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REGINA LCIA DA SILVA NASCIMENTO

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RESUMO

Esta dissertao objetiva refletir sobre o ensino de leitura literria realizado no mbito do Curso de Letras da Universidade Federal do Amap, mediante um estudo de base etnogrfica. O foco desta pesquisa foi definido a partir da minha experincia de ensino, na qual constatei que, apesar da forte influncia do discurso do professor e do especialista no desempenho do graduando de Letras, ele capaz de construir um sentido mais pessoal para a sua leitura.A base emprica dessa reflexo envolveu a criao de um cenrio de pesquisa atravs de uma proposta de interveno, em sala de aula de Literatura Brasileira, visando oferecer momentos de leitura de textos de Clarice Lispector seguidos de discusso, a fim de observar como ocorre a construo de sentido durante a interao leitor/texto; leitor/leitor. A anlise dos dados foi guiada pelas noes tericas que envolvem texto, leitura e interao, fornecidas, principalmente, pela Literatura e pela Lingstica Aplicada. Um dos resultados da anlise revelou que a interao em sala de aula, mesmo num curto perodo de tempo, permitiu que o aluno se manifestasse mais livremente e, assim pudesse ir alm do processo de decodificao e repetio pura e simples do manual, ainda muito presente na aula de leitura. Nesse sentido, este trabalho prope reflexes acerca do ensino de Literatura Brasileira em outros nveis de ensino.Palavras-chave: Leitura. Texto. Interao em sala de aula de Literatura Brasileira.

Introduo

Propus-me nessa dissertao refletir sobre a prtica de leitura literria realizada no Curso de Letras da Universidade Federal do Amap (Doravante UNIFAP). Tal reflexo surgiu da minha experincia profissional enquanto professora de Literatura Brasileira dessa Instituio de Ensino desde 1994. Sabendo que h diferentes caminhos para estudar o vasto campo da leitura, optei em estud-la como fenmeno social. Estudar a leitura, por esta via, , pois, considerar as referncias socioculturais do leitor e as condies sociais de produo da leitura. Nesse sentido, propus-me a investigar a leitura do texto literrio, em particular a leitura de contos de Clarice Lispector, por meus alunos do Curso de Letras.Em vista disso, interessaram-me os trabalhos, no que tange leitura, de CHARTIER (1996,1999), DARNTON (1990,1996), GOULEMOT (1996), KOCH (2000), ISER (1996,1999), TERZI (1995),entre outros, por me parecerem mais de acordo com o tipo de estudo etnogrfico que pretendia realizar acerca da ao de ler em contexto escolar de nvel superior.Ao avaliar o ensino de leitura literria na UNIFAP, um fato chamou a minha ateno: a atitude passiva dos alunos futuros professores diante dos textos da disciplina: raramente questionavam. Provavelmente, tal atitude passiva decorresse das seguintes razes: (i) uma, de natureza conceitual, porque os alunos, assim como eu, no nos dvamos conta de que o estudo do texto literrio ia alm da imposio de uma histria da literatura e das escolas literrias; (ii) outra, de natureza pedaggica, porque os modelos de anlise dos manuais eram tidos como nica via de abordagem desse tipo de texto.Estimulada pelos novos rumos apontados pelo Mestrado em Lingstica Aplicada, passei a questionar o conceito de leitura com que vinha trabalhando e, tambm a refletir sobre a minha pedagogia de leitura literria. Para tal, considerei tambm, os estudos de KRAMER (2000), pelo fato dessa autora entender a leitura como experincia, no no sentido de propor uma soluo definitiva para o ensino de leitura literria, mas de refletir sobre a tendncia homogeneizao desse tipo de leitura nos Cursos de Letras. Nesse sentido, apoiei-me tambm em FARIA (1999), que discute as propostas dos Parmetros Curriculares no que tange a uma nova pedagogia da literatura. De acordo com a autora, essa disciplina pode vir a ser um dos esteios para a interdisciplinaridade, ao contribuir para o estudo de alguns temas transversais propostos pelos PCN. A meu ver, isso s poder ser possvel, medida que no se leve em considerao apenas os aspectos estruturais da obra literria no momento da leitura, uma vez que o leitor tem uma experincia vivencial que lhe permite tecer uma rede de significados e que o sentido no est no texto, mas se constri a partir dele, no curso de uma interao ( KOCH, 2000: 25). Uma leitura implica, portanto, na construo de um, e no do sentido.Com base nessas consideraes, busquei alguns pressupostos para verificar quais as implicaes das interaes leitor/texto e leitor/leitor na construo de sentido, no momento da ao de ler. Isso porque acredito, assim como MOITA LOPES (1996), que na interao social que se aprende ou se constri o conhecimento de uma maneira mais eficaz, pois a colaborao dinamiza a aprendizagem e favorece a mudana. Nesse sentido, enveredei pelo campo da etnografia e da pesquisa-ao, a fim de constituir a base emprica desta dissertao. Cabe ressaltar que essa base formada de dados orais, coletados em sala de aula, durante uma interveno pedaggica, e dados escritos, atravs da aplicao de questionrio e realizao de trabalhos escritos durante o segundo semestre letivo de 1999. A escolha desse tipo de abordagem me levou a realizar uma entrevista semi-dirigida com onze alunos da turma que constituem a amostra de referncia deste trabalho. O objetivo da anlise dos dados foi o de verificar at que ponto a voz do especialista (professor, crtico), bem como as condies de produo da leitura em sala de aula e a condio sociocultural do acadmico atravessam o processo de construo de sentido pelo aluno-leitor, tanto em atividade oral focalizada em classe, quanto em tarefa escrita realizada fora do espao de sala de aula. Dessa forma, procurei em minha interpretao, buscar elementos que me permitissem confrontar a atitude do leitor diante de diferentes protocolos de leitura, ou seja, durante as discusses em sala de aula e, no momento de produzir um texto escrito, individual, em situao extra-classe.Nesse sentido, fiz os seguintes questionamentos: (i) de que modo o aluno-leitor constri um sentido para o texto? (ii) de que maneira a interao em sala de aula poderia favorecer a construo de sentido na leitura desse aluno ?A fim de buscar respostas a essas indagaes estruturei meu trabalho em trs partes. Na primeira parte, Delineando a Fundamentao Terica, desenvolvi o quadro terico que me d embasamento para proceder a minha interpretao dos dados coletados. Na Segunda parte, Descrio da base emprica, so tratados os aspectos metodolgicos da coleta dos dados em que a mesma foi realizada. Na terceira parte, Tecendo a anlise, procedi anlise de recortes da discusso em sala de aula, de recortes de trabalhos escritos realizados em espao fora da sala de aula, associando essa anlise s informaes contidas no questionrio e na entrevista, a fim de examinar as marcas deixadas pela minha ao pedaggica e pelo manual didtico, na leitura do graduando de Letras da UNIFAP.

Captulo 1

As palavras me antecedem e me ultrapassam, elas me tentam eme modificam,e se no tomo cuidado ser tarde demais: as coisas sero ditassem eu as ter dito. Ou pelo menos no era apenas isso.Meu enleio vem de que um tapete feito de tantos fios que noposso me resignar a seguir um fio s;meu enredamento vem de que uma histria feita de muitashistrias. E nem todas posso contar.(Clarice Lispector)

DELINEANDO A FUNDAMENTAO TERICA

Os leitores so viajantes: eles circulam sobre as terras de outrem, caam, furtivamente, como nmades atravs dos campos que no escreveram...(Michel de Certeau)

O meu trabalho de dissertao inscreve-se no campo da leitura concebida como fenmeno social, o qual est articulado em duas reas do conhecimento: a Literatura e a Lingstica Aplicada. Essa articulao possibilita apresentar uma reflexo em torno da leitura literria no mbito do Curso de Letras da UNIFAP, conjugando teorias ligadas s duas reas. A seguir, exponho um breve resumo acerca da conceituao de literatura.

Concepes de Literatura

sabido que, conforme a perspectiva que se adote, o mesmo objeto pode ser concebido de maneiras diversas. A Literatura no foge regra. Muitas conceituaes foram formuladas, atravs dos tempos, mas nenhuma conseguiu ser completa e definitiva, pois cada poca ou cada terico fundamenta-se em uma determinada forma de conhecimento da vida, da arte, da palavra, dos valores do mundo e da condio humana. Dizer que a literatura a expresso mais completa do homem, que a literatura a arte da palavra, ou que a literatura o conjunto das grandes obras, notveis por sua forma ou expresso literria no esgota a conceituao do termo, uma vez que ele envolve uma srie de consideraes que esto longe de responder plenamente, definitivamente a pergunta: o que se entende por literatura?No texto Histrias da literatura e sua histria, ABREU (2000), ao refletir sobre a definio de literatura apresenta os posicionamentos de HEIDRUN OLINTO, VOLTAIRE, BLUTEAU, BARBOSA MACHADO, autores que apontam alguns problemas que giram em torno do conceito desse objeto. Para HEIDRUN OLINTO, por exemplo, o conceito de literatura estaria vinculado multiplicao de produtos culturais e de meios de difuso uma vez que eles forariam o alargamento do conceito. Cabe salientar que esse dois fatores no foram levados em considerao pelos primeiros historiadores da literatura porque operaram com recortes no interior do conceito muito amplo de literatura.Por ocasio do sculo XVIII, VOLTAIRE definiu literatura como un de ces termes vagues si frquents dans toutes les langues. Nesse sentido, a literatura para ele no era uma arte particular, mas sim um nome que designava o conhecimento de um conjunto vasto de saberes histria, poesia, eloquncia, crtica. A literatura equivalia, portanto, erudio. Essa mesma concepo foi compartilhada por BLUTEAU quando definiu literatura como erudio, sciencia, noticia das boas lettras. De acordo com ABREU, essa viso de conhecimento foi mantida nos dicionrios portugueses at o final do sculo XIX, quando o conceito se estendeu ao conjunto das produces literarias duma nao, dum paiz, duma epocha. Para a autora, o acrscimo denominado de produo noo de saber, foi bastante significativo porque superps a atividade ao conhecimento. Outra inovao destacada por ABREU a que se refere ao vnculo entre o termo e um conjunto de obras, ainda no reunidas por afinidades estticas ou formais, mas por terem sido produzidas em determinado territrio ou tempo. Apesar de a definio de literatura compreender as duas inovaes citadas acima, continuava vaga e abrangente. Ainda segundo ABREU, a vastido do conceito de literatura no era uma deficincia ou um anacronismo dos dicionrios, mas refletia a inexistncia de um conceito que operasse um recorte no interior do conjunto de produes escritas. Tanto assim que BARBOSA MACHADO, o autor da Biblioteca Lusitana, acreditava que de todas as producoens literarias, (...) nenhuma mereceo mais gloriosos elogios, e appalusos que o laborioso estudo de huma Bibliotheca. Ora, se a literatura designava o conhecimento e a produo dos escritos, procede a colocao do autor ao julgar que o melhor trabalho literrio fosse aquele que os compila e apresenta. Convm ressaltar que a interveno dos bibligrafos aqui no pode ser desprezada, porque no processo de definio de uma especificidade literria est presente o esforo de compartimentao do saber em diferentes campos. Um exemplo disso a classificao da produo escrita elaborada por BARBOSA MACHADO em 63 classes. Nesse trabalho, o autor deu nfase ao campo religioso atravs de um maior nmero de produo e uma maior reflexo. Isso contribuiu para subdividir o item Escritura Sagrada em 49 sub-itens. Os demais campos foram organizados em funo do gnero, da lngua e da forma.Segundo ABREU, possvel perceber que na classificao de BARBOSA MACHADO, a existncia de uma tradio reconhecida interfere na relao com as obras, uma vez que o autor demonstrou sentir-se vontade na classificao dos escritos religiosos, mas ligeiramente confuso na organizao de poesias e peas teatrais e completamente perdido na catalogao do que hoje se entende por prosa ficcional, pelo fato de ele haver criado a categoria histrias fabulosas para abranger as novelas, as crnicas, os contos e os romances. importante frisar que mesmo BARBOSA MACHADO apresentando oscilaes e indefinies, na sua classificao, ele apontou para um incio de especializao ao distinguir domnios que, nas definies dos dicionrios, pareciam indissociveis ou, ao menos, pertencentes a uma mesma categoria. Assim, o autor agrupou os escritos em categorias especficas, tais como: filosofia, rethorica, oratoria, poetica e historia. Como se pode observar, na Biblioteca Lusitana no apareceu nenhum escrito sob a denominao de literatura.Anos mais tarde, tentando definir literatura, os membros da Academia Real das Sciencias de Lisboa disseram:

De todos os ramos de erudio, que forma a Litteratura, nenhum pde ser proprio e particular a hum povo, seno a lingua que fala, e a histria do que lhe aconteceo (...)(APUD, ABREU, 2000)

Isso quer dizer que na viso dos que pertenciam Academia, a literatura seria resultado da justaposio entre Lngua e Histria. Nesse sentido, o estudo literrio tinha objetivo estratgico, ou seja, estabelecer a especificidade da nao portuguesa mediante uma trajetria e um idioma particulares. Essa concepo foi aprofundada pelos intelectuais que se dedicaram elaborao de histrias literrias, produo que surgiu em toda Europa, no sculo XVIII, fortemente vinculada idia de nao. Isso possibilitou o aparecimento das histrias literrias francesas, alems, italianas, dentre outras.Com o passar dos tempos, as transformaes tcnicas, sociais e polticas ocorridas em pases como a Frana, a Alemanha e a Inglaterra, contriburam para o aparecimento de noes como literatura, crtica ou histria literria.A partir do momento que a literatura foi considerada como uma justaposio entre lngua e histria, procede a preocupao dos primeiros autores de histrias literrias em arrolar cronolgica e sucessivamente autores e obras escritas em uma dada lngua ou nascidos em um determinado territrio. Essa atitude indicou uma maior preocupao com o andamento histrico do que com a evoluo de estilo. Isso fica claro, quando se toma como exemplo parte dos escritos de um pas ou de uma poca, como argumento da unidade de um determinado territrio, durante o final do sculo XVIII e incio do XIX. Esse fato demonstra como a literatura passou a significar um grupo de obras e autores consagrados e no mais o conjunto do conhecimento produzido.Mediante essa nova concepo de literatura, o escritor se profissionalizou, a figura do editor se fortaleceu e os crticos profissionais surgiram, criando, assim, um novo meio literrio especializado que contribuiu para a formao de um novo vocabulrio que designou as novas tcnicas, gneros e circunstncias de criao, como bem atestam o hipertexto, a televiso, a internet, os e-books e a diminuio da importncia do conceito de nao e de especificidade nacional em vrias partes do mundo, que, na viso de ABREU, provavelmente, contriburam para abalar a funo das historiografias literrias, colocando em crise o to custosamente criado conceito de literatura, diz a autora.Isso, a meu ver, contribuiu para o aparecimento de vrias definies e interpretaes de Literatura que se cruzam em nossa poca. COELHO (1993:42), por exemplo, refletindo sobre essa questo, disse que a

Literatura um sistema de signos. Como ser vivo organizado em clulas, vsceras e funes, tambm a Literatura possui um corpo que a matria verbal: os signos se organizam em frases, discursos, ritmos, imagens, melodias, estrofes, captulos, perodos etc. A tenso e espessura verbal corresponde a esse amlgama de signos e funes. O esprito que lhe d existncia real e significao o escritor. Mas o elemento imprevisvel ou hipottico, que d a obra o seu significado definitivo o leitor. Nessa concepo, observo que alm da importncia dada relao entre o autor literrio e sua obra, COELHO atribui ao leitor uma enorme dimenso porque, segundo a autora, ele quem vai constituir um significado definitivo para o texto. De que forma? Ao entrar em contato com o texto, o leitor consegue construir um sentido para o texto, graas a sua experincia, a sua expectativa, a sua cultura, o seu conhecimento e o seu gosto. Nesse caso, a leitura constituda de emoes, valores e vises de mundo, porque, como escreve Coelho,

No encontro com a literatura (ou com a Arte em geral) os homens tm a oportunidade de ampliar, transformar ou enriquecer sua prpria experincia de vida, em um grau de intensidade no igualada por nenhuma outra atividade. (...) acreditamos que a Literatura (para crianas ou para adultos) precisa ser urgentemente descoberta (...) como uma aventura espiritual que engaje o eu em uma experincia rica de Vida, Inteligncia e Emoes.(1993:18-19)

POULET, crtico fenomenolgico, citado em FITZ (1984:136), ilustra muito bem a posio da autora, quando diz que a obra literria no pode ser considerada como um objeto autnomo, que existe independentemente do seu autor, mas como um ato criativo do autor, um ato que refere ao menos uma poro de sua conscincia, um ato que tambm chega a ser expandido no processo de interpretao, o que ocorre cada vez que o leitor l o texto. Uma questo importante aqui a que se refere ao processo de interpretao porque pressupe uma interao entre autor/texto/leitor no momento da ao de ler. luz de tudo que foi exposto no pargrafo anterior, posso dizer que conceituar leitura no tarefa das mais fceis, mas acredito que possvel pensar a leitura como um fenmeno histrico e social, tendo em vista que um texto no prescinde da figura do autor, do leitor e das condies de produo da leitura. Para melhor compreender a leitura como fenmeno que tem uma histria e uma sociologia, pareceu-me importante recorrer s condies de produo da leitura, que so entendidas, nesse estudo, como fatores de ordem social, porque elas contribuem para as diferentes formas de ler. Como exemplo, tomo a interao em sala de aula, pelo fato de ela propiciar momentos de troca, de reflexo sobre a leitura de um texto, no caso, o literrio.Nesse sentido, julguei pertinente para o mbito do presente trabalho, os estudos feitos por tericos ligados (i) Lingistica Aplicada, como, por exemplo, CAVALCANTI (1989); TERZI (1995); KLEIMAN (1998,1999); (ii) pela Teoria Literria como JOUV (1993); ECO (1993); ABREU (2000) (iii) pela Lingstica Textual, como KOCH (2000); (iv) pela Histria como DARNTON (1990) e CHARTIER (1999); dentre outros. Nos itens que se seguem, abordarei os temas do papel do texto, do autor e do leitor na ao de ler.

Diferentes posies tericas

Nesta seo, apresento posies tericas sobre os conceitos de texto, leitor e leitura na tentativa de estabelecer relaes entre elas, pois esses conceitos, entrelaados, formaro o fio condutor desta seo. Em seguida introduzirei uma breve discusso sobre as pesquisas em leitura na rea da Lingstica Aplicada e da Literatura, e depois estabelecerei relaes entre as duas reas, em virtude de a sala de aula de Literatura Brasileira e de os graduandos de Letras constiturem o foco dessa dissertao. E, para compreender o papel da interao na sala de aula como principal elemento das condies de produo da leitura na escola, focalizarei o posicionamento de alguns autores sobre a interao.O interesse de estudiosos sobre a questo da leitura, contribuiu para o surgimento de abordagens tericas que ora focalizaram o texto, ora priorizaram o leitor de acordo com a importncia dada a cada um. Em termos gerais, as concepes que priorizam o texto, concebem a leitura como produto, como reconhecimento de sentido materializado na superfcie textual. Tal posio minimiza a importncia do leitor, ao mesmo tempo em que preconiza a noo de texto como um objeto autnomo e fechado, portador de sentido estvel. KATO (1995), ao examinar a leitura como processo de decodificao, identifica, a partir de estudiosos das reas de cincias da cognio e da inteligncia artificial, dois tipos bsicos de processamento de informao: a hiptese bottom-up ou ascendente e a hiptese top-down ou descendente. De acordo com a autora, calcada no primeiro tipo de processamento de informao est uma viso estruturalista e mecanicista da linguagem, segundo a qual o sentido estaria vinculado s palavras e s frases. Desse modo, dependeria exclusivamente da forma. Quando, porm, se v o leitor como origem do sentido, concebe-se o texto como um objeto cuja materialidade lingstica no contm em si nenhuma significao independente daquela que lhe for atribuda pelo leitor. Segundo KATO, essa concepo se apoiaria no processamento topdown ou descendente. Segundo essa hiptese, o leitor apreende facilmente as idias gerais e principais do texto, sem procurar confirm-las com os dados do texto. Nesse caso, o leitor faz mais uso de seu conhecimento prvio do que da informao efetivamente dada pelo texto, afirma KATO (1995:51). A descrio desse tipo de processamento de informao, desenvolveu-se a partir da orientao de tericos provenientes da psicolingstica (SMITH, 1978; GOODMAN, 1970) e da psicologia cognitivista (RUMELHART,1977), que privilegiam o conhecimento prvio do leitor, ou seja, conferem ao leitor a capacidade de acionar verdadeiros pacotes de conhecimentos estruturados, acompanhados de instrues para seu uso, segundo KATO (1995:52), no processo de compreenso de textos. Note-se que, nesse caso, o texto serviria apenas como confirmador de hipteses. No campo da Teoria Literria, FISH (1980) ope-se a esses processamentos de informao, ao postular a supremacia das instituies socioculturais na produo da interpretao de textos. Nega tanto a primazia do texto quanto do leitor, ao afirmar que os sentidos no dependem nem do texto nem do leitor individualmente, antes so determinados culturalmente pelas comunidades interpretativas em que os textos e leitores esto inseridos. A questo essencial passa a ser a dos sentidos como categorias cultural e institucionalmente constitudas, que determinam os textos e suas caractersticas formais, bem como os leitores e suas atividades interpretativas. Ainda segundo este autor, os textos s se tornam inteligveis medida que o leitor adquire os conhecimentos, normas e instrues para construir a interpretao partilhada pela comunidade cultural a que ele pertence, uma vez que essa detm o poder como reguladora do dizer e dos significados permitidos, de forma que os limites de cada instituio so os limites da significao. Nesse caso, o texto estabelecido socioculturalmente, e, como lembra FISH, todos os objetos so criados e no descobertos, e so criados pelas estratgias interpretativas que so colocadas em ao. Nesse caso, o leitor levado a reproduzir as leituras preestabelecidas pelas comunidades interpretativas. Cabe bem aqui dizer que a viso de FISH procede, quando penso no papel da escola em relao leitura, pois essa instituio tem determinado o modo de fazer sentido na leitura, ao instituir, atravs do professor e do manual uma leitura didtica e homognea, como sendo a nica vlida. Condicionando-se a isso, o aluno-leitor, a meu ver, nega-se a mergulhar no texto porque no exigido e, muito menos, valorizado no ensino de leitura na escola. Faz-se conveniente saber reproduzir um modelo de leitura que prev uma nica possibilidade de compreenso do texto. Embora essa abordagem terica reduza o autor, o leitor e o texto a meros construtos das formaes ideolgicas, h ainda quem a considere relevante para o ensino da leitura na escola, por exemplo, ALMEIDA (1999:58), quando comunga do pensamento de FISH acerca da inteligibilidade do texto mediante a convencionalizao de normas, instrues e conhecimentos determinadas ao leitor por grupos e instituies com as quais ele tem contato.Essa questo parece ser questionada por CHARTIER (1999), ao estudar as prticas de produo, de circulao e de consumo de livros da Idade Mdia nas sociedades europias, e, especialmente, as noes de prtica e representaes nos gestos de leitura. Segundo esse historiador, a leitura no est, ainda inscrita no texto, porque um texto s existe se houver um leitor para lhe dar um significado; embora haja os poderes, os experts sempre fixando um sentido e enunciando a interpretao correta que deve impor limites leitura. Todavia, o leitor tambm inventa, desloca e distorce porque a leitura no somente uma operao abstrata de inteleco; ela engajamento do corpo, inscrio num espao, relao consigo e com os outros, diz CHARTIER (1999:16). Ao conceber a leitura dessa forma, esse historiador no est negando a influncia das comunidades interpretativas (para retomar a expresso de FISH), mas observa que o que acontece no momento da leitura vai alm do que essas comunidades prevem, porque elas no podem explicar todas as possibilidades de leitura de um dado texto por um dado leitor, numa dada situao ou poca. DARNTON (1990), ao refletir sobre os episdios da histria social francesa do sculo XVIII, adverte que a relao existente entre leitores de diferentes pocas e um mesmo texto no pode ser a mesma, pelo fato de a leitura ter uma histria. Para comprovar sua posio, o historiador cita como exemplo o massacre de gatos ocorrido na Rua Saint-Sverin, Paris, durante o fim da dcada de 1730, testemunhado pelo operrio Nicolas Contat. De acordo com DARNTON, a primeira explicao da histria de Contat que, provavelmente, ocorreria maioria dos leitores, uma viso do massacre de gatos como um ataque indireto ao patro e sua mulher, porque o narrador situou o acontecimento no contexto de observaes sobre a disparidade entre a sorte dos operrios e a dos burgueses, durante a segunda metade do sculo XVII, incio da industrializao. Nesse sentido, devo assinalar que ao apresentar o relato sobre o massacre, DARNTON deixou claro que esse fato estava de acordo com a tendncia comum da cultura francesa, no tempo do Antigo Regime, perodo em que as grandes grficas, apoiadas pelo governo, eliminaram a maioria das oficinas menores e uma oligarquia de mestres assumiu o controle da indstria, deteriorando a situao dos operrios.Mas, qual seria o significado que aquela cultura atribua aos gatos? o prprio historiador (op. cit:113-127) quem responde: (...) perguntas nos levam para alm das consideraes referentes s relaes de trabalho no incio dos Tempos Modernos, conduzindo-nos ao obscuro tema dos rituais e do simbolismo popular. (...) os gatos sugeriam feitiaria (...) metfora ou metonmia sexual (...)

Com base nessas colocaes, posso dizer que o leitor daquela poca, poderia entender a tortura de animais, especialmente os gatos, como sendo uma crtica ao contraste entre o universo do trabalhador e do patro, como tambm uma crtica a alguma infrao s normas tradicionais: a traio sexual, por exemplo. Hoje, no entanto, a matana ritual de um animal indefeso surpreende desagradavelmente o leitor moderno, que a v como algo repulsivo. Segundo DARNTON, esse fato se d em virtude da distncia que separa esse leitor da Europa pr-industrial, por isso, a sua reao no condiz com a de seus predecessores de duzentos anos atrs. GOULEMOT (1996), por sua vez, ao analisar a questo da leitura, apela mais s experincias de leituras, s prticas pedaggicas que aos textos cannicos ou prximo de o serem. Para ele, a leitura, quer seja popular ou erudita, ou letrada, sempre produo de sentido. A partir da, evidencia que ler dar um sentido de conjunto, uma globalizao e uma articulao aos sentidos produzidos pelas seqncias. No encontrar o sentido desejado pelo autor, uma vez que os sentidos na leitura nascem tanto do prprio texto quanto das experincias pessoais e dos dados culturais do leitor. Por essa razo, GOULEMOT sustenta que ler constituir e no reconstituir um sentido, o que o leva a no aceitar posies que estabelecem coincidncia entre o sentido desejado e o sentido percebido, em um tipo de acordo cultural, como algumas vezes se pretendeu. o que parece fazer FISH, por exemplo, quando vincula a interpretao de textos s instituies socioculturais, delimitando a gama de interpretaes possveis, algumas das quais nem planejadas pelo prprio autor.Partindo do pressuposto da leitura como uma revelao pontual de uma polissemia do texto literrio, GOULEMOT (1996:108) conclui que

A situao de leitura , em decorrncia disso , a revelao de uma das virtualidades significantes do texto . No limite , ela aquilo pelo qual se atualiza uma de suas virtualidades , uma situao de comunicao particular, pois aberta. Se admitirmos, como o fao, que um texto literrio polissmico, a anlise do leitor parecer, portanto pertinente porque constitui um dos termos essenciais do processo de aprovao e troca que a leitura.

Em vista disso, GOULEMOT afirma que a leitura uma prtica onde h dialoguismo e intertextualidade, uma vez que na ao de ler, o leitor faz emergir a biblioteca vivida, ou seja, o leitor aciona tanto as experincias pessoais, quanto os dados culturais. Nesse sentido, o autor deixa claro, a meu ver, que nenhuma leitura construda com um s desses fatores. Por essa razo, ele construiu a noo de biblioteca para explicar que no existe compreenso autnoma, mas articulao em torno do conjunto de textos lidos, uma biblioteca constituda pelos textos que integram uma cultura coletiva, um sistema de valores atuando como condio de possibilidade para a construo de sentido na leitura. Ele entende, portanto, que o sentido na leitura nasce tanto do prprio texto quanto do seu exterior cultural, pois justamente a biblioteca cultural que fornece a comparao, a medida, o tempo da intertextualidade que fundamenta a leitura, uma vez que o livro lido ganha seu sentido daquilo que j foi lido antes dele, segundo um movimento redutor ao conhecido, anterioridade (1996:115). Esse relacionamento de um texto com outro texto, a meu ver, d-se de acordo com a bagagem pessoal do leitor e regulado pelas instituies e comunidade em que transita.No mesmo sentido, KRAMER (2000), em suas reflexes sobre a leitura, afirma que o leitor leva rastros do vivido no momento da leitura, tornando-a uma das modalidades da experincia cultural. Nesse caso, a experincia tomada como um componente de suma importncia para a construo de sentido. Entretanto, ressalta a autora, a falta de contato com textos e contextos impedem a leitura como experincia. Isso pode ser verificado, por exemplo, no cotidiano escolar, quando feita uma leitura fragmentada, atravs pedaos de textos, de resumos etc. Ora, compreender a leitura desse modo, negar as condies de produo da leitura, que so sociais, negar a leitura como experincia. E o que seria esse tipo de leitura? A esse respeito KRAMER (2000:21) se pronuncia dessa forma:

Quando penso na leitura como experincia (na escola, na sala de aula ou fora delas), refiro-me a momentos nos quais fazemos comentrios sobre livros ou revistas que lemos, trocando, negando, elogiando ou criticando, contando mesmo. (...) compartilhando sentimentos e reflexes, plantando no ouvinte a coisa narrada, criando um solo comum de interlocutores, uma comunidade, uma coletividade. O que faz da leitura uma experincia entrar nessa corrente onde a leitura partilhada e onde, tanto quem l, quanto quem propiciou a leitura ao escrever, aprendem, crescem, so desafiados.

Torna-se interessante relacionar essa abordagem com a de KOCH (2000), porque, a meu ver, existem alguns pontos comuns entre as colocaes das duas autoras. KOCH ao examinar a questo do texto sob um ngulo interacional, diz que um texto se constitui enquanto tal no momento em que os parceiros de uma atividade comunicativa global, diante de uma manifestao lingstica, pela atuao conjunta de uma complexa rede de fatores de ordem situacional, cognitiva, sociocultural e interacional, so capazes de construir, para ela, determinado sentido. Nesse caso, o sentido, salienta a lingista, no est no texto, mas se constri a partir dele (2000:25), no curso de uma interao, haja vista que o texto j no pode mais ser considerado como uma simples unidade lingstica, cujos sentidos existem fora de um contexto scio-histrico. Tal posicionamento me parece ser compatvel com o sustentado por KRAMER, quando analisa a leitura como experincia. Isso me leva a crer que o texto s pode ser compreendido considerando-se alm da experincia, fatores de ordem situacional e interacional como partes integrantes de os sentidos a serem construdos pelo leitor. Desse modo, o leitor no precisar ficar preso a modelos de leitura j conhecidos e tutelados por crticos, especialistas, professores universitrios, como por exemplo, as interpretaes formuladas pelo professor e pelo manual didtico no cotidiano escolar, pois como diz KOCH,

todo texto possui apenas uma pequena superfcie exposta e uma imensa rea imersa subjacente. Assim para se chegar s profundezas do implcito e dele extrair um sentido, faz-se necessrio recorrer a vrios sistemas de conhecimento e a ativao de processos e estratgias cognitivas e interacionais (2000:25).

Isso quer dizer que no momento da ao de ler, o leitor aproxima-se e distancia-se das idias que o texto sugere, levando-o a compartilhar a sua experincia no momento de interao. Assim, considero que o sentido no est pronto no texto a ser decodificado pelo leitor, mas deve ser construdo dentro de uma situao interacional, como um processo social em que todos devem participar como agentes na busca da construo de um sentido, graas incompletude do texto. importante observar que em sala de aula, as concepes de leitura que orientam as atividades de ensino no so essas, porque o sentido veiculado na escola, insere-se em estudos formatados que so legitimados e repassados no contexto escolar. Assim, o sentido apresentado como universal, silenciando os outros tantos que o texto poderia suscitar no leitor, face viso de leitura que a escola privilegia: a leitura como extrao de sentido que estaria estanque e completamente determinado pelo texto. Creio eu, que esse modelo de leitura interfere na leitura dos textos literrios que so apontados para estudo no Curso de Letras. Para pensar essa questo, apresento abaixo alguns trabalhos produzidos nas ltimas duas dcadas que tm questionado esse tipo de prtica de leitura no contexto brasileiro.VIEIRA (1999) citando CAVALCANTI (1989) mostra que o estado da arte da leitura no cenrio atual das pesquisas em Lingstica Aplicada caminha em duas direes, de acordo com sua base ou seu foco. Assim, tem-se uma pesquisa com base no texto e que engloba a Lingstica Textual e a Psicologia Cognitiva. Outra, com base no conhecimento prvio, que abrange a teoria de representaes na memria e o modelo de compreenso com base em roteiros. Quando o texto impresso privilegiado, a leitura tida como extrao do sentido que estaria estanque e completamente determinado no texto. Ao leitor caberia um papel passivo de restaurao do sentido original, ou literal do texto, logo disposto a aceitar a contradio e a incoerncia, como observa KLEIMAN (1998). Conforme essa pesquisadora, a atividade escolar que se baseia nessa concepo no passa de uma pardia de leitura, uma vez que os conceitos de texto e leitura que subjazem a essa prtica so: o texto como depsito de informaes; a leitura como decodificao; a leitura como instrumento de avaliao e, finalmente, a interao sob o ponto de vista autoritrio de leitura, isto , uma maneira de abordar o texto, e uma interpretao para ser alcanada, pois

(...) a anlise de elementos discretos seria o caminho para se chegar a uma leitura autorizada, a contribuio do aluno e sua experincia dispensvel, e a leitura torna-se uma avaliao do grau de proximidade ou de distncia entre a leitura do aluno e a interpretao autorizada (1998:23).

Nesse sentido, o espao para a subjetividade do leitor negado em razo de a leitura na escola se pautar em uma viso tradicional, na qual o texto focalizado como um objeto determinado e a leitura consiste na anlise e decodificao de objeto, no havendo assim, um espao para a subjetividade do leitor, conforme aponta CAVALCANTI (1992:224). Alm disso, como complementa TERZI (1995:15), a leitura no se d linearmente, de maneira cumulativa, em que a soma dos significados das palavras constituir o significado do texto. Para essa lingista, cada palavra funciona como um ndice de experincia e conhecimentos previamente adquiridos pelo leitor, que nela se inscrevem: ao l-la, o leitor ativa uma determinada rede de conhecimentos da memria, os quais, ao serem acionados, influenciam a atribuio de significados s demais palavras do texto, num processo contnuo de re-significao.SILVA (2000:145) lembra que ler, antes de tudo, refletir sobre as coisas do mundo, ver na escrita um lugar de questionamento e de fatos e respostas, viabilizando a construo de um universo pessoal aberto s transformaes e s incorporaes. Nesse sentido, a autora entende que o processo de leitura no pode ser visto como mecnico e serial, que parte sempre de segmentos menores, como slabas, palavras, para maiores, como frases, para posteriormente, estabelecer relaes de significao.Assim, fica evidente que a busca de informao no pode ser confundido com a ao de ler, pois cada leitor traz sempre consigo, para cada leitura que faz, sua experincia, sua cultura e seus valores e, consequentemente, uma pluralidade de interpretaes. Essa multiplicidade fica ntida na afirmao de SOARES (1995:95), quando diz:

o texto no preexiste a sua leitura, no aceitao passiva mas construo ativa. no processo de interao desencadeado pela leitura que o texto se constitui. Cada leitura nova escrita de um texto.

Ao conceber a atividade de leitura como um processo de interao, SOARES deixa claro que o texto constitui apenas um ponto de partida, pois o sentido no reside somente no texto. Na verdade, existem outros fatores que concorrem para que a compreenso se estabelea.Nessa perspectiva, posso inferir com KRAMER (2000) que a leitura literria no pode ser vista como acmulo de informaes sobre clssicos, sobre gneros ou estilos, escolas ou correntes literrias, mas sim o modo de realizao dessa leitura, em que o fator individual (experincias pessoais) e o fator comunitrio (dados culturais) do leitor no momento da leitura, o levam a pensar, a refletir sobre questes relativas ao seu mundo social. Entretanto, acentua KRAMER, a falta de contato com textos e contextos que incentivem a leitura como experincia advindo do tempo abreviado que caracteriza a contemporaneidade, remete leitura fragmentada, porque lem-se pedaos de textos cada vez mais curtos, mensagens, trechos, resumos e informaes. A seguir, apresento a relao entre a escola e o ensino de leitura literria.A escola e o ensino de leitura literria

SOARES (1999), ao analisar o ensino da literatura infanto juvenil, considera o processo de escolarizao inevitvel, por ser da essncia da escola a instituio dos saberes escolares. Contudo defende a possibilidade de descoberta de uma escolarizao adequada da literatura. E o que vem a ser escolarizao? Segundo a autora, o termo escolarizao , em geral, tomado em sentido pejorativo, depreciativo, quando utilizado em relao a conhecimento e saberes, produes culturais, como h conotao pejorativa nas expresses adjetivadas conhecimento escolarizado, arte escolarizada, literatura escolarizada. No entanto, em tese, no correta ou justa a atribuio dessa conotao pejorativa. preciso lembrar que, no h como ter escola sem ter escolarizao de conhecimentos, saberes, artes, diz a autora, uma vez que o surgimento da escola est indissociavelmente ligado constituio de saberes escolares que se corporificam e se formalizam em currculos, matrias, disciplinas, programas e metodologias, nada disso exigido pela inveno, responsvel pela criao da escola, de um espao de ensino e de um tempo de aprendizagem. Na concepo de SOARES, portanto, a escola uma instituio em que o fluxo das tarefas e das aes ordenado atravs de procedimentos formalizados de ensino, isto , ordenado atravs de um tratamento peculiar dos saberes pela seleo, e conseqente excluso, de contedos, pela ordenao e seqnciao desses contedos, pelo modo de ensinar e de fazer aprender esses contedos. a todo esse processo que a autora chama de escolarizao processo inevitvel porque da essncia da escola, processo que a institui e que a constitui. Nessa perspectiva, no h como evitar que a literatura, qualquer literatura, ao se tornar saber escolar se escolarize, porque isso significaria negar a prpria escola, afirma SOARES (1999: 21). importante frisar que, ao analisar o ensino de literatura, a autora no condena a escolarizao desse conhecimento, mas sim, a forma inadequada, errnea com que ela tem se realizado no cotidiano escolar. Essa imprpria escolarizao contribui para a deturpao, a falsificao, a distoro da literatura, uma vez que esvazia o texto literrio de seu potencial, congelando-o, por exemplo, em definies e classificaes que concorrem para afastar o aluno das prticas de leitura literria, desenvolvendo nele resistncia ou averso. No se trata, como bem mostrou SOARES, de condenar a escola ou a relao desta com a literatura. Literatura e escola so duas instituies e como tal que tambm esto em constante interao.

A interao em sala de aula: alguns pressupostos

MOITA LOPES (1996) seguindo BRUNER (1986) e VYGOTSKY (1978) postula que a educao um processo essencialmente cultural e social, no qual os alunos e professores participam interagindo na construo de um conhecimento conjunto. Nesse sentido, relevante a seguinte declarao do autor:

A aprendizagem em sala de aula caracterizada pela interao social entre os significados do professor e os dos alunos numa tentativa de construo de um contexto mental comum... (1996: 96)

Outros trabalhos vm reafirmando a posio de MOITA LOPES. CICUREL (1984), por exemplo, formula um conceito de interao anlogo ao do pesquisador citado quando se reporta questo da interdependncia dos comportamentos linguajeiros dos interlocutores dentro de uma ao de comunicao mais especfica, o dilogo que resulta na troca entre falantes. Essas trocas remetem s tomadas de turnos evidenciadas por VAN LIER (1989), ao focalizar os mecanismos de interao, sob o ponto de vista etnogrfico. Sob essa perspectiva, o autor descreve as tomadas de turnos minuciosamente, a fim de demonstrar o qu e como ensinar atravs de modelos, trabalhos, classificao etc. Convm lembrar que as tomadas de turno no so aleatrias, porque seguem normas tcitas, ou seja, regulaes e convenes que definem a tomada do turno seguinte. Dentro da sala de aula, como o professor que detm o saber e, evidentemente, tambm o poder, cabe a ele, sempre, le premier et le dernier mot et ce pouvir tient sa position dans linstitition scolaire qui dtermine sa position dans linteration (LEGRAND-GILBERT, 1988:87). Tal fato remete ao que VIEIRA (1999:163) denomina de perguntas-tese do discurso do professor, pois na fala do professor, as perguntas-tese no do oportunidade resposta do aluno, pois nessas perguntas, j existe uma resposta prvia formulada pelo professor ou por algum especialista. Essas perguntas/respostas equivalem ao que EHLICH (1986:154) chama de perguntas-didticas.Para CAZDEN (1988:148) h predominncia de dois tipos de organizao social na sala de aula:a instruo tradicional de um grupo grande com o professor no controle da sala;a instruo individualizada com os alunos trabalhando sozinhas e o professor monitorando e checando o progresso individual dos alunos.

LOPES (1996:263), comentando os tipos de organizao social apresentado por CAZDEN, observa que, s vezes, eles se mesclam e, sugere uma variao entre ambos, porque na maioria das vezes, o professor toma o incio do turno conversacional, orientando a direo da aula e nomeia ou convida os alunos para responderem. Entretanto, ressalta LOPES (1996:264), pode haver contribuies ou intervenes espontneas, com o professor monitorando e oportunizando a fala dos alunos. Nesse momento, diz a autora, no h propriamente a checagem do progresso individual deles, h, antes, uma abertura maior de espaos para suas manifestaes verbais, que muitas vezes se entrecruzam. Outras vezes o aluno toma a palavra e passa a controlar o tpico discursivo. A revertem-se os papis, havendo um deslocamento daquelas regras normativas institucionais previamente aprendidas. Essas situaes em sala de aula, quebram o tipo tradicional de interao, ou seja, aquela interao em que os turnos conversacionais so iniciados, controlados e encerrados pelo professor e que ele s os encerra quando obtm respostas semelhantes s que previu. Esse poder baseia-se na relao assimtrica, na qual o saber do professor dominante em relao ao saber do aluno. No entanto, necessrio ressaltar que, na maioria das vezes, o prprio professor representa, no a sua prpria voz, mas aquela do crtico ou a do livro didtico.Nesse sentido, lembro TERZI (1995:22), quando destaca que o que se v freqentemente na sala de aula o professor definindo a perspectiva sob a qual o assunto da aula deve ser focalizado, impedindo o aluno de assumir uma outra perspectiva. Embora essa observao da lingista se refira aprendizagem de crianas, vejo que pertinente reflexo sobre o ensino de leitura literria proposta neste trabalho, porque foi essa atitude que, durante muito tempo, marcou a minha ao pedaggica. Provavelmente, quem sabe, por abordar a leitura literria em sala de aula apenas como uma atividade que se limitava exclusivamente anlise estruturalista, levando-me a esquecer a interao entre o leitor e o texto como tambm a prpria interao entre as pessoas durante o ato de ler. Ao constatar que a leitura no se restringe somente interao entre o leitor e o texto, percebi que de fundamental importncia o contexto no qual esta leitura ocorre: a sala de aula. Essa minha constatao encontrou eco em estudo recente de VIEIRA (1999). Esta pesquisadora ao abordar a leitura como evento social, menciona o trabalho de BLOOME(1983) como uma alternativa para os estudos sobre leitura ao incorporar e focalizar, no contexto de sala de aula, a interao entre pessoas durante a ao de ler. Segundo BLOOME (apud VIEIRA, 1999), ao explorar o conceito de leitura como evento social, entende evento como a interao face-a-face de pessoas em uma seqncia discursiva, atravs de suas aes e reaes, levando-as a negociarem suas identidades e relaes sociais. Nesse sentido, BLOOME acredita que os diversos eventos de leitura, seja na sala de aula, seja em casa ou no trabalho, so de natureza social e cultural.Diante dessa constatao, BLOOME afirma que o leitor interage no s com o texto, mas tambm com o autor, com outros textos e com as pessoas em volta no momento da leitura. Por isso, necessrio focalizar a relao entre as pessoas envolvidas na ao de ler, pois assim, como em outros atos sociais, a leitura uma atividade pela qual as pessoas se orientam em direo s outras (...) se engajam em vrios tipos de interao social, declara o autor. sob essa tica que BLOOME (apud VIEIRA, 1999:100) resume em duas premissas bsicas o conceito de leitura como evento social: (i) os processos cognitivos em jogo no evento de leitura se conectam tanto ao contexto social como estrutura do evento; (ii) as habilidades apreendidas durante a atuao no evento dependem da natureza do mesmo. Abordarei em seguida, a leitura de acordo com alguns tericos da literatura.

Leitura na viso de tericos da literatura

Na tradio da pesquisa sobre leitura de literatura, vrias posies tericas disputam lugar. Para JOUV (1993) h duas abordagens principais: uma que se ocupa do como se l, representada pela Escola de Constance e a outra, que se preocupa com o que se l, representada pelas teorias que tratam de leitores reais.A Escola de Constance desloca o estudo da relao que antes era puramente textual para a relao leitor/texto. Dois dos famosos representantes desta escola so JAUSS (1978), com a teoria da Esttica da Recepo, e ISER (1996), com a teoria do leitor implcito. Na viso de Jauss, o pblico leitor ganha uma enorme dimenso. A sucesso dos leitores de uma obra constitui a prpria histria literria, isto , o texto literrio no sobrevive sem um pblico. Nesse caso, a literatura deve ser estudada a partir de seu impacto sobre as normas sociais, uma vez que pr-forma a compreenso de mundo do leitor, repercutindo ento em seu comportamento social. ISER se preocupa com o leitor em particular, pois para ele o leitor pressuposto do texto. Logo, ele tenta mostrar como um texto literrio direciona a leitura do leitor e como este reage cognitivamente aos percursos impostos pelo texto. Essa perspectiva do autor, permite-me aproxim-lo da abordagem de KOCH (2000) quando examina a questo do texto sob o ponto de vista de uma atividade comunicativa global, em que necessria a atuao conjunta de uma complexa rede de fatores para a construo de determinado sentido, dentre eles um de natureza cognitiva. Nesse sentido, o texto possui uma estrutura de apelo que leva Iser (1999) a defender que o sentido um efeito a ser experimentado individualmente, pelo fato de o texto j ser uma prefigurao da recepo. Alm de JAUSS e ISER, ECO (1993), com sua abordagem semitica, postula uma anlise de leitura cooperativa, cujo objetivo, semelhante ao de ISER, estudar as formas pelas quais o texto programa sua recepo e as formas pelas quais o leitor (modelo) responde s solicitaes das estruturas sociais. Para ECO, no suficiente que se considere apenas a liberdade do leitor para interpretar um texto, a chamada inteno do leitor, nem tampouco ater-se inteno do autor ao escrever a obra. preciso tambm que se considerem as intenes do texto Como representante da teoria que se preocupa com o que se l, que considera o leitor real, PICARD (1986, 1989) critica as anlises feitas a partir de leitores abstratos e recomenda o estudo da leitura feita por um leitor de carne e osso, pelo fato de ele apreender o texto com sua inteligncia, sua cultura, suas determinaes scio-histricas e seu inconsciente. Apesar de divergirem quanto concretude do leitor, as abordagens de PICARD e ECO aproximam-se no que diz respeito questo da interao leitor-texto. Segundo JOUV, filiado abordagem que focaliza o leitor real, a leitura uma atividade de mltiplas faces, complexa, plural, que caminha em mltiplas direes, em razo da relao assimtrica autor/leitor, isto , o autor e o leitor esto distanciados no tempo e no espao. O autor acrescenta, ainda, que o leitor precisa se apoiar nos elementos lingsticos do texto para construir o contato necessrio para compreend-lo. Cabe notar que essa falta de referncia no particular ao discurso literrio. Cada leitor traz sempre consigo, para cada leitura que faz, sua experincia, sua cultura e seus valores e consequentemente uma pluralidade de interpretaes. No entanto, sob o ponto de vista da abordagem semitica, o leitor no pode fazer o que quer, pois ele tem deveres filolgicos, como diz ECO (1993), e precisa recuperar as indicaes de leitura do autor para no correr o risco de fazer interpretaes aberrantes. Portanto, nem todas as leituras so legtimas porque preciso respeitar os limites impostos pelo texto. Segundo ECO (1993:35-57), o que ultrapassar esses limites, pode se tornar superinterpretao.Se no possvel que a interpretao se estabelea sem obedecer a um certo nmero de convenes, como definir o papel do leitor real? Na perspectiva de JOUV (1993) necessrio determinar os papis do texto e do leitor na concretizao do sentido para a investigao de como se l o que se l. Se a leitura entendida como produo interativa entre leitor e texto, ento a obra literria tem, constitutivamente, necessidade da participao do destinatrio. O universo textual sempre inacabado e a recepo , pois o acabamento da obra. Para JOUV, o papel do leitor na interpretao textual se d da seguinte forma:

H sempre duas dimenses na leitura: uma comum a todo leitor porque determinada pelo texto e outra varivel at o infinito porque depende do que cada um projeta no texto de si mesmo. (...) A leitura levando o leitor a integrar a viso do texto a sua no uma atitude passiva. O leitor vai retirar desta relao no s sentido, mas tambm significao. (...) O que permite a leitura a descoberta da sua alteridade. O outro do texto, narrador ou personagem, nos remete a uma imagem de ns mesmos (1993: 94- 97).

Trata-se, portanto, de uma leitura que exige do leitor experincia, habilidades e conhecimentos de mundo, de lngua e de texto, a fim de que ele possa, durante o processo de interao, projetar algo de si mesmo na construo de um sentido para o texto e, ao mesmo tempo, buscar no outro a descoberta do seu prprio ser.Tomando por base a viso de JOUV no que tange ao papel do leitor na interpretao textual, posso compar-la viso interativa de leitura de CAVALCANTI (1989), ao considerar a bidirecionalidade de fluxo de informao, ou seja, a leitura feita atravs do processamento ascendente (do texto em direo ao leitor), quanto do processamento descendente (do leitor em direo ao texto). Nesse caso, o leitor co-constri o sentido do texto durante o processo de interao com o texto atravs de vrios nveis de conhecimento para transformar as pistas indexicais em informao. ECO (1985:148), ao retomar o conceito de leitura proposto por JOUV, diz que o leitor modelo colabora no desenvolvimento da fbula antecipando os estados sucessivos. Disso decorre uma poro da fbula que deveria corresponder quela que ele vai ler. Uma vez lida, ele se dar conta se o texto confirmou ou no sua previso, pois o texto como uma mquina preguiosa que precisa do leitor para funcionar, uma vez que o texto sozinho no responsvel pela construo do sentido. Assim a presena do leitor no processo de compreenso fundamental, diz ECO (1984), porque

O texto tecido cheio de lacunas, repleto de no ditos, e todavia esses no ditos so de tal modo no-ditos que ao leitor dada a possibilidade de colaborar, para preencher esses no-ditos.

luz desse pressuposto, lembro BORBA (1995:5) quando analisa a prtica de leitura nos Cursos de Letras. Para a autora, o trabalho com a leitura deve se constituir em um processo de construo de sentido e no s no reconhecimento das marcas do texto, porque este um todo unificado e coerente, construdo de modo que o sentido de uma de suas partes no pode ser entendido sem que se estabeleam relaes entre essa e as demais, pois em qualquer texto, o significado das frases no autnomo e elas s tm sentido na relao que mantm entre si, entre o conjunto do texto, e, num nvel mais amplo, na relao do texto com o contexto no qual se encontra inserido.Assim, a crena de que o texto um repositrio de informaes, formado por um conjunto de palavras cujos significados so examinados um por um para se chegar mensagem final, cai por terra, bem como a crena de que o leitor um sujeito passivo, cujo papel consiste em colher as informaes atravs do domnio das palavras que, nessa viso, so o veculo das informaes. Esse procedimento no condiz, absolutamente, com a realidade da ao de ler. BORDINI & AGUIAR (1988:15), autoras que escrevem sobre a leitura do texto literrio tambm esto de acordo, a meu ver, com esse posicionamento quando afirmam que a atividade do leitor de literatura se exprime pela reconstruo, a partir da linguagem, de todo o universo simblico que as palavras encerram, e pela concretizao desse universo com base nas vivncias pessoais do sujeito.LAJOLO (2000) escrevendo sobre a leitura literria, observa que no se deve esquecer que literatura, como linguagem e como instituio, se confiam os diferentes imaginrios, as diferentes sensibilidades, valores e comportamentos atravs dos quais uma sociedade expressa e discute, simbolicamente, seus impasses, seus desejos, suas utopias. Sob essa tica, a leitura passa a ser vista como resultado do dilogo estabelecido entre os planos individual e coletivo. Nesse caso, a meu ver, o leitor no pode simplesmente ficar preso ao reconhecimento de figuras de estilo, s caractersticas de uma poca, mas interagir com o texto e para isto so fundamentais estas palavras de LAJOLO:

Cada leitor, na individualidade de sua vida, vai entrelaando o significado pessoal de suas leituras com os vrios significados que, ao longo da histria de um texto, este foi acumulando. (...) em contato com o texto novo, faz convergir para o significado deste o significado de todos os textos que leu.( 2000:106-107 )

Essa viso de leitura de LAJOLO est prxima do dialoguismo e da intertextualidade invocados por GOULEMOT (1996), porque a autora declara que o leitor faz convergir para o significado a histria de suas leituras. Isso, a meu ver, abre espao para a viso de leitura do texto literrio de BORDINI & AGUIAR(1988), que contempla as vivncias pessoais do leitor na atividade de leitura, as quais colaboram para preencher os no- ditos encontrados no texto, segundo ECO (1984), concorrendo para um processo contnuo de re-significao, como diz TERZI (1995), porque nenhum texto existe se no houver um leitor para lhe dar um significado, declara CHARTIER (1996). O papel do leitor, portanto, importante para a construo de um sentido, o qual, no dizer de KOCH (2000), revela-se atravs de uma atuao conjunta de fatores de ordem situacional, cognitiva e interacional.Como foi possvel perceber, as discusses levantadas pelas diversas posies tericas revelam convergncias que, na verdade, dizem respeito s concepes de leitor e de texto, que subjazem aos conceitos de leitura sustentados por elas e que se refletem nas diferentes abordagens e prticas de leitura.Para finalizar este captulo, gostaria de ressaltar que o que subsidia meu trabalho o conceito de leitura e no necessariamente uma teoria da leitura, uma vez que busquei em mais de uma elementos para entender a ao de ler como uma atividade que inclui o leitor e as condies de produo da leitura.Nos captulos que seguem, pretendo, mediante observaes da interao no contexto de sala de aula de Literatura Brasileira, demonstrar como os graduandos de Letras lem um conto de Clarice Lispector, como eles discutem o texto, sem o meu controle excessivo. O conto clariceano parece ser um local privilegiado para verificar o grau de autonomia de leitura deles, sobretudo no que tange construo de sentido, pelo fato de apresentar uma estrutura narrativa que se distancia das convencionais, ou seja, com incio, meio e fim. Essa caracterstica, a meu ver, induz o aluno a tentar imprimir leitura um trao mais pessoal.

Captulo 2

DESCRIO DA BASE EMPRICA

Integram este captulo algumas das idias que sustentam a metodologia etnogrfica de observao e descrio do cenrio da pesquisa, bem como a pesquisa-ao. Sobre esse tipo de pesquisa, MOITA LOPES (1996: 89) diz o seguinte:

Na pesquisaao, o professor deixa seu papel de cliente/consumidor de pesquisa, realizada por pesquisadores externos, para assumir o papel de pesquisador envolvido com a investigao crtica de sua prpria prtica. Por isso, na Introduo dessa dissertao, assinalei que a base emprica de minha reflexo sobre a prtica de ensino de leitura do texto literrio no Curso de Letras da UNIFAP foi constituda pela minha experincia adquirida como professora de Literatura Brasileira. Cabe salientar que esta experincia profissional advm do trabalho realizado nos Ensinos Mdio e Superior. Durante catorze anos lecionei Literatura Brasileira no Ensino Mdio, e, desde 1981 sou professora de Ensino Superior, quando no havia ainda a UNIFAP, e sim, o Ncleo de Educao, em Macap. Tal Ncleo era uma extenso da UFPA, onde ministrei Literatura Infanto-Juvenil; Histria da Arte, Esttica e Literatura Brasileira para o Curso de Letras e, Histria da Arte I, II, III, IV para o Curso de Educao Artstica e, Histria da Arte I para o Curso de Histria. Assumi a cadeira de Literatura Brasileira para o Curso de Letras em 1994. Associados a essa experincia esto os dados coletados durante a minha interveno pedaggica em uma turma de graduandos do Curso de Letras da UNIFAP. Essa interveno deu-se no II Semestre/99, no decorrer da disciplina Literatura Brasileira IV, quando foi realizado uma atividade de leitura com atividades oral e escrita. A seguir, apresentarei as razes que me levaram a optar pelo estudo de cunho etnogrfico.Conforme ANDR (1995), a pesquisa do tipo etnogrfico se caracteriza fundamentalmente por um contato direto do pesquisador com a situao pesquisada. Nesse sentido, permite o pesquisador reconstruir os processos e as relaes que configuram a experincia escolar cotidiana, por meio de tcnicas etnogrficas de observao e de entrevistas. Geralmente, a pesquisa feita em Lingstica Aplicada referida como de cunho etnogrfico porque utiliza a metodologia etnogrfica de coleta de dados em contextos naturais. As diferenas entre as cincias descritivas do social como a Antropologia e a Lingstica Aplicada que a ltima coloca o foco na percepo que os participantes tm da interao lingstica e do contexto social em que esto envolvidos, segundo MOITA LOPES (1996:22). Por isso, esse autor entende que cabe etnografia uma descrio narrativa dos padres caractersticos da vida diria dos participantes sociais na sala de aula. Nesse caso, necessrio participar na sala de aula como observador participante, escrever dirios, entrevistar, gravar, etc., para ento, tentar descobrir: (i) o que est acontecendo neste contexto; (ii) como esses acontecimentos esto organizados; (iii) o que significam para o aluno e o professor e, (iv) como essas organizaes se comparam com organizaes em outros contextos de aprendizagem.Pontuar aspectos dessa natureza e tentar respond-los se faz necessrio porque, conhecer a sala de aula mais de perto significa colocar uma lente de aumento na dinmica das relaes e interaes que constituem o seu dia-a-dia, conforme ANDR (1995:41), a fim de documentar e compreender os detalhes concretos da prxis pedaggica, bem como os diferentes significados que os acontecimentos tm para as pessoas que esto envolvidas nesse espao social, onde aes, relaes so constantemente construdas ou modificadas. Por essa razo que a metodologia de pesquisa de base etnogrfica no se pauta em categorias preestabelecidas antes da entrada no campo de investigao, mas a partir de uma questo de pesquisa que conduzir o estudo.Dentre os vrios tipos de pesquisa que aparecem associados abordagem qualitativa, encontra-se a pesquisa-ao. Para MOITA LOPES (1996), esse tipo de pesquisa pode ser entendido como uma maneira privilegiada de gerar conhecimento sobre a sala de aula, graas percepo interna do processo que o professor tem; e como uma forma de avano educacional, j que envolve o professor na reflexo crtica do seu trabalho. Essas duas maneiras de entender a pesquisa-ao apontados pelo pesquisador, contriburam para a minha opo por uma linha qualitativa e de cunho etnogrfico, uma vez que eu pretendia refletir sobre a minha prtica de leitura literria em contexto escolar de nvel superior.Conforme THIOLLENT (1988:14), a pesquisa-ao examina as aes de sujeitos da pesquisa dentro de um microcontexto em que h estreita associao entre o pesquisador e os sujeitos da pesquisa, envolvidos numa ao conjunta. Nesse sentido, organizei aulas de leitura tomando, a princpio, como base, o conto Feliz Aniversrio Este conto poder ser encontrado em LISPECTOR, C. (1995). Laos de famlia. 28 ed. Rio de Janeiro. Francisco Alves. pp. 71-86. de Clarice Lispector, atravs de atividades oral e escrita que compreenderam vinte hora/aulas, das sessenta horas que perfazem a disciplina observada. As vinte horas foram assim distribudas: dez horas foram destinadas interveno em sala de aula. Essa interveno pedaggica compreendeu trs sesses que foram realizadas nos dias: 29/11 com durao de trs hora/aulas; 01/12 com durao de trs hora/aulas; 06/12 com durao de duas hora/aula e 13/12 com durao de duas hora/aulas. Convm aqui ressaltar que nos dias 29/11 e 01/12 as aulas foram alm do horrio normal, em virtude de a professora do horrio subsequente permitir a utilizao de uma hora/aula de sua disciplina nos dias citados. As outras dez horas foram destinadas realizao do trabalho escrito.Essa organizao permitiu que eu fizesse uma comparao entre as aulas que eu ministrei no Ensino Mdio com as que eu estava ministrando para uma turma de graduandos do Curso de Letras. Objetivando dar ao leitor uma viso da minha sala de aula de Literatura Brasileira no Ensino Mdio, focalizo a estrutura da tarefa de leitura.As aulas seguiam quase que religiosamente os roteiros elaborados pelos manuais didticos que eram distribudos como cortesia pelas editoras. Esses manuais chamados de livros do professor, geralmente eram acompanhados de um encarte contendo respostas aos exerccios propostos. Para estudar a unidade sobre a obra de Clarice Lispector, por exemplo, a sugesto dada era:1.Situar o Momento Histrico;

2.Comentar a vida e a obra da escritora;

3.Ler, geralmente um fragmento de um conto para estud-lo, posteriormente, atravs de questes do tipo:

A narrativa centra-se em torno de um fato. Qual? (FARACO/MOURA, 1991:251);Transcreva um trecho do conto em que Clarice Lispector apresenta uma de suas mais comuns preocupaes: a dvida existencial. (NICOLA, 1996:313);O que representa o fio partido ? Destaque do dcimo pargrafo um trecho que justifique a sua resposta. (CEREJA/MAGALHES, 1990:250).Ao comparar esse tipo de procedimento com as aulas dadas no Ensino Superior, observei que elas seguiam quase que completamente a forma ritualstica advinda da orientao do livro didtico destinado ao nvel Mdio, descrita acima. A diferena maior concentrava-se na indicao da leitura. Esta no era s de um fragmento, mas de contos e romances completos. Todavia no era dado muito espao para o aluno interagir mais livremente com o texto, porque ele seguia exatamente o que eu previra, ou seja, ler a obra e, posteriormente estud-la segundo abordagens do tipo apresentado pelos livros: Anlise estrutural de romances brasileiros, de SANTANNA (1984) ou Histria da Literatura Brasileira: Modernismo, de MOISS (1990), Como analisar narrativas, de GANCHO (1991), Roteiro de leitura: A hora da estrela, de GUIDIN (1994), dentre outros.Atualmente, consciente de que os desafios e os riscos fazem parte da vida daqueles que lidam com a sala de aula, optei, assim como ERICKSON (1985), o principal terico da Etnografia Escolar, pelo uso de uma pesquisa que valoriza as relaes sociais entre as pessoas engajadas em situaes de interao. Na opinio de ERICKSON (1985:29), so duas as questes de pesquisa mais relevantes para a etnografia: qual ao social est ocorrendo e qual seu significado para os envolvidos, haja vista a preocupao com a perspectiva significante dos atores e a ecologia das circunstncias da ao na qual se encontram. A ecologia social da qual fala o estudioso busca compreender as formas pelas quais professores e alunos, nas suas aes conjuntas, constituem o meio-ambiente uns para os outros (1985: 31).Outros estudos vm reafirmando a posio terica de ERICKSON. VAN LIER (1988:36), por exemplo, listando as hipteses que subsidiam a sua escolha pela etnografia afirma que:1.nosso conhecimento atual do que acontece na sala de aula extremamente limitado;2. relevante e vlido aumentar este conhecimento;

3.isto s pode ser feito indo-se procura de dados na sala de aula;

4.todos os dados devem ser interpretados no contexto da sala de aula, ou seja, no contexto de sua ocorrncia;

5.este contexto no apenas lingstico ou cognitivo, mas tambm essencialmente social.

por isso que a pesquisa etnogrfica na sala de aula tem tido a preocupao com a natureza da coleta de dados envolvendo alm da participao direta do pesquisador, vrios tipos de fontes de dados. Desse modo, a fonte primria que constitui esse trabalho foram as gravaes em udio das aulas referentes leitura de contos de Clarice Lispector e os trabalhos escritos dos alunos sobre os textos lidos. As fontes secundrias foram as entrevistas com os alunos, as anotaes tomadas no Dirio de Campo durante a interveno pedaggica e os questionrios, os quais me levaram a adquirir, como diz ERICKSON, novos olhos sobre a minha prtica de leitura literria.

O contexto da pesquisa-ao

Os fatores que contriburam para a escolha do contexto para a minha pesquisa foram:a minha familiaridade com o cenrio, haja vista o perodo que estou atuando no Curso de Graduao de Letras, isto , desde de 1994; a aceitao imediata, pelos alunos do ltimo ano de Letras, da minha proposta de pesquisa.

A Universidade

Os dados foram coletados na Universidade Federal do Amap, situada na cidade de Macap. Essa Instituio foi fundada em 1990 e, atualmente, funciona com 11 (onze) cursos. Oferece Licenciatura em Letras habilitao Portugus/Ingls, Portugus/Francs, com durao de quatro anos nos trs turnos. Sua Biblioteca, no momento da pesquisa, funcionava com uma circulao de livros ainda restrita com relao ao estudo do fenmeno literrio. Apesar disso, na Avaliao do MEC/99, atravs do chamado PROVO, nosso Curso de Letras ficou entre os melhores da regio Norte, obtendo o Conceito A.Os sujeitos da pesquisa: os alunos

O meu primeiro contato com os alunos da turma de Letras/96 deu-se a partir do ano de 1998, quando comeamos a estudar a matria Literatura Brasileira, que contm quatro nveis. Tal fato, deixou-me vontade para lhes comunicar que eu gostaria que eles fossem, juntamente comigo, os participantes de uma pesquisa que eu pretendia desenvolver nos domnios da Lingstica Aplicada.A turma congregava quarenta e quatro alunos e foi observada, como dito anteriormente, durante as aulas da disciplina Literatura Brasileira IV, que correspondia a quatro aulas semanais de 50 minutos cada, concentradas nas segundas e quartas noite. Dos 44 alunos inscritos, compareciam s aulas, com freqncia, cerca de 70% dos alunos. Durante as aulas expositivas, na interao do tipo professora-turma, o nmero dos que participavam, se expressando verbalmente, girava em torno 25% dos alunos. Os outros no participavam oralmente daquele tipo de interao, entretanto aparentavam acompanhar atravs de silncio atento, de anotaes, ou partilhando alguma dvida ou observao com colegas. Alguns alunos mostravam-se completamente dispersos. As trs Unidades Temticas desenvolvidas no decorrer do Curso foram: 1. A potica de Joo Cabral de Melo Neto; 2. A obra de Clarice Lispector; 3. A fico de Guimares Rosa. Neste empreendimento de pesquisa, optei pela segunda unidade temtica, a fim de verificar como o aluno-leitor construria um sentido para o texto clariceano. Antes, porm, de dar incio interveno pedaggica, apliquei um questionrio indagando sobre contatos anteriores do aluno-leitor com a obra de Clarice Lispector.Gostaria de assinalar que a turma era bastante heterognea. Compreendia 44 alunos, com idade variando de 22 a 45 anos, em sua maioria (36) do sexo feminino. A maioria (32) natural do estado do Amap e freqentou a escola pblica durante os Ensinos Fundamental e Mdio. Uma minoria (10) freqentou Cursinhos, como preparao para o Concurso Vestibular/96 da UNIFAP.Dentro de um grupo de 44 alunos/leitores, optei por eleger 11 na faixa etria entre 22 e 44 anos como amostra de referncia. Eles sero apontados pelas iniciais: SP; AC; PH; AT, JF, CP, CM, VL, SM, AG, MQ. Vale lembrar que AC professor em formao inicial, pois exerce a funo de taqugrafa no Tribunal de Justia. Os demais, j so profissionais do ensino.Aps a convivncia de mais um semestre com esses alunos, comecei as gravaes de entrevistas semi-estruturadas. Nelas, indaguei sobre: local de origem; dados da famlia; ocupao profissional; concepo de leitura; tipos de leitura fora da escola; histria de escolarizao; hbitos de leitura; conceito de texto e de literatura desses alunos.Para que se tenha um perfil dos acadmicos do Curso de Letras aqui focalizados, apresento a seguir uma sistematizao dos dados coletados junto aos 11 alunos entrevistados.SP iniciou o Ensino Fundamental com seis anos de idade em uma localidade situada no interior do Estado. A partir da 2 srie passou a estudar em Macap, em escola pblica. Em 1996 ingressou no Curso de Letras, motivada pelo estudo de Lngua Portuguesa. SP diz que suas leituras, em casa, giram em torno de revistas informativas como Isto e Super Interessante, e de revistas em quadrinhos. Durante o Ensino Mdio e o Ensino Superior, acostumou-se a ler textos indicados pelos professores. SP relata que, no decorrer do curso, a metodologia utilizada nas aulas de literatura fez crescer o gosto por essa disciplina porque a sua grande paixo sempre fora a lngua portuguesa. Hoje, a sua monografia de concluso de curso em Literatura Brasileira. Ela trabalha como professora de 1 a 4 sries em escola pblica. Sobre o seu trabalho com leitura na escola, ela diz o seguinte: olha, eu procuro levar pro meu aluno mais texto ldico, at mesmo pela idade que eles tm (...) mas tambm eu j mostro pra eles os tipos que j existem, ... os diferentes autores, eu s falo um pouquinho, a Ceclia Meireles uma que eu trabalho muito. SP diz que considera a literatura uma arte. AC funcionria pblica, trabalha no Tribunal de Justia como taqugrafa. natural de Macap, e sempre estudou em escolas pblicas. Concluiu o Ensino Mdio via Supletivo. Considera-se uma leitora, porque recebeu incentivo em casa, principalmente da me, que apesar de ser professora de desenho, sempre teve a preocupao com a questo da leitura. Sobre a leitura na escola, ela diz o seguinte: eu me lembro que na escola S.A eu tinha uma professora, a professora C (...) ela incentivava muito e eu sempre gostei foi l tambm que eu aprendi a gostar de portugus. Eu sempre lia outras coisas sem ela pedir. Aos 30 anos, AC no sabe ao certo se quer exercer o magistrio.PH trabalha como professora de lngua portuguesa de 5 a 8 sries na rede pblica de ensino. Tem 27 anos. Considera-se uma leitora que l tudo que cai nas suas mos, porque os pais sempre tiveram a preocupao com a leitura. Sobre isso ela declara: meus pais sempre gostaram de ler tudo, revistas, jornais, todo tipo de leitura que estava perto de nossa realidade. Ao tecer comentrios sobre a literatura, PH disse que considera essa disciplina uma arte que trabalha com as palavras. Optou por estudar Letras para aumentar seus conhecimentos em Lngua Portuguesa, entretanto, no transcorrer do Curso, apaixonou-se tanto por Literatura, que decidiu realizar seu Trabalho de Concluso de Curso no mbito dessa disciplina. Sobre a importncia da leitura, PH fez a seguinte declarao: a leitura est relacionada vida, porque a leitura nos traz conhecimento, informao, ela nos traz... pra mim ela a alma, eu sinto necessidade de t lendo, de t conhecendo, t aprendendo, pra mim ela fundamental. PH acrescentou ainda que cabe ao leitor, no momento da leitura interpretar de acordo com a sua realidade.AT natural de Belm. Tem 26 anos. Estudou em escolas pblica e particular. professor de ingls em instituies particulares. Em casa, foi incentivado pela av a ler obras de Agatha Christie. Segundo ele, esse tipo de leitura contribuiu para a opo pelo Curso de Direito. Mas, com o decorrer do tempo, ele resolveu mudar para o Curso de Letras. Na viso de AT, a Literatura pode funcionar tanto como diverso, passatempo, quanto obrigao. Ao tomar como base a atividade de leitura sobre o conto Feliz Aniversrio, AT comentou que no momento em que o leitor interpreta, analisa um texto, toma como referncia o seu universo, a sua prpria vivncia, porque, diz ele: quando cada um deu a sua opinio, claro tirou por base um ncleo comum que foi o texto, mas a opinio de cada um tava respaldada no s ali no texto, mas tambm no prprio conhecimento de mundo (...) eles tiveram que usar a prpria experincia deles, ento quando isso acontece voc com certeza tem opinies diferentes... JF professor de ingls h mais de quinze anos e, poca da coleta de dados, ministrava aulas de 5 a 8 sries na rede municipal de ensino. Na infncia comeou a ler gibis que eram colecionados por um irmo mais velho. JF relata que esse tipo de leitura contribuiu para ele descobrir que sabia desenhar. Essa descoberta levou-o a fazer os seus prprios gibis. Disse ele: eu comecei a fazer os meus prprios gibis, as minhas prprias historinhas, desde essa poca eu j gostava da leitura e a eu aprendi a escrever. Hoje, aos 44 anos, JF se considera um escritor e comenta que fazer o curso de Letras abriu seu conhecimento literrio, pois a poesia foi aflorando de uma tal forma que tudo na sala de aula era motivo pra eu escrever. Alm de poemas, escreve contos. Ainda no possui nada publicado. Acredita que escrever uma forma de prazer.CP trabalha como professora de lngua portuguesa de 5 a 8 sries na rede pblica de ensino. Tem 44 anos. No momento da pesquisa, suas leituras limitavam-se aos textos indicados pelos professores do curso de Letras. CP relata que a sua relao com a leitura sempre foi muito difcil, porque no havia tempo para se dedicar, pois desde os doze anos que ela trabalha e, alm disso, casou-se muito cedo, com apenas dezesseis anos. Possui dois cursos mdios (magistrio e contabilidade) concludos em escolas pblicas. Para CP, quando se fala em literatura, est-se falando da prpria vida. CP declarou que trabalhar a leitura em sala de aula fundamental, porque incentiva os alunos a criarem textos, a montarem estorinhas, a participarem de concursos de poesias e, completa: isso tudo pra ficar interessante nessa rea da leitura. Sobre o que vem a ser um texto, CP disse o seguinte: um conjunto de de qu? Eu nunca respondi uma pergunta assim [risos] ai! Meu Deus do cu! (+) eu creio que um texto um conjunto de palavras com um pensamento lgico. (+) Eu nunca tinha parado pra pensar o que um texto... a gente cria um texto, produz um texto, engraado eu nunca tinha pensado nisso... , , assim a gente no tem uma resposta, assim de repente. Na realidade um texto no s um pensamento lgico, deve ser um conjunto, uma busca, sei l, professora, t difcil.CM natural de Belm. Tem 22 anos. Estudou em escolas pblica e particular. professora de ingls em escolas da rede municipal de ensino. Segundo ela, durante a sua infncia e a sua adolescncia, a leitura foi muito rara. Sobre isso, diz o seguinte: eu quase no lia, eu s comecei a ler mais quando eu entrei na faculdade. Na concepo de CM a literatura uma verdadeira viagem por causa das estrias apaixonantes. Para comprovar a sua posio, CM declarou o seguinte: muito difcil a gente pegar um livro de literatura e no querer saber logo o fim, porque eles so muito interessantes. CM disse que, hoje em dia, a leitura muito pobre e que os alunos no gostam de ler nada. Em seguida, ela acrescentou que atravs da leitura a pessoa cresce, aumenta o conhecimento. Em seguida, porm, afirmou: eu vou ser sincera eu quase no trabalho leitura em sala de aula.SM natural de Macap, tem 23 anos. Cursou o ensino fundamental em escola pblica e o ensino mdio em escola particular. Trabalha como professora de Lngua Portuguesa de 7a a 8a sries na rede pblica de ensino. SM acredita que a leitura fora da sala de aula necessria porque favorece o desempenho do aluno em sala, aumentando o seu vocabulrio e proporcionando oportunidades nicas de conhecimento. SM relata que a sua relao com a leitura dentro da sala de aula, como tambm fora desse espao, sempre fora difcil. Ela atribui essa dificuldade a sua agitao, a sua inquietao, a sua falta de concentrao no momento da atividade de leitura, pois, sempre fora uma criana muito agitada, o que, segundo ela, atrapalhou consideravelmente a freqncia de leituras. SM comunga da idia de que o texto uma representao grfica do pensamento. Ela concebe a leitura como um primeiro passo para uma boa produo de texto e, acredita que a literatura a produo que expressa sentimentos, emoes, fantasias, sonhos e outras coisas. Para SM a leitura em sala de aula deve ser feita de forma espontnea, sem pretexto de avaliao, porque s assim o aluno reconhecer a importncia, o valor qualitativo e instrutivo da leitura.AG natural de Belm. Tem 27 anos. professora de Lngua Portuguesa de 5a a 8a sries. AG relata que, quando estudava a 6a srie, recebeu o incentivo da professora de portugus para ler. Ento, passou a ler alguns livros, dentre eles romances brasileiros. Para ela, a leitura essencial na vida do ser humano. Considera a literatura uma viagem no tempo, s que com poesia, com emoo, com amor. Na concepo de AG, um bom livro muito melhor do que um bom filme, porque o livro permite que o leitor imagine situaes com os personagens, fica a seu critrio o cenrio, os conflitos, as angstias etc. AG acrescentou ainda que cabe ao professor do ensino fundamental transformar a leitura em algo prazeroso atravs da leitura de livros que despertem o interesse do aluno.MQ tem 24 anos. Nasceu no interior do Estado do Amap, onde cursou quatro sries do ensino fundamental. Concluiu seus estudos em escola pblica. Optou por estudar Letras, porque queria aprofundar a questo da leitura. Disse ele que, no ensino mdio: os professores mandavam a gente ler para aprontar um resumo e s. MQ afirmou que escreve poemas desde a 7 srie, mas disse que a maior parte de sua produo data da poca em que fazia o magistrio no Instituto de Educao do Amap. Sobre a vontade de escrever MQ disse: eu matava aula e ficava conversando pra ver o que surgia, a gente at brincava pra ver quem escrevia mais. E acrescentou: como acadmico de Letras s escrevi um poema. Publicou alguns textos em um jornal da igreja de sua comunidade. Leciona lngua portuguesa 6, 7 e 8 sries em escolas pblicas. Na viso de MQ, a leitura s se concretiza quando o leitor se transporta pra dentro do texto. Alm das leituras solicitadas pelos professores do Curso de Letras, disse gostar de ler Frei Beto, Benedito Nunes e Augusto dos Anjos. Acredita que a literatura uma arte. O quadro na pgina seguinte apresenta os dados relacionados identificao dos sujeitos entrevistados.

NOMEIDADESEXOLOCAL DE ORIGEMCOMO CURSOU O ENSINO MDIOFREQUENTOU CURSO PR-VESTIBULAR DISCIPLINA QUE LECIONALEITURA: TIPOS DE TEXTOS CITADOSSP23FemMacapRegularNoPortugusRevistas informativas: Isto ; Superinteressante

Revistas em quadrinhos

Jornais

Autores brasileiros: Augusto dos Anjos; Benedito Nunes; Clarice Lispector

Autores estrangeiros: Agatha Christie

AC30FemMacapSupletivoSim

PH27FemMacapRegularSimPortugus

AT26MascBelmRegularNoIngls

JF44MascBelmRegularNoIngls

CP44FemBelmRegularSimPortugus

CM22FemBelmRegularSimIngls

SM23FemMacapRegularSimPortugus

AG27FemBelmRegularSimPortugus

VL26MascMacapRegularNoPortugus

MQ24MascMacapRegularNoPortugus

De acordo com os dados que levantei e que esto expostos no quadro acima, verifiquei que entre os onze alunos com os quais realizei a entrevista, somente um declarou no ser professor. Os demais atuam no ensino como professores de Lngua Portuguesa e Lngua Inglesa.Com relao histria de escolarizao desses alunos, cabe destacar que dez freqentaram o ensino regular em escola pblica. Apenas um aluno cursou o Nvel Mdio no Ensino Supletivo. Para ingressar na UNIFAP, seis alunos freqentaram Curso Pr-Vestibular.Conforme pode ser verificado ainda no quadro acima, a leitura dos alunos diversificada, em virtude de eles utilizarem diferentes tipos de texto para realizarem tal atividade.

Os instrumentos utilizados na coleta de dados

Questionrio

Antes de iniciar a discusso sobre a leitura de contos de Clarice Lispector, foi elaborado um questionrio para ser respondido de forma discursiva, isto , as respostas deveriam ser redigidas pelos prprios sujeitos e no escolhidas numa srie de alternativas estabelecidas, a priori, por mim.As questes apresentadas aos alunos foram:1.Antes de estudar a obra de Clarice Lispector no Curso de Graduao, voc j havia tido contato com textos da autora? Quando? Onde?

2.Caso a sua resposta seja positiva, qual foi a sua atitude diante do texto? Por qu?

3.E agora, como graduando, qual foi a sua expectativa diante do texto de Clarice Lispector?

4.Na sua viso, o texto clariceano prende a ateno do leitor? Por qu?

Foram distribudos 44 questionrios e o retorno foi de 35. As informaes obtidas atravs dessas respostas permitiram-me verificar que somente cinco alunos no diziam ter tido contato com a obra de Clarice Lispector antes de ingressar no Curso de Letras. A maioria trinta - j havia estudado no Ensino Mdio ou em Curso Pr-Vestibular algum texto da autora. Cabe ressaltar que os alunos no foram obrigados a responder o questionrio. A comparao das respostas dadas ao questionrio com os depoimentos provenientes da discusso, da entrevista e dos trabalhos escritos permitiram identificar informaes relevantes para a anlise.

Dirio do pesquisador

Durante todo o perodo da interveno pedaggica em sala de aula, foram realizadas anotaes de campo, principalmente daqueles aspectos no registrveis atravs da gravao de udio, como gestos e atitudes. Essas anotaes foram feitas tambm como uma forma de precauo face a alguma eventualidade que impedisse a gravao de aspectos que foram relevantes para a minha reflexo no momento da interpretao e anlise do corpus.

Gravaes em udio

Nessa seo falarei brevemente sobre a interveno pedaggica. Em seguida focalizarei as gravaes em udio.Considerando a sala de aula como um fenmeno educacional, inserido em um contexto social historicamente localizado, optei pela observao direta da minha sala de aula, em particular, de Literatura Brasileira, no intuito de refletir sobre a sua realidade e, assim, poder analisar o tipo de leitura literria realizada no mbito do Curso de Letras.E para realizar tal anlise, no incio do segundo semestre/99, solicitei aos alunos que fizessem a leitura do conto Feliz Aniversrio, de Clarice Lispector, para ser discutido quando fosse realizado um estudo sobre a obra da escritora, porque julguei que seria pertinente para a troca de informaes durante a discusso. A princpio, os alunos acataram a sugesto. Entretanto, com o passar do tempo, eles passaram a questionar o porqu da leitura daquele conto e sugeriram a leitura de outros contos, dentre eles, A imitao da Rosa; O crime do professor de matemtica; Amor; A procura de uma dignidade; Laos de Famlia, porque eles teriam, em outra disciplina, um trabalho sobre alguns escritores, dentre eles, Clarice Lispector. Apesar disso, ressalto que somente cinco alunos no se limitaram a ler o conto que eu havia indicado.Cabe aqui dizer que a atividade de leitura em sala de aula do conto Feliz Aniversrio, no se desenvolveu em torno de um mesmo tema, mas de vrios, como por exemplo: a linguagem da autora; a discriminao do idoso; a desagregao familiar; a importncia da presena de insetos no enredo; a epifania; o papel da mulher na sociedade etc. Cabe ressaltar que os temas mais freqentes durante as discusses foram a linguagem da autora, a discriminao do idoso e o papel da mulher na sociedade que foram abordados por vrios alunos nos dias 29/11; 01/12/ e 06/12. J os temas menos freqentes foram a epifania e o papel do silncio na estrutura do enredo que foram abordados somente no dia o1/12/99. Essa diversificao dos temas, a meu ver, refletiu as leituras dos alunos. Foram gravadas em udio as aulas relacionadas aos dias 29/11; 01/12; 06/12/1999. A aula do dia 13/12 foi registada no dirio do pesquisador.No primeiro dia, a interveno realizou-se durante trs horas/aula. Nesse dia, 39 alunos compareceram. A sala de aula estava lotada. Diferentemente dos outros dias, a maioria procurou ser pontual. Habitualmente alguns costumavam chegar atrasados, por causa do trabalho ou outro qualquer motivo.A fim de que eu pudesse verificar o envolvimento do leitor com o texto e o resultado desse dilogo, estabeleci que todos tivessem direito voz e que, no momento dos comentrios, os outros colegas ficassem atentos, anotando, quando possvel, algum ponto da fala que houvesse chamado a ateno, no sentido de concordar, discordar, acrescentar etc. quando fosse a sua vez de participar. O objetivo era evitar que as vozes ficassem sobrepostas, o que, no meu entender, prejudicaria a compreenso dos dados, na hora da audio das fitas.Foi registrada nesse dia a participao de dezenove alunos, que abordaram aspectos ligados temtica e estrutura do texto. Ao final da aula, alguns usaram frases do tipo: nossa, a aula j acabou, o tempo passou to rpido. Foram gravadas duas hora/aulas.No segundo dia, 33 alunos compareceram. Senti a falta de alguns, que j haviam participado no primeiro dia da interveno. Dezoito alunos fizeram os seus comentrios, complementando ou refutando as colocaes dos colegas. Dentre eles, quatro que j haviam participado no dia anterior. A durao da aula, que foi inteiramente gravada, foi de trs horas. No dia 06/12, a aula transcorreu tranqilamente. 30 alunos estiveram presentes. Manifestaram-se oralmente quinze alunos. Trs deles j haviam participado no dia anterior. Alguns trouxeram gravadores para registrarem os prprios depoimentos. A aula desse dia no se prolongou alm do horrio normal: duas hora/aulas. Foram inteiramente gravadas.No dia 13/12, estiveram presentes 32 alunos. A aula desse dia foi diferente das anteriores, pois somente quatro alunos que haviam faltado nos dias anteriores, por motivos diversos, expressaram os seus comentrios acerca de contos de Clarice Lispector. Os demais permaneceram calados. Essa aula no foi gravada, porque tive problemas com o aparelho. As falas dos quatro alunos foram registradas no dirio de campo Cabe notar que utilizarei na transcrio das gravaes as seguintes convenes: [ ]: comentrio do transcritor(...): indicao de transcrio parcial(+): pausa curta(inc): trecho incompreensvelmaiscula: alterao do tom de voz com efeito de nfase.

Trabalho escrito

Ao trmino da conversa na sala de aula, os alunos dispunham d