente positiva que a Europa tem dado ao mundo, neste sculo XX, fruto deum sculo e meio de lutas sociais, assim como de competio com o socialismoreal, na poca em que ele tinha ainda credibilidade em importante parcela daopinio pblica ocidental.

    Mais do que nunca, os objetivos do pleno emprego e de proteo socialgeneralizada e adequada representam um elemento fundamental da identidadeeuropia. Em vez de defender a manuteno da legislao social na sua formaatual, preciso inscrever na ordem do dia uma reforma profunda dos Estadosprotetores, sem para tanto desresponsabiliz-los e confiar unicamente nos meca-nismos do mercado. A direo que deve ser tomada por essa reforma clara: preciso ajudar as sociedades a melhor se responsabilizarem por si mesmas com aajuda do Estado, buscando formas mltiplas de parceria na produo de serviossociais entre os usurios, a sociedade civil representada pelo mundo associativo eos outros componentes da economia social (cooperativas, sociedades de socorrosmtuos), poderes pblicos em todos os nveis, do local ao nacional e, enfim, asempresas (8).

    Os trs pontos da Conferncia de Copenhague so estreitamente interli-gados. No entanto, parece-nos que a ordem lgica prioriza a implantao depolticas pr-ativas visando a cortar o mal pela raiz, por meio da insero produtiva,do emprego ou do auto-emprego. As polticas assistenciais voltadas para os pobresso necessrias, sem dvida, diante do tamanho e da urgncia do problema dapobreza. Mas, por si ss, elas no trazem solues durveis. Os excludos assistidoscontinuaro, enquanto no tiverem encontrado um lugar na economia.

    Da mesma forma, a integrao social que leva em conta numerosos fatoresculturais e formas de organizao social depende, em boa parte, da capacidadede assegurar ao conjunto dos diversos componentes da populao, para alm desuas diferenas sociais, tnicas e religiosas e de seu nvel de educao, condiesque lhes permitam, com o ganho de seu trabalho, alcanar uma vida decente.

    A exploso demogrfica freqentemente apresentada como a causa prin-cipal do subemprego e do desemprego agudos nos pases do Sul. Essa tese, po-rm, necessita ser corrigida por uma leitura mais atenta da relao populao-desenvolvimento. Enquanto as populaes do Sul no tiverem alcanadoseguridade alimentar e social, enquanto conviverem com taxas de mortalidadeinfantil elevadas e sua educao, particularmente no que diz respeito s meninas,permanecer deficiente, ficar difcil persuadi-las da pertinncia das polticas decontrole da natalidade. A racionalidade fragmentada dessas polticas em nvelfamiliar continuar chocando-se com a racionalidade global. A transio

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    demogrfica no pode dar certo se no houver desenvolvimento social baseadona insero produtiva.

    A prioridade que se deve dar ao problema do emprego e do auto-emprego tanto maior quanto a ociosidade forada (9) constitui uma forma irreversvelde destruio das vidas humanas, j que o tempo perdido no pode ser nemdetido nem recuperado. O verdadeiro desafio est em quebrar a dinmica dodesemprego e da excluso, substituindo-a por uma dinmica do emprego(Brunhes, 1993). A leitura das estatsticas e projees demonstram a amplitudedo problema.

    O BIT elaborou projees da populao economicamente ativa (PEA) parao perodo 1995-2025, as quais nos serviro para avaliar a ordem de grandeza donmero de empregos a ser criados, necessrios para integrar os recm-chegadosnos mercados de trabalho no decorrer da presente e das duas prximas dcadas,isso sem levar em considerao a necessidade de reduzir gradativamente odesemprego existente (BIT, 1996).

    De fato, como mostra o quadro 1, de 1990 at o ano 2000, a populaoativa, aumentaria de 389 milhes e, depois, no decorrer das duas primeiras dcadasdo sculo XXI, de 394 e 35l,5 milhes respectivamente. Os novos empregos aserem criados localizar-se-iam essencialmente nas regies menos desenvolvidas:92,5% do aumento total entre 1990 e o ano 2000, 97% entre 2000 e 2010, maisde 100% entre 2010 e 2020, uma vez que, no decorrer desse ltimo perodo, aPEA das regies mais desenvolvidas dever conhecer uma reduo de 400milhes de pessoas.

    Quadro 1

    Crescimento da PEA (projees do BIT)

    em milhes

    Regies 1990-2000 2000-2010 2010-2020

    Menos desenvolvidas 360 383 352

    Mais desenvolvidas 29 11 -0,4

    Mundo 389 394 351,5

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    Esses dados no levam em conta os desempregados e subempregados j exis-tentes. Cerca de 30% da populao ativa do mundo encontram-se nessa condio,segundo as estimativas das Naes Unidas. A absoro de tal contingente exigi-ria a criao de numerosos empregos adicionais. Segundo a Comisso Internacionalpela Paz e Alimentao, para segurar o pleno emprego, seria preciso criar cerca deum bilho de novos postos no decorrer da presente dcada (1994:71).

    Conforme os dados do BIT, a situao das regies mais desenvolvidas parece, primeira vista, confortvel, considerando que a taxa anual de crescimento daPEA de apenas 0,49% no decorrer da presente dcada, passando para 0,34% naprxima. Criar aproximadamente trs milhes de postos de trabalho por ano nodeveria constituir problema, j que nos pases de renda elevada a formao brutado capital atingia em 1991, segundo dados do Banco Mundial, US$ 3.750 bilhes(a serem comparados com US$ 1.010 bilhes para o resto do mundo).

    Na realidade, no nada disso. Ao invs de criarem empregos, os investi-mentos produtivos tendem a substituir os homens por mquinas. Em numerosossetores industriais, a relao entre crescimento e emprego sofre uma inverso desinal. A busca desenfreada da competitividade traduz-se por taxas de crescimentoda produtividade superiores s taxas de crescimento da produo. Para citarmosapenas um exemplo, particularmente instrutivo, entre 1980 e 1992 a Espanhaduplicou seu PIB sem criar um nico emprego adicional. Encontramo-nos numasituao estruturalmente nova, que resulta da conjugao de vrios fatores, dosquais mencionaremos quatro.

    Os fatos desmentiram a expectativa otimista daqueles que, preconizando acorrida permanente para a inovao tecnolgica (Riboud, 1987), prometiamum crescimento do emprego no setor dos servios modernos superior ao nmerode empregos diretos suprimidos nas fbricas pela automatizao. Os progressosrecentes da informatizao dos escritrios foram no mesmo sentido da substituiodos homens por mquinas no setor tercirio.

    Os laos entre produo e emprego se afrouxam. O crescimento intensivopredomina sobre o crescimento extensivo. Com relao Frana, E. Malinvaudprev, daqui a certo prazo, uma taxa de crescimento de 3%, acompanhada porcrescimento do emprego de 1% ao ano e diminuio do desemprego no ritmoanual de 0,5% (10).

    Tal tendncia, predominante na fase atual do progresso tecnolgico, vaide par com a desconexo entre a economia real e a economia financeira, cujodesenvolvimento explosivo marca o fim do sculo XX (Drucker, 1986). Como jo dissemos, a atrao pelos ganhos especulativos desvia para o grande cassinodos mercados financeiros os capitais, que poderiam ter sido investidos produti-vamente e cuja esterilizao reduz o crescimento da economia real.

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    Dominadas pela ideologia do consumismo, as sociedades industriais nosouberam aproveitar os ganhos da produtividade para realizar uma reduo drsticado tempo de trabalho socialmente necessrio.

    verdade que enquanto, no fim do sculo XIX o trabalho ocupava 200 milhoras na vida de um francs, atualmente ocupa apenas 70 mil horas (Rigaudiat,1993). Mas agora existem as condies objetivas para acelerar essa evoluo. DeKropotkine a Gorz e Illich, passando por Bertrand Russell e Keynes, muitospensadores formularam propostas no sentido de uma revoluo do tempo liberadoe de uma reorganizao da sociedade que permitisse menos trabalhar para todostrabalharem, retomando o ttulo de uma obra recente (Aznar, 1993).

    A crise atual parece favorecer a retomada do debate, cujas dimenses ticase culturais vo muito alm das modalidades tcnicas de reduo pontual do tempode trabalho. A operacionalizao de uma poltica de redistribuio eqitativa dotrabalho socialmente necessrio exige verdadeira revoluo cultural e transfor-maes institucionais profundas (11). A situao pode, no entanto, ser melhoradapela modificao das polticas fiscais e parafiscais que aumentem o custo damo-de-obra por meio de encargos sociais, os quais poderiam ser financiados deoutra forma, por exemplo, por uma taxa sobre os equipamentos ou pela TVAdevidamente modulada.

    A evoluo recente do pensamento econmico dominado pelas teoriasneoliberais explica a insuficincia das polticas de emprego e, maisabrangentemente, das polticas pblicas de desenvolvimento.

    O declnio e, depois, o desmoronamento do socialismo real foram inter-pretados como um sinal verde para retornar a um capitalismo irrestrito, cujossucessos se medem pela progresso dos ndices de valores da Bolsa e pelo volumedos lucros, e no pela criao de empregos. Regras drsticas de ajuste dos equi-lbrios macroeconmicos e monetrios e de liberalizao da economia foramdecretadas pelo FMI e pelo Banco Mundial a fim de proteger os interesses doscredores dos pases endividados. Embora o FMI e o Banco disso se defendam, aspolticas de austeridade impuseram pesados sacrifcios s classes sociais maisdesfavorecidas (12). Sob o pretexto de combater os excessos do estatismo, adesregulao, a privatizao e a austeridade oramentria foram utilizadas parareduzir o campo de ao dos Estados e reforar a posio das grandes empresasnacionais e estrangeiras. Com poucas diferenas, a mesma estratgia foi propostaaos pases em transio para a economia de mercado.

    O fracasso dos pases industrializados para reduzir o desemprego, apesardo potencial financeiro de que dispem, permite medir a amplitude do desafioao qual so confrontados os pases menos desenvolvidos. No decorrer da presentedcada, teriam eles de criar 12 vezes mais postos, s para absorver os recm-

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    chegados ao mercado de trabalho, isso com uma formao bruta de capital fixoquatro vezes inferior! Impe-se imediatamente uma concluso. simplesmenteimpensvel reproduzir-se nos pases do Sul os modelos do Norte. Esses pasestampouco podem submeter-se, em nome da competitividade, insero naeconomia global, ao ritmo infernal da destruio criadora, que os prprios pasesmais ricos tm dificuldade em manter.

    Esse porm, o caminho escolhido pelas elites do Terceiro Mundo.Entende-se a veemncia com que Kothari as critica na obra j mencionada: eleprope para a ndia uma abordagem do desenvolvimento baseada no reforo dascapacidades da sociedade civil (social empowerment), na planificao descentrali-zada, antes na promoo dos empregos do que no crescimento enquanto tal,antes na prosperidade do campo e do mercado interno do que na prioridadeexcessiva dada s exportaes.

    Entre suas propostas, mencionaremos a nfase na necessidade de consideraro emprego uma varivel-chave das estratgias do desenvolvimento. Uma polticaadequada de emprego elaborada a partir dos dados locais aparece como elementofundamental das polticas pblicas de desenvolvimento, das quais tornaremos afalar posteriormente (13). Embora reconhecendo a gravidade da situao,acreditamos na existncia de margens de manobra neste campo, mas com a con-dio de rever totalmente as metas e modalidades do desenvolvimento. Quando,no pas das maravilhas, Alice pergunta polidamente para o gato como fazer parasair do lugar em que se encontrava, o gato lhe responde: Depende em boaparte do lugar aonde voc pretende ir.

    O desenvolvimento reavaliado

    O Relatrio, j citado, da Comisso Internacional para a Paz e Alimentao(1994:154) considera, acertadamente, que a busca de novos paradigmas dedesenvolvimento integra as grandes prioridades do momento. Se o estatismoleste-europeu desmoronou, nem por isso h lugar para o capitalismo irrestrito:Ao invs de procurar um vencedor e um vencido, antes urge encontrar umsucessor que combine e sintetize os valores esclarecidos dos dois sistemas. Obem-estar de todos os homens que deve determinar a poltica social e as econo-mias de mercado devem se comprometer a garantir o direito de cada cidado aoemprego.

    O Relatrio retoma e endossa a opinio do Secretrio Geral da ONU, conside-rando a renovao do pensamento sobre desenvolvimento o mais importante desa-fio intelectual dos anos vindouros. O mundo possui experincias e informaessuficientes para formular uma teoria integrada de desenvolvimento visto como pro-cesso social e cujo centro seja o homem e todos os homens. A Conferncia SocialInternacional de Copenhague deveria sinalizar o ponto de partida de tal processo.

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    A tarefa difcil. Supe, por um lado, que se reconhea a existncia deuma crise social generalizada que atinge, como j observamos, com modalidadese intensidades diferentes, todos os grupos de pases, inclusive os industrializados.

    Superar o economicismo

    Por outro lado, exige a superao do economicismo, que ainda constitui acorrente dominante do pensamento e se traduz pela aceitao explcita ou implcitada teoria da percolao (trickle down theory), segundo a qual a economia queest no comando. O essencial, portanto, consiste em garantir os controlesmacroeconmicos que permitam um crescimento razovel e o resto se far por simesmo. Os benefcios decorrentes de tal crescimento acabaro irrigando todo otecido social, difundindo-se at a prpria base da pirmide. Se bem que a pautada Conferncia internacional sobre a Terra Rio-92 e, mais ainda, a daConferncia Social, desmintam implicitamente o trickle down, a prtica deinmeros governos continua apoiando essa teoria e as correntes neoliberais maisextremas a preconizam abertamente.

    Outro elemento desse pensamento est em sobreestimar a importncia dacompetitividade, alada ao papel de verdadeira ideologia permeada por umateoria superficial da mundializao apresentada unicamente em seus aspectospositivos, como se o aumento dos fluxos financeiros, comerciais e tecnolgicosdevesse sempre se realizar em benefcio de todos os parceiros, inclusive dos maisfracos. O conceito de interdependncia muitas vezes utilizado para furtar-se dograu de assimetria, at mesmo de dominao existente na relao entre parceirosfortes e fracos. O Relatrio do Grupo de Lisboa (1993) insurge-se contra aideologia da competitividade, mostrando seus limites.

    Quanto mundializao, observaremos, em primeiro lugar, que sua progres-so em diversos campos se d de modo desigual. A unificao microbiana produ-ziu-se antes do nascimento do mercado mundial, como mostram os historiadores.

    Como j assinalamos, os mercados financeiros, que funcionam vinte e quatrohoras por dia e sete dias por semana, movimentam uma massa de dinheiro to-talmente desproporcional com relao s necessidades da economia real e a tentaodos ganhos fceis, embora sujeitos a riscos, acaba esterilizando parte importante dosrecursos que poderiam se ter traduzidos em investimentos produtivos. Avaliam-seem mil bilhes de dlares por dia as transaes realizadas atualmente nos mercadosmonetrios internacionais. A proposta judiciosa de James Tobin, formulada desde1978, de taxar em at 0,5% as operaes de cmbio, renderia mais de mil equinhentos bilhes de dlares por ano, que poderiam ser destinados para finsinternacionais. Apesar de suas vantagens evidentes e do endosso pelo influenteRelatrio mundial sobre o desenvolvimento humano do PNUD (1944:75), talproposta no tem muita chance de ser levada em considerao em Copenhagueou em qualquer outro lugar.

  • ESTUDOS AVANADOS 9 (25), 1995 41

    A mundializao progride tambm a passos largos em matria de comuni-cao. Os mesmos programas de televiso chegam aos quatro cantos do mundocom uma tendncia homogenizao da cultura, que no deixa de levantar umaquesto (Ortiza, 1994) e, o que mais grave, abre caminho para a telecracia,termo inventado pelo jornal Le Monde no dia que se seguiu vitria eleitoral deSilvio Berlusconi, na Itlia.

    O perodo de ps-guerra foi marcado por um avano, com relao s per-mutas comerciais e tecnolgicas, superior s taxas de crescimento econmico e,portanto, pela abertura das economias. Mais uma vez, a afirmao precisa sertemperada, na medida que o grau de abertura difere de um pas para o outro.Em especial, os pases de porte continental compensam por trocas internas onvel relativamente baixo das trocas externas. O peso dos Estados Unidos nastrocas mundiais no se prende a um grau elevado de abertura, mas no volume deseu PIB.

    Certos idelogos da mundializao, como Naisbitt (1995), esforam-sepor demonstrar que seus progressos conferem uma vantagem cada vez mais sig-nificativa s redes de pequenos parceiros, dotados da flexibilidade que os Estados eas grandes empresas no possuem. A argumentao de Naisbitt no deixa de teruma parte de verdade quando fala de recuos identitrios do Estado-nao paraaquilo que chama as tribos. Segundo ele, um dos aspectos do paradoxo global exatamente que quanto mais universais nos tornamos, mais tribal se torna nossomodo de agir (p.24). No decorrer da argumentao, o autor subestima o papelcada vez mais dominante na economia mundial das empresas transnacionais, queno param de aumentar o poder, enquanto a influncia dos Estados se atenua eas instituies internacionais no tm praticamente qualquer domnio sobreas prticas dessas empresas.

    O sentido amplo de seu livro consiste, porm, em exaltar, de modo inslito,o advento da idade do individualismo, o qual marca o fim da poltica tal como aconhecemos e, com isso, minimizar, e at mesmo desresponsabilizar o Estadocom relao a suas funes sociais, particularmente em matria de emprego.Agora, com a revoluo eletrnica, tanto a democracia representativa quanto aseconomias de escala tornaram-se obsoletas. Agora, cada um pode ter umademocracia eficiente direta (p.47). As redes de comunicao que se encarre-garo disso. Ora, como salienta Dollfus (1994), o sistema que produz o espao-Mundo cria, ao mesmo tempo, formas de participao e de excluso com relaoaos processos de mundializao (15). Alm disso, a mundializao baseia-se numprojeto que desafia a riqueza das histrias, a pluralidade da humanidade. Por isso que ela suscita, nos mais diversos lugares, seu contrrio, isto , o crescimentodos particularismos. Na realidade, como mostra de maneira profunda Badie (1994;Badie & Smouts, 1992), estamos caminhando para uma nova desordem mundialmotivada por uma ruptura trplice marcada pela mundializao, pela crise do

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    Estado-nao e pelo fim da bipolaridade. A natureza das oposies atuais j no de ordem ideolgica, mas cultural. O mundo atual caracteriza-se pelo fracassode trs conceitos-fetiches referentes s relaes internacionais modernas: a sobe-rania, a territorialidade e a segurana. Na medida que o nacionalismo se enfra-quece em proveito dos microcomunitarismos e das solidariedades macrossociais(entre outras de tipo religioso), a ordem internacional entra em crise.

    Outra caracterstica do pensamento econmico dominante que ele seconsidera universalmente vlido, o que lhe confere na realidade um cartera-histrico e utpico. Na prtica, tal atitude nada mais seno negar um campoprprio para as teorias do desenvolvimento e sustentar, contra tudo e contratodos, que a transposio mimtica das experincias dos pases industrializadospara o resto do mundo constitui a via acertada que leva ao desenvolvimento. Oscustos sociais proibitivos do ajuste estrutural aplicado de modo uniforme atravsdo planeta acabaram de contrariar mais uma vez tal pretenso, sem que se obser-vasse qualquer mudana nas prticas das organizaes internacionais que se apiamno consenso de Washington (16).

    A pluralidade das vias de desenvolvimento est mais do que nunca na or-dem do dia. As estratgias que levam a esse devem considerar certas especificidadescomuns a vrios pases (por exemplo, pases grandes e ricos em recursos naturaisem oposio aos pases pequenos e pobres dos mesmos recursos), o que permiteconceber certas tipologias de tipo heurstico (17). a mesma coisa no que dizrespeito s singularidades prprias de cada pas:

    o contexto histrico e cultural. O desenvolvimento deve ser apreendidoem sua dinmica processual (18);

    o contexto ecolgico, a diversidade climtica e biolgica bem interpretadastraduzem-se por um potencial de recursos que podem ser aproveitados pelodesenvolvimento sem destruir em demasia o capital da natureza, j que o laoentre a diversidade natural e a cultural bastante estreito; de fato, no se podenegar que uma face importante da prpria cultura, para uma sociedade, diz res-peito ao conhecimento que ela tem sobre seu meio natural (19).

    enfim, o contexto institucional, no sentido amplo do termo, que refletea organizao da sociedade humana.

    O que se pode esperar da teoria do desenvolvimento diante damultiplicidade das trajetrias passadas, presentes e futuras, alm de uma anlisecomparada das experincias acumuladas, positivas e negativas, que seja capaz deestimular a imaginao social sem por isso querer se livrar de modelos j prontos?

    Pensamos que um discurso normativo indispensvel para precisar umprojeto nacional mobilizador, baseado numa axiologia explcita, que reconhece o

  • ESTUDOS AVANADOS 9 (25), 1995 43

    passado vivo mas est voltado para o futuro. Um projeto como esse tem,subsidiariamente, uma funo muito importante enquanto critrio de avaliaodas polticas propostas e trajetrias cumpridas. As noes de racionalidade eeficincia tornam-se imprecisas na ausncia de uma planificao estratgicaorientada para o mdio e longo prazos. No se trata de reproduzir, mais umavez, erros de planificao exaustiva praticada por economias de comando, mas,ao contrrio, aproveitando todas as lies dos fracassos passados, engajar-se numaplanificao flexvel, dialgica (20), contextual e contratual.

    procura de uma axiologia universal

    Num mundo em que, como j vimos, os particularismos culturais adquiremimportncia crescente, ser possvel construir a axiologia em torno de certosprincpios universais?

    Respondemos afirmativamente, luz do debate inaugurado pela Confe-rncia de Estocolmo em 1972 e retomado pela Conferncia Internacional sobrea Terra Rio-92. Pensamos que o desenvolvimento, no sentido forte da palavra,deve ter uma finalidade social justificada pelo postulado tico da solidariedadeentre geraes e da eqidade concretizada num contrato social. Numa poca emque as disparidades, entre naes e no interior das naes, no cessaram deaumentar, preciso fazer tudo para reduzi-las, o que supe que os privilegiadosse perguntem: Quanto o bastante? (21). O desenvolvimento do homemtodo e de todos os homens s poder ser generalizado por meio da construo deuma civilizao do ser, na partilha equilibrada do ter, segundo a frmula lapidarde Lebret (22). A extrapolao das tendncias atuais s pode, ao contrrio, acen-tuar o desvio para o apartheid social.

    Alm disso, o desenvolvimento inclui a exigncia de ser ecologicamenteprudente em nome da solidariedade entre as geraes expressa num contratonatural (Serres, 1990).

    Enfim, no plano instrumental, o princpio da eficincia econmica impe-se: preciso, porm, medi-lo pelo padro macrossocial e no apenas pela lucratividadeda empresa.

    Subsidiariamente, podem ser mencionados dois outros princpios: aaceitabilidade cultural, sem que isso leve a renunciar mudana em nome dorespeito tradio, e o equilbrio territorial.

    O desenvolvimento aparece assim como um conceito pluridimensional (24),evidenciado pelo uso abusivo de uma srie de adjetivos que o acompanham:econmico, social, poltico, cultural, durvel, vivel e, finalmente, humano (25),e no citei todos. Est mais do que na hora de deixar de lado tais qualificativos

  • 44 ESTUDOS AVANADOS 9 (25), 1995

    Figura 2Situao geralmeio-ambiente

    crescimentoeconmico0

    A B+-

    ++

    T

    T'

    D

    --

    C

    -+

    para nos concentrarmos na definio do contedo da palavra desenvolvimento,partindo da hierarquizao proposta: o social no comando, o ecolgico enquantorestrio assumida e o econmico recolocado em seu papel instrumental.

    Para alm da semntica, h um problema muito mais temvel para a prtica.Trata-se da harmonizao de objetivos que, primeira vista, podem parecercontraditrios e, portanto, conduzirem a arbitragens dolorosas.

    O econmico e o ecolgico

    Assim, o debate sobre desenvolvimento e meio-ambiente concentra-seessencialmente nas situaes caractersticas de um jogo com resultado nulo. Noforam suficientemente exploradas, ao longo do caminho, as situaes duplamenteganhadoras, as quais, no entanto, existem e poderiam ter sido multiplicadas, seos esforos de busca de uma soluo tivessem ido nesse sentido. Podemos dar,como exemplo, os diversos casos de reciclagem, de agricultura chamadaregenerativa e, sobretudo, das estratgias energticas que permitem, ao mesmotempo, reduzir consideravelmente o consumo das energias fsseis e pouparrecursos financeiros (26). O nosso raciocnio aplica-se a outros recursos. Eisporque os fundadores do Clube Fator 10 tm razo de postular, para o prximomeio-sculo, a multiplicao por 10 da produtividade mdia dos recursos naseconomias produtivas, enquanto precondio para que seja assegurado o desen-volvimento durvel em escala mundial (27).

    A situao geral est resumida na figura 2. O quadrante D simboliza oinferno. A e C correspondem a jogos com resultado nulo. No quadrante A, amelhoria da situao do meio-ambiente implica em custos econmicos quelevam desacelerao do crescimento. O quadrante B o do jogo com resultadopositivo, em que se encontram os casos duplamente ganhadores. Em deter-minado momento, levando-se em conta os conhecimentos tecnolgicos eorganizacionais, o conjunto dos casos duplamente ganhadores pode ser repre-sentado por um trao TT. O problema est em deslocar o trao TT para adireita e para cima.

  • ESTUDOS AVANADOS 9 (25), 1995 45

    O econmico e o social

    A ordem do dia da Conferncia de Copenhague introduz a relao entre oeconmico e o social, enquanto a figura pressupunha tacitamente que o econ-mico e o social vo de par. Diante da importncia que toma hoje o crescimentosem emprego e os fenmenos da excluso que dele decorrem, a relao entre oeconmico e o social apresentada na figura 3.

    O quadrante D, infelizmente muito presente na situao atual, aqueleem que a reduo do crescimento leva degradao social acentuada. O quadranteC corresponde ao crescimento que ocorre ao mesmo tempo que a reduo doemprego e a degradao social decorrente de tal situao. O quadrante A repre-senta as poucas situaes em que a degradao econmica no destri o tecidomicrossocial, que se caracteriza por grande coeso. O quadrante B, mais umavez, o do jogo com resultado positivo, dentro do qual encontramos os casosduplamente ganhadores. Mas preciso passar agora para os casos triplamenteganhadores, que permitem progressos nos trs campos ao mesmo tempo: eco-nmico, social e ecolgico, e, portanto, realizam o desenvolvimento no sentidoforte da palavra.

    Propomos que o termo desenvolvimento seja reservado para esses casos,em oposio s diversas formas de maldesenvolvimento ou do desenvolvimentodesequilibrado. O conjunto dos casos pertinentes est resumido no quadro 2.

    Quadro 2Tipo de Crescimento

    Crescimento Econmico Social Ecolgico selvagem + - - socialmente benigno + + - estvel + - +

    desenvolvimento + + +

    Figura 3Relao entre o econmico e o social

    O social

    0 crescimentoeconmico

    A+ +

    B

    +-

    +

    D C

    --

    -

  • 46 ESTUDOS AVANADOS 9 (25), 1995

    A regulao democrtica das economias mistas

    Para alcanarmos situaes triplamente ganhadoras, devemos repensar oquadro institucional no qual se concebe e se realiza o desenvolvimento. Umavez afastados os dois extremos da economia, o de mercado em estado puro (umautopia liberal no sentido forte desse termo) e o da economia de comando, a tota-lidade das situaes reais existentes no mundo pertence categoria de economiasmistas, com mltiplos mercados de trabalho, bens e servios, em que operam asempresas privadas com fins lucrativos, as empresas pblicas e, de forma geral, osEstados, em todos os nveis, do central ao local, os diversos atores da economiasocial (cooperativas, sociedades de socorros mtuos, associaes e organizaesprivadas com fins no-lucrativos) e o conjunto das populaes que se dedicamparcialmente a atividades econmicas fora do mercado, realizadas no contexto do-mstico (28). Para Tsuru (1993), a economia mista , hoje, o nico modo de pro-duo que ainda existe. Saint-Geours (1992) d mais um passo e considera a situa-o mista uma caracterstica de nossas sociedades, para alm do campo econmico.

    Existe, claro, uma multiplicidade de formas nesse quadro misto, querene pblico e privado. O que hoje chama a ateno que a busca de novasformas de articulao entre os atores sociais diz respeito praticamente aoconjunto dos pases do planeta, diante do vazio criado pelo desmoronamento dosocialismo real, da crise que atinge os Estados protetores e o balano aleatrio dodesenvolvimento, sobretudo do maldesenvolvimento no Sul.

    O problema situa-se no plano daquilo que Streeten (1989) chama demesoeconomia, e se prende particularmente ao fato de que as teoriassobreestimaram, por um lado, o papel dos controles macroeconmicos (eviden-temente necessrios, porm absolutamente insuficientes) e, por outro, o da ativi-dade microeconmica dos empresrios. Ora, h lugares em que a forma pelaqual as coisas acontecem ainda hoje continua inversa ao esquema de Schumpeter:iniciativa e riscos so assumidos pelo Estado, de modo que a privatizao a preosbaixos beneficia uma categoria de empresrios que nada tm de schumpeteriano.So trs as questes centrais:

    que Estado, para que desenvolvimento?

    que contedo dar democracia, para alm do simples respeito s regrasdo jogo da democracia representativa no plano poltico?

    como chegar a novas formas de parceria entre o Estado, a sociedade civile o mundo empresarial de modo que todo o potencial das iniciativas locais eaes da cidadania seja valorizado?

    Examinaremos essas questes uma por uma.

  • ESTUDOS AVANADOS 9 (25), 1995 47

    Que Estado?

    Por vrias razes, o debate atual sobre o Estado comeou de forma errada.Ele se origina da oposio estabelecida entre Estado e mercado, enquanto, narealidade, todo mercado deve ser regulado pelo Estado, ainda mais se quisermosque a economia de mercado cumpra tambm uma funo social. As crticas aoestatismo que, com razo, visam a seus excessos e ao peso da burocracia, simpli-ficam exageradamente o problema ao postularem menos Estado, quando a ver-dadeira questo consiste em que ele, ao mesmo tempo, torne-se mais eficiente emenos oneroso. de bom tom que se censurem as falhas do Estado, calandosobre as deficincias do mercado - s vezes to numerosas quanto as do Estado -, suaincapacidade em apreender o longo prazo e o interesse social. De modo geral, legtimo postular a reduo do Estado empresrio, sobretudo quando o setorpblico se compe de empresas que foram nacionalizadas no momento em queestavam falidas e o Estado, ao intervir, privilegiou os interesses particulares de talou qual grupo prximo ao poder. Mas permanecem as funes do Estado-pro-motor (developmental State), a exemplo do que ocorreu no Japo, na Coria doSul, em Taiwan (29) e, sobretudo, do Estado-regulador. O desafio para os anosvindouros est em encontrar formas verdadeiramente democrticas de regulaodas economias mistas.

    O que nos leva segunda questo.

    Apropriao de todos os direitos fundamentais

    O respeito aos direitos polticos, por si s, no suficiente para definirdemocracia no sentido mais forte do termo. O exerccio efetivo de todos osdireitos polticos, cvicos, sociais, culturais e econmicos deve ser estendido aoconjunto da populao, particularmente queles que, no presente momento,deles se acham excludos. Tais direitos incluem o direito ao desenvolvimentoindividual e coletivo, assim como, claro, o direito ao trabalho ou auto-empre-go, assegurando assim uma vida decente e digna. Como j dissemos, s a inseroprodutiva que pode, de imediato, cortar pela raiz o mal da excluso. As polticasassistenciais, por necessrias que sejam, em face da misria dos desempregados eexcludos, no bastam: mesmo assistido, um excludo continua excludo. Emborano haja como renunciar s polticas de redistribuio de renda, a repartio inscri-ta no modo de produo que deve, em primeiro lugar, merecer a nossa ateno.

    Alm das medidas referentes ao emprego, urgente fornecer s populaescarentes e marginalizadas instrumentos que lhes permitam melhor reivindicarseus direitos. Para alcanar tal objetivo preciso promover a educao para acidadania (30), isto :

    conscientizar o conjunto das populaes (crianas, jovens e adultos) e,

  • 48 ESTUDOS AVANADOS 9 (25), 1995

    particularmente, os grupos discriminados (mulheres, crianas quando for o caso,minorias culturais) sobre seus direitos e deveres.

    ensinar-lhes tambm como devem proceder em caso de no-respeito ouviolao de seus direitos: como se organizarem? Aonde buscar apoios eficientes?Para quem apelar no plano prtico e moral? Como mobilizar a opinio pblica?

    Paralelamente, para garantir uma participao real no dia a dia das popula-es nos processos de deciso e gesto, h necessidade de serem analisados demaneira aprofundada os contextos institucionais e as relaes entre os atoresenvolvidos - a sociedade civil organizada (associaes que lutam pela cidadania emovimentos sociais), a economia social, as autoridades pblicas em todos os nveis eo mundo das empresas. De forma mais especial preciso debruar-se sobre:

    as instituies mediadoras entre as populaes e o Estado, que vo alm dasimples democracia representativa (ombudsman, fruns e conselhos consultivos,advocacy planning, formas de cooperao institucionalizada entre poderespblicos e associaes em prol da cidadania.

    as prticas da democracia direta (referendos, pesquisas de opinio, mdiainterativa).

    as polticas de discriminao positiva (e seus efeitos freqentementeperversos).

    Novas formas de parceria entre os atores sociais

    No plano retrico, a participao ocupa bastante espao no discurso sobredesenvolvimento. A realidade manifesta muitas vezes a imposio de estratgiaselaboradas no escalo central. A reabilitao da abordagem inversa, que privile-gia as iniciativas vindas da base, deve ser providenciada, especialmente no quediz respeito identificao das necessidades reais da populao e hierarquia dasurgncias (31). Para tanto, dever ser fortalecida a capacidade das populaespara responsabilizarem-se por boa parte das decises que lhes dizem respeito(conceito expresso pelo termo ingls empowerment .

    Dois obstculos, porm, devem ser evitados.

    Em primeiro lugar, existem ambigidades sabiamente manipuladas emtorno desse conceito. Fiedmann (1992) fez dele, com toda razo, a pedra angularda busca de estratgias alternativas de desenvolvimento. No convm, porm,esquecer que a mesma palavra era freqentemente usada pelo presidente Reagane, na expresso dele, significava que o Estado devia se livrar de algumas de suasresponsabilidades sobre os poderes locais. Uma interpretao diluda do concei-to encontra-se na base do programa comunitrio preconizado por Etzioni (1993).

  • ESTUDOS AVANADOS 9 (25), 1995 49

    O mesmo tipo de ambigidade paira sobre o conceito de subsidiariedade caro Comisso Europia. Uma deciso que pode ser tomada no escalo inferior nodeveria ser levada ao superior. Mas quem decide se vai ser levada ou no?

    Em segundo lugar, seria ilusrio esperar que a complexidade do mundoatual permitisse se satisfazer com a simples justaposio de estratgias locais. Aarticulao dos espaos de desenvolvimento do nvel local aos nveis regional,nacional e transnacional constitui um campo privilegiado da poltica. Odesequilbrio atual, que favorece o escalo central, assim como a incapacidadedesse para conceber estratgias finamente adaptadas aos contextos locais exi-gem que sejam encorajadas as iniciativas da base. Elas, porm, tero de sercompatibilizadas e assistidas por complementao exterior dos recursos critica-mente necessrios que no podem ser mobilizados localmente.

    Em outras palavras, cabe harmonizar as polticas pblicas e as aes ligadas prtica da cidadania. Esse tema, importante para a Conferncia Social Interna-cional foi debatido na conferncia organizada em dezembro de 1994, pela Unesco,em colaborao com a cidade e a Universidade de Bolonha. A confernciaexaminou vrios exemplos concretos da articulao entre os movimentos ligados prtica da cidadania e as polticas do Estado, principalmente o programa daluta contra a fome e pela cidadania no Brasil (32), o programa solidariedade noMxico, o papel das organizaes em prol da cidadania na luta contra a exclusona Polnia. Alm disso, discutiu as perspectivas do fim do apartheid na frica doSul, os estudos realizados na Europa sobre a reforma dos Estados-protetores, atmesmo a implantao de uma sociedade que se responsabilize melhor por siprpria (caring society) (33), por meio da parceria entre os interessados. Odesenvolvimento dos servios sociais, educacionais, ligados sade, mas tambmdaqueles referentes ao aproveitamento ldico do tempo liberado do trabalho,oferece um amplo campo para novas formas de parceria entre usurios, mundoassociativo, poderes locais e empresas.

    Esse campo de atuao especialmente interessante para os pases do Sulou do Leste, onde, no momento, est baixo o nvel dos salrios. De fato, comoa produtividade dos professores primrios, dos enfermeiros ou das assistentessociais aproximadamente a mesma em todos os pases do mundo, a produode tal servio nos referidos pases barata em termos absolutos em comparaocom aquilo que representam os custos nos pases em que o nvel mdio dossalrios bem mais alto. Com pequena modificao no volume de recursosatribudos aos servios sociais, no sentido amplo da palavra, seria ento possvelobter melhoria sensvel da qualidade de vida nos pases pobres. Em vez deesperar a prosperidade para comear a desenvolver os servios sociais, convm,ao contrrio esforar-se sem demora por faz-lo imediatamente.

  • 50 ESTUDOS AVANADOS 9 (25), 1995

    A mesa-redonda final de Bolonha foi consagrada s experincias urbanasna Itlia. Mostrou a riqueza, a variedade e a importncia das experimentaesconcretas realizadas por municipalidades. As cidades, cuja diversidade quase infi-nita foi muito bem salientada por talo Calvino (1974), so de fato o cadinho emque nascem e se pensam as formas novas da cidadania, e a Itlia, h sculos,funciona nesse setor como um prodigioso laboratrio. Precisa haver um desper-tar da cidadania urbana, se quisermos de verdade que nossas cidades do sculoXXI se tornem lugares habitveis. Uma ambio como essa no oneraria as nossaseconomias, especialmente em se tratando dos pases industrializados, mais doque o fizeram as catedrais na Idade Mdia. A crise urbana exige tratamentoprioritrio. Igualmente, no contexto urbano apresenta-se de forma mais aguda aquesto das relaes intertnicas, interculturais e inter-religiosas, fonte de in-meros conflitos e violncia endmica sobretudo nas situaes em que a mesclasocial e cultural se sobrepe aos fenmenos de excluso social (34).

    A cincia e a tecnologiaa servio do desenvolvimento social

    A tcnica constitui uma varivel-chave para a harmonizao das polticassociais, econmicas e ambientais. Ser que se pode pensar em frear a tendnciapoderosa do progresso tecnolgico atual de se traduzir pelo crescimento sememprego? Qual o papel que poderia cumprir, nesse campo, a reorientao dapesquisa cientfica?

    A pergunta foi feita a pesquisadores reunidos no colquio internacional,realizado em dezembro de 1994, em Nova-Delhi, organizado pela Unesco epelo National Institute for Science, Technology and Development Studies. Foi-lhesperguntado, particularmente, quais eram as contribuies potenciais das cinciase tecnologias com relao aos trs pontos de uma estratgia potencial de desen-volvimento orientado para a explorao de trs fontes de empregos, como sucin-tamente descritos:

    o funcionamento das economias caracteriza-se atualmente por desperdcio,mais ou menos acentuado, conforme os casos, de energia, da gua e de outrosrecursos naturais. Progressos considerveis ficam por fazer em matria dereciclagem dos dejetos industriais e materiais. Alm disso, manuteno maismetdica dos equipamentos, da rea construda e das infra-estruturas, traduzindo-sepela prorrogao de sua vida til, uma das maneiras de economizar capital. Taisatividades, fortemente criadoras de empregos, autofinanciam-se, pelo menosparcialmente, pela poupana dos recursos fsicos e do capital por elas trazido;

    no setor rural, a batalha decisiva pelo emprego dar-se- em torno dofuturo da pequena propriedade agrcola. verdade que ela est predestinada adesaparecer em algum tempo, na hiptese da extrapolao das tendncias poderosas

  • ESTUDOS AVANADOS 9 (25), 1995 51

    atualmente observadas em matria de progresso tcnico na agricultura. Mas comcondio de ser bem gerenciada, a nova fase da revoluo verde permite encarara modernizao da agricultura em benefcio do pequeno agricultor. Convmacrescentar que a melhor utilizao das reas agrcolas disponveis interessa tambmaos pases industrializados, medida em que desejam evitar que essas reas setransformem de arquiplago urbano em deserto rural.

    Por outro lado, h tambm a necessidade de empenho na gerao de em-pregos rurais no-agrcolas, o que pode ser conseguido de dois modos:

    mediante o desenvolvimento das agroindstrias transformadoras dabiomassa e a substituio das energias fsseis pelas bioenergias; graas descentralizao das indstrias e de atividades tercirias, que se tornaram poss-veis pelos progressos da telecomunicao e pela importncia dada hoje especi-alizao flexvel;

    em ultimo lugar, cabe mencionar o dossi clssico das obras pblicas,setor no qual as escolhas tcnicas no so ditadas pela concorrncia internacio-nal. As necessidades em infra-estrutura so particularmente urgentes nos pasesem que a competitividade sistmica muito deixa a desejar. Enquanto ela notiver sido melhorada, os investimentos pontuais para aumentar a produtividadenas empresas sero em grande parte perdidos.

    Os debates de Delhi concentraram-se especialmente nos dois primeirospontos. Os trabalhos apresentados pelos participantes permitiram verificar aimportncia que os dois pases mais povoados do mundo a ndia e a China do preparao das estratgias de desenvolvimento fortemente geradoras deempregos rurais, agrcolas e industriais e que, por outro lado, caracterizam-sepela preservao dos recursos raros tais como solos agrcolas e gua. Em ambosos casos, trata-se, na medida do possvel, de reduzir as migraes cidades-campo.Uma hiperurbanizao, conforme o modelo da Amrica Latina, resultaria emdesastres econmico, social e ecolgico.

    Numerosos trabalhos indianos, assim como as experimentaes de campoconduzidas por grupo ASTRA, do Indian Institute of Science em Bangalore; Funda-o Swaminathan, em Madras; e grupo Development Alternatives, em Delhi,para citar apenas alguns, mostram ser possvel utilizar as biotecnologias nas me-nores fazendas de tipo familiar (35), idealizar, nos prprios vilarejos, sistemas inte-grados de produo de alimentos e energia tirados da biomassa (36) e criar em-pregos industriais no campo, com investimentos bastante reduzidos e produtivi-dade razovel. As experincias pioneiras que ainda so poucas realizadas porDevelopment Alternatives mencionam a criao de empregos estveis em pequenasempresas, construo de barragens e no gerenciamento dos solos e das guas, que,em determinados casos, exigem apenas de US$ 200 a 300 por emprego criado.

  • 52 ESTUDOS AVANADOS 9 (25), 1995

    O programa chins de difuso da cincia e das tcnicas modernas em meiorural, chamado Fasca, j contribuiu, segundo comunicou seu representante, criao de centenas de milhes de empregos rurais no-agrcolas. Ashok Jain,diretor do NISTADS, apresentou uma anlise muito aprimorada das perspectivasda industrializao descentralizada na ndia, que leva em considerao asexperincias da terza Italia (37).

    A importncia da reunio de Delhi prende-se ao fato de ter revelado aexistncia de uma corrente de pensamento e ao que se entrechoca com astendncias poderosas dominantes, o que permite encarar com certa serenidadeos desafios extremamente complicados que os pases do Sul densamente povoadosdevem enfrentar. Essa mensagem aparece claramente na importante obra coletivasobre a cincia, a populao e o desenvolvimento organizada por Gowariker(1992) com o sugestivo ttulo O inevitvel bilho e mais. As condies para obtersucesso esto em no sujeitar a pesquisa nos pases do Sul aos modos dominantesnos laboratrios do Norte e no aguardar passivamente a transferncia dastecnologias idealizadas sob outras latitudes e em outros contextos. A ambio desuperar os pases industrializados em determinados pontos de pesquisa absoluta-mente legtima. O fortalecimento da capacidade local em matria de cincia,tecnologia e formao de executivos altamente qualificados constitui ponto funda-mental das estratgias de desenvolvimento baseadas na aptido de elementos nativospara pensarem de maneira autnoma e por em execuo os projetos nacionais.

    Os autores do j citado relatrio da Comisso Internacional pela Paz eAlimentao consideraram vivel uma estratgia que assegurasse a criao de umbilho de novos empregos nos pases do Sul em apenas dez anos (p. 198-199).Tal proposta generaliza os resultados de um estudo, no qual o objetivo fixadoera o de alcanar, em apenas uma dcada, o pleno emprego na ndia, o queelevaria o conjunto da populao indiana acima do limite de pobreza (p. 122-124). Para tanto precisaria criar 100 milhes de novos empregos, entre os quais45 milhes na agricultura, 10 milhes nas agroindstrias rurais e 45 milhes deempregos rurais e urbanos devido ao efeito multiplicador do aumento do consu-mo das massas rurais, j que a agricultura constitui, ao mesmo tempo, uma fontede alimentos e biomassa, e um mercado para produtos industriais e servios.Segundo os autores dessa estratgia incorporada no VIII Plano Indiano, a ndiapoderia alcanar tal resultado espetacular sem o aporte de recursos externos almdos investimentos diretos das empresas agroindustriais. Com a condio,porm, de que o pas pudesse exportar os prprios excedentes agrcolas sem quelhe fosse impedido o acesso aos mercados dos pases industrializados. O relatrio,portanto, ataca fortemente o protecionismo agrcola dos pases desenvolvidos esugere a estratgia mundial de desenvolvimento do Sul, mediante a expanso desuas exportaes de origem agrcola ou florestal.

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    Atualmente, 58% da populao economicamente ativa nos pases do Sul,isto , 1 bilho e 100 milhes de homens, mulheres e crianas trabalham naagricultura, enquanto so apenas 35 milhes nos pases industrializados. Talraciocnio baseia-se inteiramente em uma avaliao controvertida do potencialda agricultura no que diz respeito ao futuro. Segundo os autores do relatrio, asreservas disponveis de solos e gua para a agricultura poderiam facilmenteduplicar em escala planetria e a produtividade por hectare aumentar de formaconsidervel.

    O que, antes de tudo, merece nossa ateno nessa proposta surpreenden-temente otimista a idia de, ao contrrio do que afirma um preconceito bastantedifundido, a agricultura poder assumir papel motor no desenvolvimento, pelomenos em certos pases da sia, frica e Amrica Latina, com a condio deconcentrarem-se em culturas que necessitam de numerosa mo-de-obra e depraticar manejo cuidadoso dos solos, dos micronutrientes e da gua, com a ajudade tecnologias intensivas ligadas a conhecimentos cientficos.

    Um complemento a tal estratgia consiste em explorar a biodiversidade ea diversidade cultural para encontrar novos recursos e gerenci-los de forma so-cialmente til e ecologicamente prudente, de modo que seja aumentada, embase duradoura, a capacidade dos ecossistemas, pressupondo que se recorra si-multaneamente aos conhecimentos acumulados pelas populaes, assim comos conquistas da cincia moderna (38).

    Que reformas do sistema internacional?

    Ficaria incompleta nossa anlise se no mencionssemos a necessidade dereavaliar o funcionamento do sistema onusiano e das instituies de BrettonWoods (39), para criar condies internacionais mais favorveis ao desenvolvi-mento, lembrando especialmente que a eqidade nas relaes internacionais supemodificaes das regras do jogo em benefcio dos parceiros mais fracos, princpioque foi respeitado no momento da criao da CNUOED. ser que o mesmoacontecer no que concerne futura Organizao Mundial do Comrcio?

    De que modo agir para que seja atribudo aos movimentos sociais e sassociaes ligadas ao exerccio da cidadania um papel mais ativo, e no apenas olugar insignificante ocupado por eles, atualmente, no funcionamento das grandesorganizaes internacionais? No contexto da Conferncia de Copenhague, convmexaminarmos dois aspectos dessa ltima questo. Por um lado, o setor associativopoderia encarregar-se da preparao dos relatrios de cidadania sobre as condiessociais do mundo, a exemplo do que foi feito na ndia para o meio-ambiente.Por outro lado, impe-se uma reflexo sobre a criao de um foro especial quedesfrute de autoridade incontestvel, no represente os governos, para os quaisas organizaes ligadas ao exerccio da cidadania poderiam recorrer e cujo papel

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    consistiria, antes de tudo, em alertar a opinio pblica sobre as violaes doconjunto dos direitos polticos, cvicos, sociais, culturais e econmicos, assimcomo em influenciar o funcionamento das instncias governamentais eintergovernamentais.

    guisa de concluso

    Por sua vocao, seu passado e seu potencial, a UNESCO chamada a cumpriro papel principal na coordenao da busca e operacionalizao de novosparadigmas e polticas de desenvolvimento. Iniciativa suscetvel de contribuir paratal objetivo foi a criao, em 1994, dentro da Organizao, do programa MOST.

    Entre os temas que acabamos de evocar, alguns j suscitaram grupos detrabalho, hoje em plena atividade, especialmente no que diz respeito educaoe cultura, reas em que trabalham atualmente duas comisses internacionaiscriadas pela UNESCO (40). Outras precisam ser estabelecidas em colaborao comoutras organizaes internacionais, com instituies governamentais e comuni-dades de pesquisadores. A tarefa mais imediata consistir em organizar um acom-panhamento detalhado da realizao das recomendaes da Conferncia SocialInternacional, num dilogo permanente com as associaes de cidadania, e ela-borar, em perspectiva plurianual, um programa de atividades correspondente sprioridades que sero estabelecidas em Copenhague.

    Notas

    1 As principais datas a ser lembradas so: 1947, a independncia da ndia; 1949, avitria da Revoluo chinesa; 1955, a conferncia de solidariedade dos pases dasia e da frica, em Bandung; 1960, a descolonizao da frica.

    2 A ateno quase exclusiva dada aos progressos do setor audiovisual relega a segundoplano a segunda revoluo de Gutenberg, que est ocorrendo neste momento e abrepossibilidades extraordinrias para produo de livros e manuais escolares. Estamosnos referindo diminuio, bastante sensvel, dos custos de produo de obras que sebeneficiam de grandes tiragens. s colees italianas de livros com 100 pginas, por100 liras, sucederam-se colees inglesas e francesas de grandes clssicos, com vriascentenas de pginas, vendidas respectivamente por uma libra esterlina e dez francos.

    3 Segundo Naisbitt (1995:l32-133), turismo e viagens empregam no mundo 204 mi-lhes de pessoas e correspondem a 10,2% do PNB mundial, e a eles se destinam cercade 11% das despesas dos consumidores. De maneira bastante otimista, Naisbitt avaliaem 144 milhes os novos empregos a serem criados nos diversos setores at o ano2005. Cerca da metade corresponde regio sia-Pacfico.

    4 Ver tambm, do mesmo autor, Le destin technologique (1992) e o ensaio de GiorgioRuffolo (1988).

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    5 aquilo que denuncia com vigor Rajni Kothari (1993). Por sua vez, Jacques Delorsafirma: J estamos vivendo, infelizmente, numa sociedade que se comove diante dasinjustias, participa, volta e meia, de uma jornada-caridade televisionada, d dinheiroe, fora disso, vive com a conscincia tranqila. uma situao horrorosa, mas o quenos ameaa cada vez mais. Entrevista ao jornal Le Monde, em 15 de novembro de1994. Ver tambm Marshall Wolf (1994:1), para quem a prpria palavra excluso indicao carter suprfluo dos excludos em oposio incorporao na economia em condi-es de explorao, assim como a ausncia de qualquer poder. Uma obra fundamentalconsagrada desagregao da sociedade e s metamorfoses da questo social, publicadarecentemente. Robert Castel (1995:22) prefere falar em invalidao social.

    6 Ver a esse respeito o relatrio do Secretrio Geral das Naes Unidas, intituladoDesenvolvimento e cooperao econmica internacional - Agenda para o desenvolvimento,documento A-48-935 de 6 de maio de 1994, assim como a Nota de orientaoapresentada pelo Diretor Geral da UNESCO, com vistas preparao da ConfernciaInternacional para o Desenvolvimento Social, UNESCO, 29 de julho, de 1994.

    7 Em anlise da economia global publicada na edio de 1o de outubro de 1994, TheEconomist juntou as economias do Terceiro Mundo, dos pases do Leste Europeu eda ex-Unio Sovitica sob o termo pases em vias de desenvolvimento em oposioaos pases industrializados.

    8 Cf. Laura Balbo (1994), From Welfare State to caring society contribuio preparadapara o Colquio internacional Polticas pblicas, aes populares e desenvolvimentosocial organizado por UNESCO, Universidade e cidade de Bolonha, Bolonha 2 e 3 dedezembro de 1994.

    9 A ociosidade forada situa-se ao oposto da revoluo do tempo liberado pelos avanosda produtividade, medida em que esta implica uma reduo do tempo de trabalhoheternomo daqueles que j foram socializados pelo trabalho. Ivan Illich (1977) eAndr Gorz (1988) mostraram muito bem como o tempo liberado podia se traduzirem atividades autnomas, econmicas e no-econmicas, contribuindo assim aoenriquecimento cultural e plenitude da vida. Entretanto, o ttulo propositalmenteprovocador do livro de Illich O desemprego criador pode confundir. Para a discussoda revoluo do tempo liberado, ver tambm Echanges & projets (1980), Sachs (1984)e Aznar (1993).

    10 Entrevista dada ao jornal Le Monde, em 16 de novembro de 1993.

    11 No h por que esperar uma forte criao de empregos pela substituio do assalariadopor formas de participao nos lucros das empresas (sharing economy) postuladas porJ.Meade (1986) ou M.L. Weitzman (1985). Ver a esse respeito Brunetta (1994).

    12 Como diz prudentemente Anizur Rahman Khan (1993:67), muito difcilcomprovar de modo convincente que os programas de ajuste tenham logrado protegeros interesses dos pobres!

    13 Para mais detalhes, ver Sachs (1994).

    14 Ler tambm Ricardo Petrella (1994). Ao opor-se diretamente tese de Reich (1992),Paul Krugmann (1994) foi, entre os economistas americanos, aquele que via commaior clareza o perigo de atribuir importncia excessiva competio pelos mercadosexternos, em prejuzo da questo fundamental do desenvolvimento do mercado interno.

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    15 Dollfus (1994:9) escreve: Uma nova forma de excluso nasce com a economia e omercado mundiais: a excluso dos inteis, daqueles que no podem ou no queremvender as prprias aptides e fora de trabalho, no tm suficiente capacidade decompra para interessar o mercado por causa de sua pobreza. Inteis localizam-se emregies inteiras do mundo tanto quanto dentro das prprias sociedades consideradasprsperas.

    16 Para uma anlise das caractersticas mais significativas das polticas baseadas nosprincpios do consenso de Washington, no contexto indiano, ver: Nayyar (1993),Taylor (1994) e tambm, Comeliau (1994).

    17 Essas tipologias devem servir de referencial para pesquisar os casos histricos concretos eno ser concebidas como umas tantas gavetas, que servem apenas para classificar talou qual pas.

    18 O historiador e o agente de desenvolvimento tm muita coisa em comum. A nicadiferena que o historiador interpreta o passado j realizado, ao passo que o agentede desenvolvimento tem a ambio de infletir a histria do futuro. Ainterdisciplinaridade e o comparatismo tais como os praticam os historiadores encerrampreciosos ensinamentos para os agentes de desenvolvimento.

    19 A palavra inglesa resourcefulness (engenhosidade para transformar em recursos) umconceito-chave para o ecodesenvolvimento.

    20 O economista polons Hausner (1994) fala em estratgia negociada entre os atoressociais. A experincia da planificao francesa vai no mesmo sentido.

    21 Eis uma pergunta tipicamente gandhiana que, porm, aplica-se, em primeiro lugar, ssociedades industrializadas e se encontram numa forma um tanto diferente em certosrepresentantes do pensamento catlico; ver particularmente as encclicas de Joo PauloII (1994). A mesma pergunta suscitou um debate veemente na Sucia (ver Que faire?(1975).

    22 Para uma seleo de suas obras, ver Economie & humanisme (1986).

    23 Para mais detalhes, ver Sachs, (1993).

    24 O livro de Henri Bartoli (1991) sobre a economia multidimensional abre-se pelaseguinte citao de Pascal: O homem necessita de lugar para cont-lo, de tempopara durar, de movimento para viver, de elementos para comp-lo, de calor e alimentopara alimentar-se, de ar para respirar; ele v a luz, sente os corpos; tudo se sujeita suaaliana... Sendo, portanto, todas as coisas causadas e causantes, auxiliadas e auxiliantes,mediatas e imediatas, interligando-se todas elas por um vnculo natural e insensvelque une as mais longnquas e diferentes, tenho por impossvel conhecer as partes semconhecer o todo e tampouco conhecer particularmente as partes.

    25 Que pena que a lngua francesa no possua o equivalente da palavra inglesa humane eo PNUD tenha escolhido human no lugar de humane.

    26 Ver especialmente a esse respeito a obra pioneira de Goldemberg et al., (1988) e ostrabalhos de Benjamin Dessus (1995), sintetizados em sua tese.

    27 Para mais detalhes e particularmente para as prescries de polticas a serem seguidas,

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    ver a declarao de Carnoules reproduzida em Development alternatives newsletter.v.4, n.12, dez. 1994 (Nova Delhi).

    28 No se deve confundir o setor fora do mercado (atividades voltadas para a subsistncia dafamlia) com a economia informal, que constitui um aspecto da economia de mercado.

    29 Ver a esse respeito os livros de Chalmer Johnson (1992), Christian Sautter (1987) eRoberto Wade (1990), assim como os artigos j citados de Deepak Nayyar e LanceTaylor e a exposio de Robert Delorme (1995) sobre a abordagem postulada pelosadeptos da economia evolucionista.

    30 A busca de novas formas da educao para a cidadania, da aprendizagem dos papissociais desde a escola primria, vem juntar-se s muitas funes, digamos clssicas, daeducao e formao nas estratgias de desenvolvimento. Ver o documento j mencio-nado do Diretor Geral da UNESCO preparado para a Conferncia internacional deCopenhague (nota 6).

    31 Isso nos remete ao debate sobre as necessidades fundamentais, cuja verso fraca estabelecida pelas autoridades, enquanto os interessados escolhem sua verso forte quandoso eles mesmos que as hierarquizam. Ver a esse respeito Wisner (1988) e a contribuiofundamental de Sen (1986, 1987, 1992) para a teoria da satisfao das necessidades, aqual mostra a diversidade das formas que podem interferir (entitlements).

    32 Uma das primeiras medidas tomadas pelo novo presidente do Brasil, FernandoHenrique Cardoso, foi a de instaurar um ambicioso programa intitulado Comunidadesolidria, baseado no princpio da parceria entre o Estado e os movimentos de cida-dania.

    33 Ver a esse respeito o estudo de Laura Balbo apresentado em Bolonha (nota 8), o livrode Pierre Rosanvallon (1995) e, para os antecedentes desses debates, o estudo prepa-rado pelo Secretariado dos Estudos sobre Futuro na Sucia (Lgergren, M. et al.,1984). O desenvolvimento do Terceiro Setor no mundo acabou de ser o tema de umconjunto de relatrios organizados por Civicus, a Aliana Mundial para a Participa-o dos Cidados: ver, para a Amrica Latina, Rubem Csar Fernandes (1994) e, parao Leste Europeu, E. Les (1994).

    34 exatamente nessas questes que o programa da UNESCO sobre o Gerenciamento dastransformaes sociais (MOST) concentra suas atividades de pesquisa e propostas denovas polticas - Ver o texto em destaque sobre MOST.

    35 Sobre as perspectivas e os perigos que representa o crescimento da biotecnologia paraos pases do Sul, ver especialmente Biotechnology revolution in the third world (1988),Ahmed (1992) e Sasson (1993).

    36 Ver a esse respeito Moulik (1988) e Sachs & Silk (1990).

    37 Para uma anlise dos fatores determinantes do sucesso italiano de industrializaomoderna descentralizada, que trouxe riqueza para o Nordeste da Itlia, ver particu-larmente Bagnasco (1988), Pyke; Beccatini & Sengenberger (1990) e Pyke &Sengenberger (1992). Trigilia (1992) examina as razes do malogro da transposiomimtica do modelo para o Sul do pas.

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    38 Esse o objetivo visado pelo programa de cooperao Sul-Sul para um desenvolvi-mento scio-econmico que respeite o meio-ambiente nos trpicos midos. VerPerspectives Sud-Sud n:1, out. 1994, carta informativa publicada pela UNESCO.

    39 Ver particularmente a esse respeito Holland (1994).

    40 A Comisso Internacional sobre a Educao para o sculo XXI, presidida por JacquesDelors, e a Comisso Mundial sobre Cultura e Desenvolvimento, estabelecida sob apresidncia de Javier Perez de Cuellar.

    MOST / Gerenciamento das transformaes sociais: um novo programa da UNESCO.

    MOST (Management of Social Transformations) foi criado pela UNESCO, em 1994, para favo-recer a pesquisa comparativa internacional sobre transformaes sociais e desenvolvimento.Seu objetivo , a um s tempo, contribuir para o melhor conhecimento desses processos edestacar a pertinncia das pesquisas em Cincias Sociais para decidir e elaborar polticas.

    MOST concentra suas atividades no gerenciamento da mudana nas sociedades multiculturaise multitnicas; nas cidades enquanto espaos de transformaes sociais aceleradas; e nogerenciamento local das transformaes econmicas, tecnolgicas e ambientais. Dandocontinuidade Conferncia Social Internacional, haver concentrao em novo campo deatividades ligadas luta contra a excluso social e s polticas de coeso social.

    O programa monitorado por um Conselho intergovernamental composto por 33 Es-tados, assim como por um Comit diretor cientfico, formado por nove pesquisadoresinternacionais, nomeados individualmente.

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    Resumo

    Na vspera da Conferncia sobre desenvolvimento social em Copenhague (1995), oautor defende novas estratgias condizentes com uma axiologia do desenvolvimento.Para ele, no h desenvolvimento sem crescimento equilibrado dentro de cada pas e nasrelaes Norte-Sul. Por outro lado, no se pode prescindir da ecologia. Finalmente oobjetivo do desenvolvimento o homem, sua cultura prpria, seus valores universais: odireito insero produtiva e participao enquanto cidado, o que supe um Estadodemocrtico, regulador de uma economia mista. No plano jurdico, o autor sugere acriao de um foro internacional independente.

  • ESTUDOS AVANADOS 9 (25), 1995 63

    Abstract

    On the eve of the International Social Conference in Copenhagen (1995), the authordefends new strategies, suitable for a development axiology. According to him, there isno development without a balanced growth within each country and in the North-South relations. On the other hand, one cannot ignore ecology. Finally, the target ofdevelopment is man, his own culture, his universal values: the right to a productiveinsertion and to the participation as a citizen. This pressuposes a democratic State,regulator of a mixed economy. At the juridic level, the author suggests the creation of anindependent international forum.

    Ignacy Sachs professor da Escola de