Teste Modelo Cronica

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A Rã e o Girino Sinto-me e sento-me com uma raiva apressada numa cadeira pesada e ansiosa, com o desejo de cronicar, de pegar no meu tempo, nas minhas histórias e nos meus sonhos e projectá-los no papel como um jacto de tinta natural saído do pincel do artista. Pincel não tenho, arte também não, mas sobra-me a vontade e a determinação de me agarrar ao hardware e confiar na operacionalidade do software, esperando que o resultado saia em letra 12 - Times New Roman, como acontece todas as semanas à quarta-feira antes de enviar por e-mail ao editor. Olho-me e tenho saudades do meu passado de puberdade, quando as hormonas saltitavam entre os sonhos e as emoções, onde o desejo de liberdade se confundia com a crença absoluta de a poder alcançar, atingindo, desse modo, o estado supremo de felicidade. A ilusão como tudo na vida, faz-nos acreditar e faz-nos viver. Todos temos esse desejo secreto e incontável de viajar no tempo… A metamorfose (qual girino transformado em rã ou vice-versa) inesperada aconteceu e sinto-me outra vez dentro de um corpo magro, vital e pulsante de energia. Olho-me, procuro um espelho e eis o cabelo desgrenhado e pouco lavado, roupas largas de “dread”, calças enormes, sem cinto e descaídas que revelam descaradamente a cor indiscreta dos boxers e, ainda a compor o figurino, ténis de cor desconhecida (este par provavelmente nunca teve a felicidade de entrar numa máquina de lavar), mas sinto-me bem, estou radical, sou irreverente (até posso dizer que sou “cool”). Algo vibra no bolso das calças que se encontra um pouco abaixo do joelho, procuro e encontro um telemóvel da terceira geração. Depois de algumas hesitações, descobri o modo de funcionamento do electrodoméstico e… tentei ler a mensagem e voltei a tentar, mas nada (vim a descobrir mais tarde que se tratava de linguagem SMS). Encontrei os meus amigos e amigas (tá-se bem, tás a curtir, não há stress, tou na minha), um deles diz que conheceu uma miúda nos “chats”, que era fabulosa, que comunicaram através da “webcam”, que instalou o “skype” e que agora fala com ela todos os dias. Eu, na minha pura inocência, perguntei-lhe quando é que eles se iriam encontrar. Ele prontamente me disse assim que chegasse a casa e instalasse o novo “modem” que lhe permitiria navegar ao dobro da velocidade. Não me entendeu ou talvez eu não me tenha feito entender, o que de facto pretendia saber era a data, a expectativa e a ansiedade do encontro real a três dimensões, que, na minha era, acontecia num café, numa livraria, numa biblioteca, num bar, numa esquina, numa praça, num jardim Rubrica - Olho Ciclo de Estudos 2008/2011 Teste modelo 2 do módulo III

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A Rã e o GirinoSinto-me e sento-me com uma raiva

apressada numa cadeira pesada e ansiosa, com o desejo de cronicar, de pegar no meu tempo, nas minhas histórias e nos meus sonhos e projectá-los no papel como um jacto de tinta natural saído do pincel do artista. Pincel não tenho, arte também não, mas sobra-me a vontade e a determinação de me agarrar ao hardware e confiar na operacionalidade do software, esperando que o resultado saia em letra 12 - Times New Roman, como acontece todas as semanas à quarta-feira antes de enviar por e-mail ao editor.

Olho-me e tenho saudades do meu passado de puberdade, quando as hormonas saltitavam entre os sonhos e as emoções, onde o desejo de liberdade se confundia com a crença absoluta de a poder alcançar, atingindo, desse modo, o estado supremo de felicidade. A ilusão como tudo na vida, faz-nos acreditar e faz-nos viver. Todos temos esse desejo secreto e incontável de viajar no tempo…

A metamorfose (qual girino transformado em rã ou vice-versa) inesperada aconteceu e sinto-me outra vez dentro de um corpo magro, vital e pulsante de energia. Olho-me, procuro um espelho e eis o cabelo desgrenhado e pouco lavado, roupas largas de “dread”, calças enormes, sem cinto e descaídas que revelam descaradamente a cor indiscreta dos boxers e, ainda a compor o figurino, ténis de cor desconhecida (este par provavelmente nunca teve a felicidade de entrar numa máquina de lavar), mas sinto-me bem, estou radical, sou irreverente (até posso dizer que sou “cool”).

Algo vibra no bolso das calças que se encontra um pouco abaixo do joelho, procuro e encontro um telemóvel da terceira geração. Depois de algumas hesitações, descobri o modo de funcionamento do electrodoméstico e… tentei ler a mensagem e voltei a tentar, mas nada (vim a descobrir mais tarde que se tratava de linguagem SMS).

Encontrei os meus amigos e amigas (tá-se bem, tás a curtir, não há stress, tou na minha), um deles diz que conheceu uma miúda nos “chats”, que era fabulosa, que comunicaram

através da “webcam”, que instalou o “skype” e que agora fala com ela todos os dias. Eu, na minha pura inocência, perguntei-lhe quando é que eles se iriam encontrar. Ele prontamente me disse assim que chegasse a casa e instalasse o novo “modem” que lhe permitiria navegar ao dobro da velocidade. Não me entendeu ou talvez eu não me tenha feito entender, o que de facto pretendia saber era a data, a expectativa e a ansiedade do encontro real a três dimensões, que, na minha era, acontecia num café, numa livraria, numa biblioteca, num bar, numa esquina, numa praça, num jardim (para quem tivesse um arrombo de romantismo clássico), num sítio real, onde as pessoas pudessem estar a uma distância máxima de dois metros nos primeiros dois minutos e que, à medida que o tempo fosse passando, a distância se fosse encurtando. Perante a minha ingénua curiosidade obtive do meu interlocutor pasmo, estupefacção, admiração, espanto, surpresa e embasbacamento. Isso não existe, disse ele com veemência, essa coisa é do tempo do homem das cavernas, agora é tudo feito à distância de um click, faz-se exactamente a mesma coisa que aparece nos manuais de história, mas com muito mais limpeza e higiene. Mas... não é possível… e o contacto visual, no qual se vislumbram todos os defeitos femininos que tornam aquele ente especial; e o contacto auditivo, as doces palavras aladas que se trocam sem significado mas com um profundo sentido; e o contacto olfactivo, aquele perfume único e aquele cheiro da pele que primeiro se estranha e depois se entranha; e o contacto gustativo, o sabor inebriante dos beijos que nos levam em estado puro à insanidade; e o contacto táctil, o mão na mão, o pé no pé, o braço no corpo, o corpo no braço, o corpo no corpo até à fundição final.

A esta declaração apaixonada recebi como resposta um claro, expressivo e convicto encolher de ombros.

De repente, a lua iluminou-me e abarquei aquilo que me escapava: esta juventude é feliz à sua maneira e está feliz no seu tempo…. e eu … eu não posso fazer parte desse universo, porque a minha primavera só existe e só pode existir no baú das memórias, conforme ficou estabelecido no contrato com o Criador.

O mito quebrou-se… e eu estou aliviado.

19/10/2005 Assinado: Professor Paulo Mota

Rubrica - Olho Vivo

Ciclo de Estudos2008/2011

Teste modelo 2 do módulo III

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GRUPO I

1. Classifique este texto jornalístico. Justifique a sua resposta, apresentando a respectiva estrutura e as características específicas desta tipologia textual.

2. Indique o principal desejo do escritor e identifique os motivos desse sonho secreto.

3. Todo o texto se baseia numa suposição irreal para falar de uma realidade bem real.3.1. Explique o sentido desta afirmação referindo o momento mágico irreal que despertou a reflexão do nosso escritor.

4. Neste texto, surge a oposição entre duas personagens.4.1. Indique os motivos da discordância entre as duas personagens, realçando os aspectos que tornam essa oposição mais evidente. 4.2. Identifique algumas figuras de estilo ou recursos expressivos utilizados para salientar este antagonismo. Justifique o seu valor expressivo.

5. “O mito quebrou-se… e eu estou aliviado.”5.1. Interprete o sentido desta afirmação, tendo em conta que esta afirmação poderá ser a conclusão, e relacione-a com o título do texto.

GRUPO II

6. “e o contacto auditivo, as doces palavras aladas que se trocam sem significado mas com um profundo sentido.”6.1. Identifique o recurso estilístico presente nesta citação. Justifique o seu valor expressivo.

7. “De repente, a lua iluminou-me e abarquei aquilo que me escapava: (…) porque a minha primavera só existe e só pode existir no baú das memórias, conforme ficou estabelecido no contrato com o Criador.” 7.1. Dê exemplo de uma palavra utilizada no sentido conotativo. Justifique a sua resposta. (6 pontos) 8. Após a leitura atenta, constate a veracidade ou falsidade de cada uma das afirmações.A) A crónica, o texto crítico e o artigo científico são textos de carácter eminentemente opinativo.B) Na crónica não é frequente a utilização de linguagem conotativa.C) No texto crítico e no artigo científico, os autores devem ser especialistas e dominarem o seu objecto de análise, de modo a poderem apresentar um texto subjectivo e parcial.D) As crónicas abordam a actualidade e poderão, por isso, ter, nalgumas situações, um carácter fugaz e passageiro.E) As crónicas e os textos críticos deverão ser assinados, para que se possa responsabilizar cada pessoa pelas opiniões veiculadas.F) A crónica e o artigo científico têm como objectivo principal informar.G) Num artigo científico pode-se usar a enumeração que é um recurso estilístico.

GRUPO III

11. Escolha um dos temas seguintes para a sua produção escrita:A) O homem é um ser insatisfeito que deseja alcançar sempre aquilo que não tem ou ser aquilo que não é.B) O homem criou a tecnologia para dominar o mundo e esta acabou por dominar o homem.C) O homem distingue-se dos animais, porque ama, mas só pode amar, porque é animal.11.1. Elabore uma crónica social (150 – 200 palavras), escolhendo um dos temas propostos e procurando respeitar a estrutura desta tipologia textual.

Bom Trabalho!