Teste 1

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Felizmente há luar - teste Lê atentamente o seguinte excerto, para responderes correctamente ao seguinte questionário: Texto BERESFORD (Para Vicente e para Corvo) Os chefes?! Quem são os chefes? CORVO Fala-se deste e daquele, mas ninguém sabe ao certo. BERESFORD Quero saber quem são os chefes. Comprem quem for preciso, vendam a alma ao diabo, mas tragam-nos os nomes dos chefes... (Corvo e Vicente saem.) D. MIGUEL Eu também tenho medo, senhores, mas o meu medo não é semelhante ao vosso. Pouco me importa a fortuna ou a vida, ambas daria de boa vontade, se me fosse necessário fazê- lo, pela minha terra. A Pátria, Excelências, não é, para mim, uma palavra vã... Se algum sonho tenho, se a um estadista é permitido sonhar, o meu sonho é de não morrer sem exterminar de vez as sementes da anarquia e do jacobinismo... Sonho com um Portugal próspera e feliz, com um povo simples, bom e confiante, que viva lavrando e defendendo a terra, com os olhos postos no Senhor. Sonho com uma nobreza orgulhosa, que, das suas casas, dirija esta terra privilegiada. Vejo um clero, uma nobreza e um povo conscientes da sua missão, integrados na estrutura tradicional do Reino... Não lhes nego, Excelências, que não sou um homem do meu tempo. Um mundo em que não se distinga, a olho nu, um prelado dum nobre, ou um nobre dum popular, não é mundo que eu deseje viver. Não concebo a vida, Excelências desde que o taberneira da esquina possa discutir a opinião d'el-rei, nem me seria possível viver desde que a minha opinião valesse tanto como a de um arruaceiro. Pergunto-vos, senhores: que crédito, que honras, que posições seriam as nossas, se ao povo fosse dado escolher os seus chefes? BERESFORD Já que temos ocasião de crucificar alguém, que escolhamos a quem valha a pena crucificar... Pensou em alguém, Excelência? D. MIGUEL (Passeando agitadamente à frente do palco) Sou um homem de gabinete. Não tenho as qualidades necessárias para falar ao povo... (Começa a apagar-se a luz que incide sobre Beresford e o principal Sousa) Repugna-me a acção, estaria politicamente liquidado se tivesse de discutir as minhas ordens… Não sou, e nunca serei, popular. Quem o for, é meu inimigo pessoal.

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Felizmente há luar - teste

Lê atentamente o seguinte excerto, para responderes correctamente ao seguinte questionário:

Texto

BERESFORD

(Para Vicente e para Corvo)

Os chefes?! Quem são os chefes?

CORVO

Fala-se deste e daquele, mas ninguém sabe ao certo.

BERESFORD

Quero saber quem são os chefes. Comprem quem for preciso, vendam a alma ao diabo, mas tragam-nos os nomes dos chefes...

(Corvo e Vicente saem.)

D. MIGUEL

Eu também tenho medo, senhores, mas o meu medo não é semelhante ao vosso. Pouco me importa a fortuna ou a vida, ambas daria de boa vontade, se me fosse necessário fazê-lo, pela minha terra. A Pátria, Excelências, não é, para mim, uma palavra vã... Se algum sonho tenho, se a um estadista é permitido sonhar, o meu sonho é de não morrer sem exterminar de vez as sementes da anarquia e do jacobinismo... Sonho com um Portugal próspera e feliz, com um povo simples, bom e confiante, que viva lavrando e defendendo a terra, com os olhos postos no Senhor.

Sonho com uma nobreza orgulhosa, que, das suas casas, dirija esta terra privilegiada. Vejo um clero, uma nobreza e um povo conscientes da sua missão, integrados na estruturatradicional do Reino... Não lhes nego, Excelências, que não sou um homem do meu tempo. Um mundo em que não se distinga, a olho nu, um prelado dum nobre, ou um nobre dum popular, não é mundo que eu deseje viver. Não concebo a vida, Excelências desde que o taberneira da esquina possa discutir a opinião d'el-rei, nem me seria possível viver desde que a minha opinião valesse tanto como a de um arruaceiro.

Pergunto-vos, senhores: que crédito, que honras, que posições seriam as nossas, se ao povo fosse dado escolher os seus chefes?

BERESFORD

Já que temos ocasião de crucificar alguém, que escolhamos a quem valha a pena crucificar... Pensou em alguém, Excelência?

D. MIGUEL (Passeando agitadamente à frente do palco)

Sou um homem de gabinete. Não tenho as qualidades necessárias para falar ao povo...

(Começa a apagar-se a luz que incide sobre Beresford e o principal Sousa)

Repugna-me a acção, estaria politicamente liquidado se tivesse de discutir as minhas ordens… Não sou, e nunca serei, popular. Quem o for, é meu inimigo pessoal.

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(Pausa)

No estado em que se encontra o Reino, basta o aparecimento de alguém capaz de falar ao povo para inutilizar o trabalho de toda a minha vida... E há quem seja capaz de o fazer...

(Entram Corvo e Vicente, respectivamente pela esquerda e pela direita do palco.)

VICENTE

Excelências, todos falam num só homem...

CORVO

Um só nome anda na boca de toda a gente.

(Surge Morais Sarmento, que avança do fundo do palco.)

MORAIS SARMENTO

Senhores Governadores: onde quer que se conspire, só um nome vem à baila.

Abre os braços no gesto

dramático de quem faz uma

revelação importante e

inesperada.

Começam a ouvir-se

tambores ao longe, muito

em surdina.

CORVO

O nome do general Gomes Freire d’Andrade!

(Acende-se a luz que ilumina Beresford e o principal Sousa.)

D. MIGUEL

Senhores Governadores: aí tendes o chefe da revolta. Notai que lhe não falta nada: é lúcido, é inteligente, é idolatrado pelo povo, é um soldado brilhante, é grão-mestre da Maçonaria e é, senhores, um estrangeirado...

BERESFORD

Trata-se dum inimigo natural desta Regência.

PRINCIPAL SOUSA

Foi Deus que nos indicou o seu nome.

D. MIGUEL

(Sorrindo)

Deus e eu, senhores! Deus e eu...

CORVO

Mas, senhores, nada prova que o general seja o chefe da conjura. Tudo o que se diz pode não passar de um boato…

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D. MIGUEL

Cale-se! Onde está a sua dedicação a el-rei, capitão?

PRINCIPAL SOUSA

Agora me lembro de que há anos, em Campo d'Ourique, Gomes Freire prejudicou muito a meu irmão Rodrigo!

Felizmente há Luar, Luís de Sttau Monteiro

I

Questionário

1. Enquadra este excerto na estrutura externa e na estrutura interna da obra. 20 pontos

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2. Refere a importância do excerto transcrito para o desenvolvimento da acção da peça. 20 pontos

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3. Relê o texto até “Senhores Governadores: aí tendes o chefe da revolta.” Identifica, justificando, três elementos cénicos que contribuem para aumentar a tensão dramática. 20pontos

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4. “Trata-se dum inimigo natural desta Regência”. Explica como, no contexto, esta réplica de Beresford tem um efeito irónico. 10 pontos

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5. Apresenta, a partir do texto, três traços caracterizadores de D. Miguel. 20 pontos

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6. Caracteriza de forma sumária as seguintes personagens: 40 pontos

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a) Beresford;

b) Pincipal Sousa;

c) Os capitães Corvo e Morais Sarmento;

d) Vicente.

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7. Há vários motivos apontados para a condenação de Gomes Freire d’Andrade. Apresenta a fundamentação referida pelos regentes do país. 20 pontos

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8. Traça o retrato de Gomes Freire d’Andrade, comparando-o com o de D. Miguel. 20 pontos

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II

Expressão Escrita

Num texto de 150 a 160 palavras, imagina-te advogado(a) de acusação de um delator(inspirando-te em Vicente/ um elemento da PIDE/ Judas), referindo os argumentos queutilizarias em tribunal para o acusar e como convencerias o juiz e os jurados das razões

para a condenação do delator.

1. Insere o excerto nas estruturas externa e interna da obra, referindo a sua importância no contexto da ação da obra.

2. Explicita o sentido da frase “Os estados emotivos, Srs. Governadores, dependem da música que se tem no ouvido.” (ll. 22-23).

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3. Explica a crítica implícita nas falas de D. Miguel.

4. Identifica, justificando, os elementos que contribuem, neste excerto, para o aumento da tensão dramática.

Correção do teste sobre Felizmente Há Luar!

IA

1. O excerto apresentado localiza-se no fim do Acto I, depois de longas conversas entre o principal Sousa, D. Miguel e Beresford, das quais surgiu um nome como o principal chefe da conjura.

Trata-se de um momento importante na ação, uma vez que as personagens refletem acerca do nome indicado e revelam que realmente têm razões pessoais para desejarem a prisão de Gomes Freire, exceto Beresford, que já o havia feito de modo dissimulado.

Assim, este excerto apresenta, precisamente, o final da reunião, que termina, de modo exaltado, no acordo em torno do nome de Gomes Freire, o que irá condicionar o desfechotrágico da peça.

2. Esta frase pode ser interpretada nos seus sentidos metafórico e literal, pois ambos apontam para a mesma direção. No seu sentido literal, expressa a ideia de que, ao fazerem tocar tambores pelas ruas, criarão um ambiente de tensão, ansiedade, suspense, prenúncio de que algo importante irá acontecer, colocando, assim, todas as pessoas em alerta. Metaforicamente, D. Miguel está a firmar que o povo é perfeitamente manipulável,como já havia sido referido por Beresford anteriormente, e que, dependendo do ambiente que se crie, assim o povo reagirá, mais ou menos exaltado, conforme a vontade dos governantes.

3. As falas de D. Miguel neste excerto são, sem dúvida, um veículo de denúncia política. D. Miguel expõe de modo claro e inequívoco a manipulação que o poder político exerce sobre o povo, preparando-o previamente para que acolham bem as suas decisões mais controversas; aponta para o patriotismo hipócrita e falso de certas pessoas, que só se lembram que são patriotas quando veem os seus interesses em perigo; revela o modo como a esfera religiosa entra ao serviço da conjura para defender interesses e atingir objetivos comuns; por fim, denuncia a falta de escrúpulos dos governantes, que se dispõem a sacrificar as próprias consciências para manter a sua posição de poder.

4. Os elementos cénicos que contribuem para aumentar a tensão dramática têm a ver com a movimentação cénica das personagens e a sonoplastia.

Assim, verifica-se a movimentação de D. Miguel que, no início do excerto, “(…)anda, nopalco, dum lado para o outro(…)” (1ª nota à margem); a entrada do povo, simultaneamente “(…) pela direita e pela esquerda do palco”; a subida do principal Sousaa um púlpito; a entrada dos soldados, que enchem o palco, e a movimentação das personagens, que “(…) ficam na penumbra, agitando os braços e erguendo bandeiras no ar.”.

Por outro lado, um elemento de extrema importância para criar o efeito em questão é o crescendo de som que se verifica ao longo do excerto. Ouvem-se, com a entrada do povo,os “(…) tambores [que] tocam sem cessar”; de seguida, ao mesmo tempo que o principal

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Sousa sobre ao púlpito, começa a ouvir-se “(…)um sino tocar a rebate”; aumenta a intensidade do som, quando os “(…) tambores entram em fanfarra (…)” (2ª nota à margem), sendo que o ato acaba, precisamente, ao som dos sinos e dos tambores.

IB

A resposta poderá contemplar os seguintes aspetos:

- Verifica-se, na obra, uma luta contra um regime ditatorial e opressivo, através da tentativa de implementação de um regime liberal que defendia uma constituição política assente sobre bases populares;

- Há também a luta contra as influências estrangeiras que tinham peso na governação portuguesa, desde as invasões francesas até à “ajuda e proteção” britânicas.