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INSTITUTO SUPERIOR DE COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL O FADO COMO MARCA DE LUXO Tese de Mestrado para obtenção do Grau de Mestre em Marketing Estratégico, elaborada sob a orientação da Professora Mestre Mafalda Condado Anexos Ana Campina Lisboa, Julho 2017

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INSTITUTO SUPERIOR DE COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL

O FADO COMO MARCA DE LUXO

Tese de Mestrado para obtenção do Grau de Mestre em

Marketing Estratégico, elaborada sob a orientação da

Professora Mestre Mafalda Condado

Anexos

Ana Campina

Lisboa, Julho 2017

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Agradecimentos

Nesta etapa do meu percurso pessoal e académico, quero expressar os mais

sinceros agradecimentos:

à Professora Mestre Mafalda Condado, orientadora da tese de mestrado, pela

solicitude e pelos esclarecimentos prestados;

a todos os docentes do curso de mestrado e a todo o pessoal administrativo do

ISCEM pelo apoio e atenção dados;

a todos os entrevistados, que contribuíram com a sua experiência profissional e

conhecimento sobre o fado e o luxo em Portugal;

à minha família, especialmente aos meus filhos, Ana Carolina e Diogo Miguel, à

minha mãe Fatinha e ao meu companheiro Paulo Dias;

aos meus amigos que compreenderam as minhas ausênci as;

à minha amiga Ana Contente;

à minha amiga Carla Ramos;

à minha amiga Margarida Leite.

E a Deus, porque com Deus tudo se consegue!

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ÍNDICE

Agradecimentos .......................................................................................................... 1

Índice de Figuras ......................................................................................................... 4

Lista de Acrónimos ...................................................................................................... 5

Resumo ....................................................................................................................... 6

Abstract ....................................................................................................................... 8

1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 10

1.2. Estrutura do Estudo ........................................................................................ 14

2. METODOLOGIA .................................................................................................... 16

3. REVISÃO DA LITERATURA ................................................................................. 19

3.1. Definição de marca ......................................................................................... 20

3.2. A identidade da marca .................................................................................... 24

3.3. O Prisma da Identidade de Kapferer (2004) ................................................... 25

3.4. Marca-lugar ..................................................................................................... 28

3.5. Marca-país ...................................................................................................... 31

3.6. Marca-cidade .................................................................................................. 37

3.7. Produto icónico ............................................................................................... 39

3.8. O que é o luxo? ............................................................................................... 42

3.9. Marca de luxo.................................................................................................. 46

4. ESTUDO GERAL .................................................................................................. 48

4.1. Portugal ........................................................................................................... 48

4.1.1. História ...................................................................................................... 48

4.1.2. Marca-Portugal ......................................................................................... 50

4.1.3. Símbolos da Identidade da Marca Portugal .............................................. 52

4.1.4. A imagem de Portugal .............................................................................. 55

4.2. Lisboa ............................................................................................................. 57

4.2.1. História ...................................................................................................... 57

4.2.2. Marca Lisboa ............................................................................................ 59

4.2.3. Imagem da marca Lisboa ......................................................................... 61

4.3 O Fado ............................................................................................................. 63

4.3.1. A História do Fado até ao século XX ........................................................ 63

4.3.2. A História do Fado a partir do século XX - As grandes mudanças .......... 67

4.3.3. Amália Rodrigues e as outras vedetas do fado - Anos dourados do fado 70

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3

4.3.4. O fado depois da ditadura política portuguesa - Os efeitos da Revolução

do 25 de Abril de 1974 ........................................................................................ 72

4.3.5. Novos mercados ....................................................................................... 74

4.3.6. O fado no século XXI ................................................................................ 75

4.3.7. O contexto português e a marca fado ....................................................... 79

4.3.8. Relação do fado com a marca Portugal e a imagem nacional. ................. 82

4.3.9. A identidade da marca fado segundo o prisma de Kapferer (2004) .......... 83

5. O LUXO ............................................................................................................... 100

5.1. O luxo em Portugal ....................................................................................... 100

5.2. A marca fado e a Identidade de uma marca de luxo ..................................... 103

6. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ..................................................................... 113

6.1. Apresentação e análise dos dados ............................................................... 113

6.2. Discussão dos resultados ............................................................................. 120

7. CONCLUSÃO ...................................................................................................... 120

7.1. Limitações e sugestões futuras ..................................................................... 127

7.1.1. Limitações do estudo .............................................................................. 127

7.1.2. Sugestões futuras ................................................................................... 128

BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................... 129

Webgrafia ................................................................................................................ 139

Anexos .................................................................................................................... 143

Anexo I) Entrevistas ............................................................................................. 144

Anexo II) Revista Expressions – Coluna Roteiro do Luxo. ................................... 324

Anexo III) UNESCO - DECISION 6.COM 13.39 ................................................... 327

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Índice de Figuras

Tabela 1 – Estrutura do Estudo................................................................................. 14

Figura 1 – Prisma da Identidade da Marca ( Kapferer, 2004)................................... 26

Figura 2 – Hexágono da Marca País (Simon Anholt, 2002)...................................... 34

Figura 3 – Bandeira Portuguesa……………………………………………………….... 52

Figura 4 – Logotipo da Marca Portugal..................................................................... 53

Figura 5 – Hino Nacional: A Portuguesa................................................................... 55

Figura 6 – O Prisma da Identidade Marca Fado, baseado no Prisma de Identidade da Marca de Kapferer (2004).................................................................................... 84

Figura 7 – Adaptação do prisma da identidade da marca de luxo ( Kapferer & Bastien, 2012), para a Identidade da marca fado, faceta físico........................................................................................................................ 104

Figura 8 – Adaptação do prisma da Identidade da marca de luxo ( Kapferer & Bastien, 2012), para a Identidade da marca fado, faceta personalidade.......................................................................................................... 105

Figura 9 – Adaptação do prisma da identidade da marca de luxo (Kapferer & Bastien, 2012), para a Identidade da marca fado, faceta reflexo...................................................................................................................... 106

Figura 10 – Adaptação do prisma da identidade da marca de luxo (Kapferer & Bastien, 2012), para a identidade da marca fado, faceta mentalização........................................................................................................... 107

Figura 11 – Adaptação do prisma da identidade da marca de luxo (Kapferer & Bastien, 2012), para a identidade da marca fado, faceta cultura...................................................................................................................... 108 Figura 12 – Adaptação do prisma da identidade da marca de luxo (Kapferer & Bastien, 2012), para a identidade da marca fado, faceta relação..................................................................................................................... 109

Figura 13 - Resultado do prisma Identidade da marca de luxo (Kapferer & Bastien, 2012), em relação à marca fado............................................................................. 110

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Lista de Acrónimos

ADN – Ácido desoxirribonucleico

AIDGLOBAL – Ação e Integração para o Desenvolvimento Global

AMA – American Marketing Association

APPICAPS – Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado Componentes e Artigos de Pele e Seus Sucedâneos

ATL – Observatório de Turismo de Lisboa

CML – Câmara Municipal de Lisboa

EGEAC – Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural

ICEP – Investimento e Comercio Externo de Portugal

GABIP - Gabinete de Apoio ao Bairro de Intervenção Prioritária

IGAC – Inspeção-Geral das Atividades Culturais

INE – Instituto Nacional de Estatística

INPI – Instituto Nacional Da Propriedade Industrial

ONG – Organização não governamental

UE – União Europeia

UNESCO – Organização Geral das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

WOMEX – World Music Expo

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Resumo

A finalidade desta tese é mostrar que a riqueza patrimonial cultural portuguesa se

conseguiu impor através do fado como marca. Com esse propósito, fez-se o

diagnóstico da sua identidade e, uma vez que se trata de uma marca de excelência,

procurou-se compreender as suas aproximações ao luxo.

Com o objetivo de identificar o fado como produto icónico e como marca cultural,

recorreu-se à literatura para definir as ferramentas de marketing do setor comercial e

adaptá-las da melhor forma possível a este tipo de produto e de marca. Este

conceito de marca no domínio do marketing artístico e cultural é relativamente novo,

sendo por isso muitas vezes negligenciado (O’Reilly, 2011). Como tal, não se

inventou uma marca, apontaram-se simplesmente elementos de marca que já

existiam.

Através da literatura reinterpretou-se o marketing territorial, já que esta marca

cultural descende da marca Portugal e da marca Lisboa. Fez-se a investigação

empírica e pesquisa qualitativa para analisar e contextualizar o mundo do fado.

Com o intuito de descortinar os traços que caraterizam a identidade da marca fado e

analisar a sua forma de relacionamento com o mercado, utilizou-se o modelo de

diagnóstico e estudo do Prisma da Identidade de Kapferer (2004). Resultou na

construção de ideograma de identidade ou mapa dos traços de caráter em que se

obteve uma identidade distintiva, a sua verdadeira essência.

A metodologia aplicada no trabalho foi a da análise por métodos qualitativos, a partir

de um conjunto de 28 entrevistas elaboradas a diferentes profissionais do fado e

consultores de marcas, nomeadamente marcas de luxo.

Não é objetivo deste estudo fornecer uma receita para criar uma estratégia de

marketing para cada setor de atividade que se relaciona com a marca fado, já que

cada um terá os seus objetivos, circunstâncias, recursos e competências.

Conclui-se que o fado é hoje um dos maiores símbolos representativos da forma de

sentir e expressar o viver do povo português, com aproximadamente dois séculos de

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história e evolução, elemento distintivo num mercado global cada vez mais

competitivo, culminando no reconhecimento da UNESCO como Património Imaterial

e Cultural da Humanidade. O fado tem um universo próprio que deu origem a uma

indústria transversal a vários setores de atividade, que foi preciso analisar e

compreender.

O fado possui atributos de prestígio, únicos e excelentes, que muito se aproximam

de algo raro e desejável, razão pela qual se analisou a marca fado através do

Prisma da Identidade da marca de luxo (Kapferer & Bastien, 2012) para averiguar se

se trata de uma marca de luxo.

Palavras-Chave: Fado , marca fado, marca cultural, identidade da

marca fado, marca de luxo.

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Abstract

The purpose of this thesis is to show that the patrimonial wealth in Portuguese

culture has managed to impose itself through fado as a brand. With this in mind, a

diagnosis was made of its identity, and because it is a brand of excellence, a

comparison can be made with luxury.

With the objective of identifying fado as an iconic product and a cultural brand, it was

necessary to resort to literature in order to define the marketing tools of the

commercial sector, and adapt them in the best way possible to this kind of product

and brand. Since this brand concept in artistic marketing and cultural domain is fairly

new, it has been frequently neglected (O’Reilly, 2011). As such, a brand has not

been created, but elements that already exist have been identified.

Literature was also approached in order to understand territorial marketing, since this

brand is part of the Portugal brand and the Lisbon brand. In addition, an empirical

investigation and qualitative data gathering was conducted in order to analyse and

gain a greater context of the fado world.

With the intent of showing the characterizing traces of the fado brand identity, and

analyse its way of interacting with the market, the diagnostic model and Kapferer's

Identity Prism (Kapferer, 2004) were used. This resulted in the construction of a

pictograph of identity, or a character tracing map in which its distinctive identity has

been obtained; it’s true essence.

The methodology applied in the work was the analysis by qualitative methods, from a

set of 28 interviews made to different fado professionals and brand consultants,

namely luxury brands.

It is not the purpose of this study to provide a recipe to create a marketing strategy

for each activity sector which is related with the fado brand, since each one will have

its own objectives, circumstances, resources, and competence.

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It is equally concluded that today fado is one of the most representative symbols of

the way of feeling and expressing the Portuguese way of living, with more than two

centuries of history and evolution, a distinctive element in an increasingly competitive

global market. As a result, fado was recognized by UNESCO as Intangible Cultural

Heritage of Humanity. In addition, fado has a world of its own that gave rise to an

industry transversal to several sectors of Portuguese activity, which had to be

analysed and understood.

Fado possesses unique and excellent attributes of prestige, which come close to

something desirable and rare. As a result, fado has been analysed through the

Kapferer & Bastien luxury brand Identity Prism (Kapferer & Bastien, 2012) in order to

know if it is a luxury brand.

Keys-Words: Fado , fado brand, cultural brand, fado brand identity,

luxury brand.

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1. INTRODUÇÃO

O Fado como património português, e recentemente tornado Património Cultural

Imaterial da Humanidade, pela UNESCO1, é cada vez mais uma das riquezas

culturais do nosso país, Portugal “Um jardim da Europa à beira-mar plantado”

(Ribeiro,1862).

Para além de ser um jardim diferente desde o norte até ao sul do país, possui um

peso histórico inigualável no mundo, à semelhança da epopeia dos Descobrimentos,

(de 1415 a 1543), carrega em si uma herança de diversidade cultural sem

precedentes. Um país já feito, mas com muito mais ainda por se fazer. Cada cidade,

cada lugar, por mais pequeno que seja, possui tradições muito próprias, costumes

muito característicos que se diferenciam de uns lugares para os outros. É com base

nestas características que Portugal tem que se impor no mundo, por ser um país

pequeno perante o mercado global, considerando que a globalização permite que se

misturem diferentes culturas, e se criem hábitos comuns. Através das novas

tecnologias existe uma aproximação dos povos a gostos e produtos semelhantes, o

que necessariamente impõe a nossa identidade e originalidade como fator

estratégico para a criação de riqueza. Assim sendo, temos que valorizar a nossa

diferenciação como produto único, posicionando-nos globalmente para novos

desafios.

O fado de Lisboa, devido ao seu património histórico e sociocultural, vai além de um

género musical. É um ícone português que transmite sentimentos únicos, como a

saudade, palavra sem tradução na íntegra para este estado de espirito noutros

idiomas. Apresenta-se transversalmente aos vários setores de atividade

portugueses, desde as artes, a economia, a história, o turismo, entre outros. É

importante desde já esclarecer que se optou por não se considerar neste estudo o

fado de Coimbra ou, segundo os especialistas, a canção de Coimbra.

1 http://www.unesco.org/culture/ich/en/RL/fado-urban-popular-song-of-portugal-00563. Acedido a 10 de abril, 2017.

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O fado é cantado normalmente por uma só pessoa (fadista), acompanhado por uma

guitarra clássica (viola), uma guitarra portuguesa, pedindo-se o silêncio do público e

expressando pela voz, a alma lusitana.

O Fado é português. Nasceu nas ruas típicas dos bairros de Alfama e Mouraria da

cidade de Lisboa, numa época de grandes convulsões sociais, resistindo à pobreza,

à riqueza, e até à censura política. Usou-se de diversas formas como mantra

político, expressão sentimental, desabafo de um povo face às condições sociais,

muitas das vezes insatisfatórias, sendo tocado e aplaudido desde a tasca aos salões

nobres. Hoje é considerado um emblema nacional que chega aos grandes palcos do

mundo. Desde sempre o fado foi democrático, nascido no seio da plebe, foi, no

entanto, acarinhado pela aristocracia, mas criticado pelo clero e aplaudido pela

burguesia, que o alimentou até aos dias de hoje.

Foi a vida que o tornou muito rico, ainda que com o passar dos tempos tenha sofrido

várias alterações para se adaptar às diversas conjeturas que o têm rodeado. O fado

atual tem um novo estilo, tornou-se mais musical e absorveu influências de outras

canções, “catapultado para os novos palcos no século XXI e abrindo um espaço

para corajosas experiências com o repertório, instrumentação e formas de cantar”2.

Consequentemente, começou a aparecer uma nova geração de fadistas. As

transformações que o fado sofreu não parecem ser vistas de bom grado por todos;

há quem defenda que não se pode tocar em valores basilares e que o fado não se

pode mudar. Atualmente, assistimos a dois tipos de fado: o fado mais conservador,

que quer manter as suas origens, e o “novo fado”, consequência de se ter adaptado

às novas tendências.

O fado é cantado em ambientes em que se canta de improviso ou em espetáculos

com mais ou menos produção. Ouvir cantar o fado pode ser acessível a qualquer

bolsa, mas quando se trata de espetáculos com jantar, normalmente os preços são

mais elevados, assim como em determinados concertos nos palcos de Portugal e no

estrangeiro. 2 http://www.jn.pt/artes/interior/amp/the-new-york-times-destaca-novas-fadistas-1816545.html. Acedido a 1 de março, 2017.

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O fado gerou uma indústria que é importante conhecer e analisar. As fadistas

deixaram de ter as conotações depreciativas de outrora, são celebridades com

vestuário de alta costura, e bem podem agradecer à sua amada Amália, que

desbravou um caminho nem sempre fácil de percorrer, mas que levou a bons portos

a bandeira lusitana.

As cores do fado são múltiplas, desde o negro, que representa o queixume e a

saudade, ao verde que significa esperança, passando pelo azul do mar. São estas

cores não visíveis que alimentam os sonhos e as aspirações dos portugueses e dos

estrangeiros que nos visitam, e que nos pedem por mais. Já se leva o fado na mala

de viagem, já nos visitam por causa dele, e querendo mais, ouve-se o fado em

espetáculos espalhados pelo mundo em múltiplas cidades. Os jornais mais elitistas e

culturais de todo o mundo falam dele e de nós e, finalmente, reconheceram o fado

como património imaterial da humanidade dando-lhe um estatuto que já há muito

merecia.

O fado contemporâneo é um produto cultural autêntico e internacionalizado, um

instrumento de difusão da língua portuguesa e de uma grande parte da cultura que

nos distingue enquanto portugueses no resto do mundo. ”Nunca tivemos nada que

fosse tão nosso, que fosse assim conhecido no mundo”3.

Esta tese contempla o fado para além do seu género musical, como forma particular

de sentir e de cantar o que vai na alma lusitana. Tratar-se-á do universo do fado, da

indústria que circula à sua volta e, sem o querer desvirtuar, estudar o seu conceito,

contexto, e perceber de que forma poderá ser um ícone, uma marca nacional e

sendo uma marca, até que ponto poderá ser de luxo.

Os objetivos desta tese são descobrir se a teoria e ferramentas de marketing sobre

marcas que são utilizadas para o setor comercial podem ser adaptadas e aplicadas

ao fado, sendo o fado originalmente património imaterial português. Reconhecer

uma marca deste tipo será um novo desafio e poderá tratar-se de um novo

paradigma, que poderá ser analisado, usado e desenvolvido como uma ferramenta

3 Cid, Matilde, entrevista realizada no âmbito da tese, 06 março de 2017, Lisboa. Ver anexo I, p. 187.

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em qualquer património imaterial de um país ou cidade. Não se encontrou na

literatura nenhuma teoria que se pudesse aplicar diretamente ao presente estudo. O

fado detém um conceito muito alargado e sensível. Nesta investigação será

analisado como património cultural de um país. No entanto, existe a possibilidade de

adaptar certos modelos de criação de marcas, utilizando uma abordagem cuidadosa

e criteriosa.

Quando se trata de herança e identidade cultural, história, património, arte, ou um

símbolo de um país, o objetivo não é inventar uma marca, mas sim identificar

elementos de marca que já existam, e usar esses elementos numa promoção futura.

O objetivo é definir a promessa, descrever os meios para a concretizar em

experiências que assegurem uma oferta consistente ao público-alvo. É controverso

reconhecer uma marca deste tipo porque é limitativo face ao valor do fado. Contudo,

de acordo com o panorama atual, em que os países concorrem entre si para impor

aquilo que têm de melhor, faz sentido elevar e posicionar um dos maiores ícones

nacionais. Há que considerar que existem no mercado internacional ícones deste

tipo que lutam igualmente pela procura dos consumidores. Será, portanto, um fator

de diferenciação. Além do mais o fado já é Património Cultural Imaterial da

Humanidade. Assumir a sua marca poderá ser ainda uma mais valia. Identificar a

identidade da marca, para perceber a sua imagem, o que a diferencia da

concorrência, poderá ocupar a mente dos consumidores, governantes nacionais e

internacionais, permitindo ser um líder de mercado. Os valores, missão, visão,

deverão conter mensagens que sejam exclusivas, que invadam os media e que

cheguem ao maior número possível de consumidores.

Em resumo, o objetivo fundamental da tese que aqui se desenvolve, é apresentar

uma das maiores riquezas patrimoniais portuguesas, o fado, como marca, e devido

às suas caraterísticas de excelência, ver até que ponto pode ser uma marca de luxo.

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1.2. Estrutura do Estudo

Tabela 1. Estrutura do Estudo

INTRODUÇÃO

O primeiro capítulo faz o enquadramento do tema e define o objetivo. Apresenta-se igualmente a estrutura do estudo.

METODOLOGIA

O segundo capítulo oferece detalhadamente a descrição dos métodos utilizados para a condução desta pesquisa.

REVISÃO DA LITERATURA

O terceiro capítulo apresenta o contributo de importantes autores sobre os conceitos de marketing que foram utilizados para compreender o fado, no contexto de marca, produto icónico, dentro do estudo das marcas territoriais.

Estudo do conceito de identidade, e da ferramenta de analise: Prisma de Identidade da Marca de Kapferer (2004).

Literatura referente ao luxo e marca de luxo.

ESTUDO GERAL

Foi feita uma retrospetiva histórica de Portugal, Lisboa e do fado. Aborda-se de forma geral o panorama atual.

Expõe-se o contexto da marca Portugal, marca Lisboa e suas respetivas imagens.

Apresenta-se o contexto português para compreender de que forma o fado é um

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produto icónico e uma marca nacional.

Relaciona-se o fado com a marca Portugal e a imagem nacional.

Identifica-se a identidade do fado, utilizando o prisma da identidade da marca segundo Kapferer (2004).

O LUXO

É feito um retrato sucinto do mercado do luxo em Portugal.

Com base no prisma da Identidade da marca de luxo de Kapferer & Bastien (2012) foi feita a análise comparativa da identidade da marca fado com os atributos de identidade de uma marca de luxo.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Analisam-se e discutem-se os resultados provenientes da pesquisa qualitativa.

Os dados foram obtidos por meio de 28 entrevistas.

CONCLUSÃO

Sumário do estudo realizado, e apresentadas as respetivas conclusões.

Identificam-se os obstáculos e limitações encontradas ao longo deste trabalho e são feitas recomendações futuras.

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2. METODOLOGIA

Pergunta de partida da investigação – Será possível o Fado ser uma marca de

luxo? O fado apresentar-se-á ao longo da dissertação como elemento base

enquanto identidade cultural do nosso país. Tendo como base o tronco marca

Portugal, seguido da marca Lisboa, desaguamos depois na possível submarca do

país Portugal, a marca fado. Esta pergunta ajudará a conceber o referencial teórico

e a selecionar a metodologia mais adequada no processo de pesquisa.

Perguntas decorrentes:

Poderá o fado ser uma marca?

Como identificar a identidade da marca fado?

A partir da questão principal formula-se a pesquisa empírica. Para isso determina-se

o objeto de estudo, faz-se o levantamento das variáveis que possam existir no

processo e estudam-se as relações de dependência e interação. Neste tipo de

pesquisa apresentam-se hipóteses indutivas, ou seja, testam-se as hipóteses que

serão posteriormente confirmadas por dados e informações futuras, decorrentes da

experiência. Esta pesquisa utilizará o método qualitativo. Quando se fala em

pesquisa empírica, fala-se em apurar os factos, ir para além da mera observação e

descrição, está inextricavelmente entrelaçada com explicação do meio ambiente de

um determinado facto e, consequentemente, de se poder fazer previsões sobre o

mesmo (Simon, 2009). No decurso de qualquer investigação, é necessário estudar

diversas disciplinas, é um processo em que vão surgindo questões, objetivos e

respostas. Ao serem validadas, podem originar respostas finais, conclusivas ou

inconclusivas, e, como consequência, surgirem novas questões. É nesta realidade

instável e inconstante que surgem as teorias. A pesquisa qualitativa emprega uma

abordagem naturalista que anseia compreender o fenómeno num contexto

específico, por exemplo, no cenário do mundo real, onde o investigador não

manipula o fenómeno de interesse (Patton, 2002). Entende-se por pesquisa

qualitativa aquela que produz resultados que não são obtidos por procedimentos

estatísticos ou outros métodos quantitativos, mas que, em alternativa, geram dados

obtidos nas suas descobertas baseadas na observação do meio, no qual o

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fenómeno acontece naturalmente. Com os métodos quantitativos as pesquisas

procuram previsões, a determinação de uma causa e a generalização dos

resultados. Nos estudos qualitativos, pelo contrário, os pesquisadores procuram

compreender, salientar e extrapolar para situações idênticas. A pesquisa qualitativa

é conduzida de forma a encontrar a compreensão processual do fenómeno social

que se quer analisar, cujo foco incide em como as coisas acontecem e não tanto o

facto de elas acontecerem (Tetnowski and Damico, 2001). Este tipo de pesquisa

abrange um espetro variado de abordagens para a investigação da experiência

humana nas suas perceções, motivações e comportamentos (Clissett, 2008). Aquilo

que se consegue é obtido através da evidência dos factos e a sua avaliação não se

baseia em qualquer tipo de teoria (Mitchell,1993).

De modo a responder à questão central desta investigação, entende-se que a

pesquisa qualitativa é a que melhor serve este propósito. Partiu-se em busca de

fundamentar a aplicabilidade da questão, e seguiu-se a exploração do tema no

contexto real do fenómeno.

Utilizou-se também o tipo de pesquisa ex-post facto, que é análogo ao da pesquisa

empírica em que se tem hipóteses abdutivas, ou seja, os factos já ocorreram e estão

no passado, não há qualquer possibilidade de controlo ou manipulação de dados

(Gil, 2008). Para se entender o que o fado é nos dias de hoje, recorreu-se ao estudo

de todo o seu percurso, utilizando assim este tipo de pesquisa. Simultaneamente,

utilizou-se outro tipo de abordagem: a pesquisa exploratória. Esta tem como ponto

de partida e objetivo conhecer algo novo, pouco explorado que no final se vai

entender e conhecer muito mais do que no início. Foi com base nisso que também

se definiu a questão central do trabalho, determinou-se o melhor método, a seleção

e recolha de dados e de assuntos a tratar, ao qual se seguiu a construção de

hipóteses. Este tipo de pesquisa tem muito que ver com a intuição do investigador.

Depende inicialmente de uma fundamentação teórica sustentada na bibliografia

sobre o tema, para melhor compreensão dos factos e fenómenos a estudar.

Para se perceber o fado como marca, seguiu-se a seguinte estratégia: fez-se um

levantamento de variáveis que fazem o fado ser único. Como?

- Observação direta, participante.

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- Recolha de informação teórica, histórica.

- Análise da componente cultural, histórica e artística.

- Visitando os lugares importantes.

- Entrevistando os maiores influenciadores.

- Recolha de artigos e de notícias atuais sobre o fado.

- Bibliografia.

- Procurou-se gerar uma impressão global do que é o fado sob o ponto de vista

daqueles que estão dentro e fora deste universo.

- Mapeou-se a identidade do fado e dos seus diversos stakeholders.

- Estudaram-se as possíveis fraquezas e forças.

Construíram-se entrevistas semiestruturadas para as quais foi feito um guião por

setor para os diversos intervenientes do universo do fado, consultor de marcas e dos

consultores do luxo em Portugal. Elaboraram-se as perguntas principais, algumas

comuns a todos os entrevistados e mediante o contexto e a interação, adaptaram-se

e formularam-se outras, de modo a que se conseguisse apurar junto do entrevistado

a sua verdadeira opinião e experiência face a esta temática. Quando se faz uma

observação participante, corre-se o risco de fugir à rigidez e à racionalidade, uma

vez que o fado toca todos os sentidos do humano. Cada pessoa sente o fado à sua

maneira, tal qual como sente a vida. De forma algo arriscada retiraram-se

conclusões pelo número de fatores e respostas comuns, que repetidamente

coincidiram. Foram ouvidas as palavras e o sentir de quem trabalha e vive do fado.

Constatou-se que existe uma enorme indústria à volta do fado, heterogénea, fruto do

crescente gosto pelo fado, bem como do interesse pela cultura portuguesa. Daqui

advém riqueza para quem o explora nos diversos setores, tanto na vertente cultural

como na artística (ou mesmo comercial), trazendo consequentemente benefícios

para o país. O número de entrevistas refletiu a necessidade de abarcar os setores

principais da indústria do fado, realizadas até se conseguir obter a informação

necessária daquilo que se julgou ser a caracterização atual e real do fado. Para se

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perceber se o fado poderá ser uma marca de luxo, foram recolhidos pareceres de

especialistas nesta área. Ouviu-se quem está na indústria do fado. Explorou-se a

bibliografia referente a esta categoria. Por fim utilizou-se o modelo de diagnóstico de

identidade da marca de um autor clássico no estudo das marcas, Kapferer, quer

para avaliar a identidade da marca fado, quer para análise da sua eventual

associação ao luxo. Agregou-se toda a informação e daí retiraram-se as conclusões.

3. REVISÃO DA LITERATURA

Este capítulo abrange a base de estudo e o referencial teórico que possibilite

responder à pergunta base de toda a investigação, concretizando o objetivo desta

tese.

O contexto teórico que se segue pretende cobrir os principais conceitos de

marketing necessários que vão ser usados neste estudo. Um dos objetivos principais

é identificar o fado como um produto icónico no contexto cultural de um país que é

Portugal, com raízes tão marcadas num lugar que é a cidade de Lisboa e perceber

todas estas marcas, todos os seus atributos, e como elas se relacionam e geram

valor.

Não se pretende criar uma marca, mas sim identificar elementos de marca que já

existem no fado e estudá-los como tal. Para isso é necessário formar um alicerce

teórico, para futuramente usar esses elementos na criação de mais-valia e

promoção.

Uma vez que não existem ferramentas de marketing que se apliquem diretamente a

uma identidade cultural da dimensão do fado, recorreu-se a conceitos que fazem

parte do setor comercial adaptados a para este fim. Para isso, optou-se pelo

marketing territorial para melhor compreender e contextualizar a marca umbrela, de

onde o fado deriva. De seguida, para entender o que é o luxo e uma marca de luxo –

para que por aproximação se possa decifrar se o fado pode chegar a esse patamar -

foi necessário fazer um levantamento dos principais conceitos que melhor possam

servir esse propósito. Tudo isto servirá de base para depois se partir para a análise

da informação empírica.

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3.1. Definição de marca

Embora muitos autores considerem que as primeiras referências ao uso das marcas

datem desde a Antiguidade Clássica, é no século XVII que a maioria dos autores

considera que o termo e a aproximação à definição de marca é a que mais se

acerca aos dias de hoje. A etimologia da palavra marca deriva da palavra anglo-

saxónica brand (marca), que por sua vez provém do antigo nórdico brandr, e que

significava literalmente, o ato de queimar. Era através do ato de queimar com ferro

quente que os homens marcavam o seu gado, de modo a identificar a quem este

pertencia. Com o desenvolvimento comercial, os compradores distinguiam o gado de

cada criador através dessas marcas. Uma vantagem que valorizava e distinguia os

criadores que tivessem gado com mais qualidade, pois a sua marca era identificada

seria mais procurada nas trocas comerciais. Poderá ter sido essa a origem da marca

(Backlett, 2005). De acordo com a American Marketing Association (AMA):

”Uma marca é um nome, termo, sinal, símbolo ou design, ou a combinação destes, com o intuito de identificar os produtos ou serviços de um fornecedor ou grupo de fornecedores, para diferenciá-los da sua concorrência” (Kotler & Keller, 2005, p. 269).

Como se compreende, este conceito de marca é limitado, uma vez que atualmente

as marcas significam muito mais do que identificar e diferenciar os produtos de um

fornecedor em relação aos seus concorrentes.

No documento redigido pela União Europeia são passíveis de serem admitidos como

registo de marca comunitária:

“Uma marca da UE pode consistir em sinais, nomeadamente em palavras, incluindo nomes de pessoas, ou em desenhos, letras, algarismos, cores, na forma dos produtos ou da embalagem dos produtos, ou em sons, desde que esses sinais possam:

a) distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos produtos ou serviços de outras empresas;”4

A definição de marca que consta no site do Instituto Nacional da Propriedade

4https://euipo.europa.eu/tunnelweb/secure/webdav/guest/document_library/contentPdfs/legal_reform/regulation_20152424_pt.pdf . Acedido a 23 de dezembro, 2016.

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Industrial (INPI):

“A marca é um sinal que identifica no mercado os produtos ou serviços de uma

empresa, distinguindo-os dos de outras empresas”.5

Nestas definições dos reguladores, compreende-se a identificação de um produto ou

serviço e a sua diferenciação face aos seus concorrentes como princípio jurídico

principal da marca. A marca tem que se distinguir das outras marcas, nos seus

produtos ou serviços, pela forma, caraterísticas, qualidade, durabilidade,

manutenção, estilo e outros atributos que lhe dão uma identidade única. O facto de

uma marca poder ser registada legalmente confere-lhe também a função de

proteção em relação à concorrência.

“O papel principal da marca é o de identificar produtos ou serviços de qualquer

vendedor ou grupos de vendedores e diferenciá-los da sua concorrência” (Aaker,

1991, p.7).

“A marca é muito mais do que um produto. Para além dos seus atributos físicos, qualidade e benefícios da sua funcionalidade, também contém características, tais como; benefícios emocionais, benefícios ao nível da autoexpressão, simbologia, personalidade da marca, relações entre os consumidores, confiança, apelo ao imaginário do consumidor e conotações ao seu país de origem” (Aaker, 1996, p.74).

As marcas são ativos para as empresas e ferramentas de diferenciação no

marketing de consumo dos produtos e serviços, na medida em que asseguram

lealdade e comunicam positivamente com os diferentes públicos-alvo. Elas não só

asseguram o valor simbólico e económico ao consumidor, reduzindo os custos e os

riscos, como também oferecem qualidade, valores, promessas e lifestyle (O´Cass

and Grace, 2003). As marcas podem gerar confiança, ou a promessa de um

determinado nível de qualidade para produtos e serviços, o que vai ajudar os

consumidores a exercerem as suas preferências de consumo face ao mercado

inundado com tantas opções (Healey, 2010).

Uma marca determina um conjunto de caraterísticas do produto mais o somatório

dos seus valores, sejam eles funcionais ou não-funcionais, construindo um 5 http://www.marcasepatentes.pt/index.php?section=125 . Acedido: 5 de junho, 2017.

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significado especial para o consumidor, que se reflete ao nível da consciência, e que

é apreendido pelo consciente ou de forma intuitiva (Macrae, Parkinson and

Sheerman, 1995).

Os gestores de marcas distinguem os seus produtos dando ênfase aos atributos que

coincidem com as necessidades do seu público-alvo, mantendo-se atentos à sua

concorrência. Constroem a imagem dos seus produtos ou serviços de uma forma

coerente, tendo em atenção a autoimagem do seu público-alvo. Os estudos mostram

que os consumidores escolhem as marcas e os produtos nas suas decisões de

compra de acordo com:

- A autoimagem real de si mesmos.

- A autoimagem ideal, ou seja, como se gostariam de ver a si mesmos.

- A autoimagem social, que é como sentem que os outros os vêm.

- A autoimagem esperada, aquela que desejam no futuro ter (Schiffman and Kanuk,

2000).

Segundo Keller (2003), pode criar-se uma marca de um produto físico, de um

serviço, de uma loja, uma pessoa, um lugar, uma organização ou até mesmo de

uma ideia.

No que diz respeito à escolha de uma marca relacionada com um determinado

destino no mundo, os consumidores baseiam a sua opção de compra não só na

imagem que têm desse destino, mas na relação emocional que este lhes possa

suscitar, sempre de acordo com o seu lifestyle (Shet, Mittal and Newman, 1999;

Urde, 1999).

O valor da marca está associado a quatro fatores principais: à notoriedade, à

qualidade percebida, à lealdade dos consumidores e às associações à marca (Aaker

and Joachimsthaler, 2000).

“A marca também assume funções adicionais para os compradores e vendedores,

uma vez que as marcas se apresentam como símbolos em torno dos quais as

relações são construídas” (Berthon, Hulbert and Pitt, 1999, p.54). Isso implica que o

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desenho do logotipo pode ser considerado como componente chave das marcas.

Quando o símbolo de marca contém um nome distintivo, logotipo, marca registada

ou um determinado design da embalagem, os logotipos tornam-se numa

representação central da imagem de marca, dos produtos, serviços, destinos ou das

national equities.

A marca é também vista como o cumprimento da promessa de vários atributos,

tendo que promover vários graus de satisfação do consumidor, estes podem ser

reais, ilusórios, racionais ou emocionais, tangíveis ou intangíveis (Ambler, 1992).

As marcas propõem-se criar uma mistura de satisfações. Ao sublinhar qualquer uma

das três dimensões de um produto, dimensão estética, psicológica e funcional, é

sempre ao nível da oferta de experiência do consumo desse produto e da carga

simbólica a ele associada que é formada a distinção e unicidade da marca. Contudo,

atributos básicos como por exemplo a funcionalidade, precisam de ser estabelecidos

antes dos atributos simbólicos (Gnoth, 2002).

Também para Kapferer (1992), os produtos ou conjuntos de produtos de uma marca

têm de assegurar que a qualidade, as suas caraterísticas base e desempenho

precisam de ser estabelecidos, antes de serem adicionados os elementos simbólicos

e os referentes à experiência de se consumir esse produto. Mais ainda, os

consumidores recusam produtos que não cumpram com as caraterísticas funcionais,

mesmo que tenham valores associados quer a nível simbólico quer ao nível das

experiências. Em suma, os consumidores, em primeiro lugar, procuram nos produtos

a sua função, a qualidade que estes possam ter, a forma, o desempenho, e só

depois é que procuram o seu significado.

Na criação de uma marca, não se desenvolve apenas omnipresença, visibilidade ou

outras funções, é importante que se crie uma ligação emocional com as pessoas na

sua vida diária. Só quando um produto ou um serviço provoca um diálogo emocional

com o consumidor é que podemos qualificá-los como marca (GOBÉ, 2002).

“A marca é um sentimento visceral de uma pessoa em relação a um produto, serviço

ou empresa. Não é aquilo que se quer dizer que ela é. Ela é o que os outros dizem

que ela é” (Neumeier, 2008, p.149).

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Nesta tese será adotada como definição de marca a teoria de Ambler (1992), em

que se salienta para além das caraterísticas físicas, os atributos que podem ser

tangíveis ou intangíveis, reais ou ilusórios, racionais ou emocionais. Assim sendo, se

relacionarmos este conceito com o estudo de uma marca para um produto icónico

que é património imaterial da humanidade, representativo de uma nação e oriundo

de um lugar, é necessário demonstrar claramente os atributos que caracterizam o

seu fenómeno.

3.2. A identidade da marca

A identidade da marca traduz-se num conjunto único de associações, que

estrategicamente se quer criar ou manter. Estas são as constituintes que integram e

representam a marca e fazem parte da promessa aos consumidores por parte dos

membros da organização (Aaker, 1996).

As marcas têm que ser vistas sempre como ativos estratégicos (Kapferer, 2008),

como tal é muito importante que se reconheça claramente a sua identidade.

A identidade é um dos elementos que permitem diferenciar a marca através da

criação de valores de forma a obter a diferença necessária para tornar a marca

distinta. “É a que a torna única entre todas as outras” (Oliveira, 2009).

É o que define os valores fundamentais da marca, dá-lhe direção, propósito e

significado. Ou seja, é o que a representa e como ela vai ser percecionada. É

essencial definir a identidade da marca para que a seguir se consiga traçar o seu

posicionamento estratégico (Aaker,1996).

A identidade da marca é fundamental para que o consumidor tenha a perceção

daquilo que ela simboliza e a diferencia da sua concorrência.

“A identidade da marca deve ajudar a estabelecer uma relação entre esta e o cliente,

gerando uma proposta de valor envolvendo benefícios funcionais, emocionais ou

auto expressivos” (Aaker, 1996, p.69).

A identidade de marca pode ser identificada em qualquer organização ou numa

entidade cultural, de imediato, por ser distinta, única e capaz de exprimir de forma

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clara a sua missão. Mas para isso é necessário fazer-se um levantamento de tudo o

que a constitui, utilizando-se um sistema inteligente que transmita respeito para com

o consumidor, de modo a que este compreenda os benefícios que a marca tem para

oferecer.

Direcionando este conceito para o presente estudo, é importante refletir também

sobre as palavras de Cánovas del Castillo sobre a identidade nacional, visto que

para ele a nação tem uma alma: “A identidade de recordações, de sentimentos, de

esperanças e na unidade do próprio caráter, faz com que cada uma seja diferente

das outras, assinando-lhe uma peculiar missão para a obra universal do progresso

humano” (Umbert,1901, p.220).

3.3. O Prisma da Identidade de Kapferer (2004)

Atualmente existem variadíssimos canais globais emissores de comunicação, num

mercado cuja oferta é semelhante. Para que o consumidor prefira uma determinada

marca em detrimento de outra, é necessário que pela sua identidade apresente um

nível de diferenciação através de um sistema de valores únicos e originais. Por isso

é fundamental que haja preocupação com o que desejam apresentar, com aquilo

que é transmitido, de modo a garantir uma imagem fiel, coerente e apelativa, que

não só traduza a sua natureza e ADN, como também apresente uma imagem da

melhor forma possível.

O prisma da identidade de marca de Kapferer (2004) é um sistema de análise que é

composto por seis facetas que estão inter-relacionadas, que permitem compreender

e decompor a identidade de uma marca. Essas seis categorias formam um todo que

devolvem a imagem estruturada. Esta, através dos seus marketers, é o emissor que

comunica os seus valores em direção ao seu público-alvo recetor, num processo

único e inseparável. Existe uma interiorização da marca que está relacionada com a

identidade que se tenta projetar. Por conseguinte, uma exteriorização desta, que é o

espelho que define a própria marca e representa o verdadeiro ponto de conexão

com o cliente, atribui-lhe uma certa propriedade pessoal, uma vez apercebida a sua

essência.

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Esses elementos-chave são as ferramentas vitais para a construção da identidade

da marca.

Assim, as seis facetas que compõem o prisma são: o físico, a personalidade, a

cultura, a relação, o reflexo e a mentalização.

Figura 1. Prisma da Identidade da Marca (Kapferer, 2004)

um conjunto de caraterísticas físicas, especificidades e qualidades. Traduz

tudo aquilo que vem à mente das pessoas quando determinada marca é

mencionada, conjugando as características objetivas que são a sua base. Os seus

atributos, as caraterísticas tangíveis, constituem os produtos característicos de uma

determinada empresa ou organização em questão. Há que salientar que quando

Kapferer se refere ao físico da marca, não está a referir-se exclusivamente à

identidade formal da marca (nome, logotipo, símbolo), mas também a toda a sua

materialização em coisas tangíveis, como embalagens, design, comunicação,

internet, pontos de venda, cores, e em alguns casos, o próprio serviço ou produto.

Personalidade - Como o próprio nome indica, representa o caráter da marca, isto é,

entendê-la como uma pessoa. É a atitude, a forma caraterística de comunicar com o

seu público-alvo. Normalmente para converter este elemento em algo concreto e

claro, recorre-se a uma pessoa mediática, que se torna a imagem e a versão viva da

MARCA

EMISSOR CONSTRUÍDO

DESTINATÁRIO CONSTRUÍDO

PERSONALIDADE

CULTURA

MENTALIZAÇÃO

RELAÇÃO

REFLEXO

FÍSICO

INT

ER

IOR

IZA

ÇÃ

O

EX

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RIO

RIZ

ÃO

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essência da marca, conferindo-lhe atributos humanos de personalidade.

Relação - Uma marca cria uma relação própria com o cliente, que pode basear-se

em crenças e associações. Torna-se capaz de envolver o consumidor pela sua

personalidade. Decide que tipo de comportamento há de ter com o exterior,

definindo a conduta que a maioria do público identifica na marca. É a maneira pela

qual a marca comunica a cultura que representa.

Cultura - A cultura é composta por um conjunto de valores que alimentam a marca.

É fonte de inspiração da marca. Constitui os alicerces que servem de guia e que vão

sendo atualizados conforme a marca evolui. São os princípios básicos regentes nas

suas manifestações exteriores, nos seus produtos, experiência e comunicação.

Consequentemente, aos poucos vão sendo associados ao país de origem da marca.

A cultura da marca também é a fonte dos poderes a que esta aspira. A cultura é o

que diferencia essencialmente as marcas. Na maioria dos casos, a dimensão física

poderá ser similar entre marcas concorrentes; a sua cultura é o que as vai

diferenciar.

Reflexo - Tudo o que os clientes percecionam da marca, o que representa para os

seus consumidores e como se revêm nela. Para Kapferer não é descrever o seu

potencial público-alvo, mas sim revelar como o consumidor deverá mostrar-se e

como ele desejaria ser visto pelos outros em resultado do uso da marca. Por esta

razão, as marcas devem conseguir controlar o reflexo dos seus consumidores, não

como aquilo que verdadeiramente são, mas como desejariam ser vistos depois de

consumir uma determinada marca. O objetivo é criar no consumidor o desejo pela

marca, conseguindo a associação da imagem desta para si próprio.

Mentalização – Tem como objetivo decidir a interiorização do reflexo. Quer dizer: é

o que eu penso que os outros pensam de mim, se eu consumir um determinado

produto de uma determinada marca. O consumidor reconhece determinadas

caraterísticas dentro de si que existem na marca e que se manifestam quando faz a

compra.

Existe uma influência na imagem que o consumidor tem de si próprio quando

comparado com a marca, normalmente quando este tem a necessidade de adquirir

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determinada marca para aparentar algo. Traduz-se na forma como o consumidor se

sente ao consumir a marca.

Kapferer sublinha que as marcas só existem quando são comunicadas. Esta

afirmação tem a sua implicação na construção do prisma da identidade da marca, na

medida que explica a existência do emissor e do recetor. Assim sendo, as facetas

físico e personalidade provêm do emissor, que as usa para construir a sua própria

definição perante o recetor. Do lado do recetor, estão as facetas do reflexo e da

mentalização (autoimagem), que são as dimensões que ajudam o recetor a construir

a sua própria definição em relação à marca; consegue-se perceber quem é o

público-alvo. As facetas relação e cultura constroem a ponte entre o emissor e o

recetor.

Assim, na divisão vertical, relativas à exteriorização da marca, estão as facetas

consideradas sociais, isto é, como a marca se exprime para o público. As da direita,

ou as da interiorização da marca, formam parte da sua essência, aquilo que é

percecionado pelo público (Kapferer, 2008).

Em resumo, o prisma de Kapferer, é necessário para assegurar a sustentabilidade e

a saúde da marca, melhorar a coerência entre estratégia e execução. Identificar

forças e fraquezas, atualizar as indicações estratégicas ou antecipar e orientar o seu

desenvolvimento são alguns dos muitos benefícios deste método.

3.4. Marca-lugar

Quando se fala em lugar, associa-se a um conceito holístico, sobre o qual é

imediatamente feita uma associação mental, como um ponto geográfico para onde

as pessoas têm a intenção de se deslocar; associa-se a todas as atividades e

sentimentos que se possa atribuir ao mesmo. Este termo, lugar, pode referir-se a

uma nação (país), ou a uma cidade, uma região, um bairro (Govers, 2009). Quando

em termos de marketing se pensa em criar uma marca para um lugar, está-se a

considerar atrair pessoas que possam viver, emigrar, trabalhar, fazer negócios,

estudar, visitar, escolhendo um local em particular para o fazer (Ashworth e

Kavaratzis, 2009; Elliot, Papadopoulos e Kim, 2010; Ryan e Silvanto, 2010).

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“Os lugares sempre foram marcas, no verdadeiro sentido da palavra. Ao ser mencionado, este facto invariavelmente incomoda as pessoas, porém há séculos que os países se assumem deliberada e sistematicamente como marcas. A reputação dos lugares sempre foi gerida e ocasionalmente inventada pelos seus líderes, ou inspirada noutros para aumentar o seu prestígio político: poetas, oradores, filósofos, cineastas, artistas, escritores” (Anholt et al., 2003, p.213).

Trata-se de uma perspetiva que corresponde a todas as interações do lugar com o

seu ambiente, sejam elas políticas, investimentos estrangeiros, trocas comerciais,

imigração e informações dos meios de comunicação em geral acerca desse lugar.

Talvez seja uma das formas mais difíceis de se criar uma marca, primeiro porque é

difícil ser percecionada como tal, e depois porque normalmente o seu controlo e

gestão nunca dependem unicamente de uma entidade. Quando se cria a marca de

um lugar e é feito o seu marketing, considera-se que será inevitavelmente

influenciada por todos aqueles que vivem nessa área geográfica e que de certa

forma são os seus proprietários. Muitas vezes, até mesmo os principais stakeholders

podem não estar em completa sintonia. Na criação de uma marca corporativa, de

um serviço ou produto, quando se quer acrescentar complexidade, cria-se facilmente

uma lista de atributos para aumentar o valor da mesma, o que não acontece com a

marca-lugar.

Os lugares já têm a sua identidade moldada, condicionada pela história e conceitos

pré-definidos.

“[Os lugares] possuem uma vasta gama de identidades heterogêneas que irão causar confusão e resistência ao serem adaptadas a um molde homogêneo. Mas se quisermos que a criação da marca resulte, tem de haver uma causa comum e um consenso entre todos os stakeholders. O longo processo de consultadoria, de se conseguir a unanimidade e o envolvimento de todos os stakeholders para depois se retirar a partir da sua informação a essência da personalidade do lugar, é provavelmente a parte mais difícil da criação de marcas-destino” (Polunin, 2002, p.3).

É objetivo dos lugares criarem associações positivas nas mentes dos consumidores,

de modo a desenvolverem e promoverem a sua marca. Mais que um plano de

marketing, a marca-lugar é uma estratégia de desenvolvimento baseada na

capacidade que as localidades têm de produzir valor, assentes na sua imagem,

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tanto a nível visual como verbal, e de como essa imagem influencia a sua perceção

(Keller, 1993; Keller and Lahmann, 2006).

“Marca-lugar entende-se como a gestão da imagem desse lugar usando uma

estratégia inovadora em coordenação com a sua economia, trocas comerciais,

sociedade, cultura e política governamental” (Moilanen and Rainisto, 2009, p.7).

Kotler et al., (2007), defendem que para implementar uma imagem eficaz de um

lugar recorre-se a três ferramentas:

a) slogans, temas e posicionamentos;

b) símbolos visuais;

c) eventos e realizações.

Destacam, no entanto, o facto de que essas ferramentas de promoção se devem

basear na realidade, pois não vão solucionar problemas de base. Portanto um

anúncio com imagens muito bonitas e slogans apelativos, mas que não condizem

com a realidade, vão funcionar de forma contrária, pois gerarão uma imagem oposta

à pretendida.

Quando se aplicam estratégias de marketing na criação de uma marca para o

desenvolvimento económico e cultural dos lugares, através de esforços realizados a

nível governamental ou empresarial, pretende-se melhorar as exportações do lugar,

protegendo-se o tecido industrial interno face à concorrência do estrangeiro, atrair e

manter fontes de desenvolvimento, posicionando o lugar, de modo a ter benefícios

quer a nível nacional quer a nível internacional, em termos económicos, políticos e

sociais (Papadopoulos, 2004).

A marca-lugar é o resultado da união de várias disciplinas, como o marketing, os

negócios, a gestão, a política, a cultura, a sociologia, a antropologia, as tecnologias

de comunicação, as questões sociais e ambientais, com o objetivo de criar uma

marca local forte e reconhecida por todos. Essa marca deve ser percebida no seu

sentido mais amplo, representando a imagem que as pessoas atribuem a um dado

local, consequência tanto de ações deliberadas, levadas a cabo pelas entidades

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responsáveis pela sua gestão, como de ações espontâneas, levadas a cabo por

qualquer cidadão anónimo ou mediático que seja conotado com esse mesmo local

(Kotler et al., 2004).

Numa estratégia de marca-lugar bem-sucedida, o que se espera que aconteça é

serem usadas as melhores qualidades dos produtos locais, para se atribuírem

significados e associações positivas a um lugar, em que os estrangeiros, em

qualquer parte do mundo, associem de imediato a um produto, serviço, património

ou formas culturais a uma determinada região. Em particular, a associação e

promoção de um produto físico a um lugar é designada por co-branding. Um

exemplo muitas vezes referido é o dos “relógios suíços”, em que as caraterísticas

dos relógios, como precisão, meticulosidade, fiabilidade são associadas ao povo

suíço ou o país Suíça (Kavaratiz e Ashworth, 2005). Coelho (2007) identificou 82

provas de genialidade portuguesa, são 82 national equities que reforçam a imagem

de Portugal no mundo. Os pastéis de Belém estão na lista dos produtos portugueses

que projetam positivamente Portugal, nacional e internacionalmente. Salienta

igualmente o fado como um dos grandes ícones de Portugal.

A marca-lugar contribui para a diferenciação dos produtos de cada região,

diminuindo a repercussão da concorrência, cada vez maior, e adquirindo vantagens

no mercado mundial, cada vez mais global.

3.5. Marca-país

A globalização trouxe grandes mudanças no acesso aos recursos; pessoas e bens

estão em constante movimento; assiste-se à internacionalização cada vez maior da

atividade económica; existe um maior fluxo de capitais; o acesso à informação é

cada vez maior devido às novas tecnologias da informação, sobretudo a internet.

Viaja-se mais do que em qualquer outra altura no passado, tanto em lazer como em

negócios. O mercado global é cada vez mais competitivo, implicando um maior

esforço de cada país no investimento da criação de uma marca como forma de se

diferenciarem dos outros, fazendo desta uma vantagem competitiva que vai

melhorar as suas atividades económicas (Lee, 2009). A marca-país deverá criar uma

imagem distinta, baseada na sua própria identidade, que afete as perceções dos

consumidores, especialmente as do seu público-alvo (Fan, 2006).

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“Hoje em dia o mundo é um mercado único. O avanço rápido da globalização faz com que cada país, cada cidade e cada região tenham de competir com os outros pela sua parte de consumidores no mundo, turistas, investidores, estudantes, empresários, eventos internacionais desportivos e culturais e pelo respeito e atenção dos meios de comunicação, dos outros governos e das pessoas dos outros países” (Anholt, 2007, p.1).

Devido à potencial ameaça que a globalização representa para os países, em

particular para aqueles que são menos desenvolvidos ou mais pequenos em termos

de território, alguns são levados a adotar o conceito conhecido como nation

branding. Dinnie (2016) sugere que os países para ultrapassarem certas dificuldades

procuram criar a sua marca-país como estratégia, com o intuito de atrair turismo,

estimular investimento estrangeiro e aumentar as suas exportações. Usada de uma

forma eficaz, pode contribuir para o crescimento, constrói a credibilidade a nível

internacional e ajuda a criar parcerias com outros países. Muitas nações competem

de modo a atrair trabalhadores altamente especializados e estudantes do ensino

superior geniais, que a longo prazo vão trazer valor acrescentado ao país que os

recebem. Os países fazem um esforço em termos estratégicos para divulgar a sua

herança histórica, consolidando-a com a riqueza cultural atual, de modo a mostrar

uma imagem atualizada. Embora as nações, na prática e desde sempre, se tenham

apresentado como marca, através dos seus símbolos, moeda, hinos, nomes; só hoje

em dia é que se conceptualizou e se criou a terminologia marca-país (Olins, 2002). A

marca-país tem grandes semelhanças com a marca corporativa, pelo facto de se

resumir a uma grande complexidade de relações e multiplicidade de stakeholders.

Segundo Teemu Moilanen e Seppo Rainisto (2009, p.1) construir uma marca-país,

pode ser visto como um investimento, que se resultar traz inúmeros benefícios:

- Aumento de investimento e criação empresarial.

- Promove os objetivos do turismo.

- Promove a diplomacia.

- Ajuda a defender os interesses do país nas exportações.

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- Fortalece a identidade nacional e aumenta o orgulho patriótico junto dos

seus cidadãos.

A marca-país, segundo Simon Anholt, é descrita como o somatório da perceção das

pessoas sobre um país em particular, em que se usa a sua cultura, herança cultural,

exportações, turismo, investimentos, emigração como pontos fortes. Esse mesmo

país terá vantagem competitiva sobre outros, cuja identidade é menos clara, menos

conhecida ou menos positiva (Anholt, 2005). Mas uma marca-país é muito mais do

que uma série de estratégias orientadas para melhorar a imagem e o nome nacional

(Lee, 2009). Os países podem tornar-se marcas assim que se diferenciam uns dos

outros; por terem nomes e bandeiras diferentes, esses nomes podem servir como

nomes das suas marcas, o que faz com que se assemelhem às marcas de produtos

que são comercializados pelas empresas (Anholt, 2005; Kotler, Gertner, 2002).

Segundo Dinnie (2016): ”Os efeitos contraditórios da globalização consistem na

homogeneização dos mercados e, ao mesmo tempo, num crescente sentimento de

identidade nacional”.

Anholt et. al., (2003) define o que as ações de comunicação de uma marca-país

devem incluir:

- As marcas que cada país exporta;

- A forma como promove o comércio, o turismo, o investimento e o recrutamento

internos;

- A maneira como se comporta politicamente a nível interno e externo e de que

forma essa política é comunicada;

- Como promove, representa e partilha a sua cultura;

- O modo como as pessoas desse país se comportam no estrangeiro e como

recebem e tratam os estrangeiros que visitam o seu país;

- O meio ambiente natural e construído apresentado ao visitante;

- Como é divulgado e descrito nos meios de comunicação mundiais;

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- As instituições e organizações a que pertence;

- Quais são os países a que está associado;

- A forma como compete com os outros países no desporto e no entretenimento;

- O que dá ao mundo e o que retira dele.

São estas as principais formas de expressão dos países enquanto marca.

Serão representadas uma ou outra nos seis vértices do hexágono, que constroem a

maneira como o país é percebido:

Figura 2. Hexágono da Marca País (Simon Anholt, 2002)

Turismo - O turismo é frequentemente o elemento que a marca-país mais promove,

onde se gasta mais dinheiro e mais se investe em marketing. Representa a

capacidade que um país tem para oferecer alternativas acessíveis às pessoas que o

visitam, seja para férias ou negócios. Refere-se ao interesse que se tem em visitar

um país, seja pelos recursos naturais, ou por aqueles que são construídos pelos

seus habitantes. Assim sendo, deve transmitir-se atributos únicos e valores de

personalidade para captar turistas.

POLÍTICA INTERNA E EXTERNA

EMIGRAÇÃO E INVESTIMENTO

EXPORTAÇÕESTURISMO

PATRIMÓNIO E CULTURA

PESSOAS

HEXÁGONO REPRESENTATIVO DA CRIAÇÃO DA MARCA PAÍS

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Podem dividir-se em três áreas:

- A beleza natural do país (paisagem, praias, campo, montanha, lagos, rios, recursos

naturais);

- A história e o seu património (ruínas e arquitetura);

- A dinâmica e atrativos urbanos (cinema, teatro, espetáculos).

Outro elemento que pode influenciar os que são representados no hexágono é a

moeda utilizada nesse país e a sua conjetura económica.

Exportações - Este elemento refere-se a todas as exportações, sejam elas das

empresas ou de todas as marcas. Está relacionado com o grau de satisfação dos

clientes no que diz respeito aos produtos e serviços do país. Neste elemento pode

ser determinante o fator made in, ou seja, a origem das marcas e produtos e como

influenciam a decisão de importação do estrangeiro face àquilo que o país exporta.

Aqueles países que são mais inovadores serão os que normalmente dominam este

elemento do hexágono, os que se posicionam como exportadores de produtos de

qualidade e de marcas reconhecidas. Anholt destaca ainda como principais atributos

neste elemento, a ciência e a tecnologia - um país forte nestes setores é

reconhecido como moderno e competitivo. As exportações são um dos fatores mais

poderosos para se construir e manter uma imagem nacional positiva.

Politica interna e externa - Os países também são avaliados pelo desempenho dos

seus governantes face aos assuntos internos e externos do país. Espera-se que o

país governe de forma justa e competente (política interna), e que tenha a

competência de manter a segurança e a paz (política externa). Esta atividade, tal

como as outras, precisa de ser desempenhada com sensibilidade relativamente às

exigências estratégicas da marca. É de difícil controlo por parte dos outros

stakeholders, mas quando a política está em sintonia com os outros canais, é uma

das formas mais rápidas de posicionar um país à escala global.

Pessoas - As pessoas oriundas de um país são também um veículo de

comunicação das mais-valias, complexidades e contradições deste para o mercado

global. Não são só os diplomatas, as pessoas talentosas, ou os políticos que podem

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ser embaixadores apaixonados pelo seu país de origem, qualquer um pode sê-lo e

em conjunto provocar uma mudança positiva. Este elemento também se refere à

perceção que o público-alvo de um país tem dos seus habitantes, isto é, das suas

competências, atitudes e qualidades. A população é um dos elementos mais

importantes da marca-país, deve ser divulgado como tal, para que se gere

motivação patriótica, gerando uma vantagem competitiva em relação à concorrência.

É a principal fonte de valor intangível de um país.

Património e cultura - O património, a história, a cultura, a geografia, fazem parte

do capital intelectual do país, que bem gerido vai acrescentar valor ao mesmo. Este

elemento representa para o resto do mundo riqueza, dignidade, confiança e respeito.

Refere-se à capacidade do país para transmitir ou comunicar os seus valores

culturais, tais como a história, a língua e a arte, enquanto que para dentro da nação

significa ter mais qualidade de vida e bem-estar. A qualidade de vida entenda-se

como a capacidade do país para gerar empregos, habitação, educação, segurança,

etc.

Esta dimensão refere-se à perceção global que o público-alvo tem do património da

tradição de cada nação, incluindo os aspetos da cultura contemporânea como o

cinema, a música, a arte e a literatura. Se o país está ligado a acontecimentos

importantes, nomeadamente históricos e culturais, ajudará o seu governo nas

relações com o estrangeiro (a epopeia dos Descobrimentos portugueses, o fado foi

considerado pelo UNESCO património da humanidade). O outro atributo a que

Anholt dá particular enfoque, é o desporto, que contribui também para a criação e

desenvolvimento de uma marca-país forte. Muitos clientes que formam um mercado

muito específico, têm já uma visão concreta sobre um determinado país, de acordo

com o que conhecem das suas equipas e competições internacionais (Futebol).

Os lugares que tratam o crescimento como uma questão puramente económica

correm o risco de criar uma imagem de marca bidimensional, com interesse apenas

para os investidores, os que pretendem fugir ao fisco e os especuladores. A cultura,

a herança cultural e o desporto emprestam a terceira dimensão, dando aos lugares

riqueza, dignidade, confiança e respeito no estrangeiro, proporcionando qualidade

de vida no país (Anholt, 2002).

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Emigração e investimento - Este elemento refere-se ao poder de atração de

talento e capital para o país. Analisa juntamente a intenção de atrair pessoas para o

país para viver e trabalhar, ou estabelecer negócios. Uma marca-país poderosa e

consistente ajuda a aumentar a preferência para emigrar ou investir num

determinado país. Certos países tiveram um grande crescimento durante o último

século por se tornarem magnéticos a cativar pessoas talentosas, qualificadas, e

investimentos de empresas muito rentáveis. A educação é um recurso que, segundo

Anholt, é também uma ferramenta muito importante para conseguir uma marca-país

forte e eficaz. Traduz a capacidade de uma nação em atrair estudantes estrangeiros

de elevado potencial, impulsionar a sua própria educação, por conseguinte atrair

mais investimento estrangeiro, e consequentemente mais prosperidade para a

nação.

3.6. Marca-cidade

A marca-cidade faz parte do conceito mais alargado que é a marca-lugar,

anteriormente analisado, que por sua vez pertence ao objeto de estudo do marketing

territorial. À semelhança da arquitetura das marcas de produtos e serviços, que trata

e organiza as várias submarcas, também foi aplicado idêntico formato à marca-lugar,

que se subdivide noutras submarcas que integram a umbrella brand, que deriva em

marca-país, marca-cidade entre outras, exatamente como o funcionamento de uma

organização que decompõe em marcas as suas diferentes áreas de atividade

(Dooley and Bowie, 2005).

As cidades são aglomerados populacionais e urbanísticos, em que um dos principais

objetivos da sua existência é o melhoramento da qualidade de vida das pessoas. É

por isso que atraem e continuam a atrair populações (Costa, 2001). Foi a seguir à

Revolução Industrial que se deu grande parte do desenvolvimento urbano, trazendo

consigo novos estilos de vida e comportamentos a nível do consumo, bem como

outra utilização dos recursos (Vale, 2007). A cidade é um espaço onde a sua

população estabelece relações sociais, culturais e comerciais, que se vão

constituindo ao longo do tempo, criando estrutura, identidade e significado da sua

imagem (Mela, 1999). É cada vez mais importante as cidades destacarem-se da

concorrência, posicionando-se de modo a obterem sustentabilidade social,

económica e ambiental, fazendo face à competitividade económica.

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“A competitividade territorial é a capacidade de uma dada comunidade territorial para

assegurar as condições económicas do seu desenvolvimento sustentado” (Azevedo

et al., 2010, p.34).

A estratégia para criar uma marca-cidade é um plano que define de forma realística,

a melhor visão competitiva e mais atraente para a cidade. Esta visão tem de ser

comunicada aos potenciais grupos-alvo e a todos os stakeholders. O grupo-alvo

poderá ser constituído pelos residentes da cidade, potenciais investidores, e/ou

pelos turistas, respeitando-se sempre a relação entre a marca-cidade e a marca-país

a que essa cidade pertence. Surge assim o marketing como ferramenta de

comunicação e desenvolvimento da marca-cidade. Em primeiro lugar a cidade tem

de cumprir os requisitos do seu público-alvo, para que, facilmente, ao criar-se a sua

marca, seja um benefício, uma missão, uma promessa. A comunicação tem que

estar assente em valores e perceções positivas, recolhidas dos atributos locais

inatos ou desenvolvidos e das várias audiências, tornando essa cidade um lugar

exclusivo no mundo. É necessário captar recursos, mobilizar interna e externamente

os seus stakeholders e acrescentar o design criativo para a criação da marca-

cidade. O objetivo é expressar as caraterísticas únicas da cidade. Para isso é

necessário conhecer bem a sua gastronomia, gestão, cultura, tradições, património,

pontos de interesse, oferta turística e tudo aquilo que seja relevante para a

construção dos atributos que a marca-cidade vai utilizar. Depois, é transmiti-los de

forma eficiente, não só através dos canais tradicionais de comunicação, como

também nos canais de comunicação digitais, cada vez estão mais disponíveis de

forma global (Dinnie, 2011).

Um exemplo importante que aparece em grande parte da literatura sobre esta

matéria é o caso da associação da expressão “The Big Apple” à cidade de Nova

Iorque, que foi lançada pelos marketers em 1970, quando decidiram que era

necessário criar a marca da cidade. Sete anos mais tarde, para fazer face à

recessão económica foi criada a marca I LOVE NY, que conseguiu o objetivo de

valorizar a cidade e atrair o turismo, ao mesmo tempo que tem sido considerada

uma referência de marca-cidade, servindo de modelo para a criação de outras

marcas-cidade. A seguir ao onze de Setembro, criou-se uma nova versão de

logotipo, e do slogan, “I love NY more than ever” (Schoja, 2016).

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A cidade de Lisboa, nos últimos anos, tem vindo a posicionar-se como marca. A

consultora Bloom Consulting, empresa com doze anos de existência, especializada

na análise de desenvolvimento de estratégias de “country”, “region” e “city” branding,

analisou o território português quanto à performance dos seus 308 municípios. Para

o seu estudo anual, utilizou o seu algoritmo proprietário (Bloom Consulting Portugal

City Branding Ranking, de 2016, na sua terceira edição) com a importante

ferramenta que mede o desempenho e o impacto de cada uma das 308 marcas

municipais nos seus públicos-alvo de Negócios (Investimento), Visitar (Turismo) e

viver (Talento). Esta consultora concluiu que a cidade de Lisboa se classifica em

primeiro lugar no seu Ranking, quanto ao desempenho da sua marca de forma

tangível e realista, demonstrando ser uma cidade de destaque, preparada para

competir internacionalmente.6

A cidade de Lisboa é o berço do fado, funciona como marca em paralelo, visto que é

difícil a dissociação da sua ligação. Quando se pensa em fado, pensa-se em Lisboa,

pensa-se em saudade, e ao pensar-se no fado, imediatamente se estabelece a

ligação à capital portuguesa.

3.7. Produto icónico

Pode atribuir-se genericamente ao termo “icónico” o significado de que algo ou

alguém é automaticamente reconhecido como famoso por qualquer membro de uma

cultura ou subcultura em particular (Chandler, 2007).

“Valores simbólicos e significados são essenciais para os consumidores, uma vez que vão ajudá-los a reter a consciência de um passado e a conduzi-los à identificação do seu lugar na sociedade, comunicando os significados culturais, tais como o status social, idade, género, grupo com o qual se identificam e tradições” (Belk,1988).

Os valores simbólicos e significados advêm sempre de um contexto social e a

tendência é serem partilhados. Devido à capacidade de exercer uma influência

significativa nos media, as marcas podem tornar-se portadoras influentes de valores

6 http://www.bloom-consulting.com/pdf/rankings/Bloom_Consulting_City_Brand_Ranking_Portugal.pdf. Acedido a 3 de dezembro, 2016.

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simbólicos e significados para os consumidores. Se esse simbolismo for usado de

forma eficaz, as marcas são bem-sucedidas e transformam-se em ícones rentáveis

(Tan and Ming, 2003).

Na cultura existem produtos que valorizam o nível e a cultura popular, tornando-se

icónicos.

Os produtos que criam valor a um nível cultural na sua cultura popular são os que

atingem a referência de icónicos. Estes competem nos mercados onde é criado ou

comunicado o mito, no qual este é associado às aspirações e contradições culturais

básicas. A realização bem-sucedida desse objetivo depende da capacidade do

produto de se integrar nas preocupações populares e de canalizar os desejos

subconscientes para a atividade do consumidor. Um produto icónico simboliza não

só uma marca em particular ou uma organização, como também um estilo de vida

(Holt, 2004).

Quando se imagina um lugar, e automaticamente se reflete sobre o que tem para

oferecer, sejam as suas caraterísticas, produtos ou tradições, está a pensar-se

genericamente em produtos icónicos que conseguem identificar a pertença a um

lugar em particular. Os produtos icónicos são aqueles cujo o poder de mercado

deriva da sua dimensão simbólica, que se tornaram símbolos culturais notórios e

duradouros. Esses produtos reúnem identidades coletivas que ilustram os eixos

sociais, como classe social, género, raças, seja dentro ou fora do contexto nacional.

As pessoas usam o simbolismo dos produtos icónicos para alcançarem e

desenvolverem um determinado status (Holt, 2004).

Algumas tradições culturais envolvem produtos que estão impregnados nos valores

da própria cultura de um lugar. Por exemplo, quando se menciona que algo está

envolto na típica cultura americana, diz-se “as american as apple pie” (tão americano

como a tarte de maçã). Sendo que a maçã é um ícone americano, os perfumes são

um ícone francês e o arroz basmati é um ícone indiano (Steenkamp et al.,2003).

Certos produtos, por razões históricas e culturais, vão ser associados a valores,

ideias e crenças de uma cultura. Produtos que adquirem significados culturais vão

alcançar o nível de símbolo cultural, ou seja, produto icónico (Arnett, 2002).

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“Pelo facto de os produtos icónicos estarem carregados de significados culturais, as marcas podem construir a sua equity, estabelecendo ligações com esses produtos icónicos. Normalmente, as marcas de produtos icónicos são quase sempre elas próprias marcas icónicas” (Torelli, p.125,2013).

Os jeans são considerados como um ícone americano (Batra et al.,2000). “Assim, a

abordagem de uma marca para aumentar o seu valor cultural é associar-se a

produtos que simbolizam o segmento cultural-alvo” (Torelli, 2013, p.125).

Produtos e marcas tornam-se icónicos quando são influenciados pelas maiores

correntes ideológicas da sociedade, e de preferência quando oferecem um mito

poderoso, que carregue uma história com que as pessoas se identifiquem de alguma

maneira. Quando existe uma mudança ideológica, os mitos ganham importância

(Holt, 2006).

É extremamente importante quando uma marca adquire autoridade cultural e se

promove como tal. Contudo, existem muitas marcas que assim se promovem

mesmo sem o serem, esperando que isso seja ultrapassado através do uso da

publicidade, mas a curto prazo, faz com que haja desinteresse por essa marca. Este

sentimento também ocorre quando ao fim de um tempo, se aclama um status icónico

que depois não é suportado pelos atributos da marca ou pela sua autoridade

cultural. Quando uma marca consegue chegar a icónica, é importante relembra-lo

com certa regularidade. Isso ajuda a aumentar a força da autoridade cultural da

marca (Torelli, 2013). Exemplo, a marca Budweiser promoveu-se, alegando fazer

parte da herança cultural americana nas campanhas como “America´s Beer

Supports America´s Heroes” (A cerveja americana que apoia os heróis americanos)

(Park et al.,2010). E, por outro lado, o que pode acontecer são os produtos icónicos

de um lugar fazerem com que esse lugar seja menos vago e mais tangível para a

maior parte das pessoas. Ao mesmo tempo, os produtos icónicos fazem com que

um determinado destino ou lugar seja associado a algo especial e inesquecível

(Florek, Conejo, 2007).

Os produtos icónicos, oriundos de um país ou de um lugar, são aqueles que

facilmente são reconhecidos pela maioria das pessoas como tal. A Cuba associam-

se os charutos; já as marcas Coca-Cola e Microsoft atribuem-se aos Estados Unidos

da América (Ham, 2008).

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3.8. O que é o luxo?

“Hoje em dia, o luxo é relativo. Cada indivíduo o vê a seu modo. […] A escolha de

um objeto de luxo nunca é indiferente. Ela indica a nossa personalidade e

transforma-nos em seres refinados”

Jean Castarède, (2005).

O conceito luxo é algo complexo. Analisando a literatura, é difícil chegar-se a uma

definição unânime. Logo na análise da etimologia da palavra luxo surgem as

primeiras contradições, em que “luxo” e “luz” têm a mesma origem do latim “lux”, que

significa luz. Por analogia explica-se o luxo com atributos como brilhante,

esplêndido, distinto, chamativo e resplandecente, como se cada objeto fosse uma

joia (Kapferer, 2003). Castarède (2005) refere que “luxo” vem do latim “luxus”

(abundância, refinamento) e não “lux”. Não se associa a bens indispensáveis para a

sobrevivência humana, contudo, é algo que proporciona uma experiência agradável

a quem dela possa usufruir.

Para Kapferer (2003, p.73), “O luxo define o belo e é arte aplicada aos objetos

funcionais”.

Segundo Castarède (2005, p.10), “Uma sociedade demonstra progresso quando se coloca ao nível não apenas das necessidades, mas também das aspirações. Estas ajudam o homem a transcender-se. Por conseguinte, não seria o luxo esta pequena diferença entre o viver e o sobreviver?”.

E a questão que se coloca não é apenas as aspirações em si, mas o que elas

contêm, aquilo a que se aspira. Ainda para este autor, as “aspirações”, gostos e

vontades têm-se tornado num padrão quantificável para a seguir criar medidas que

antecipem a procura, criar desejos, traduzindo-se na compra.

Um outro autor, Galhanone (2005) defende que o luxo se relaciona com o que é

raro, exclusivo, restrito e, consequentemente, de preço mais elevado. Se é acessível

à maioria das pessoas deixa de ser luxo. É um fator de distinção enquanto

simbologia entre as classes sociais. Luxo é tudo o que indica privilégio, elite,

nobreza, prestígio, aristocracia, riqueza e estilo.

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Os produtos ou serviços de luxo, para além de assegurarem a sua funcionalidade,

devem ser de qualidade superior, com excelentes matérias-primas, processo de

fabricação sublime, sendo que geralmente se produzem artesanalmente. Por outro

lado, também se podem utilizar tecnologias ou técnicas especializadas para a

produção e acabamento do objeto ou serviço em questão. Outras caraterísticas que

devem possuir são a durabilidade e exclusividade, que é entendida de forma

imediata (Castilho, Vilhaça, 2006).

Ao longo do tempo, a perceção de luxo tem-se modificado. Inicialmente, a definição

de luxo não necessitava da compreensão de grandes questões. Todo o seu contexto

se resumia a criar a oferta de produtos exclusivos para uma elite, por pequenas

empresas, cuja produção era artesanal, geograficamente circunscrita ao continente

europeu. Hoje em dia o mercado do luxo passou a ser mais complexo e competitivo

(Campuzano, 2016). Essa complexidade deve-se ao facto do luxo se ter tornado em

algo mais subjetivo, emocional, em que o indivíduo o usa para satisfação pessoal e

não tanto para se destacar socialmente. O luxo está ao nível da procura da

experiência de certas emoções, mais do que no produto em si. O luxo tornou-se

numa forma de escolha e expressão individual (Lipovetsky, Roux, 2005). No entanto,

vários estudos revelam que desde sempre o homem manifesta necessidade de

mostrar a sua superioridade em relação aos seus semelhantes. Já para Kapferer,

Bastien (2012, p.18) “A essência do luxo é o desejo de pertencer a uma classe

social superior, que cada um escolhe segundo os seus sonhos”. Quem consome

luxo, procura bom gosto, elegância, conforto, qualidade de vida, exigência e

refinamento (Castarède, 2005). A complexidade deste conceito é mantida porque,

sendo uma questão de afirmação social, não deixa de ser uma experiência

individual, que o filósofo e sociólogo francês Gilles Lipovetsky sustenta com a

seguinte afirmação:

“O luxo contemporâneo não é alimentado pela vontade de despertar inveja, de se ser reconhecido pelo outro, mas pelo desejo de admirar-se a si próprio, de deleitar-se consigo mesmo. É essa a dimensão narcisista que se tornou dominante e está a mudar o conceito do luxo” Lipovetsky apud Diniz (2015, p.9).

Estabelecem-se duas associações ao luxo: luxo tradicional e luxo contemporâneo.

No primeiro, o serviço ou produto são raros, são desenvolvidos exclusivamente para

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algumas pessoas e com caraterísticas especiais, tais como a marca gravada no

produto. Está implicitamente relacionada com o materialismo, fazendo-se valer do

poder pelo dinheiro. Quem tem poder de compra, adquire relevância perante o meio

social onde está inserido. No luxo contemporâneo existe uma base subjetiva no

simbolismo que caracteriza o luxo, (raridade, exclusividade, difícil obtenção), criando

tensão emocional, cuja origem advém de uma necessidade humana de satisfação

pessoal (Diniz, 2015). Com a globalização, o luxo tradicional coexiste cada vez mais

com o luxo contemporâneo, um novo tipo de luxo, acima de tudo emocional. Ainda

assim o luxo contemporâneo continua assente em três pilares fundamentais:

exclusividade, manufatura e criatividade, com uma estética moderna adaptada aos

novos tempos.

O luxo tem-se manifestado de diversas maneiras. Os anseios e as expetativas dos

consumidores têm-se alterado, dependendo do contexto socioeconómico. Nos

países ocidentais, há cerca de sessenta anos atrás, os automóveis eram

considerados bens de luxo, apenas acessíveis aos mais ricos. Hoje em dia o

automóvel é um bem comum, sendo exceção os carros de valor muito elevado, de

design exclusivo e de determinadas marcas (Scholz, 2014). Este exemplo, entre

muitos outros, demonstra aquilo que se pode chamar de “democratização do luxo”

(Lasslop, 2005), em que a oferta de determinados produtos considerados de luxo se

tornou abundante e a diminuição do preço fez com que um maior número de

pessoas os pudessem adquirir, perdendo assim a sua exclusividade e,

consequentemente, o estatuto de luxo. Contudo, esta situação é bem definida

geograficamente. Existem pontos do globo em que a dimensão do luxo e o seu

alcance não é desta forma, fazendo com que o conceito de luxo seja relativo, assim

como o conceito de pobreza e de riqueza.

Jean-Noel Kapferer resumiu a vasta gama de definições, propostas por um grande

número de autores aplicadas aos bens, da seguinte forma:

“Não existe uma definição absoluta para luxo. Quando se pensa em objetos de luxo, fala-se de bens de design exclusivo, esteticamente apelativos, que pressupõem hedonismo, com preço excessivamente acima da sua verdadeira utilidade funcional. Vendem-se em lojas exclusivas, nos quais é oferecido um atendimento diferenciado, que resulta numa experiência única para o consumidor. Esses produtos

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normalmente pertencem a uma marca com história e herança, que no seu conjunto oferecem um sentimento de exclusividade rara” (Kapferer, Tabatoni, 2011: online).

Quando se considera o luxo na sua essência, com um alcance mais abrangente,

constata-se que os atributos nascem da inspiração e não de uma ordem. Pertence

ao humano. O luxo cria emoções e estabelece laços. Identifica-se num lugar e num

determinado tempo, com a história, tradição e herança, fazendo parte da

modernidade. Essencialmente é qualitativo, deve ser relevante e pertinente. A forma

assume-se em relação à função. É multissensorial, raro, único, exclusivo e

requintado. Tem uma forte componente estética e deve ser global (Chevalier,

Mazzalovo, 2008).

A Leo Burnett - uma agência de publicidade fundada em 1935 por Leo Burnett, com

sede em Chicago e sucursais espalhadas pelo mundo fora, inclusive em Lisboa -,

através da sua divisão especializada em luxo, cujo nome é atelier, fez um

questionário a 5713 consumidores de luxo, que revelou as várias promessas e

dimensões do luxo moderno:

Estatuto Criativo Evasão

Extravagância Vanguarda Realização

Conhecedor do seu setor Ético Concretização

Sedução Mimo Aventura

Supremo Altruísmo

O novo espetro do luxo tem mais a ver com experiências e com lifestyle do que

exatamente com bens físicos. As experiências incluem entretenimento, (teatro,

concertos, espetáculos, casinos, etc.), eventos sociais, viagens, SPA, gastronomia,

jogo, enfim, um sem número de experiências que apelam ao sentimento de bem-

estar. Esta tendência também inclui a compra de bens que proporcionam igualmente

sentimentos de realização pessoal.7

“No universo do luxo todas as pessoas se conhecem”8.

7 http://www.slideshare.net/derzhaev/the-nature-of-luxury. Acedido a 27 de Janeiro, 2017. 8 Rolo, João, entrevista realizada no âmbito da tese, 01 de abril de 2017, Lisboa. Ver anexo I, p.223.

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3.9. Marca de luxo

Não existe consenso para uma definição universal, existe sim uma abordagem

predominante para este conceito, baseada nas suas funções e efeitos no

consumidor. Não só é ambivalente a avaliação da qualidade do luxo junto dos

consumidores, como também envolve uma variedade de abordagens heterogéneas

para definir a marca de luxo (Kapferer, 2006).

Uma marca de luxo é geralmente associada a determinadas competências tais

como, criatividade, exclusividade, produtos obtidos de forma artesanal, precisão,

qualidade superior, inovação e preço elevado. Estes produtos transmitem aos

consumidores a satisfação de possuírem algo caro, mas também benefícios

acrescentados de satisfação psicológica, como autoestima e prestígio. Ao mesmo

tempo sustenta um sentimento de estatuto elevado, reforçando a ideia a si próprio e

aos outros de pertença a um grupo especial que muito poucos podem ter acesso. O

universo do luxo é sobretudo irracional, repleto de fortes e intensas emoções ao

nível dos vários sentidos do ser humano (Kapferer & Bastien, 2012). As várias

definições têm sempre a ver com beleza, requinte, perfeição, prazer, tendência,

excelência, sofisticação, exclusividade, superioridade, poder, autoridade, distinção,

ostentação, snobismo, e outros atributos de elevada categoria.

Marc Jacobs (que foi o diretor de criação da Louis Vuitton, saiu em 2013 e neste

momento tem uma marca própria), afirmou: “Para mim, o luxo contemporâneo tem a

ver com o agradar a si próprio e não tanto a ver com o vestir-se para agradar aos

outros” (in: Thomas, 2008, p.15).

As contradições na definição de luxo, refletem-se também na dificuldade de construir

categorias para uma definição de marca de luxo. Kapferer (2003, p. 71) afirma que

“há uma dificuldade crescente de diferenciação entre a categoria de luxo e a de

marcas caras (comparativamente a outros produtos similares no mercado), ou

importantes”. Segundo o autor, a maioria das organizações que trabalham com o

luxo tornaram-se parte integrante dos grandes grupos empresariais, que operam

com a lógica do marketing de massa.

Da sua análise conclui-se que o sistema clássico do luxo e da marca pode ser

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classificado em três níveis, representado num modelo em forma de pirâmide, sendo

o primeiro nível representado no alto da pirâmide, a griffe, que corresponde à

assinatura do criador colocada em obras únicas, criação pura e materialização da

perfeição. No segundo nível tem-se a marca de luxo, constituída por produtos de

séries limitadas e em pouca quantidade, produtos manufaturados e de alta

qualidade. O terceiro nível posicionado na base, é o da marca, na qual existe a

produção em série. Há uma grande pressão com os custos e a produção industrial.

A marca é fonte de valor para os bens caros e de qualidade, mas nesse nível

tornam-se comparáveis uns com os outros (Kapferer, 2003).

Para além de criar o mito, um sonho, uma marca de luxo tem que contar uma

história. Anastasia Kourovskaia, pesquisadora de marcas da agência Millward

Browns, refere: “As marcas de luxo mais conceituadas que se tornaram ícones, têm

histórias reais para contar por detrás da sua marca. Contudo, as outras mais

recentes, têm que criá-las”.9

Antigamente as marcas de luxo tinham como preocupação principal construir

modelos. Na atualidade, a quantidade do produto é abaixo daquilo que o mercado

pede. Investe-se 15% a 20% na comunicação em todo o mundo. Marcas que outrora

se concentravam apenas num tipo de produto ou serviço, presentemente têm que

diversificar a sua oferta, dominar na perfeição outros setores que não eram os

originais e manterem-se coerentes no seu simbolismo (design, herança, fatores de

ligação e associação aos princípios fundamentais da marca). Tudo isto se pode

traduzir em atividades muito diferentes das da sua origem. Outra questão complexa

que emerge deste universo, o das marcas de luxo, são as motivações atuais dos

consumidores. Antes, estes eram facilmente identificados, pertenciam a um

segmento socioeconómico alto, em que a divulgação dos produtos era fácil, visto

que o público-alvo pertencia a um núcleo muito restrito, com uma tradição do chique

muito bem definida. Hoje em dia, os consumidores misturam-se, muitos não querem

parecer ricos, desejam expressar a sua personalidade e procuram novas sensações.

Ainda há aqueles que pelo contrário, desejam revelar sinais de riqueza, o que faz

9 http://www.brittonmdg.com/the-britton-blog/what-makes-a-luxury-brand/ . Acedido a 27 de março, 2017.

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com que a gestão da marca de luxo seja cada vez mais complexa e exigente

(Campuzano, 2016).

4. ESTUDO GERAL

4.1. Portugal

4.1.1. História

Em síntese, a comunicação governamental que Portugal faz da sua história no site

do Ministério dos Negócios Estrangeiros é a seguinte:

Com oito séculos de História, Portugal é uma das nações mais antigas da Europa.

Por cá passaram Fenícios, Gregos, Cartagineses, Romanos, Hunos, Suevos,

Alanos, Vândalos e Mouros até 1143, ano em que D. Afonso Henriques declarou

independência dos reinos de Leão e Castela e se tornou no primeiro Rei de

Portugal.

Portugal levou dois séculos a conquistar o território tal qual o conhecemos hoje, as

cruzadas foram um marco relevante na demarcação territorial.

Com as fronteiras definidas, era tempo de evoluir. Em finais do séc. XIII, o Rei D.

Dinis criou a Universidade de Coimbra, uma das mais antigas da Europa.

Edificaram-se castelos, palácios e catedrais, consolidando assim a integridade

territorial.

Mas os monarcas portugueses sonhavam com mais, não conseguiram resistir ao

apelo do mar e empreenderam aquela que viria a ser uma das maiores aventuras da

humanidade, os Descobrimentos.

Durante os séculos XIV, XV e XVI as caravelas portuguesas rasgaram o mar,

navegaram até Africa, Oriente e América do Sul, conquistando vastos territórios para

a coroa e amealhando fortunas incalculáveis.

Portugal era então o maior império do mundo, para onde confluía todo o tipo de

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gente, desde mercenários a príncipes; tornara-se o centro da Europa. Esta

expansão teve o culminar na morte do Rei D. Sebastião, na batalha de Alcácer-

Quibir, no norte de África, acontecimento que trouxe mais uma vez a ocupação do

trono português por espanhóis. Esta união perdurou por sessenta anos.

Em 1640, D. João IV subiu ao trono e declarou a independência. No século XVIII, D.

João V, rei absolutista e amante das artes, mandaria contruir em Mafra um

grandioso convento-palácio. Em Lisboa apareceria pelas suas mãos o Aqueduto das

Águas Livres.

Em 1755, um devastador terramoto destruiu a capital quase por completo. Foi um

ministro do Rei D. José que projetou uma nova Lisboa, imponente e mais preparada

para enfrentar a fúria da natureza. O ministro passou à história como Marquês de

Pombal.

No século XIX, a corte mudou-se para o Brasil, fugida à invasão de Napoleão.

Regressou 13 anos depois para encontrar o país dizimado pela guerra. No fim do

século, os ideais republicanos ganham cada vez mais força; a República é

instaurada em 1910.

Depois de um período muito conturbado, que culminou com a participação

portuguesa na 1ª Guerra Mundial, surge a ditadura de António de Oliveira Salazar e

o seu estado Novo duraria quase 50 Anos. Terminou em 25 de Abril de 1974 com

uma revolução das forças armadas, apelidada de “Revolução dos Cravos”, que

devolveu a democracia aos portugueses e abriu caminho à descolonização em

África.

Já com pouco mais que o território original, Portugal voltou-se para a Europa, tendo

aderido à CEE em 1986. Desde essa data que os Portugueses têm participado na

nova formação do Velho Continente, sem nunca se esquecerem da sua História, do

seu caráter e das suas tradições10.

10 https://www.ue.missaoportugal.mne.pt/pt/portugal/sobre-portugal/historia. Acedido a 18 de abril, 2017.

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4.1.2. Marca-Portugal

A marca Portugal depende essencialmente do turismo, justamente um dos setores

mais importantes para a economia do país, com maior valor concorrencial e

importância no comércio internacional. E desde 1992 tem vindo a impor-se como

uma verdadeira marca-país. Muito têm contribuído as mudanças políticas,

sustentadas em valores de qualidade e modernidade, a capitalização das conquistas

do setor do turismo em proveito de outros setores exportadores da economia

nacional. Mais coerência e unanimidade na identidade nacional. Maior e melhor

capacidade na oferta turística. Também se assiste a um aumento na qualidade das

infraestruturas, dos serviços, e a consolidação de novos setores de atividade,

capazes de se adaptar às novas demandas do comércio internacional. Igualmente

têm sido relevantes o aproveitamento e contributo da internet e das redes socias na

promoção e divulgação da marca.

Tem-se assistido a um despertar para a valorização daquilo que é português, e

sente-se uma atmosfera de orgulho nacional. Assim, Portugal apresenta-se hoje

como um país acolhedor, moderno, sofisticado, inovador, cheio de talento e em

transformação. Tem como slogan “Escolha Portugal”11, para suporte da campanha

de Turismo.

Desde da década 90 do século passado que se tem assistido a uma determinação

para enriquecer o posicionamento do país, para além das simples associações ao

galo de Barcelos e ao fado como género musical triste. Existe agora um novo

positivismo crescente, um novo colorido, especialmente em relação a esses ícones

no geral e em tudo o que é tradicional, tendo implicações diretas no turismo e na

nova imagem de Portugal.

Para dinamizar e valorizar a oferta nacional, aquilo que Portugal produz e tem para

oferecer, através da sua marca ativa e identitária, o Ministério da Economia criou o

Programa “Portugal Sou Eu”12, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros

56/2011. Este programa promove o consumo informado, traz valor acrescentado e é

11 http://www.portugalglobal.pt/PT/sobre-nos/multimedia/Choose-Portugal/Paginas/videos.aspx. Acedido a 11 de abril, 2017. 12 http://portugalsoueu.pt/inicial. Acedido a 25 de abril, 2017.

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dirigido em particular às PME nacionais. A fadista Cuca Roseta faz parte da lista de

Embaixadores do “Portugal Sou Eu”, juntamente com outras figuras públicas

portuguesas, concebendo o fado “Portugal Sou Eu” em conjunto com Alexandre

Borges. Este tema foi lançado no Primeiro Fórum do programa que decorreu dia 27

de Novembro 2014, no Centro de Congressos de Lisboa13.

Em termos de condições naturais, Portugal tem mais 3000 horas de sol por ano e

850 km de praias junto ao oceano Atlântico, sendo atraente para quem procura os

desportos náuticos, nomeadamente o surf14. O seu clima ameno também é uma

mais-valia.

Apresenta-se como um destino particularmente rico em experiências, visto que num

curto período de tempo se pode ver e fazer mais do que em qualquer outro país da

Europa.

Apresenta grande proximidade geográfica a qualquer capital europeia; exibe notável

diversidade de paisagens; possui património único. Portugal é um país de pequena

dimensão, mas com uma História que revolucionou o mundo, uma vez que foi o

responsável pelos Descobrimentos. Conjuga a tradição e a contemporaneidade.

A boa gastronomia, os bons vinhos e a simpatia dos portugueses complementam a

oferta de serviços turísticos.

Portugal está situado no extremo sudoeste da Europa. Portugal continental ocupa a

área de 88.889 km2 (com 218 km de largura, 561 km de comprimento, 832 km de

costa atlântica e 1.215 km de fronteira terrestre com Espanha). Fazem parte do

território nacional os arquipélagos dos Açores e da Madeira.

Portugal tem uma população de 10.562.178 habitantes (segundo o Censos efetuado

em 2011).

É um país democrático, em que a religião católica é predominante, e a Constituição

Portuguesa garante a liberdade de expressão.

13Idem. 14 http://surftotal.com/noticias/exclusivos/item/4106-portugal-foi-o-pais-mais-procurado-para-pratica-de-surf. Acedido a 25 de abril, 2017.

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A Língua Portuguesa, de raiz latina, é falada por cerca de 250 milhões de pessoas

em todos os continentes.

Os portugueses têm facilidade em comunicar em idiomas estrangeiros,

nomeadamente, inglês, francês e castelhano15.

Valores associados:

Tradição Segurança Relações Calorosas

Boa reputação em alguns

domínios

Liberdade

Produtos mais associados:

Vinho Sardinhas, bacalhau Azeite

Pastel de nata Fado Azulejos

4.1.3. Símbolos da Identidade da Marca Portugal

Kotler et al. (2007) defendem que o simbolismo visual é uma das três ferramentas

para a implementação de uma imagem eficaz de um país. Portugal tem como

símbolos visuais a Bandeira e o seu logotipo.

Figura 3. Bandeira Portuguesa

15 https://www.visitportugal.com/pt-pt/portugal-por. Acedido a 11 de abril, 2017.

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A Bandeira Portuguesa tem a forma de um retângulo com as proporções 2:3,

dividido verticalmente em 2/5 do comprimento na cor verde e os restantes 3/5 a

vermelho.

“Em cumprimento do Decreto n.º 150, de 30 de Junho de 1911, da Assembleia Nacional Constituinte, se publica, para ter a devida execução, o seguinte: Artigo 1.º A Bandeira nacional é bipartida verticalmente em duas cores fundamentais, verde-escuro e escarlate, ficando o verde do lado da tralha. Ao centro, e sobreposto á união das duas cores, terá o escudo das Armas Nacionais, orlado de branco e assentando sobre a esfera armilar manuelina, em amarelo e avivada a negro”16.

A cor vermelha simboliza os movimentos revolucionários e populares, o verde é a

cor destinada por Auguste Comte aos pavilhões das nações positivistas do futuro.

Estas duas cores estão sempre presentes em toda iconografia que simboliza a

República entre 1891 e 1910.

O escudo das quinas é constituído por cinco escudetes em azul, carregados de

cinco besantes de prata e bordadura a vermelho, com sete castelos de ouro.

Juntamente com a esfera armilar simbolizam a evocação dos dois momentos mais

altos da História Portuguesa, a fundação da nacionalidade e a epopeia marítima17.

Figura 4. Logotipo da marca Portugal

16 http://www.portugal.gov.pt/pt/a-democracia-portuguesa/simbolos-nacionais/decreto-que-aprova-a-bandeira-nacional.aspx. Acedido: 18 de abril 2017. 17http://www.presidencia.pt/?idc=44. Acedido a 19 de abril, 2017.

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O logotipo criado em 1992, para o ICEP (Investimento e Comercio Externo de

Portugal), pelo artista plástico português José Maria Fernandes Marques, mais

conhecido pelo seu pseudónimo José de Guimarães, baseou-se na ligação de

Portugal ao mar, na parte humana portuguesa que se carateriza pela hospitalidade e

o bem receber, e pelo sol sempre presente em grande parte do ano. As cores da

Bandeira Portuguesa estão igualmente representadas. O logotipo representa a

nossa oferta turística, utilizado essencialmente como símbolo para o Turismo

Nacional.

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O outro símbolo que identifica Portugal é o Hino Nacional, definido pelo artigo 11º da

Constituição. Com o título A Portuguesa, a música é da autoria de Alfredo Keil e a

letra é de Henrique Lopes Mendonça.

Figura 5. Hino Nacional: A Portuguesa18

4.1.4. A imagem de Portugal

Quem tem a principal responsabilidade pela boa reputação de um país são os seus

habitantes. Depois vem tudo o resto. Todos os anos são feitos estudos realizados

por várias consultoras, de modo a percecionar-se a imagem de Portugal e de outros

países do mundo. Foram escolhidos dois estudos que avaliam a reputação de

18 http://www.presidencia.pt/?idc=43 . Acedido a 19 de abril, 2017.

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Portugal e, em consequência, a sua imagem. Por sua vez, estes tipos de estudos

também contribuem para a avaliação de um país quando é necessário tomar

decisões, sejam elas escolher um destino de férias, investir, emigrar, estudar, fazer

negócios, entre muitos outros aspetos.

O primeiro estudo escolhido foi desenvolvido por Reputation Institute e chama-se

“Country RepTrack 2016”19, que colocou Portugal na 19.ª posição entre os países

com melhor reputação do mundo. Pela sua pontuação, foi considerado um país com

reputação “moderada”. Baseou-se em entrevistas online feitas a 58 mil pessoas

oriundas dos Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, Rússia, França, Itália

e Canadá. Um público-alvo que tem conhecimento para avaliar um país, selecionado

de acordo com o tamanho da sua economia ou relevância no mundo atual. Segundo

este estudo, os principais impulsionadores da reputação são:

- economia avançada,

- ambiente apelativo,

- governo competente.

Este estudo também concluiu que Portugal obteve a 6ª posição na classificação de

país com prestígio emocional, num do grupo de países que mais subiu a nível

mundial, obteve mais 2.2 pontos em relação à avaliação do ano anterior. Ou seja, a

sua reputação foi baseada nos atributos intangíveis.

O segundo estudo, Brand Ranking Turism 2017 – 201820, foi efetuado pela Bloom

Consulting21, em que foi avaliada a performance das marcas dos 193 países e

territórios em todo o mundo, em relação à sua capacidade de atrair turistas, e por

conseguinte receitas financeiras, através de um software e metodologias de que é

proprietário. Este estudo realizou-se através da internet. As variáveis usadas 19https://www.reputationinstitute.com/CMSPages/GetAzureFile.aspx?path=~%5Cmedia%5Cmedia%5Cdocuments%5Ccountry-reptrak-2016.pdf&hash=5a4232c6bfda0af12fca90660d5f8d18a657ac230d062e34e0bb589c0d3c1538&ext=.pdf. Acedido a 20 de abril, 2017. 20http://www.bloom-consulting.com/pdf/rankings/Bloom_Consulting_Country_Brand_Ranking_Tourism.pdf. Acedido a 20 de abril, 2017. 21 http://www.bloom-consulting.com/index_pt.html. Acedido a 20 de abril, 2017.

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permitem claramente medir a marca de um país por um novo prisma, uma análise

baseada 100% em dados concretos, em vez das habituais estimativas, inquéritos ou

opiniões. Segundo esta consultora, a imagem de um país tem que estar bem

representada no mundo digital, sob pena de não ser reconhecido globalmente. Em

2016, os turistas fizeram 300.000.000 pesquisas online relacionadas com atividades

e atrações turísticas.

Portugal ocupa a 20.ª posição no ranking mundial, subindo duas posições desde o

anterior estudo feito pela mesma consultora, e conservou a 10.ª posição entre 41

posições na análise feita às marcas-país para turismo. A nível mundial foram os

Estados Unidos que ficaram em primeiro lugar e a nível europeu ficou a nossa

vizinha Espanha.

Portugal em 2016, pelo terceiro ano consecutivo, também foi considerado o melhor

destino de golfe do mundo, pelo World Golf Awards. Igualmente também ganhou o

título de “Melhor Destino de Golfe da Europa”22.

Aspetos como a História, a cultura, a gastronomia e os vinhos, a variedade das

paisagens e, sobretudo, o saber receber dos portugueses, são essencialmente os

elementos de excelência que têm contribuído para a notoriedade da imagem de

Portugal no mundo. Conclui-se que a marca Portugal, embora tenha ainda muito que

evoluir, ao nível da sua imagem é percecionada de forma clara, não existindo

grandes falhas na sua identidade; os valores nacionais são bem comunicados e

bem-recebidos, tanto a nível nacional como internacional.

4.2. Lisboa

4.2.1. História

Lisboa é uma das cidades mais antigas da Europa Ocidental e do mundo, junto ao

rio Tejo, um dos maiores da Europa, com o mar por perto.

22http://www.turismodeportugal.pt/Português/turismodeportugal/newsletter/2016/Pages/WorldGolfAwards2016PortugalmelhordestinodegolfedoMundo.aspx. Acedido a 27 de abril, 2017.

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Apresenta vestígios de existência de vida humana há milhares e milhares de anos,

comprovados por achados arqueológicos. Pensa-se que terá nascido a norte do

castelo de São Jorge. Por Lisboa passaram Fenícios, Celtas, devido ao facto de

terem o rio Tejo como importante via para troca de alimentos e outros produtos, o

que fez com que se tornasse desde muito cedo um importante porto comercial.

Foi-lhe atribuída a classificação de “município” perto do ano 195 A.C, devido ao seu

desenvolvimento socioeconómico trazido pelos romanos. Nessa altura chamava-se

Olissipo e foi uma das cidades mais importantes da Lusitânia Romana; era um ponto

estratégico de defesa romana e igualmente de onde partiam ligações para outros

destinos.

No século III, a sociedade romana estava em crise, devido principalmente às lutas,

desencadeadas pelas sucessivas invasões de outros povos, Visigodos, Suevos,

Árabes, que queriam ocupar toda a Península Ibérica.

Os Árabes conquistaram a Península Ibérica e ocuparam Lisboa. Na língua árabe

Lisboa era conhecida com “Al-Ushbuna”, que significava “porto encantador”. Este

povo continuou a fazer de Lisboa um grande porto de trocas comercias, juntamente

com outros países árabes, como Marrocos e Tunísia, entre outros. A cidade cresceu

muito, no século X, já tinha mais de 100 000 habitantes. Entretanto nasce o bairro de

Alfama, al-hamma, o mais antigo de Lisboa. Os Árabes introduziram as suas

técnicas de rega e outras, desenvolvendo muito a cidade, que também dependia

muito do cultivo.

Outros povos tentaram atacar Lisboa, mas por vários anos Al-Ushbuna consegue

resistir a vários ataques sucessivos, como por exemplo, dos Vikings e dos Cristãos.

D. Afonso Henriques, o primeiro Rei de Portugal, conquista Lisboa aos mouros em

1147. Foi em 1195 que nasceu o santo padroeiro da cidade, Fernando de Bulhões,

Santo António de Lisboa.

Após a conquista de Lisboa, D. Afonso Henriques confinou os mouros a uma zona

da cidade que é hoje a Mouraria, um dos mais tradicionais bairros da cidade de

Lisboa e berço do fado. A outra minoria étnica que já lá vivia eram os judeus

(Gésero, 2014).

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No século XV, época dos Descobrimentos, Portugal, e por consequência Lisboa,

torna-se um mercado de luxo da Europa, devido à possibilidade de comercializar

produtos únicos oriundos dos lugares conquistados, tornando-se no século XVI a

cidade mais rica do mundo.

Em 1755 dá-se o terramoto que destrói toda a Baixa de Lisboa, os bairros do

Castelo e a zona do Carmo, as zonas mais urbanísticas da cidade. Foi o Marquês de

Pombal, Primeiro-Ministro do Rei D. José, coadjuvado pelos arquitetos e

engenheiros Manuel da Maia, Eugénio dos Santos e Carlos Mardel, que viriam a

desenvolver um novo plano urbanístico inovador, que deu origem à Lisboa que hoje

se conhece23.

4.2.2. Marca Lisboa

A identidade de Lisboa e a construção de uma marca são elementos-chave para se

conseguir atrair e reter talentos, investimento, criar e oferecer valor a quem visita a

cidade, aos seus habitantes e a quem nela trabalha. Cada vez mais as cidades

competem, por recursos globais, como investimentos, talentos, dinheiro,

infraestruturas. Por isso têm de se impor por aquilo que de melhor têm para

oferecer, revelarem uma identidade clara, apresentarem uma estratégia com

capacidade de colocar todos os organismos e cidadãos a falar dos mesmos atributos

e valores, da mesma marca. Para isso é necessário haver uma cooperação entre os

cidadãos e os diversos organismos, estatais ou particulares, de modo a que todos

partilhem de uma ideia comum e que passem essa mensagem de forma unânime,

dentro e fora do país, utilizando ferramentas de marketing, para que a cidade tenha

condições para conseguir recursos globais, principalmente investimentos.

A administração central é responsável por promover a marca Lisboa. Transcreve-se

a informação geral daquilo que é comunicado nos sites dos dois principais

organismos, Câmara Municipal de Lisboa e Turismo de Lisboa:

Lisboa é amigável, convidativa, posiciona-se como uma opção de destino turístico,

caso se visite a Europa. Cidade histórica, palco de muitas narrativas à espera de

23 http://www.cm-lisboa.pt/municipio/historia e https://issuu.com/camara_municipal_lisboa/docs/hist__ria_de_lisboa-_tempos_fortes. Acedido a 22 de abril, 2017.

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serem apreciadas por quem a visitar. Condições climáticas especiais, com

temperaturas mínimas que raramente descem dos 15º, sol até 290 dias por ano. É

considerada uma cidade segura. Tem uma gastronomia de excelência, em que o

bacalhau é rei. Lisboa garante uma oferta hoteleira e de restauração para todas as

bolsas, gostos e categorias.

Desafia a encontrá-la. A capital de Portugal é genuína, tem tradições e hábitos

antigos e uma História ímpar; que se cruzam com a animação cultural e a inovação

tecnológica. Lisboa posiciona-se como uma entidade que quer a companhia de

quem a procurar. O caráter solícito e hospitaleiro dos lisboetas, ou de quem lá vive,

poderá servir de guia turístico da cidade e levar quem a procure a ouvir cantar o

fado. Lisboa é conhecida pela maneira calorosa e familiar de receber quem a

procura24.

Lisboa é única a oferecer uma paisagem natural singular a nível mundial. O Rio

Tejo, sempre presente, tais como a zona ribeirinha e a zona portuária, são avistados

dos pontos mais altos da cidade. As ruas da cidade têm uma importância histórica,

quer devido aos seus habitantes, quer por causa dos acontecimentos que ao longo

dos tempos foram mudando a sua aparência.

Lisboa tem sido muitas vezes escolhida para filmagens e sessões fotográficas,

porque tem, em grande parte do ano, um céu azul e excelente luz (uma das

melhores da Europa). Depois, pelas ruas, telhados, casarios, janelas, dando origem

a uma grande diversidade e originalidade de cenários. Lisboa tem mil anos de

História, o que atrai milhares de turistas. Por ter sido edificada entre colinas e

possuir vários miradouros nos pontos mais altos, permite admirar vistas magníficas.

Uma das mais maravilhosas é a que se consegue avistar do castelo de S. Jorge, de

onde se pode contemplar o rio Tejo, com os cacilheiros que navegam entre Lisboa e

a margem sul, a ponte 25 de Abril, o Rossio, o convento do Carmo, o Bairro Alto e o

parque Eduardo VII, entre outros pontos formidáveis.

24 https://www.visitlisboa.com/pt-pt/lisboa/porque-lisboa. Acedido a 23 de abril, 2017.

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Apesar de Lisboa de ser uma cidade antiga e com um património de grande riqueza,

também é moderna, em constante mudança e renovação na sua oferta cultural e de

lazer.25

4.2.3. Imagem da marca Lisboa

Um dos principais setores da economia portuguesa, como foi referido anteriormente,

é o turismo. Lisboa é um dos principais centros turísticos do país. Tem havido um

forte empenho em melhorar a imagem e notoriedade de Lisboa, aumentando a sua

capacidade de atração turística.

Segundo a ATL, a Lisboa são feitas associações como “cosmopolita”, “atratividade”,

“beleza”, “qualidade urbana” e “capacidade de gerar sensações” pelo seu clima,

paisagens e relação com o mar e o rio. É uma cidade com um património e uma

arquitetura ímpares e de autenticidade cultural. Lisboa é vista como uma das

cidades mais antigas do mundo, de grande riqueza histórica, com uma gastronomia

e oferta hoteleira de excelência.26

Tyler Brûlé é um guru das tendências mundiais; diretor da revista “Monocle”, a qual

representa estatuto, qualidade de vida, reinvenção do luxo e das regras do mercado

global. A “Monocle” apresenta um ranking das 25 melhores cidades do mundo, e em

2016 Lisboa aparece classificada em 16.º lugar.27 Segundo Tyler: “Lisboa tem um

ponto de partida de grande qualidade”. Refere-se à nossa História, à fantástica

arquitetura multissecular e ao império do passado. Depois, Lisboa tem “qualidade de

vida”.28

A consultora Mercer realizou um estudo que abrange 231 cidades do mundo inteiro

sobre qualidade de vida nas cidades, para que determinadas empresas e outras

organizações possam compensar de forma justa os colaboradores, sempre que os

enviam em trabalho para o estrangeiro. O período de análise foi de setembro a

25 http://www.cm-lisboa.pt/visitar/cidade. Acedido a 24 de abril, 2017. 26 http://www.jornaldaregiao.pt/products/lisboa-esta-na-moda-e-conquista-cada-vez-mais-turistas-/. Acedido a 27 de abril, 2017. 27 https://skift.com/2016/06/22/monocles-new-quality-of-life-top-25-cities-survey-tokyo-is-tops-again/. Acedido a 27 de abril, 2017. 28 http://expresso.sapo.pt/sociedade/2015-05-24-Lisboa-e-imperfeita.-Que-bom. Acedido a 27 de abril, 2017.

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novembro de 2016. Lisboa ficou na 43.ª posição a nível mundial na lista das cidades

com melhor qualidade de vida, num ranking liderado por Viena (Áustria) e com

Bagdade (Iraque) na última posição.29

No editorial de fevereiro de 2016 da revista do Turismo de Lisboa, Jorge Ponce de

Leão, Presidente Adjunto do Turismo de Lisboa, menciona:

“À arte de bem receber que nos diferencia, junta-se a beleza natural e edificada, o clima ameno ao longo de todo o ano e a segurança que o destino inspira. Não será, pois de estranhar que ano após ano os resultados dos principais indicadores turísticos superem as expetativas”.30

Lisboa tem o melhor porto de cruzeiros da Europa, como tal venceu a 23.ª edição

dos Word Travel Wards. E pela terceira vez Lisboa foi premiada como o melhor

destino de cruzeiros da Europa.31

Um dos jornais mais conhecidos do Reino Unido, Daily Mirror, sugere, através da

escrita da sua jornalista Zoe Cripps, especializada em roteiros de viagens e

reportagens de lazer, que Lisboa é um destino de eleição para uma escapadinha de

fim de semana. Lisboa tem tudo: cultura fascinante, boa comida, podem

experienciar-se bons momentos de relax à maneira antiga, boas vistas, lugares

maravilhosos para visitar, um clima maravilhoso e uma brisa marítima terapêutica;

preços na restauração acessíveis e a hotelaria apresenta várias categorias de

estabelecimentos que oferecem serviços com muita qualidade. Elogios que

continuam na extensa reportagem que reforçam a imagem da marca Lisboa.32

Associada à imagem da marca Lisboa está intrinsecamente ligado o produto icónico

fado, tanto para os portugueses como para os vários estrangeiros que nos visitam

ou para quem nos quer visitar. Sempre que é feita uma avaliação prévia do lugar

que se quer visitar, procura-se uma agência de viagem física para o fazer ou

29 https://www.imercer.com/content/mobility/rankings/d147852/index.html . Acedido a 27 de abril, 2017. 30 https://www.visitlisboa.com/sites/default/files/2017-03/RTL%20N159_28.01.2017.pdf . Acedido a 27 de abril, 2017. 31 https://www.worldtravelawards.com/award-europes-leading-cruise-destination-2016 . Acedido a 27 de abril, 2017. 32 http://www.mirror.co.uk/lifestyle/travel/city-breaks/lisbon-city-guide-portugals-capital-9768594 . Acedido a 27 de abril, 2017.

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pesquisa-se na internet, num motor de busca (o mais comum), inscrevendo-se o

destino procurado. Se o fizermos para Lisboa, claramente a ideia com que se fica é

que Lisboa e o fado não se conseguem dissociar. Nas várias entrevistas e artigos

consultados, todos são unânimes quanto à ideia de o fado ser um dos maiores

símbolos de Portugal e de Lisboa.

Também os próprios meios de comunicação ligam muito o fado a Lisboa. Exemplo

disso é um artigo do jornal Telegraph, na rúbrica «Viajar e Destinos», que aconselha

a visitar Lisboa pela razão mais melancólica que é o fado, reforçando a ideia de o

fado ser a canção de Lisboa. Depois, contrapõe que esse é o grande contraste com

o ambiente de alegria e júbilo que o país deixa transparecer. E refere que este

contraste é hoje uma tendência que nunca esteve tão na moda.33

Em suma, a marca Lisboa e a sua imagem têm vindo a conquistar o mercado

nacional e internacional. Existe uma procura crescente a nível nacional e

internacional pela cidade; vive-se e compra-se a portugalidade de forma informada;

a nível do lifestyle, o modo de vida lisboeta está na moda. Os valores identitários da

marca são bem comunicados.

4.3 O Fado

4.3.1. A História do Fado até ao século XX

“Gosto de ser triste” ou “É um lamento entrecortado entre soluços” (Saraiva,1994,

p.86) talvez sejam expressões que poderão definir o fado na sua forma mais

popular.

O fado incorpora em si muitas outras definições, como destino, sorte, acaso. O

termo “fado” faz há muito parte da língua portuguesa. Deriva em linha direta do

termo latino fatum, mas não parece que a palavra tivesse uso generalizado até ao

século XVI, sendo na lírica de Luís de Camões e n’Os Lusíadas que surge com

maior notoriedade. O fado, enquanto expressão musical tipicamente portuguesa, é

33 http://www.telegraph.co.uk/travel/destinations/europe/portugal/lisbon/articles/lisbon-best-fado-bars-and-venues/. Acedido a 28 de abril, 2017.

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cantado normalmente por uma só pessoa (fadista) e acompanhado à viola (guitarra

portuguesa). De difícil localização temporal e geográfica, um mistério ainda por

desvendar, assim como todos os sentimentos a ele associados. Surgem diversas

teorias e teses contraditórias: nas explicações mais antigas e populares é defendido

que o fado terá aparecido no bairro da Mouraria, deixado por influências mouras

após a Reconquista Cristã. Os primeiros registos musicais considerados fado só

viriam a ser conhecidos no início do século XIX. Além disso, não se conhece em

Lisboa nada que antes se aproximasse do fado, nem no Algarve, nem em Andaluzia,

onde os árabes também viveram no mesmo período.

Há também quem defenda que este género musical deriva de algo parecido, oriundo

do Brasil, semelhante às “modinhas” brasileiras do final do século XVII, cantadas em

Lisboa. Também se aponta a teoria de que possa estar ligado ao lundu angolano ou

à morna cabo-verdiana (Nery, 2012).

Outra das teses indica que a sua origem é marítima, defendendo que o fado deve a

sua génese à música portuária. Sendo Portugal um país de marinheiros e

descobridores, de partidas e chegadas, esta é uma hipótese a considerar. Não

sendo esta tese de todo despiciente, vale a pena lembrar que o mar se entranha e

se confunde com a nossa cultura e que alguns poemas, que também são letras de

fados, abordam o tema, envolvendo-o na palavra que tanto sabe a fado: saudade.

“Para nós, o fado tem uma origem marítima, que se lhe vislumbra no seu ritmo

onduloso como os movimentos cadenciados da vaga” (Carvalho, 1903, p.24).

Outras teses divergem defendendo que o Fado nasceu do Romaneiro Tradicional,

das Canções de Amigo, e que foi este que deu então lugar ao Fado (Sardinha,

2010).

O certo é que, apesar de serem unicamente hipóteses, o fado acaba por ser uma

miscelânea de tudo isto, de todo um colorido cultural, independentemente de onde e

quando ocorreu o seu surgimento. O que interessa reter é que o fado representa o

símbolo de uma nação. Funciona como um hino de Portugal para o mundo,

reconhecido como Património Cultural Imaterial da Humanidade, pela UNESCO.

Significa destino e o mais português dos sentimentos, a saudade. Palavra que não

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tem tradução em mais nenhuma língua, dado que em português significa densidade

emocional, que se traduz no típico sentir português. Ou seja, a alma lusitana.

Parece que foi na cidade de Lisboa no início do século XIX, que se começou a ouvir

cantar o fado nas ruas, pátios, espaços públicos e tabernas das zonas mais antigas,

tais como Alfama, Castelo, Mouraria, Bairro Alto, Madragoa. Para isso terão

contribuído o facto de a envolvência multicultural promovida por Lisboa estar à beira-

mar e ser ponto de partida, chegada e de passagem de muitas gentes. As suas

letras eram baseadas nos versos populares que espelhavam as grandes

dificuldades sentidas na época. A desigualdade social era gritante, as casas de fado

surgem de mão dada com a prostituição e a marginalidade, como um grito de revolta

pelas más condições sociais. As fadistas eram prostitutas de profissão, e os espaços

onde se movimentavam e cantavam eram locais muito distantes das altas esferas

sociais. O fadista do género masculino chegaria mais tarde, com reputação de

marginal, um rufia que resolvia tudo à “navalhada”, um proxeneta (Nery, 2012).

Em meados do século XIX, o fado passa a ter maior expressão no ambiente boémio,

vida de luxúria de Lisboa, surge a primeira cantadeira de fados que se torna

conhecida, Maria Severa Onofriana (1820-1846). Severa era uma mulher bonita,

boémia, inconstante e prostituta de profissão. Cantava e tocava fado nas ruas e em

cafés como por exemplo, “O Café da Bola” na Mouraria.

Maria Severa morreu muito jovem, com apenas 26 anos, e após a sua morte é

criado um mito à sua volta, acrescentando ao fado o conceito de fatalismo, de

resignação pela vida difícil, muitas vezes triste. Serviu de inspiração para a poesia

fadista e para o resto das artes que tratam a temática do fado. Também nessas

letras era habitual contar as histórias de vidas de desgraça e de infortúnio, de

amores fatais, tendo sempre na sua génese a tristeza, o destino humano, o fado, ou

seja, o destino. Sendo uma forma de entretenimento das classes mais pobres, que

se revia neste género musical, acontecia em bordéis e tabernas dos bairros mais

pobres e complicados de Lisboa e era alvo de condenação por parte da igreja, que

repudiava a má conduta dos seus apreciadores. No entanto, os homens da

aristocracia, por falta de espaços noturnos de entretenimento e atraídos pelas

mulheres fáceis e pela vida boémia, começaram também a frequentar os lugares

onde se cantava o fado, registando-se assim a primeira aproximação da aristocracia

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a este estilo popular musical.

“O fado encontra-se, numa primeira fase, vincadamente associado a contextos

sociais pautados pela marginalidade e transgressão, em ambientes frequentados por

prostitutas, faias, marujos, boleeiros e marialvas”34.

Era assim o fado no século XIX, no contexto urbano lisboeta, embalado pela

corrente do romantismo, olhado com desdém por uma sociedade conservadora e

moralizadora, que estava sempre pronta a criticar todos quantos se apresentassem

como fadistas, uma minoria à parte da classe social dominante.

Em 1851, surge o típico teatro de revista lisboeta, logo a seguir, em 1870, o fado

começa a fazer parte da sua oferta artística, havendo uma preocupação de melhorar

as suas músicas e letras, contribuindo para o seu enriquecimento e popularização.

Nesta altura surge a guitarra portuguesa que ficará definitivamente ligada ao fado,

como instrumento de eleição e com a carga simbólica que até hoje se mantém.

Na década de 80 do séc. XIX, o fado ganha estatuto ao ser levado para os salões da

aristocracia, onde passa ser tocado ao piano, melhoram-se as letras e a música. Os

versos populares fatídicos e cantados em mau português de outrora passam a ser

substituídos por poemas mais cuidados e eruditos.

O fado passa então a ser ouvido e apreciado nos serões das classes mais

favorecidas, letradas, e nas noites imprevisíveis das tabernas lisboetas, mantendo a

sua génese sentimental associada à fatalidade do destino.

É no final do século XIX que o fado começa a ser cantado nas noites académicas de

Coimbra, elevando mais uma vez o seu estatuto. O fado, oriundo das tabernas e

cantado por boémios e transgressores, chega à universidade e às vozes dos

estudantes. Tornou-se famoso o estudante de Medicina Augusto Hilário, que é o

autor e intérprete do fado Hilário, mais tarde cantado por Amália Rodrigues, são qual

se seguem muitos outros. O fado de Coimbra - ou canção de Coimbra - começou aí,

adotando um percurso próprio, que não será objeto deste estudo.

34 http://www.museudofado.pt/gca/?id=17 . Acedido a 27 de março, 2017.

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4.3.2. A História do Fado a partir do século XX - As grandes mudanças

No início do século XX, surgem as primeiras gravações em Portugal, com o

aparecimento do gramofone e dos discos de 78 rotações. Mais tarde, em 1925,

surge o microfone elétrico, o que também vai permitir que o fado chegue às casas

das famílias da classe média. As letras melhoram, aumenta a complexidade rítmica

enriquece melodicamente. Os novos palcos contribuem para a sua expansão por

todo o Portugal continental e ilhas, chegando às antigas colónias africanas através

das comunidades de portugueses que lá viviam.

Entretanto, ainda antes de 1910, a monarquia estava em decadência e o fado em

alta, tornando-se na canção nacional, apreciada por todos os portugueses. Era

transversal a todas as classes sociais e ouvido em todo país. Foi graças a esta

crescente popularidade que fez com que houvesse um aproveitamento político por

parte dos Republicanos, que se serviram dele para transmitir os seus ideais políticos

nas suas letras (Lopes, 2012).

Embora o fado tenha sido referenciado enquanto prática musical a partir 1822, em

romances, diários de viagens, panfletos, jornais e ensaios pessoais, é só no início do

século XX que surgem os primeiros livros e publicações dedicados ao fado,

nomeadamente os livros A História do Fado, de Pinto de Carvalho (Tinop) em 1904;

A Triste Canção do Sul (Subsídios para a História do Fado), de Alberto Pimentel, em

1904, e em 1912, O Fado e os seus Censores, de Avelino de Sousa, sendo todos

fundamentais para o seu estudo e notoriedade. Salienta-se que desde a publicação

da primeira história do Fado de Pinto Carvalho (Tinop), publicada em 1904 e a obra

Para uma História do Fado, de Rui Vieira Nery, 2004, passou-se exatamente um

século de vazio de análise histórica sobre o fado e de escassez literária.

“Nos últimos anos este cenário alterou-se profundamente: O Museu publicou dezenas de livros (entre catálogos de exposições, monografias, ensaios críticos, materiais pedagógicos) e apoiou a edição de dezenas de filmes e documentários sobre o Fado, da autoria de jovens realizadores portugueses”35.

35 Pereira, Sara, entrevista realizada no âmbito da tese, 05 março de 2017, via email. Ver anexo I,

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Das diversas publicações periódicas destacam-se três jornais que terão surgido em

1910: O Fado, cujo diretor era o poeta Carlos Harrington; A Alma do Fado, dos

fadistas Raúl Augusto de Oliveira e A.C. de Sousa; O Fadinho, de José Carlos

Rates, jornal setubalense sobre o fado. “À semelhança do que viria a acontecer com

numerosas outras publicações do género, as dificuldades económicas acabaram por

vencer o entusiasmo inicial e a sua vida foi mais ou menos efémera” (Carvalho et al.,

1999, p. 11).

Nos anos 20, aparecem dois jornais que auxiliam na divulgação da temática do fado:

A Guitarra de Portugal, de João Linhares Barbosa e a Canção do Sul, de João Reis

e António Cardo, ambas com uma existência atribulada de quase vinte anos. O

percurso destas e de outras edições semelhantes, foi sempre pautado por altos e

baixos. Tiveram sempre como objetivo a defesa do fado, elevando-o, enaltecendo-o

como património do povo português. No entanto, confrontaram-se com críticas

relacionadas com o passado de má vida, utilização para contestação política e

social, o que gerou opressão, inclusive censura no regime ditatorial de Salazar. Os

conteúdos principais do fado eram a poesia e menções históricas do passado

(Carvalho et al., 1999).

Para se compreender a importância do fado no início do século XX, é pertinente

referir ainda que nos anos 20 os cartazes que anunciam os espetáculos de fado

aparecem mais frequentemente devido à mudança do enquadramento artístico. O

fado, que começou por ser cantado nas tabernas dos bairros mais antigos e

populares de Lisboa, ganha outros meios de divulgação. Há uma necessidade

generalizada de reabilitar a imagem do e da fadista, desassociá-lo da ideia pré-

concebida de proxeneta e desordeiro para os homens e de má conduta para as

mulheres. Por isso, estes artistas preferem ser designados cantadores e

cantadeiras, com profissões distintas durante o dia, como não se cansam de afirmar.

Os cantadores e as cantadeiras tornaram-se conhecidos, adquirindo notoriedade

através da sua participação em palcos de revistas e de operetas populares, a forma

profissional mais estável, enquanto que outros – os amadores - apenas cantavam

em coletividades juntamente com outros géneros artísticos, ou então cantavam na p.163.

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noite urbana, ainda boémia, de Lisboa.

A rádio chega a Portugal e assume uma enorme importância na divulgação e difusão

do fado a partir de 1925, tornando-se um veículo muito popular em todos os estratos

sociais.

Os artistas podiam desde então fazer apresentações ao vivo e em direto,

conquistando interesses, ouvintes e seguidores no público mais jovem.

Apesar da sua grande popularidade, o fado chega a ser proibido nos anos 20 pela

ditadura militar, que põe fim à Primeira República. E em 1927, surge uma

regulamentação repressiva, o Decreto N.º. 13 564, de 6 de Maio de 1927, que

obrigava os cantores a possuírem carteira profissional. Surgem neste período casas

especializadas em fado, que imprimem legitimidade à atividade, enquanto que,

simultaneamente, fazem frente a outras formas de entretenimento, como cabarés,

boîtes e casinos.

Com o aumento da diversidade da oferta em entretenimento, nos anos

subsequentes ao pós-guerra, surgiu a necessidade de produzir mais espetáculos,

nomeadamente de fado, nascendo a figura do empresário. Este desempenhará um

papel muito importante na sua divulgação e organização, em teatros portugueses e

além-fronteiras, através de tournées dos seus intérpretes. Atuavam em África, no

Brasil e nos Estados Unidos, mas sobretudo junto das colónias e comunidades

portuguesas.

Com o fenómeno da internacionalização, o fado assume-se como a Primeira Grande

Canção Nacional nas décadas de 30 e 40 do século XX, ganhando terreno na

literatura, teatro, cinema, rádio e discografia.

No decorrer da década de 30, o fado reveste-se de caraterísticas mais comerciais

com anúncios na imprensa e publicidade na rádio. Publicitavam-se festas,

espetáculos, passagens de ano em espaços fadistas e lançamentos de discos. A

vedeta do fado Maria Alice promove o Ovomaltine, a Amália Rodrigues foi rosto e de

um anúncio do sabonete Lux. Utilizavam-se associações e aproximações ao fado

para vender desde caixas de fósforos a bilhetes de cinema.

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A Poesia Fadista continua fiel à sua génese, narrando as histórias do dia a dia:

amor, saudade, ciúme e paixão. Os temas sociopolíticos eram muitas vezes

censurados no regime de Salazar.

A propósito da ditadura de Salazar é recorrente a piada que dizia que o regime se

baseava nos três efes: fado, futebol e Fátima, para manter o povo entretido e longe

de pensamentos políticos que possam ir contra a imposição repressiva social-

política totalitária. Na ditadura, esta expressão musical sofre maus tratos, passa por

altos e baixos, desde a censura aos poemas do fado, passando pela perseguição

política dos seus adeptos e fadistas, à sua instrumentalização em proveito do

regime.

Dos grandes fadistas da primeira metade do século XX, salientam-se nomes como

Madalena de Melo, Berta Cardoso, Armandinho, Deonilde Gouveia, Júlio Proença,

Maria Alice, Maria Teresa de Noronha, Gabino Ferreira, Manuel Calisto, Júlio

Vieitas, José Coelho, José Porfírio, Maria do Carmo Campos, Joaquim Campos,

Alfredo Marceneiro, Amália Rodrigues e Ercília Costa. Esta última foi a primeira

fadista a internacionalizar-se. Fez várias digressões: ao Brasil em 1936, a França

em 1937, aos Estados Unidos em 1939 e 1947. Grandes músicos da guitarra

portuguesa a acompanharam, como Armandinho e Raúl Nery. Apesar de ser artista

de revista foi no fado que se consagrou, gravando vários discos ainda antes dos

anos 50.

4.3.3. Amália Rodrigues e as outras vedetas do fado - Anos dourados do fado

É com Amália Rodrigues que o fado atinge o seu expoente máximo entre as

décadas 40 e 60. A partir destes anos “dourados”, a internacionalização definitiva do

fado acontece.

Amália correu o mundo, levando consigo a sua voz e o fado. Estreou-se em 1939 no

“Retiro da Severa”; gravou o primeiro disco no Brasil em 1945, conquistando

públicos e admiradores pela América, Europa, Médio Oriente, Ásia e África.

A sua voz deu alma ao fado, com letras de grandiosos poetas como Camões, Pedro

Homem de Mello, José Carlos Ary Dos Santos, David Mourão-Ferreira, entre muitos

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outros.

Falar de Amália é falar de fado e vice-versa. Apesar das origens humildes, teve uma

ascensão meteórica a nível artístico, económico e social durante o regime de

Salazar, fenómeno raro nessa época. Acrescentou ao fado grandiosidade, glamour e

luxo. Conseguiu obter um imparável sucesso além-fronteiras, convertendo-se numa

vedeta internacional, pisando os maiores palcos do mundo, como a mítica sala de

espetáculos parisiense Olympia.

O seu nome e o fado são ainda hoje indissociáveis, tornando-se numa referência tão

grande, que ainda hoje se analisa o fado antes e depois de Amália. O gosto e

respeito por Amália, pela sua voz, pela forma de expressão artística, são

transversais a todas as classes sociais, correntes políticas e gostos musicais.

O fado foi um dos grandes temas a ser tratados pelo cinema português, tendo

Amália em 1947 sido protagonista da longa metragem Fado, História d’Uma

Cantadeira.

Além de Amália, também Alfredo Marceneiro, Hermínia Silva, Lucília do Carmo ou

Fernando Farinha, entre outros, adquiriram também bastante popularidade.

Alfredo Marceneiro é considerado a maior figura masculina no universo do fado do

século XX. Foi compositor, cantor e letrista, deixou uma obra de caraterísticas

únicas, em discos como The Fabulous Marceneiro, Há Festa na Mouraria ou

Saudade. O seu nome de batismo era Alfredo Rodrigo Duarte, nasceu em 1888 em

Lisboa; ganhou o nome de Marceneiro por ter sido esse o seu ofício.

Ganhou a medalha de ouro na primeira Festa do Fado, organizada pelo poeta

António Botto, em 1924, no teatro São Luís.

Compositor de muitos temas carismáticos do fado, como é o caso do Fado do

Marceneiro, tornaram-se clássicos ou fados-tipo, várias vezes adaptados ao longo

dos anos noutras versões, por diferentes fadistas. O «Fado da Mariquinhas» é sem

dúvida o tema mais representativo, no qual se descreve um bordel. Como

curiosidade, foi executada uma maqueta em madeira da casa, pelas mãos do

fadista. Ficou para história consagrado como o Rei do fado popular.

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Em 1947, Lucília do Carmo, mãe do atual fadista Carlos do Carmo, abre a sua casa

de fados no Bairro Alto, na Rua da Barroca, a “Adega da Lucília”, onde atuava com

regularidade. Mais tarde, mudou este nome para “O Faia”, tendo por lá passado

nomes como Alfredo Marceneiro e Tristão da Silva.

Logo no início da década de 50, concretamente em 1952, inicia-se o concurso “A

Grande Noite do Fado”, da responsabilidade da Casa da Imprensa. Inicialmente este

evento realizou-se em Lisboa, e foi responsável pela divulgação e lançamento de

novos talentos, tais como Maria Armanda, Camané, entre outros.

Depois em 1957 com o início das emissões televisivas e até 1974, o fado passa a

ser difundido televisamente, contribuindo para o estrelato de muitos fadistas.

Na década de 60, surgem outros fadistas como Carlos do Carmo, Maria da Fé,

Teresa Tarouca e João Braga.

Carlos do Carmo faz atuações fora de Portugal, em países como Brasil, França,

Espanha ou Alemanha.

Em 1962, Amália lança o álbum mais transformador, intitulado Busto, que inclui os

grandes sucessos “Estranha forma de vida” e “Povo que lavas no rio”. Foi Alain

Oulman o compositor responsável por esta grande inovação musical na altura. É um

marco importante na história do fado, definindo o fado moderno. Outros instrumentos

musicais começaram a acompanhar a tradicional guitarra portuguesa e a viola de

fado.

Amália tem grande sucesso até ao início dos anos 70, decaindo no período que se

seguiu ao 25 de Abril. Recupera notoriedade na década de 80. Foi uma das grandes

embaixadoras de Portugal no mundo, tornou o fado um símbolo da nação,

consagrando-se como um ícone, ou seja, a grande rainha do fado.

4.3.4. O fado depois da ditadura política portuguesa - Os efeitos da Revolução do 25 de Abril de 1974

Com a Revolução de Abril em 74, o fado perde popularidade por estar conotado com

o Antigo Regime. A televisão e outros meios de comunicação reduzem a

apresentação deste género musical e eventos relacionados com o fado são

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cancelados durante algum tempo, como “A grande noite do fado”.

“Numa primeira fase, compreende-se, não só pela conotação do fado com o regime,

mas também porque o espírito progressista da revolução dificilmente se entenderia

com uma música saudosista, tradicionalista, enfim virada para o passado” (Halpern,

2004, p.70).

Após a estabilização da recém-democracia, em 1976, o fado vem a ser recuperado

pelos comunistas, principalmente pelo nome de José Carlos Ary dos Santos.

Só a partir da década de 80 o fado renasce e se fazem compilações em coletâneas

no recém-chegado compact disc, que aos poucos, devolvem o fado ao povo. É

também nessa época que Amália Rodrigues é condecorada com a Ordem do Infante

D. Henrique e recebe a Medalha de Ouro da Cidade de Lisboa.

Se durante anos foram aparecendo vários fadistas, na década de 80 isso não

aconteceu; poucos foram os fadistas que se tornaram conhecidos, à exceção Nuno

da Câmara Pereira, que obteve um êxito considerável e António Pinto Basto, que

iniciou a sua carreira nos anos 70. Durante este período o fadista assina um

importante contrato discográfico com assinalável reconhecimento público. Vários

artistas, compositores e escritores de outras áreas musicais, fizeram incursões no

fado, destacando-se Paulo de Carvalho, José Mário Branco, Rui Veloso e Sérgio

Godinho.

Amália Rodrigues conseguiu ter uma atividade artística regular, salvo os difíceis

anos que sucederam ao 25 de Abril. Consegue um sucesso retumbante a 19 de Abril

de 1985 no Coliseu dos Recreios, consagrando-se definitivamente em Portugal.

É também nos anos 80 que Carlos do Carmo ascende a primeira figura masculina

no fado.

Os Madredeus, iniciam o seu registo discográfico em 1987, interpretam um género

musical com fortes influências do fado. São os grandes responsáveis por levar

novamente a bandeira lusa a muitos palcos internacionais, abrindo novamente

caminho à expressão musical portuguesa e, por associação, levam o fado para o

mundo.

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4.3.5. Novos mercados

Em 1986 Portugal torna-se membro da Comunidade Económica Europeia e abre

fronteiras para a livre circulação de pessoas e bens, abrindo uma nova porta para o

fado.

Nos anos 90, o mundo muda a sua forma de comunicar com o início da Internet.

O fado e os fadistas encontram neste novo canal transmissor uma forma mais rápida

de se darem a conhecer ao mundo num simples clique. O fado passa a estar

presente nos festivais de World Music e em grandes salas de espetáculos,

colocando a música portuguesa num patamar global. O fado evolui e assume novas

formas de se expressar.

Em 1991, Mísia edita o primeiro disco e marca um ponto de viragem nas Edições

Fadistas, pela inovação e ousadia. É percursora do fado espetáculo, canta alguns

poetas pela primeira vez, como António Lobo Antunes. Também se torna

embaixadora do fado ao levar este género musical aos melhores palcos do mundo.

Por seu lado, Dulce Pontes, que projetou mundialmente a canção “Solidão” do seu

álbum Lágrimas, editado em 1993, teve honras ao integrar a banda Sonora do Filme

Primal Fear, protagonizado pelo ator Richard Gere, tornando-se assim a artista mais

consagrada da Europa mediterrânica e uma das maiores representantes do fado no

mundo.

Até ao final do século XX, nomes como Camané, Cristina Branco, entre outros,

consagram-se em Portugal e no estrangeiro; fazendo da sua voz um sucesso e

levando consigo a canção nascida nas ruas populares de Lisboa, que carrega uma

história cheia paixão e simbolismo do que é ser português.

Amália Rodrigues faleceu em 6 de Outubro de 1999, mas ficou o seu legado; não

existe fadista que não a cante. A rainha do fado morre, porém, será sempre

relembrada como um ícone eterno do género musical que a consagrou e que ela

consagrou: o fado.

A década de 90 fica marcada por direcionar cada vez mais o fado para o mundo.

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Com a aproximação do segundo milénio, renasce um despertar cultural, encarnado

em vários artistas – músicos e fadistas - que muito fizeram e continuam a fazer.

4.3.6. O fado no século XXI

Com entrada do novo milénio aparecem novas tecnologias inovam na forma de ouvir

música; passa-se a ouvir música nos computadores, nos ipods e em telemóveis. Há

mais canais de difusão para toda a música, mais cantores e músicos. Dispõe-se de

mais informação sobre o valor do fado, quem canta e quem toca.

Embora as produtoras discográficas tenham problemas no controlo da difusão das

canções e músicas colocadas ilegalmente em muitos sites na internet, mesmo

assim, Portugal e o mundo continuam a comprar discos originais, como coletâneas

de vários fadistas, reedições e edições especiais.

O cuidado em escrever e compor manteve-se, acrescentando uma outra

componente visual, que se verifica pela preocupação com a imagem dos artistas, o

seu guarda-roupa luxuoso e novas expressões corporais ao cantar. Nesta canção

nascida em Lisboa, enaltece-se o talento, a originalidade e o glamour. Os

espetáculos apresentam novos cenários, cores e movimentos. Os fadistas vestem

alta costura, associam-se os fadistas a criações de luxo, o marketing exerce um

papel muito importante para o obter este nível de prestígio. A estética do fado

aumenta cada vez mais a sua riqueza.

Por sua vez, os agentes da música e do espetáculo, passam a promover o fado nas

feiras internacionais de música, como o Miden ou Womex, sendo nesta última aonde

Mariza iniciou o seu percurso musical.

A fadista atingiu de imediato um enorme sucesso de vendas com o seu primeiro

álbum Fado em Mim, conquistando o quádruplo platina em Portugal, no qual se

destaca o tema “Ó gente da minha terra”. Este álbum foi editado pela holandesa

World Connection. Mariza consagrou-se em pouco tempo como a artista portuguesa

da sua geração com maior êxito. Conquistou vários prémios importantes, com duas

vezes nomeada para os Grammy latinos.

Tem feito digressões por todo o mundo, levando a canção que nasceu há mais de

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um século e meio nas tabernas dos bairros pobres de Lisboa para os palcos mais

glamorosos do novo milénio.

A sua carreira tem sido pautada por várias participações notáveis em palco e em

estúdio, ao lado de gigantes da música internacional como Lenny Kravitz, Sting,

Miguel Poveda, Ivan Lins, José Mercé, Concha Buika e Carlos do Carmo. É

atualmente a fadista com mais discos vendidos.

Possui uma voz inesquecível, uma estética inédita, e o seu sucesso é muitas vezes

comparado pelos órgãos de comunicação ao de Amália. Acumula mais de uma

década de êxitos e o seu nome já faz parte da história do fado e da música do novo

milénio.

Na primeira década do século XXI, surgem novos nomes, Kátia Guerreiro, Ana

Moura, que também levaram o fado a todo o lado. Ana Moura é hoje também uma

fadista de imenso sucesso e reconhecimento internacional.

Ouve-se fado em todo o Portugal; aparecem novos fadistas, com diversos estilos e

apresentações; o gosto pelo fado renasce na alma de muitos portugueses, à

semelhança de outras épocas de ouro desta expressão musical. Aumenta a procura

pelos turistas e portugueses por este tipo de espetáculos e casas de fado, com uma

oferta diversificada de preços e categorias. Devido ao seu prestígio, estética,

contexto e estatuto, as casas de fado de renome praticam preços menos acessíveis

aos rendimentos médios portugueses. São os turistas que asseguram a sua

sustentabilidade, representam entre 85% a 90% da receita diária dessas casas. Os

serões daqueles que apreciam o fado são associados a serões de luxo36.

As cantadeiras de fado que se destacam neste novo milénio cultivam um estilo

próprio. São mulheres de prestígio, a anos-luz das primeiras fadistas das origens do

fado. Hoje ser fadista, está na moda, é ser chique e confere notoriedade. Estas

mulheres que cantam e dão alma ao novo fado têm talento comprovado, discos

editados e reconhecimento internacional. Referem-se alguns dos nomes mais

importantes: Ana Sofia Varela, Teresa Tapadas, Maria Ana Bobone, Raquel 36 http://www.dn.pt/portugal/interior/turistas-e-que-salvam-as-casas-de-fado-4428237.html . Acedido a 10 de abril, 2017.

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Tavares, Aldina Duarte e Ana Laíns que cantou com o cantor britânico Boy George

no seu último álbum.

Outras tantas prendem a atenção ao escutá-las e ajudam a viajar no universo da

eterna saudade: Cláudia Leal, Cuca Roseta, Lina Rodrigues, Tânia Oleiro, Gisela

João, Vanessa Alves, Rute Soares, Ana Margarida, Filipa Cardoso, Filipa Tavares,

Débora Rodrigues, Joana Costa, Patrícia Rodrigues, Bárbara Passos e Fábia

Rebordão, são algumas delas.

Entre os cantadores de fado do novo milénio salientam-se António Azambujo,

Ricardo Ribeiro, Pedro Moutinho, Gonçalo Salgueiro, Marco Rodrigues, Duarte,

António Laranjeira, Marco Oliveira e Miguel Ramos.

No ano de 2008, o “Fado da Saudade” interpretado por Carlos do Carmo, ganha em

Espanha o Prémio Goya.

Carminho, em 2009, estreia-se ao editar o seu álbum Fado, conquistando o galardão

de ouro e captando a atenção dos media e dos portugueses.

Se na década de 60 o fado se regenerou e atingiu o seu auge, com contributos de

compositores como Alain Oulman, que elevou Amália a outra dimensão; nesta nova

era, sobretudo no início da segunda década do século XXI, tornou-se um desafio

permanente a mudança, a inovação e a necessidade de o fado se distanciar um

pouco da sua génese, para fazer face à expansão em direção ao mundo global,

dando origem a um novo apogeu. Apresentam-se centenas de espetáculos de fado

pelo mundo fora; aparecem cantores estrangeiros a cantar a canção de Lisboa;

surgiu também um número considerável de lançamentos de álbuns com temas

dedicados ao fado. O gosto das gerações mais novas é cada vez maior, bem como

o aumento constante do interesse dentro e fora de Portugal. Pode-se dizer, sem

exagero, que existe um contágio artístico deste género musical por todo o lado

devido à sua riqueza musical e artística únicas.

Em novembro de 2011, o fado passou a estar inscrito na Unesco como Património

Cultural Imaterial da Humanidade,37 cabendo a todos nós, desde essa data

37 http://www.unesco.org/culture/ich/en/RL/fado-urban-popular-song-of-portugal-00563

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memorável, sermos cada dia mais responsáveis pela salvaguarda e pelo respeito na

divulgação do fado, nosso por direito desde há século e meio. Perdurou no tempo e,

com os tempos, sofreu as mais diversas mutações sem nunca perder a sua

essência: a alma de ser português.

O fado está cada vez mais disponível em vários meios de comunicação e

tecnológicos. O Portal do Fado e A Rádio Amália são exemplo disso. O museu do

fado disponibiliza gratuitamente no seu site na internet o arquivo sonoro digital, que

é constituído por mais do três mil gravações, feitas entre 1900 e 195038. A Cision,

líder global em serviços de media intelligence, realizou um estudo em 2015 que

conclui que a palavra «fado», foi procurada 30986 na internet em todo o mundo39.

O motor de busca Google Portugal tem tido várias iniciativas ao apresentar, nas

datas de determinadas comemorações relacionadas com o fado, doodles com

imagens como Amália Rodrigues40 e Maria Severa Onofriana41. Os doodles são

conhecidos como mudanças decorativas que são feitas no seu logotipo, para

comemorar datas de artistas famosos, cientistas e dias festivos.

O fado continua igual a si próprio, apesar da distância de séculos que o separa dos

nossos antepassados destemidos e aventureiros, que percorreram o mundo em

busca de conquistas: saudade, nostalgia, o exacerbar dos sentimentos levados á

máxima plenitude, a forma de viver portuguesa.

“Estamos a viver uma fase linda, oxalá que não tenha retrocesso!42”

. Acedido a 10 de abril, 2017. 38 http://www.tsf.pt/cultura/musica/interior/primeiros-50-anos-do-fado-disponiveis-5233941.html. Acedido a 6 de Maio, 2017. 39 http://trendy.pt/2015/04/palavra-fado-espalha-o-nome-de-portugal-pelo-mundo/ . Acedido a 6 de maio, 2017. 40 http://expresso.sapo.pt/actualidade/google-homenageia-amalia-rodrigues-video=f663674. Acedido a 9 de maio, 2017. 41 http://visao.sapo.pt/actualidade/cultura/2016-07-26-Ja-pesquisou-no-Google-hoje--A-senhora-a-tocar-guitarra-e-a-portuguesa-que-criou-o-fado . Acedido a 9 de maio, 2017. 42 Chainho, António, entrevista realizada no âmbito da tese, 31 maio de 2017, Lisboa. Ver anexo I, p.319.

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4.3.7. O contexto português e a marca fado

Fatores como a maturidade pós-revolucionária, o renunciar da opressão da ditadura

e as novas escolhas de valores, a entrada de Portugal na Comunidade Europeia e a

crise económica dos últimos anos muito contribuíram para o despertar da procura

das marcas da nossa portugalidade. Os portugueses começaram a olhar para aquilo

que era nacional como algo que nos podia diferenciar e trazer riqueza, deixando

para trás associações tais como o ser português significar pobreza. Também tem

contribuído positivamente para melhorar a imagem da nação, o facto de os

emigrantes portugueses possuírem atualmente formação académica, aptidões

profissionais e talento, fazendo com que os portugueses já não sejam conotados

com adjetivos de pobreza e pouca instrução. Os futebolistas e técnicos do futebol

português, que têm ganhado campeonatos, prémios europeus e internacionais

cooperam no enaltecimento do país. São reconhecidos méritos de cientistas, artistas

e outros profissionais que saíram de Portugal para o estrangeiro. Também as

politicas nacionais, em particular as direcionadas para o exterior, passaram a ter

como objetivos maior divulgação e valorização do património e dos produtos

portugueses, o que fez com que o mundo começasse a reparar em nós e a

direcionar as suas opções de compra e de turismo para o nosso país.

Segundo o documento de estratégia para o turismo em Portugal 2027; ” O ano de

2016 ficou marcado por resultados históricos para o turismo nacional nos principais

indicadores: dormidas, receitas, hóspedes, emprego e exportações, sendo mesmo

considerado a maior atividade económica exportadora do país, com 16,7% das

exportações”43.

As questões de insegurança internacionais, o terrorismo, o facto de os destinos

habituais de férias - que concorriam de forma direta com Portugal - estarem a

passar por convulsões sociais, políticas e económicas, fazem naturalmente com que

o nosso país se torne uma opção segura. Esta notoriedade só é possível porque se

reúnem condições naturais privilegiadas: segurança, simpatia, aumento da

qualidade na oferta turística e de qualidade de vida em geral, maior e melhor oferta

nas opções de lazer e desporto, possuirmos uma das maiores heranças históricas

43 http://www.turismodeportugal.pt/Português/estrategias-turismo/Documents/programa-estrategia-turismo-2027-mar2017.pdf. Acedido a 11 de Abril, 2017.

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do mundo e capacidade em comunicar e transmitir a identidade do país. Tudo isto

faz com que Portugal seja um dos destinos de referência da Europa, fazendo com

que o valor do país “country equity” aumente, ou seja, aumente o valor emocional

dos consumidores. Com esta evolução, a procura que era apenas direcionada para

as praias do Algarve mudou, refletindo-se no aumento da procura por outras

cidades, em particular por de Lisboa. Lisboa que é o berço do fado.

“Existe uma relação umbilical entre o fado e Lisboa, uma pessoa que queira sentir e saber melhor o que é o fado tem de vir a Lisboa, foi aqui que o fado nasceu, é aqui que estão as casas de fado, foi aqui que nasceram muitos fadistas, muitos guitarristas”44.

O facto de o fado ter uma associação muito forte à cidade onde nasceu, ser ícone da

cidade e do próprio país, fez com que a procura do fado aumentasse, tanto nacional

como internacionalmente. O fado passou a ter um papel crucial na imagem do país e

da cidade, ligando os seus habitantes, visitantes, novos investidores e

empreendedores. De acordo com a literatura analisada anteriormente sobre a marca

de um lugar, país e cidade, seguiu-se uma abordagem em que a estratégia foi a de

se considerar a sua perspetiva “umbrela,” que parte de uma marca-país, depois

marca-cidade até chegar à primeira fase de análise do fado como um produto

icónico. Designa-se assim porque sobreviveu no tempo, tem uma história e grande

reputação, e porque as pessoas de várias gerações sempre o admiraram. Por

conseguinte, consideramo-lo uma marca icónica de Portugal. Enquanto ícone

cultural, aporta um valor extraordinário em termos de identidade, porque está

associado às ansiedades coletivas e desejos de uma nação. Os produtos que criam

valor ao nível cultural são aqueles que alcançam o estatuto de ícones. São estes

que competem nos mercados míticos e são esses mitos que estão associados às

aspirações culturais, simbolizando uma ideia ou valor. Depende se esse produto é

capaz de ir ao encontro das expectativas populares e dos desejos subconscientes

que fazem parte da atividade do consumidor. Um produto icónico simboliza não só

uma marca em particular, uma organização, mas também um estilo de vida.

(Holt,2004).

44 Couto, Bernardo, entrevista realizada no âmbito da tese, 31 março de 2017, Lisboa. Ver anexo I, p.219.

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Como já foi referido, o fado internacionalizou-se na segunda metade do século XX.

Nos últimos anos consolidou o processo de internacionalização com uma nova

roupagem artística, conquistou mais notoriedade, adquirindo estatuto, fazendo com

que hoje esteja em plena expansão no circuito mundial da “world music”. Desde 27

de Novembro de 2011 está inscrito na Lista Representativa do Património Cultural e

Imaterial da Humanidade (UNESCO)45, evoluindo nas mais diversas formas de

expressão musical, artística, cultural e comercial. Significa isto que existe uma base

identitária que suporta uma série de valores de excelência e diferenciação, que

premeia o fado face a outros géneros musicais mundiais. A criação de uma marca é

uma maneira de identificar um produto, serviço, nome, pessoa individual, país,

género musical ou o património cultural de um país, como o fado. Quando se fala na

marca fado, não se estão a criar valores ou uma nova identidade, já que estes

existiam previamente, apenas têm que ser identificados, assim como os requisitos

funcionais e as necessidades psicológicas exigidas pelo consumidor. O objetivo é

criar na mente das pessoas que a marca fado é mais desejável do que as

concorrentes; a marca é a base para a vantagem competitiva e para o lucro.

Ao assumir-se o fado como marca, entra-se num território desconhecido e algo

escorregadio, porque se trata de um valor patrimonial que pertence a todos os

portugueses. Cada um de nós vê-o e sente-o de modo particular ou com

determinado estado de alma. Por isso a marca fado tem que ser trabalhada sem se

comprometer a sua integridade artística e cultural; devem realçar-se os valores da

sua identidade, que se confundem frequentemente com os da própria vivência do

ser humano. Como tal, a identidade do fado é enorme se olharmos para a sua

riqueza histórica, cultural e patrimonial ao longo dos tempos. “A dimensão da

identidade da marca é encontrada no seu histórico, longevidade, core values e uso

de simbolismo, que faz com que no entendimento de uma organização a sua história

seja importante” (Urde et al., 2007).

45 http://www.unesco.org/culture/ich/en/RL/fado-urban-popular-song-of-portugal-00563. Acedido a 10 de abril, 2017.

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4.3.8. Relação do fado com a marca Portugal e a imagem nacional.

O fado é constituído por uma fonte extensa de associações. Quando se ouve o fado,

depreende-se que é constituído por uma forte influência de caraterísticas originais

portuguesas. O fado, através das suas letras, expressa a vida e a maneira de sentir

desde sempre de quem é português. Para além das suas caraterísticas artísticas e

musicais, ele tem toda a riqueza patrimonial cultural de Portugal a si agregada;

passou por mudanças históricas, financeiras e sociais, o que faz dele um produto

icónico nacional. Em geral, é feita uma associação imediata na mente das pessoas

com todo o simbolismo e contexto que o ligam, nem que seja de forma sucinta, à

imagem do nosso país. Internacionalmente depende do grau de cultura e da

informação que os estrangeiros possam ter, mas é um facto que quem já visitou

Portugal, ou teve contato com o fado em qualquer parte do mundo, sabe que o fado

é único e nos pertence. Se pensarmos na música country por exemplo, existe uma

associação direta aos Estados Unidos da América. Depende do conhecimento e

formação de cada um ir mais longe e entrar em mais aspetos culturais deste género

musical americano e formar uma imagem aproximada ou exata do que acontece na

realidade. A pesquisa da neurociência cognitiva diz que as nossas escolhas são

influenciadas pelas reações emocionais, das quais muitas das vezes nem chegamos

a ter consciência. Já foram feitas várias experiências de ordem diversa que

permitiram chegar a essa conclusão, e que fazem com que entendamos o mundo à

nossa volta de uma determinada maneira. Segundo Malcolm Gladwell chama-se a

isto: “O poder de pensar sem pensar” (Gladwell,2007).

O fado é um elemento cultural da nossa nação e desempenha um papel importante

na sua imagem, porque representa a consciência da identidade nacional, de

nacionalismo e patriotismo. É, portanto, um elemento da nossa identidade.

Baseando-nos na teoria de Anholt (2002) para definir a imagem de um país, uma

identidade cultural transparente e coesa tem que ser bem definida, todos os

elementos que a constituem têm que ser bem trabalhados, sendo alguns deles a

Arte, a História, a Cultura. É preciso identificar os atributos tangíveis e intangíveis,

para que se possa criar uma identidade interna, sem a qual não se poderá conseguir

transmitir uma imagem positiva para o exterior. O fado, como um desses elementos,

tem por detrás de si uma riqueza artística e histórica, anteriormente já referida, e

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também um aproveitamento comercial. Sendo transversal a vários setores

económicos e sociais, é, com certeza, um dos grandes responsáveis pelo reforço da

imagem da marca Portugal.

Entretanto, quando se trata da marca de um país, está-se ao mesmo tempo a

promover e a criar uma marca para a cultura e património das cidades e outros

lugares. No caso particular da cidade de Lisboa, isso é feito através de alguns

equipamentos municipais, que suportam e promovem o fado, nomeadamente

através do Museu do fado, de todos participantes nesta indústria, dos moradores

dos bairros típicos de Lisboa, dos fadistas, dos managers, e de todos os que

participam neste universo: nacional e internacionalmente. Ao longo dos tempos,

mas sobretudo nos últimos anos, o fado tem trazido para Lisboa um valor cultural e

económico difícil de mensurar; tem trazido uma nova dinâmica que é observada um

pouco por todo lado.

(...) ”As pessoas encontrarão uma maneira de rentabilizar os seus negócios, qualquer tasca, qualquer casinha que abra, a tendência é logo abrir uma casa de fados, porque vêm aí uma forma de ganhar dinheiro, existe muito turismo que pode pagar as refeições muito caras”46.

O fado é hoje uma marca indissociável da Lisboa antiga e da moderna. Os

portugueses e turistas que a visitam sentem diferença na vasta oferta de casas de

espetáculos e outros lugares, onde se pode experienciar o fado e a quantidade

produtos que surgiram por ele inspirados. O simbolismo do fado está em cada rua

da cidade.

4.3.9. A identidade da marca fado segundo o prisma de Kapferer (2004)

Para uma marca ser bem-sucedida é necessário apresentar uma imagem coerente

na mente dos consumidores e estabelecer os benefícios do seu consumo. As seis

facetas do prisma de Kapferer têm que encaixar no centro da essência da marca.

Assim que os seis elementos estejam no seu devido lugar, consegue-se obter a sua

46 Tereso, Raimundo, entrevista realizada no âmbito da tese, 21 fevereiro de 2017, Lisboa. Ver anexo I, p.156.

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verdadeira identidade e imagem. Entende-se como identidade da marca a sua

essência, “ADN”, prisma. Para análise da marca fado foi necessário fazer

adaptações, como património cultural e imaterial, o conteúdo de cada um dos

prismas teve que ter isso em conta.

Analisando a marca fado sob este prisma:

Figura 6. O Prisma da Identidade marca fado, baseado no Prisma de Identidade da marca (Kapferer, 2004)

Ao analisar-se a marca fado, pode-se atribuir como emissor construído todos os

stakeholders, que de forma direta ou indireta participam no controlo ou gestão da

mesma. Como foi mencionado anteriormente, a marca fado vem no seguimento do

estudo das marcas territoriais, e à sua semelhança tem a particularidade de não

depender apenas de uma entidade, e de ser difícil o consenso na sua estratégia de

marketing.

O destinatário construído traduz-se pelo público-alvo que começa nos 25 anos. Nas

rádios o público está numa faixa etária ligeiramente acima, 33.4 anos. Fez-se um

estudo para determinar a idade dos ouvintes da Rádio Amália, concluindo-se que

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tinham entre os 33 anos e os 74 anos, ou seja 4% da população portuguesa47. “É

preciso alguma maturidade para se apreciar o fado (...)”48.

Existe uma exteriorização do fenómeno, ou seja, a projeção dos pontos que definem

o fado enquanto marca, ligando-a aos seus consumidores, que a assimilam de

acordo com a identidade atribuída. No caso do fado, esta identidade é assimilada de

uma forma muito própria face às suas caraterísticas. Para além dos seus atributos

tangíveis, o fado expressa a vida quotidiana e os sentimentos humanos. A música e

a poesia apelam ao lado emocional de quem a escuta, são os principais aspetos

intangíveis do fado que criam uma identificação e um sentimento de pertença de

quem o consome. Não havendo, portanto, necessidade de criar esse conteúdo, mas

sim identificá-lo no seu meio natural, nas suas diversas manifestações, analisá-lo e

organizá-lo segundo cada uma das facetas. Ao identificar-se a identidade da marca

fado, e consequentemente o apuramento da sua imagem, será mais fácil comunicá-

la, tornando-se um instrumento muito útil para ser utilizado na estratégia de

marketing por qualquer stakeholder. Se todos utilizarem a mesma identidade e

imagem na promoção da marca, ela será fortalecida e valorizada. Será mais fácil

identificar o seu capital de marca, ou seja, o seu beneficio funcional e todos os

benefícios intangíveis que ela tem para oferecer.

Não se pretende espartilhar o fado, não se quer etiquetá-lo, trata-se sim de destacar

no fado todo o seu potencial, fortalecê-lo enquanto marca e apontar para uma

estratégia que se pretende que seja unânime e comum. Não obstante, não se deve

esquecer que existe um conjunto de tradições e aspetos culturais a ser preservado

com o devido cuidado, ao qual é importante darmos valor e criar valor. É utópica a

ideia de que a cultura ou uma marca cultural possa perdurar sem suporte financeiro,

porque isso na realidade não existe. É importante criar valor e capitalizar aquilo que

por si já é rico, mas que precisa de um meio que o transforme em retorno financeiro.

A cultura não pode depender apenas das políticas e subsídios do Estado, tem

também que haver iniciativas privadas capazes de fortalecê-la e torná-la

autossuficiente. Para que tal seja possível, há que encarar o facto de que o fado,

47 Madaleno, José, entrevista realizada no âmbito da tese, 6 de março de 2017, Lisboa. Ver anexo I, p.299. 48 Marçal, Manuel, entrevista realizada no âmbito da tese, 6 de março de 2017, Lisboa. Ver anexo I, p. 170.

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para além de ser património cultural imaterial da humanidade, é um ícone nacional e

também uma marca que tem que ser defendida, preservada e comunicada. Deste

modo, a sua comercialização trará um retorno financeiro tão vital como todos os

aspetos culturais e artísticos que dela fazem parte. Os diversos stakeholders diretos

do fado desenvolvem diversas atividades muito diferenciadas umas das outras, mas

que não constituem um meio infinito que não se consiga facilmente identificar as

suas necessidades e apontar para uma identidade da marca fado que possa ser

adotada por todos sem prejuízos.

Físico - O que a marca representa em termos físicos são principalmente os

espetáculos, que podem ser nas casas de fado, em festivais, eventos, concertos,

nas coletividades, entre outras manifestações espontâneas (fado vadio) ou não.

Tudo isto pode ser agrupado em produtos culturais ou produtos artísticos. Os CD e

a música do fado no mundo sonoro digital. As casas de fado, as coletividades e as

escolas de fado são as grandes responsáveis por iniciar e lançar os novos talentos e

ajudá-los a perpetuar esta forma artística.

“As casas de fado trouxeram aos artistas, a profissionalização. Durante décadas essa profissionalização, para a maior parte deles, significava uma vivência quase permanente dentro de portas” (...) ”A casa de fado é o berço de uma grande parte deles. E isso é uma tradição que existe, que deve ser reconhecida e louvada, devido ao mérito das casas de fado”49.

Tanto no canto, como na música, as coletividades são consideradas as incubadoras

dos novos talentos, desde sempre e por tradição, é onde ele se aperfeiçoa. Logo a

seguir ao 25 de Abril, época de grande crise para o fado, coube às casas de fado

manterem-no vivo50. Segundo informação facultada pela diretora do Museu do Fado,

Sara Pereira:

49 David, Jorge, entrevista realizada no âmbito da tese, 9 de maio de 2017, Bairro Alto. Ver anexo I, p. 275. 50 Rodrigues, Marco, entrevista realizada no âmbito da tese, 16 de maio de 2017, Bairro Alto. Ver anexo I, p.295.

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“Existem atualmente cerca de 40 casas de Fado na cidade de Lisboa, 30 com elenco

artístico residente, num total aproximado de 240 artistas ativos diariamente neste

circuito”51.

Existe a crença, que aliás não deve ser desvalorizada, que o valor de um produto,

serviço ou manifestação cultural é constituído pelo seu todo, no caso, pelo

património herdado, em que todos os pormenores contam. Para os fadistas quem

sabe cantar o fado é quem herdou o dom, é uma questão de destino, de sorte ou de

sina, um conceito base deste género musical. Este mito é uma parte do storytelling

que nunca deve ser esquecido na comunicação desta marca. Outro pormenor

curioso é o facto dessa transferência de saber e ajuda formativa nunca serem

desprovidos de enredos e conflitos. Aos mais velhos, por muito que saibam que é

preciso passar o testemunho, é-lhes impossível controlar o ciúme e o mal dizer

acerca dos outros. Este comportamento não acontece apenas nestas situações,

verifica-se que todo o ambiente do fado é caraterizado exatamente por relações

difíceis de gerir, em que as estórias de bastidores estão repletas de conflitos entre

os protagonistas. Em geral, existe no meio do fado um comportamento extremo de

expressionismo nas reações, também coincidentes com a sua génese, e que

perdura até hoje. Mas isto não significa que não existam lindas estórias de amor,

gestos de amizade e altruísmo, não obstante, todas as emoções deste universo são

levadas ao extremo. De uma forma geral, quando se pensa no fado, pensa-se

inevitavelmente nestas caraterísticas intangíveis que compõem a sua génese e que

estão presentes na mente da maior parte dos stakeholders do mercado nacional. O

mesmo não acontece quando o fado é exportado além-fronteiras, especialmente nos

concertos de fado, porque aí a marca é levada previamente com uma determinada

estética e formalismo artísticos muito estanques. Por consequência, os concertos de

fado contribuem fortemente para a divulgação e exportação da cultura portuguesa.

Segundo dados do INE e do IGAC, desde 2011 que se nota um aumento

51 Pereira, Sara, entrevista realizada no âmbito da tese, 5 de março de 2017, via email. Ver anexo I, p. 165.

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aproximado de 50% na oferta e na procura de concertos de fado, tanto nas salas de

espetáculos nacionais como no mundo52.

Os festivais do fado são plataformas culturais e musicais cruciais para divulgação

cultural e fortalecimento da marca ou de atração turística que em muito beneficiam a

marca Lisboa e a marca Portugal. Têm grande importância turística para atração de

mais visitantes para Lisboa, para Portugal, uma vez que desenvolvem associações

no consumidor com o lugar de origem, independentemente de serem festivais para

residentes ou festivais internacionais, ou ainda da estratégia que a marca

desenvolveu. Estes tipos de eventos são geralmente organizados pela comunidade

onde o fado tem laços afetivos ou na comunidade onde ele nasceu. A realização de

tais eventos tem o intuito de promover talentos, sejam eles já estabelecidos ou

emergentes. Está enraizado na sociedade como sendo parte da entidade de um

povo e onde se partilham valores, ideias e experiências.

Quando se fala em eventos não nos podemos esquecer do WOMEX53 , o maior

evento mundial de música profissional, que inclui vários géneros musicais

tradicionais como é o caso do fado. Foi nesta mostra de música profissional que em

2014 a fadista Mariza54 saiu vencedora, afirmando-se definitivamente numa carreira

internacional. Outros eventos têm surgido no mercado nacional, da responsabilidade

de várias empresas que se dedicam a levar o fado para fora dos circuitos

tradicionais. Entrevistámos os responsáveis de empresas de eventos que

disponibilizam espetáculos à medida para diversas entidades particulares e

empresariais. O fado e a responsabilidade social andam de mãos dadas através da

ONG AIDGLOBAL. Esta é responsável por realizar um espetáculo de fado anual no

teatro São Jorge, com o intuito de angariar fundos para solidariedade social55.

Igualmente com o propósito de preservar o fado e dar-lhe continuidade, juntar as

pessoas que têm afinidades com ele, as coletividades nacionais e internacionais são

focos de dinamização de diversas iniciativas, sejam elas espetáculos ou ensino da

52 Pereira, Sara, entrevista realizada no âmbito da tese, 05 março de 2017, via email. Ver anexo I, p. 165. 53 https://www.womex.com . Acedido a 15 de maio, 2017. 54 http://caras.sapo.pt/famosos/2014-10-27-Mariza-recebe-o-premio-Artista-Womex-2014 . Acedido a 15 de maio, 2017. 55 http://www.aidglobal.org/#d-0-226 . Acedido a 12 de maio de 2017.

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guitarra portuguesa e de canto. São uma forma de convívio e de manter vivos os

costumes e as tradições portuguesas.

Para além do eterno vinil em edições exclusivas, a marca fado tem também como

produtos os cd, podendo a sua música ser adquirida através das plataformas

sonoras digitais, que existem graças ao rápido desenvolvimento tecnológico a que

hoje assistimos. Nestas plataformas digitais é possível ouvir música em qualquer

altura e em qualquer lugar; também é viável a comercialização e o retorno

económico através destas vias. Estes suportes fazem parte da indústria da música,

que igualmente asseguram capital cultural e humano.

De acordo com a pesquisa efetuada, concluiu-se que quando se pensa no fado se

associa principalmente à melancolia, à saudade (palavra sem tradução em outras

línguas), às emoções, à nostalgia e ao destino, em que as palavras saudade e

destino contêm uma carga simbólica mais forte e que melhor definem o próprio fado.

A saudade foi e é cantada e sentida. Vale a pena recordar “O fado da saudade”,

cantado por Amália no filme Fado, história de uma cantadeira, realizado por

Perdigão Queiroga, no ano de 194756 . A palavra saudade pode atuar na mente dos

consumidores de duas maneiras distintas, dependendo se são nacionais ou

estrangeiros. Para os portugueses a saudade está na sua genética, faz parte da

essência do espírito luso, da sua expressividade, e é um fator identitário de Portugal.

Saudades de quem partiu, ao longo dos séculos, deste pequeno país periférico à

procura de melhores condições de vida; saudades de quem ficou. Para os

estrangeiros a saudade tem que ser aprendida, ensinada, assinalada como uma

forma de sentir portuguesa, muito particular, única. Se a saudade foi inspiração de

muitas obras literárias nacionais, na pintura e em outras formas de arte, a saudade

poderá ser utilizada pelo marketing como o mote para campanhas publicitárias, por

exemplo, quando se apela para o retorno a Portugal para matar as saudades do

fado. “O Fado significa a saudade e o orgulho em ser português”57.

O fado ou o destino significam a mesma coisa, mas na alma do fadista nunca

houve, nem existe o conformismo, esse foi transformado em queixume, na

56 https://www.youtube.com/watch?v=uPq3oW8_vCI . Acedido a 18 de maio, 2017. 57 Alcina, Maria, entrevista realizada no âmbito da tese, 26 de abril de 2017, via email. Ver anexo I, p.251.

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esperança de se mudar a sorte ou o rumo traçado desde a nascença. O destino

triste, trágico ou feliz é da vontade de algo superior e transcendente ao homem, o

fado só o pode expressar. “As almas fortes atribuem tudo ao destino; só os fracos

confiam na vontade própria, porque ela não existe. O fado é o cansaço da alma

forte, o olhar de desprezo de Portugal ao Deus em que creu e também o

abandonou” (Pessoa, 1929, p.6).

A marca fado é obra dos homens que podem conduzir o seu destino ao torná-la

mítica e desejada. A experiência do fado, enquanto conceito destino, associa-se à

transcendência ao elevar os sentidos, à ligação e dependência de algo maior.

A música, a poesia e o canto materializam o fado. A música é composta pelos

instrumentos base: a guitarra portuguesa, viola e a viola baixo. Foi com o fado de

Amália Rodrigues que se deu um salto qualitativo na poesia do fado, que nunca

mais parou de evoluir. “ A poesia portuguesa é das mais completas do mundo”58.

A guitarra portuguesa, única no mundo, é também um dos grandes ícones

associados ao fado, ainda que muitos insistam em que este não seja encarado como

o primeiro símbolo para o logotipo. Todavia, este é sem dúvida aquele que persiste

no imaginário nacional. A guitarra portuguesa pela sua produção artesanal, materiais

nobres, escassez, tradição de quase dois séculos, por não ser acessível a todos e

pela sua produção ser assegurada por poucos mestres, tem fortes atributos de um

produto de luxo. “Chegavam a esperar dez anos por uma guitarra feita por mim”59.

Existiram e existem muitas cores no fado; mais uma vez há que referir que o fado

canta a vida e a vida tem momentos tristes e também momentos coloridos, emoções

e sentimentos que também se podem traduzir por cores, as quais se refletem nas

cores do fado, e por consequência na sua marca. Mas as cores que persistem e

predominam ao longo dos tempos são, sem dúvida, o preto do traje dos e das

fadistas, o preto do queixume e o dourado das filigranas.

58 Moutinho, Pedro, entrevista realizada no âmbito da tese, 29 de maio de 2017, Bairro Alto. Ver anexo I, p.308. 59 Grácio, Gilberto, entrevista realizada no âmbito da tese, 8 de maio de 2017, Alfragide. Ver anexo I, p.267.

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(...) “o fado apesar de tudo ainda tem um lado um bocadinho bafon e um bocadinho antigo que não desapareceu por completo: o uso do preto associado ao fado não desapareceu, o uso de dourados e prateados para ilustrar uma certa riqueza também não desapareceu”60.

Os guitarristas e os fadistas são os artistas que figuram a classe criativa da marca

fado, tendo um papel preponderante como líderes de opinião, alguns chegam

mesmo a ser ícones indissociáveis da marca.

Relação - No meio artístico e cultural do fado existem duas expressões que

traduzem claramente a relação do fado com o seu público: a frase tradicional

“Silêncio, que se vai cantar o fado!” e a expressão “O fado acontece.”

No início, quando se cantava o fado, não havia microfone. A voz do fadista e a

música das guitarras tinham que se impor sobre o barulho do público, surgindo

então esta expressão: “Silêncio, que se vai cantar o fado!” As pessoas mais velhas

dizem que às vezes esta disciplina não era nada pacifica; pedia-se silêncio, mas

devido à freguesia ter pouca educação, os que não se calavam chegavam a ser

silenciados à tareia. Só depois de se baixarem as luzes, os artistas começavam a

cantar e a tocar. Hoje a tradição mantém-se: os fadistas fazem questão de não

utilizar os microfones e projetarem a sua voz, é uma questão de força artística,

principalmente nas casas de fado em que o espaço permite fazê-lo, as luzes

diminuem e a frase é dita pela fadista ou o fadista. Tornou-se num ritual, é uma

frase-chave no mundo fadista. Esta frase traduz a relação que se anseia com o

público ou consumidor. Quer-se toda a atenção do cliente para o que vai acontecer,

o ambiente é único e extremamente intimista. Transpondo para a marca fado, pode

dizer-se que a exiguidade do espaço fadista pretende abarcar o máximo de

consumidores atentos que lá couberem; pede-se a máxima atenção. Enquanto o

fado estiver presente, não existe mais nada nem mais ninguém, apenas a

comunicação do fado com o seu público-alvo é que é importante, tudo o resto é

ruído.

Nesta relação quase utópica e desejável por qualquer marca, o fado impõe-se e os

consumidores submetem-se de modo a experimentar todas aquelas emoções. A 60 Ribeiro, Maria João, entrevista realizada no âmbito da tese, 29 de março de 2017, Lisboa. Ver anexo I, p.210.

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marca fado cria uma relação estreita com a esfera social, concentra interesses e

valores afins, fortalece a união e a coesão grupal.

Para que o fado aconteça, tem que se reunir um conjunto de fatores todos

relacionados com a emotividade. Mesmo tendo a mesma audiência em dias

diferentes, no mesmo espaço físico e com os mesmos artistas, o fado acontece de

maneira diferente. Depende tudo do estado de alma: de quem interpreta os poemas

e entoa a voz, dos músicos e do estado emocional de quem assiste. Tem que haver

sintonia. Essa ligação e ambiência definem como a relação será estabelecida. Outra

relação com esta expressão tem a ver com o facto de o fado acontecer muitas vezes

também de improviso: uma voz e guitarras, comida e bebida e o fado acontece. É

próprio da sua génese esta agregação espontânea e circunstancial.

Ainda ligado a esta expressão, pode deduzir-se que o fado acontece como obra do

destino, da inspiração recebida de uma entidade superior. Novamente a questão da

sorte, da sina, do destino estão subjacentes nesta frase.

Transpondo esta relação para a marca fado, remete-se para a exclusividade e

unicidade do fado. Oferecem-se experiências exclusivas, únicas e irrepetíveis que

apelam à transcendência.

Reflexo - O reflexo da marca fado tem uma forma própria de se mostrar como

elemento da portugalidade, cá dentro e para o mundo.

O fado nasceu nos bairros pobres, típicos, urbanos de Lisboa, num antro de

vicissitudes, teve momentos áureos, mas também foi negligenciado. Ainda há cerca

de duas décadas uma grande parte dos portugueses via o fado como um estilo

musical “piroso”, decadente, e desdenhavam de quem o ia ouvir, pouco valorizavam

a sua riqueza cultural. Mas o fado evoluiu, e devido à nova abordagem artística que

tem vindo a adotar, pelo facto de ter passado a património da humanidade, a par de

uma crescente valorização daquilo que é nosso, fez com que os portugueses se

aproximassem do fado e passassem a ter orgulho de o exibir nos palcos do mundo

inteiro. Reconhecido além-fronteiras, é uma nacional equitity, um produto icónico

comercializável e uma marca de Portugal.

O fado é um dos elementos fulcrais da nossa portugalidade; é uma expressão da

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alma portuguesa; tem um papel muito importante no reconhecimento da identidade

dos portugueses.

O ambiente do fado ganhou glamour com a fadista Amália Rodrigues. Ela pisou os

melhores e mais conceituados palcos do mundo, levou a nossa riqueza na voz;

vestia-se com requinte e ornamentava-se com aquilo que era tradicional e nosso, no

caso, as filigranas. Atualmente esse glamour manifesta-se nos espetáculos, nos

concertos, e até em certas casas de fado. Os fadistas de hoje têm agendas

sobrecarregadas. Elas são divas à portuguesa, usam vestidos de alta costura nos

seus concertos e fazem duetos com outros cantores famosos de outros géneros

musicais, oriundos do mundo inteiro. No último concerto de Plácido Domingo, no

pavilhão de espetáculos Meo Arena, em Portugal, a fadista Katia Guerreiro fez um

dueto com o tenor e juntou os seus guitarristas com a Orquestra Sinfonieta de

Lisboa, cantando vários fados61.

Nacionalmente, o fado continua a ser para todos, é transversal às várias classes

sociais e económicas; existem várias maneiras de o experimentar que se podem

ajustar aos diversos orçamentos dos portugueses, podendo aí a experiência ser

menos faustosa e mais popular.

Portanto, existe uma bifurcação no reflexo da marca fado, um caminho que aponta

para a vertente popular e o outro para a vertente glamourosa.

Quem procura o fado obtém invariavelmente uma experiência emocional. Ninguém

consegue ficar indiferente num ambiente em que o fado esteja presente, ou se ama

ou se odeia. Há mesmo quem fique arrepiado, sobretudo em ambientes mais

intimistas, portugueses e estrangeiros. Um dos fenómenos mais incríveis é o facto

dos estrangeiros não percebendo a letra, renderem-se mesmo assim ao encanto do

fado.

Para os turistas trata-se de um espetáculo típico português, quando visitam Lisboa é

uma das experiências culturais que desejam vivenciar. Já o conhecem, apreciam e

procuram, não só como forma cultural como também artística e de entretenimento.

61 http://www.dn.pt/artes/interior/um-domingo-pouco-placido-no-regresso-a-lisboa-8498791.html . Acedido a 23 de maio, 2017.

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Visitam o Museu do Fado, a Casa Museu Amália Rodrigues e os bairros típicos de

Lisboa, onde tudo começou. Jantam nas casas de fado, passam pelas tabernas,

onde assistem ao chamado fado vadio - o fado vagabundo e popular, que tem como

princípio que qualquer transeunte pode participar cantando -. Muitas vezes os

fadistas profissionais, honrando a tradição, também participam. Segundo a

investigação realizada pelo psicólogo Gonçalo Barradas, o fado evoca emoções que

contribuem para o bem-estar das pessoas que o ouvem62.

Personalidade - Trata-se da faceta do prisma, que tem a responsabilidade de

mostrar as capacidades da marca fado, como se manifestam os seus atributos, o

seu estilo.

Associou-se ao fado a personalidade da alma lusitana, cujas caraterísticas

remontam a um passado talhado pela história e tradição, que lhe conferem

autenticidade. A alma lusitana é a expressão que tem associado um lugar físico com

uma origem bem definida. Descende do antigo povo pré-romano, estabelecido entre

o rio Tejo e o rio Douro e as províncias espanholas de Cáceres e Badajoz. A alma

lusitana transmite uma maneira muito própria de ser e de estar no mundo. Reflete

um instinto de sobrevivência muito grande, de superação ou de se sucumbir às

adversidades. Talvez por isso nos tornámos num povo dono de um território

expandido para além dos limites terrestres, quando se lançou e conquistou sem

medo o oceano Atlântico, conquistando ainda mais terras e riquezas. Fomos donos

de um dos maiores impérios da história. Hoje, ser lusitano significa que se é

português. O fado é único e é português e reflete a alma das suas gentes.

Existe uma relação do fado associada à alma e ao destino do povo português. Faz

parte da identidade nacional sendo a cultura o seu elo mais forte de ligação.

Bebendo da alma lusitana, o fado tem caraterísticas essencialmente fatalistas.

É bem caraterístico da alma lusitana o sentir da saudade, “O desejo é a parte

sensual e alegre da saudade, e a lembrança representa a sua face espiritual e

dolorida, porque a lembrança inclui a ausência de uma coisa ou de um ser amado

62 http://www.sabado.pt/vida/detalhe/o-fado-contribui-para-o-bem-estar-de-quem-o-ouve . Acedido a 23 de março, 2017.

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que adquire presença espiritual em nós” (Pascoaes, 1978, p. 94). Existe na saudade

um estado duplo, ou se festeja ou se chora, ou se está alegre ou triste, numa

nostalgia permanente do passado ou do futuro. E o fado bebe deste estado. A alma

lusitana carrega a dor, dos amores vividos e por viver, “A eterna angústia do mundo

é eternamente redimida nas canções dos poetas” (Pascoaes,1987, p. 41). O fado de

acordo com a sua alma, não é triste nem alegre, situa-se no intervalo entre um

estado e outro. (Pessoa,1929).

O romantismo da alma lusitana também atinge o fado, que sente o amor de forma

profunda e as paixões violentas.

A fadista Raquel Tavares afirma: “Que o sentimento que o fado imprime seja

interpretado por cada fadista com a força e devoção que o fado merece. O fado

reflete a nossa portugalidade, o nosso orgulho e alma do povo lusitano. Quando se

dá voz e um corpo ao fado, carrega-se este símbolo enorme da nossa história”63.

A personalidade do fado é independente. Expressa uma vontade própria que não se

deixa comandar, vai de boca em boca e liberta as ansiedades e desejos de quem o

canta e de quem o ouve. O fado “Estranha forma de vida”, interpretado pela fadista

Amália Rodrigues, espelha bem o âmago da personalidade da marca fado64.

A marca fado é sentimentalista, o fado canta e faz sentir os sentimentos humanos

mais profundos. A fado canta a vida dos homens e todos os sentimentos que estes

têm até à morte.

É rebelde. Nas suas origens, o fado era associado a todos aqueles que eram

marginalizados pela sociedade, que não seguiam as regras, conseguindo-se impor

pela sua forte convicção e rebeldia. Nasceu dos incultos e hoje pertence também

aos doutos. Traçou as suas próprias regras e venceu. Ultrapassou as regras

impostas, conservou-se na sua essência e continua a evoluir em outras formas de

se expressar que, mais uma vez, suscitam desacordo.

63 http://www.esev.ipv.pt/dacomunicacao/index.php/2016/06/26/a-afeicao-do-publico-tem-crescendo-e-agradeco-profundamente/ . Acedido a 28 de maio, 2017. 64 https://www.youtube.com/watch?v=uFgctURyGp4 . Acedido 28 de maio, 2017.

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A personalidade do fado é a de uma diva, personificada pelas mulheres do fado ao

longo destes dois séculos, na sua base, sempre o foram e continuam a ser.

Esquecendo o lado mais sombrio e violento dos ambientes da origem do fado, as

primeiras mulheres que o cantaram, pelo facto de juntarem a luxúria, a sedução e a

irreverência aos momentos e ambientes do fado, tinham os homens aos seus pés,

eram desejadas, idolatradas, projetavam a sua voz e impunham muitas vezes a sua

vontade. Embora o fado também seja dos homens, relembramos as nossas divas

passadas, desde a Severa até à eterna Amália. Hoje as novas cantadeiras do fado

viajam pelo mundo inteiro, pisam os mais conceituados palcos e vestem-se com

vestidos de alta costura, são mulheres dignas e continuam a encantar com as suas

vozes os amantes do fado. (...)”o fado é grandioso e associá-lo à alta costura

imprime-lhe um carater único, ao qual não se fica indiferente”65.

São muitas as mulheres e os homens que deram e dão corpo ao fado e à sua

marca, mas de modo a dar uma expressão mais realista da marca. A unanimidade

do nosso estudo converge para a rainha do fado, Amália Rodrigues, como sendo a

personalidade que mais se associa à marca. Existe uma ligação direta do fado a

Amália, sendo ela igualmente ícone e um símbolo nacional, é recordada e adorada

por todos. Foi pioneira na internacionalização do fado, levando-o aos mais

conceituados palcos da Europa e de outros pontos do globo. De origens humildes,

tal como o fado, conseguiu subir os degraus da escala social e concedeu o mesmo

desígnio ao fado, quando decidiu dar-lhe outros arranjos musicais, colocando poesia

de poetas consagrados portugueses nas letras, elevando assim o seu estatuto

artístico e cultural. Assumiu corajosamente o fado canção no seu reportório, apesar

de ter sido muito contestada na época. Mas a vontade de inovar e de chegar a um

público mais alargado nacional e internacional foi mais forte e deu os seus frutos.

Apesar de Amália se ter vestido de muitas cores na apresentação dos seus

espetáculos, ficará para sempre na memória o vestido clássico preto e o inseparável

xaile. Pela invulgar postura e imagem conseguiu imprimir no fado uma imagem mais

sofisticada, mais moderna, muito contrária à imagem primitiva. Pode afirmar-se que

há um fado antes e depois de Amália.

65 Rolo, João, entrevista realizada no âmbito da tese, 01 de abril de 2017, Lisboa. Ver anexo I, p.227.

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Possuidora de uma grande voz, força interior, emoção e inteligência, conseguiu

fazer da sua voz a voz dos portugueses.

Independente, inteligente, magnética, talentosa, forte, misteriosa, nostálgica,

magoada, sofredora, fatalista, triste, melancólica, supersticiosa, religiosa, noturna,

por vezes resignada com a sua própria vida e morte, feliz, popular, tornou-se erudita,

inovadora, visionária, sofisticada, requintada, voz do povo português, diva

portuguesa, são as principais caraterísticas da sua personalidade. Amália Rodrigues

personifica o fado.

Foi apelidada por David Mourão-Ferreira de “heterónimo de Portugal (Ferreira, 1999,

p.12), pela sua capacidade de expressar a identidade portuguesa. Amália não foi

única num milhão, ela foi e será única no seu género.

Cultura - O fado nasceu em Lisboa, nos bairros típicos de Lisboa, de origens

populares e humildes, e sempre deu voz ao sentir do povo português. Tornou-se

num ícone de Lisboa e de Portugal, através da sua herança e riqueza cultural. Com

sensivelmente dois séculos de história, representa um dos maiores patrimónios dos

portugueses, representando o mais tradicional e emblemático género musical

português. É único, original, não existindo outro no mundo. Tem vindo a evoluir,

atualizando os seus fundamentos, e tem sido exportado como um dos maiores

produtos culturais de Portugal, para os mais conceituados palcos do mundo. A

UNESCO declarou o fado Património Cultural Imaterial da Humanidade, no dia 27

de Novembro de 2011, em Bali, na Indonésia66.

De acordo com a informação facultada pelo (Museu do Fado [CML/EGEAC], 2017),

todo o processo de candidatura foi desenvolvido pelo Museu do Fado e foi aprovado

por unanimidade por todas as forças políticas, desde da Câmara Municipal de

Lisboa à Assembleia da República, em consenso, visto que se compreendeu a

importância deste elevado reconhecimento67.

66 Decisão da UNESCO, Fado, urban popular song of Portugal. Ver anexo III p.327. 67 Pereira, Sara, entrevista realizada no âmbito da tese, 5 março de 2017, via email. Ver anexo I, p.160.

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Tal distinção comprova, a capacidade de tornar o fado, um produto cultural urbano

numa obra universal. Igualmente reconhece a sua riqueza cultural, fruto da

criatividade de um povo.

“A sua inscrição na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da

Humanidade (UNESCO, 2011), traduziu-se num marco fundamental na revitalização

e na promoção local e internacional do género”68.

O estatuto do fado foi elevado, inaugurando um novo desafio deste género musical;

cabe agora a todos preservá-lo e divulgá-lo, engrandecendo-o ainda mais. Hoje o

fado consta de uma lista que pertence também a outras culturas, englobando um

território mais lato, o que muito honra todos os portugueses.

Mentalização - Há cerca de três décadas os portugueses tinham um certo

constrangimento em admitirem que gostavam do fado; achavam que o fado era um

género musical ouvido apenas pelas gerações mais antigas. Neste momento, este

tipo de opiniões pertence ao passado. O fado está na moda, muitos querem ser

fadistas. Os jovens procuram o fado vadio, aquele que é cantado e tocado nas

tascas típicas, lugares mais económicos que uma casa de fado, frequentam as

coletividades e vão aos concertos de fado. Para eles essas atividades culturais

transformaram-se em serões divertidos: os jovens sentem-se “cool”, experimentam

um sentimento de pertença ao grupo e de reconhecimento das suas origens.

“O fado está na moda cá, e conseguimos ver isso em pessoas que vão ao fado, porque vão aos fados e depois estão lá e dizem «Eu nem gosto de fado...», mas vão, porque está na moda. E depois nota-se pessoas a converterem-se ao fado, a começarem a apreciar”69.

O orgulho nacional relativamente ao fado está de volta, não se sabe bem se vem

para ficar, mas o certo é que existe. Os portugueses já procuram mais o fado e há

quem viva economicamente apenas do fado, atribuindo-se isso à sua nova

68 Idem. 69 Manuel, Marçal, entrevista realizada no âmbito da tese, 6 de março de 2017, Lisboa. Ver anexo I, p.171.

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roupagem, à nova geração de fadistas, e ao reconhecimento do fado pela UNESCO

em 2011. Tudo junto faz com que os portugueses sintam que estão na moda.

Para Carlos Coelho, hoje vive-se aquilo que ele sempre aspirou para o fado,

(...) “a última ou as duas últimas gerações de fadistas trouxeram quase o meu sonho do fado, que era uma coisa sensual, uma forma linda de projetar a poesia portuguesa e a língua portuguesa, a guitarra portuguesa, com uma intensidade extraordinária”70.

Também existe a consciência de que o fado é um dos maiores símbolos culturais

portugueses, tanto do público interno como externo. No estrangeiro já não são só os

emigrantes que pela ligação à pátria, vão aos espetáculos de fado um pouco por

todo o mundo. Também se encontram os estrangeiros, atentos à cultura do nosso

povo. Existe um sentimento generalizado de enriquecimento cultural. O mesmo

acontece com os turistas que visitam Lisboa e outros lugares do país onde começam

a aparecer espetáculos de fado, para eles não é só pelo simples entretenimento,

mas também vêm conhecer um pouco mais da nossa cultura.

Conclusão - Os resultados acima demonstraram que a identidade da marca é um

conceito que poderá ser aplicado a um género cultural, nomeadamente ao fado.

Considerou-se que as facetas do prisma relativas ao físico, relação e reflexão,

representam a expressão social da marca fado, que significam os componentes

visíveis, enquanto que os restantes componentes - personalidade, cultura e

mentalização - dizem respeito ao mundo subjetivo da marca, que fazem eco no lado

direito do prisma. O fado pode ser tratado como uma marca que tem certas

caraterísticas que resultam na diferenciação de outros géneros musicais. O fado

nunca foi formalmente submetido a um estudo exploratório sobre a sua identidade

de marca. Como tal, os seus resultados têm que ser considerados como um ponto

de partida para todos os intervenientes que participam na sua gestão e divulgação.

O resultado obtido para a construção da identidade desta marca foi baseado em

toda a recolha de informação, feita através das entrevistas, artigos na internet,

notícias, experiências e contacto direto no ambiente do fado e análise bibliográfica.

Foi igualmente de extrema importância fazer uma analise da história do fado mais

70 Coelho, Carlos, entrevista realizada no âmbito da tese, 13 fevereiro de 2017, Lisboa. Ver anexo I, p.147.

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aprofundada, para compreender-se os alicerces fundamentais. Ao mesmo tempo,

para a construção do prisma analisou-se o fado, não só pelo seu carácter cultural

como nas suas dimensões físicas e emocionais. Ou seja, na dimensão física

considerou-se todo o conjunto de fenómenos associados à indústria que gravitam à

sua volta. Na dimensão emocional, o fado é uma forma cultural e artística que

produz emoções que transcendem o que é comum em outros géneros concorrentes.

Julga-se ter conseguido fazer um levantamento claro de todas as caraterísticas

principais da marca fado e assim obter a sua imagem.

O que é preciso é que os gestores que queiram utilizar a identidade obtida

compreendam que esta é a essência da marca fado, aquilo que devem comunicar

aos seus públicos-alvo. Especialmente desenvolver estratégias e ações de acordo

com esta identidade, de modo a assegurar a coerência em todas as relações do

fado com o seu publico, o que lhes concederá maior credibilidade e fortalecerá a

própria essência da marca.

5. O LUXO

5.1. O luxo em Portugal

Apesar do mercado do luxo em Portugal ser pequeno e com pouca expressão71,

tem-se assistido nos últimos cinco anos a um progressivo crescimento. O nosso país

posiciona-se como um destino com grande potencial na oferta do luxo, sobretudo

nos setores imobiliário e turístico. Carlos Ferreirinha, consultor de marcas de Luxo

internacionais, menciona: “É absolutamente fascinante reconhecer que Portugal vive

um momento atual de esplendor”72.

Contrariando as opiniões que Portugal não tem dimensão para trabalhar o segmento

do luxo, a verdade é que este continua a crescer em contraciclo em relação à crise

económica que se fez sentir nos últimos anos. A confirmar esta tendência é o facto

71 Paraíso, António, entrevista realizada no âmbito da tese, 18 de abril de 2017, via email. Ver anexo I, p.246. 72 Carlos Ferreirinha, Revista Expressions, Rubrica: A reinvenção de um país. fevereiro/março 2017, Brasil. Ver Anexo II, p.324.

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de Portugal estar na 20ª posição entre os países com maior número de hotéis 5

estrelas do mundo, reforçando a ideia que existe um aumento na procura e oferta de

turismo de qualidade. O aperfeiçoamento gastronómico nacional faz com que hoje

existam vinte e um restaurantes com estrelas Michelin espalhados pelo país.

O hotel de 5 estrelas Four Seasons Hotel Ritz, em Lisboa, recebeu a maior

conferência do mundo sobre o mercado do Luxo, Business of Luxury Summit73, no

passado mês de Maio, cuja a organização é da responsabilidade do Jornal britânico

Financial Times. A editora de moda Jo Ellison explica que a escolha de Lisboa foi

decidida já na conferência do ano passado, que decorreu em São Francisco.

(...) “quando conversávamos sobre o incrível renascimento da

cidade a nível cultural e percebemos que todos partilhávamos a

perceção de que Portugal, e Lisboa em particular, é hoje um

dos melhores sítios para se estar e para aproveitar. Foi

considerada pela Condé Nast Traveller como a cidade mais

cool do mundo no ano passado, receberam a Web Summit em

novembro, têm imensa arquitetura moderna e têm uma

gastronomia incrível que está a ganhar popularidade”74.

São esperados mais dois eventos do setor do luxo em Lisboa, um no final de Junho,

a INNOCOS Summit, evento dedicado à cosmética onde a luxuosa marca Chanel

estará representada, o outro, realiza-se a 19 de Abril do próximo ano. Trata-se da

conferência do grupo Condé Nast, que agrega publicações como a Vogue, GQ e

Vanity Fair.

Em 2016 o imobiliário de luxo em Portugal, correspondeu a 6% do total (120 mil)

casas vendidas. Foram 7489 imoveis de luxo e alto luxo, com preços acima dos 400

mil euros, o que corresponde a uma média de 20 casas por dia75. Estes imóveis são

adquiridos especialmente por estrangeiros nas zonas de Lisboa, Cascais, Sintra e

73 https://live.ft.com/Events/2017/FT-Business-of-Luxury?reference=twitter&utm_campaign=2017pftbusinessofluxuryportugal&utm_medium=twitter&utm_source=soc. Acedido a 10 de junho, 2017. 74 https://www.dinheirovivo.pt/outras/mercado-do-luxo-ja-vale-quase-5-do-pib-sao-9000-milhoes/ . Acedido a 10 de junho, 2017. 75 http://expresso.sapo.pt/economia/2017-03-04-Vendem-se-20-casas-de-luxo-por-dia-1 . Acedido a 10 de junho, 2017.

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Algarve. O regime fiscal desempenha um papel importante, visto que oferece dez

anos de benefícios fiscais. Em 2016 vieram 10 mil estrangeiros para Portugal, “a

grande maioria são franceses pertencentes a um segmento alto, que vão alimentar a

procura pelo imobiliário de luxo”76, e a atribuição dos vistos gold, dos quais 95%

resultam de investimentos imobiliários, feitos por investidores brasileiros, chineses e

alguns oriundos do Médio Oriente77.

No que se refere ao retalho do luxo em Portugal, verifica-se desde a década de 90

um crescimento gradual no número de lojas de grandes marcas de moda e

acessórios de luxo, fixando-se geralmente em Lisboa. Esta é a cidade do país onde

se pode encontrar um leque de ofertas mais variado, atendendo às limitadas

dimensões socioeconómicas portuguesas e comparativamente à expressão que este

tipo de oferta tem noutros países. Lisboa foi considerada a nona melhor cidade para

o consumo do luxo a nível internacional78. Marcas como Louis Vuitton, Hermès,

Montblanc, Cartier, Miu Miu, entre outras, marcam presença na Avenida da

Liberdade, a zona de eleição das marcas de luxo. Até ao momento não se dispõe de

dados concretos sobre a riqueza que este setor traz para a economia. Contudo,

sabe-se que algumas das razões que têm impulsionado a economia do país no que

diz respeito ao retalho de luxo, são o aumento do turismo, melhor atendimento, clima

ameno, mais destaque do nosso país em acontecimentos desportivos internacionais,

segurança, hospitalidade, aspetos culturais e históricos.

Em suma, Portugal está no caminho certo para trabalhar o luxo, além de que

usufruímos de outros componentes interessantes: riqueza histórica e patrimonial,

tradição, modernidade, autenticidade, artesanato, que em conjunto com outras

condições ajudam a explorar este segmento. Cabe agora a cada sector da atividade

económica posicionar-se nesse sentido, através da inovação, investigação, design,

utilizando o marketing para criar oferta de produtos e serviços de excelência e

elevado valor acrescentado.

76 https://www.dinheirovivo.pt/outras/mercado-do-luxo-ja-vale-quase-5-do-pib-sao-9000-milhoes/ . Acedido a 10 de junho, 2017. 77 http://www.construir.pt/2017/06/07/quintela-penalva-debate-imobiliario-enquanto-alavanca-do-crescimento-economico/ . Acedido a 10 de junho, 2017. 78 Lopes, Nuno Duarte, entrevista realizada no âmbito da tese, 6 de abril de 2017, via email. Ver anexo I, p.243.

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5.2. A marca fado e a Identidade de uma marca de luxo Para entender se a marca fado pode posicionar-se como marca de luxo, é

imprescindível voltar à analise da sua identidade.

Na gestão de marcas é comum ainda haver uma posição tradicional que defende

que basta analisar algumas características da marca, desenvolver pesquisas de

mercado e perceber como se orientam as decisões de compra dos consumidores

para aferir se esta é ou não uma marca de luxo. Porém, esta abordagem não é

considerada suficiente para procurar benefícios únicos e simbólicos respeitantes ao

segmento de luxo. Atualmente estuda-se o conceito da identidade da marca para

compreender exatamente como ela se manifesta em relação ao seu público-alvo.

Mais que uma análise de mercado, é importante compreender a visão e as

convicções nela inseridas. Uma marca de luxo não se define nem se adapta

constantemente de acordo com os desejos dos consumidores. Orienta-se antes de

mais pela identidade e orgulho, movimentando-se no mundo à procura de

afinidades, para se conectar com indivíduos com ideias semelhantes (Berghaus et

al., 2014). Uma marca de luxo cultiva a sua unicidade e prefere mais ser fiel a uma

identidade do que estar constantemente preocupada com a concorrência (Kapferer,

2008). Se pensarmos num artista como Picasso, ele certamente não se comparava

com outros artistas da época para produzir as suas obras. Criava à sua maneira, de

acordo com a sua inspiração.

A marca fado existe, como resultado da vivência do povo português, carregando

atributos inerentes a todo o património que se construiu ao longo de

aproximadamente dois séculos. Daí a importância de uma análise geral englobando

toda a história, contexto passado e atual. Foi deste modo que se identificou a

verdadeira identidade, que não se construiu a partir do nada, foi simplesmente

identificada porque sempre existiu. Analisada ao longo do tempo, compreende-se a

constante evolução e decerto seria diferente daquilo que é hoje, mas mesmo assim

a sua génese manteve-se, “o core de uma marca de luxo é a sua identidade”

(Kapferer & Bastien, 2012, p.121).

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Por isso é necessário voltar ao estudo feito anteriormente, no qual se identificou a

identidade da marca fado sob o prisma de Kapferer e voltar a reavaliá-la na vertente

do luxo.

Figura 7. Adaptação do prisma da identidade da marca de (Kapferer & Bastien, 2012), para a identidade da marca fado, faceta físico

Nesta faceta vamos analisar a semelhança familiar dentro da marca: quais são os

códigos, sinais, gestos, posturas, cores e traços que compõem essa semelhança.

Segundo os autores, tem de haver um conjunto códigos com uma gramática própria

semelhante em todas as manifestações ligadas a esta faceta. Tem de ser fácil

reconhecer em todos os seus elementos que pertencem à mesma marca. Num

desfile da Chanel, não é necessário que todos os produtos apresentem o seu

logotipo para se perceber que se trata da marca. Existem uma série de imagens não

verbais que fazem com que todos os produtos tenham a mesma semelhança.

Esta faceta também compreende produtos icónicos. A marca Chanel tem como

principal produto icónico a camélia (Kapferer & Bastien, 2012).

Transpondo isto para a marca fado, podemos perceber que a semelhança ou o

código que liga todos os elementos físicos desta, é o próprio género musical fado.

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Podem existir várias músicas, mas todas têm alguma semelhança, a mesma matriz,

sobretudo no fado tradicional, em que se pode colocar na mesma melodia outras

letras originando várias canções diferentes, mas todas na mesma base melódica,

em que cabe ao fadista estilar. “Uma das artes que o fado têm é exatamente essa,

através daquela melodia, estilar, nunca cantar igual” (...) ”O tal estilar, que é o mais

difícil, brincar com as melodias...” 79.

Identificando um ícone da marca fado, a guitarra portuguesa é com certeza um

deles.

Figura 8. Adaptação do prisma da identidade da marca de luxo (Kapferer & Bastien, 2012), para a identidade da marca fado, faceta personalidade

No luxo, muitas vezes a personalidade da marca define de imediato o criador. Se

este tem uma personalidade muito vincada e um caracter muito forte, a marca

herdará os seus atributos. Os autores mencionam Yves Saint Laurent como

exemplo, porque cedeu à sua marca características inegáveis de impertinência,

desejo de provocar e seduzir, assim como um certo caracter de inacessibilidade, que

fizeram dele um nome incontornável no universo da moda e do luxo.

79 Varela, Ana, entrevista realizada no âmbito da tese, 29 de maio de 2017, Bairro Alto. Ver anexo I, p.310, p.312.

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106

“A personalidade da marca expressa uma visão antropomórfica da marca,

particularmente relevante no mundo do luxo, que emana da criação que se origina

de uma pessoa” (Kapferer & Bastien, 2012, p.123).

Assim, não é plausível que Amália tenha criado o fado. Os criadores do fado foram

os portugueses, e a sua personalidade é a alma lusitana onde impera a saudade.

Figura 9. Adaptação do prisma da identidade da marca de luxo (Kapferer & Bastien, 2012), para a identidade da marca fado, faceta reflexo

Qualquer marca de luxo é o reflexo de si própria oferecida aos outros, por

conseguinte é possível descrever-se uma marca de luxo pela imagem que

se tem de quem a consome, mesmo que os seus clientes não apareçam

representados fisicamente numa campanha publicitaria. A estratégia é

insinuar quem são, sem os descrever em particular. São oferecidas

representações subjetivas do seu público-alvo.

A marca de luxo deseja que o cliente imagine quem poderá ser se a adquirir,

permitindo que o cliente crie uma relação afetiva com a marca. Para tal criam-se

simbolismos à volta dos produtos de modo a ser percecionado por um tipo de

clientes que se encaixam no perfil da marca.

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107

Na marca fado, espera-se que os clientes sejam todo o universo populacional, desde

os estratos mais baixos até aos mais ricos. O fado é popular. Embora seja uma

experiencia afetiva, emocional induzida pelo momento, uma experiência pessoal,

que não é controlada, cada um sente-a de modo diferente. Existe de facto uma

bifurcação que aponta para o glamour e outra para o popular, mas não é claro nem

consistente que se aspire sempre e apenas ao seu glamour.

Figura 10. Adaptação do prisma da identidade da marca de luxo (Kapferer & Bastien, 2012), para a identidade da marca fado, faceta mentalização

A mentalização refere-se á conceção que o consumidor tem dele próprio, como ele

se vê depois da influencia da marca de luxo.

A marca de luxo oferece aos seus seguidores a possibilidade de se reconhecerem

de uma determinada maneira depois de uma relação muito íntima com o luxo.

A marca fado faz com que os portugueses revelem um sentimento de pertença ao

mesmo grupo identitário, sentem-se na moda, orgulhosos, enriquecidos

culturalmente, enfim, existe um sentimento de patriotismo. Os estrangeiros sentem-

se essencialmente enriquecidos culturalmente.

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108

Figura 11. Adaptação do prisma da identidade da marca de luxo (Kapferer & Bastien, 2012), para a identidade da marca fado, faceta cultura

Esta é a faceta determinante para a marca criar o seu culto e desenvolver os

seguidores. É a base dos seus valores profundos, que esta segue e respeita acima

de tudo, inclusive não seguir as tendências passageiras do mercado. Para os

autores Kapferer e Bastien, é a faceta essencial que define a verdadeira identidade

de uma marca de luxo (Kapferer & Bastien, 2012). É a espinha dorsal da identidade

da marca de luxo.

Muitas vezes uma marca pode ter todas as facetas preenchidas com características

semelhantes a outras da sua concorrência, mas o que a vai verdadeiramente

diferencia-la é a sua cultura, o seu ADN, ou seja os seus fundamentos originais. A

faceta cultura é o código genético que nutre, inspira e reinventa a marca sempre que

é necessário ao longo da sua existência. Significa a perceção que se tem de uma

marca de luxo. É nesta faceta que a marca tem inscrito o seu sistema de valores do

luxo, fonte de inspiração e criatividade. Portanto para uma marca ser de luxo ela tem

que ter inscrito na sua cultura, atributos relativos ao luxo.

O fado é um género musical, cultural, tradicional português, popular, oriundo do

povo e associado na sua génese às camadas socioeconómicas mais

desfavorecidas. Hoje pertence a todos os portugueses e à humanidade, fruto do

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reconhecimento da UNESCO. Possui uma riqueza imensurável histórica e única no

mundo.

Figura 12. Adaptação do prisma da identidade da marca de luxo (Kapferer & Bastien, 2012), para a identidade da marca fado, faceta relação

Esta faceta define a natureza do relacionamento instalado entre a marca e seus

destinatários.

Yves Saint Laurent dá poder aos seus clientes (Kapferer & Bastien, 2012).

A marca fado transcende a vida comum dos seus seguidores, toca-lhes no intimo

induzindo emoções a quem a ela adere. Só que não são emoções definidas ou que

se consigam controlar, já que cada um sente de maneira diferente.

São momentos espontâneos e originais, irrepetíveis e extrassensoriais. O fado

liberta ou oprime, dependendo do património emocional de cada um e o seu estado

de espirito no momento.

O fado para além de pedir para ser escutado, pede para ser sentido. Silêncio que se

vai cantar o fado.

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110

Resumidamente, apresenta-se uma tabela para concluir se a identidade da marca

fado se associa ao luxo:

Figura 13. Resultado do prisma Identidade da marca de luxo (Kapferer & Bastien, 2012), em relação à marca fado

Faceta

Valores distintivos habitualmente

encontrados na marca de luxo

Valores distintivos encontrados na

marca Fado

Resultado do prisma Identidade da marca de luxo (Kapferer & Bastien, 2012), em relação à marca fado

Físico

Semelhança e produtos icónicos

Género Musical

Guitarra portuguesa

Existe semelhança e um forte elo de ligação em todos os produtos e manifestações do fado.

A marca fado tem vários produtos icónicos. Um deles é a guitarra portuguesa. O fado em si é um ícone da cultura portuguesa.

Personalidade

Herança da personalidade do seu criador

Criadores os portugueses

A personalidade da alma lusitana onde impera a saudade

Não existe um criador que empreste a sua personalidade à marca, existem sim vários, todos os portugueses que com a sua vida imprimiram um “ser” ao fado, moldado por aproximadamente dois séculos de experiências humanas que lhe conferem uma amplitude difícil de ser expressa. Daí nasceu um sentimento único no mundo que é a saudade. O fado carrega esta riqueza e complexidade. A

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111

total complexidade da natureza humana.

Reflexo

Existe uma representação subjetiva de quem são os consumidores idílicos da marca. Existe uma insinuação de quem sejam.

Cria e comunica valores simbólicos para os seus clientes.

Sonhar ou idealizar, aspirar ser ao experienciar a marca de luxo.

Indução de sentimentos de ascensão para além da vida quotidiana.

A marca de luxo é comunicada a todos, criando desejo á sua volta, mesmo entre os não consumidores. Só alguns são privilegiados e podem obtê-la. Os restantes apenas podem sonhar com ela.

Não se define ou segmenta-se (nem subjetivamente) quem podem ser os seguidores do fado.

Não existe a pretensão de criar aspirações neste sentido.

Espera-se a espontaneidade dos sentimentos de cada individuo que experimenta o fado.

O fado é democrático e não elitista. O fado é popular. Espera-se que todos os indivíduos que experimentem o fado se apaixonem por ele, mas também se aceita quem não goste. É uma experiencia muito pessoal.

O fado induz a tristeza, nostalgia, amor e alegria. Trata todos os sentimentos da vida, tal como ela. É espontâneo, livre, e deixa ser.

É uma experiencia individual e não se deseja ser como mais ninguém.

O fado é dos portugueses e da humanidade.

Não apela a um nicho de mercado em particular.

O fado é divulgado a todos, faz parte do plano imposto pela UNESCO e pela casa mãe que preserva o seu património cultural, O Museu do Fado. E é acessível a todos.

Existe glamour no fado, mas mais uma vez não é um estado predominante.

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112

Mentalização

Existe uma imagem de si próprio após experimentar a marca de luxo. Essa também é conduzida pela marca.

O que a marca de luxo induz aspirar é recebido e interiorizado pelos seus consumidores, que logo passam a sentirem-se e assumirem-se como pertencentes a um grupo de elevada distinção.

Induz a coesão grupal e indentaria.

Receber bem, dar a conhecer a cultura portuguesa.

Salienta a modernidade em conjugação com a tradição.

Reforça os valores da portugalidade.

Oferece um ícone cultural português.

Forte tendência atual.

Quem experimenta o fado, experimenta cultura e revê-se nela no caso dos portugueses.

Os estrangeiros enriquecidos culturalmente, o que somam à sua própria experiencia cultural obtida na sua vida em outras experiencias.

Todos renovam o seu património emocional.

Os portugueses assumem o seu patriotismo e orgulho.

E sentem-se na moda.

Cultura

Fundamentos Originais.

Genética.

Espinha dorsal da marca de luxo.

Responsável pela perceção da marca de luxo.

Fonte de inspiração e criatividade.

Valores e atributos essenciais do luxo.

Destinada aos privilegiados e a uma elite.

Contrário áquilo que se associa ao povo, ao comum.

Típico e tradicional português.

Património Cultural Imaterial da Humanidade.

É português.

Popular.

Oriundo do povo e associado ás camadas socioeconómicas mais pobres.

Riqueza patrimonial e histórica.

É único no mundo.

O fado é único do seu género no mundo. Logo tem um atributo de unicidade.

Consegue-se apreciar um espetáculo de fado em vários pontos do globo. Embora a experiencia que se possa ter numa casa de fados em Lisboa seja mais exclusiva.

O fado teve o reconhecimento da UNESCO. Salienta-se o seu valor patrimonial.

O fado, apesar de ser exportado para vários palcos do mundo, em que as fadistas e os cenários têm uma

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A marca de luxo não é democrática.

apresentação requintada, mesmo assim mantém uma forte associação ás suas origens humildes e castiças.

O fado sendo popular é admirado por todos mas é comum.

O fado é democrático. É de todos e é para todos.

Relação

A marca de luxo reforça constantemente a relação com os seus consumidores, prometendo que ao adquiri-la lhe é dada a possibilidade de adquirirem fortes sensações associadas ao poder, domínio e força de caracter.

Exclusividade de emoções.

O fado cria laços de grande afinidade ou causa totalmente a repulsa.

Individualismo no que toca aos sentimentos e emoções.

É necessário um ambiente privilegiado para que o fado aconteça de forma especial.

O fado pede atenção.

A relação da marca fado com o seu publico é essencialmente sensorial.

Tal como a vida, são induzidos sentimentos, sensações de mais variada ordem, não se controla nem se consegue medir.

Os momentos na relação com fado são exclusivos e irrepetíveis.

É necessário haver rendição da atenção do cliente para que a sua experiencia com o fado seja potencialmente gratificante.

6. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

6.1. Apresentação e análise dos dados

Esta secção apresenta os resultados provenientes da pesquisa qualitativa.

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A análise dos resultados das entrevistas que compõem a parte qualitativa da

pesquisa foi feita utilizando-se o método de análise de conteúdo. Primeiro fez-se a

leitura flutuante seguida da exploração do material das entrevistas

Procurou-se selecionar entrevistados que fossem representativos de setores

demonstrativos da indústria do fado e do mundo das marcas, nomeadamente das

marcas de luxo.

Fadistas

Maria Alcina (fadista/porta-voz do real gabinete Português de leitura, Brasil)

Matilde Cid (fadista)

Marco Rodrigues (fadista profissional)

Pedro Moutinho (fadista profissional)

Ana Sofia Varela (fadista profissional)

Guitarristas

Bernardo Couto (guitarrista)

António Chainho (compositor, guitarrista)

João Torre do Valle (guitarrista, professor da guitarra portuguesa)

Casas de fado

Maria Alexandrina (gerente e proprietária de casa de fados)

Jorge David (Diretor de Marketing do grupo empresarial Fado & Food)

Meios de comunicação

José Augusto Morais Madaleno (diretor rádio Amália)

Escola de Fado

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Pedro Santos (presidente da escola de fado da mouraria)

Museu do Fado

Sara Pereira (diretora do museu do fado)

Editores de publicações relacionadas com o fado

João Francisco Pinto de Sousa (empresário/editor de fado)

Maria João Ribeiro (designer artigos de fado)

Construtores de guitarras

Raimundo Tereso (construtor de violas e guitarras portuguesas)

Gilberto Marques Grácio (construtor de guitarras Portuguesas)

Empresários

Manuel Marçal (empresário de turismo de fado)

Joana Esparteiro (empresária de espetáculos de fado/marketer)

ONG

Susana Damasceno (fundadora AIDGLOBAL)

Associações portuguesas no estrangeiro

Jorge Vieira Figueiredo Szabo (presidente da associação de cultura portuguesa na

Grã-Bretanha)

António dos Ramos (presidente da casa de Portugal, Brasil)

Casa Museu Amália Rodrigues

António Acciaioli Campos (diretor Casa Museu Amália Rodrigues)

Estilista de moda

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João Rolo

Especialista em Criação e Gestão de Marcas

Carlos Coelho

Consultores de marcas do luxo

António Paraíso

Carlos Ferreirinha

Nuno Duarte Lopes

Identificaram-se em cada uma das entrevistas, os pontos de discurso relevantes

para o presente estudo. Os resultados agruparam-se por semelhanças de respostas,

ou seja, afirmações comuns, traduzindo o que a maioria pensa sobre o fado e o fado

enquanto marca.

Dividiu-se a amostra em 3 grupos:

Grupo 1 – Fadistas e Guitarristas

Viajantes pelo mundo, agem como embaixadores da marca fado. De acordo com as

suas convicções, assumem-se como os grandes responsáveis por levar o fado para

fora. Aproximam-no dos emigrantes e conquistam estrangeiros, rendidos aos

encantos deste estilo musical, mesmo sem compreender a letra, abraçam a sua

essência.

Todos concordam, ainda que não se saiba muito bem como, com a expressão, “o

fado acontece”. Isto decorre porque ambos, fadista e público estão em sintonia.

Quando acontece, é mágico.

Todos têm vários álbuns editados, alguns deles em editoras multinacionais.

Constatam que as fadistas são mais conhecidas/requisitadas que os fadistas, mas

reconhecem que a realidade está a mudar.

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Qualquer aspirante a fadista ou guitarrista começa invariavelmente nas casas de

fado. Todos desejam iniciar o percurso por esta via, aprendendo com os mais

velhos. Esta situação nem sempre foi bem aceite, porque no passado quem tinha

créditos firmados não ajudava quem chegava, os novos eram normalmente

encarados como uma ameaça. Quando conseguem por fim integrar o elenco de uma

casa de fados, verifica-se que há abertura por parte do empregador para avançarem

para uma carreira discográfica, participem em espetáculos, excluindo atuações em

casas da concorrência.

A maioria dos entrevistados pertencentes a este grupo, prefere o fado tradicional ao

“novo fado”, pois consideram o tradicional como o verdadeiro fado. O chamado

“novo fado” apresenta uma nova roupagem musical que pode desvirtuar este género

musical.

Nos últimos anos têm sido mais requisitados para mais concertos de fado, dentro e

fora do país.

Grupo 2 – Profissionais relacionados com o fado

Estes entrevistados são unânimes nas seguintes considerações:

O fado como expressão maior da alma portuguesa, que provoca emoções fortes,

A essência do fado nasce da saudade e da nostalgia de um povo,

A saudade e a tristeza estarão sempre associadas à imagem do fado,

Cantar o fado é um dom com que se nasce, ninguém escolhe cantar o fado,

Orgulho em ser português,

Apontam a poesia portuguesa como uma das maiores riquezas do fado,

A guitarra portuguesa única no mundo é um ícone nacional.

O fado continua em ascensão em Portugal e no mundo, também fruto do sucesso da

marca Portugal e da marca Lisboa. Os turistas inundam as casas de fado,

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usufruindo de uma experiência única quando se visita o país. Compram álbuns

musicais de fado, apreciam-no e desejam repetir estas vivências. No estrangeiro

todos confirmam haver cada vez mais concertos, mas ainda falta percorrer um longo

caminho para que o fado seja totalmente conhecido fora de Portugal.

Reconhecem o nome de Amália Rodrigues como um ícone nacional. O fado não é

Amália, mas Amália personifica o fado.

Segundo a opinião destes profissionais, o fado é para todos. Para os ricos, para os

pobres e para a classe média. Apela aos sentimentos.

Existem espetáculos e casas de fado caras, mas encontram-se sempre alternativas

para se ouvir fado sem gastar muito dinheiro.

O fado é português e de Lisboa, onde nasceu. É indissociável da cidade berço e de

Portugal, mas reconhecem que existem outras cidades que participam igualmente

no enriquecimento da marca fado, ainda que a experiência total, só possa

verdadeiramente ocorrer na capital. Na mente coletiva, fado, Lisboa e Portugal são

indissociáveis.

O estatuto do fado adquiriu outra amplitude com a passagem a Património Cultural

Imaterial da Humanidade. Curiosamente crê-se que esse acontecimento causou

mais impacto nos nacionais do que nos estrangeiros, parecendo ter atuado como a

ignição do renovado orgulho português. Foi a passagem indelével do fado de

expressão popular para expressão cultural, mas ninguém reconhece que o seu

sector de atividade em particular se alterou a partir desse evento.

Existe uma indústria do fado em franco crescimento, não existindo, no entanto, uma

clara entidade agregadora. O Museu do Fado parece ser o que mais se adapta a

essa função, no entanto, devido à particularidade de ser um organismo cultural e

não comercial, não consegue abarcar todas as necessidades. Ainda assim é

salientado pela maioria dos entrevistados o papel proactivo e dinamizador desta

entidade estatal, que divide com os agentes, promotores de espetáculos, casas de

fado e os próprios artistas.

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O fado de hoje toca tudo e todos, dos mais novos aos mais velhos. Para se apreciar

o fado é necessária alguma maturidade, por isso apontam a faixa etária inicial entre

25 e os 30 anos.

Na mentalidade dos mais jovens, um serão numa casa de fados passou a ser visto

de uma noite aborrecida e antiquada, a uma noite bem passada. A opinião

dominante é que existe um movimento em torno do fado que para além dos clientes,

traz inovação nas vozes, músicos e talentos. O fado está na moda e espera-se que

tenha vindo para ficar.

O fado já é uma marca, e forte, mas que precisa de consolidação. Todos se

responsáveis por ela: os que o cantam, os que o vendem e os que o promovem.

A convicção é a de que o fado apesar de ser uma marca, não é de luxo e assim se

deve manter. O fado nasceu do povo e é a ele que deve pertencer. Ninguém rejeita,

no entanto, que existem óbvias manifestações do luxo neste universo.

Grupo 3 – Consultores de marcas de luxo, especialista em criação e gestão de

marcas, criador de alta costura.

Os profissionais desta área são unânimes em considerar que, embora o mercado de

luxo em Portugal seja pequeno, tem crescido consideravelmente em contraciclo à

restante atividade económica. A ideia preponderante é que este crescimento se

deve ao enorme fluxo de estrangeiros que escolhem Portugal como destino de

férias. O retalho do luxo encontra-se nas grandes cidades, Lisboa e Porto.

É consensual que em Portugal existem algumas marcas de luxo que de uma forma

ou de outra exploram a portugalidade no âmbito do produto.

A totalidade dos entrevistados menciona o fado como marca, uma national equity e

um produto icónico. Enquanto alguns acham que a marca deve ser trabalhada pelo

lado cénico, outros acham que o caminho deve ser percorrido pela portugalidade,

isto é, alma Lusitana.

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120

6.2. Discussão dos resultados

Os resultados do presente estudo que dizem respeito às questões centrais da tese,

sugerem que todos os grupos de uma forma geral concordam que o fado é uma

marca nacional, mas nenhum dos grupos conseguem admitir o fado como marca de

luxo.

7. CONCLUSÃO

O universo do fado é fascinante cheio de espetros narrativos e melódicos.

Aparentemente simples nos processos, é complexo naquilo que gera à sua volta. Foi

esse fascínio a razão principal deste estudo. Vamos compreendê-lo: imagine-se um

diamante por lapidar, esse diamante é um dos maiores símbolos e elementos da

nossa portugalidade, criar valor através do marketing é salientar o brilho desse

diamante, é lapidá-lo, retirando o que não presta e restituindo-lhe o seu esplendor.

Esse é o objetivo de assumir a marca fado.

Fica, porém, o sentimento de que tudo o que se fez é apenas o primeiro passo num

caminho que se espera longo, talhado pelos homens e mulheres do fado, pelos

marketers, que em boa vontade levem esta riqueza que é de todos a bom porto.

Este estudo quis exaltar o valor do fado como um género musical de excelência,

marca cultural e artística, mas também como elemento constituinte e construtor de

Portugal, servindo com as suas características como um impulsionador de relações

e sentimentos.

É um percurso pioneiro no mundo das marcas. Difícil, por ser um território aonde só

há muito pouco tempo se iniciaram os primeiros estudos, mas também por não se

estar a construir uma marca, mas antes, a identificá-la nas suas manifestações

culturais e socioeconómicas.

Abordaram-se três áreas do marketing consideradas pelos teóricos particularmente

complexas: marketing territorial; marketing cultural e artístico; e o luxo.

Ao longo do trabalho ficou-se com a certeza de que o Fado é uma fonte de criação

de valor, repleto de atributos, com uma aura de culto que o rodeia e uma enorme

riqueza patrimonial. Carrega uma herança histórica aproximadamente dois séculos,

acrescentando camadas de qualidades, das quais a marca é a emanação mais

moderna. Tem sido fiel ao legado espiritual adquirido da alma lusitana que é por sua

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vez transportado por todos os seus criadores e responsáveis, ou seja, por todos os

portugueses. Espera-lhe agora reconhecer e assumir a sua identidade enquanto

marca nacional.

Pelas suas semelhanças e aproximações ao luxo, tais como unicidade,

exclusividade e glamour, entre outros, julgou-se pertinente analisá-lo sob a

perspetiva de uma marca de luxo.

Assim, recorrendo à bibliografia, investigou-se o enquadramento do fado no seu

meio social e no contexto atual português, chegando á primeira conclusão: o fado é

um produto icónico português e um dos maiores símbolos nacionais. Existe há

sensivelmente dois séculos, acompanhado de uma história singular e uma grande

reputação, tendo sido admirado desde a sua génese. Trouxe um grande valor

identitário para o país e está associado aos desejos e às ansiedades coletivas.

Respondendo sucintamente ás perguntas:

Poderá o fado ser uma marca?

Sim, o fado é uma marca. Ficou bem patente ao longo deste estudo através do seu

enquadramento e avaliando o contexto atual, que é acima de tudo um símbolo

nacional, logo, é uma marca pertencente à marca Portugal, à marca Lisboa. Não tem

uma entidade formal agregadora como as marcas comerciais, o fado é de todos os

portuguese e são todos responsáveis por ele.

Das entrevistas, conclui-se que o grupo representativo escolhido tem na sua maioria

a perceção que o fado é uma marca.

Há que salientar mais uma vez que o objetivo não foi inventar uma marca, mas sim,

identificar elementos da marca que já existiam, o que aliás aconteceu desde o

momento em que se iniciou este trabalho.

Reforça-se esta afirmação a partir da definição de marca de Ambler (1992). Pode-

se, portanto, mencionar alguns dos muitos atributos que a caracterizam:

Intangíveis: a saudade, ser multissensorial, carrega o simbolismo nacional.

Alguns dos atributos tangíveis: o fado materializa-se através da voz dos fadistas,

no som da guitarra portuguesa, nos espetáculos de fado.

Um dos atributos reais: O fado é hoje Património Imaterial Cultural da

Humanidade.

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122

Atributo Racional: O fado é um elemento estratégico de criação de valor, que gera

indústria comercial ao seu redor.

Atributo Emocional: O fado eleva os sentimentos humanos e dá-lhes liberdade de

expressão.

Pode-se então afirmar que o fado é uma marca, porque agrega dentro de si um

conjunto de atributos tangíveis e intangíveis que fazem dele um símbolo. Geram

influência e criam valor.

Contudo, sabe-se que normalmente é difícil percecioná-lo como tal, por ter uma

constituição essencialmente imaterial. O fado, ao contrário de uma marca

corporativa, não tem uma entidade agregadora que possa impor regras na gestão da

marca perante o mercado, já que a marca fado pertence a todos os portugueses o

que faz com que não exista uma estratégia comum para a marca. Cada setor que

comercializa o fado, faz a gestão da marca à sua maneira.

Como identificar a identidade da marca fado?

A identidade da marca fado foi analisada através do modelo de diagnóstico Prisma

da Identidade da Marca de Kapferer (2004), para o qual foi necessário fazer-se

adaptações, uma vez que se trata de uma marca cultural. O conteúdo das suas

facetas foi identificado com base na informação obtida pela investigação empírica,

na pesquisa qualitativa, análise bibliográfica e histórica.

Conclui-se que o fado é uma marca distintiva e com determinados atributos que o

diferenciam da concorrência. Como foi mencionado, o fado nunca foi formalmente

submetido a um diagnóstico desta natureza.

Assim podemos dizer que a identidade da marca fado é a seguinte:

A faceta física da marca fado revela-se através dos espetáculos, registos sonoros e

audiovisuais comerciáveis. É melancólica, sentimentalista, nostálgica, evoca o

destino e a eterna saudade.

Materializa-se através da música, da poesia e do canto.

O fado pede atenção e entrega por parte de todos os intervenientes. Ninguém fica

indiferente ao fado, ou se gosta ou se odeia, não existindo, portanto, meios termos,

as relações todas que existem, normalmente neste universo, são extremas.

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Ao nível da faceta reflexo, o fado é um dos espetros da portugalidade, é popular,

mas também emana glamour. É sobretudo uma experiência cultural e artística para

todos os públicos, portugueses ou estrangeiros, que assistem aos espetáculos de

fado em qualquer lugar, ao vivo, na rádio ou noutro suporte audiovisual.

O fado é uma experiencia emocional, eleva os sentidos e devolve as emoções que

muitas vezes aprisionamos no dia a dia. Quando se assiste a um espetáculo de fado

libertamos aquilo que mais profundo há em nós.

A personalidade da marca fado é alicerçada na alma lusitana, é independente,

sentimental, rebelde e evoca a sedução de uma diva. A melhor personificação da

marca neste momento é a Amália Rodrigues.

A coluna vertebral da marca é traduzida pela faceta cultura, que na marca fado é

caracterizada por ser de origem popular e pelo fado ser um ícone cultural português.

Lisboa é o seu berço. É hoje Património Imaterial Cultural da Humanidade. É o

resultado de aproximadamente dois séculos de história e tradição. É um género

artístico e cultural único. A marca iniciou a sua expansão com a Amália, está

novamente numa fase em que se pretende retomar a internacionalização com esta

nova geração de fadistas.

A mentalização da marca fado traduz-se na forma como os clientes se sentem ao

consumir a marca fado.

Os clientes portugueses, sejam eles residentes ou emigrantes, sentem que estão na

moda quando aderem à marca, experimentam sentimentos de orgulho e patriotismo.

Os clientes, incluindo os estrangeiros, sentem-se de forma geral enriquecidos

culturalmente.

Para a identificação da identidade da marca fado, julga-se ter conseguido fazer um

levantamento claro de todas as caraterísticas mais importantes.

Chega-se então à pergunta de partida de toda a investigação:

Será possível o Fado ser uma marca de luxo?

Em geral pode-se afirmar que, a identidade da marca fado expressa as suas

especificidades tangíveis e intangíveis numa forte proximidade ao luxo. Acima de

tudo, uma marca de luxo é uma estória épica, cheia de narrativas únicas e nisso, o

fado encaixa-se plenamente.

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Ao fazer-se um diagnóstico detalhado às seis facetas do prisma da identidade de

marca de luxo, baseado no modelo de Kapferer e Bastien (2012), conclui-se que em

quatro delas, a identidade da marca fado corresponde ás características que

associam uma marca ao luxo, nas outras duas, reflexo e a cultura, não. A faceta

cultura é determinante para aferir se a identidade de uma marca é verdadeiramente

uma marca de luxo. Resulta que o fado é popular, fortemente ligado às origens

humildes e castiças, totalmente contraditório a uma característica do luxo. Além

disso, o fado é democrático, património universal, acessível a todos e não apenas

para um nicho ou para uma elite, característica também oposta ao que se espera de

uma marca de luxo.

Não pode pelas razões aqui expostas, ser considerado uma marca de luxo, o que

também é corroborado pela literatura, pelos consultores das marcas de luxo e todos

os entrevistados que colaboraram nesta investigação.

Conclui-se que existe uma grande aproximação do luxo ao fado, uma via que pode

ser explorada, realçando:

A casa no Brejão que pertenceu á Amália Rodrigues;

(...) “habitação de turismo local e como tal a fundação alugou, como se fosse um

pequeno hotel de luxo”80.

as réplicas das joias da Amália Rodrigues, que podem ser adquiridas na Casa

Museu Amália Rodrigues;

“Temos réplicas de joias da Amália que custam acima dos 100 euros e não são

acessíveis a todas as bolsas”81.

80 Campos, António, entrevista realizada no âmbito da tese, 10 de maio de 2017, Lisboa. Ver anexo I, p.285. 81 idem, p.289.

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as guitarras portuguesas feitas ao longo dos anos pelos grandes mestres

construtores, que foram tocadas por grandes guitarristas portugueses e, que se

encontram nas mãos de profissionais e particulares;

(...) ”até porque a guitarra quando é nova nunca vem com aquele som, só ao fim de

seis meses, um ano, é que o som apura”82.

“Com as volutas trabalhadas, a guitarra de Lisboa, com o caracol todo trabalhado,

pode-se considerar uma peça de luxo (...)”83.

“Na boca dos guitarristas, uma guitarra minha é um Ferrari e as outras são Fiat

600”84.

“Vendem-se guitarras, se estiverem bem estimadas, e se não estiverem vêm para

aqui e são reparadas, que há 30 anos custavam pouco dinheiro, hoje são vendidas

por 4 000 ou 5 000 euros. Valorizam”85.

os raros fonogramas do fado antigo, que foram resgatados do estrangeiro,

encontrando-se na posse do Museu do Fado;

“Se o futebol está para os ingleses, o fado está para nós, portanto, não vem mal

nenhum ao mundo em dar um milhão de euros por aquilo (...)”86.

O guarda-roupa de alta costura de algumas fadistas portuguesas;

“Eu posso dizer que, ao vestir a Mariza, eu rompi, rasguei os véus tradicionais do

que era o fado em Portugal, a forma de vestir”87.

82 Grácio, Gilberto, entrevista realizada no âmbito da tese, 8 de maio de 2017, Lisboa. Ver anexo I, p.272. 83 Idem, p.268. 84 idem, p.272. 85 idem. 86 Sousa, João, entrevista realizada no âmbito da tese, 29 de março de 2017, Lisboa. Ver anexo, p.208. 87 Rolo, João, entrevista realizada no âmbito da tese, 1 de abril de 2017, Lisboa. Ver anexo I, p.225.

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A obra do artista plástico Júlio Pomar dedicada ao fado88.

A experiência de ouvir cantar o fado nas melhores casas de fado de Lisboa.

(...)”temos que oferecer um serviço cuidado, temos que dar um espetáculo com

profissionais (...)”89.

“Não, de todo, não é acessível para todas as bolsas nem para portugueses, nem

para estrangeiros”90.

(...)”é porque de facto temos artistas de primeira categoria e isso é o que nos distingue de qualquer restaurante, o fado evoluiu artisticamente e a gastronomia também evoluiu, as nossas propostas culinárias são tão boas ou melhores do que os melhores restaurantes e como tudo isso é um investimento e uma garantia que damos a quem cá vem (...)”91.

Lançamento da edição limitada Raymond Weil Don Giovanni Fado 100 anos,

organizando um evento que uniu Carlos do Carmo, Ana Sofia Varela, Camané e

Mafalda Arnauth, tornando-se assim o primeiro passo da sólida relação da marca

com o mundo do fado92.

E por fim constata-se que, o luxo no fado poderá ser materializado através do co-

branding, associando-o a marcas de luxo portuguesas e estrangeiras.

Como foi mencionado anteriormente, o luxo contemporâneo tem adquirido também

uma forte base subjetiva em que as novas tendências têm essencialmente a ver com

experiências que apelam ao sentimento de bem-estar e lifestyle. Essas experiências

podem ser vivenciadas, através da restauração, lazer e bem-estar em hotéis, spas,

entre outras. Foi analisado na secção do luxo em Portugal que são precisamente os

88 http://www.museudofado.pt/calendario/detalhes.php?id=457. Acedido 13 de Julho de 2017. 89 Alexandrina, Maria, entrevista realizada no âmbito da tese, 8 de maio de 2017, Bairro Alto. Ver anexo I, p.265. 90 David, Jorge, entrevista realizada no âmbito da tese, 9 de maio de 2017, Bairro Alto. Ver anexo I, p.280. 91 Idem, p.281. 92 http://www.espiraldotempo.com/oldsite/wp-content/uploads/2013/03/ET14_12_EF_RW_DonGiovanni_Fado.pdf . Acedido a 13 de Julho, 2017.

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setores da hotelaria e restauração que têm conquistado o reconhecimento e

crescimento das marcas de luxo nacionalmente, a associação de marcas deste tipo

à marca fado, poderá concretizar a materialização necessária a um acréscimo de

valor e de prestigio de ambas. Oferecendo um conjunto de serviços e experiências

que possam beber de toda a riqueza conceptual do fado. O mesmo pode acontecer

ás marcas de luxo mundiais de diversos setores, que se associem à marca fado

como fonte de inspiração e originalidade para a criação de produtos e serviços.

7.1. Limitações e sugestões futuras

7.1.1. Limitações do estudo

Não foi encontrado nenhum estudo que analise o fado como marca.

Foi muito difícil chegar às chamadas “vedetas” do fado, visto que mais do que

nunca, têm agendas muito preenchidas, com marcações de espetáculos a nível

nacional e, sobretudo, internacional.

Faltam estudos de caso semelhantes a esta temática.

Tal como uma marca-lugar, os diversos stakeholders estão dispersos. É difícil haver

uma entidade agregadora que consiga um consenso de modo a definir uma

estratégia comum para a marca. Do fado deriva um espetro cultural e comercial que

chega a ser caótico, já que cada interveniente faz a gestão da marca mais ou menos

à sua maneira. Existem tendências comuns, mas a medição é difícil.

Houve relutância dos vários intervenientes em aceitarem que o fado é uma marca.

Existe uma certa rejeição por parte da classe artística e cultural em assumir o fado

como marca, por acreditarem que lhes pode retirar parte da sua aura criativa. Este

foi o principal motivo, pelo qual a maioria dos contatos não se disponibilizaram a

conceder entrevistas.

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7.1.2. Sugestões futuras

Declamou-se o fascínio pelo fado e pela sua fortuna cultural, juntou-se o tecnicismo

do marketing, e o resultado revela-se por meio deste estudo. Espera ter-se dado um

grande contributo para a identificação da marca fado e da sua identidade. Fica aqui

lançado o repto aos marketers, para que continuem a desenvolver esta marca que

representa de forma muito especial a autenticidade de Portugal.

Sugere-se como trabalho de futuro, convencer as marcas de luxo mundiais, a se

inspirarem no fado para criarem os seus produtos numa coleção exclusiva.

Este é um estudo pioneiro e espera-se que seja o ponto de partida para futuras

investigações: desenvolver um plano de marketing, ao qual se sucederá uma

estratégia, que sustente a comunicação da marca.

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Anexos

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Anexo I) Entrevistas

Realizaram-se vinte e oito entrevistas no âmbito da investigação. Vinte e uma das

quais foram presenciais e as restantes foram recebidas via e-mail.

Seguem-se, por ordem cronológica, as entrevistas realizadas aos intervenientes de

diversos setores do universo fado em Portugal, ás associações portuguesas no

estrangeiro, aos marketers, a um criador de alta costura e consultores de marketing

relacionados com o luxo.

Nome: Carlos Coelho

Profissão: especialista em Criação e Gestão de Marcas

Local: empresa Ivity Brand Corp, Criação E Gestão De Marcas, S.A., Rua Dom

Luís I, 19, 1200-149 Lisboa

Data: 13/02/2017

1 – Das informações que existem disponíveis na comunicação social, compreendi que tem uma carreira de cerca de 30 anos. Pode, de forma resumida, fazer uma retrospetiva do universo das marcas relacionadas com a nossa portugalidade?

Há um despertar para a portugalidade por várias razões: a primeira razão é sempre

má, é a razão pela qual olhamos para dentro, que é quando estamos em

dificuldades. A crise trouxe a necessidade de reagir contra uma dificuldade

económica concreta e de olhar para o lado e perceber o que havia de diferente para

poder potenciar. Mas há depois outras duas questões; uma juventude ou maturidade

pós-revolucionária, ou seja, houve uma altura, digamos que o 25 de Abril acabou por

ser uma revolução que acabou por renunciar aos valores da ditadura naturalmente e

trouxe um distanciamento daquilo que era português. Por outro lado, a entrada na

Comunidade Europeia abriu horizontes de uma modernidade ou uma falsa

modernidade, de onde tudo o que era estrangeiro era bom e tudo o que era

português significava pobreza, portanto, começa a haver alguma abertura, e,

portanto, voltamos a olhar para as nossas coisas com um significado de pertença e

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de mais valorização. Há um terceiro aspeto tão importante quanto estes três, um

relacionado com o primeiro, com a crise, e também com a abertura que é o mundo

começar a pôr os holofotes sobre Lisboa, sobre o Porto, não se ficar por ir de férias

para o Algarve e começar a valorizar as nossas coisas. Isto juntamente com a

diáspora mais nova que foi obrigada a emigrar e que se confronta com elogios de

todos os lados sobre aquelas coisas que os portugueses teoricamente

desdenhavam, e que são muito valorizadas pelos olhos estrageiros, e, portanto,

existe esse movimento concreto e espero que se transforme em desenvolvimento

económico. Isto nesta perspetiva da retrospetiva.

2 – Quanto a si, quais as razões que levaram o mundo a pôr agora os olhos em nós?

Existem aspetos de natureza social e política, ou seja, num mundo que é perigoso

numa série de sítios são valorizados aqueles que têm calma, estabilidade social,

segurança e, portanto, há um conjunto de aspetos de caraterísticas endógenas

concretas: a nossa forma de estar, a nossa geografia, que levam a procurar o país.

Existem também aspetos relacionados com a procura de genuinidade, e aquilo que

no fundo foi desprezado, que foi descontinuado, de alguma forma também serviu

para ser preservado. Portugal tem uma reserva de fatores identitários ligados à

História, à Geografia e à Cultura, que no fundo são fatores de atração e até de uma

certa aclamação por parte de públicos mais sofisticados, que encontram no país o

melhor de todos os mundos que é uma genuinidade completa com 4G, às vezes 5G,

ligados ao mundo por autoestradas quer físicas quer virtuais. Uma genuinidade que

se encontra em poucos países do mundo e, portanto, esses dois fatores em

conjunto….

3 – Acha que a comunicação está a ser bem-feita?

A perspetiva da comunicação de um país não pode ser a mesma de uma marca,

uma marca tem proprietários, tem equipas de gestão, e, portanto, o país

normalmente não tem isso, não sei se mal ou se bem, não tem, talvez mal.

Portanto, a comunicação de um país é feita pelas pessoas, sobretudo hoje, em que

temos um meio de comunicação poderosíssimo na nossa mão, acontece alguma

coisa tiramos uma fotografia, pomos, publicamos, mandamos para os amigos, etc.,

etc., e, portanto, isso é um meio imparável. Nesse sentido Portugal tem estado a

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comunicar muito bem porque tem vindo muito mais gente, são extraordinários os

cenários que nós temos e portanto…, do ponto de vista público se se tem estado a

fazer bem? Aquilo que eu noto é que acho que não se tem estado a fazer mal,

porque houve tempos que achava que se estava a fazer mal, que se estava a tentar

encontrar um posicionamento e uma identidade para o país, como se o país nunca a

tivesse tido. Era uma coisa que me fazia muita confusão como marketer, e como

especialista em marcas ainda me fazia mais, porque via aplicado a um modelo de

uma marca pública, de uma marca com proprietários múltiplos, as mesmas regras

ou o mesmo enquadramento teórico que aplicava a uma marca comercial, isso era

absolutamente desastroso dessa forma, e, portanto, acho que tem havido o bom

senso de potenciar aquilo que mexe. Acho que os resultados que o país tem não

têm sido por aquilo que se tenha feito do ponto de vista de comunicação de apenas

uma entidade, mas sim dos portugueses todos em conjunto, é uma coisa fantástica.

Aliás, basta ver: o Porto conseguiu eleger-se agora pela terceira vez e é uma coisa

formidável, o Porto, as pessoas do Porto, a Câmara, os cidadãos, têm-se

empenhado nisso e, portanto, é a cidade, é o país, o turismo; o turismo de Portugal

não pode, não sabe, não tem meios para fazer essas coisas todas.

4 – Acha que a marca Portugal tem o reconhecimento que merece, nacional e internacionalmente?

Isso não lhe sei responder, se merece? Não faço ideia o que merece, acho que a

marca Portugal tem o reconhecimento internacional que nós quisermos que tenha,

acho que esse é um ponto que cabe aos portugueses, isto é, afirmarem o

posicionamento da marca Portugal e não estarem à espera que sejam os outros a

fazê-lo; os países promovem-se a si próprios. Aos espanhóis interessa Espanha,

aos franceses interessa França, etc., e portanto nós estamos sempre «ai os outros

não nos conhecem, coitadinhos», de todo, se não conhecem têm que passar a

conhecer, temos que divulgar, se não nos conhecem é porque nós deixámos

durante muitos anos que a História fosse reescrita, porque se existem países no

mundo com História é Portugal, e portanto não consigo estabelecer essa relação do

merecer ou não merecer, aquilo que sei é que temos muito mais passado para dar

ao futuro que uma série de outros países no mundo.

5 – E a marca Lisboa?

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Eu acho que a marca Lisboa não atingiu ainda os níveis de reconhecimento que teve

há 500 anos, se pensar, nós já fomos centro do mundo e, portanto… Ainda na

semana passada escrevi um artigo…; o que lhe posso dizer é que hoje a marca

Lisboa é muito mais conhecida do que há cinco anos, há dez anos, porque em

relação há 500 anos.... Acho que existe muito espaço para Lisboa ser a Londres

desta nova década, não sei se década se vintena de anos.

6 – A marca Portugal, marca Lisboa, marca Fado, são entidades singulares ou estão todas juntas no ideário coletivo?

São singulares na perspetiva de que são, representam, circunscrevem-se a, no

caso, territórios, no caso de uma cidade, uma zona do país, e no outro uma

manifestação cultural que não é do país inteiro, é do país inteiro enquanto

portugueses, mas não tem origem no país inteiro. Há uma população identitária

naturalmente e, portanto, uma unidade identitária, mas são entidades próprias, aliás,

isso é o princípio da força de uma marca de um país. Eu diria que a força de uma

marca de um país é o somatório da força das suas caraterísticas endógenas, dos

seus fatores de diferenciação, das suas marcas ou das suas submarcas. Essa

agregação entre a unidade e a multiplicidade, esse exercício de forças é que é o

fundamental.

7 – Qual é a imagem da marca fado?

Eu sou suspeito, não tenho uma imagem inocente do fado, já tenho uma imagem um

pouco mais aprofundada, portanto menos valiosa nesse sentido, para mim é uma

expressão de intensidade, eu nunca vi o fado como tristeza, lembro-me quando

comecei a estudar este tipo de coisas, o fado era uma coisa horrível, os meus filhos

diziam: «Não percebo, pai, com as modernices e o design afinal ouve música de

velhos!»

De facto, a última ou as duas últimas gerações de fadistas trouxeram quase o meu

sonho do fado, que era uma coisa sensual, uma forma linda de projetar a poesia

portuguesa e a língua portuguesa, a guitarra portuguesa, com uma intensidade

extraordinária. Eu tinha uma imagem muito idílica, mas que hoje corresponde à

realidade, não correspondia completamente à verdade naquela altura. Olhando para

trás, existia aquela misticidade, mas era mais ou menos a mesma coisa se

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compararmos o futebol contemporâneo com o Eusébio, foi preciso vir o Cristiano

Ronaldo para haver uma estética diferente, uma forma diferente, e, portanto, no fado

a mesma coisa. Esta geração de fadistas, talvez a começar na Mariza até à Gisela

João, conseguiu trazer uma coisa extraordinária, e mesmo os homens, por exemplo,

o Camané, trouxeram algo de novo, isto com todo o cuidado e respeito por pilares

como o Carlos do Carmo, era preciso dar um passo em frente e eu acho que se deu.

Eu sou um bocadinho suspeito para falar de fado, gosto muito, portanto…

8 – Qual a vertente mais forte do fado, para além do seu género musical, que utilizaria para construir a marca fado?

O fado é muito rico em imaginário, a começar pela indumentária preta, que é uma

coisa que tenho pena que se possa abandonar, porque é maravilhosa, a guitarra…

Eu diria que talvez esses dois ícones são os mais fortes.

9 – Qual seria a linha de raciocínio que seguiria para criar a marca fado sem estar preso ao género musical?

Há profundidade da alma, a este nível há um conjunto de coisas... e aqui na

profundidade das raízes está a alma, está a intensidade. A este nível há um conjunto

de iconografias: o preto, a guitarra, e na profundidade das raízes está a alma, está a

intensidade, enfim é a alma intensa, é uma alma em tensão, sofredora, mas capaz

de entrega, portanto está aqui um bocadinho da expressão da alma portuguesa.

10 – Todas as Marcas têm um logotipo, na sua opinião qual é o logotipo da marca fado?

A pomba do Espírito Santo vestida de preto. É uma pomba branca, não é uma

pomba negra.

11 – Tem uma ideia onde poderá estar a marca fado daqui a cinco ou quinze anos e tendo em consideração esta geração muito virada para as novas tecnologias?

Pode ter alguma influência, aos poucos tem tido alguma influência a música na

minha especialidade, ao nível dos ritmos pode haver aí alguma ligação, eu gosto

muito da ligação das coisas tradicionais com alguma modernidade, portanto, vejo

uma certa evolução. Gostaria que de facto houvesse mais gente nova a cantar com

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a alegria que se vê nestas novas e nestes novos fadistas. Vê-se mais mulheres do

que homens, eu acho que tem ajudado bastante porque os homens têm uma voz

extraordinária, mas as mulheres acabam por conseguir trazer uma vertente mais

sexy, portanto isso ajuda, não é chamar o fado de música só de mulheres ou só de

homens. Gostava de ver gente nova com uma garra enorme para cantar o fado e

sobretudo não perdermos a guitarra portuguesa. Há neste momento mais fadistas

extraordinários do que executantes de guitarra portuguesa.

12 – O fado poderá ser uma marca de luxo? Se sim, em que termos?

A génese do fado não é luxuosa, portanto é uma música de taberna, é uma música

de rua, de raiz popular. Se pode ser uma marca de luxo? Não sei, pode ser uma

marca com uma vertente de luxo, uma marca de luxo parece-me difícil porque há

uma certa contradição, desalinhamento identitário, numa perspetiva da sua origem.

Agora posso-lhe dar um exemplo de uma marca de luxo que tem origens muito

piores do que o fado nesse sentido, mas tem depois outro aspeto: não sei se sabe,

mas as pérolas negras é um problema das pérolas, é um problema, é uma doença,

quando foram encontradas era um problema que punha em causa a extração das

pedras, portanto teve que se inventar a raridade da pérola negra, literalmente, como

são mais raras teve que se pegar e transformar numa raridade e hoje são mais

preciosas do que as outras. Portanto, eu posso pegar numa origem humilde e

transformá-la numa coisa luxuosíssima, mas neste caso não é raro e, portanto, eu

acho que é uma marca de luxo…; é difícil…; estas coisas já são mais difíceis para

eu responder assim. Que é uma marca que tem potencial para ser posicionada

bastante mais qualificada do que é agora, sim, sem dúvida nenhuma. Não gosto

muito da palavra luxo porque estamos a contrariar a base do fado, enquanto nós

dizemos que uma marca de luxo, ouro e diamantes é uma marca de luxo, que vai

ser acessível a um pequeno conjunto de pessoas e vender num conjunto de sítios,

pronto, a gente entende, mas se o fado fosse colocado nesses termos, perderia a

sua ligação. Imagine que só se apresentava ao público em determinadas coisas,

enfim que se posicionaria claramente como uma coisa de luxo, mesmo que isso

fosse possível, isso seria uma certa contradição da sua natureza. Agora, o potencial

de valorização, e se a isso se chamar luxo, sim. Existe um enorme manancial de

valorização para que o fado seja consumido, por aquilo que falava um bocadinho ao

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princípio, genuinidade, diferenciação, intensidade, acho que é difícil ficar alheio a um

espetáculo de fado.

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Nome: Raimundo Tereso

Profissão: construtor de guitarras portuguesas e violas

Local: oficina na zona Alta de Arcena, Alverca

Data: 21/02/2017

1 – Fale-me da sua experiência no universo do fado.

Trabalhei na TAP durante 34 anos, um dia, por brincadeira, num almoço entre

funcionários, começámos com umas cantorias e a partir daí comecei a cantar. Eu

gostava muito de cantar. Fui a uns programas de fados como convidado. Acharam

que eu tinha jeito para isso. Depois comecei a ter interesse em frequentar as

atividades culturais do clube TAP, entretanto comprei uma guitarra e comecei a

ensaiar com outros colegas, até que fizemos uma saída à Venezuela no dia 10 de

Junho, no dia de Portugal, foi aproximadamente há 30 anos. Fizemos dois

programas na Venezuela, o primeiro foi no dia de Portugal e o segundo foi um mês

depois, tratava-se da semana gastronómica no hotel Tamaraco, em Caracas. Mais

tarde deslocámo-nos ao Zimbabué também para fazer dois programas, o primeiro

aconteceu na Casa Portuguesa e a seguir, uma semana mais tarde, a semana

gastronómica, salvo erro no hotel Jameson.

2 – E qual era o vosso público?

O público que frequentava as semanas gastronómicas na Venezuela era

essencialmente italiano, inclusive o diretor do hotel. Era frequentado também por

ministros e por embaixadores, não se viam muitos portugueses. No Zimbabué eram

mais ingleses. Também fizemos vários pogramas na Alemanha, recordo-me dos

colegas que também participavam; recordo-me da Maria Guinot, que tinha ganho um

festival da canção há pouco tempo, e do Tino Costa…

3 – E aí o senhor ia também como cantor?

Ia como cantor fazendo a parte das variedades, na vertente do fado.

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Também acompanhei o Rancho Folclórico da TAP em deslocações a Angola, em

que aproveitavam o fado para fazer para fazer a mudança dos trajes nos intervalos.

Eles tinham os trajes quase todos: do Minho, da Nazaré, do Algarve, da Madeira, e

faziam as danças todas. E para não parar os espetáculos, nós fazíamos esse

apontamento, precisamente para dar tempo a que eles pudessem mudar de roupa.

4 – E voltando ao Zimbabué, quem era o vosso público, eram estrangeiros?

Eram todos estrangeiros, normalmente eram (ingleses).

5 – Que estavam lá a passar férias?

Não, residiam lá. E mostravam interesse em ver um espetáculo de fado. Pura

curiosidade. A cozinha portuguesa também tem muita tradição, as pessoas gostam

da comida portuguesa, por exemplo, na Venezuela recordo-me que foi daqui uma

tonelada de alimentos, propositadamente para aquele evento, inclusive foram

pasteleiros, foram cozinheiros do Restaurante Tavares Rico, do Hotel Estoril Sol,

foram técnicos, precisamente para a cozinha portuguesa estar bem representada.

6 – O senhor continua a cantar?

Isto foi uma fase, depois as coisas começaram a alterar-se um bocado porque em

toda a parte do mundo onde há portugueses começam a aparecer grupos a cantar o

fado, grupos locais de portugueses, que residem nesses países. Eu recordo-me que

na Venezuela já havia um grupo, um guitarrista e um fadista que faziam lá os

programas deles, isso agora acontece um bocado por todo o lado. Na Alemanha e

na França são emigrantes que fazem os próprios grupos de espetáculos de fado; eu

conheci na Alemanha, na zona de Frankfurt, um grupo ou dois de portugueses, na

Suíça também há, há em todo o lado agora. Há grupos de fadistas por todo o lado, e

é talvez por isso que já não solicitam tanto esta situação do Clube TAP porque,

antigamente, através dos comerciais e das relações públicas da TAP, as

comunidades solicitavam a TAP, «O que é que vocês têm aí para fazermos um

espetáculo?», depois eles diziam: «Nós temos o folclore, temos o fado …», de

maneira que o folclore era um bocado mais complicado porque implicava a

deslocação de muita gente, o fado adequava-se mais facilmente.

7 – Ainda existe esse clube?

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O clube TAP ainda existe, sabe, eu já estou reformado há seis anos e agora não

frequento muito a TAP, mas acho que já não tem expressão nenhuma. Também fiz

parte do grupo coral da TAP, durante uns anos, acho que isso acabou tudo. Tinham

um conjunto musical muito bom, também acabou, foi uma fase.

8 – E depois como é que deu o salto para as guitarras?

Eu como fazia trabalhos de precisão lá na manutenção dos aviões, para mim fazer

as coisas não era assim muito difícil, às vezes outros construtores até me pediam:

«Trabalhas na TAP, eu preciso de uma ferramenta rigorosa e tal… », e eu às vezes

colaborava nisso. Foi então aí que eu comecei, por um lado a querer tocar guitarra,

e depois a querer fazer a minha própria guitarra, porque normalmente há a

tendência de todos os guitarristas gostarem de fazer uma guitarra, gostam de fazer o

próprio instrumento, e mesmo se nós olharmos para muitos guitarristas que há por

aí, todos experimentaram fazer a sua guitarra. Podem é não ter conseguido…

Alguns são bons construtores, tem, por exemplo, o caso do Carlos Macedo, que é

um fadista que esteve muito tempo no Sr.Vinho, que é construtor de guitarras, tem o

Manuel Mendes que esteve muitos anos no Faia, e que também era construtor de

guitarras, ou até mesmo o Jaime Santos, esse já não conheci, que era um famoso

guitarrista e que também fazia guitarras, portanto há uma certa tendência… Quem

toca tem uma certa tendência para querer construir, depois aí…, quer dizer, querer

construir todos querem, mas depois é um bocado de habilidade de mãos, paciência

também, e depois há uns que conseguem e há outros que não conseguem. Eu fiz

umas guitarras, as primeiras não ficaram muito boas, a gente vai melhorando, vai

trocando impressões com os outros construtores e vai-se sempre melhorando pouco

a pouco.

9 – E como conseguiu chegar ao contacto com os outros construtores?

O pai do Óscar Cardoso, o Óscar Cardoso é um dos melhores construtores, mora ali

próximo de Odivelas, eu conheci o pai dele e como morava lá próximo muitas vezes

fazia-lhe visitas…

10 – E aprendia?

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Fazia-lhe visitas quando podia, porque eu trabalhava por turnos, e ele às vezes

pedia-me para lhe fazer as tais ferramentas, e eu depois fazia e ia lá ter com ele,

como gostava do Fado e também gostava das guitarras… Ele era muito

conversador, nós às vezes estávamos lá a conversar um bocado, entretanto eu

comprei uma guitarra, era uma guitarra de pouca qualidade que comprei ao Manuel

Cardoso, não foi feita por ele, era daquelas guitarras que eles mandavam vir do

fabricante de Braga, são guitarras baratas, tinha-as ali, ele era visitado por muitos

clientes. Havia sempre alguém que comprava… e eu comprei uma guitarrinha

dessas, mas ela tinha pouca qualidade, daí também começou o interesse em eu

fazer uma guitarra com madeiras de melhor qualidade, com os conhecimentos que

eu já tinha mais ou menos, se calhar também tinha dado uma olhadela para ver

como é que ele fazia e pronto, aproveitei e comecei a fazer.

11 – E as madeiras são compradas cá em Portugal ou têm que vir de fora, têm algum requisito especial?

Inicialmente eu fui a Braga comprar algumas madeiras, o pau santo e o pinho de

Flandres, nos fabricantes de instrumentos que lá existem, depois comecei a

encomendar de Espanha, porque cá em Portugal à venda por aí não há e cada vez

é mais complicado porque há restrições no corte das árvores.

12 – Na construção das guitarras tem que ter uma madeira especial?

Já que temos o trabalho de fazer um instrumento, convém fazer de uma madeira

boa. O trabalho é o mesmo e se se faz um instrumento de uma madeira que não tem

grande valor, também não dá grande entusiasmo de fazer.

13 – É muito cara uma boa guitarra?

É subjetivo, uma guitarra boa pode ir de 100 a 5 000 euros. Até mesmo os

fabricantes brasileiros, havia uma marca que era a Gianini e a Bigiorge. Havia

guitarras de 100 euros a 5 000 euros.

14 – E as suas quanto custam?

As minhas guitarras não são caras, andam à volta de 1 000 euros.

15 – Qual é o tempo de espera por uma guitarra?

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O tempo mínimo de espera tem que ser de dois meses.

16 – Considera a guitarra um objeto de luxo?

Não, depende da pessoa, há pessoas que necessitam delas para trabalhar e aí não

é.

17 – Mas acha que é um objeto valorizado? Uma guitarra é uma coisa restrita, não é uma coisa que nós vamos ao supermercado e possamos comprar facilmente.

Hoje em dia já se compra….

18 – E é com essas que os guitarristas tocam nos espetáculos?

Depende da exigência do guitarrista, isto é assim, já tenho visto guitarristas com

uma guitarra de pouca qualidade e que tiram muito som e tenho visto outros que

com guitarras de luxo não tocam por aí além. O guitarrista é que manda, quem tem

unhas é que toca viola.

19 – Quem pode fazer esse fator de diferenciação é mesmo o guitarrista?

O instrumento convém ser bom, mas se o guitarrista não for bom e o instrumento

não prestar são logo duas coisas negativas.

20 – Considerando um bom guitarrista, reconhecido pelo público, ele tem uma guitarra boa?

Pois, isso é como a mocidade querer uns ténis de marca, podem não prestar, mas

têm que ter aquela marca, ninguém se que ficar atrás.

21 – Que tipos de fado existem?

Há muita gente que defende muito o fado tradicional, há o fado tradicional, há o fado

musicado, há o fado canção, há a canção de Coimbra…

O fado tradicional normalmente é um fado em que a música é a mesma, mas que o

artista pode cantar com letras diferentes, por exemplo, o fado «Victória», que é

cantado com a letra do «Povo que Lavas no Rio», também é cantado com a «Igreja

de Stº. Estevão», portanto, o «Povo que Lavas no Rio» foi gravado pela Amália, e a

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«Igreja de Santo Estevão» foi popularizada pelo Fernando Maurício, a música é a

mesma. Há muito fado tradicional cuja música é sempre a mesma, mas as letras

podem variar desde que as métricas das letras encaixem, eles adaptam.

22 – Hoje em dia fala-se do novo fado...

Pois, é como nós a fazer guitarras, nunca se faz da mesma maneira, a gente faz-lhe

sempre uma alteração a ver o que é que vai dar e o fado…; quem anda no fado e

tem alguma pretensão, pensa sempre fazer uma coisa diferente para alterar, para

melhorar, para inovar.

23 – Qual é a situação do fado em Portugal, já me disse há pouco que no estrangeiro eramos muito requisitados, e em Portugal, agora, o que acha?

Em Portugal há muito fado, por um lado as casas que dão fado em Alfama e no

Bairro Alto multiplicaram-se, porque como há mais turismo, as pessoas encontrarão

uma maneira de rentabilizar os seus negócios, qualquer tasca, qualquer casinha que

abra, a tendência é logo abrir uma casa de fados, porque vêm aí uma forma de

ganhar dinheiro, existe muito turismo que pode pagar as refeições muito caras, eles

aí fazem negócio. Logo aí há mais fado do que havia há alguns anos, por outro lado,

houve também um determinado desenvolvimento a nível local, por todo o lado há

escolas de fado. Sei que aqui em Alverca havia uma que agora parece que está

quase extinta, havia aqui duas escolas de fado, mais ao lado, na Póvoa de Santa

Iria, há uma escola de fado, em Odivelas há outra escola de fado. Coisas que há dez

ou quinze anos não existiam, e isso dá origem a que as escolas sejam frequentadas

por jovens e também muito por pessoas de idade que nunca cantaram. Como não

têm nada que fazer, querem experimentar a cantar uma cantiga que sabem e

começam a apanhar o bichinho das cantorias. E o que é que acontece? isso dá

origem a programas de fados, porque as pessoas vão à escola aprender dois fados

e depois querem ir mostrar o que aprenderam aí num restaurante ou numa

coletividade; isso dá origem a que os programas de fados se multipliquem. Muitas

vezes não é um fado de qualidade, há muita deficiência a nível de compassos e

afinação…

24 – E os outros fadistas, esses que já são mais conhecidos?

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Os que são mais conhecidos, nesses programas de fados que andam por aí, é bom

que apareça um fadista que saiba cantar, para fazer a diferença.

25 – Acha que hoje em dia estamos melhor representados no fado lá fora, com mais qualidade, com todo o espetáculo mais enriquecido?

Acho que sim, porque agora há bons músicos, há excelentes guitarristas e acho que

musicalmente está melhor. Ainda me recordo daqueles filmes antigos que a gente

via, até do fado de Coimbra, em que os tocadores praticamente só arrastavam as

cordas e tocavam sempre no mesmo tom, sem grande qualidade, aí tinha que ser o

fadista a fazer a diferença. Agora a gente vê nas gravações que o fadista até nem é

um fadista cinco estrelas, mas se tem um bom acompanhamento…; às vezes a

gente pode não estar a ligar muito ao que o fadista está a cantar, mas tem o ouvido

nas guitarras que estão a fazer coisas brilhantes, e é agradável.

26 – Acha que o fado pode ser uma marca, um símbolo, uma forma de sermos reconhecidos? A indústria do fado já tem alguma expressão ou ainda é muito embrionária?

Eu acho que sim, não estou a ver que seja já assim de hoje para amanhã que se

possa dizer que o fado seja uma marca…

27 – Lá fora, quando ia a esses países, as pessoas associavam o fado a Portugal e a Lisboa ou era desconhecido?

Era desconhecido.

28 – E acha que agora isso mudou?

Claro, isto agora vem aí tanta gente e as pessoas quando vão a outro país querem

tomar contacto com as culturas e o fado como faz parte da nossa cultura; é

obrigatório que as pessoas que cá vêm tomem algum contacto com o fado.

29 – Quem são os seus clientes? São clientes estrangeiros? Faz exportação das suas guitarras?

Não, não trabalho muito, faço meia dúzia de guitarras por ano. Sou reformado é

mais um hobby para passar o tempo, é a minha terapia estar aqui. Não tenho

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grandes pretensões. Os meus clientes são o pessoal que eu conheço, que cantam e

me conhecem, uns falam com os outros.

30 – E tem como clientes guitarristas famosos?

Tenho alguns, já esteve aqui o Parreira, que é um bom guitarrista. Toca ele e tocam

os filhos. Há aí um outro que é o António Jorge, que é lá dos lados do Barreiro, o

Fernando Silva, que tem sido o guitarrista da Dulce Pontes.

31 – Existem muitas pessoas a trabalhar neste ofício?

Há muita gente a trabalhar, por aqui cada vez aparecem mais, já me têm pedido

para eu lhes ensinar a fazer as guitarras, entrou aqui um rapaz que já fez duas ou

três violas, que eu ensinei a fazer, e ele já se desenrasca, mas como nunca

trabalhou…, isto não é fácil, só vontade não chega…

32 – Há pouco falou que existem pessoas muito conceituadas a trabalhar neste ofício, quem são?

Na região de Lisboa, os mais credenciados são o Óscar Cardoso e o Grácio, que

deu aulas de construção através da Secretaria de Estado da Cultura e da C.M. de

Oeiras e teve para lá uma série de alunos. Desses alunos que ele teve acho que

ficaram alguns que estão a construir. Aqui na zona de Lisboa havia um que era o

Guerra, que era da zona do Montijo, e um outro também da mesma zona, que era o

Palmeiro, mas já faleceram há uns anos. Já me têm falado que para as Caldas da

Rainha há agora um construtor novo, agora a força da construção é mais em Braga,

Felgueiras. Eu conheço lá uma fábrica de instrumentos que na altura em que eu lá

fui tinha 20 ou 30 funcionários. Faziam milhares de instrumentos por ano para

exportação.

33 – Acha que o fado poderá ser uma marca de luxo?

A nível dos principais artistas. Isto é quase como no futebol, no futebol temos os

grandes clubes que jogam na 1.ª divisão, jogam muito bem, mas depois também há

os clubes pequeninos das distritais, que também sabem jogar e as pessoas também

vão ver. Claro que os artistas principais são aqueles que nos têm que representar,

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têm outras exigências com os músicos, têm muitos ensaios para não falhar nada nos

espetáculos, a marca está por aí…

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Nome: Sara Pereira

Profissão: Diretora do Museu do Fado

Via e-mail

Data: 05/03/2017

Nos últimos quinze anos o Fado adquiriu indiscutivelmente uma visibilidade

crescente e uma presença marcante no conjunto da vida cultural portuguesa.

A sua inscrição na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da

Humanidade (UNESCO) em 2011, traduziu-se num marco fundamental na

revitalização e na promoção local e internacional do género.

Aprovada por unanimidade por todas as forças políticas, quer na Câmara Municipal

de Lisboa e na Assembleia Municipal de Lisboa, quer na Assembleia da República,

contando com o alto patrocínio do Presidente da República, a candidatura do Fado à

UNESCO ultrapassou todas as barreiras partidárias em nome de uma causa coletiva

de salvaguarda e promoção da cultura portuguesa.

Desenvolvida pelo Museu do Fado (CML/EGEAC) a candidatura reuniu um alargado

consenso em Portugal, transformando-se num projeto partilhado e num desígnio

comum.

Desde logo pela participação ativa e efetiva da comunidade artística do Fado que fez

desta a sua causa, assumindo-a com vigor e determinação, com memória e

modernidade.

Depois porque mobilizou num esforço coordenado:

Instituições arquivísticas e museológicas,

Associações profissionais representativas da comunidade artística;

Empresários e editores fonográficos;

Investigadores, colecionadores;

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Universidades e escolas do ensino básico ao secundário;

Coletividades culturais e recreativas de norte a sul do país.

Casa-mãe da candidatura à UNESCO, o Museu do Fado tem desempenhado um

papel determinante na implementação do Plano de Salvaguarda constante da

candidatura, estimulando a criação artística, promovendo a investigação, resgatando

fontes históricas fundamentais para a história do Fado, desenvolvendo programas

educativos - com a participação ativa da comunidade artística -, multiplicando

parcerias com instituições e arquivos detentores de acervos relevantes para o

estudo do género, impulsionando o diálogo com outras áreas de criação artística -

como é o caso do teatro, do cinema, ou das artes plásticas -, programando

exposições e concertos, ou mesmo Festivais Internacionais de Fado.

A candidatura do Fado consubstanciou-se num PLANO DE SALVAGUARDA que

contempla cinco eixos programáticos de atividade que têm vindo a ser

desenvolvidos pelo Museu:

1. REDE DE ARQUIVOS

O Museu do Fado firmou protocolos com dezenas de instituições arquivísticas e

museológicas com objetivos de cooperação estratégica ao nível da preservação do

património do Fado. Integraram esta rede instituições como a Biblioteca Nacional, os

arquivos da RTP/RDP, o Instituto de Museus e Conservação (Museu da Música,

Museu Nacional de Etnologia, Museu Nacional do Teatro, Museu José Malhoa), a

Associação Fonográfica Portuguesa, o Sindicato dos Músicos, o Sindicato dos

Trabalhadores de Espetáculo, a Direção Geral dos Serviços e Estabelecimentos

Prisionais,93 a Associação Portuguesa dos Amigos do Fado, a Academia da Guitarra

Portuguesa e do Fado, a Confederação Nacional das Coletividades de Cultura,

Recreio e Desporto, a Sociedade de Instrução e Beneficência Voz do Operário, entre

outras entidades, públicas e privadas.

2. ARQUIVO SONORO DIGITAL

93 Que tem um Arquivo com acervo relevante para o estudo do fado. Com a Direção Geral dos

Serviços Prisionais foi feita uma exposição no Museu do Fado, em 2010, reunindo trabalhos de

reclusos de vários estabelecimentos prisionais de norte a sul do país.

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Em junho de 2016, o Museu do Fado apresentou o Arquivo Sonoro Digital,

reunindo milhares de registos de fados gravados desde o início do século XX,

consubstanciando-se no maior arquivo histórico do som existente em Portugal.

Os trabalhos desenvolvidos ao abrigo da candidatura permitiram identificar, em

inventários preliminares realizados em distintas coleções, públicas e privadas, um

total de 30.000 títulos/repertórios associados ao Fado.

Desenvolvido em parceria com o Instituto de Etnomusicologia da Universidade Nova

de Lisboa o Arquivo Sonoro Digital encontra-se alojado no site do Museu do Fado,

permitindo a pesquisa remota, através da internet, de milhares de registos sonoros

desde o início do século, até à implementação da gravação elétrica, facultando a

pesquisa integrada por intérprete e repertório.

www.arquivosonoro.museudofado.pt/

3. PROGRAMA EDUCATIVO

O Museu do Fado tem desenvolvido programas educativos no sentido de promover

gradualmente a integração transversal de conteúdos relacionados com o universo e

cultura do Fado nos programas escolares dos vários níveis de ensino – do básico ao

superior - através de programas pedagógicos formulados em parceria com a

comunidade escolar, conservatórios de ensino artístico e as universidades.

4. PROGRAMA EDITORIAL

Nos últimos anos foram publicados mais livros sobre o Fado do que durante todo o

século XX.

Um intervalo de um século separa a publicação da primeira história do Fado, de

Pinto de Carvalho (Tinop), publicada em de 1904 e a obra Para uma História do

Fado, de Rui Vieira Nery, de 2004.

De facto, se olharmos para a bibliografia sobre Fado produzida durante todo o

século XX, rapidamente percebemos que ela é essencialmente crítica ou apologética

do género.

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Nos últimos anos, este cenário alterou-se profundamente: o Museu publicou

dezenas de livros (entre catálogos de exposições, monografias, ensaios críticos,

materiais pedagógicos) e apoiou a edição de dezenas de filmes e documentários

sobre o Fado, da autoria de jovens realizadores portugueses.

No quadro do Plano de Salvaguarda temos publicado fontes históricas, antologias de

poesia, ensaios críticos e analíticos, fontes iconográficas, disponibilizando ao público

em geral e aos investigadores em particular um extenso corpo documental até agora

de difícil acesso.

Veja-se a coleção de fac-símiles atualmente publicada pelo jornal PÚBLICO em

parceria com o Museu do Fado (de 19 de dezembro a 16 de fevereiro de 2017).

5. AÇÕES DE PROMOÇÃO NACIONAL E INTERNACIONAL

No que concerne aos circuitos de Fado de Lisboa, o Museu tem promovido,

designadamente:

1. Visitas Cantadas, nos meses de verão, aos bairros históricos de Lisboa.

2. Ações de promoção das Casas de Fado, designadamente a publicação de um

Roteiro de Fado, disponível para consulta no site do Museu e a partir do qual é

possível a visita virtual aos diferentes espaços de Fado na cidade de Lisboa:

Casas de Fado, Oficinas de Guitarreiros, Museu do Fado, Fundação Amália;

http://roteiro.museudofado.pt/

5.1. Programação de Festivais Internacionais de Fado

Desde 2011 o Museu do Fado tem procedido à promoção e programação de

Festivais Internacionais de Fado, no quadro de um eixo estratégico do Plano de

Salvaguarda apresentado à UNESCO: o reforço da promoção internacional do Fado,

da Língua e da Cultura portuguesas.

Contando com o apoio do Turismo de Portugal, os Festivais Internacionais de Fado

converteram-se numa extraordinária mostra de Fado a nível internacional,

oferecendo uma oportunidade única de afirmação dos artistas portugueses no

panorama da música internacional. Sempre radicados num teatro emblemático de

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cada cidade, durante três dias os Festivais apresentam uma programação de

concertos, conferências, exposições, projeção de filmes, workshops, etc.

Em 2017 estes Festivais estendem-se a seis grandes cidades da Europa e da

América Latina (Bogotá, Buenos Aires, Santiago do Chile, Madrid, Sevilha, Rio de

Janeiro e São Paulo).

5.2. Programação Internacional de Exposições| Exposições Itinerantes

Desde 2011 o Museu do Fado desenvolveu um programa de itinerância de

exposições sobre o Fado (França, Inglaterra, Argentina, Brasil).

Para além das exposições produzidas no quadro dos Festivais Internacionais, o

Museu do Fado preparou também uma exposição na Coreia do Sul em 2015

(National Intangible Heritage Center of Korea, Jeonju, outubro e novembro) e

coproduziu a exposição Amália Saudades do Brasil, no Rio de Janeiro e em S.

Paulo, em 2016.

ALGUMAS NOTAS SOBRE O IMPACTO DA CONSAGRAÇÃO DO FADO JUNTO

DA UNESCO

Para lá do inequívoco reforço na preservação deste património, inerente ao

programa da candidatura, também a promoção do Fado enquanto fator diferenciador

da cidade de Lisboa revela uma tendência de crescimento extraordinariamente

positivo.

Veja-se, a título de exemplo, o acréscimo substancial de visitantes do Museu do

Fado: se em 2010 o Museu contabilizava cerca de 35.890 visitantes, em 2016 os

públicos do Museu ascenderam a cerca de 170.000 visitantes/espectadores

ano.

O Fado é hoje uma das correntes com maior capacidade de afirmação no âmbito da

chamada World Music e nesse quadro dialoga abertamente, em pé de plena

igualdade, com outros géneros performativos poético-musicais, tanto populares

como eruditos;

O Fado é hoje um campo de estudos científicos, de legitimidade incontestada.

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É um ativo cultural estratégico da cidade de Lisboa, que tem demonstrado uma

tendência inequívoca de crescimento, com indicadores muito positivos ao nível da

oferta e da procura, apesar da crise dos últimos anos.

Tem presença assídua na programação das salas de espetáculo mais prestigiadas

do mundo, e em Portugal, desde 2011 - segundo dados do INE e do IGAC -, a

programação de Fado e os seus públicos registaram globalmente um aumento

aproximado de cerca de 50%, enquanto outras expressões artísticas registaram

subidas mais modestas, como é o caso do pop/rock, de 11%, ou do jazz, de 33%, ou

mesmo descidas, como, por exemplo, descida de 10% da música clássica ou de

68% da música popular tradicional.

O Fado corresponde hoje a cerca de 60% do valor total das exportações da música

portuguesa, quando em 2010 esta percentagem não atingia os 40%.

Existem atualmente cerca de 40 casas de Fado na cidade de Lisboa, 30 com elenco

artístico residente, num total aproximado de 240 artistas ativos diariamente neste

circuito.

O MUSEU DO FADO

Desde a sua abertura ao público em 1998, o Museu do Fado incorporou os espólios

de centenas de intérpretes, autores, compositores, músicos, construtores de

instrumentos, estudiosos e investigadores, artistas profissionais e amadores, em

suma, de centenas de personalidades que testemunharam e construíram a história

do Fado e que não hesitaram em ceder-nos os testemunhos do seu património

afetivo e memorial para a construção de um projeto comum.

A todos o Museu do Fado presta a sua homenagem, investigando, conservando e

promovendo as singularidades desta arte performativa, oriunda dos bairros

históricos de Lisboa e que ao longo de uma História aproximada de 200 anos foi

capaz de absorver influências culturais e tecnológicas diversas, desenhando um

trajeto de consagração nas mais diversas áreas, e que se perpetuaram ao longo de

quase todo o século XX, na exata proporção da sua celebração popular.

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Integrando um acervo único no mundo, de relevância primordial no estudo do nosso

património cultural e etnográfico, o Museu incorporou, desde a sua implementação e

ao longo de uma década de atividade, distintas coleções de periódicos, fotografias,

cartazes, partituras, instrumentos musicais, fonogramas, trajes e adereços de

atuação, troféus, medalhística, documentação profissional, contratos, licenças,

carteiras profissionais, entre inúmeros outros testemunhos que coexistiram e/ou

criaram o Fado, património essencialmente intangível e imaterial, que todos

reconhecemos efémero, fugaz, incorpóreo, irrepetível e, neste sentido, dificilmente

se materializando noutro testemunho que não o da memória individual de cada um

de nós.

Assumindo conceptualmente o Fado como uma arte performativa em permanente

construção, o Museu integra diferentes valências funcionais – escola do Museu,

centro de documentação, auditório, circuito expositivo permanente e temporário –

que, numa perspetiva integrada, contribuem para o cumprimento da missão definida

de angariação, preservação, conservação, investigação, interpretação e fruição do

acervo patrimonial alusivo ao universo do Fado, promovendo o conhecimento e a

aprendizagem contínua e pluridisciplinar sobre esta expressão musical. O Programa

de Atividades do Museu do Fado para o exercício do ano de 2015 centra-se na

prossecução das atividades consagradas à salvaguarda e promoção do universo do

Fado, designadamente as iniciativas constantes do Plano de Salvaguarda plurianual

inscrito na Candidatura do Fado à Lista Representativa do Património Cultural

Imaterial da Humanidade (UNESCO), bem como a programação regular de

exposições temporárias, concertos e ações diversificadas no quadro dos serviços de

extensão cultural do Museu.

Todo o processo de candidatura e, mais tarde, de consagração do Fado junto da

Unesco se traduziu num incremento substancial de visitantes do Museu do Fado.

Contabilizamos hoje um total aproximado de 170.000 visitantes, quando em 2010

não chegávamos aos 80.000.

À semelhança de anos anteriores, o Museu prosseguirá a coprodução de Festivais

Internacionais de Fado, a par da itinerância nacional e internacional de

exposições, da programação de Concertos, e da realização de Visitas Cantadas

aos circuitos expositivos, permanentes e temporários, bem como aos bairros

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históricos da cidade. No que concerne à programação cultural prosseguirá, no ano

de 2015, o ciclo Há Fado no Cais, em parceria com a Fundação Centro Cultural de

Belém.

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Nome: Manuel Marçal

Profissão: Empresário

Local: Lisboa

Data: 06/03/2017

1 – Fale-me da sua experiência neste universo do fado.

Eu comecei a ir ao fado como qualquer pessoa que por ele se apaixona, comecei a

ir ao fado como ouvinte, existem três tipos de fadistas: os que tocam, os que cantam

e os que ouvem, que são os que fazem mais falta. Depois, à medida que estava no

fado, comecei a cantar e a ir a casas de fado, a conhecer pessoas, acabei por ficar

diretor artístico de uma casa de fados, que era o Estafado, e a seguir da casa da

Mariquinhas. Um diretor artístico contrata os músicos e os fadistas, organiza o

trabalho para se cantar, fecha a luz, abre a luz, etc. Depois aí tive muito contacto

com pessoas que gostam de fado, estrangeiros em particular, quando calhavam

nestas casas, e ao falar com estes estrangeiros, reparei que quando lhes era dada

uma explicação do que é o fado, coisa que eles não sabiam, eles apreciavam o fado

de uma forma completamente diferente e saíam de lá felicíssimos da vida. Desde a

parte do poema, que é 80% da importância do fado, e eles perdem isso, só o poder

traduzir ou dar a ideia geral do que é que está ou vai ser cantado ajuda, quanto mais

explicar a génese do fado, os diferentes tipos de fado que existem, de forma a eles

conseguirem compreender. Tanto que criei a Empresa a Fatomo, mesmo para

explicar ao turista cultural o que é que é o fado e mostrar-lhe os sítios onde ainda

existe o fado, e onde, nós portugueses que ainda gostamos de fado, vamos. E

consigo-lhe garantir que a seguir a uma conversa com um destes grupos de turistas

culturais eles ficam a saber mais de fado do que a esmagadora maioria dos

portugueses.

2 – Hoje existem mais pessoas a procurar espetáculos de fado?

Definitivamente, houve uma quebra gigante a seguir ao 25 de Abril, altura em que o

fado era malvisto, por politiquices. Depois ficou aquela ideia de que o fado era só

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para velhos, eu próprio passei por isso quando era mais novo, lembro-me

perfeitamente de amigas minhas convidarem-me para ir ao fado, e eu dizer «isso é

para velhos», eu a querer ir, mas não ia dizer isso a umas meninas. E depois

começa uma explosão muito forte, devido a alguns fadistas que começaram a

apresentar o fado de uma maneira mais leve, que permitiu a entrada de novos

ouvintes, que, tenho amigos meus que começaram por ouvir esses fadistas e hoje

em dia já não ouvem, vão aos fados e já só gostam de fado, mesmo fado.

3 – Fado tradicional, não é?

Não obrigatoriamente, fado tradicional é um tipo de fado que existe que é tão

importante como o fado musicado, mas isso são os diferentes tipos de fado que

existem. O musicado é, por exemplo, o «Não Venhas Tarde», do Carlos Ramos, o

musicado é o que tem refrão, o tradicional não tem refrão, só para ajudar a separar,

agora, tanto o tradicional como o musicado não têm bateria.

4 – Hoje fala-se no novo fado em contraponto ao tradicional?

Isso é um erro, porque há fado e há outras coisas que convém vender como fado

porque são mais vendáveis, mesmo que não o sejam. E isto vai muito contra a ideia

de criar uma marca do fado, porquê? Porque uma marca não sobrevive, por

exemplo, há pouco falámos da Louis Vuitton. A marca não sobrevive se para além

das carteiras começasse a vender carros e batedeiras, se calhar não ia funcionar da

mesma maneira, não há novo fado, existem fados novos e existem coisas que não

são fado e são vendidas como fado.

5 – Então o fado, segundo esse prisma, não se adaptou às novas tendências?

O fado não precisou de se adaptar, o fado vive do poema certo? Porque é que hoje

em dia há uns poemas giros cantados por uma Ana Moura, que ficam na cabeça das

pessoas, e eu não estou a falar do Desfado, que ela é a primeira a dizer que não é

fado. Estou a falar de poemas que ela canta em fado ou em músicas com a estrutura

de fado, ficando fados musicados que as pessoas ouvem, porquê? Porque são

escritas atualmente. Esse fado tem o mesmo impacto hoje em dia do que nos anos

40, um fado sobre uma espera de gado tinha muito impacto na população que

estava habituada a isso, tem a ver com as temáticas. Em relação à introdução de

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outros instrumentos no fado, há pessoas que acham: «Ah! tocar o fado ao piano?»,

o piano já era tocado muito antes, mesmo no início do aparecimento fado até, já era

usado o piano para tocar, em salões, etc. Agora, quando põem uma bateria que vai

ao encontro de uma parte do fado, que o torna único, que é não haver tempo. O

fadista é que impõe o tempo que quer, uma bateria obriga a ficar sempre no mesmo

tempo e o fadista não pode fazer isso, então começa logo a não ser fado. O fadista

já não vai interpretar o poema, ou melhor, vai estar ali naquele tempo a ir atrás dos

instrumentos e não os instrumentos a irem atrás do fadista, que é o que eles têm

que fazer, acompanhar o fadista.

6 – Pode-se dizer fado tradicional em contraponto com o «novo fado»?

O fado tradicional são os fados que têm um nome que dá para pôr vários poemas,

são à volta de 200, Fado Mouraria, Fado Corrido, Fado Margaridas, Fado Cigano…,

são fados em que já estão as melodias feitas, a estrutura, e eu ponho o poema que

quero cantar lá, em estrutura de fado, quadras, sextilhas, quintilhas, décimas, etc.,

isso é o fado tradicional, fado musicado…. Existem fados musicados mais antigos

que nós os três juntos. Portanto, se eu disser o novo fado e o fado tradicional estou

a cometer um erro. O novo fado é uma coisa que não existe, existe o fado hoje em

dia, não quer dizer que seja novo.

7 – Pode é haver novos fados tradicionais?

Pode haver novos fados tradicionais, têm é que ser criados, se cumprirem a

estrutura do fado.

8 – Existem mais pessoas a procurar espetáculos de fado?

Sim.

9 – Qual o público alvo?

É muitíssimo variado. É preciso alguma maturidade para se apreciar o fado, se ele

vive assim tanto do poema, tem que ser alguém que, pelo menos, compreenda as

ideias que estão lá, portanto, raramente se vê, nas casas de fado, alguém com

menos de 18 anos, e mesmo assim esses são raros, começam a partir do meio dos

vinte para cima.

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10 – Mas será que esta tendência vai vingar nos jovens de vinte e muitos anos?

Isso já pegou, o fado já perdeu aquela conotação de ser de velhos, etc. Há quinze

anos eu estava nos fados com amigos meus que tinham 18 anos, e grupos grandes.

Se quiser ver, há uma coisa que está no Youtube que se chama fado tradição, são

muitos miúdos novos a cantar fados tradicionais, mas em modo medley.

11 – Acha que o fado está na moda?

O fado está na moda cá, e conseguimos ver isso em pessoas que vão ao fado,

porque vão aos fados e depois estão lá e dizem «Eu nem gosto de fado...», mas

vão, porque está na moda. E depois nota-se pessoas a converterem-se ao fado, a

começarem a apreciar. Lá por fora, o fado está com muito mais visibilidade, se

calhar não tanta como já teve na altura da Amália, em França, em Espanha, etc.,

mas podia ser mais comunicado. Agora, se calhar, nós também não sabemos como

é que é a música tradicional dos Balcãs cá, e o fado continua a ser uma música de

nicho que está a ser transformada em algo maior, o que não é fácil. E a razão de ter

criado a minha empresa foi mesmo para isso, por o fado estar na moda, no meio das

pessoas que vêm cá e do chamado movimento “turismo de fado”, que é uma coisa

que começou a haver. Dentro desse tipo de pessoas existem algumas que querem

conhecer o fado mais a fundo, então aí é que eu entro. É uma das vertentes da

minha empresa, poder levar os turistas ao fado à séria, que é difícil de encontrar, e

mesmo que eles tivessem, por sorte, encontrado o sítio, iam estar lá e não iam estar

a apreciar tanto como poderiam, porque iam estar um pouco perdidos, sem perceber

o ambiente e as coisas que fazem o fado, porque o fado é uma coisa que vive do

ambiente, o ambiente é que o faz… Há um termo que é «o fado acontece», ou

acontece ou não acontece: o mesmo guitarra, o mesmo viola e o mesmo fadista, no

mesmo sitio, à mesma hora, hoje cantam e é uma coisa que nos toca muitíssimo e

no dia a seguir nem por isso. Óbvio que não é só o que eu faço na minha empresa,

rapidamente comecei a perceber que até os portugueses queriam fado explicado e

conhecer o fado de outra maneira, porque o fado é de Portugal, tretas, o fado é de

Lisboa.

O núcleo é Lisboa, Ribatejo e Alentejo, muito fortes também, lógico que uma pessoa

vai ao Porto e ouve fado, mas há uma data de anos, quando eu ia lá e queria ouvir

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fado, havia só um sítio, hoje há mais dois ou três para turistas, assim ao fim da

tarde, uma coisas que qualquer pessoa que goste de fado também não vai lá. Isto

para explicar que o fado é para um número reduzido de pessoas, mesmo as

pessoas que vão ao fado, isto porque eu estou a falar sem filtros porque é para o

seu trabalho, hoje em dia, quem é que efetivamente gosta de fado? É uma pequena

parte, o fado é muito particular, não impede de o transformarmos em algo maior,

uma marca, como tinha dito, mas tem que ser comunicado de uma maneira certa,

até para não induzir em erro, não explicar que é só triste, porque não é. E também

porque as pessoas podem pensar – e achar estranho - que são só senhoras que

cantam e depois chegam lá e há uma noite de fado com seis homens a cantar fados.

Eu já tive essa situação com clientes. Muitos clientes meus estrangeiros, quando é

para eventos particulares, como cantar o fado num hotel, fazer uma sessão de fado

explicado para mais pessoas em forma de concerto ou ir a casa de alguém fazer

uma noite de fados, uma coisa intimista, muitas vezes pedem uma fadista. Porquê?

Porque é isso que está vendido, e para além disso comecei a produzir espetáculos,

nomeadamente um musical, «Once in fado», em Londres, que correu muitíssimo

bem, irá acontecer agora brevemente noutros destinos que estão a ser falados. E

também tudo o que tenha a ver com fado, como ativação de marca, ligado ao mundo

do vinho, começamos agora com um projeto que está a correr muito bem, vinho com

fado, porque estão ligados. Ou seja, tudo o que gravita à volta do fado, mas, em que

os meus clientes sabem que eu não vou estar a fugir do que é o fado à séria, ou

seja, se eles me pedirem para fazer uma coisa de fado que eu acredite que não

dignifica o fado, eu prefiro não fazer, explico porquê, normalmente corre bem porque

dizem, «não é bem isso que eu quero» e ficamos amigos, ou então eles dizem

«ainda bem que disse isso, então quero mesmo o que está a dizer para ser mais

fado, fado». Nunca sendo um purismo exacerbado, mas ser fiel à raiz e não nos

vendermos por pouco, que é o que se faz hoje em dia.

12 – Muitos estrageiros veem o fado como um folclore, como uma música típica. O fado é com certeza muito mais do que isso?

É assim, o folclore também é uma coisa muito densa, e com muito por onde explorar

e com muita raiz e com muita história, etc. Há muitos historiadores que vão buscar

muitas raízes do fado ao folclore, a questão é que enquanto o folclore está no

imaginário dessas pessoas de uma forma, especialmente por ser em grupo, ter

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dança, etc., o fado tem caraterísticas próprias que as pessoas acham…, quer dizer,

só quando o conhecem é que começam a perceber o que é. Lógico que não é nada

saudável para isto, nas supostas casas de fado, porque sabem que aquilo vai saciar

o turista em termos de espetáculo, não têm problemas nenhuns: põem umas

pessoas a cantar uns fados, depois ranchos folclóricos e depois fado outra vez.

Aquilo é uma salganhada. Portanto, isso pode confundir os turistas, os turistas veem

isso apenas porque não é comunicado como algo muito mais solene.

13 – De acordo, com a sua experiência neste campo da promoção do fado, sabe de marcas que vão buscar a sua essência à Portugalidade?

Sinceramente a única coisa que me vem logo à cabeça é vinho. O vinho é que quer

vender Portugal como o sítio onde nasceram aquelas uvas e a tradição vinícola, etc.

Porque de resto…

13.1 – Mas o vinho é um dos grandes veículos para a exportação da nossa Portugalidade…

Exatamente, agora há muitas empresas que começaram a nascer, cujo trabalho é

mostrar a cidade de Lisboa, é uma coisa gira, desde que as pessoas saibam do que

estão a falar, e acredito que sim. Mas a única marca? Só mesmo o vinho e a seleção

nacional.

14 – Acha que a marca Portugal tem o reconhecimento que merece, nacional e internacionalmente?

Na minha experiência com clientes estrangeiros, todos eles já ouviram falar de

Portugal e até conhecem Portugal muito melhor do que muitos portugueses, porque

fazem o trabalho de casa. Tenho muitos clientes alemães e eles são exaustivos na

sua pesquisa. Isso é a ideia que eu tenho dos que vêm ter comigo, agora, tenho

ainda a noção, não sei se é preconceito ou não, que lá fora…, olhe, nos Estados

Unidos acham que Portugal é uma província de Espanha, ou que é uma ilha ao largo

de África…

15 – E a marca Lisboa? Acha que as pessoas que vêm procuram diretamente o fado de Lisboa sabem o que é Lisboa? Ou é mais um destino no meio dos destinos todos que eles têm como objetivo visitar?

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Hoje em dia, a ideia que eu tenho é que houve um BOOM gigante da comunicação

de Lisboa lá fora, é lógico que de Portugal também, mas Lisboa enquanto cidade é

capital europeia pouco conhecida, como eles dizem, basta ir à baixa agora para

vermos como é que está. Acho que está a ser comunicada, muito bem comunicada,

a parte de terem refeito o cais dos cruzeiros, também trouxe muita gente, etc., gosto

de ver isso.

16 – Será o fado uma marca?

O fado pode ser tratado como marca, a única questão é que, normalmente, quando

estamos a falar de uma marca temos um decisor, e o grande problema é que aqui,

não só não há decisor. As instituições criadas pelo Estado para ajudar ao

desenvolvimento do fado não são consensuais, no que respeita a serem elas a

servir como farol do fado. Para haver uma marca tem que haver uniformidade. Não

pode haver uniformidade quando se apoia um guitarrista, um tocador de viola e uma

fadista espetaculares e ao mesmo tempo se patrocina os que vão tocar fado com um

xilofone. Até porque estes não sabem o que é o fado e até o dizem abertamente. E

porque carga de água apostam nestes e não naqueles que estão ao meu lado e são

tão bons ou melhores que eu? Isto falando de apoios, puros e duros, e depois

também existem lóbis, como em tudo na vida, existe um lóbi político muito forte no

fado e as portas não se abrem para toda a gente.

Falando de fadistas cantadores e tocadores, ao longo da evolução do fado pelas

vielas de Lisboa, nas casas de fados, nunca houve coesão, o fado é conhecido pelo

mundo em que toda a gente diz mal de toda a gente, às vezes depois até se unem.

O Alfredo Marceneiro falava mal de toda a gente, a Amália também, não era santa.

Portanto, sem coesão não há marca, verdade? Com coesão pode-se começar a

fazer qualquer coisa porque o fado tem tudo o que é preciso, a misticidade, etc.,

para as pessoas começarem a perguntar «O que é isto?», não ponham é logotipo,

porque é ridículo. O conceito é que é o logotipo. Explico-lhe uma coisa muito

rapidamente: turistas com que eu tenho falado, clientes meus, disseram: «Tudo o

que eu vi com uma guitarra portuguesa - desde restaurantes até empresas que

organizam tours - não vou.» E porque é que não vão? Porque sabem que é «fado do

very show tonight very typical» que é o que há mais, por isso é que vêm ter comigo.

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17 – Será o fado apenas uma national equity?

Falamos disso há pouco, é uma riqueza grande de Lisboa.

18 – Será um produto icónico?

É, mas é tudo o que falámos atrás também. São experiências icónicas cada vez que

se vai a uma noite de fados, são definitivamente uma mais-valia para a cultura

lisboeta e portuguesa, porque Lisboa está em Portugal. E será possível transformar

o fado numa marca se conseguirmos enaltecer outros pontos.

19 – Acha que a marca Portugal, a marca Lisboa e a marca fado são entidades independentes ao nível da perceção, ou estão todas juntas no ideário coletivo?

Lisboa é uma cidade que está dentro de Portugal e dentro de Lisboa é onde há a

maior parte do fado. Muito português sabe onde é que é Lisboa, conhece as suas

ruas e sabe o que é o fado, mesmo que não goste e não vá.

Se se perguntar lá no Algarve: «O fado é de onde?», poderão dizer até de Coimbra,

podem não saber que existe em Lisboa, e que em Coimbra não há fado, mas há

uma canção com uma guitarra portuguesa chamada a canção de Coimbra, como

eles próprios lhe chamam, outras pessoas é que lhe chamam fado de Coimbra.

Portanto já começam a ser menos pessoas, o estrangeiro sabe que Lisboa é uma

cidade de Portugal, depois começam a conhecer cidades brutais que temos sem ser

Lisboa e os que conhecem o fado, o fado é de Portugal, não fazem ligação a Lisboa,

por isso é que ficam surpreendidos quando eu explico que se quiserem ir a Braga

não vão ouvir fado.

20 – Qual é a imagem que os seus clientes têm do fado?

Os meus clientes têm uma imagem quando vêm ter comigo e depois saem com

outra imagem. Resumidamente, quando vêm ter comigo têm a ideia de que o fado é

uma coisa escura, em que há uma fadista velhota vestida de preto a chorar,

praticamente é um cantar chorado, isto é a ideia com que eles vêm. Depois saem

com uma ideia diferente, saem com a ideia real: que o fado é uma canção

portuguesa cantada por portugueses de Lisboa, de todas as idades, o fado canta a

vida, canta episódios da vida, existem fados alegres e fados tristes, a questão

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importante é que se canta a vida, e na nossa vida temos momentos felizes e

momentos tristes. Mas é verdade ou mentira que os momentos tristes são aqueles

que marcam mais? Por isso é que os fados tristes quando são sentidos, e nós

portugueses quando nos identificamos com aquela letra, de repente estamos com

um nó na garganta e não sabemos porquê. Se for bem interpretado, se o fadista

tiver a arte de contar a história, o fado quase que podia ser falado, não era preciso

ser cantado. O que interessa é a história que está a ser contada. Portanto, os

estrangeiros entram com essa perceção negra e saem com a real e ficam muito

contentes.

21 – Qual a vertente mais forte do fado para além da sua parte musical, que na sua opinião e experiência utilizaria para construir a marca fado?

Na minha empresa, o que eu fui buscar é a convivência no fado, é o pós-fado, são

as conversas que há antes e depois. As pessoas começaram a ir ao fado para se

divertirem, era uma saída à noite, na altura não haviam muitos sítios para se sair à

noite, as senhoras ficavam em casa e os homens iam para casas de meninas, e o

fado era aí que acontecia, nas casas de má fama. O fado era para as pessoas se

descontraírem, mesmo os fados mais tristes eram histórias que estávamos a ouvir,

antes disso já o fado era usado como jornal, de bairro para bairro, para contar uma

história do Tio Joaquim, que morreu ali à boca da barra num barco que afundou,

hoje em dia mantém-se muito essa parte da convivência e isso é que marca a

grande diferença do fado em relação a outras coisas. Porque, repare, eu gosto

imenso de Blues, e se eu for a um bar de Blues estamos lá a ouvir a sessão deles,

fala-se no meio, no fado não, o fado vive de uma cadência de fado/momento de

inspiração, descontração, fado outra vez, porquê? Porque o fado é muito intenso.

Tenho clientes meus que me pedem para trazer “um guitarra e um viola” para um

cocktail, “para estarem a tocar”, não dá. Não dá porque o fado impõe-se, eu tenho

que arranjar outra forma de fazer isso, tenho que pedir a um guitarrista e a um

tocador de viola para estarem lá, mas não se pode estar a tocar fados, guitarradas

de fados, que é uma coisa muito forte. Tem que ir buscar fados musicados,

calminhos, e tocar essa melodia em vez de estarem a tocar as chamadas

guitarradas que são peças escritas para se tocar em guitarra e viola, sem voz. A

Matilde, para além de cantar fado, canta outras coisas, sempre cantou, mesmo

quando nos casámos, ao principio íamos a bares tocar música pop, portuguesa e

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inglesa, a Matilde estava uma hora e meia a cantar sem parar, e se cantar quatro

fados não consegue cantar mais. Como é que ela consegue cantar uma hora e

meia, outras músicas e depois de quatro fados fica quase sem voz? Tem que

arranjar uma maneira de descontrair, porque o fado é cantado de uma maneira

completamente diferente, e isso sente-se na dinâmica das noites de fados, o que me

permite responder mais uma vez que o fado começou a ter a cadência de três fados

ou quatro ou cinco, intervalo, falamos, convivemos, etc., e mais fado outra vez.

Portanto, a convivência é a parte que eu escolheria a seguir à expressão musical.

22 – Falou há pouco também da parte da educação, das pessoas perceberem o que de facto é o fado, que não é só um género musical para entretenimento, mas uma coisa mais profunda…

Óbvio, óbvio, mas isso é a primeira bandeira que tenho na minha empresa, é a parte

de passagem de conhecimento. Eu estou lá para lhes mostrar, contar e explicar a

história do fado.

23 – Que logotipo atribuiria à marca fado?

Não estou a ver, se fizer a guitarra é cliché e vai afastar imensa gente,

especialmente os do fado, nós fugimos de guitarras portuguesas, xailes é a mesma

coisa, porquê logotipo? Só as quatro letras FADO já são fortíssimas.

24 – Tem uma ideia onde poderá estar a marca fado daqui a cinco ou quinze anos?

Eu acredito, infelizmente, que a nível de consumo nacional vai decrescer. Porque já

se começa a ver a tendência de finalmente voltar ao fado/fado e largar os

instrumentos malucos, baterias e batuques começam a desaparecer pouco a pouco

o que vai fazer com que muitas pessoas que não nasceram para gostar de fado, que

gostam de outra coisa, vão reduzir a audiência. O turismo vai aumentar, o cliente

estrangeiro vai começar à procura do fado/ fado, isto vai fazer com que muitas casas

de fado fechem ou que se alterem, porque, como em tudo na vida, o conhecimento

passa e se há cinco anos atrás eu lembro-me de ler em blogs turistas a dizerem:

«Não vão a casas de fados, são tourist traps, não vão ao fado porque vão ser

roubados, porque aquilo não é nada.» O turista fica mais exigente e começa a

querer as coisas mais à séria, portanto vai haver lugar para tudo, mas acredito que

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nem todas as casas vão ficar abertas, ou vão-se reinventar aproximando-se mais do

tradicional.

25 – Após longo período de estudo desta temática, na minha pesquisa não encontrei nenhuma tese que contemplasse um estudo sobre uma marca que é uma forma de arte musical, cultura e ao mesmo um símbolo de um povo, património imaterial mundial, etc. Conhece alguma?

Eu acho que estão todas na mesma linha, porque pega no Flamenco e acho que

está igual, não está agregado, não existe consenso… As pessoas querem e vão à

procura e com sorte encontram…, tal como existe o “very typical tonights fado”

existe o “very typical tonights flamenco”. Portanto, eu compreendo a lógica da

marca, mas ou se apresenta uma coisa fechada do que é o fado e se comunica, isso

sendo o fado verdadeiro ou não, ou é artificial, ou vai ser muito difícil de fazer, não é

impossível, mas é muito difícil.

É uma coisa muito grande para se meter num formato mais pequeno…

Até porque, nós estamos a falar do fado, que é uma coisa feita quase que

exclusivamente por amadores, a grande percentagem dos músicos é amadora, até

os fadistas contratados são amadores.

Não é fadista quem quer, é quem nasce para isso… E depois são muito

independentes, antes havia uma coisa que era a carteira profissional, que era

obrigatório ter para se tocar, não tenho a certeza se também era obrigatório para

cantar, eu conheço fadistas antigos que acham que devia ser assim ainda.

26 – Acha que o fado poderá ser uma marca de luxo, sim? Em que termos?

O fado-fado é luxo e eu explico porquê: porque é raro. E os diamantes também são

raros, por isso é que são caros, acontece que houve esta explosão grande de

procura de fado e abriram quantas casas de fado? Ali na Rua dos Remédios há

umas sete ou oito, antes havia uma. É impossível formar músicos, especialmente

músicos, porque os fadistas, os canários, como se chama, é uma coisa mais

intuitiva, ou são ou não são. Músicos são muito difíceis de formar, o que é que isto

quer dizer? Quer dizer que põem qualquer pessoa que saiba segurar uma viola a

tocar nas casas de fado para turistas. O problema é que o fado digno desse nome,

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de qualidade, é muito raro, e se é raro é de luxo. Por isso é que se me pedirem para

fazer os fados num jantar corporate, numa casa particular, aonde for, eu tenho que

pagar aos fadistas, e os fadistas cobram bem. Eu se calhar conseguia arranjar por

um quarto do valor, a mim interessa-me é se têm qualidade ou não. Porque se eu

encontrar alguém que para ir cantar a um sítio cobra 300 euros, mas há um que

cobra 50 euros…, se o que cobra 50 euros cantasse ou tocasse bem, eu contratava-

o a ele, a realidade é que não. A coisa vai-se autorregulando, portanto, o luxo não é

só ser caro, até porque uma parte do luxo do fado é apresentar uma coisa muito

intimista, especialmente o fadista que canta, que está a dar uma parte de si a outras

pessoas, e isso é um luxo, é luxo podermos ouvir histórias assim. No que diz

respeito à parte de dinheiro, que é importante, o fado é caro. E as coisas caras não

são para todos.

27 – Considerações finais.

Nós conseguimos falar de tudo um pouco, por muito que se escreva e se leia sobre

fado, se não formos lá, não interessa, tem que se ver mesmo, sentir, estar lá e nas

casas de fado certas.

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Nome: Matilde Cid

Profissão: Fadista

Local: Lisboa

Data: 06/03/2017

1 – O que é o fado para si?

Antes de mais é uma expressão artística que eu admiro e gosto imenso, por causa

desta vertente que estávamos a falar de nos fazer acelerar o coração, todas aquelas

sensações que nós quando ouvimos gostamos: que é o rir, o chorar. Quando vou a

uma noite de fados, nessa mesma noite estou a chorar e depois, a seguir, já estou a

rir e isso liberta-nos um bocadinho e depois, no fim, ficamos, de alguma maneira,

realizados e consolados. Eu gosto de ter este tipo de sensações, sempre gostei, e

muito em relação à música, as minhas escolhas musicais vão muito na direção

daquilo que me arrepia, que me emociona, que eu sinto que mexeu comigo de

alguma maneira, ou se não, se isso não acontece eu já não…, ponho um bocadinho

de parte e foi isso que eu senti no fado. Comecei a ouvir fados em casa, a minha

mãe ouvia muito fado, e eu, já adulta, comecei a ouvir os fadistas que a minha mãe

ouvia, eu não comprava CD de fado, comprava pop e rock, na altura nunca na minha

vida ia comprar um CD de fado! Ouvi Maria Teresa de Noronha, de que a minha

mãe gostava muito, e lembro-me que a ouvi cantar uma coisa que é muito cantada

agora, que é a «Rosa Enjeitada», foi um hit que ela teve. Eu de repente ouvi aquilo e

fiquei com os pelos todos em pé, com as lágrimas a caírem-me pela cara abaixo e a

pensar «Isto é brutal!» No fundo, o fado tem essa vertente na minha vida, a vertente

emocional, aquilo que eu posso contar a cantar de coisas que já vivi, que se calhar

nem são coisas atuais, são coisas que estão passadas, estão guardadas, e que eu

consigo naquela música e naquela letra verbalizar e cantar, junto com a

musicalidade tudo aquilo é um pacote que me fascina.

2 – Onde têm sido os seus espetáculos em Portugal e no Mundo?

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Apesar de já cantar há alguns anos, tenho tido uma caminhada muito gradual e com

uma cadência muito própria, porque, para mim, e apesar de vir de uma família de

músicos, eu tinha muita ansiedade de um dia cantar e fui sempre muito nervosa,

porque queria sempre dar tudo e às vezes isso vira-se um bocadinho contra nós.

Porque nós para darmos tudo temos que saber dá-lo e eu nesta caminhada tenho

aprendido pausadamente a dar as coisas de uma maneira mais coerente, mais

calma, e só agora, passados quase dez anos de cantar, quando digo estar a cantar

é a partir do momento em que eu saí de casa para ser contratada para cantar num

sítio, eu já comecei a considerar que isto seria mais ou menos uma profissão,

porque estão a pagar-nos por um concerto ou por uma noite de fados. Comecei a

cantar em 2005, este ano possivelmente vou gravar um disco, porque esta é a única

altura da minha vida em que consigo conceber essa ideia. Até agora nunca tive a

necessidade de ser famosa, eu pensava que não estava preparada, porque isto

mexeu sempre muito comigo e eu tive que aprender a lidar com esta emoções todas

que o fado me trouxe, e aprender também o meu caminho, o meu canto. Temos que

ter algum cunho nosso, pessoal, na nossa maneira de cantar e interpretar o poema,

para acrescentar alguma coisa, para não ser uma coisa que as pessoas me

ouvissem e não me soubesse a nada. Em termos de espetáculos, vou cantando nas

casas de fado, muitos eventos corporate, já participei em alguns projetos para gravar

uma música… Agora uma coisa minha, sinto agora a necessidade porque sinto que

já tenho maturidade para o fazer. O que me deu um empurrão foi no CCB, em

dezembro do ano passado, e depois daí começam a surgir as consequências,

quando há um espetáculo que as pessoas entram no meio, quando não estamos no

meio, ninguém nos conhece. Este ano penso que vai ser um ano de alguma

mudança para mim, vão começar a surgir os frutos do concerto, as pessoas

dizerem-me «Olha, cantas bem, queres gravar?» Tudo isso aconteceu agora no

princípio de 2017. Para o ano, quando me vier entrevistar outra vez, vou dizer que

estou cheia de espetáculos.

3 – Que tipos de fado existem?

É uma discussão que até dentro do meio fadista pega-se tudo por causa disso. Uns

dizem que o fado tem que evoluir e outros dizem que não, que se o fado evolui deixa

de ser fado. Isso é discutir o sexo dos anjos, penso eu. Há realmente fatores que eu

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acho que são estanques, tem que haver guitarra portuguesa, não pode sair, estamos

a falar do fado tradicional, guitarra, viola e às vezes um baixo acústico. Antes disso,

as origens do fado são discutíveis, eu não sou conhecedora, há uns que dizem que

veio de África, do Brasil…, mas ninguém sabe, não é consensual. Começa-se de

uma maneira em que nada é consensual e depois nada nunca mais será

consensual, porque se a própria origem não o é, tudo o que vem a seguir também

nunca será. Antes deste formato também houve muitas composições ao piano, o

fado era tocado em casa, mas o piano não é propriamente um instrumento muito

portátil para se poder cantar fado fora de casa, o formato mais fácil era pegar numa

viola e numa guitarra… O formato que se manteve é guitarra, viola e baixo, sendo

que baterias nunca houve, houve sim orquestrado. Fados musicados com refrão,

fado tradicional, todo corrido, esses são os dois tipos de fado. Agora o que acontece

é vir uma fadista que sempre cantou fados tradicionais, vir com baterias e reque-

reques e de repente as pessoas pensavam «Isto é fado», se ela é uma fadista… E

isso é uma associação errada, há uma verdade nisto tudo que se perde, as pessoas

têm que ser rotuladas, há um rótulo para a música, e sendo rotuladas têm que ter

determinadas caraterísticas, têm que ter pontos em comum e há pontos que não

pertencem. Por isso é que quando vamos à FNAC vemos música pop, blues o jazz e

o fado…, depois dizem que é música de fusão, pronto, mas se é música de fusão já

não é fado.

Fado tradicional é uma estrutura, tem que ter uma estrutura de poema, quase todas

as músicas têm um refrão, nos fados também há isso, no entanto, nessas músicas,

nesses fados musicados, o refrão é supostamente também acompanhado à guitarra,

viola e baixo, e a própria musicalidade, as notas que são dadas, parece que há ali

um universo que nos remete para o fado, há acordes que, como nós ouvimos uns

blues e sabemos logo que é blues, no fado é igual. Determinadas melodias soam a

fado, porque está criado ali um ambiente qualquer. Fados musicados, com refrão,

tradicionais, sem refrão. Portanto eu começo a cantar umas quadras e vou repetindo

aquilo, sempre com a mesma melodia, o que faz a diferença é o estilo que o cantor

lhe dá, pode tentar não ser muito repetitivo, porque é mais pobre. Em termos

musicais, o tradicional acaba por ser um bocadinho mais pobre, não há mudanças, a

pessoa está sempre a ouvir a mesma coisa, por isso é que o cantor tem a

necessidade de lhe dar ali uma graça qualquer, estar sempre a “estilizar”, não

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castigando o poema, para as palavras continuarem a ser bem-ditas e bem ouvidas

pelas pessoas que estão a ouvir. Se for cantado exatamente como foi escrito é um

bocadinho chato, é chato musicalmente, se o poema for lindo, e para as pessoas

que apreciam muito poesia (que eu acho que são cada vez menos), o que entra

mais é a música. Supostamente, no fado o poema é que é o mais importante, por

isso é que o fado não terá vingado o que era devido por causa desta pobreza

musical, porque os poemas é que eram as obras. As obras-primas do fado eram os

poemas e os cantores, às vezes até nem tinham grandes vozes; o Alfredo

Marceneiro não tinha voz nenhuma, ele contava uma história.

Mas eu acho que há muito poucas pessoas que se interessam por isso, as pessoas

querem grandes vozes, o ideal será, na minha opinião juntar isto tudo, que é

poemas bons, vozes boas e uma boa musicalidade.

4 – Como poderei chamar tudo o que ficou para trás do que se chama hoje em dia o novo fado?

Eu acho que não existe novo fado, o que apareceu hoje em dia… A Ana considera

isso fado?

Para mim isso é uma divergência, é muito distante do que eu considero fado. Mas o

que estou a discutir não é o que existe ou o que existia antes… é o que acha destas

novas aproximações, dos novos fadistas, dos novos instrumentos. Há uma distinção

entre o fado que ficou para trás e o fado atual, em vez de lhe chamar novo fado

posso chamar fado atual, mas como chamarei ao fado que foi feito para trás? Não

lhe vou chamar tradicional porque isso é um género…; o que quero é um nome para

o fado que ficou para trás…

Todas as caminhadas que existiram, mesmo noutros géneros musicais, padeceram

de alterações e é inevitável que assim seja porque os tempos vão mudando, os

nossos estímulos são diferentes, é perigoso, vão-se juntando coisas e, às tantas,

para fazermos um ovo mexido já não se sabe onde está o ovo. Eu considero que há

pessoas que o sabem fazer, mas tão pouco palpável que é difícil eu explicar-lhe que

o fulano A junta um piano e aquilo sabe-me a fado e o fulano B faz a mesma coisa e

não me sabe a fado, portanto, isso é muito íntimo, não há regra, não há livro, não há

nada que me possa dizer isto é fado, aquilo não é, é o que eu sinto, mas eu sinto

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porquê? Nós vamos tendo uma caminhada, fui ouvindo e, a partir dos inputs que

tenho tido, vou criando as minhas opiniões. No fado antigo iam gravar e não havia

cortes nem nada, toda a gente junta a tocar e aquilo saía, não é como agora que

vamos ao estúdio e primeiro são os instrumentos, depois vou eu já com eles

gravados, depois engano-me, paro, volto a gravar…, isso depois transmite uma

verdade inevitável. E eu sinto isso quando ouço os CD da Amália…

5 – Qual é hoje a imagem do fado para os portugueses e para o resto do mundo?

Para o resto do mundo não sei muito bem, acho que isto da questão do fado ser

elevado a património imaterial da humanidade foi uma distinção que deu alguma

dignidade que o fado não tinha, passou de uma “musiquinha” pobrezinha, de um

estrato inferior, e de repente o mundo percebeu que é uma riqueza a nível

emocional. Acho que o fado teve esta distinção por causa da sua “emocionalidade” e

não pelas grandes obras musicais que o fado nos trouxe, que também há, mas pela

sua “emocionalidade”. Acho que foi uma distinção mais do que justa e já tardia, até

porque o Flamenco já tinha sido, e nós todos à espera que isso acontecesse. Eu

penso que para o mundo houve um reconhecimento e para nós, cá, para além da

questão do ego, que foi ótima, surgiram inevitavelmente muitas consequências desta

distinção: novos fadistas, muita gente genuinamente a querer cantar, outras a

pensar que isto podia dar dinheiro. Tudo isto mexe uma indústria, isto começou tudo

a mexer muito, e o que eu vejo é que aquilo que há 30 anos atrás era impensável,

como miúdos de 18 anos a saírem à noite e a irem a uma casa de fados, hoje é

comum; hoje em dia há toda uma diversidade de pessoas nas casas de fados,

desde miúdos de 18 anos que dizem que estão apaixonados pelo fado ou que

querem cantar, também recebo mensagens de amigos que querem ir ao fado pela

primeira vez, pessoas que nunca tiveram o fado na vida, e há este interesse. As

pessoas ouvem a primeira vez, estou a falar de ouvir bom fado, é que às vezes

também há o contrário e as pessoas ficam traumatizadas porque foram a um sítio

horrível, depois essa imagem fica marcada e nunca mais voltam. É como uma

experiência numa criança, se a experiência for má fica lá o trauma, se for boa fica

para o resto da vida. Quando é bom é quase um vício. Para mim são incríveis os

ouvintes que não fazem parte do binómio cantor/músicos, estão lá completamente

desinteressados, estão a ouvir porque sim, porque gostam, eu gosto de ouvir, mas

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tenho sempre o bichinho de cantar, que me realiza. Eu nunca vou aos fados que não

cante. Há muita gente que vai, só para ouvir.

É o meu caso…

Mas isso é espetacular, e tão ou mais importante que quem canta e toca. Porque

Deus Nosso Senhor deu-me o dom do canto e a quem toca deu-lhes o dom da

música, agora, quem ouve tem o dom da sensibilidade de ouvir. No fado estão as

pessoas que têm a sensibilidade de ouvir e sentir, são muito, muito poucas, e

voltando à conversa do fado comercial, fazem isso porquê? para chegarem a um

público que se for no formato tradicional puro e duro não é vendável. O fado não é

uma coisa rica, é muito denso.

6 – Qual é o estatuto atual do fado?

Eu tenho um certo receio que é daqui a 15, 20 ou 30 anos já não se saber muito

bem, quais são os limites desta música, já não se saber muito bem identificar. Daqui

a uns anos temo que, com as coisas que estão aí a caminhar para a fusão de uma

data de coisas, continuem a chamar fado, para se vender, e quem comprar, compre

como fado, no fundo estão a ensinar erradamente as pessoas. Eu quando vou

cantar a um sítio e ponho xilofones e depois digo que é um concerto de fado, as

pessoas saem de lá e passam a palavra. Acho que acima de tudo é preciso haver

uma verdade, quando não é fado as pessoas dizerem que não é fado. Hoje em dia

acho que há muito bons cantores, acho que tem havido uma crescente preocupação

em enriquecer o fado, há bons escritores, bons letristas, acho que se está a pecar

pelas pessoas deixarem de apreciar a simplicidade das coisas. O fado é música com

um poema complicadíssimo, e às tantas estou a ouvir um poema cheio de palavras

complicadas e umas ideias muito rebuscadas, aquilo no fim é muito bem cantado,

com uma letra intelectualmente superior e no fim... Acho, que se está a

intelectualizar um bocadinho o fado, no fundo, acho que é contra a sua essência, o

fado é simples, supostamente seria para falar das pequenas coisas do dia a dia, dos

passados, dos sentimentos corriqueiros, dos amores e desamores. A dificuldade é

traduzir isto para uma linguagem simples, para que chegue tanto à pessoa que tem

a primeira classe como à que tem um curso superior. Hoje em dia sinto que não é

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assim também por causa deste estatuto que lhe foi dado. Está a ficar um bocadinho

pretensioso. Portanto, se quer um nome para lhe dar pode ser pretensioso.

7 – Acha que existe uma indústria do fado consistente?

Sei que há circuitos em termos de agenciamento, agora indústria em termos de

editoras acho que não há consistência nenhuma, acho que agora de repente

começaram a descobrir que o fado pode dar dinheiro. O público que ouve fado e que

o sente é pouco. A indústria do fado procura fazer “musiquinhas” que mascaram

como se fosse fado, para o público ouvir e cantar nas discotecas, o fado não é para

aí. É uma indústria que se está nas tintas para a qualidade e para a

“emocionalidade”, querem é ganhar dinheiro.

8 – Fale-me acerca do espetáculo que fizeram no estrangeiro.

É um musical, tem uma história, o fio condutor é uma história banal que é muito

comum: a menina que começa a cantar fado nas casas de fados e que se apaixona

pelo guitarrista, e há muito isso, são histórias banais do meio da noite fadista.

9 – Acha que os estrangeiros ligam facilmente o fado a Portugal e a Lisboa?

A Lisboa não sei, eu acho que antes de Lisboa são capazes de ligar à Amália, eu

acho que foi indiscutivelmente a nossa embaixadora do fado, era uma diva em todas

as suas vertentes, acho que deixou um legado. Acho que na mudança para o fado

atual, a Mariza também deu um boost muito grande. Se ligam a Lisboa? Não sei, eu

penso que liguem a Portugal, não sabem que o fado é de Lisboa, nem os próprios

portugueses sabem que o fado é lisboeta.

10 – E o estudo que fizeram, qual foi o feedback?

O próprio filme responde…

11 – Acha que o fado já é bem conhecido no estrangeiro?

Eu acho que vem um bocadinho tudo por arrasto, Lisboa agora está na moda, e

quando as pessoas vêm a Lisboa… Fado… E depois uma coisa liga à outra, eu

acho que estamos no bom caminho, acho que o fado é infinitamente mais conhecido

do que era a dez anos atrás, estamos a crescer.

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12 – A seu ver a comunicação e a promoção do fado estão a resultar? Quais os responsáveis e intervenientes?

Acho que em termos de media, televisões, zero, podiam passar concertos de fado

ou olhar para os fadistas como embaixadores do país, mas há muito pouca

exploração. Se eu fosse realizadora era algo que eu gostaria muito de fazer, um

documentário para mostrar a vida dos fadistas e se têm vidas paralelas, se vivem só

disto, porque há muitos que trabalham. Neste momento temos uma rádio em

Portugal, duas talvez. Rádio Amália, que muitas vezes não passa fados, porque para

passar bom fado teríamos que afunilar o nosso leque de cantores. É difícil haver

uma boa promoção em rádios, por exemplo a Rádio Comercial não passa um fado,

passam as Anas Mouras, que não é fado. Porque é que o fado é tão associado a

uma Rádio Amália que às vezes é azeiteira? A Rádio Amália é foleira, os anúncios,

os locutores. Acho que de vez em quando passam fados bons, mas na RFM ou na

Rádio Comercial porque é que não passam fado de vez em quando, qual é a

resistência? Se passam todas as outras músicas… O fado é português. E a

televisão, esqueça, nem procura, nós é que temos de ir atrás e correr, enquanto eles

é que deviam vir atrás dos fadistas, porque o fado é nosso, é bom. Mas isto acho

que é um problema transversal ao português, nós damos muito mais valor ao que é

dos outros, do que ao que é nosso. Só um dia, quando o fado estiver em vias de

extinção, é que se vão lembrar que o fado é ótimo. Na televisão pública há

programas de talentos, mas são coisas…

Vai-se ao festival da canção e há uma pessoa que canta uma coisa mais…, um

fado, mas não se aposta em nada do que seja genuinamente nosso. A única coisa

que temos genuinamente nossa é o fado, em termos musicais temos o cante, mas a

nossa música mais internacional é o fado, e ninguém olha para isto e pensa que se

calhar isto é bom. Nunca tivemos nada que fosse tão nosso, que fosse assim

conhecido no mundo.

13 – Quem é o público internacional que procura o fado?

Japoneses, muitos, adoram, é engraçado porque até parece que têm alguma coisa

na genética, porque nós estivemos lá no Japão. Parece que deixámos alguma coisa

no povo que tem passado de geração em geração. O interesse do Japonês pelo

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fado é uma coisa muito improvável, porque a musicalidade deles lá não tem nada a

ver, as óperas japonesas e as músicas tradicionais não têm nada a ver. Ficam

loucos, chegam a vir dar abraços e beijinhos. Brasileiros, Italianos, Alemães,

Franceses, sendo que quando vamos cantar a casas de fados mais cedo, é só

estrageiros, porque o português só aparece à meia-noite, os espanhóis portam-se

pessimamente, fazem imenso barulho, os japoneses silêncio absoluto, os brasileiros

ficam loucos quando por vezes, depois dos espetáculos, começam a entrar pessoas,

que eles acham que são clientes, sentamo-nos todos e começa tudo a cantar, mas a

cantar bem, e eles perguntam «Mas vocês todos cantam em Portugal?». Realmente

nem é preciso terem grandes vozes, chegam lá e cantam com o coração e aquilo

passa. Só cá é que acontece isto.

14 – A palavra saudade é associada ao fado, é quase uma simbiose, uma coisa inseparável, mas o fado é muito mais que a saudade….

Eu acho que é dos sentimentos mais engraçados, é bom, porque se temos saudade

foi porque vivemos alguma coisa boa, mas é dúbio, porque já não vai acontecer

mais ou provavelmente não acontecerá. É a palavra que mais abrangência tem no

sentido das emoções porque o fado, a arte e a emoção vêm muito de tristezas e

sentimentos muito profundos, sentimentos de perda, sempre sentimentos negativos.

Se tudo na vida fosse alegre nunca ninguém se tinha lembrado de escrever o fado.

O fado na sua essência e na sua base veio de tragédia. A saudade é uma palavra

que não tem tradução e isso é logo uma magia fantástica, ter uma palavra só nossa

é fantástico. Há um fado que até diz «ter saudade de saudades já não ter». Nós

quando estamos muito felizes não temos inspiração para escrever uma letra com

profundidade. Os grandes artistas são sempre pessoas emocionalmente frágeis que

passaram por períodos de depressão e foi aí que foram buscar inspiração.

15 – A que categoria liga o fado? Um espetáculo para uma elite ou um espetáculo para todos?

Eu penso que não há muita gente que tem a capacidade de digerir o fado, tem que

se ter uma sensibilidade um bocadinho mais polida, penso que tem que nascer com

cada pessoa, mas também existem pessoas capazes de a trabalhar. Nos

espetáculos de fado, se for fado tradicional, acho que sim, é para uma elite. Tudo o

que sejam as coisas mais comerciais é para o povo todo.

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16 – Será o fado uma marca?

Por um lado, até gostava que fosse, porque se assim fosse haveria consenso e teria

como nas outras marcas caraterísticas muito próprias que lhe dariam o cunho

durante anos e anos. O fado, na minha opinião, não é uma marca, não é do

interesse de ninguém da indústria que seja porque, como estão a vender fado que

não é fado, não é do interesse deles que se transforme numa coisa estanque e bem

definida. Na minha opinião não é marca porque não há interesse que o seja, porque

poderia ser.

17 – Quais os atributos mais fortes do fado?

A poesia, a guitarra portuguesa, um instrumento só nosso, que é único, a

musicalidade da guitarra, que é dificílima de tocar, a liberdade do cantor, não temos

regras, é quase um jazz português, é uma música livre, tanto para o cantor como

para o guitarrista. É tentar criar algo novo que não saia dos limites do fado. Um

sonho que eu tinha era tentar criar algo novo em comparação com o tal fado antigo,

mas que também não fosse para a prateleira daquele fado que não é fado.

18 – Considera que o fado neste momento já atingiu a categoria de luxo?

Qualquer pessoa pode sair de casa para ir a uma sapataria pagar 20 euros e

comprar uns sapatos para dois meses, ou então comprar uns para a vida. Quando

vamos aos fados ou compramos um produto de fado barato, não nos marca, não

deixa lembrança, mas se comprar um bom produto de fado nunca mais se vai

esquecer. Tudo o que me fez chorar e me emocionou na minha vida eu nunca mais

me esqueci, quando tinha 14 anos fui ver uma ópera e só me lembro de uma única

música porque chorei a ouvi-la, não me lembro de mais nada. É importante o que

mexe com as nossas emoções e em que as pessoas veem verdade, mas não

acontece quando se compra barato, até pode ser que uma pessoa cante bem, pode

ser afinada, mas se calhar os músicos não são grande coisa. Para o fado funcionar

tem que haver entre músico e fadista determinadas conexões, determinada química.

Só os bons é que conseguem fazer isto acontecer.

19 – Acha que para além da performance dos músicos e cantores a “mise en scene” é desnecessária?

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Acho que sim. São muletas para se vender.

20 – Acha que o fado pode ser uma marca de luxo?

Acho que é um género musical muito próprio, difícil, tem que haver simbiose entre o

público e o cantor, temos que sentir que estamos a enviar a nossa emoção a quem

nos está a ouvir e temos que sentir que está a ser recebida. Apesar de o fado não

ser uma marca, acho que o luxo em relação ao fado faz sentido. Um bom guitarrista

tem que tocar pelo menos há quinze anos, é como os bons vinhos, durante esses

quinze anos é um investimento, um bom fadista tem que cantar há muitos anos e um

bom viola a mesma coisa. Isso torna o fado em luxo, porque quando se toca há

muitos anos, já não se vai receber o que se recebia no início. Para além de ser uma

música muito difícil, temos que dar tudo.

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Nome: Joana Esparteiro

Profissão: Fundadora da empresa Fados Fora de Portas. Marketer.

Local: Oeiras

Data: 13/03/2017

1 – Fale-me da sua experiência no universo do fado.

A Fados Fora de Portas surgiu da minha ligação às marcas enquanto account. Na

altura fazia a gestão de projetos numa agência de criatividade e várias marcas

começaram a valorizar a portugalidade, isso começou a notar-se, com empresas

como a Pan´s, que passou a ter um menu mais português. Viu-se noutras marcas

como a Compal, que começou a ter um sumo de pera rocha. Tudo no sentido da

valorização dos produtos portugueses.

2 – E isso foi quando?

O meu trabalho como account foi até 2013. Nessa altura comecei a sentir essa

tendência, e ao mesmo tempo comecei a ter uma ligação mais forte com o fado. Era

um gosto antigo, dado que gostava de ir ouvir fado, mas nessa altura comecei a

perceber como é que se geriam espetáculos de fado junto de músicos e fadistas, e

comecei a perceber que faltava alguma gestão profissional nestes espetáculos.

Fazendo essa avaliação achei que existia uma janela de oportunidade, que havia

potencial para explorar um caminho de promoção destes espetáculos. E mais do

que alguém que precisa de um espetáculo de fado e contacta um músico ou um

fadista, era necessário promover esses espetáculos junto das marcas e das

empresas. É assim que surge a Fados Fora de Portas, para fazer acontecer

momentos de fado, espetáculos de fado. Em 2014 deixei de trabalhar como account

e dediquei-me a 100 por cento à Fados Fora de Portas. Aqui um cliente pode dizer

«Não gostei muito da atuação desta fadista, quero outra.» Tenho uma equipa que

trabalha comigo e consigo gerir o elenco para os vários espetáculos, mais do que

isso, tenho espetáculos com estrangeiros em que preciso de ter uma fadista que fale

Inglês. Todos estes critérios têm que ser avaliados antes do espetáculo, para no dia

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termos um bom desempenho. Há fadistas que têm um repertório mais ligado a

determinados temas e vai-se coordenando a equipa neste sentido. Esta foi a origem

da Fados Fora de Portas e foi um bocadinho a minha perceção do que era a

portugalidade. Esta empresa vem promover ainda mais o fado enquanto espetáculo.

3 – Acha que hoje existem mais pessoas a procurar espetáculos de fado do que quando começou?

Sim, desde 2014 até agora há mais procura.

4 – E qual é o público-alvo?

No caso da Fados Fora de Portas há vários públicos-alvo, temos clientes que são

empresas que têm os seus próprios eventos e que querem, ou porque recebem

estrangeiros ou porque faz sentido no evento, ter um espetáculo de fado, temos

clientes particulares que gostam de ter um espetáculo de fado em casa e nós

oferecemos esse tipo de espetáculo, temos também outro universo, que é o dos

casamentos: casamentos de portugueses, em Portugal, estrangeiros que vêm casar

a Portugal, porque gostam do país, gostam de Lisboa. Enfim, porque se

apaixonaram aqui… Às tantas, quando decidem casar em Portugal, ou em Lisboa, e

procuram um apontamento musical vão sempre bater à porta da «Fados».

5 – E as idades?

Depende, no caso dos noivos são quase sempre jovens, talvez a partir dos 28.

Depois temos um bocadinho de tudo, nas empresas e nos particulares o target varia,

temos espetáculos em casa, por exemplo, porque o pai faz 40 anos ou a mãe faz 50

anos ou a avó faz 80 e querem ter um espetáculo de fado em casa. Funciona bem

nas várias idades, é muito abrangente.

6 – Acha que o fado está na moda?

Sem dúvida, acho que mais do que estar na moda o fado é intemporal. Visto do

ponto de vista artístico, o fado está na moda porque é um estilo musical muito

caraterístico e porque sempre teve esta força que faz o fado estar presente na vida

das pessoas, fazendo com que o queiram ouvir. Se me perguntar se o fado estava

na moda quando a Amália cantava? Claro que estava, mas o fado continuou na

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moda na voz de outros fadistas, portanto, acho que mais do que estar na moda é

esta intemporalidade. Claro que há uns anos não era tão mediático, os artistas de

fado, se calhar, não eram tão conhecidos ou não havia tantos artistas conhecidos,

mas hoje em dia houve um boom de informação sobre o fado.

7 – Fale-nos um bocadinho da sua marca.

A parte mais profissional da Fados Fora de Portas é este lado de gestão de

espetáculos de fado, e como a empresa vive muito de mim, da forma como faço esta

gestão, senti que tinha que ser uma marca próxima dos recetores da minha

mensagem e isso nota-se nos post´s que fazemos no Facebook, especialmente no

contacto com os meus clientes. Procuro ter com estes uma relação informal, gosto

que se sintam à vontade para me telefonar e fazer um contacto muito pessoal de

todos os eventos. O cliente pode personalizar o evento da forma que quiser,

respeitando sempre o que é necessário para haver um espetáculo de fado, desde o

silêncio, a uma luz ténue, mas com liberdade para que o cliente diga que não gosta

de determinado cantor e que quer outro. Tentamos personalizar o espetáculo para o

cliente e acho que é uma grande vantagem quando as pessoas procuram coisas

cada vez mais exclusivas. Hoje, vou a uma loja de roupa, num shopping, e sei que

me vou cruzar na rua com uma pessoa com uma camisola igual à minha, mas um

cliente da Fado Fora de Portas sabe que vai ter um espetáculo exclusivo para ele.

Tentámos não atribuir a esta marca um lado pesado. Reúno com clientes que me

dizem «Gostava de ter um fado mais alegre», mas digo sempre que o fado passa

emoções que podem ser felizes ou não. Fala da vida das pessoas e as pessoas

tanto têm dias tristes como dias felizes.

8 – De acordo, com a sua experiência no mundo das agências publicitárias, e agora com esta empresa de eventos de fado, acha que a marca Portugal tem o reconhecimento que merece, nacional e internacionalmente?

Internacionalmente acho que cada vez tem mais. Somos bombardeados todos os

dias com notícias do género «Lisboa é a cidade que as pessoas mais querem

visitar…», tenho sentido isso, isto é uma opinião empírica, não me consigo basear

em nada… Nacionalmente acho que temos sempre dois lados, há pessoas

altamente motivadas pela portugalidade, como eu, que valorizam e que gostam

deste lado e que veem isso como uma vantagem, depois há os eternos insatisfeitos

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que continuam a achar que o fado é um coisa taciturna e o que vem de fora é

sempre melhor, mas acho que no geral até essa mentalidade está a mudar.

9 – Será o fado uma marca?

Aqui também entra a razão pela qual chamei Fados Fora de Portas à minha

empresa. Toda a gente quando fala da Fados Fora de Portas comete o erro de dizer

que é a «fado» fora de portas, mas há uma razão para eu ter chamado «fados» e

não «fado». Fado é um estilo, um registo e um património e entramos também no

tema do Património Cultural Imaterial da Humanidade. Fado é maior do que os fados

que nós cantamos. Fado é património e é um registo musical próprio, com uma

história forte, muito para além de ser uma marca, uma coisa que gostamos ou que

ouvimos na rádio. Acima de tudo, fado tem este peso histórico e que fez parte da

vida dos portugueses há muitos anos e de uma forma muito intensa. A Fados Fora

de Portas surge com este nome porque, historicamente, quando se cantava fado

fora da zona residencial, e isto porque as pessoas viviam em Lisboa, mas iam

trabalhar para as hortas, que eram em zonas fora da zona habitacional, dizia-se que

se cantava fado fora de portas. O fado como uma marca? Acho que funciona, o fado

hoje associa-se às marcas, podendo representar uma marca ele próprio, mas, acima

de tudo, mais do que uma marca é um património musical imenso.

10 – Mas, comparativamente à marca Portugal ou à marca Lisboa, não se poderá fazer alguma coisa?

Acho que funciona como a marca Lisboa, sendo que Lisboa também tem todo um

enquadramento para trás que não é só a própria marca, mas acho que pode

funcionar como uma marca. Enquanto pessoa que vive neste universo do fado,

muito na parte artística, não consigo fazer essa dissociação, não consigo dissociar

completamente o fado enquanto registo artístico do fado enquanto possível marca.

11 – Podemos considerá-lo uma national equity ou um produto icónico?

Sim, é um produto icónico de Portugal, acaba por ser mais um elemento, tal como o

Galo de Barcelos tem a sua história, o Fado também tem este peso. Peso no bom

sentido, de herança e tradição. É uma identidade, mais do que icónico é uma

identidade.

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12 – A marca Portugal, a marca Lisboa e a marca fado estão todas juntas na mente coletiva?

Estão juntas na mente coletiva, acho que é difícil uma pessoa entender toda a

abrangência do fado sem que perceba de onde é que vem, sem ter esse contexto, e

não é que isso não crie emoções, porque cria. Temos muitas vezes, em eventos,

estrangeiros que gostam de ouvir fado e que se emocionam e podem não perceber

uma palavra do que estão a ouvir. Não é que o fado não viva só por si, mas para se

perceber realmente a essência, se é que isto interessa, porque às tantas eu posso

gostar de uma música só porque sim e não sei nada para trás, emociona-me, adoro

e quero ouvir mais do que uma vez. Mas para se conhecer melhor e para ter esta

visão dos elementos a funcionarem num ciclo, acho que funcionam os três juntos.

13 – Qual será a imagem da marca fado?

Acho que varia, se calhar em função dos olhos das pessoas, se forem os olhos ou

ouvidos de alguém ligado à música, aprecia de determinada forma. Os próprios

portugueses acabam por ter opiniões diferentes. Ou se gosta ou não se gosta.

14 – Antigamente associava-se o fado a pessoas mais velhas, era piroso gostar de fado, como é hoje?

Isso mudou, sem dúvida, trabalho com fadistas de várias idades. Os que estão na

faixa dos trinta, quarenta anos, dizem que ouviam fado, mas não diziam a ninguém

que o faziam, porque era piroso. Os novos projetos dentro do fado trouxeram novos

ouvintes. Por exemplo, a Raquel Tavares ou a Ana Moura têm projetos que elas

próprias dizem que não são fado, mas elas são intérpretes com origem no fado. Se

calhar, uma pessoa que ouve o disco da Raquel Tavares ou da Ana Moura, que não

são de fado, se calhar procura saber mais destes artistas e chega ao fado por aí.

Quem sabe se até descobre outros fadistas mais tradicionais de que também goste.

15 – As marcas sofrem sempre a influência dos seus proprietários. O país e/ou a cidade sofrerão sempre a influência dos seus habitantes e governantes, havendo necessidade de uma entidade agregadora. Como vê a funcionar a marca Fado?

15.1 – Tendo em conta o seu universo, qual será, neste caso, a entidade agregadora, de modo a obter consenso e a criar uma imagem única?

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A primeira coisa que me vem à cabeça é a EGEAC, mas não sei sequer se é uma

entidade que o possa fazer. A EGEAC foi o motor da candidatura do fado a

Património Cultural Imaterial da Humanidade, portanto, é uma entidade pública que

está envolvida neste trabalho do fado com outro tipo de expressão para além da

expressão musical, incluindo a expressão cultural da marca.

16 – Qual a vertente mais forte do fado, para além do género musical, que utilizaria para construir a marca Fado? Quais os seus atributos tangíveis e intangíveis?

Não só como marketeer, quando ouço fado, não é só estar sentada e pôr música

ambiente a tocar, o fado vai muito para além disso, em termos musicais obviamente,

mas tem uma carga emocional muito forte, para além da tradição, do historial e de

tudo o que está para trás.

Há músicas do fado tradicional que são cantadas por vários fadistas, com letras

diferentes ou com as mesmas letras. Encontramos um fado com determinada letra

cantado pela Amália e o mesmo fado com a mesma letra cantado pela Carminho. O

que é que isto traz? Uma riqueza incrível às composições, à interpretação dos

artistas, às letras que se colocam nas melodias. É um processo de criação, isto

acontece noutras músicas, no jazz, por exemplo. Este registo de criar coisas novas,

aproveitando estruturas que vêm de trás e criar em cima de coisas que já foram

feitas no passado, traz uma riqueza incrível ao fado enquanto música. Para além

disso, traz a valorização da performance dos intérpretes, mas acima de tudo este

lado emocional. Tem a parte cultural, tem a parte do fado enquanto história do nosso

país, mas tem esta parte emocional e para mim é aí que está a diferença. Sinto,

quando faço um espetáculo em casa de uma família, que as pessoas vibram de uma

forma muito especial, é uma magia difícil de explicar.

17 – Todas as Marcas têm um logotipo, e esta?

É muito difícil criar um logotipo para uma marca assim.

18 – É uma coisa imensa para um logotipo, não é?

Sim.

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19 – Tem ideia onde poderá estar a marca fado daqui a cinco ou quinze anos?

Desde que começou a existir na vida dos portugueses, o fado nunca mais de cá

saiu, acompanha-nos. Há alturas em que se fala mais de fado, outras em que se fala

menos, varia. Não sei onde o fado vai estar daqui a quinze anos, mas sei que a

história se repete.

20 – Acha que o fado poderá vir a ser uma marca de luxo?

Acima de tudo o fado é português e dos portugueses, não o vejo como uma marca

de luxo, pode haver produtos ou serviços associados ao fado que sejam de luxo. É

um bom produto, no sentido em que musicalmente é muito rico, mas não sinto que

seja uma marca de luxo, como imaginamos um Lamborghini, que é uma coisa

inatingível para muitas pessoas, acho que não se pode comparar, acho que não se

pode colocar o fado nesse patamar, porque foge à raiz, foge ao que é o fado. Vejo

como uma marca no sentido que pode ser representativa de alguma coisa, Lisboa

pode ser uma marca porque é representativa de uma identidade e o fado também,

mas depois não vejo tanto em termos comerciais, pode ou não ser vendido a um

preço mais alto ou mais baixo, mas acho que tem que ser acessível a todas as

pessoas. Temos um bom espetáculo de fado em casa, e isso pode ser considerado

um luxo pela sensação que é? Pela experiência? Acho que sim, assim como para

mim pode ser um luxo ir à praia ou passar um fim de semana fora, mesmo sem estar

num hotel de cinco estrelas, pela experiência pode ser um luxo, neste sentido da

palavra luxo. É como saltar de paraquedas, quem imagina e sonha com este

momento, é pela experiência que vale a pena.

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Nome: Susana Damasceno

Profissão: Fundadora da ONG: Aidglobal

Local: Oeiras

Data: 24/03/2017

1 – Fale-me da sua experiência no universo do fado?

O fado entrou no âmbito do trabalho que a Aidglobal realiza como uma forma de

angariação de fundos e chegou a nós através da ideia de um fadista amador, que na

altura era o nosso mecânico, e ele, ouvindo-me a queixar das dificuldades que

tínhamos para angariar fundos para levar a cabo os nossos trabalhos, disse «Porque

é que não criamos um espetáculo de fado?» e assim foi. Ele chamou algumas

pessoas que conhecia do mundo do fado e criámos o primeiro evento em 2006,

fizemos no antigo Fórum Roma e a coisa correu muito bem. Na altura não havia a

oferta de espetáculos de fado como existe agora, a pessoa para ouvir fado tinha que

ir a uma casa de fados ou então só os fadistas de renome, os mais clássicos, os

mais antigos, é que tinham espetáculos que iam fazendo e que tinham adesão.

Depois fizemos a segunda edição e aí tivemos simplesmente uma pessoa que não

era profissional, mas depois, na terceira edição, ficámos simplesmente com fadistas

profissionais, já não tínhamos fadistas amadores. O nosso leque de artistas foi

aumentando porque como se tratava de um espetáculo solidário e como na primeira

edição, não obstante sermos uma organização sem fins lucrativos, tivemos o

cuidado de fazer uma boa organização, um bom espetáculo, os fadistas foram

conversando uns com os outros, e foi começando a ser cada vez mais fácil, captar

fadistas. Tudo pro bono, nunca pagámos nada. Tivemos a Carminho, a Mafalda

Arnauth, a Raquel Tavares, depois a Raquel Tavares acabou por ser nossa

madrinha. Quando precisávamos de uma fadista que desse a cara por nós era a

Raquel que ia à televisão, era a Raquel que era entrevistada. Começámos a entrar

também nos programas das tardes e das manhãs; começámos a perceber que este

espetáculo de fado era um bom veículo para dar a conhecer o nosso trabalho ao

grande público. Estipulámos fazer este evento como o nosso evento anual de

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celebração de mais um ano de trabalho, por isso não só dávamos a conhecer o que

é que tínhamos feito em mais um ano de vida, como também dizíamos o que iríamos

fazer com os fundos angariados. As coisas foram correndo muito bem, cada ano

íamos tendo maior projeção, depois começámos a ter a parceria com a EGEAC,

começámos a fazer os espetáculos no cinema São Jorge, começámos a ter a

parceria do Museu do Fado também, a Delta foi sempre o patrocinador oficial, e

chega o momento em que o fado, para contentamento de todos, se torna património

imaterial da humanidade.

2 – O evento chama-se?

O Fado Acontece. Porém, com esta ascensão a Património Imaterial da

Humanidade, o fado ganha maior protagonismo no mundo musical e o número de

espetáculos aumenta, e ao aumentar começa a haver cada vez mais novos artistas,

novos fadistas. Por um lado, é interessante porque todos os anos tentamos ir buscar

vozes novas, por outro, as vozes mais conceituadas tornam-se mais inacessíveis,

mesmo sendo os nossos espetáculos a dias de semana, segundas, terças e quartas,

porque a cedência da sala é graciosa, e facultam-nos sempre a sala em dias que

não há espetáculos, nós nunca fizemos um espetáculo a uma sexta-feira nem a um

sábado.

3 – E têm casa cheia?

No cinema São Jorge nunca tivemos casa cheia, mas já chegámos a ter 500

lugares, a verdade é que de há dois anos para cá o número de bilhetes tem vindo a

reduzir. E depois o nosso público é um público muito especifico: são os membros da

organização, são os amigos dos membros da organização e depois é o público em

geral, mas esse público em geral são pessoas mais velhas, muitas delas já

reformadas, que vão, não pela causa, mas pelo fado em si, pelos artistas. Nós

temos tido a preocupação de ter sempre um convidado especial, que de certa forma

dá dimensão ao espetáculo, tivemos já o Paulo de Carvalho e o Mestre António

Chainho, tivemos sempre convidados especiais, pessoas que de certa maneira

tratam bem o fado e são reconhecidas como tal. Posso dizer que temos a Celeste

Rodrigues, a irmã da Amália Rodrigues, que tem fechado muito os nossos concertos

de fado, o ano passado tivemos o António Pinto Basto, vamos tendo sempre

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pessoas que marcam a diferença no panorama musical. O que acontece é que neste

momento estamos numa fase de repensar este espetáculo, porque já são dez

edições.

4 – E como fazem a divulgação?

Fazemos através da Antena 1, que tem sido sempre o nosso media partner, temos

spots publicitários na Rádio, no Canal 2, na RTP Memória, vamos aos programas da

tarde ou da manhã, que dão sempre grande visibilidade, temos moopis espalhados

pela cidade, temos postais através da Postal Free, vamos sempre à Rádio Amália, e

depois levamos artistas que vão dando também o seu testemunho, por que é que

participam de uma forma graciosa e solidária. Depois temos dois apresentadores

que também fazem a diferença, que é a Fernanda Freitas e o André Gago, que

fundou a Aidglobal comigo e, parecendo que não, criou-se aqui uma família; é muito

salutar estar nos bastidores e eu estou sempre nos bastidores, porque há um

momento em que eu subo ao palco e faço o discurso de agradecimento. É uma noite

em que eles vão para lá felizes, sabem que vão dar o seu contributo, conhecem a

organização, estão permanentemente a receber as nossas newsletters, eles sabem

o que nós fazemos e por isso vinculam-se desta forma, são-nos muito gratos por

poderem participar num projeto que se chama Aidglobal. Há ali laços muito

interessantes que foram criados, mesmo com os músicos, é como se fosse o nosso

jantar de Natal, é uma família. A coisa já está de tal maneira oleada que é muito

simples, a noite corre sempre muito bem.

5 – Os estrangeiros também assistem ao vosso evento ou é mais público nacional?

Temos estrangeiros também, nós temos atacado muito do ponto de vista da

divulgação do espetáculo: os hotéis, os bares e os restaurantes daquela zona toda

de Lisboa, que está cheia de turistas. Temos tido alguns episódios engraçados com

turistas, que estão a passar e entram, e depois vêm-nos dar os parabéns, ou porque

sabem no hotel, porque nós deixamos as informações, ou porque sabem nas casas

de fado, onde também deixamos as informações, por isso acabamos também por ter

esse segmento. Não percebem nada do que estamos a dizer entre os fados, mas

nós temos sempre um vídeo com o nosso trabalho e isso acaba sempre por fazê-los

compreender de que se trata de um espetáculo solidário. Por outro lado, o fado diz-

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lhes muito e eles ficam encantados, e também porque, se tu analisares os nossos

cartazes vais perceber, temos muita qualidade.

6 – Porquê o nome do espetáculo O Fado Acontece?

Porque estávamos a pensar num nome, o fado isto, o fado aquilo e eu disse: «Mas

então, se o fado vai acontecer, porque não o fado acontece?» E é mesmo isso, e

acontece por uma causa, acontece porque nós trabalhamos por estas razões, é por

isso que estamos ali, tudo acontece por uma razão.

7 – Acha que ultimamente os mais jovens têm aderido mais ao fado?

Não é visível no nosso espetáculo, são pessoas muito mais velhas que vão e não é

visível isso. Se calhar estão mais associados aos valores tradicionais do fado, da

sua génese, porque o fado inicialmente servia para discutir as questões sociais e era

um instrumento de denúncia das condições que as pessoas tinham…

Eu acho que os jovens vão ao fado, mas é às tascas, vão ao fado vadio, vão à

Tasca do Chico, vão mais onde os outros jovens também estão para ouvir o fado.

Onde estão os estrangeiros, agora espetáculos como o nosso, não.

8 – Acha que o fado poderá ser uma marca, um produto icónico ou uma national equity?

Em todo o lado há espetáculos de fado, estou-me a lembrar que entre a Arruda e

Alverca há cartazes, mês sim, mês não, de espetáculos de fado. Acho que neste

momento ser fadista, ser cantor de fado, é algo que possibilita o estrelato, a

internacionalização, o reconhecimento público, a exposição pública, porque o que

vês é uma Mariza, uma Ana Moura, vês um Camané, vês uma Gisela João, vês a

Carminho…De repente, a Carminho está a cantar com o Caetano Veloso, a Mariza

canta com qualquer um que queira, a Ana Moura é convidada para fazer um dueto

com o Prince. Quer dizer, ser fadista já não é uma coisa de pobre, já é algo que

exige ser erudito, ser alguém que sabe estar, que tem algo a dar e isso foi uma coisa

que veio com o reconhecimento do fado como património imaterial, porque dantes o

fado, sempre houve a grande gala do fado, todos os anos tínhamos novas vozes,

mas não era uma coisa assim, agora tu tens as grandes vedetas do fado…

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202

À semelhança da Amália…

A Amália sempre foi tudo o que as grandes fadistas desejam ser, porque a Amália

foi tudo isso, mas era um outro tempo e ela era única, agora há muitas de várias

formas. O fado dantes era a guitarra, o xaile, as coisas hoje estão a mudar muito

com esta nova geração de fadistas jovens que também fazem muita fusão. O fado

tradicional poucos o cantam, só os mais velhos. Agora, é uma marca e é uma marca

do ponto de vista icónico, é uma marca do ponto de vista do reconhecimento do

nosso país, Portugal está associado ao fado, por isso são duas palavras

indissociáveis.

9 – E Lisboa?

O fado não é só de Lisboa: tu tens o fado de Coimbra, o Porto também tem fado,

mas não é a mesma coisa, aí sim, por contraste com Lisboa. O fado é lisboeta, mas

nós não podemos esquecer que há o fado de Coimbra, que tem uma tradição muito

forte e é muito respeitado. Agora, não vês estes novos cantores a cantar fados de

Coimbra.

O fado nasceu em Lisboa…

O fado nasceu em Lisboa, nasceu em Alfama, nasceu na Mouraria, nasceu como

forma de verbalizar todas aquelas lutas, aquelas fatalidades daquelas vidas duras. A

Amália atribuiu literatura ao fado, e tu vês neste momento estas grandes fadistas

que têm gente a escrever para elas, por exemplo, o Jorge Fernando, ele senta-se e

escreve para as grandes fadistas, nomeadamente para a Ana Moura; muitos não

conseguem dar o salto, querem, mas não conseguem.

Era importante eu saber o que é uns têm e outros não têm. Qual é a diferença, não

deve ser só pelo cantar…

O formato só se esgota porque efetivamente há muita oferta, começou a Caixa

Alfama, a Caixa Alfama no Norte, o Montepio também tem qualquer coisa. É muita

oferta. Virou moda.

10 – Acha que o fado poderá ser uma marca de luxo?

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203

Não sei, o que eu sei é que há um glamour em torno do fado e que as pessoas

investem para ouvir cantar o fado. Começas a ter as divas do fado, a Marta Pereira

da Costa, que está, finalmente, a ascender como guitarrista, uma grande guitarrista

portuguesa. Ela quando vai atuar vai lindíssima, ela é muito bonita e depois veste-se

toda… O Ricardo Ribeiro, que conseguiu fazer aquela fusão com os marroquinos,

que fez um trabalho no âmbito da música mediterrânica muito interessante… Mas

grande, grande, grande, só as mulheres. Eu acho é que a marca fado é feminina,

porque são as mulheres que lhe dão esta projeção, as fadistas, pelo glamour, pela

elegância, pelo luxo, desde a roupa, desde as joias, desde a forma como se

movimentam, acho que sim, isso sim, agora, é um luxo para quem? As casas de

fado sempre foram elitistas, eram para quem podia pagar a preço de ouro aqueles

jantares, a comercialização do fado, o boom, é de agora, é recente, a relação entre

as fadistas é “de faca e alguidar”, há uma concorrência, uma competição, por

exemplo, a Carla Pires é superconhecida lá fora, cá dentro não consegue vingar,

ninguém sabe quem ela é, e, no entanto, passa a vida a dar concertos lá fora e

canta lindamente. Quais são as competências que uma fadista tem que ter para ter

sucesso? Acho que tem muito a ver com o saber falar, com o saber estar.

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204

Nome: João Francisco Pinto de Sousa

Profissão: Empresário, editora A Bela e o Monstro

Local: Lisboa

Data: 29/03/2017

1 – Fala-me da vossa experiência no universo do fado e consequentemente da vossa empresa.

A nossa ideia base foi olhar para o fado como um fenómeno e marca tradicional

portuguesa, e dar-lhe um olhar de contemporaneidade. Atendendo a que o fado

tinha ainda aquela carga, sem menosprezo pelos interventores, como o João Braga;

aquela geração ligada ao fado triste, conservador. Havia muito aquela imagem, do

fado muito triste, aquela ideia saudosista, aquela ideia do burro preto e da velhota, a

ideia de Portugal nos postais… Então achámos que era um bom princípio

começarmos por aí, fundamentalmente dar cor. Começámos com uma coleção que

se relacionou com outro ícone português que era o azulejo, convidámos alguns

artistas para fazer alguns azulejos que dedicámos ao fado, uma coleção que se

chama Os Azulejos o Fado e a Guitarra Portuguesa. Depois a João (designer) fez o

primeiro projeto, que esse, de facto, foi de alguma forma marcante e que se

chamava Fado do Público, eram 20 livrinhos com CD que tinham ilustrações

diferentes nas capas, e de facto marcou muito o novo imaginário do fado, porque, a

partir daí, mudou radicalmente. Convidámos uma geração de ilustradores

portugueses, nós temos uma qualidade de ilustradores muito boa, e, de facto desde

o Nuno Saraiva ao André Carrilho, que na altura ainda não era muito conhecido, ao

João Fazenda, quer dizer, aqueles nomes mais emblemáticos que não estavam

muito afeiçoados ao fado, trouxemo-los para este universo e de facto foi

enriquecedor, o mesmo aconteceu depois também com os fadistas na nova geração,

que gostaram bastante. Até foi o Carlos Coelho com a Brandia que conseguiu

traduzir bem aquele imaginário de relacionar a iconografia tradicional do fado, que é

muito rica para a contemporaneidade, essa ligação funciona também muito bem em

termos publicitários. A Mariza na altura estava com o seu primeiro disco, não havia

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205

ainda Ana Moura nem Carminho. Depois desenvolvemos uma série de outro

projetos, desenvolvemos um que era O Fado de A-Z, que foi fazer uma pesquisa de

todo o fado, de todos os fados, com o José Manuel Osório. Convidámos na altura

também uma artista plástica, Ana Bela Silva, para fazer todas os CD, depois, mais

tarde, fizemos outra coleção com o Diário de Notícias, quando o fado foi património

da humanidade, em que convidámos ilustradores, naquela lógica de recriar de uma

forma contemporânea o quadro de Malhoa. Depois tivemos coisas um bocadinho

mais arrojadas, fizemos uma coleção com o BPI que se chamava Fado Alma Lusa, e

convidámos a Joana Vasconcelos, o Pedro Calapez e uma série de outros artista

plásticos. Fizemos também uma coleção de ensaio, fotografia, que são suportes

mais contemporâneos, com o Museu Berardo, quando foi o aniversário da Amália,

convidando artistas ainda mais contemporâneos; o Rui Vieira Nery e o Vasco Graça

Moura fizeram a pesquisa da parte poética e da parte dos fados, depois

catalogámos as várias temáticas que a Amália cantou e cada um deles desenvolveu

um projeto próprio sobre cada tema da Amália. Depois fizemos uma edição especial

para a Amália com o Julião Sarmento, também temos um azulejo da Paula Rego

com um autorretrato dela. Tudo o que é classe artística foi envolvida nesta forma de

olhar o fado mais contemporânea. Depois a João (designer) foi sempre convidada

por alguns fadistas e pelas editoras mais importantes para fazer as capas dos discos

da Carminho e do Camané e outras, fizemos também da Mariza. Lançámos agora

outra coleção: Os Mais Afamados do Fado, recuperando uma certa iconografia

literária dos livros mais emblemáticos do fado do século passado. Também tivemos

um projeto que se chama Urbanas, com fadistas mais jovens de um projeto

comissariado pelo Diogo Clemente, que é o marido da Carminho, e que é um

excelente compositor e convidou uma série de fadistas mais jovens. Editámos

também o livro do Rui Vieira Nery.

2 – Tem procura internacional ou apenas no mercado nacional?

Mais a nível nacional. Temos um circuito de distribuição muito próprio, porque

fazemos sempre isto com os jornais, tendo a noção de que o que é interessante é

mostrar isto a novos públicos, e a melhor forma que nós encontrámos foi, por um

lado o projeto Unibanco, era o tal do Azulejo o Fado e a Guitarra, feito em 2002, e

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206

por outro também depois fizemos um projeto com o BPI, aquele dos azulejos de

autor de artistas plásticos.

3 – Fazem quase sempre os vossos projetos em parceria?

Parceria para a distribuição sim, no caso dos bancos foi interessante, para distribuir

os azulejos contámos com os jornais Público e Diário de Notícias. Fizemos também

um projeto com o Carlos Paredes em DVD, que distribuímos com a Visão. Quanto

aos outros do fado, fizemos também Amália é Nossa, com o jornal Público, o Fado

de A-Z foi com a Visão, o Fado do Público foi com o Público, a celebração do fado

como património da humanidade foi com o Diário de Notícias.

4 – E projetos para o estrangeiro?

Fizemos um projeto com o Carlos do Carmo, uma coisa isolada com um jornal do

Luxemburgo, depois fizemos a tradução daqueles livros do fado para Itália e França.

Os estrangeiros que gostam de fado vêm cá e levam.

5 – Acha que a procura pela temática do fado hoje em dia é maior do que há cinco anos atrás?

A procura é maior, o que era antes e o que é agora não tem nada a ver. Desde a

marca do fado como património da humanidade, mas com esta nova geração de

fadistas, a procura é enorme. Desde os festivais de fado - há o festival em Madrid,

há o festival do Brasil – que os fadistas portugueses são convidados por todo o

mundo e têm cachets brutais. Em termos geracionais houve esse passo forte e

muito consistente. Em termos dos produtos acho que também, há uma procura

muito grande e o fado como marca portuguesa é fortíssimo, há livros sobre as casas

de fado, o que se come nas casas de fado, há toda uma derivação da marca fado

que funciona muito bem porque é uma marca muito forte. Está muito sustentada e

muito bem alicerçada, quer pela comunidade dos fadistas propriamente ditos, quer

por uma série de artistas que exploram também muito esta área numa vertente mais

contemporânea em vários suportes.

6 – Acha que a marca Lisboa, a marca Portugal e a marca fado estão associadas, ou estão separadas no ideário coletivo, seja nacional ou internacionalmente?

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207

Eu acho que o fado tem uma posição própria, é evidente que as pessoas ligam o

fado a Portugal. Se perguntar o que é que liga mais a Portugal, vão responder

«Lisboa, Fado, Elétrico, Vinho do Porto», são os ícones, é incontornável. Agora

depende do nível cultural das pessoas, mesmo os portugueses não sabem a origem

do fado, até porque a origem é polémica, há quem defenda, como o Rui Vieira Nery,

a origem brasileira ou africana, há outra tese, do José Sardinha, completamente

oposta, que relaciona o fado com o cancioneiro popular português. As próprias

raízes não estão confirmadas, mas, claramente, há uma coisa confirmada: o fado

está ligado a Lisboa, mas se for um bocadinho mais a fundo, se as pessoas

estiverem interessadas, há quem diga que é a canção nacional. Depois há a

discussão sobre Coimbra, não é fado de Coimbra é a canção de Coimbra, a guitarra

de Lisboa tem uma forma e a de Coimbra tem outra, até a do Porto tinha a cabeça

de um bicho. No Porto o fado não é tão dinâmico, mas é uma marca nacional, tal

como o vinho do Porto, que também é do Porto, e é uma marca nacional. Tem uma

vida própria e que contraria a ideia antiga de que o fado é a Amália e que o fado era

Lisboa, não estava assumidamente como uma marca, era uma imagem, era um

ícone, era mais ligado a isso que uma coisa sustentada. Agora não, está sustentado

em variadíssimas formas, obviamente, nos fadistas primeiro, nos fadistas

contemporâneos, que depois já ultrapassam aquilo que é o registo tradicional dos

próprios instrumentos. É aquela ideia do fado e dos polícias do fado, que ainda há

muitos, defensores do fado à antiga, aquela ideia mais simples, que depois os

contemporâneos também exploram que é o fado à capela ou fado só com a guitarra

e a viola. Mas depois houve fadistas, que só agora estão a ter resultado do seu

trabalho, que fizeram uma travessia do deserto, que são muito arrojados, como é o

caso da Mízia, que fez agora 25 anos de carreira. Ela estava um bocadinho à frente,

numa interpretação do fado culturalmente muito mais abrangente e com um

imaginário muito inovador e liberal com os instrumentos, com a introdução do

saxofone e de tambores. A Mariza também explora outras áreas na interpretação do

fado e usa outros instrumentos, mas, de facto, aquilo que se diz que é o fado está lá,

é uma forma de estar, é uma forma de se expressar, é um sentimento muito

português. Mas está sustentada como uma marca portuguesa, não há hipótese.

Como os espanhóis que copiaram o vinho do Porto, aqui não há esse risco,

independentemente de haver intérpretes de outros países que querem cantar o fado,

mas é uma coisa muito particular.

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208

6.1 – A Joana estava-me a dizer que os senhores são proprietários da marca fado.

Sim, comprámos a um senhor francês, que a tinha já desde 1991.

7 – O que engloba essa marca?

Nós temos isso para áreas específicas de produtos de cosmética, sabonetes,

perfumes.

8 – Conte-me a história do inglês e dos fonogramas do fado.

Eu conheci uma pessoa, com esse episódio o pior que aconteceu foi estragar a

nossa relação de uma forma completamente estúpida, que é o José Moças e o José

Moças tem uma empresa que é a Tradisom e conheceu em Macau um fulano que

tinha o tal espólio. Na altura, no meu entusiasmo, achei aquilo interessantíssimo,

achei que merecia a pena ser trazido para Portugal, na altura nem tinha ideia que

havia ali um valor provavelmente muito especulativo à sua volta. Até as próprias

origens, que depois tiveram uma polémica a partir desses discos do fado. O José

Moças tinha um parceiro que era o advogado dele, o José Sardinha, que é o tal que

fez depois um livro sobre as origens do fado, e que é uma personagem muito

peculiar. Os dois estavam à procura de alguém que desse um milhão de euros por

aquilo, quer dizer, o dinheiro não era muito e depois até se veio a provar que de

facto não valeria aquilo. Quando falei a primeira vez com a Sara Pereira, ela dizia:

«João, isso é uma especulação porque os arquivos da RTP têm isso tudo e não se

sabe a origem disso, isso foi o senhor que comprou nuns armazéns e o inventário

não está muito bem feito.» Mas de facto havia alguns pareceres - já tinha ido gente a

Londres entendida no assunto, eu na altura estava no início - que realmente

reconheciam que aquilo tinha um valor patrimonial muito sério. Eu comparava aquilo

com a história de haver um museu em Londres que tinha comprado, pelo dobro ou

pelo triplo, um simples bocado de cabedal que era a primeira bola de futebol dos

Ingleses.

Se o futebol está para os Ingleses, o fado está para nós, portanto, não vem mal

nenhum ao mundo em dar um milhão de euros por aquilo, independentemente da

questão especulativa. E há um momento em que aquilo não andava para a frente,

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209

não havia o dinheiro e andava-se há anos naquilo. Eu tive a sorte de depois

conhecer a Isabel Pires de Lima, a parte boa é que ainda hoje nos damos muito bem

com ela, e mandámos-lhe este desafio, ela pôs-me em contacto com o chefe de

gabinete, a coisa correu bem, trouxe de lá uma vez o José Moças, que veio às

escondidas do José Sardinha, porque ele é que estava a liderar o processo. A

situação estava um bocadinho complicada, havia um conflito de interesses na

compra desta coleção, ele queria levá-la lá para a terra dele para a digitalizar, havia

ali alguns conflitos de interesses. O José Moças sabia disso e o Sardinha tinha feito

uma série de contactos que não tinham dado em nada, veio aqui, a Lisboa, um

bocadinho às escondidas. Apresentei-lhe a Isabel Pires de Lima, o Secretário de

Estado disse que avançava com parte do dinheiro, mas depois faltava o resto. Outra

parte boa foi que fiquei com a amizade do António Carmona Rodrigues, que arranjou

outra parte do dinheiro. Fomos depois ao BCP, até com um e-mail da Mariza, para

arranjar a outra parte do dinheiro, portanto, arranjou-se objetivamente o dinheiro,

depois, quando há dinheiro, tudo isto fica… O Moças desapareceu, estranhamente

deixou de me falar. Fizemos uma sessão com o Museu do Fado para anunciar a

compra desse espólio, depois mudaram os Ministros, a seguir houve uma coisa

técnica qualquer que foi um bocadinho polémica na altura. Quando ele trouxe os

famosos 5.000 discos, viu-se que não eram 5.000 discos, mas sim 5.000

fonogramas, então aquilo que se imaginava que eram 5.000 discos passou para

metade porque o José Sardinha tinha uma nuance e aquilo eram fonogramas.

9 – Quem ficou responsável pelos fonogramas?

Obviamente que ficou para o Museu do Fado, foram comprados pela CML para o

Museu do Fado. Depois houve uma parceria com o Instituto de Ecomusicologia, da

Sara, está tudo acessível, é tudo do domínio público através da internet ou de

consultas. O próprio Museu do Fado tem um site já muito avançado sobre isso, e as

pessoas podem aceder gratuitamente a esse acervo e ouvir essas músicas todas.

Houve depois um trabalho de fundo muito grande da Prof.ª Sara Castelo Branco e

do Pedro Félix e da Comissão, porque depois isso também foi aproveitado para o

dossier do Fado Património da Humanidade, liderado pelo Rui Vieira Nery, portanto

tudo isso foi aproveitado.

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210

Nome: Maria João Ribeiro

Profissão: Designer, editora A Bela e o Monstro

Local: Lisboa

Data: 29/03/2017

1 – Qual é a imagem da marca fado?

Eu acho que o fado apesar de tudo ainda tem um lado um bocadinho bafon e um

bocadinho antigo que não desapareceu por completo: o uso do preto associado ao

fado não desapareceu, o uso de dourados e prateados para ilustrar uma certa

riqueza também não desapareceu. Mas hoje em dia a marca fado cruza referências

com outros elementos da portugalidade, a relação do fado com o azulejo hoje em dia

é um pouco difusa, há muita coisa que se vê com as rendas e com os bordados.

Quando se trata de pensar uma imagem para o fado, dependendo dos produtos,

mas no merchandising em concreto, há muito esse tipo de mistura, fica assim uma

coisa um bocado baralhada, depois ainda há os brincos de Viana como inspiração,

as contas, as filigranas que a Amália usava.

2 – Mas há outras coisas novas?

Há, se formos para a imagem dos fazedores de fado, que são os artistas,

nomeadamente com os discos, aí sim, há uma imagem nova, especialmente nos

mais jovens, mas também nos mais velhos, por exemplo, o Carlos do Carmo e a

Mízia têm uma abordagem muito mais inovadora e mais contemporânea. Mas se

formos para o merchandising que está muito mais virado para a compra por impulso

e para o turista, o turista procura sempre referências, mas que são uma grande

misturada, são representações de uma ideia de Portugalidade. Mesmo isto das

conservas ali no Rossio é uma representação de uma ideia, uma ideia falsa, o fado

também está muito difundido na imagem turística que corresponde a um monte de

ideias que não são verdadeiras. Canta-se fado em todo o lado agora e canta-se fado

durante o dia, até havia um espaço em frente ao Miradouro de Santa Luzia, onde

não só cantavam durante o dia, como vinham cá para fora, para a porta, para atrair

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pessoas com o microfone. Mas há uma imagem mais contemporânea, estou até com

um bocadinho de pavor disso, nós sempre tentámos fugir disso, usando, aqui e ali,

muito discretamente, esse imaginário que pode suscitar o sentimento do fado, mas

sempre com alguma discrição e parcimónia.

3 – Na sua opinião, será o Museu do Fado a entidade agregadora do fado em Portugal?

Acho que não, acho que faz um trabalho mais de nível cultural, fazendo pontes e

tornando a casa de fado algo acessível, onde os fadistas se sintam bem, onde haja

múltiplas atividades. Obviamente que daí deriva um valor acrescentado para o

mercado e depois o mercado, consciente ou inconscientemente, tira proveito disso e

faz lá apresentações de produtos de coleções e livros. Eles não trabalham com um

objetivo de marca. Sei que às vezes têm pedidos lá para autorizar uma marca de

sapatos fado, e eles dizem que não têm nada a ver com isso. Uma coisa é

autorizarem meter lá o Museu do Fado ou a EGEAC, coisas institucionais, nesse

sentido disponibilizam a marca Museu do Fado, para se associar a determinadas

iniciativas, que obviamente podem trazer ao museu algum pequeno valor

institucional, mas isso vale o que vale. Tem obviamente o seu quê de marketing, o

chamado apoio institucional valoriza sempre uma iniciativa comercial, quer se

queira, quer não. Têm lá muitos produtos, quer na loja quer nas apresentações que

se disponibilizam para fazer. Já vi lá passar tudo, a nossa própria coleção dos

azulejos do fado e da guitarra portuguesa, tivemos lá uma exposição.

É dos agentes mais importantes que há no mercado, ao contrário de outros museus,

tem uma dinâmica muito proativa, depois envolve-se também com produções de

espetáculos: promove a Mariza, na Time Out, ou o Carlos do Carmo, no CCB,

também está sempre muito ligada ao fado em Madrid.

3.1 – Quando entrei em contacto com a EGEAC, como entidade agregadora do fado, mandaram-me para o Museu do Fado…

A EGEAC é uma empresa municipal que está na dependência da Vereadora da

Cultura, é um equipamento à parte, é a empresa de gestão e ação cultural, dinamiza

as festas de Lisboa, mas tem vários equipamentos, tem dez ou doze equipamentos,

um dos equipamentos é o Museu do Fado, tem o São Luís, tem agora o último que é

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o Atelier Museu Júlio Pomar. O Museu do Fado é um dos 19 museus que estão sob

a alçada da estrutura EGEAC.

Há outra associação, do Sr. Nuno Siqueira, que é da velha guarda do fado e que

tem uma belíssima coleção, aliás já tem tido propostas de agências de viagens para

fazer tours ao escritório dele, porque tem lá cerâmica, tem lá objetos absolutamente

deliciosos de coisas relacionadas com o fado, livros, tem uma coleção de discos

absolutamente brilhante. Cada entidade tem as suas competências, o Museu do

Fado faz a sua atividade específica, obviamente que o trabalho depende muito de

quem está à frente do Museu do Fado, mas tem objetivos específicos que eu acho

que até estão bastante corretos, tem uma latitude muito alargada do que é um

equipamento cultural municipal. Acho que estão bem entregues, pois têm uma

dinâmica de exposições que é pouco usual, coproduções de espetáculos que é

pouco usual em equipamentos municipais, que geralmente são reativos e não

proactivos. Eles têm iniciativas e a Câmara normalmente autoriza e dá espaços, o

Museu do Fado extravasa o que são normalmente as competências dos

equipamentos culturais. Depois há entidades muito mais passivas ligadas ao meio, o

Nuno Siqueira substituiu um homem que estava há muito tempo na Associação da

Guitarra Portuguesa, ele próprio até está a fazer coisas que eu nunca tinha visto,

arranjaram um patrocínio da Samsung ou da Mitsubishi e estão agora a fazer uns

concertos na Sala Camões, com o Pedro Moutinho e uma série de fadistas.

Portanto, nessas dinâmicas não há nada de transversal, não há nenhuma entidade

de fado que depois diga como é que todos têm que fazer, depois há entidades como

nós, somos editores privados que fazemos o nosso próprio caminho. Ainda há os

clubes de fado, cada um deles tem a sua própria dinâmica, desde a Tasca do Chico

até ao Mário Pacheco, que tem o clube de fado, há casas que são mais proactivas

que outras. Mas não há nenhuma entidade agregadora. Cada entidade dá o seu

contributo e emerge daí um universo que se chama fado, uma marca que se chama

fado e que resulta do contributo dos académicos, dos fadistas, dos clubes de fado,

dos editores do Museu do Fado.

4 – O facto de o fado ter passado a Património Cultural Imaterial da Humanidade deu-lhe mais estatuto?

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Deu, é uma coisa um bocadinho subliminar, mas deu, agora é uma «Maria vai com

as outras.», agora tudo é candidato… Na altura foi uma candidatura exemplar,

depois também houve umas tempestades perfeitas no sentido de juntar vontades,

havia a coincidência do Presidente da Câmara ser um grande apoiante, havia o Rui

Viera Nery, que também estava muito bem sintonizado, havia a Sara…Tudo

pessoas com altíssimas valências e muita ambição neste projeto, que começou com

o Pedro Santana Lopes, quando nomeou a Mariza e o Carlos do Carmo como

embaixadores, arranjou-se aqui um timing que foi o timing perfeito. Houve, no

entanto, umas resistências de bastidores muito grandes, com o Manuel Maria

Carrilho a querer boicotar aquilo em Paris, porque ele na altura era Embaixador na

UNESCO, mas houve essa tempestade perfeita de se juntarem ali três pessoas que

fizeram um projeto único, fantástico, no tempo e na forma, e que obviamente

também foi muito bem comunicado, como sabe, a comunicação nessas coisas é

fundamental.

5 – Portugal tem estado a retirar dividendos?

É evidente que sim, basta ver aí as lojas todas, as pessoas depois exploram isto

como exploraram a marca sardinha, até ao tutano.

6 – Acha que o fado poderá ser uma marca de luxo?

Eu acho que sim, nós nesse aspeto até temos tocado um bocadinho nesse território,

porque associa uma lógica de mistério, glamour e depois o fado também é a imagem

que as pessoas têm dele, a parte iconográfica vale muito. A iconografia tradicional

tem uma beleza muito grande, podemos compará-la à Art Déco, por exemplo, nos

anos 20 do século XX, com o Bordalo e o Stuart Carvalhais, é um imaginário muito

rico, a imagem é fortíssima e hoje em dia o luxo está muito associado também à

tradição e à forma como se atualiza essa tradição. O luxo é alguma coisa também

de intangível e nesse aspeto o fado tem essa matéria-prima, e depois tem o que os

fadistas atuais têm tido, porque há muitos fadistas que se preocupam com a

estética, a começar na Mariza, no penteado da Mariza, nos vestidos do João Rolo

que ela começou a usar, a Ana Moura seguiu esse caminho, a Carminho seguiu

esse caminho. Toda a parte visual, todas as capas dos CD, todos os palcos que elas

vão pisando, são todos em territórios de glamour, em Paris, em Nova York, são

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salas em que o luxo está omnipresente, depois a Paula Rego com a Mariza, o

próprio Júlio Pomar, que não gostava de fado, pintou a Mariza. Eu não gosto da

palavra luxo, tem sempre uma carga de ostentação que me desconforta, nós

fizemos um produto que se podia considerar de luxo, fizemos umas caixas que

oferecemos ao Carlos do Carmo, num projeto com o Museu do Fado e com a

Câmara de Viana do Castelo. Temos uma caixa em prata e uma em ouro,

desenhadas pela Isabel e por um ourives de Viana do Castelo, é uma caixa toda

feita em filigrana, uma caixa de CD em ouro, pronto, isso é luxo. Cada caixa custou

400 euros, só a produção. É uma peça toda feita em filigrana com temáticas do fado.

Temos um acordo com a marca FADO de vinhos, que eles sim, a empresa é de Alter

do Chão, com a qual fizemos um protocolo, usamos a marca Fado. Temos uma

embalagem toda sofisticada, o luxo advém da sofisticação que o vinho possa ter, é

um vinho de alta qualidade, estamos a preparar o design dos rótulos. Vamos usar

eventualmente a imagem do José Guimarães, que tem um azulejo muito bonito do

fado, está muito associada à imagem de Portugal.

7 – E os preços?

Há preços que têm de ser caros, por exemplo, essa caixa de filigrana se nós a

pusermos no mercado tem que ser cara, os azulejos, se forem uma série limitada,

têm que ser caros. Temos uma base que a João desenhou, uma lágrima onde se

pousam os azulejos, que se forem em cristal é um preço se forem em vidro é outro,

tudo isso também a ver com a matéria prima e as edições serem mais ou menos

limitadas. A nossa postura sempre foi na lógica de ter uma coisa muito democrática,

de ter preços que sejam democráticos, para que a cultura seja para todos, tentamos

fazer as coisas com qualidade, mas com preços acessíveis para todos, mas

obviamente que temos algumas coisas que são muito pontuais, por exemplo a

edição do Julião Sarmento, temos um disco feito à mão, temos uma edição limitada

de 69, assinados pelo Julião Sarmento e pelo Rui Vieira Nery…

8 – Tem alguma ideia para um possível logotipo da marca fado?

Tem que inspirar paixão, um sentimento associado ao fado, mas que ao mesmo

tempo seja contemporânea e que as pessoas mais jovens também se revejam nela.

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8.1 – Percebi que os senhores, para além do género musical do fado, também vão buscar os artistas, os ambientes…

Sim, a história, enquadramentos, contextos históricos.

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Nome: Bernardo Couto

Profissão: Guitarrista

Local: Lisboa

Data: 31/03/2017

1 – O que é para si o Fado?

É uma pergunta difícil de responder, mas há uma coisa que se costuma dizer,

sobretudo nas casas de fado, que é o “acontecer fado”. A essência do fado tem um

bocadinho a ver com esses momentos que raramente acontecem e que são uma

espécie de sintonia absoluta entre os músicos, o fadista e as palavras que este está

a dizer. Depois tem de acontecer a sintonia com as pessoas que estão a ouvir,

portanto, acontecendo essa harmonia, esses três sentidos, pode-se dizer que

aconteceu fado. É uma coisa inexplicável e difícil de descrever por palavras. É algo

que se sente, mas tendo que descrever o fado num momento, esse é o momento.

2 – Onde têm sido apresentados os seus espetáculos, em Portugal ou lá fora?

Em Portugal, um pouco por todo o país, nos auditórios, nas feiras, nos festivais,

enfim, por todo o país, de norte a sul. Lá fora toco muito na Europa, por exemplo na

Holanda, na Bélgica, na Alemanha, França, Escandinávia, depois tenho ido algumas

vezes aos Estados Unidos e ao Brasil.

3 – Que tipos de fado existem? Se eu designar esta nova tendência como «o novo fado», o que poderei chamar ao fado anterior?

Basicamente, há uma divisão simples entre o que é o fado tradicional e o que não é.

O fado tradicional tem um estilo muito definido e um conjunto de regras do que

poderá ser a melodia, a estrutura harmónica e os poemas que podem ser aplicados.

O fado tem parâmetros bem definidos, e qualquer coisa que saia fora desses

parâmetros, pura e simplesmente, deixa de ser fado tradicional. Tudo o resto,

chamar-lhe novo fado ou fado musicado, é um universo interminável de uma música

que poderá ter maior ou menor influência no fado, mas que já está fora do registo

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tradicional. Como nomear todos esses estilos que estão para além do fado

tradicional é apenas uma questão de gosto.

4 – Entre o fado tradicional e o novo fado, qual prefere?

O fado tradicional, apesar de tocar mais fado não tradicional.

5 – Qual é hoje a imagem do fado para os portugueses e no resto do mundo?

A imagem é de uma identificação total, com um sentimento de orgulho, noto isso

sobretudo nas comunidades portuguesas que vivem por esse mundo fora. Há um

sentimento de uma grande saudade e de um grande orgulho de perceber que há

artistas internacionais que chegam aos quatro cantos do mundo, e que conseguem

levar o sentimento e as palavras ditas na nossa língua a todo o mundo.

6 – E o público nacional como vê o fado?

Diria que não de maneira muito diferente, acho que o facto de se viver fora de

Portugal cria claramente um sentimento de maior saudade, uma maior vontade de

querer assistir aos concertos. Em Portugal existe uma relação muito boa, as

pessoas acolhem muito bem, há uma diversificação do público. Hoje há pessoas que

vão a um concerto de fado que, se calhar, há 15 ou 20 anos era impensável que

fossem. As gerações mais novas interessam-se pela música, pelas letras e gostam

de ouvir cantar os artistas, portanto, há uma relação cada vez mais próxima.

6.1 – Antigamente havia aquela ideia de que ouvir cantar o fado era uma coisa pirosa, démodé…

Sim, totalmente, mas hoje claramente não acontece isso, houve um progresso e um

desenvolvimento brutal em termos da relação das pessoas com o fado e com este

estilo musical…

7 – Qual é hoje o estatuto do fado?

Está totalmente diversificado, vê-se pela afluência das pessoas aos concertos, pelos

discos que se vendem e pela quantidade de rádios que, sendo abrangentes, passam

regularmente fado, há vontade das pessoas quererem ouvir fado. O fado hoje está

equiparado a outros estilos musicais, o que não acontecia há 15 ou 20 anos atrás,

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altura em que os senhores do pop, rock ou hip-hop eram reis e senhores e tinham a

primazia comercial. Hoje o fado está em pé de igualdade com todos esses estilos

musicais.

8 – Acha que a indústria do fado é mais consistente?

Sem dúvida, isso vê-se pelo número de concertos e de discos vendidos. São

números impressionantes, vê-se na força que este mercado mais específico do fado

tem no mercado mais abrangente da música em Portugal. Os discos que são

vendidos no estrangeiro e a quantidade de concertos que são feitos mostram de

forma inequívoca que existe uma indústria ultra consistente.

9 – Tem feito muitos espetáculos no estrangeiro, acha que os estrangeiros ligam facilmente o fado a Portugal e a Lisboa?

Sem dúvida, não sei se o estrangeiro menos informado poderá ligar o fado a

Portugal - apesar de ser uma canção cuja origem é cem por cento lisboeta, apesar

de várias influências, mas a origem da canção é Lisboa -, sim, essa ligação a Lisboa

é totalmente feita. Já me cruzei inúmeras vezes com turistas que vêm a Lisboa

exclusivamente para ouvir fado, com o objetivo de irem às casas de fado e aos

concertos.

10 – Considera que o fado é bem conhecido no estrangeiro?

Sem dúvida, é uma marca distintiva e é uma marca portuguesa inultrapassável.

11 – A seu ver, a comunicação e a promoção do fado está a resultar? Quem são os responsáveis por essa promoção?

Há um papel meritório do Museu do Fado, relativamente ao facto de o tornar

Património Cultural Imaterial da Humanidade. Em termos da gestão da carreira dos

vários fadistas, há todo um trabalho de gestão e promoção que, por consequência,

torna o fado cada vez mais conhecido, logo mais ouvido.

12 – Quem é o público nacional e o internacional e o que procuram?

O público nacional é cada vez mais diversificado e intergeracional. É transversal em

termos de faixas etárias e de classes sociais.

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13 – E com que idade se começa a ouvir fado?

De tudo um pouco, mas como é um género musical que exige alguma atenção à

letra, é necessária alguma maturidade. Uma criança com 12 ou 13 anos poderá não

perceber o que se está a passar, mas acho que um adolescente a partir dos 15

anos, tendo vontade e, querendo aprender, está perfeitamente preparado para ir a

um concerto de fado e perceber o que se está a passar.

14 – Procuram espetáculos, casas de fado ou as duas coisas?

As duas coisas.

15 – A que categoria ligam o fado: espetáculo para uma elite ou para todos?

Para todos, essa história da elite já não existe há imenso tempo e ainda bem.

16 – Será o fado uma marca? Quem são os responsáveis?

Sem dúvida alguma, é uma marca fortíssima. É uma coisa que identifica e distingue

Portugal de tudo o resto. Lisboa é uma cidade que atrai pessoas e que as leva a vir

a Portugal. Os turistas, quando vêm, frequentam casas de fado e vão a concertos,

há toda uma panóplia de questões à volta do fado, que fazem deste uma espécie de

âncora essencial para atrair pessoas e para chamar a atenção sobre Portugal e a

cultura portuguesa.

17 – Quais os atributos mais fortes que reconhece no fado?

Eu diria que o atributo mais forte é o caráter português, o facto de ser algo que nos

distingue, imediata e automaticamente, de outras culturas musicais. O fado só existe

cá, isso torna-nos únicos e distingue-nos de tudo o resto que se faz no mundo.

18 – As marcas Fado, Lisboa e Portugal estão juntas na mente coletiva, ou são singulares?

Existe uma relação umbilical entre o fado e Lisboa, uma pessoa que queira sentir e saber melhor o que é o fado tem de vir a Lisboa, foi aqui que o fado nasceu, é aqui que estão as casas de fado, foi aqui que nasceram muitos fadistas, muitos guitarristas. Essa ligação a Lisboa é incontornável.

19 – O facto de o fado ser hoje Património Cultural Imaterial da Humanidade alterou o seu estatuto? O que melhorou?

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É engraçado, porque na vida real não acho que tenha alterado muito. Em termos

daquilo que é o mercado, o que aconteceu foi o facto de essa honra ter contribuído

para melhorar o estatuto deste estilo de música. Acho que é mais uma questão de

prestígio do que qualquer outra coisa.

20 – O fado neste momento já atingiu a categoria de luxo?

Claramente, não.

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Nome: João Rolo

Profissão: Estilista de Alta Costura

Local: Lisboa

Data: 01/04/2017

1 – A marca João Rolo é uma griffe, patamar da marca, acima do luxo. É um criador que tem desenvolvido um trabalho de prestígio nacional e internacional, qual é a sua conceção de marca de luxo?

Eu posso dizer que quando comecei na moda, há 33 anos, eu nunca pensei aqui

chegar, até porque na altura não havia o luxo, aquela plataforma de luxo que hoje

existe. Eu tinha um sonho, eu gosto muito de espetáculo e gosto de criar espetáculo,

para mim um desfile tem que ser um pouco mais do que só roupa, tem que ser

espetáculo. Para mim, o espetáculo na moda só se conseguia atingir com a alta

costura, porque era aquilo que me fascinava, aquilo que me fazia sonhar era ver os

desfiles, as revistas internacionais. Eu olhava e conseguia realizar espetáculo na

minha cabeça, tudo o resto era giro, era roupa, mas não me criava essa adrenalina e

frenesim dentro de mim, e eu comecei a ir atrás daquilo que me fascinava. Ao longo

de todos estes anos de carreira, e um pouco afastado do mercado da moda

portuguesa, eu fui criando o meu próprio atelier, o meu próprio trabalho, a minha

própria forma de fazer moda à minha maneira, como eu a interpretava, sem estar

focado no que me envolvia e naquilo que se fazia cá. O que me interessava era o

que se fazia lá fora, não era questão de menosprezar, mas o que se fazia cá não me

fascinava, o que se fazia lá fora fascinava-me, portanto, fui atrás desse fascínio, que

no fundo era o que conduzia e alimentava um sonho que existia dentro de mim.

Quando comecei, comecei com uma loja de roupa que eu fazia, eu próprio, mas era

uma roupa de prêt-à-porter, era uma roupa mais avant-garde, estávamos nos anos

80 e era uma roupa que se impunha, vinda de Londres. Quando apareciam clientes

na loja que eu achava que tinham um perfil diferente, entravam por acharem a roupa

diferente, mas que ao mesmo tempo não se identificavam com ela, quando via

clientes que achava que tinham perfil para um cliente de atelier, então eu dizia: «Se

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quiser, eu posso fazer uma coisa para si, exclusiva.», e as pessoas aceitavam. Aos

poucos e poucos, fui criando na minha loja, fui tendo algumas clientes de roupa

personalizada, e ao fim de três anos, quando achei que já tinha um leque de

pessoas que gostavam e voltavam, pensei em abrir um atelier para trabalhar só por

medida. A partir daí nunca mais parei, tive lojas de pronto a vestir, mas sempre fiz

trabalho de atelier. Realmente conheço muito bem o universo feminino, acho que

poucas pessoas conhecem como eu o universo feminino e, sem querer, eu alimento

esse universo, percebo o que esse universo quer, é muito exigente, mas agrada-me,

porque gosto de pessoas exigentes. Foi assim que consegui chegar ao patamar que

tenho, pois não tenho formação académica nesta área, a minha formação é

Engenharia Têxtil e Decoração, não tem nada a ver com moda, nunca tirei nenhum

curso, mas tudo isto existia dentro de mim. Durante todo este tempo a perseguir o

meu sonho, acabei, sem querer, por posicionar a minha marca… Eu não tenho

clientes em Portugal, as que tenho são muito poucas, porque acabo por trabalhar

para uma elite, e mesmo essa elite..., cá não há festas para as pessoas vestirem os

meus vestidos, acabam por os fazer para festas internacionais, pois são pessoas

que frequentam muito o estrangeiro e levam os meus vestidos. Mas foi tudo sem eu

querer, porque eu nunca percebi muito bem a realidade em que estava inserido e

como a minha outra realidade dada pelas minhas clientes era uma realidade de

muito poder económico, mais gira e mais fácil de sonhar, permitia-me trabalhar para

elas a fazer aquilo que eu gostava e que me realizava. Comecei a perceber que era

fácil eu estar com a minha roupa lá fora, acreditava muito no meu trabalho, viajo

muito, vejo as lojas lá fora, o trabalho dos costureiros lá fora. De à dois anos para

cá, fui convidado para fazer o Monte Carlo Fashion Week, no qual a minha marca

entrou numa posição de marca de luxo, porque a partir daí comecei a entrar no

canal do luxo. Hoje em dia eu tenho a Riviera Francesa, o canal de televisão Luxo

TV, que partilha as minhas coisas, publica as minhas coisas, passa desfiles meus. E

eu digo «UAU!», eu não fiz nada para estar ali, foi o meu trabalho que me

posicionou. Sem dúvida que o Mónaco foi muito importante para mim, para fazer

esse ponto de partida para uma meta que está muito perto, mas, simultaneamente,

muito longe, porque sou uma pessoa que não me realizo com pouco. Costumo dizer

que agora é que estou a começar, com o acesso a esta plataforma do luxo.

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2 – De acordo, com a sua experiência no universo do luxo, como o carateriza atualmente?

Esta plataforma do luxo é uma coisa muito recente, mas como é inerente a poder

económico é uma coisa que é quase como um polvo, espalha-se muito rapidamente,

e hoje em dia já temos cursos nas faculdades para as plataformas e canais de luxo,

para perceber isso fazem-se palestras internacionalmente, porque realmente foi uma

coisa que surgiu há muito pouco tempo, mas que teve um foco muito grande e uma

expansão enorme. Sempre houve riqueza, como é obvio, as pessoas ricas

acabavam por procurar as coisas, mas não tinham um produto focado para elas,

produto não, porque produtos havia, embora hoje se tenha muito mais cuidado a

criar peças, porque se fazem coisas específicas para um canal de luxo. Se quiser

fazer uma bicicleta em ouro, posso fazer, porque sei que vai haver um excêntrico

que vai comprar. Hoje em dia é muito mais viável criar peças de luxo. Essa

plataforma consegue criar esse nicho de pessoas com poder económico e

acabamos por comunicar, hoje em dia a internet e todas estas redes sociais têm um

impacto muito grande nessas massas, porque são pessoas que para elas tudo tem

que ser facilitado, ao clicar num botão querem ter esse mundo perto de si, é muito

fácil, e todas essas marcas associadas ao luxo têm um cuidado muito grande em

apresentar virtualmente as suas novidades, para dar acesso rápido a essas

pessoas. Eu posso estar no Mónaco, em Miami, em LA, em Paris, Itália ou Rússia e,

ao entrar numa festa, ver lá as mesmas pessoas. Acabei por perceber que é um

nicho muito grande, mas ao mesmo tempo muito pequeno, porque as pessoas

conhecem-se todas. A coleção que levei para o Mónaco proporcionou-me isso,

porque no Monte Carlo Fashion Week a maioria das pessoas que estão a assistir

são fashion advisors, são as compradoras para os milionários que não vão às

compras, o que, realmente, teve um impacto grande e a partir daí, como o meu

trabalho agradou, é muito fácil. As coisas têm sido muito rápidas estes dois últimos

anos, em dezembro, acabei de entrar para a Federação de Alta Costura da Ásia,

entrei eu e o Jean Paul Gaultier, e quando eu cheguei lá, disseram-me: «Ando atrás

do seu trabalho há dois anos!», batia com Monte Carlo, o meu trabalho chegou a

todas estas pessoas que lá estiveram lá e o divulgaram. No universo do luxo todas

as pessoas se conhecem.

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3 – Como carateriza a sua marca, quais são as suas promessas, quem são os seus clientes e quais são as suas aspirações?

Noventa por cento das minhas clientes são estrangeiras. A minha marca é muito

clássica, uma pessoa clássica está bem sempre em todos os sítios. O clássico é a

base da etiqueta. Sou muito fascinado pelo barroco e o século XVIII, é uma época

que vive muito presente em mim, mas como gosto de estar à frente, gosto muito da

novidade, do contemporâneo, do futuro, tenho um bocado esta dualidade. Gosto de

coisas clássicas, boas, requintadas, mas também adoro o ambiente contemporâneo,

sendo que a minha base é sempre a do Rococó, do Barroco. A minha roupa defino-a

como uma roupa clássica, mas sempre com qualquer coisa de moderno, arrojado,

contemporâneo, com isso consigo abranger uma nova geração de clientes e manter

as clientes mais antigas, consigo ser transversal a essa décalage de décadas que se

passaram na minha carreira, são 33 anos. Eu faço vestidos de sonhar, vestidos de

festa, vestidos muito requintados, tudo isso é a atmosfera de que eu gosto. Eu gosto

de ambientes luxuosos, requintados de glamour, de pessoas bem vestidas, bem

arranjadas, portanto, a mulher João Rolo é tudo isso: é sofisticada, gosta de se

arranjar, gosta de ser mulher. Embora hoje em dia, por causa de todo este

movimento metrossexual dos homens, os homens também já se gostam de arranjar

e seguem tendências, de manhã, a sua preparação é quase tão complexa como a

da mulher, possivelmente não usarão makeup, mas tudo o resto usam. A mulher

João Rolo é uma mega-star, é uma mulher que não gosta de passar despercebida,

até por muito discreta que seja, gosta de ter sempre um pormenor que chame a

atenção. Acho que é isso que as minhas clientes encontram na minha roupa, são

roupas em que olham e há qualquer coisa diferente. Ainda ontem estive num jantar

de gala e as pessoas diziam: «Está aí um vestido preto e branco que só pode ser

seu...» e eu confirmei que era meu. Como era uma pessoa nova no social, as

pessoas ainda não tinham coragem de ir perguntar. Para mim é muito bom as

pessoas identificarem numa festa uma peça minha. É uma pequena coisa de

diferente que para mim é normal, mas que para as pessoas de fora faz toda a

diferença. Para mim uma marca é isto: é antes de eu chegar já toda a gente ter

identificado uma criação minha. Para mim é a marca ter uma identidade. Fazer

roupa é uma coisa, fazer roupa de marca é isto, o vestido entra e por si fala, não

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precisam de ver a etiqueta, a pessoa não precisa de dizer nada porque as pessoas

já sabem.

4 – E quem são os seus clientes? Tenho reparado que em Portugal são sobretudo do meio artístico…

Eu tenho pessoas que são pessoas «imagem João Rolo», que são pessoas ligadas

ao meio artístico, depois tenho as clientes, todas essas pessoas que aparecem em

programas de televisão; são pessoas que eu visto para mostrarem o meu trabalho.

Durante este meu percurso estive sempre muito ligado a cantoras, a artistas, porque

sempre gostei de criar imagens, pedia-lhes para primeiro ouvir o CD e depois criar.

Ia para casa, punha o CD, fechava-me num quarto escuro e ouvia a música, e na

minha cabeça imaginava um palco e via de que modo poderia ser agradável para as

pessoas verem alguém, no palco, a cantar aquela música. E foi assim que criei a

imagem para os artistas no nosso país. Como sempre fui muito rigoroso, apesar de

não ter estudado, eu tenho um conceito muito grande de espetáculo, e era fazendo

esse exercício que fazia com que o artista agradasse a todas as pessoas que

estavam na sala. Temos o caso da Mariza, ela chega e as pessoas adoram-na, ela

tem uma imagem que faz com que as pessoas se rendam logo, e depois abre a

boca e tem uma voz fantástica, mas no princípio foi a imagem que foi muito

impactante.

E o João Rolo foi o grande responsável…

Sim, sem dúvida. Eu posso dizer que, ao vestir a Mariza, eu rompi, rasguei os véus

tradicionais do que era o fado em Portugal, a forma de vestir. Todas as fadistas se

vestiam de preto, todas as fadistas usavam xaile e eram muito convencionais e eu

com a Mariza quis romper com isso tudo, e consegui. A partir daí, todas as fadistas

começaram a mudar a sua forma de vestir e acho que consegui abrir o interesse a

uma nova geração de fadistas, que até gostavam de fado, mas não se identificavam

com ele. A Mariza, ao aparecer assim, começou a despertar a vontade que existia

na camada mais jovem e que pensava «Eu gosto de fado e isto até me permite eu

ser eu.» Foi a Mariza, pela forma de cantar e eu pela forma de a vestir, que abrimos

esta expansão da quantidade de jovens que estão a cantar fado.

E deu uma nova elevação e estatuto ao próprio fado…

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A Mariza pode provar que quando foi lá para fora, as pessoas ainda antes de

falarem da sua voz falavam da sua imagem. Era muito contemporânea, muito

austera, muito barroca, tinha essa mistura toda. Tive a sorte de a Mariza ter confiado

em mim, ela não tinha qualquer horizonte de uma imagem, mas era uma pessoa que

vinha do Rock, já tinha tido uma banda e já tinha cantado em bares; era uma pessoa

que estava muito mais predisposta a revolucionar e eu quando lhe disse «Como

estás a cantar numa casa de fados, onde vão muitos estrangeiros, dois ou três

sábados vens ao atelier, eu visto-te com roupa minha e vais cantar assim para eu

perceber o nosso caminho.» E realmente a Mariza começou a ir ao sábado à tarde

para o meu atelier, eu maquilhava-a, penteava-a e vestia-a e íamos para a casa de

fados. Quando chegava a vez da Mariza cantar, eu percebi que o burburinho na sala

era muito, mesmo só com a entrada dela, o ela aparecer criava esse frenesim. E eu

disse-lhe «É este frenesim que tens que criar lá fora, não é para os portugueses que

tu tens de cantar, tu tens que ir lá para fora.»; as próprias colegas dela começaram a

ter vontade de vestir como ela.

5 – Inspira-se na Portugalidade para realizar o seu trabalho?

Não, de todo. Não tenho esse foco, embora não queira dizer que um dia, quando

estiver num patamar que existe na minha cabeça, eu não possa fazer um grandioso

desfile em que a base da minha criação seja Portugal. Quero ir buscar a azulejaria

portuguesa, quero ir buscar os lenços do Minho, mas passar para bordados. Assim

como a parte sacra das nossas igrejas, tudo isso é uma coisa que eu quero fazer.

Tudo terá cabimento, mas tenho que estar num patamar em que eu seja entendido,

e neste momento ainda estou a mostrar o meu trabalho; preciso de ter coleções

homogéneas para que lá fora comecem a sentir «Isto é João Rolo.» Esse trabalho

não pode ser feito com uma coisa que rompa com tudo. Cada coleção é a

continuação da outra.

6 – O que é o fado para si?

O fado para mim é a alma, é uma forma cultural, o fado é a nossa essência, eu

gosto imenso de fado, tenho essa mais-valia. Para mim o fado não é uma coisa

triste, o fado não me comove, o fado não tem que ser triste, eu nunca associo o fado

a partes da minha vida. Há pessoas que identificam excertos do fado com as suas

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vidas e, se calhar, nesses casos, o fado consegue fazer esse abanar de

sentimentos. O fado para mim é uma musicalidade e é a nossa cultura.

7 – Criou só a imagem da Mariza ou houve outras criações de imagem?

Não, também criei a Ana Moura, fiz a primeira imagem dela, e depois já vesti a

Lenita Gentil, a Alexandra, a Maria da Fé. Fiz os figurinos do Musical Amália e

acabei por estar muito mais exposto aos fadistas, a quererem-me, e hoje em dia

tenho muitas pessoas que adorariam as minhas peças, mas neste momento só

tenho a Mariza como embaixadora.

8 – Para além de roupa teve outras criações no contexto do fado?

Fiz uma vez um vestido para a Maria José Valério, que tinha uma guitarra bordada

na saia, mas de resto acho que não fiz mais nada.

9 – Acha que a junção da alta costura ao fado dá ao fado uma nova dimensão?

Acho que sim, porque o fado é grandioso e associá-lo à alta costura imprime-lhe um

carater único, ao qual não se fica indiferente. Agora, como sabemos, antigamente o

fado andava sempre ligado à pobreza, eram as pessoas sofridas, as pessoas pobres

que estavam associadas ao fado, era a vida triste, a vida difícil, o fado era cantado

muito dessa forma, o fado era cantado nas vielas e nas ruas dos bairros pobres da

nossa cidade. Hoje o fado foi enaltecido, tivemos a grande diva do fado que foi a

Amália Rodrigues, que sempre vestiu roupa feita por medida e tinha a sua própria

costureira. Gostava de se apresentar como uma diva e ela foi o grande triunfo de

uma imagem de riqueza, porque ela não escondia a vida que tinha, de bem-estar,

tudo isso era a expressão dela. E eu com a Mariza acabei por fazer isso e lá fora

ninguém fica indiferente às roupas que ela usa, bem como a toda a sua imagem.

10 – Acha que o fado é uma marca?

Acho que sim, é uma marca portuguesa, quanto mais não seja é uma marca da

nossa cultura. Assim como o flamenco em Espanha. São poucos os países que têm

uma marca musical própria, podem ter uma forma muito pessoal de cantar, mas ter

uma musicalidade específica… Acho que Portugal e Espanha são únicos, até

porque dizem que o fado vem do flamenco, o flamenco vem do fado, eu costumo

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dizer que o fado tem um choro e essa parte melódica eu consigo encontrar

perfeitamente no flamenco, se calhar vieram do mesmo sitio e desintegraram-se em

dois nomes diferentes, mas acho que a sonoridade é muito igual.

11 – Acha que houve alguma alteração em relação ao fado pelo facto de ter passado a Património Cultural Imaterial da Humanidade?

Esta nova geração parou e pensou «Esta música que achamos pirosa, dos

cotas…,foi património imaterial da humanidade, temos que ter respeito.» Eu acho

que esta passagem do fado tem a ver com isso, respeitar as pessoas, os

portugueses, respeitar essa forma de sonoridade. Eu acho que sem respeito, não se

chega a lado nenhum e esta geração nova, para voar, tem aqui um instrumento

importante.

12 – Acha que o fado poderá ser uma marca de luxo?

Depende dos setores o fado poder ser uma marca de luxo ou não, porque é uma

marca de cultura. Para o fado ser uma marca de luxo, o nosso país tinha que ser um

país de luxo, parece que agora somos, e acho que agora estamos todos a descobrir

isso com o turismo. Mas o que se passa hoje no turismo já eu há dez anos que dizia:

«Portugal ou aposta no turismo ou então ficaremos de rastos.» Eu vejo o país a

decair cada vez mais e ninguém a fazer nada; eu sou da opinião que somos um país

que não tem políticos à altura e acho que temos um país de luxo. As pessoas estão

a perceber que os estrangeiros estão a dar esse valor e temos capitais premiadas,

tanto o Porto como Lisboa, de melhor destino de férias e isso é o luxo que o nosso

país tem, porque é calmo, é tranquilo, é sereno, é seguro, é agradável, a nossa

gastronomia é fantástica, a nossa generosidade é fantástica, tudo isso é fantástico.

Mas tudo isso é um bolo de uma coisa que se chama cultura, se este bolo é bom, é

rico, a nossa cultura é rica, aí bate certo que o fado é uma marca de luxo, agora se

poderá ter expressão? Eu acho que ainda não, porque para isso tinha que se mudar

muitas mentalidades que não o conseguem fazer.

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Nome: Pedro Santos

Profissão: Presidente da Escola de Fado da Mouraria

Local: Grupo Desportivo da Mouraria, Lisboa

Data: 3/04/2017

1 – Fale-me da vossa escola.

O projeto da Escola de Fado da Mouraria começou com o Dr. António Costa, na

altura em que era o presidente da CML, e achou que o bairro da Mouraria devia ter

uma escola de fado, falou com o Grupo Desportivo da Mouraria por ser a

coletividade mais representativa do bairro.

2 – E isso foi quando?

Foi em 2013.

Nós acatámos a ideia, era uma ideia que já tínhamos há muito tempo, não é que

uma escola de fado seja uma coisa difícil de se fazer, mas depois todos os custos

que uma escola de fado tem são complicados. O Dr. António Costa subsidiou-nos

com um subsídio camarário através de um projeto que havia na Mouraria, que era o

GABIP, para fazermos umas obras na nossa sede. A escola de fado tem uma sala

toda nova, tivemos que comprar instrumentos, tivemos que começar do zero, nós

tínhamos muita tradição de fado, mas não tínhamos maneira de ter uma escola de

fado, na altura também havia o AI MOURARIA, que era um projeto da Câmara para

a Mouraria, para a reabilitação das ruas do bairro. O Grupo Desportivo da Mouraria

fez parte do projeto do AI MOURARIA e do GABIP com a escola de fado,

concorremos, fomos aceites e a partir daí temos a escola de fado a funcionar.

3 – E as pessoas pagam para estar aqui? Como funciona?

Nós neste momento deixámos de ser subsidiados pela CML e passámos a ser

subsidiados pela Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, somos subsidiados para

manter a escola, com uma ajuda para pagar aos professores, porque os professores

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são todos remunerados, mas quem vem para a escola, se não for da freguesia, tem

que pagar um valor.

4 – É um valor muito alto?

O valor são 40 euros por mês, o que dá 10 euros por aula, se a pessoa só puder vir

a duas aulas por mês só paga 20 euros. Temos pessoas que não podem vir sempre,

não dá para conciliar com os horários da escola de fado, porque a escola de fado

funciona sempre à segunda-feira, a partir das 20.30 h. até às 23.30 h., e há muita

gente que não consegue conciliar.

5 – O que se aprende aqui?

São matérias individuais, quem está na viola está na viola, quem está na guitarra

está na guitarra e quem está no canto está no canto, apesar de que, chegando a

uma certa altura, ser tudo metido dentro do mesmo saco, porque depois, a dado

momento, em que os alunos que estão a aprender a tocar tanto viola como guitarra

vão-se juntar aos do canto, formam uma parelha, e temos aqui a base do fado. Nas

aulas de canto temos uma pessoa específica para o canto, os alunos aprendem a

colocar a voz, aprendem a respirar, aprendem uma série de coisas que há na voz e

que nem eu sei bem, porque não sou técnico dessa arte. Mas tenho um professor

que é o Jorge Baptista da Silva, que é formado no Conservatório de Lisboa, é tenor,

foi tenor durante muito tempo no São Carlos, faz de tenor e faz de fadista; é fadista

residente em muitas casas de Alfama, nomeadamente nas casas do Jorge

Fernando. Como a segunda-feira costuma ser um dia morto para o fado, o Jorge

está connosco desde que a escola abriu, tem uma hora específica para estar a

trabalhar com os alunos e é uma maneira de segurar aqui os alunos novos, porque

não têm bem a noção do que é uma escola de fado. O fado, se uma pessoa é

fadista nasce com ela, é como jogar à bola, a escola de fado vai fazer com que a

pessoa adquira novos conhecimentos, se a pessoa souber cantar bem, vem aqui

aperfeiçoar-se. Temos um bocado de tudo, temos pessoas novas, temos pessoas de

idade, pessoas que cantam bem, pessoas que cantam mal, pessoas que ficam a

cantar bem, pessoas que saem daqui e vão para casas de fado.

6 – Quais são as idades dos vossos alunos?

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Temos todas as idades, uma parte do projeto quando isto foi lançado é que iria ser

um encontro de gerações, fazia parte da ideia inicial, tanto podia vir um miúdo de

dez anos como podia vir uma pessoa de 70, e neste momento nós conseguimos ter

mais ou menos a coisa… Neste momento não temos uma pessoa de 70 anos, mas

temos pessoas que têm 50, 60, que vêm e têm a sua aula com o professor, como

temos miúdos com muito valor de 13,14,15 anos. Temos miúdos com nove, dez

anos a cantar, mas a partir daí a voz começa a mudar, como acontece com toda a

gente, e no fado nota-se perfeitamente isso.

7 – E qual é o estado das coisas em relação ao fado?

O fado, de há uns anos a esta parte, tornou-se Património Imaterial da Humanidade

e foi a alavanca que era preciso, pois o fado estava estagnado, há uma série de

fadistas desta nova geração que teve também a ver com esta nomeação, e acho

que neste momento está muito bom, apareceram novas vozes, novos músicos. Se

olharmos para 20 anos atrás, vemos que nem músicos tínhamos, porque o fado não

é só cantar…Temos hoje em dia miúdos muito interessantes, miúdos com vinte e

poucos anos, mas com uma qualidade tremenda, e isso fez com que esta nova

geração aparecesse com esta alavanca do fado ser Património Imaterial da

Humanidade.

8 – Quantos alunos é que têm aqui na escola?

Neste momento, entre violas, guitarras e canto, devemos rondar os 20 alunos, mas

desde que a escola abriu já passaram por aqui, à vontade, 200 alunos.

9 – E a duração do curso é a mesma de um ano letivo?

A ideia inicial não era ser um ano letivo, ou seja, era ser uma escola de fado, mas

ser também um sítio onde as pessoas podem vir cantar, cantar os fados que cantam

em casa, em vez de cantarem no chuveiro. Os alunos pagam uma mensalidade e

vêm ter uma noção básica do que é o fado, com um professor formado para isso e

com dois músicos profissionais. Eu hoje tenho ali, naquela sala, o João Torre do

Vale, que é simplesmente um dos melhores guitarristas de Portugal, acompanhou

toda a gente, desde à Amália, e, até há bem pouco tempo, a Ana Moura, é um

senhor de idade, muitos anos de fado, ele agora gravou há pouco tempo um dueto

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com o Jorge Fernando, o Jorge Fernando na viola e ele na guitarra, uma coisa

fantástica. E tenho o Tiago Tomé na viola, também uma pessoa que frequenta tudo

o que é casas de fado…

10 – E, normalmente, durante quanto tempo é que as pessoas frequentam esta aprendizagem?

Eu tenho aqui pessoas que estiveram dois anos, como tenho outras que passam só

um mês, depende da vontade da pessoa. A pessoa é que vê a sua própria

evolução, se a pessoa achar que está bem lançada e que já pode chegar a uma

casa de fados… Nós temos muitos fados na rua, cantar aqui à frente de dez

pessoas é uma coisa, cantar na rua para mais de 100 é completamente diferente. A

partir daqui tentam lançar-se…

11 – Têm alunos estrangeiros?

Já tivemos, neste momento penso que não tenho nenhum, já tivemos italianas,

polacas, da República Checa… E cantavam, tivemos uma Italiana a aprender a tocar

guitarra, esteve connosco durante mais de um ano… Temos tido mais na voz, na

guitarra tivemos o caso da italiana, mas de resto tem sido tudo de voz.

12 – São mais alunas ou alunos?

Ela por ela, não há grande diferença.

13 – O que acha da imagem do fado hoje em dia, ainda se vê o fado como uma coisa antiga, dos nossos avós?

É uma ideia que está ultrapassada, sou uma pessoa que dentro do que posso estou

dentro de algumas situações de fado, isso está completamente erradicado, há

montes de miúdos a tentar cantar fado, a cantar fado e a cantar muito bem. Temos o

caso da Maura Aires, uma miúda que canta fado há um ano e meio, mas é uma

miúda que já tem uma voz muito boa. Basta vermos o panorama nacional, temos a

Raquel Tavares a Ana Moura, temos a Gisela João, a nova geração de fadistas, a

Carminho, a Filipa Cardoso, muita gente nova a cantar fado.

14 – É caro frequentar o circuito do fado?

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Depende, é como em todo o lado, podemos ir ao Mcdonalds comer um menu por 5

euros e podemos ir ao Gambrinos jantar por 300 euros.

Mas, e se eu quiser ouvir fado, comer bem, ter uma noite bem passada?

Comer bem, ouvir bom fado, isso requer já um certo estatuto, porque torna-se caro.

As casas de fado tradicionais, não quer dizer que tenham o melhor fado, porque os

fadistas que lá passam também cantam no boteco aqui em baixo. Agora uma boa

casa de fado, com um bom elenco de fado, custa… Não é barato. Mas, com a

minha experiência, arranjo sítios para se ir jantar, ouvir um bom fado, estar tranquilo

com os amigos a beber um copo e não se gastar muito dinheiro. Aliás, até há sítios

onde só se paga o que se consome, e o fado é bom. Do último fim de semana de

maio para a frente vai haver as visitas guiadas, Mouraria, Castelo e Alfama, são

patrocinadas pela Junta de Freguesia de Sta. Maria Maior, pelo Museu do Fado e

pela EGEAC. Vai ser uma série de fadistas a percorrer vários sítios dos bairros, eles

cantam três ou quatro fados em cada sítio dos bairros, o que faz com que estejam

numa proximidade muito grande com as pessoas, isto é muito giro, e é grátis. Para

essas brincadeiras, nessas datas, com o tempo bom, é o ideal, se a gente for ao

clube do fado em Alfama, e é caro, logo à cabeça existe a taxa de espetáculo, que é

algo que se cobrava nas casas antigas, a pessoa vai, mas sabe que tem que pagar

logo à cabeça uma taxa de 20 euros. Há outras casas que servem comida e bebida

e estão as pessoas a cantar. É para todas as bolsas….

O fado nunca é dissociado do bom convívio, da comida, da bebida…Tem sempre a

ver com essa parte boémia, essa parte castiça, a meu ver, o fado até tem mais a ver

com a noite, quando se fala em fado, lembramo-nos do chouriço, do caldo verde.

Hoje em dia já não é bem assim, já temos outras maneiras de ouvir fado…

15 – Como veem os estrangeiros o nosso fado?

Da experiência que tenho, os estrangeiros gostam muito de nos ouvir, mas não quer

dizer que sejam todos, porque há muita gente ou que não gosta ou que não se

identifica, porque o estrangeiro fica enamorado de uma coisa no fado, a guitarra

portuguesa. Qualquer estrageiro que olhe para uma parelha de fado com uma

fadista a cantar está sempre com atenção à guitarra portuguesa, e depois à voz,

claro. A ideia que têm do fado é que está ali uma pessoa em grande sofrimento, mas

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já têm a noção de que o fado também é festa, nem todos os fados falam da tristeza.

Eles não percebem a letra, obviamente, nem nós, portugueses, às vezes a

compreendemos muito bem. Já tive situações de fazer uma sessão de fados para

suecos e, às 10 da noite, metade dos suecos estarem a dormir; se for um francês é

diferente, se for italiano é diferente, há povos que não se identificam muito com o

fado; gostam de ouvir, mas não são grandes apaixonados, agora há pessoas que

gostam de ouvir e compram fado. E esta nova geração tem digressões por toda a

Europa, Estados Unidos, Canadá, Brasil, Japão. Toda a gente enche uma sala.

16 – Acha que o fado é uma marca?

Eu acho que sim, tenho 44 anos, fui criado a ouvir fado. Este tempo todo a concorrer

a Património Imaterial da Humanidade, tudo isto serviu para tornar o fado numa

marca, como a Espanha tem o flamenco, como outros países têm outras marcas

Portugal tem o fado, como também poderia ter o folclore, o cante alentejano… Mas o

fado é aquele que consegue fazer com que sejamos melhor representados lá fora.

17 – Acha que existe no ideário coletivo, nacional e internacional, uma associação muito forte do fado a Portugal e a Lisboa?

O fado não é só Lisboa, temos grandes fadistas no Porto, vamos ao Alentejo e

temos montes de casas de fados, temos o fado de Coimbra, tivemos grandes

mestres do fado de Coimbra, como o Carlos Paredes, o fado é nacional. Mas

realmente Lisboa está associada ao fado, se formos ver, Lisboa tem o maior número

de casas de fado, o maior número de espetáculos de fado, o maior número de

fadistas, os fadistas mais conceituados, e nós tivemos o privilégio do Bairro da

Mouraria ter o melhor fadista masculino que houve em Portugal, o Fernando

Maurício, que ficou conhecido como o rei do fado, tal como a Amália era a rainha do

fado… Não se pode separar o fado dos bairros típicos: Bairro Alto, Alfama, Mouraria,

Bica, Madragoa, são os sítios onde o fado faz parte da vida das pessoas.

18 – Acha que o fado poderá ser uma marca de luxo?

Acho que pode, sei de vários espetáculos de luxo, em hotéis de luxo, em casinos de

luxo, onde, para se ver uma fadista portuguesa, é pago um valor muito elevado. Nós

aqui em Lisboa vamos ao Coliseu ver um concerto da Gisela João e pagamos 20 ou

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25 euros e no estrageiro há zonas que para se ver a mesma coisa tem que se pagar

200 ou 300 euros, porque se engloba no conceito do luxo. O fado de luxo… Durante

muitos anos, o fado foi tocado nas grandes festas da aristocracia de Lisboa, do

Porto e do Alentejo, era o fado aristocrata, ainda temos aí alguns fadistas de

renome, Teresa de Noronha e mesmo os Câmara Pereira, que pertencem a uma

classe que tem um certo estatuto e um certo nível de vida diferente do fado normal

que estamos habituados a ver nas tabernas, nas vielas, nas ruelas… É uma parte do

fado para que é preciso um certo estatuto… Há 30 ou 40 anos, abrilhantavam as

festas de salão do Antigo Regime. O fado era um escape para quem não estava a

favor do regime; havia coisas nas letras que até eram censuradas, e havia os

fadistas do antigo regime, que por sua vez tinham acesso a essas grandes festas e

isso tornou-se o fado da aristocracia.

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Nome: João Torre do Valle

Profissão: Professor de guitarra, guitarrista, advogado

Local: Grupo Desportivo da Mouraria, Lisboa

Data: 3/04/2017

1 – Fale-me um bocadinho da sua experiência, o que é que tem feito?

O que é que tenho feito? Tenho tocado guitarra nestes últimos 60 anos é o que

tenho feito. Guitarra portuguesa, tenho acompanhado, tenho tocado a solo. Tive

bons professores, bons mestres com quem aprendi a olhar para eles, acompanhei

muito boa gente.

2 – Dê-me um nome.

Digo-lhe vários, um com quem fiz centenas de espetáculos, até há pouco tempo, até

ele morrer, chamava-se Vicente da Câmara, outra, que era tia dele, a Maria Teresa

de Noronha, acompanhei a Hermínia Silva, muitas vezes o Tony de Matos, nunca

acompanhei a Amália, não calhou. Toquei praticamente com toda a gente que

cantou nestes últimos 60 Anos. Depois disso resolvi concorrer ao Conservatório

Nacional, pois a guitarra portuguesa era um instrumento que não era lá ensinado, a

guitarra portuguesa, o acordeão e o bandolim não eram lá ensinados. Eu concorri,

entrei, nessa altura era advogado de profissão, no dia em que tive o ok do

Conservatório fui à Ordem dos Advogados e reformei-me de vez. Fiquei no

Conservatório onze anos a ensinar, fui o primeiro professor do Conservatório

Nacional de Lisboa com este tema, até hoje continua, mas não sei quem está lá

agora a ensinar. Tive que fazer o repertório porque não existia, tive que escrever as

peças. Uma das pessoas que eu conheci no princípio da sua carreira, com o

Fernando Alvim como acompanhante, foi o Carlos Paredes, toquei muitas vezes

com o Carlos Paredes coisas que não eram dele, coisas de Coimbra, mas

praticamente esqueci-me de todas. Entretanto meteu-se a tropa pelo meio e acabei

por ir para África e esqueci-me das coisas de Coimbra que o Carlos me ensinou;

assisti a muitos ensaios dele, vi muitas coisas dele. Houve um dia em que o Carlos

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Paredes me disse: «Você não quer fazer um conjunto comigo, não quer tocar

comigo?», nessa altura eu tinha vindo de África e queria acabar o curso de direito e

disse-lhe que não. Muitas vezes pensei se não tinha feito asneira, talvez sim, talvez

não, porque eu no fundo seria sempre o segundo guitarra do Carlos Paredes,

embora tivesse com certeza aprendido e viajado muito com ele, mas também viajei

por mim, já dei não sei quantas voltas ao mundo de avião. Fui seis vezes ao Japão,

oito vezes a Macau, três vezes à Coreia, muitas vezes ao Canadá, nunca fui ao

Brasil, eu bem que dizia para não me mandarem para o Oriente, para me mandarem

para o Brasil, mas nunca me mandaram, fui à Colômbia, nunca fui aos Estados

Unidos, fui muitas vezes para o Oriente, fui a África e corri a Europa toda. Na altura

em que eu comecei o fado não era nada disto que é hoje. Ainda na sexta-feira estive

a acompanhar vários jovens no Pátio de Alfama, quando me pedem vou lá tocar,

hoje cantam e gravam discos, todos gravam discos num instante, quando eu

comecei a aparecer nas casas de fados, um bocadinho à socapa, porque ainda não

tinha 18 anos e não se podia entrar com menos de 18 anos, ia com o meu pai e com

os amigos do meu pai. Naquela altura ninguém pedia para cantar, o meio era

extremamente fechado, eu lembro-me de aparecer com a guitarra nas casas de

fados e muitos guitarristas virarem-se de costas para tocar, faziam-me isso a mim e

faziam aos violas, para não vermos o que eles estava a fazer. Era a concorrência,

eu percebo, era natural e era normal, só chegava ao palco quem tinha talento

suficiente para isso, era feita uma triagem, o que não quer dizer que fosse bom,

porque hoje em dia é muito mais fácil. Há gente jovem que chegou agora e que

canta muito bem, os grandes nomes que hoje em dia ouvimos é tudo gente jovem

que aqui há 60 anos não entravam com a mesma facilidade com que entram hoje;

agora, muitos sabem cantar, muitos não sabem, há muita gente a cantar bem. Na

sexta-feira, estive a acompanhar uma rapariga que eu não conhecia, só conhecia de

um programa que fez na televisão, a Joana Melo, e a cantar fado, canta muito bem,

e há outros. Estive a tocar durante muitos anos, mas não em permanência, quando

saí para o Conservatório, saí um bocadinho do mundo do fado, porque tinha que me

levantar cedo, tinha aulas às 9 da manhã, mas quando fiz 70 anos, o estado

reformou-me, ainda fiquei lá, mas depois tive mesmo que abandonar.

3 – Hoje em dia o fado tem uma imagem diferente?

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Tem uma imagem diferente.

4 – Para melhor? Para pior?

Estive a tocar numa casa em Alfama que era o Bacalhau de Molho, era assim que

se chamava a Casa de Linhares, o dono daquilo telefonou-me e disse: «Ó Dr.,

venha cá, preciso que venha para cá tocar», eu disse-lhe que já estava desligado do

fado, mas ele insistiu, fui lá, e quem era o elenco? Celeste Rodrigues, a irmã da

Amália, a Cidália Moreira…

5 – Isso foi há quanto tempo?

Isso foi em 2011… A Celeste Rodrigues, o Jorge Fernando, a Fábia Rebordão, a

Maria da Nazaré, e fiquei. Esses eram veteranos, também começou a aparecer

gente nova.

6 – Acha que o fado tem um estatuto diferente do que tinha há um tempo atrás?

Tem, nitidamente, até com a história de ser Património da Humanidade, sem dúvida

nenhuma que tem, agora a proliferação de coisas…, neste momento há do bom, do

assim-assim e do mau, mas dantes também havia, embora dantes a seleção fosse

muito maior…

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Nome: Carlos Ferreirinha

Profissão: Consultor de Marcas de Luxo. Presidente e Fundador da MCF

Consultadoria.

Via e-mail

Data: 4/04/2017

1 – De acordo, com a sua experiência, como carateriza o mercado do luxo em Portugal?

O mercado e a atividade do luxo no mundo é de certa forma pequena. Considerando

o tamanho de Portugal, estamos a falar de um mercado muito pequeno que, até há

muito pouco tempo, tinha o angolano como principal cliente. Nos últimos anos,

assiste-se a um forte crescimento do consumo dos chineses e dos brasileiros.

Alguns setores têm apresentado resultados interessantes, como o setor do

imobiliário, turismo, restauração (gastronomia).

Quando falamos no retalho de luxo, as operações em Portugal, que na sua grande

maioria são geridas como fazendo parte do eixo ibérico, têm a Espanha como o

head da região.

Apesar do crescimento de oportunidades em diversos destinos no país, há ainda

uma concentração forte em Lisboa, sendo o Porto o segundo principal destino de

luxo em Portugal.

2 – Na sua opinião, acha que existem marcas de luxo relacionadas com a nossa portugalidade?

Sem dúvida alguma. A hotelaria, os hotéis boutique, têm feito um trabalho incrível.

São muitos exemplos. Muitos. Valverde em Lisboa. Barrocal no Alentejo. O Tivoli e o

Ritz como grandes hotéis tradicionais. O artesão e designer Luís Onofre. A

centenária Vista Alegre... A marca de cama e banho Habbys e Habidecor. Muitos

restaurantes com estrelas Michelin e outros de topo do luxo.

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3 – Poderá o fado ser uma marca ou apenas uma national equity, um produto icónico?

Não seria possível ser tudo em uma marca só: fado, marca icónica e national equity?

Mas ser muito mais uma expressão cultural. O espelho de uma cultura tradicional.

4 – Qual é a imagem que os brasileiros têm do fado?

Do choro, da dor, do sofrimento, da tristeza, e, ao mesmo tempo, uma lembrança ou

uma memória afetiva dos brasileiros. Por outro lado, o fado não é uma expressão

cultural portuguesa assim tão forte no Brasil, porque o Brasil é o oposto a isso com a

bossa nova e o samba que remetem fortemente para alegria, a leveza e a energia.

Mas, a memória vital brasileira de raízes portuguesas consegue-se relacionar com a

poesia do fado.

5 – O fado vem na continuidade da marca Portugal e da marca Lisboa. Como vê a marca fado ser trabalhada, para que a sua imagem e estatuto possam ser melhorados?

Não consigo dizer se o fado precisa de ter a sua imagem e estatuto melhorados. Ao

dizer isso eu assumiria que o fado tem problemas. Possivelmente, faltam-me

informações sobre o fado, por eu não viver em Portugal. Mas, quero fazer uma

analogia. Marcas centenárias do luxo, como Cartier, Louis Vuitton, Burberry, Chanel,

Dior, Baccarat, podem servir como ótimos exemplos e benchmark sobre como

manter uma marca atualizada, viva, contemporânea. Eu vejo e ouço excelentes

novos cantores de fado português. Adoro o fado de Coimbra na tradição dos

estudantes. A versão atual do fado da Mariza. São tantos os bons exemplos.

6 – Considerando que o fado é hoje Património Cultural Imaterial da Humanidade e que todo o seu contexto está muito distante das origens, em sua opinião, poderá o fado ser uma marca de luxo?

Não vejo o fado como marca de luxo e nem deveria ser. Da mesma forma que não

vejo o tango da Argentina, a bossa nova no Brasil, o jazz nos Estados Unidos da

América como marcas de luxo. São manifestações singulares e especiais de cultura,

que podem ter subprodutos focados no luxo, como, por exemplo, uma coleção

exclusiva de trabalhos da Amália Rodrigues numa edição de colecionador, exclusiva,

rara, numerada. Uma coleção em parceria com alguma marca de luxo – A Dolce &

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Gabbana, italiana -, que poderia fazer uma coleção inspirada no fado português.

Existem caminhos nessa forma. Mas, não a marca em si.

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Nome: Nuno Duarte Lopes

Profissão: Chairman CEO, The Luxury Network Lisbon & Portugal Luxury

International

Via e-mail

Data: 06/04/2017

1 – De acordo, com a sua experiência, como é o mercado de luxo em Portugal?

O mercado de luxo em Portugal demonstrou nos últimos anos um importante

crescimento, em contraciclo com a crise, aliás é o segmento que mais cresce. Isso é

só o começo, e para exemplificar esse facto com factos, o evento mais importante a

nível mundial no sector do luxo, aquele em que os mais importantes decisores das

maiores e mais importantes marcas de luxo participam (Financial Times BOL

Business of Luxury Summit 2017) será realizado em Lisboa, no mês de Maio, no

Hotel Ritz Four Seasons. Este deverá ser o maior indicador de que como o nosso

mercado está a ser vislumbrado internacionalmente pelos maiores players. Outro

exemplo é o nosso craftmanship no sector do calçado e inovação, o Made In

Portugal.

Hoje só ficamos atrás do made in Italy e, na minha opinião, se houvesse apoio e

pessoas qualificadas a gerirem a marca made in Portugal, nós já estaríamos «taco-

a-taco», passo a expressão.

As localizações por excelência das insígnias de luxo são a Avenida da Liberdade em

Lisboa e a zona de Avis no Porto. No caso de Lisboa, o crescente fenómeno de

revitalização do Chiado tem atraído marcas de luxo, que beneficiam do importante

fluxo de turistas de que esta zona é alvo ao longo de todo o ano. Lisboa é a cidade a

nível da Europa que mais cresce no que diz respeito ao turismo e é a número um em

toda a Europa no turismo Happy Hour (Cruzeiros).

2 – Na sua opinião, acha que já existem marcas de luxo relacionadas com a nossa portugalidade?

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Em termos territoriais a minha resposta é não, categoricamente, apesar de Lisboa

ter sido considerada a nona cidade para o consumo do luxo a nível internacional. No

que diz respeito a marcas de excelência, nós temos uma infinidade delas. Se

estivermos a falar de marcas/produtos/comércio, a minha resposta é sim e baseio-

me no facto de termos as melhores toalhas do mundo, o melhor sabonete do mundo,

o melhor vinho aperitivo do mundo (vinhos do Porto, com dezenas de marcas de

luxo), o segundo melhor calçado do mundo (centenas de marcas de luxo; consultar o

site da APPICAPS), na área do mobiliário de luxo detemos conhecimento e herança

no que diz respeito ao craftmanship (artesanal), do melhor que existe no mundo,

com várias dezenas de marcas internacionalmente conhecidas como Boca do Lobo

ou todo o universo de marcas da empresa Menina Design, entre muitas outras.

3 – Poderá o Fado ser uma marca ou apenas uma national equity, um produto icónico?

As três opções estão certas, o Fado já é uma marca, uma equidade e um produto

icónico de Portugal!

4 – Para além do seu género musical, que aspeto escolheria para trabalhar o fado enquanto marca?

O aspeto mais importante é sem dúvida «A AUTÊNTICIDADE LUSITANA».

Por mais que Portugal esteja a construir um mercado de luxo significante, todos os

turistas que cá vêm, vêm devido a autenticidade lusitana, devemo-nos focar em

fazer crescer o nosso mercado, mas sem nunca perder as nossas raízes, as que nos

tornam únicos: a simpatia do nosso povo e o saber receber, a nossa música, o fado

e a nossa cultura, anossa gastronomia mediterrânea premiada internacionalmente,

a nossa arquitetura, a nossa história e feitos, o nosso sol e as nossas praias, e por

fim o fator mais importante que temos como elemento diferenciador que é a

"segurança". Somos o único país do mundo em que se pode andar às três horas da

manhã com um Rolex na mão ou joias e 98% das vezes não somos atacados!

5 – Sendo hoje o fado Património Imaterial da Humanidade e todo o seu contexto estar muito distante das suas origens, poderá ser uma marca de luxo?

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244

Bom, em primeiro lugar vamos estabelecer parâmetros sobre isso que está muito na

moda se ser "marca de luxo"!

A palavra luxo deriva do latim e significa luz, brilho, excesso, extravagância,

diferença, partida, desvio, luxúria. O que é luxo para alguns é apenas algo comum

para outros. A definição de luxo depende de contexto, nacionalidade ou gerações.

«O que uma geração vê como um luxo, a próxima vê como uma necessidade»

Anthony Crosland, político britânico, 1918-1977

O Luxo como know-how é o espírito do artesanato e dá vida a artefactos através da

Cultura, da Criatividade e da Inovação.

Trata-se de excelência em prol da excelência, em qualquer processo de negócio e

categoria de produto. O luxo como uma indústria. A indústria do luxo entre as

primeiras definições de luxo segundo Comitè Colbert-McKinsey (2001).

A indústria de bens de luxo é definida por:

> ser uma marca forte que se relaciona com um estilo de vida exclusivo;

> ter qualidade superior e intemporalidade;

> preços premium;

> ser elegante e extravagante em termos de design.

O luxo pode ser visto como bens diferenciados pelo seu valor inerente (pedras

preciosas, metais preciosos e materiais, terra, fachada oceânica, certas

propriedades urbanas), ou tão único e extraordinário que os materiais comandam

um preço premium.

O luxo como um negócio

O negócio do luxo

- Produtos e serviços de luxo encapsulam mais do que as caraterísticas físicas do

produto e evocam um senso de mito e fascínio.

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245

- Manter a aura de luxo é um fator-chave no comportamento do consumidor.

- Qualidade superior e artesanato estão no coração da proposta de luxo e dão

sentido aos preços.

- O setor do luxo investe fortemente na propriedade industrial em termos de

invenções criativas.

- Mas também em relação ao design e à inovação.

- Manter o controle da distribuição e retalho de produtos, distribuição seletiva /

exclusiva, é fundamental para a construção da marca e sucesso económico.

Bom, agora será muito mais fácil responder à sua questão de o fado poder ser

uma marca de luxo.

A minha resposta é não! Uma marca de luxo tem em comum as seguintes bases

com o fado:

Luxo = Herança ADN (que é a história e o saber fazer passado de geração a

geração)

Luxo = Códigos da marca (apontamentos de design, diferenciação e especialização)

Fado = Herança (desde o seu início humilde e a sua aceitação como património)

Fado = Códigos do estilo (os tipos e estilos diferentes de fado, a evolução da sua

composição musical, a sua especialização)

A conclusão a que chego é que luxo representa a excelência do craftmanship, dos

materiais usados e a herança. Podemos dizer que luxo não é para todos, não pelo

seu lado fútil, mas porque existe todo um investimento que deve ser levado em

conta!

O Fado, por mais que se torne sofisticado, será sempre acessível a uma grande

maioria, digo uma grande maioria devido aos preços praticados nas Casas de Fado

onde os melhores artistas passam!

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Nome: António Paraíso

Profissão: Consultor nas áreas da venda e negociação, inovação e luxo.

professor, formador

Via e-mail

Data: 18/04/2017

1 – De acordo, com a sua experiência, como é o mercado do luxo em Portugal?

Do ponto de vista estrito do marketing, o mercado é o conjunto de pessoas que

regularmente compram e vendem produtos e serviços. Mercados são pessoas. O

mercado do luxo é composto por pessoas com poder de compra muito alto, gosto

requintado e nível cultural e de educação apurado. Essas pessoas viajam com muita

frequência e consomem produtos e serviços de luxo em diferentes países. Por outro

lado, as marcas de luxo têm todas presença internacional. Por esses motivos,

poderemos dizer que o mercado de luxo é global e não tem nacionalidade.

Dito isto, eu acredito que o mercado de luxo em Portugal é muito pequeno e com

pouca expressão. Ou seja, existem poucos consumidores com poder de compra

suficiente e gosto apurado para consumir luxo, de forma regular, em Portugal, e por

outro lado, os que existem fazem-no muito fora do país.

A presença das marcas de luxo em Portugal e o seu volume de negócios no país é

reduzido quando comparado com os níveis conseguidos noutros mercados.

Apesar de pequeno, pelos motivos que acima apresentei, acredito que o mercado do

luxo está a crescer e a desenvolver-se, sobretudo com o aumento do turismo de

qualidade em Portugal. É um mercado que está ainda em construção, longe de estar

maduro e, portanto, com um potencial grande de desenvolvimento, mais nos

negócios de serviços de luxo do que dos produtos.

2 – Na sua opinião, acha que já existem marcas de luxo relacionadas com a nossa portugalidade?

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247

Sinceramente, acho que há pouquíssimas marcas de luxo portuguesas e

relacionadas com a nossa portugalidade. Consigo pensar na Vista Alegre, na

Topázio e em alguma hotelaria de charme, feita por portugueses elegantes, como,

por exemplo, o Bela Vista Hotel & Spa, no Algarve.

3 – Poderá o fado ser uma marca ou apenas uma national equity, um produto icónico?

O fado pode ser, sem dúvida, uma marca. E creio que já o é. Uma marca com

valores, com narrativa, com um produto icónico muito marcado, único e

inconfundível. Tem um posicionamento de marca muito vincado na tristeza, na sina,

no destino, na caraterística pitoresca de um povo.

É também national equity, ou património nacional. E como marca que é tem valor,

tem notoriedade e pode ser comunicada e vendida a públicos e mercados bem

definidos.

4 – Para além do seu género musical, que aspeto escolheria para trabalhar o fado enquanto marca?

Para além do género musical, em minha opinião, têm potencial para ser trabalhados

como marca o cenário, o guarda-roupa e a exuberância e a teatralidade em palco da

postura e das vestimentas, sobretudo das fadistas e não tanto dos fadistas. Acredito

que há aqui um espaço interessante para acrescentar valor a uma marca.

5 – Hoje o fado é Património Imaterial da Humanidade, mas todo o seu contexto está muito distante das origens. Segundo a sua opinião, poderá o fado ser uma marca de luxo?

O fado tem uma história, uma cultura, um conjunto de valores riquíssimos e

fortíssimos. É um Património Imaterial da Humanidade com muito valor, com total

justiça. Mas, sinceramente, não consigo imaginar o fado como uma marca de luxo.

O luxo carateriza-se por atributos de exclusividade, escassez, sofisticação e

elegância de comportamentos, acesso restrito, preço muito alto, destinados a elites

cultas e endinheiradas. O fado tem na sua génese o povo, a tasquinha, a

massificação, o acesso fácil, o preço acessível, a simplicidade de modos e

comportamentos do povo humilde, o lado castiço e pitoresco de uma região e de um

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povo. Creio que estes valores e atributos não são compatíveis com o luxo. É

verdade que o luxo se carateriza pela excelência e não há dúvidas de que o fado

tem esse atributo, com toda a propriedade. Mas a partilha de apenas um ou poucos

atributos, quando faltam muitos outros, não permite, em minha opinião, que o fado

possa ser considerado uma marca de luxo.

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Nome: Jorge Vieira Figueiredo Szabo

Profissão: Presidente da Associação da Cultura Portuguesa na Grã-Bretanha,

Wrexham, Reino Unido

Via e-mail

Data: 25/04/2017

A procura do fado é feita mais por parte dos portugueses de meia idade. Se lhes for

proporcionado, os britânicos também vão ouvir o fado. Wrexham é uma cidade

pequena, não há casas de espetáculos que apresentem o fado, tem cerca de 90 a

100 mil habitantes, incluindo os arredores. As pessoas aqui até gostam do fado e,

provavelmente, o fado teria mercado. Aquilo que se conhece é que o público

britânico que gosta de fado são pessoas de meia idade e alguns jovens, por

curiosidade. Nos últimos três anos, tem-se realizado um espetáculo de fado por ano,

mal-organizado, sempre feito por amadores, mas que tem tido o interesse do

público. Os preços desse espetáculo têm variado conforme quem o organiza, e

dependem também de o evento ser ou não subsidiado.

O fado compete com uma enormidade de outras ofertas no âmbito musical e

cultural, mas de uma maneira geral é apreciado por todos.

O contacto e o gosto que os britânicos tem pelo fado associa-se às visitas a Portugal

e o contacto com a realidade das casas de fado.

Aqui não é feita nenhuma divulgação do fado. Os descendentes de portugueses não

ligam ao fado, sabem pouco sobre ele.

O fado é um espetáculo para todos, algumas vezes um pouco caro, mas existem

formas de o experienciar.

O fado é um símbolo nacional. É uma marca portuguesa. Sendo que o atributo mais

forte são os próprios espetáculos em si. As grandes vozes do fado são um fator

bastante importante na popularidade do fado.

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Os estrangeiros associam o fado a Portugal, mas muitos desconhecem a sua origem

exata.

O fado neste momento pode atingir a categoria de luxo, tem é sido difícil promovê-lo

em larga escala, devido aos custos inerentes. O facto de ter sido reconhecido como

Património da Humanidade pode-se considerar um grande pontapé de saída.

Reconheço que existem manifestações de luxo em certos concertos de fado pelo

mundo fora.

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Nome: Maria Alcina

Profissão: Fadista – Porta-voz do Real Gabinete Português de Leitura, Rio de

Janeiro, Brasil

Via e-mail

Data: 26/04/2017

1 – O que significa o fado de hoje para os portugueses fora de Portugal?

O Fado significa a saudade e o orgulho em ser português.

2 – Quem procura e conhece o fado, idades, género? Que ideia é que os jovens têm do fado?

Sinto, nos meus 57 anos de carreira no Brasil, que todos gostam de fado, depende

de como lhes é apresentado.

3 – O que significa o fado para os portugueses e seus descendentes diretos, para os brasileiros? Gostam?

Tive uma casa de fados 27 anos no Rio de Janeiro, e oitenta por cento dos

frequentadores eram brasileiros, os portugueses adoram o fado.

4 – Procuram conhecer, ouvir, qual é o perfil, idade, género?

Sim, procuram conhecer e ouvir, são pessoas de qualquer idade, ouvem fado

castiço e fado canção e muito do nosso folclore.

5 – Realizam-se muitos espetáculos? Que tipo? Preços? Público?

Há espetáculos nas casas regionais e em ambientes particulares; os preços estão

de acordo com os fadistas que se apresentam e o público é de todas as idades.

6 – Existem casas de fado? Preços? Público?

Já existiram muitas, hoje canta-se o fado onde somos requisitados.

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7 – Qual é hoje a imagem do fado para os portugueses e para o resto do mundo?

O fado é sempre fado, saudade e amor às nossas tradições.

8 – Acha que o facto de o fado ser hoje Património Imaterial da Humanidade alterou o seu estatuto, o que melhorou?

O fado melhorou porque que se tornou conhecido mundialmente, mas fado é fado

(«Cantarei até que a voz me doa.»)

9 – Que tipo de divulgação do fado é feita aí?

A divulgação é feita através de programas radiofónicos, da televisão, das novelas,

mas o forte é nas nossas associações da comunidade portuguesa.

10 – Essa comunicação e promoção do fado resulta? Quais os responsáveis e intervenientes?

Resulta, em especial porque satisfaz a nossa alma ao interpretá-lo, os responsáveis

são o nosso coração ao cantá-lo, e o espalhar a tradição do nosso amado Portugal.

11 – E os jovens portugueses emigrantes e descendentes o que sabem do fado? Gostam?

Gostam muito e procuram aprender e divulgá-lo com amor, temos atualmente, no

Rio de Janeiro, dois jovens, pai e filha, Camilo e Ana Paula Leitão, que enchem as

casas por onde passam.

12 – Em geral, a que categoria ligam o fado: espetáculo para uma elite, para todos?

Depende do evento, tanto agrada à elite como a todos os que o ouvem.

13 – Será o fado um símbolo nacional, uma marca portuguesa?

Acredito que sim, desde que me conheço o fado é a mais bela e emocionante

tradição portuguesa.

14 – Quais os atributos mais fortes que reconhecem no fado?

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Aqueles que amam a sua terra, Portugal.

15 – Portugal, Lisboa e o Fado, são entidades singulares ou estão todas juntas no ideário coletivo, nacional e internacional?

Estão todas juntas.

16 – Considera que o fado neste momento já atingiu a categoria de luxo?

O fado será sempre do povo, quer nas vielas ou nos palácios reais.

17 – Reconhece manifestações de luxo no fado? Quais?

As manifestações de luxo no fado dependem de quem o canta e do ambiente em

que é cantado.

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Nome: Maria Alexandrina

Profissão: Gerente e proprietária da casa de fados A Severa

Local: Bairro Alto

Data: 8/05/2017

1 – Conte-me a origem desta casa de fados.

A casa foi inaugurada em 1955, pelos meus avós, que vinham de outra casa de

fados que era a Adega Machado, onde se conheceram, casaram e abriram A

Severa, entretanto tem estado sempre na nossa família, nós somos a terceira

geração, os netos. Os nossos fadistas atuais residentes são: Natalino Jesus e Lina

Santos e depois temos consoante os dias a Alzira Sá, o Fernando Sousa, a Catarina

Candeias, são rotativos. A nossa parelha de guitarras é o Manuel Cardoso e o

Carlos Macieira. Desde que nasci que vivo nisto. Desde 1955 já passou por aqui

tanta gente…

2 – Muita gente conhecida?

A Maria da Fé esteve cá, a Cândida Ramos também.

3 – A procura é espontânea ou existe muita comunicação para trazer aqui os clientes?

Fazemos a comunicação através de agências de turismo para estrangeiros, nos

hotéis e basicamente é isso. Depois são os anos que a casa tem, é muito conhecida

já.

4 – Existe turismo específico só para o circuito do fado?

Não me parece que isso aconteça, parece-me que o fado está integrado no plano da

viagem, mas a viagem não é só para o fado. Eu, antes de ir para uma cidade

estrangeira, vejo o que é que se passa lá, também a maior parte vem aqui para ver o

que é, não obrigatoriamente para fazer um circuito, isso talvez mais os portugueses

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que gostam e que vão a várias casas. As agências de viagens incluem o fado, mas

muitas das vezes é uma coisa facultativa, só vem quem quer nessa noite.

5 – Os cruzeiros não trouxeram mais clientes?

Para nós, não. Há uns anos atrás alguns dos cruzeiros passavam cá a noite. Agora

não, chegam de manhã e vão-se embora à tarde. Sei que a Adega Machado agora

costuma dar fado à tarde e há aqui também um centro comercial que dá um

espetáculo de fado à tarde, aí as pessoas dos cruzeiros são capazes de ir, mas para

nós não nos beneficiam… Nós só funcionamos à noite.

6 – Quem é que procura hoje o fado? Qual o perfil dos clientes?

Todas as idades, aqui 90% dos clientes são estrangeiros, novos e velhos, acho que

neste momento abrange todas as faixas etárias. Os portugueses mais um bocadinho

agora, porque virou moda, há quem aprecie, mas tenho falado com muito português

que não percebe como é que isto funciona.

7 – Sabe-me dizer o número de clientes por ano?

É muita gente, vou-lhe dizer que nesta quinta, sexta, sábado, domingo tivemos 430

pessoas, a nossa casa leva 120. Claro que isto é cíclico, temos agora abril e maio,

são bons meses, muita gente, setembro, outubro. O que se nota agora com esta

afluência de turismo é que é mais constante o ano inteiro, antigamente chegávamos

ao inverno e havia uma quebra muito grande de turismo e agora não, é constante o

ano inteiro, sendo que estes quatro meses são os mais fortes. Nós em média este

mês iremos ter 70 a 80 pessoas todos os dias. Menos um dia por semana que

estamos encerrados.

Em que 90% são turistas, embora de há uns 5 a 6 anos para cá se note mais

portugueses, mais aos fins de semana, durante a semana é quase tudo turistas.

8 – E de que países são?

De todo o lado, muitos japoneses, muitos brasileiros, muitos espanhóis, italianos. Os

franceses, os americanos começaram a voltar agora, holandeses, alemães… vêm

de todo o lado.

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9 – A que atribui essa mudança na clientela dos últimos tempos?

De todas as histórias que ouvi aos meus avós, desde 1955 para cá, o fado era

especificamente para portugueses, também vivíamos numa ditadura, praticamente

não havia turismo. Depois houve uma quebra na altura do 25 de Abril para toda a

gente e depois, com o fim da ditadura, começou a vir muito estrangeiro e daí para a

frente o fado quebrou para os portugueses. Houve uma altura em que se achava

muito piroso o fado, mas os estrangeiros vinham e agora com a história do fado

passar a Património da Humanidade, os portugueses voltaram-se a lembrar. Muito

também tem contribuído estes novos fadistas mais reconhecidos internacionalmente

que fizeram os portugueses lembrarem-se que existia o fado.

10 – Houve um aumento de casas de fado nos últimos anos?

Casas de fado mesmo, não houve aumento. O que é que em Lisboa são casas de

fado? Somos nós, é o Machado, é o Faia, é o Senhor Vinho, é o Luso, duas ou três

em Alfama, isso são as casas de fado. O que aumentou foram as casas de fado

vadio, que embora ofereçam fado, nada têm a ver com as nossas, porque nós temos

fado profissional, oferecemos outro tipo de serviço que depois também vai ser

refletido no preço. O que está aqui é um recinto de espetáculos, nós somos

obrigados a pagar muitas taxas, aqui no Bairro Alto só abriram duas ou três casas

de fado vadio, mas em Alfama acho que abriram muitas.

11 – E como as descreve, são restaurantes, bares?

Para falarmos disso até tivemos uma reunião no Museu do Fado.

Eu costumo ir aqui ao Chico, é uma coisa muito engraçada, no estilo de fado vadio,

acho que a Tasca do Chico é do mais típico que existe. Em relação às outras, o que

ouvi dizer é que é porta aberta, uma coisa muito pequena em que podem existir

alguns fadistas profissionais, a maior parte não são, é tudo porta com porta, às

vezes um está a cantar de um lado e os clientes estão a bater palmas ao que está a

cantar do outro lado, e contaram-me que há alguns na rua junto à porta do

estabelecimento. Existe uma grande luta, porque supostamente quiseram apoiar-

nos, mas até hoje ninguém nos apoiou em nada. Essa reunião foi muito acesa,

devido ao facto de deixarem abrir coisas assim e só nos cobrarem a nós, as casas

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257

de fado, porque há uma grande diferença, eles também oferecem fado, se o turista

passa ali e ouve, gosta, e vai a uma casa de fados, ou então ouve e não gosta, já

nem vem sequer. Mas aquilo às vezes nem é o verdadeiro fado, é um homem que

chega ali, apetece-lhe cantar ou é amigo do dono, e depois não canta nada. A tasca

do Chico, nisso, é muito engraçada porque se veem lá profissionais a cantar, como a

Mariza que vai lá muitas vezes, mas também se vê lá o vizinho do lado, do Bairro

Alto, que até gosta de cantar e vai lá e até se ri com aquilo, as pessoas podem não

cantar nada, mas está dentro daquele espírito. Eu vou ser sincera, eu contra não

sou. Eu acho que toda a gente tem o seu espaço, desde que cada um saiba

trabalhar, acho que aquilo agora ali deve ser um exagero, porque dizem que há

muitas casas lá, muitas. Alfama é mais de dia do que de noite, de noite o turista tem

medo de andar ali, aquilo é muito escuro, o Bairro Alto é mais aberto e vêm mais

para aqui durante a noite. As casas de fado não aumentaram, as casas de fado que

existem já têm muitos anos, os meus avós abriram em 1955 e já vinham da Adega

Machado, veja lá há quantos anos é que aquilo estava aberto e o Luso igual. O Faia

foi aberto pela mãe do Carlos do Carmo, pela Lucília do Carmo, são casas muito

antigas. O Senhor Vinho é da Maria da Fé, não é tão antiga como estas daqui, mas

também já tem muitos anos, tínhamos aqui a Lisboa à Noite, mas fechou há uns

anos atrás, também era uma casa já muito antiga…

12 – E quais são as mais recentes?

As casas de fado que abriram há menos tempo e ainda assim já têm uns anos foi

mais para aquela zona de Alfama, a Casa de Linhares o Clube do Fado, o Marquês

da Sé.

13 – Os estrangeiros já sabem o que é o fado quando aqui entram ou vêm porque faz parte de um plano turístico, algo a conhecer?

Há muitos que sabem o que é, principalmente os brasileiros, espanhóis, italianos, eu

acho que esses conhecem bem a nossa cultura. Os nórdicos, os ingleses, os

americanos, eu acho que não sabem, acho que vêm porque estudam os pontos

turísticos e vêm conhecer, o fado é um estilo de música muito específico, não é só o

ritmo, é preciso perceber o que se está a cantar, os poemas. Quem gosta mesmo de

fado tem que o perceber, não pode ser só pela música ou pela melodia.

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14 – Os estrangeiros pedem explicações das letras dos fados?

Sim, há muita gente que pede, mas há coisas que não se traduzem e acho que as

letras de músicas, sejam em português ou inglês, há coisas que não se conseguem

traduzir. Existe também muita curiosidade sobre a guitarra portuguesa.

Os brasileiros por mais que percebam, e percebem, falam muito, são muito

expressivos, falam muito alto. Às vezes temos que passar e mandar calar de uma

maneira subtil, para ver se eles percebem que têm que estar calados, o que é

contraditório porque eles falam a mesma língua do que nós, deviam perceber que

deviam estar calados. Tem chegado a haver clientes que mandam calar os outros ou

que nos pedem a nós para mandarmos calar os outros clientes, nós explicamos que

é mais fácil eles próprios pedirem aos outros para se calarem do que sermos nós a

fazê-lo.

15 – Mas há a explicação prévia da expressão «Silêncio, que se vai cantar o fado!»?

Sim. Mas é por isso que o espetáculo não é continuo, o espetáculo começa às 21

horas, canta um e paramos, damos 20 minutos para a pessoa fazer barulho e depois

volta a cantar outro, sempre com intervalos, para não ser muito maçador. Há

pessoas que são capazes de ouvir fado toda a noite, mas há outras que gostam de

parar. O ritmo do fado não é muito diferente, o ritmo da viola é quase sempre o

mesmo, quem dá a melodia é o guitarrista e a pessoa que está a cantar. Para não

ser muito monótono, damos intervalos para as pessoas fazerem barulho. Mas

quando se baixam as luzes, as pessoas deviam perceber que era para ouvir, porque

até estão a pagar para estarem a ouvir, mas os brasileiros todos juntos geralmente

não respeitam isso, às vezes bastam dois.

16 – E os japoneses, gostam?

Os japoneses são um povo à parte. O japonês desde que entra até que sai,

agradece cem vezes, tudo o que faz está sempre a agradecer, é um povo muito

educado. O problema que têm são os fusos horários, quando chegam aqui às vezes

adormecem na mesa. Acho que sem serem os espanhóis, os italianos e os

brasileiros devem ser os que absorvem mais a nossa cultura porque são pessoas

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que vêm viajar muito preparadas, porque vêm com tudo escrito, às vezes já chegam

aqui com o que querem comer, porque há muitos japoneses que não falam bem

Inglês, os coreanos então não falam mesmo, vê-se que houve um estudo prévio e

que conhecem a nossa cultura.

17 – E os chineses, gostam?

Eu acho que sim, os chineses, os coreanos. Agora começaram a vir muitos russos,

mas o russo é um cliente assim muito fechado, é um povo estranho. Os franceses

também começaram a vir muito. Os franceses são um povo muito fechado, se você

perguntar qual é o estrangeiro mais esquisito, é o francês, para o francês nada está

bem, às vezes pergunto-me o que é que eles vêm para aqui fazer, têm um país tão

bonito e tão grande porque é que não ficam no país deles. Eles querem aqui o que

há lá, é impossível. O nosso país não é caro, mesmo isto aqui não é caro para eles.

Você vai a qualquer capital da Europa, um simples almoço num restaurante é muito

mais caro do que vir aqui, por isso é que há estrangeiros que gastam e para eles é

normal, para outros não, isto tem a ver com o estilo de turismo que nós estamos a

receber hoje em dia.

18 – O turista que vem, ultimamente, tem poder de compra?

O turismo que vem aqui é de massa e não tem assim tanto poder de compra, o

nosso melhor turismo com poder de compra vem em abril, maio, setembro e

outubro, tudo o que vem fora desses meses é um turista mais barato.

19 – É dos mesmos países de que falou?

Sim, vêm dos mesmos países, mas o poder de compra é diferente. Você não precisa

gastar muito para vir para aqui para Lisboa. Vem numa low-cost, chega aqui vai para

um hostel, não precisa de ir comer a restaurantes. Aqui no Minipreço no Calhariz à

hora de almoço é só turistas na fila a comer, já ouvi dizer que chegam a comprar no

supermercado e vão para a esplanada do centro comercial do Chiado comer,

sentarem-se nas mesas na parte da restauração. O nosso problema hoje em dia é

que há muitos turistas, mas não gastam tanto dinheiro como as pessoas pensam,

obviamente que deixam dinheiro e o volume é maior.

20 – Portanto, não é um turismo de luxo?

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260

Não, esse existe nestes meses que lhe disse. Agora são pessoas mais novas, não

têm tanto poder de compra como as pessoas mais velhas, quem está em inicio de

vida e tem filhos, em agosto só se vê mochilas às costas e bebés em carrinhos, não

são pessoas que irão gastar muito dinheiro, como é óbvio. Normalmente, as

pessoas de meia idade para cima têm uma vida mais organizada, passeiam mais,

têm mais tempo e vêm, e esses normalmente saem das épocas altas de turismo,

nem querem vir em épocas altas. O turismo de luxo onde é que está? Se for para

fora de Lisboa, há imenso turismo de luxo, vai para Cascais, vai para Sintra, existe

muito turismo de luxo. Ainda agora falei com um senhor que costuma vir aqui trazer

pessoas. Ele não trabalha em Lisboa, só trabalha fora de Lisboa e com turistas com

poder de compra alto que vão para Sintra, ou para jogarem golfe ou estarem ao sol

em Cascais e vêm a Lisboa uma vez por outra porque já não é a primeira vez que

estão cá e chegam a ficar quinze dias ou três semanas em hotéis de cinco estrelas

em Cascais. Mas isso é um turismo que não gosta de turismo de massa, são

pessoas com dinheiro que não estão para estar na fila para entrar e ver os

Jerónimos. Para isso vêm em janeiro, não há filas e estão calmos. Existe turismo de

luxo, a percentagem é que não será assim tão alta, neste momento. Antigamente, há

20 ou 30 anos, não era toda a gente que viajava, era muito caro viajar. Não quer

dizer que não seja bom, é bom agora haver isto, nós é que temos que começar a

selecionar para Lisboa não cair na banalidade. Lisboa é banal, se você vier aí a uma

sexta-feira, despedidas de solteiro de estrangeiras, são montes delas, passam um

fim de semana barato, elas vêm para aqui beber copos, com uma cerveja a um euro,

isto aqui é o paraíso. Há tempos ouvi um estrangeiro na televisão a dizer que tinha

pago 0,60 euros por um café e que era ridículo.

21 – Os turistas que vão para Sintra e Cascais, que a senhora considera que têm mais poder de compra, também vêm cá às casas de fado?

Vêm, mas pouco.

22 – Relativamente aos portugueses, são também de todas as idades?

Lá está novamente o poder de compra. Vêm mais as pessoas de mais idade, 40, 50

anos, também trazem com eles pessoas novas. Na altura em que saiu a

classificação de Património da Humanidade vieram alguns, mas acredito que há

muitos que gostavam de vir, mas que para o nosso estilo de casa se calhar não têm

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poder de compra. Acho que não somos tão caros como as pessoas pensam, vamos

a um restaurante médio e não se gasta muito menos do que se gasta aqui, somos

conotados como muito caros. Para os jovens não é tão atrativo.

23 – O que procuram os portugueses e os estrangeiros, a comida, o ambiente?

Nós temos muitos estrangeiros que chegam aqui, comem, ouvem um ou dois

fadistas e vão-se embora. Os portugueses normalmente ficam.

24 – Qual é hoje a imagem que os portugueses e os estrangeiros têm do fado, pontos fortes e fracos? Estava há pouco a dizer que era considerado um tanto piroso…

O fado não mudou nada, as pessoas é que foram mudando. O problema dos

portugueses é sempre… de modas, não estamos muito habituados a reconhecer

que temos coisas boas, a querer mantê-las e melhorá-las. Eu acho que hoje o fado é

visto apenas como cultura, o que não acontecia antigamente. Hoje em dia há mais

Lisboa, há mais fado, mesmo se lhes perguntar (aos portugueses) alguma coisa,

dizem logo «Temos o fado, temos a comida...»; começam logo a publicitar. As casas

de fado nunca tiveram grandes apoios, nem grandes, nem nenhuns, a única

comunicação que temos com o Ministério da Cultura, sabe qual é? É agora, para o

mês que vem, virem cá fazer uma vistoria à casa e pagarmos 600 euros, pagarmos

ainda os direitos de autor todos os meses. Quem é que divulga? São os artistas e

somos nós. Os grandes artistas internacionais? Há pessoas que nos perguntam se

nenhum canta aqui. Os grandes artistas não podem cantar em casas de fados, não

aguentam. Aqui cantam todos os dias, sem microfone. Você não está a ver a Mariza

a cantar todos os dias sem microfone, tem que se preservar, por que se não, não

consegue fazer espetáculos. Ela está para grandes espetáculos, não está para

casas de fados. Não quer dizer que não tenha começado nas casas de fados,

porque todos têm que começar nas casas de fados. Quem fomenta o fado? As

casas de fados. Claro que depois divulgam, as pessoas ouvem, e depois gostam de

vir cá. Quem é que apoia os grandes fadistas? Eu não vejo o estado a apoiar

ninguém, a não ser entidades particulares que tenham por detrás quem os ajude a

lançar discos e patrocinem espetáculos de fado.

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25 – Existe alguma política coesa e unânime, ou seja, as pessoas estão todas de acordo quanto à defesa e divulgação do fado e quais são os principais responsáveis?

Eles pegaram no fado para promover o país, começou a haver muito turismo,

promoveram o fado e patrocinaram a candidatura a Património Imaterial da

Humanidade. Lutaram por isso, mas não lutaram para nos ajudar a nós, lutaram

para promover o país lá fora, depois acabou. Obviamente que eles tinham que o

fazer, o Museu do Fado, está ali.

26 – Mas não considera que eles têm um papel importante na divulgação do fado, que não facultam informação sobre a existência das casas de fado?

Sim, facultam. Mas acho que não é por aí o caminho. Eu não ganhei nada em ter o

Museu do Fado aberto ou fechado. Ajudam às vezes os artistas a lançarem CD, a

nossa casa não tem ajudado. Eu nem sei a quantidade de visitantes que eles têm.

Quem por vezes nos tem ajudado mais um bocadinho é o Turismo de Lisboa, mas

não é significativo.

27 – Acha que ir a uma casa de fados é para todas as bolsas?

Não pode ser para todas as bolsas, mas isso não somos só nós, é qualquer

restaurante. Eu posso ter dinheiro para ir àquele restaurante, mas ao do lado já não

tenho. Agora se é caro? Todas as casas têm um consumo mínimo, o nosso é 25

euros por pessoa. Vai ter que consumir pelo menos 25 euros. O nosso menu

turístico é uma refeição completa, são 49 euros por pessoa, mas pode gastar 60, 70,

80, isso depois depende muito do que a pessoa escolher. Já tive aqui quatro

japoneses a beber uma garrafa de água, eram quatro pagaram 100 euros, mas nós

temos sempre a preocupação de salientar que existe um consumo mínimo. Não

podemos ter uma pessoa a entrar cá a pagar 2 ou 3 euros por um café e estar cá a

noite inteira.

28 – A procura do fado é generalizada?

É generalizada. Durante anos fechávamos à quinta-feira porque era dia de tourada e

quando havia tourada ninguém vinha para o fado, mas realmente há muitos anos

atrás tínhamos muita gente ligada à cultura. Nós tínhamos gente que quando

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fechava o teatro, vinham para aqui cear, esta casa fechava às cinco, seis da manhã.

Hoje tenho a casa cheia e às 11.30 não tenho aqui ninguém.

29 – Então por volta da meia-noite já não está ninguém aqui?

Não, embora tenhamos licença até às duas da manhã, mas muito dificilmente ficam.

30 – Qual é hoje o estatuto do fado?

Hoje respeita-se mais o fado do que há 20 anos atrás. Mesmo quem não gosta do

fado fala dele com mais respeito.

31 – Acha que existe um crescimento na procura do fado?

Pelo menos por curiosidade, sim.

32 – E a que atribui esse crescimento da procura?

Atribuo ao facto de o fado ter passado a Património da Humanidade, chamou a

atenção de muita gente. Igualmente, o aparecimento de novos artistas, que são mais

divulgados pelos órgãos de comunicação. Embora a maior parte desse fado ser

mais cançonetista do que tradicional. Acredito que há muita gente que ouve esse

fado mais cançonetista e depois chega aqui e se for um fado muito monótono acha

chato. Vemos muito a Mariza e outras artistas cantar um fado que não é o

tradicional, é um fado para um público mais generalizado e mais para o espetáculo.

Já viu o que era a Mariza no MEO arena a cantar duas horas de fado tradicional, as

pessoas saiam de lá arrasadas, alguns até vinham a chorar, de monótono que era.

Tenho aí brasileiros que desatam a chorar a ouvir cantar o fado porque lhes fazem

lembrar os avós e os pais portugueses que foram daqui e que ouviam os discos

quando eram pequenos, pedem fados específicos e nós temos que explicar que

cada fadista tem um repertório, que nesse momento não temos ninguém que cante

esse fado especifico. Nem todo o tom de voz dá para certos fados.

33 – Acha que o fado é hoje uma indústria com outras manifestações para além das casas de fado e espetáculos?

Sim. A internet possibilita que se consiga ouvir o fado em qualquer parte do mundo.

O que possibilita uma maior divulgação e benefícios económicos. Com a

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globalização, as coisas são divulgadas mais rapidamente, contribuindo para o

aumento desta indústria. Antigamente toda a gente tinha discos, mas era muito difícil

um disco de uma fadista chegar lá fora. Ou alguém o levava e divulgava, senão não

passava de Portugal. Hoje em dia não é preciso isso, basta ir à internet e ouvir a

fadista, aí já está a divulgar.

34 – De acordo, com o ideário coletivo, considera que as pessoas associam diretamente o fado a Portugal, a Lisboa, ou são identidades que não estão ligadas?

Acho que fado é em Lisboa.

35 – Acha que o fado é uma marca?

Sim.

36 – Acha que o fado poderá ser uma marca de luxo?

Se falamos no custo de vir a uma casa de fados, se calhar com o nosso nível

económico é. Em Portugal é, mas para os estrangeiros acho que não.

37 – Então considera uma manifestação do luxo vir a uma casa de fados?

Por exemplo, se você for a Roma, ao Vaticano, paga muito mais para ir ver o

Vaticano do que para jantar aqui. Apanha com milhares de pessoas em filas

intermináveis em que particamente somos arrastados por aqueles corredores, e é

um luxo ir lá?

Para o nosso poder económico é um luxo vir aqui, mas a maior parte das pessoas

não percebe por que é que é caro.

As pessoas continuam a pensar que isto é um restaurante e não é, há muitos

restaurantes a dar fado ao fim de semana, eles não pagam muito mais para ouvir, é

mais uma questão de atrair os clientes, nós aqui não, é diferente.

Obviamente que para cobrarmos o que cobramos temos que ter um serviço melhor

do que um restaurante normal. O que pretendemos dar aqui? Nós aqui damos

cozinha portuguesa, nem faz sentido dar outro tipo de cozinha. Se for ver a nossa

classificação, somos uma casa típica, o nosso serviço é vendermos o que é

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tradicional de comida juntamente com o fado. Há muita gente que acha piada. O que

é eu vou comer? Fado, bacalhau e caldo verde, é uma associação que parece que

tudo combina, a comida traz muitas lembranças. Isto é como o vinho, o vinho esteve

fora de moda, agora há imensa gente a beber vinho. Nós temos que dar um serviço

bom, comida portuguesa, porque essa história do gourmet, da comida cuidada, não

faz sentido, eu gosto de ir a esses restaurantes, mas não é uma coisa que se coma

todos os dias, para já passava fome, gosto de comer aquilo que sei o que é. Mas

enfim, temos que oferecer um serviço cuidado, temos que dar um espetáculo com

profissionais. Às vezes vem cá gente que quer cantar, sim senhora, não negamos,

mas depois do nosso espetáculo, porque o cliente está aqui e está a pagar fado, não

podemos dar fado vadio e cobrar estes preços, se é luxo ou não, não acho que seja

luxo.

Confidências...

O meu avô ainda é vivo, tem 91 anos. Ele sempre teve uma capacidade brutal para

lidar com as artistas, quando havia guerras entre elas, ele dava-lhes dois gritos e

paravam logo ali. Ele menciona que havia interajuda entre elas, embora houvesse

sempre inveja, de uma cantar melhor, do que a outra, do público bater mais palmas

a uma do que a outra. Hoje em dia as raparigas mais novas que entram no fado

demoram tempo a entrar porque há uma geração à sua frente que as trava, que não

as ajuda, e nós precisamos todos de ajuda. Eu não canto, nem ninguém da família

canta, mas sabemos apreciar se cantam ou não, já têm chegado aqui artistas que

nós vemos que cantam bem, mas os colegas dizem que cantam mal. Se não

ajudarmos os mais novos, como é que se vão renovar as gerações fadistas.

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Nome: Gilberto Marques Grácio

Profissão: Construtor de guitarras portuguesas

Local: Carnaxide

Data: 08/05/2017

1 – Fale-me da sua experiência no universo do fado.

A minha experiência são 65 anos de trabalho, já são 67, mas há dois anos que estou

reformado. Sou de uma terceira geração, antes foi o meu avô, o meu pai. Por acaso

fez ontem 50 anos que o meu pai faleceu. Desde que comecei com 13 anos dentro

da oficina, fiz vários trabalhos até me considerar um profissional, não tive outra

profissão, foi sempre esta desde os 13 anos.

Fiz todos os instrumentos de corda dedilhada, guitarras, violas, bandolins,

cavaquinhos, ultimamente só estava a construir guitarras e violas.

2 – E quais são as grandes diferenças?

As diferenças não são nenhumas, é tudo uma construção, o próprio instrumento

para ser tocado é que é diferente.

3 – O que é que nós temos de diferente nas guitarras e nas violas em relação aos outros países?

Dizem que a guitarra é derivada da guitarra inglesa, mas eu acho que esta guitarra é

portuguesa e a guitarra modelo é a de Coimbra, foi um estudo que o meu pai fez em

que eu também estive com o Artur Paredes, com o pai do Carlos, foi uma sequência.

Se a guitarra de Coimbra tem a envoltura que tem, deve-se a essa ligação com o

Artur Paredes, porque ele era muito exigente, no bom sentido, porque a exigência é

que faz o bom profissional. As escalas e a nomenclatura da guitarra foi toda revista

por exigência do Artur Paredes, esta guitarra é nossa. Sei qual é a guitarra inglesa,

ainda no outro dia fiz uma entrevista com o Carlos do Carmo, para uma televisão,

em que me perguntaram se a guitarra portuguesa vinha da guitarra inglesa e eu

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respondi que, com certeza, os guitarreiros ingleses já tinham morrido todos, porque

já não se toca esse instrumento pelo menos em Inglaterra, se existem, estão em

museus, e esta nossa guitarra cada vez é mais tocada.

4 – É caro para um músico comprar uma guitarra?

Conforme, há de todos os preços, agora quando eles procuram um bom instrumento

de som e qualidade sai um bocadinho caro.

4.1 – Pode especificar?

Pode ir de 2 000 a 6 000 euros, aqui na família Grácio, e agora é o meu aluno que já

está apto para fazer isso.

5 – E qual é o tempo de espera?

Chegavam a esperar dez anos por uma guitarra feita por mim. Eu depois desisti, reformei-me, estou doente. E nessa altura era sem compromisso, eu quando comecei a não vir com tanta assiduidade à oficina tinha quarenta e tal instrumentos para fazer, principalmente guitarras portuguesas.

5.1 – E levavam dez anos para entregar?

Era mais ou menos, a lista estava em dez anos, mas sempre sem compromisso, eu

por fim já não aceitava compromissos.

5.2 – E devolvia guitarras todos os meses?

Não, uma guitarra não é assim todos os meses, com esforço, cheguei a fazer quatro

guitarras por mês, modelo de Coimbra em 44 Dias, mas era desde as sete da

manhã até à meia-noite, com uma hora para as refeições. Foi numa altura em que

estava a fazer a minha vivenda…, porque eu tenho casa em Leiria, onde o meu avô

começou a construir, é em Coimbrão, para cima de Leiria, ao pé da praia de

Pedrógão. Tive que me refugiar lá, porque lá é que eu trabalhava desde as sete à

meia-noite, não podia ter clientes todos os dias a baterem-me à porta. Foi nessa

altura que fiz bastantes instrumentos, cheguei a fazer lá seis meses e seis meses cá

em baixo, no Cacém.

6 – E saem mais guitarras ou mais violas?

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As guitarras saem mais, porque há muita viola à venda, a viola é universal, ao passo

que a guitarra portuguesa não se faz em outros países. Fabriquei para muitos

estrangeiros conhecidos, por exemplo, o Jimmy Page, do Led Zepelin, para o Paul

Wodman e outros.

7 – E aqui em Portugal? Pode dizer quem são ou foram os seus clientes?

Fiz para o Jaime Santos, Jaime Nunes, todos falecidos. Fiz para o António Chainho,

para os Parreiras, a família Paredes. Agora para os mais novos já não sou eu que

construo, agora é o meu aluno que constrói.

8 – Considera a guitarra um objeto de luxo?

Podem ser de luxo as mais caras, as guitarras podem atingir um preço de 12 000

euros, consoante o embelezamento que levam, muitas vezes não é a questão do

som. No início da televisão em Portugal, fizeram-se muitas guitarras com

madrepérola a toda a volta, a madrepérola é uma peça cara, é importada da

Alemanha e o trabalho é outro, já tem muita mão-de-obra e muito material caro. Tem

que se dar mais valor ao instrumento, mesmo depois de ele pronto, aquele

instrumento valoriza muito mais do que outro, às vezes só por causa de umas horas

a mais de trabalho. Com as volutas trabalhadas, a guitarra de Lisboa, com o caracol

todo trabalhado, pode-se considerar uma peça de luxo para quem não toca, mas

para os profissionais não é uma peça de luxo é uma caneta que eles usam para

todos os dias. Eles têm interesse numa guitarra com bom som e que seja prática a

tocar, porque há guitarras a partir de 200 euros, fabricadas em Braga por um colega

meu, que tem cerca de 30 trabalhadores e faz tudo à máquina, sai como sair, e

pronto, aqui é tudo manual. Os materiais que usamos também são muito mais caros,

enquanto eles compram um tampo por 30 euros, nós compramos por 60 ou 70

euros. A madeira que usamos vem em bruto e depois é trabalhada, vem com 4 mm

de espessura, é importada de Espanha.

9 – Acha que hoje existe mais procura por guitarras portuguesas?

Não sei, mas tenho a sensação que é a mesma coisa, porque vão desaparecendo

guitarristas, mas vão aparecendo outros. Antes não havia escolas, era tudo de

ouvido, e hoje há pelo menos umas três escolas boas, o Museu do Fado tem uma

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escola, é o António Parreira que lá está, os filhos também estão a dar aulas; o

Carlos Gonçalves, que foi acompanhante da Amália, também dá aulas, vão sempre

aparecendo estudantes de guitarra.

Não houve um aumento na procura pelas guitarras que construímos, as coisas

mantiveram-se sempre. Havia meses, que o meu pai chamava meses da palha,

setembro e outubro, depois das férias, em que não havia dinheiro para comprar

instrumentos, mas os profissionais iam sempre, para fazer reparações…

10 – Qual é a situação do fado em Portugal?

Eu se lhe fosse dizer a situação do fado, diria que da maioria não gosto. O fado para

mim tem que ser acompanhado à guitarra, à viola e pelo viola baixo. E agora já

metem clarinete, já metem contrabaixo de cordas, já metem acordeão, já metem

tudo e mais alguma coisa, caixa de batuque, bateria, disso não gosto. Ainda se

fosse só acompanhado ao piano..., porque o fado começou por ser acompanhado ao

piano, embora fosse só na alta roda. O fado, quando começou, ainda me lembro, foi

nas cegadas, era bem bonito ouvir a guitarra e cantar.

11 – Existe uma política unânime e coesa quanto à defesa e divulgação do fado, quem são os seus principais responsáveis?

Eu sou consultor do Museu do Fado, fui consultor juntamente com outros, éramos

doze ou treze, em que estavam o Carlos do Carmo, o Chainho, enfim, a maior parte

dos antigos do fado. Há o Museu do Fado, mas o próprio Museu do Fado acho que

não trata o fado como devia, porque querem desvirtuar o que era o fado, está bem

que o fado da desgraçadinha, como ele era cantado nesses tempos, já não é muito

adequado. Outros responsáveis não vejo, cada um é responsável por si próprio, foi

sempre assim e será, porque há sempre aquelas benesses para certos guitarristas e

cantadeiras e cantadores.

12 – Qual é hoje o estatuto do fado?

O estatuto para mim está igual, o estatuto vem em sequência da qualidade do

fadista, de como eles são tratados, talvez esteja um pouco melhor, por ter sido

reconhecido como Património Imaterial da Humanidade. Aí houve o conhecimento

mais alargado do que era o fado, principalmente para o estrangeiro, porque os

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portugueses todos sabiam muito bem o que era o fado. Quando eu vou a qualquer

sítio e se digo o meu nome, dizem logo «O fulano xis tem uma guitarra sua.», sou

conhecido em todo o lado. Mas o fado também era conhecido em todo o lado,

porque em quase todas as povoações há alguém que toca um bandolim, uma

guitarra ou uma viola, e isso está tudo agregado ao mesmo instrumento, no

estrangeiro é que já houve mais divulgação, por isso há mais visitas para o fado,

sempre houve turistas a ir ver e ouvir fado, mas agora talvez haja mais.

12.1 – E porque é que acha que isso acontece?

Acontece porque foi mais divulgado, houve mais divulgação quando passou a

património imaterial da humanidade.

12.2 – E não terá sido também por causa desta nova vaga de fadistas?

Também havia a Amália, havia a Fernanda Maria, havia a Hermínia Silva, também

divulgaram bastante, não quer dizer que a divulgação tenha sido feita agora, que só

conhecem o fado por causa do Carlos do Carmo e da Mariza, não é por isso. Houve

guitarristas sempre a tocar no estrangeiro, porque iam com fadistas daqui, por

exemplo, o Camarinhas uma vez esteve um ano e tal a tocar em França, tinham que

lá ter fadistas, os franceses gostavam de ouvir fado. O fado já era divulgado, não foi

a Mariza que divulgou o fado, até porque a Amália é que divulgou o fado em toda a

parte.

13 – Existem muitas pessoas a trabalhar neste oficio?

Não, há muitos curiosos e curiosos habilidosos, porque fazem um instrumento todo

cheio de efeitos e às vezes perfeitos, mas a qualidade do som deixa muito a desejar.

Não conseguem singrar porque não conseguem perceber de onde é tirada a

qualidade do som. Eu considero guitarreiro todo aquele que começa pelo princípio, o

Óscar Cardoso é um deles, começou com o pai e só fez aquilo, apesar de hoje ser

surfista e fazer pranchas de surf, mas é um hobby dele.

Há uma passagem de testemunho…

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Exatamente, ao passo que há muitos, os tais habilidosos, que pensam em fazer uma

guitarra para eles, e fazem, são monos que não interessam a ninguém, há outros

que fazem duas ou três, mas o som não tem qualidade, por isso não são aceites.

14 – Em Portugal quantas pessoas competentes há neste ofício?

Há o Óscar e agora o meu aluno, há outros que começaram, mas é preciso uma

escola também para isto. Não é por acaso que o meu aluno já está a trabalhar há

dezasseis anos e, só agora, há mais ou menos seis meses, é que eu disse que

estava pronto.

14.1 – E começou com quantos anos?

Começou com 21, não tinha profissão, não tinha vícios, ele veio para aqui sem

conhecer as ferramentas.

14.2 – Acha que isto é uma vocação, que tem se nascer com ela?

Por que é que o meu filho não seguiu? A minha filha já podia ter seguido. A minha

filha é muito boa em trabalhos manuais, seguiu hotelaria, já o meu filho não tinha

habilidade. Foi para a oficina, conforme eu fui, quando saí da instrução primária, o

meu pai deu-me a escolher entre a oficina e continuar os estudos, e eu escolhi a

oficina, porque eu aos nove anos já fazia umas carrocinhas. Tinha nove anos

quando o meu pai me levou para ouvir fado, num tasco, ele até fornecia vinho, por

isso era um tasco mesmo bom, onde estava o Conde de Sabrosa, o marido da

Teresa de Noronha, e foi a primeira vez que ouvi fado, sentado num pipo. Depois

cresci e fiquei grande amigo do António Sabrosa, o Conde de Sabrosa.

15 – Acha que o fado pode ser uma marca?

Acho que já é uma marca que, a bem dizer, está divulgada e toda a gente sabe o

que é fado.

16 – Acha que pode ser uma marca de luxo?

Não, porque a guitarra é humilde, a construção tem que ser feita com humildade,

isso foi uma das coisas que ensinei há dezasseis anos, não foi só a este aluno, foi a

doze, e desses doze ficou este.

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17 – Reconhece algumas manifestações de luxo no universo do fado?

A manifestação do luxo vai à frente do dinheiro, uma manifestação de luxo é uma

gala de fado no Casino Estoril, aonde já fui, mas haverá sempre humildade no fado,

nunca será aquela marca de luxo como no caso de um Ferrari. Na boca dos

guitarristas, uma guitarra minha é um Ferrari e as outras são Fiat 600. Mas a

humildade está sempre agregada ao fado, pelo nascimento, os que querem dar a

volta para ser uma coisa de luxo perdem. Quando for uma coisa de luxo, já não deve

ser na minha geração, não será nos anos mais próximos que passará a ser luxo,

mas um dia vai passar, vai passar porque o universo está todo a mudar.

18 – Sabe o que acontece no mercado com suas guitarras em segunda mão?

Procuram muito, até porque a guitarra quando é nova nunca vem com aquele som,

só ao fim de seis meses, um ano, é que o som apura. Não é fácil fazer uma forma

para a guitarra, todos os cantinhos contam, tem que se saber um bocado de música,

onde é que o som é gerado, por isso é que não há guitarras muito boas. O meu

aluno já sabe, tenho-lhe transmitido tudo, porque ele é como um filho que tivesse

continuado o meu trabalho de construir guitarras portuguesas. Há muitos que

gostavam de ter guitarras de fulano e de sicrano porque já conhecem o som delas.

18.1 – E o preço não aumenta, à medida que as guitarras vão passando de uns para os outros?

Ainda há pouco tempo uma guitarra minha esteve no OLX, embora por pouco

tempo, o anunciante depois tirou o anúncio porque não há colecionadores que

paguem 16 ou 17 mil euros. Eles sabem, mais um menos, o preço de uma guitarra

nova, é o preço de uma guitarra usada, não é por ser mais antiga que tem menos

valor. Uma guitarra minha com 30 anos agora tem quase o mesmo valor de uma

nova. Vendem-se guitarras, se estiverem bem estimadas, e se não estiverem vêm

para aqui e são reparadas, que há 30 anos custavam pouco dinheiro, hoje são

vendidas por 4 000 ou 5 000 euros. Valorizam.

19 – Para afinar as guitarras têm que saber música?

Eu aprendi música, o meu aluno toca campainhas de porta. Eu afino a guitarra de

ouvido e o meu aluno usa um afinador.

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Nome: Jorge David

Profissão: Diretor do Departamento de Marketing e Comunicação do grupo

Fado & Food

Local: Bairro Alto

Data: 9/05/2017

1 – Fale-me da origem desta casa de fado e do grupo. Dentro do grupo quais são as outras casas de fado para além da Adega Machado?

O grupo foi constituído em 2012, embora os trabalhos preparatórios sejam

anteriores, coincide quase temporalmente com a elevação do fado a Património

Imaterial da Humanidade que foi em 2011. Foi em 2010, que quatro sócios, agora

são três, com uma sensibilidade e experiência em particular nesta área, tanto da

restauração como do fado, juntaram-se para constituir este grupo, cada um deles

com o seu próprio percurso e com experiências profissionais em áreas afins, uns

mais fortemente ligados ao fado do que outros. O denominador comum entre estas

casas de fado é serem casas de fado históricas.

2 – Quais são?

Por ordem cronológica: Café Luso 1927; Adega Machado 1937 e o Timpanas de

1961. As duas primeiras são no Bairro Alto, a outra casa é em Alcântara. Cada uma

delas tem a sua própria história independente, o que as pode ligar são as grandes

figuras do fado, das mais icónicas, a Sra. Dona Maria Amália Rodrigues, que tem

uma forte ligação tanto ao Café Luso como à Adega Machado. Na Adega Machado

tinha laços afetivos especiais, uma vez que era madrinha de dois dos filhos do casal

fundador da casa de fado, a Sra. Maria de Lurdes e o Sr. Armando Machado. Ele era

violista e ela cantadeira de fado. De uma forma resumida, a Adega Machado é uma

empresa com um vínculo fortemente familiar. Foi esse o casal fundador, foi um

desafio que foi lançado ao Sr. Armando Machado numa digressão que fez em 1936

a Paris, quando foi tocar para a nossa rainha consorte que estava exilada em Paris.

Ele aceitou esse desafio do guitarrista Manuel de Freitas, entre o amor ao fado e o

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amor que unia esse casal nasceu esta casa que originalmente não tinha o espaço

que hoje tem, foi-se acrescentando, mas muito rapidamente ganhou a dimensão

daquilo que se pode chamar uma casa de fado. Houve um interregno na história da

Adega Machado que em 2009 teve que fechar as portas porque os fundadores

faleceram. Os filhos tentaram dar continuidade, mas houve dificuldades de vária

ordem. Os empresários atuais assumiram a responsabilidade e deram continuidade

à historia da Adega Machado com o maior respeito possível por aquilo que são as

caraterísticas históricas desta casa, mas também dando um cunho evolutivo. O Café

Luso é a casa de fado mais antiga em funcionamento contínuo em Lisboa, e já agora

este ano de 2017 é um ano do seu aniversário. A Adega Machado completa 80 anos

e o Café Luso completa 90. O Café Luso tem uma primazia porque é a casa de fado

mais antiga em Lisboa, teve uma primeira morada na Avenida da Liberdade. Depois

passou com caráter definitivo para o Bairro Alto, para a Travessa da Queimada. Não

é uma história tão familiar, foi iniciativa de um empresário, mas num determinado

momento histórico que está na génese das casas de fado. As casas de fado foram

uma espécie de solução para regulamentar os sítios por onde se fazia fado em

Lisboa. Estes eram normalmente sítios que criavam alguma espécie de problemas

sociais, no início do século XX, havia um peso muito maior do que hoje

relativamente a uma preocupação com a moral e os bons costumes. Essa solução

consistiu então em criar espaços próprios e consentâneos em termos artísticos e

sociais para poder viver o fado, tanto por quem o interpretava como para quem o

escutava. Foi uma excelente oportunidade de os artistas se profissionalizarem, de

assumirem isso como uma profissão, que teve um desenvolvimento muito rápido,

tanto que se começaram a criar sindicatos de artistas etc. Não passou por muitos

empresários, passou por 3 famílias.

O Timpanas vem da família Forjas, que o fundou em 1961. Hoje em dia não é muito

valorizado o fado em Alcântara, mas, para quem conhece o desenvolvimento do

fado nos bairros de Lisboa, sabe que Alcântara chegou a ser o Bairro em Lisboa

onde se ouvia mais fado por metro quadrado. Por razões da história daquele bairro,

da história de Lisboa e do país, este foi desaparecendo. Paredes meias com o

Timpanas, temos a Cesária, que foi uma das casas mais emblemáticas.

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3 – De que forma as casas de fado tem contribuído para perpetuar a vocação fadista?

As casas de fado trouxeram aos artistas, a profissionalização. Durante décadas essa profissionalização, para a maior parte deles, significava uma vivência quase permanente dentro de portas.

A vida deles era cantarem repetidamente numa casa de fados e a carreira deles era

isso, tirando uma saída ou outra. A Amália Rodrigues foi exceção na época dela,

ficou conhecida por ter sido a primeira a internacionalizar-se, facto que foi apoiado

por uns e contestado por outros. Na atualidade, são principalmente os artistas

profissionais que fazem a grande diferença entre as casas de fado. Sendo espaços

profissionais com qualidade, requerem artistas profissionais com qualidade. As

nossas casas de fado criam condições para captar artistas profissionais com

qualidade, são responsáveis por os estimular a serem cada vez melhores, apoiando-

os e incentiva-os a fazerem o seu próprio percurso. Existe da nossa parte uma

abertura para atuarem em outros lugares desde que não sejam outras casas de

fado, porque são artistas do nosso elenco e há determinadas regras que têm que ser

cumpridas. Em termos de carreira, sugerimos que podem construir o seu nome, o

seu repertório, as suas gravações, fazer os seus espetáculos seja onde for.

A casa de fado é o berço de uma grande parte deles. E isso é uma tradição que existe, que deve ser reconhecida e louvada, devido ao mérito das casas de fado.

Se falar com gerações diferentes de artistas, mesmo os mais jovens, a maioria vai

dizer que o fado não se aprende, nasce-se com ele. Para algumas pessoas isto até

pode ser um bocado estranho, porque remete para uma mística do fado, para alguns

não faz sentido, mas entre eles é uma sina ou um dom com que nascem. Por outro

lado, a maior parte deles também diz que são as coletividades, logo a seguir às

casas de fado, as grandes responsáveis pela sua aprendizagem e aperfeiçoamento.

Temos uma iniciativa desde 2013 no Café Luso, porque o Café Luso tem um elenco

com uma caraterística muito própria, é intergeracional, vemos diferenças etárias

significativas, sendo que isso é importante ao nível da aprendizagem inicial, mas ao

nível também da aprendizagem continua, onde os mais velhos reconhecem que

também aprendem com os mais novos. Para concluir o que estava a dizer há pouco:

para além da questão do dom, a casa de fado é a escola de fado por excelência. O

próprio Museu do Fado, hoje em dia, já toma determinadas iniciativas ao nível da

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formação, mas ainda não é uma estrutura de ensino, montada e completa com uma

sequência de aprendizagem.

4 – Existe abertura por parte da casa de fados para aceitar que jovens

iniciantes aprendam com os vossos fadistas mais experientes?

Dá-se esse tipo de abertura a quem se queira mostrar, quem apareça numa das

nossas casas de fado e seja um estreante, escolhe-se o momento para essa pessoa

se apresentar. Com alguns cuidados, se for um jovem, não podemos dar essa

oportunidade numa altura de funcionamento em que aquilo não tem cabimento

porque não sabemos qual é o resultado que dali vem, nós temos determinados

parâmetros que temos que respeitar, mas a oportunidade é dada ou no fim da noite

ou nos bastidores. São essas situações que depois se vão traduzir em novos

talentos.

O Café Luso tem muita tradição nos concursos de fado, sempre com grande impacto

e com muita gente de valor. Hoje em dia temos uma iniciativa que são as

residências artísticas mensais, em que há dois artistas, a maior parte são intérpretes

de voz, mas também há guitarristas e violinistas, que se apresentam uma vez por

semana. Não é rígido, mas normalmente é às segundas e terças-feiras e isso é uma

espécie de forma de nós continuarmos a assumir esse compromisso para com as

gerações vindouras e com esse caráter de responsabilidade formativa que as casas

de fado têm.

5 – Qual é o vosso elenco?

No Café Luso temos o Cristiano de Sousa, que no seu percurso profissional já se

internacionalizou, a Catarina Rosa, o Filipe Manuel Acácio, a Yola Dinis. Dentro do

meio, muita gente conhece estes nomes, mesmo no público do fado. A Yola Dinis,

por exemplo, não é só conhecida pelo fado, tem também experiência no teatro de

revista, foi finalista da Eurovisão no ano passado. Na Adega Machado está o Pedro

Moutinho, que tem uma carreira nacional e internacional.

6 – Existe um turismo específico só para o circuito do fado?

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Em Lisboa, sim, e nós até trabalhamos com algumas dessas empresas que facultam

isso, fazemos parte de programas das agências de viagens dos circuitos temáticos.

7 – E essas agências são de onde?

São de todo o mundo. O mercado do Brasil está numa curva descendente, como

alguns outros, mas de qualquer forma os laços do Brasil com Portugal são tão fortes

que mesmo neste momento descendente do Brasil, quem tem capacidade para

viajar continua a vir.

8 – Quem é que procura o fado, perfil dos clientes, segmento?

O fado é procurado de uma forma transversal hoje em dia. Até há 10 ou 20 anos

atrás era apenas uma curiosidade folclórica, hoje em dia, por muita sofisticação que

lhe queiram imprimir, conserva ainda as suas raízes na música de origem popular,

interpretado pelo nosso povo. Os portugueses que nos procuram pertencem às

gerações mais velhas ainda vivas que viveram a época áurea das casas de fado,

que as frequentaram de uma forma que hoje em dia já não se frequenta. Os clientes

antigamente eram famílias que vinham em peso, todas as semanas ou todos os

meses à casa de fado. Essa realidade hoje em dia é pontual, foi um hábito que se

perdeu. Houve uma cisão com o 25 de Abril e quem retomou, não retomou com o

caráter que existia antigamente. Havia também os habitués, chefes de família, ou

não, com colegas, ligados a associações, confrarias, que faziam convívios regulares

nas casas de fados. Existia também aquilo que ainda hoje acontece, que é a gente

do fado, que faz o fado, que se encontra nestes recintos ao fim da noite. Juntam-se

depois de ter tocado aqui ou ali. Nomeadamente os jovens que ainda hoje andam a

querer mostrar-se e dar-se a conhecer, na procura de uma oportunidade. O

afastamento total dos portugueses em relação ao fado nunca aconteceu, houve foi

uma relação envergonhada em relação ao fado, tanto por parte do público como

também de quem fazia o fado.

Uma das coisas boas que o reconhecimento pela UNESCO trouxe foi que os que

tinham mais vergonha de assumir que gostavam de fado o fossem ouvir e que quem

tivesse vocação começasse a cantar e a tocar. Esse reconhecimento deu-lhe uma

certa dignidade e facilitou a resolução desse problema de relação que muita gente

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tinha com o fado. Hoje em dia de uma forma transversal é um motivo de orgulho

para os portugueses.

9 – Com que idade se começa a ouvir o fado?

Muito jovem, mas quando digo transversal, não quero dizer todos. Sabe que em

qualquer geração há sempre alguém a dizer que não gosta de fado e que acha o

fado pobre.

10 – A partir de que idade os clientes portugueses frequentam as vossas casas de fado?

Vêm famílias com bebés de colo, não com tanta frequência como provavelmente

vinham antigamente. Vêm famílias de gente ligada ao fado com jovens, tentam

incutir neles o gosto, seduzi-los a iniciarem-se ou no canto ou na música.

As suas idades situam-se entre os 35 e 70 anos.

11 – E os estrangeiros?

São de todas as nacionalidades, há nacionalidades que têm uma especial empatia

com o fado, o caso do Brasil é flagrante, mas há outras nacionalidades, que quem

não esteja tão por dentro acha surpreendente, por exemplo polacos, japoneses,

israelitas, turcos. Dos países mais próximos são espanhóis, que nos visitam muito.

São especialmente as pessoas acima dos quarenta anos, com mais disponibilidade

de tempo e de dinheiro.

12 – E tem sempre casa cheia ou varia ao longo da semana?

Por exemplo, na Adega Machado podemos ter casa cheia nos dias de maior fluxo,

que são entre a quinta-feira e o domingo, dependendo dos meses do ano. Muitas

vezes chegamos a ter casa cheia duas vezes numa noite.

13 – E em que meses é que as pessoas vêm mais?

É entre março e outubro.

14 – Houve um aumento nos últimos anos de casas de fado?

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Eu estou atento à concorrência, mas não me tem sobrado muito tempo para lhe dar

uma resposta concreta ao que me está a perguntar. O que lhe posso dizer é que há

coisas que respeitam os traços do que é uma casa de fados e que cumprem toda a

legalidade. A realidade é que muitos que se vendem como casa de fado não

cumprem essa legalidade, é um problema em Lisboa e neste momento já fora de

Lisboa.

Aquilo que tem aparecido são o que eu chamo epifenómenos. Muitos não terão

pernas para andar, mas reconheço um ou outro projeto feliz bem montado e que

respeita por inteiro o fado.

As que me parecem sérias são poucas. Têm aparecido sobretudo em Alfama, o que

para nós é bom e mau.

15 – O que procuram os portugueses e os estrangeiros?

Procuram os dois a mesma coisa: o português quer ir a uma casa de fados que seja

autêntica, o estrangeiro também. E para ser autêntico para o estrangeiro, tem que

estar validado pelos portugueses, ou seja, para além do que lá esteja a ser cantado

e servido, tem que ter lá portugueses.

Eu, particularmente nas minhas funções, tento determinadas ações de

sensibilização de captação de criação de acessibilidades de modo a devolver aos

portugueses um espaço que é originalmente dos portugueses e não dos

estrangeiros. Os estrangeiros com certeza são muito bem-vindos, tal como nós

somos bem-vindos em qualquer ponto do mundo onde haja questões de interesse

cultural e de curiosidade. De facto, o fado é um dos principais motivos de interesse e

curiosidade de quem nos visita, assim como Lisboa que é o berço do fado, apesar

de ele se manifestar também noutros pontos do país.

O que nós servimos não é fado plástico, é fado profissional por quem sabe, desde

as cordas à voz. Alguém dizer que o fado profissional é o fado vadio, como se ouve

para aí muita gente dizer, é um absurdo completo, o fado vadio tem direito à sua

existência e a ser respeitado. Um bom exemplo de fado vadio é a Tasca do Chico.

Nós temos excelentes relações com a Tasca do Chico, há artistas nossos que em

fim de noite vão cantar lá. Uma tasca e fado vadio significa que tanto pode aparecer

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lá uma pessoa que apenas tem o gosto de cantar fado, mas não é profissional, como

uma profissional, o caso da Mariza que também vai à Tasca do Chico cantar. Todos

têm o seu espaço, mas existem grandes diferenças.

16 – Qual é hoje a imagem do fado, para os Portugueses e para os estrangeiros?

O fado é motivo de orgulho para os portugueses, não só pelo reconhecimento em si,

mas porque o fado é o espelho da nossa identidade. O fado conta histórias da nossa

história, conta histórias pessoais e a parte mais importante, conta muito da nossa

forma de sentir.

E quando é bem interpretado para os estrangeiros que não entendem português, se

a emoção é bem passada, eles dizem que gostariam de ter percebido a letra e às

vezes até perguntam sobre o que é que o fado falava, para terem a certeza que a

tristeza que sentiram é confirmada pela letra.

O fado, sendo bem interpretado, consegue passar bem as emoções. Para nós a

letra é muito importante e pode ser uma letra com mais ou menos beleza, com mais

ou menos significado, com mais ou menos profundidade. O fado vive muito da letra,

é claro que o maior protagonismo está na voz, aparentemente está tudo em

harmonia, mas quem conheça bem o meio sabe que entre os guitarristas há uma

espécie de hierarquia, a guitarra portuguesa é o chefe da orquestra, mas não tem o

protagonismo dos da voz. Os mais ambiciosos entendem que deviam ter o mesmo

destaque que o fadista. Felizmente de uma forma geral tudo é valorizado, o

compositor, a letra, os instrumentistas…

17 – Acha que vir a uma casa de fados é acessível para todas as bolsas? O fado é para todos?

Não, de todo, não é acessível para todas as bolsas nem para portugueses, nem

para estrangeiros. Embora tenhamos um espetáculo que decorre na parte da tarde

que se chama “fado inside the box”, são 17 euros por pessoa, se considerar que

estamos a pagar artistas, comida e bebida, não me parece que esteja exagerado e

eles percebem isso. A iniciativa serve vários perfis de visitante, os estrangeiros, os

portugueses residentes e os portugueses emigrados, numa hora têm esta

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experiência. Serve também para pessoas que não podem vir à noite, pela noite fora,

para famílias com crianças.

18 – Na comunicação social há muito a ideia que as casas de fado são salvas financeiramente pelos turistas, devido aos preços que praticam serem bastante caros para os rendimentos médios dos portugueses. Concorda?

Isso é mais uma vez os portugueses a não serem amigos dos portugueses. A

comunicação social, se se informasse melhor, percebia que estamos a fazer um

esforço para criar acessibilidades para os portugueses, temos campanhas, temos

eventos. Tivemos uma iniciativa primeiro que todos os outros, depois da elevação do

fado, logo em 2012, como celebração de 26 para 27 de novembro (daí para cá

temos feito todos os anos) fazemos uma festa para portugueses, não fechamos a

porta aos estrangeiros que venham cá nessa noite, mas divulgamos especialmente

para os portugueses, criamos as tais acessibilidades para os portugueses virem cá e

a partir de um determinado momento da noite aparece gente do fado, de todo o lado,

que se junta a nós para fazer essa festa. Isto são soluções que nós tentamos

implementar e repetir para fomentar um sentimento de pertença e de participação

das pessoas naquilo que é nosso. Esperemos que essa mensagem a pouco e pouco

se vá instalando. Porque é que é caro? Não é porque estamos a extorquir dinheiro

às pessoas, como para aí se diz, é porque de facto temos artistas de primeira

categoria e isso é o que nos distingue de qualquer restaurante, o fado evoluiu

artisticamente e a gastronomia também evoluiu, as nossas propostas culinárias são

tão boas ou melhores do que os melhores restaurantes e como tudo isso é um

investimento e uma garantia que damos a quem cá vem, isso custa muito dinheiro. A

matéria-prima é o mais possível nacional e fresca, desde o peixe aos legumes, e

tudo isso tem um preço, nós podíamos vender gato por lebre, há pessoas a fazê-lo.

Mas isso também nos dá tranquilidade, qualquer pessoa que venha cá e reclame,

podemos sempre perguntar, «mas estava bom ou não?» As pessoas não podem

negar a qualidade, depois há a questão do gosto pessoal, mas a qualidade e serviço

está lá. Nós entramos em concursos gastronómicos, temos vários prémios e somos

fiscalizados.

19 – Na sua opinião, existe uma politica coesa e unânime na promoção e divulgação do fado e quais são os principais responsáveis?

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Sim e não, o elemento agregador aqui é o Museu do Fado, só o facto de termos um

Museu do Fado é louvável por si só, o trabalho e as ações que tem feito, seja a nível

de recolha e de estudo, têm sido muito meritórios. Ao nível da divulgação do fado;

têm sido irrepreensíveis e é um trabalho de continuidade, a nível dos agentes do

fado, aí posso colocar algumas reticências…

19.1 – Quando fala em agentes?

Agentes são quem faz o fado hoje em dia, se o fado é uma tradição que continua é

porque alguém ainda está vivo para o fazer continuar. Aí podia-se melhorar, mas eu

percebo que existem capacidades e recursos limitados. Acho lamentável que não

haja uma coesão dos tais agentes do fado, as relações de colaboração que existem

são mais de vizinhança próxima. Infelizmente há muita gente a falar mal de muita

gente e eu pergunto, é assim que se quer evoluir? Por aí não evoluímos, por aí

cristalizamos. Se houvesse ações mais concertadas de nos ouvirmos uns aos outros

percebíamos que temos todos os mesmos problemas, as mesmas preocupações, e

podíamos em conjunto resolvê-los recorrendo à entidade A ou entidade B. Queixar-

se todos se queixam, mas se alguém toma a iniciativa…

19.2 – Os senhores têm essa vantagem competitiva, têm três casas e podem indicar o caminho, serão três a fazer a mesma coisa, podem ser a referência…

Sim, mas ao mesmo tempo também somos isolados por isso.

20 – Qual é hoje o estatuto do fado?

O fado está num estado de graça e vive um bom estatuto neste momento.

21 – Os estrangeiros associam o fado a Portugal e a Lisboa?

O fado lá fora é associado a Portugal, mas em rigor devia ser a Lisboa. Temos o

fado de Coimbra, mas noutras cidades de Portugal, por exemplo o Porto, hoje em

dia canta-se o fado e para eles não é mais nem menos do que se canta em Lisboa.

Em termos cronológicos, a associação deveria ser Lisboa e imediatamente Portugal.

Ainda hoje estive a ler num jornal Alemão muito curioso, ele faz uma abordagem que

tem muito a ver com a vinda do Papa a Portugal, em que ele questiona se os

abençoados ou malditos três efes (Fátima, Fado, Futebol) são os mesmos ou não da

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atualidade, e num outro trabalho de uma jornalista que estava em Marrocos e que

contava quando se dizia “português”, as pessoas respondiam “Ronaldo”, somos

campeões da Europa, são os três pastorinhos e é o fado que tem todo o destaque

hoje em dia.

22 – Acha que o fado é uma marca?

É uma marca que vende por si só.

23 – Acha que o fado poderá ser uma marca de luxo?

Acho que tem que se ter cuidado com isso, pois poderá passar uma ideia contrária

àquilo que são algumas preocupações que eu já transmiti aqui nesta entrevista, que

é só para alguns. O fado, sendo um produto cultural, popular, parece-me que há

algum contrassenso.

24 – Reconhece algumas manifestações de luxo no universo do fado?

Há um lado sofisticado e glamoroso no fado, há quem o tente potenciar, seja no

cuidado com a sua imagem, seja na roupagem, seja nos instrumentos que adiciona

ou que retira, quem tenha usado um piano. Outra coisa é um projeto que está

montado só com clarinete e piano.

Nas nossas casas, no acolhimento e no serviço de sala e também de uma forma

articulada com os tempos do fado, há procedimentos para isso, pode-se dizer que é

um atendimento de primeira, é diferente do que será um restaurante convencional. A

maneira como se serve, por que lado se serve, a apresentação da comida, a louça,

tudo isso é cuidado e compõe um atendimento mais requintado.

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Nome: António Acciaioli Campos

Profissão: Diretor da Casa Museu Amália Rodrigues

Local: Casa Museu Amália Rodrigues, Rua de São Bento, Lisboa

Data: 10/05/2017

1 – Conte-me o porquê da existência da fundação Amália e fale-me da sua experiência profissional.

Foi uma decisão da própria Amália, pouco tempo antes de morrer, alguém a

aconselhou (como não tinha filhos), a proteger todo o seu património. Isso levou-a a

tomar um conjunto de decisões, nomeadamente sobre os direitos de som. Isto é, os

direitos de autor dos discos, que ficariam para a sua família, para os seus sobrinhos,

e em relação ao resto, o desejo dela era a criação de uma fundação para preservar,

valorizar e divulgar o seu património artístico, cultural, bem como as suas casas e

obras de arte. Assim sendo ela determinou o seguinte: 15 por cento dos lucros iriam

para o centro de saúde do Brejão, no Alentejo, porque o marido tinha morrido pouco

antes e não tinha tido apoio médico, porque não havia lá Centro de Saúde; 15 por

cento para a Casa do Artista que era onde estavam as suas colegas (é o lugar para

onde vão os artistas de qualquer variedade, teatro, cinema, fado, depois de se

reformarem); os outros 70 por cento era para distribuir por pobres, sem abrigo,

necessitados, crianças… Como tal, a Fundação foi um desejo da própria Amália. Ela

decidiu em vida quem ficava à frente da fundação para que depois não houvesse um

vazio. Ela faleceu há cerca de 17 anos. Entretanto, houve mais do que uma

administração nesses 17 anos. No meu caso concreto, fui convidado com outra

colega para assumir essas funções há três meses.

2 – É espontânea a procura ou existe muita comunicação?

Já não estamos a falar da fundação propriamente dita, mas estamos a falar da Casa

Museu. Um dos pontos que esta administração identificou como uma falha é que o

marketing e a parte comercial são pontos fracos. A razão para tal deve-se ao facto

de as anteriores administrações sempre exerceram funções em part-time, logo

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tinham pouca disponibilidade. Em consequência, as pessoas que aparecem para

visitar a casa vêm espontaneamente, sem que exista publicidade nesse sentido.

Quanto aos estrangeiros que vêm visitar Portugal, leem muita documentação e,

como tal, nos livros de turismo ou outros guias existe indicação explícita à Casa

Museu. Há cerca de duas semanas houve um artigo no jornal “El Pais” que nós não

tínhamos conhecimento que ia sair, que falava sobre os 30 lugares mágicos que

havia em Lisboa para os Espanhóis visitarem, não estamos a falar da Torre de

Belém ou dos Jerónimos, que isso não é preciso ninguém dizer, são os pequenos

lugares mágicos que Lisboa tem. E um dos lugares era a casa da Amália, o que quer

dizer que neste momento estamos a ter reflexo de uma “ação de marketing” indireta

e involuntária. De qualquer maneira é objetivo desta nova administração, nos

próximos tempos, implementar ações de marketing, nomeadamente parcerias com

outras instituições ou outras empresas.

3 – O que tentam dinamizar na Fundação Amália?

A fundação tem como objetivo preservar o património da Amália, esta casa (em

Lisboa), a casa no Alentejo, no Brejão (perto da Zambujeira do Mar), e tem alguns

apartamentos que estão alugados, que são uma das fontes de receita desta

fundação, que não tem apoios estatais, uma vez que se trata de uma fundação

privada. A principal ação da fundação é a atividade da Casa Museu, claro que há

outras ações, nomeadamente a Gala Amália que decorre de dois em dois anos, que

é uma gala em que são oferecidos prémios às pessoas que se distinguiram no fado

ou ligados à Amália e outro tipo de atividades de apoio nomeadamente às pessoas

que querem publicar livros sobre a Amália ou sobre o fado. Tenho de reconhecer

que muito mais podia ter sido feito para dinamizar a Fundação, caso as

administrações anteriores tivessem sido mais pró-ativas.

A casa no Brejão, também alugam…

Houve uma entidade que nos propôs alugarmos-lhe a casa para que fosse

explorada durante três ou quatro meses como uma habitação de turismo local e

como tal a fundação alugou, como se fosse um pequeno hotel de luxo.

4 – Não são os senhores que potenciam a comunicação, o marketing?

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Não, da mesma maneira que aqui na Casa Museu temos uma cafeteria que não é

explorada por nós. É explorada em outsourcing.

5 – Qual é o perfil do visitante?

Temos dois tipos de clientes, os estrangeiros e os portugueses. Os estrageiros são

pessoas que leem, estão informados e sabem o que querem. No que diz respeito

aos portugueses, há dois tipos de visitantes: as pessoas que vêm porque têm

conhecimento ou gostavam da Amália e depois grupos, nomeadamente Juntas de

Freguesia ou Universidades Seniores, estamos a falar de pessoas mais velhas que

viveram no tempo da Amália e por isso querem conhecer a casa onde viveu. Há uma

situação que nós não temos e que a maior parte dos museus tem, jovens estudantes

que frequentam os museus porque faz parte do seu plano de atividades escolares e

como tal é um público importante nos outros museus. Em parte, por não termos feito

a respetiva divulgação em termos de marketing. Por outro lado, o foco da Casa

Museu estava relacionado com a questão da casa, assim sendo, não é um museu

que esteja vocacionado para ver o património artístico da Amália, para a voz, para

os livros ou para a documentação. As pessoas que vêm visitar não o fazem por aqui

estar, de forma residente, toda a música da Amália ou por aqui poderem encontrar

todos os livros que existem da Amália, vêm cá para ver a casa. Um dos objetivos da

nova administração é desfocalizar o alvo, para, mantendo a casa como produto

tangível, ter à volta tudo o resto, não tangível. Por isso, nestes três meses, já

criámos uma sala interpretativa, onde tem a cronologia da Amália, uma zona para os

discos que a fadista gravou e uma zona para a poesia que a Amália cantou, coisa

que até agora era falado en passant ao longo da visita, mas não era valorizado.

6 – Os autocarros turísticos costumam levar grupos à Casa Museu?

Não, é uma das falhas que existe e está identificada. Nós temos à porta uma

paragem de autocarros de dois andares da Cityrama que passam por aqui, de hora

a hora, e não havia nenhum acordo entre a fundação e essa empresa para que os

turistas que andam nesses carros e que param à nossa porta, tivessem um atrativo

para visitar o museu. Entretanto já fizemos essa parceria e todas as pessoas que

têm o bilhete da Cityrama podem entrar cá, tendo um desconto. Da mesma maneira

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que iremos fazer parcerias com o Museu do Fado, ainda não está proposto, mas vou

propor, nos próximos tempos, para quem visite um museu visite o outro e vice versa.

Passaria a existir um circuito de fado…

Podíamos falar de um circuito do fado, ou de um circuito da Amália, há o local onde

a Amália nasceu, há uns murais da Amália, há uma calçada da Amália, há uma

estátua da Amália, há o jardim Amália e há a casa da Amália.

7 – Falou no perfil dos visitantes, mas que idade têm?

Acima dos 40 anos, os portugueses, mais de 50 anos, o que significa que se por

acaso nós quisermos que daqui a 20 anos continuem a vir estrangeiros e

portugueses visitar a casa da Amália temos que criar outro tipo de atrativos para

captar novos clientes e por isso a questão da sala interpretativa ou do centro de

investigação e documentação é uma questão importante.

8 – Qual o número de visitantes anuais?

Cerca de 8000.

9 – Estrangeiros e portugueses?

Tirando a questão dos grupos, há mais estrangeiros do que portugueses, mas com

os grupos mais portugueses.

10 – A procura do fado é generalizada ou um nicho particular?

Não sei responder com uma opinião fundamentada ou científica. O que posso dizer

é que o fado que se faz hoje não tem nada a ver com o fado de há 30 anos. Há uma

nova geração de fado, que faz com que outras gerações gostem de fado, com novos

cantores, logo, com novos públicos. Há um novo fado, da mesma maneira que a

Amália criou um novo fado com a introdução da poesia nos anos de 1960, fazendo

uma clivagem entre antes da Amália e depois da Amália, com a introdução da

poesia no fado. Agora há também a introdução de novas musicalidades e novas

abordagens. A classificação do fado como Património Imaterial da Humanidade

também ajudou a dar-lhe outra visibilidade, mas não sei o suficiente para ter uma

opinião mais fundamentada sobre isto.

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11 – Existe uma política coesa e unânime quanto à defesa e divulgação do fado?

Tenho que reconhecer que o trabalho feito no Museu do Fado é um trabalho

importante, de investigação e divulgação da Amália, divulgando canções inéditas

que estavam guardadas na Valentim de Carvalho. Este é um grande contributo, mas

para além desses dois grandes apoios na retaguarda, a nova geração de fadistas é

o maior património que existe, mesmo que se publicasse novos discos da Amália e

por muito que o Museu do Fado fizesse quem o mantem vivo são os novos artistas.

Há uma enormíssima e belíssima nova geração de fadistas.

12 – E que seguem um padrão?

Não, eu acho que falarmos do Camané ou falarmos da Cátia Guerreiro ou falamos

da Amália ou falarmos do Carlos do Carmo ou falarmos da nova geração de

fadistas, são caminhos diferentes e ainda bem. Aliás, umas das coisas que a Amália

combateu e conseguiu foi contrariar a tendência de que quem não gostasse muito

de fado há 40 ou 50 anos atrás e ouvisse dois ou três fados seguidos, ao fim do

terceiro já não estava disponível para ouvir o quarto ou quinto fado. A Amália

introduziu outras variantes em relação a este tipo de música. Antigamente ou se

gostava de fado ou não se gostava, hoje com a panóplia de artistas completamente

diferentes, pode-se gostar do Cámané e não se gostar de outro artista qualquer.

13 – Hoje o fado é Património Cultural Imaterial da Humanidade, que benefícios lhe trouxe?

Trouxe visibilidade e o reconhecimento de uma matéria-prima muito boa. Eu próprio

que não gostava de fado tenho que reconhecer que um conjunto de artistas fez com

que olhasse para esta forma de arte de modo diferente. Quem contribuiu para que

houvesse esta moda foram os novos artistas. Evidentemente que há um conjunto de

circunstâncias que ajudam. O Museu do Fado, por exemplo. Quando referimos a

contribuição da Casa Museu Amália Rodrigues para a divulgação do fado, esta é

próxima de zero. E isso queremos alterar. Até à data a preocupação era manter e

preservar a casa onde a Amália viveu, isto é o culto da Amália e não o culto do fado,

mas a Casa Museu não pode ser só acerca da cama onde ela dormia, onde ela

vivia. A passagem a Património Cultural Imaterial da Humanidade trouxe visibilidade

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interna ao nível da pertença, das pessoas dizerem «nós temos uma coisa valiosa».

É a mesma coisa de ter lá em casa uma peça que tratamos por tu e descobrir que o

mundo valoriza muito essa peça, nós continuamos a tratar por tu essa peça, mas

percebermos que é reconhecida, quer a nível interno, quer a nível internacional

como uma peça muito importante, faz toda a diferença.

14 – O fado é acessível a todas as bolsas?

Há níveis diferentes: ir assistir a um espetáculo ou ir a uma casa de fados? Ou

comprar um CD. Há CD de fado baratíssimos e há uma certa divulgação na rádio e

outros programas de fado, por isso depende dos gostos. Se me perguntar se a

ópera é acessível eu digo que ver um espetáculo de ópera custa 60 ou 80 euros. No

entanto há discos de ópera a cinco euros e podemos ouvir a Antena 2 que é gratuita.

15 – Hoje em dia o fado é uma indústria com diversas manifestações, reconhece isso?

Sim e não vejo mal nenhum nisso. Na prática significa que gere receitas, significa

que consegue pagar bem aos seus fadistas e toda a retaguarda logística que existe.

Não vejo nenhum mal que seja considerado uma indústria, porque amadorismos e

estarem à espera de viver somente de subsídios do estado é uma má posição.

16 – Existem produtos associados à Fundação Amália, réplicas de joias e outros. Considera-os produtos de luxo?

Não, mas se me perguntar se acho que é acessível a todas as pessoas, a resposta

também é não. Temos réplicas das joias da Amália, como existem outros produtos

de merchandising na loja museu. Temos réplicas de joias da Amália que custam

acima dos 100 euros e não são acessíveis a todas as bolsas. E temos outros

produtos na loja do museu, nomeadamente nos últimos meses aumentámos o

merchandising da loja do museu e vamos continuar a aumentar. Sendo isto uma

fundação privada que vive das suas receitas, nós temos nesta Casa Museu três

tipos de receitas, uma são as entradas, outra é os produtos que podem ser vendidos

e a outra é o outsourcing da cafetaria. Temos que os valorizar.

17 – Considera que, no ideário coletivo, as pessoas associam o fado à Amália? A Portugal? A Lisboa?

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São entidades complementares, embora haja o fado de Coimbra, o fado é de Lisboa,

admito que seja ligado a Portugal como a música “própria” do país. A Amália deu um

grande contributo, mas é a mesma coisa que dizer que a Maria Callas era a pessoa

mais importante na ópera, não é, mas foi importantíssima. A pergunta que se pode

fazer é se existiria ou não este tipo de fado se não tivesse havido Amália e

provavelmente não, mas se isso é suficiente para se fazer uma associação direta

entre o fado e a Amália eu penso que cada vez mais é menos e para isso há uma

grande contribuição de outros artistas que têm feito coisas extraordinárias.

18 – Acha que o fado é uma marca?

Sim, sem dúvida, é uma marca que vende. Podia ser melhor trabalhada quanto ao

marketing. É a mesma coisa que dizer que o vinho do Porto é uma marca,

independentemente do vinho do Porto ser um conjunto de várias coisas. O fado é

uma marca e vende: E não vende só a música, vende merchandising do fado.

19 – Acha que o fado poderá ser uma marca de luxo?

Acho que não. Eventualmente poderia ser, também, mas acho que não. Quando se

pergunta se o vinho é uma marca de luxo, a resposta não pode ser sim ou não, se

estivermos a falar de uma Barca Velha que custa 300 ou 400 euros e se

questionarmos se este é um produto de luxo, claro que é, mas se perguntarmos se o

vinho é um produto de luxo, claro que não.

20 – Reconhece algumas manifestações de luxo no universo do fado?

Tenho que admitir que existem franjas, como falei no Barca Velha como vinho de

elite e caríssimo, também existem franjas deste produto chamado fado para todas as

bolsas. No nosso caso as visitas têm um preço acessível, tendo em conta que existe

sempre um guia a acompanhar e cada pessoa paga apenas cinco euros. Uma das

primeiras coisas que fiz foi inquéritos de qualidade, mas não tenho informação do

nível social e económico das pessoas que vêm cá. Mas para ter ideia, quando nós

temos um novo produto que é um lápis da Amália e que custa 1,5 euros e as

pessoas acham que é caro, indicia qual a disponibilidade financeira das pessoas que

vêm cá. Como há pessoas que consideram cara uma entrada de cinco euros.

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Estamos a falar sobretudo dos visitantes portugueses, o que não acontece com os

estrangeiros. Até porque há países onde pagam cinco euros por um café.

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Nome: Marco Rodrigues

Profissão: Fadista

Local: Bairro Alto

Data: 16/05/2017

1 – O que é para si o fado?

O fado para mim é um estilo de música que carateriza o país, traz com ele toda a

nossa cultura, as influências que tivemos de vários povos que durante uma série de

anos passaram por Portugal. Representa a saudade de um povo e de uma cidade, é

uma música tradicional urbana, representa a tristeza e a nostalgia de todos aqueles

que ficavam no porto da cidade de Lisboa a ver partir os seus entes queridos, a sua

família, os seus amigos. Houve uma necessidade enorme de levar para dentro do

bairro essa saudade, e escrevê-la. E tinha que haver uma música que desse para as

pessoas socializarem e partilharem essa saudade e então, para mim, o fado nasce

exatamente disso e essa é a essência do fado, nasce da saudade e da nostalgia de

um povo. Tivemos muita gente no alto mar. Construiu-se uma música com uma base

muito simples em que todas as pessoas muito facilmente conseguiam escrever

umas quadras de métrica simples, de rima simples, para poderem cantar.

2 – Fale-me da sua experiência e qual tem sido o seu percurso?

Eu comecei a cantar com o meu pai no Norte, nada tinha a ver com fado. O meu pai

tem um grupo musical, fazíamos arraiais, festas, casamentos de música de baile. Eu

comecei a cantar no grupo do meu pai com 8 anos, aos 15 anos os meus pais

separaram-se e eu vim para Lisboa com a minha mãe. Já era cantor. A minha mãe,

como gostava muito de fado, eu não conhecia nada sobre fado, nem era uma

música que eu consumisse, mas a minha mãe inscreveu-me numa grande noite de

fado e eu ganhei, em 1999 no Coliseu de Lisboa. Depois surgiu o convite do Café

Luso para começar a cantar lá. Vou para o 5.º disco editado, uma nomeação para

um Grammy latino, tenho duetos com Maria Gadout, com o Carlos do Carmo. Aqui

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na Adega Machado faço a gestão artística, canto e toco e paralelamente tenho as

minhas tournées e os meus concertos.

3 – Onde têm sido apresentados os seus espetáculos em Portugal e no estrangeiro?

Tantos sítios, no mundo inteiro, nas maiores salas do país, já fiz seis vezes os

coliseus, já fiz o grande auditório do CCB dois anos seguidos, todos os festivais de

fado, Angola, Macau, Índia, estive numa série de sítios, felizmente viajo imenso e a

nossa música é reconhecida não só pelos emigrantes, mas também pelos

estrangeiros que enchem as salas para ouvirem uma música de que não percebem

nada da língua, mas com a qual se emocionam.

4 – Que tipo de fado existe?

Fado é fado, os fados tradicionais têm caraterísticas muito específicas, não têm

refrão, têm uma métrica certa, é uma melodia que abre e fecha para dar ao

intérprete espaço para poder criar coisas diferentes enquanto canta. Depois há o

fado canção. Há inúmeros fados que todas as pessoas identificam como fado. Para

mim também é fado, mas não tem as caraterísticas do fado tradicional. O fado

musicado, como por exemplo «Lisboa Menina e Moça», ninguém era capaz de dizer

que não é um fado, mas não é, tem um refrão. Para mim há estas duas vertentes.

5 – O fado tradicional ou o chamado novo fado, o que prefere?

São duas coisas completamente diferentes, o fado tradicional é aquilo que eu lhe

acabei de dizer, o chamado fado novo não existe, sempre houve fado novo, o fado

novo é o quê? É uma coisa contemporânea? Já há 40 anos atrás também havia

contemporaneidade, portanto essa coisa do novo fado não existe. As pessoas que

estão a fazer o novo fado neste momento têm as influências das coisas que se

passam à nossa volta, tal qual daqui a 20 anos vai haver exatamente a mesma

coisa, não vai haver um fado novo, vai haver um fado contemporâneo ajustado à

altura em que ele existe.

6 – Qual é hoje a imagem do fado para os portugueses e para o resto do mundo?

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Eu recordo-me que, no final dos anos 90 quando eu comecei a cantar fado, 98% das

pessoas do meio eram muito mais velhas que eu. Hoje em dia há miúdos, eu tenho

um primo que começou a tocar aqui comigo com 16 anos, tem agora 19 e já toca em

grandes palcos, vai fazendo uma série de grandes concertos. Há uma nova geração

que na altura não estava desperta para o fado, arrasta um novo público, arrasta uma

nova sonoridade…

7 – O fado está na moda?

Acho que já não é moda, poder-se-ia dizer que o fado estava na moda aqui há uns

12 anos atrás, o fado começou a subir imenso a partir de 2000, começou a falar-se

muito sobre fado, sobretudo a partir da morte da Amália que veio impulsionar

novamente a ideia que temos uma música que nos carateriza e à qual estamos a dar

muito pouca importância. Depois os artistas portugueses começaram a fazer

grandes palcos lá fora e a receberem prémios, a conseguir salas cheias,

naturalmente fez com que uma nova geração se começasse a interessar mais por

esta música, todas as crianças têm um bocadinho a ideia de ser artistas, mas ser

artistas com sucesso é outra coisa. Há uns anos atrás ninguém tinha sucesso com o

fado, hoje em dia já se tem sucesso com o fado e então já há uma nova geração a

querer fazer desta música a matriz da música que faz.

8 – Qual é o estatuto atual do fado?

O fado pisa os maiores palcos do mundo neste momento, eu próprio já pisei palcos

de nível mundial, onde já esteve o Frank Sinatra, onde já estiveram pessoas que

estão no nosso imaginário, o fado já pisou esses palcos todos. Há uma série de

artistas a fazer tournées fora, ainda há pouco tempo estive a fazer uma tournée pela

América do sul, fiz Colômbia, Chile e Argentina. Há muito interesse em querer fado

nas salas, um interesse cultural, em querer ouvir esta música lá fora.

9 – Existe a perceção de que é uma riqueza cultural?

Acho que ninguém tem dúvidas, a música sempre foi uma riqueza cultural em todo o

lado. Nós temos uma música que podemos dizer que nos carateriza, que é a nossa

cultura - há países que não têm música que os caraterize, nós temos - para além da

gastronomia, para além dos vinhos, temos géneros musicais muito fortes, a música

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tradicional regional, ou seja o folclore, o cante Alentejano e o fado, são três estilos

de música muito portugueses, sendo que o fado é o que tem mais abertura, mais

exposição e toda a gente conhece.

10 – O fado é para todos ou apenas para um nicho?

A música de uma forma geral é para todos. Quando se faz música só para um nicho,

a música deixa de fazer sentido. Nós tivemos agora esta prova na Eurovisão, um

pontapé na música europeia, porque a Eurovisão não é uma coisa vinda dos

Estados Unidos, assim teria uma projeção mundial. Até este ano o que conhecíamos

era pirotecnia, pessoas com cabelos muito estranhos e depois a música estava em

último lugar. Agora fomos comprovar que a forma descomprometida de fazer música

tem muito mais valor. O fado vive muito disso, vive de as pessoas virem, não

conhecem nada sobre a música, não conseguem perceber nada da letra, mas vejo

todos os dias saírem daqui chineses, holandeses completamente cilindrados com

aquilo que acabaram de ouvir.

11 – Acha que existe uma indústria do fado consistente? Acha que existe mais procura?

Existe muita e há que salvaguardar uma coisa muito importante; durante os anos em

que ninguém dava importância a esta música. Logo a seguir ao 25 de Abril, época

de grande crise para o fado, coube às casas de fado manterem-no vivo. Não havia

concertos, ninguém queria fado em lado nenhum, foram as casas de fado que

sustentaram a oferta de fado para os turistas, e estes anos todos em que o turismo

tem vindo para Portugal conhecer esta música, faz com que no ano a seguir venham

mais turistas com famílias ou amigos…

11.1 – Mas existe uma indústria de fado consistente neste momento?

Se olharmos para o fado como uma indústria, podemos cair num erro, olhar para a

música numa forma muito mais comercial que sentimental. Quando estamos a falar

de uma música tradicional que nos carateriza, claro que temos que ter alguns

cuidados, mas também precisa, tal como as outras, de ser alimentado, promovido,

as casas de fado também viveram o período áureo do turista que vinha a Portugal e

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era imensamente rico, vinha a Portugal com a família e era capaz de gastar num

jantar muito dinheiro. As casas de fado habituaram-se a isso, há uns 20 anos atrás,

acho que as casas de fado profissionais que se mantiveram continuam a ser ícones

para conhecer esta cultura. Depois há os artistas que têm o mercado da música em

geral.

12 – Tem feito muitos espetáculos no estrangeiro, acha que os estrangeiros ligam facilmente o fado a Portugal e a Lisboa? Acha que o fado é bem conhecido no estrangeiro?

É muito conhecido no estrangeiro, mas ainda precisa de ser muito mais conhecido.

O fado é caraterizado pelo som da guitarra portuguesa e o facto de ter existido a

Amália Rodrigues, que já na altura fez os quatro cantos do mundo e transportou o

som da guitarra portuguesa, fez com que as pessoas ao ouvirem a Amália e ao

ouvirem o som da guitarra, ligassem logo diretamente a Portugal e neste caso a

Lisboa, mas numa forma geral o fado não é um estilo de música comercial que é

conhecido mundialmente, é um estilo de música tradicional e há um público que

culturalmente se interessa por ele, ainda não tem a força que tem a música pop.

13 – O público internacional, quais são as idades?

São de todas as idades, nós em Portugal é que ainda não temos muito incutido o

hábito de procurar a cultura. Lá fora há muitos países onde é cultural ir assistir a

concertos, muitas vezes de estilos de música que não se conhecem, e as salas

estão cheias. São idades muito variadas, já se vê muita gente nova.

14 – Será o fado uma marca?

Se olharmos para o fado como uma caraterística cultural, sim, pode-se dizer que é

uma marca.

15 – Quais os atributos mais fortes que reconhece no fado?

Em primeiro lugar, a liberdade que dá aos intérpretes de serem diferentes e cada um

poder ter a liberdade de inventar a melodia, por isso é que existem os estilistas do

fado. Temos que ter a capacidade de pegar num tema e, com aquela letra,

conseguir cantar noutras melodias, cantar o “menor” ou o “corrido” em vários tons,

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essa liberdade que dá ao fadista de ser ele a criar a sua forma de apresentar o

poema. Acho que é uma das caraterísticas que mais admiro nesta música, faz com

que os turistas não percebendo a língua, não percebendo a letra, saibam que há ali

algo de entrega, uma intensidade na forma como é interpretado, juntando a isso a

guitarra portuguesa, os instrumentos acústicos. O fado também é o ambiente que se

cria à volta dele.

Fale sobre o facto de prescindirem do microfone nas casas de fado…

Não faz sentido nós termos aqui quatro colunas espalhadas na sala, isso ia afastar

as pessoas. E esta música é para aproximar as pessoas, não para as afastar, não é

para as pessoas ficarem histéricas. Claro que não posso ir fazer um concerto no

Grande Auditório do Centro Cultural de Belém sem som, mas nas casas de fado…

não conheço nenhuma que tenha som. Criar todo este ambiente de média luz e

depois pormos colunas? Os fadistas cantam todos os dias e todos os dias vão

fazendo uma prova de endurance e a dada altura o músculo já está muito mais

reforçado. Desde que haja um público que queira perceber a música eu acho que as

dinâmicas funcionam. Claro que há vozes mais potentes… cria-se o ambiente e a

pessoa que está a cantar cria a dinâmica que quer, acho que era afastar o público

das casas de fado.

16 – Acha que o facto de o fado ser hoje Património Imaterial da Humanidade alterou o seu estatuto? O que melhorou?

Eu sou um dos fadistas que contribui para o processo do fado passar a Património

Cultural Imaterial da Humanidade. Fizemos um concerto no Centro Cultural de

Belém para celebrar isso. O que acho é que houve uma grande diferença cá em

Portugal. Mais uma vez continuamos a precisar que nos venham dizer que temos

uma música fantástica, ou de ganharmos prémios lá fora. Agora esta coisa do fado

como Património Cultural Imaterial da Humanidade, acho que a maneira como os

turistas olhavam para a música continua a ser a mesma, há um respeito muito

grande pela história que esta música tem e como representa a cultura portuguesa.

Acho que a grande diferença foi de se falar muito mais sobre o fado, de haver muito

mais programas de televisão, mais destaque nas rádios, mais tournées, mas a forma

como cá em Portugal se olhava para o fado é que melhorou bastante, muitas vezes

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até o respeito. Veio trazer principalmente uma vaidade interessante aos portugueses

que veio fazer com que se aproximassem mais desta música.

17 – Considera que o fado neste momento já atingiu a categoria de luxo?

Se olharmos para as coisas culturais como uma medalha ou uma coisa de luxo,

acho que sim. Ter uma música que caraterize uma cidade/país, uma cultura, é um

luxo. Nem todos os países têm esse luxo.

18 – Reconhece no universo do fado manifestações de luxo? Quais?

Sim, não há um fadista romeno, não há um músico que toque guitarra portuguesa

austríaco, ou mesmo que haja, não é a mesma coisa, se olharmos para o facto de

sermos nós que sabemos como se toca, sabemos como se canta, sabemos como se

faz, isso pode ser um luxo, claro. Eu acho que é só um estilo de música que tem

uma linguagem muito própria, se eu for a Espanha e quiser ouvir um concerto de

flamenco, eu vou, sento-me, ouço, consigo muitas vezes até arranjar aproximações

musicais entre um estilo de música e o outro, mas é uma linguagem completamente

diferente, é a deles, e eu para a tocar, ou conheço a linguagem, ou então não toco,

por excelente músico que seja, nem que tenha andado toda a vida no conservatório.

A guitarra portuguesa tem uma sonoridade única, nossa. Muitas pessoas ouvem o

som da guitarra portuguesa e vem-lhes à cabeça Portugal ou fado, saudade ou

Lisboa, que é uma série de coisas que nos representa e é um instrumento lindíssimo

que todo o mundo fica “embasbacado” com o som da guitarra portuguesa, é difícil de

tocar, como qualquer instrumento que se queira tocar bem, mas é um luxo podermos

dizer que a nossa música vive muito de um instrumento único.

19 – Como é o processo de aprendizagem de um fadista?

Aprende-se a ouvir os mais velhos a cantar, ouvir as suas histórias. Aprende-se nas

casas de fado, nas tertúlias, nas tascas. É conhecer os fadistas das casas de fado.

É normal irmos para um sitio onde toda a gente das casas de fado aparecem; um

traz a guitarra, o outro canta e toca e partilha histórias, técnicas, experiências. O

necessário é conhecer a linguagem, não há nenhuma escola, o fado aprende-se no

“boca a boca”.

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Nome: José Augusto Morais Madaleno

Profissão: Diretor da Rádio Amália

Local: Rádio Amália, Lisboa

Data: 17/05/2017

1 – Conte-nos a origem da Rádio Amália, objetivos e quem a fundou.

A ideia de se fazer uma rádio de fado surgiu há cerca de 11 anos. Percebeu-se

através de estudos de mercado que havia um nicho de mercado para o qual a Rádio

Amália fazia sentido, estamos a falar entre os 3 ou 4% da população portuguesa a

nível nacional. A Rádio Amália foi fundada em 2009 através do suporte de uma

antiga rádio que se chamava Nova Antena e foi fundado pelo Eng. Luís Montês.

2 – Quais são os objetivos da Rádio Amália?

Principalmente divulgar mais o fado. Há que referir que a Rádio Amália quando foi

lançada ainda o fado não era Património Imaterial da Humanidade, tanto o Eng. Luis

Montês como eu gostamos muito de fado e como sabíamos que havia este espaço

para uma rádio de fado, arriscámos. E é uma aposta ganha.

3 – Como é feita a divulgação do fado, a escolha dos temas, a programação?

A divulgação do fado é inédita, porque é uma rádio só exclusivamente de fado, 24

horas por dia, 365 dias por ano, os temas são inseridos numa playlist, num software

que existe para esse efeito. Temos seis mil e tal fados no sistema e depois tudo o

que é novo vamos pondo em apostas. A playlist é composta por varias secções,

apostas que são as novidades e depois temos lista a, b por aí fora e a lista normal

onde estão os fados todos e o próprio programa é que gere esse material todo.

Sabemos que as apostas rodam seis vezes por dia, os outros é o software que

manda, sabemos que nunca podem cantar duas fadistas seguidas nem dois fadistas

seguidos, só repete um artista de 4 em 4 horas, e porquê? Porque as audiências

dizem-nos que os nossos ouvintes nos ouvem em média 3,5 a 4 horas por dia.

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300

4 – Quem são os vossos ouvintes?

Baseado nas audiências, no estudo da “Marktest”, os nossos ouvintes têm a partir

de 33, 34 anos até ao 74, mas é notoriamente uma faixa de auditório mais idoso.

Temos um programa ao vivo todas as quartas-feiras que é a «Estrela da Tarde» em

que as pessoas podem vir assistir aos fados e nota-se que é um público mais idoso,

mas também há muitos jovens a chegar ao fado.

5 – Qual é o perfil socioeconómico?

Não sei dizer, sei que fazemos quatro concertos por ano e sei que eles esgotam

sempre e os primeiros bilhetes a esgotar são os mais caros.

6 – Quais são os preços?

20, 25 euros e os mais baratos 10, 15 euros, mas os primeiros a esgotar são sempre

os mais caros, porquê? Porque querem ficar à frente.

7 – Até onde chega a Rádio Amália?

Para o norte até Santarém, Caldas da Rainha. Para sul, chegamos quase ao

Algarve.

8 – Qual é a vossa presença na internet?

No site e no facebook, esse fenómeno também é engraçado, dizemos que são

pessoas mais idosas que nos ouvem, mas depois vamos ao facebook e há ali uma

atividade enorme de pessoas mais jovens a ouvirem, a mandarem mensagens e a

fazerem pedidos. Então pelo telefone é o dia todo.

Através da internet chegamos à Alemanha e a Timor, sei que o batalhão da GNR

que esteve em Timor nos ouvia, na Austrália também. É o fenómeno da internet que

nos ajuda, no Brasil, no Canadá em que temos a comunidade portuguesa que nos

ouve muito, em França, em Espanha, temos ouvintes no Brasil que quando vêm a

Portugal vêm visitar a rádio. O fado está a ser procurado por toda a gente e não é

por acaso que as casas de fado não são só ocupadas por turistas, as mais

emblemáticas essas sim, são maioritariamente os turistas que lá vão, mas o

português já procura também muito as casas de fado, os clubes de fado, as

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associações e grupos que fazem fado todos os fins de semana são muito

procurados.

9 – Qual é o vosso suporte financeiro?

São os nossos anunciantes e os quatro concertos que realizamos durante o ano,

que é o concerto da primavera em março, abril, depois em maio que são os fados da

nossa senhora, depois temos o nosso aniversário que é em outubro e o Natal que é

em dezembro.

10 – E onde é que são esses concertos?

Casino de Lisboa, Casino do Estoril, Salão Paroquial da Igreja de São João de Brito

em Alvalade e em Setúbal no Fórum Luísa Todi.

11 – O que é feito para conquistar novas audiências?

Não andamos propriamente à procura de novos ouvintes, eles aparecem

naturalmente, o “passa palavra” tem sido a melhor publicidade, não temos

financeiramente capacidade para uma grande aposta em marketing e em

divulgação, digamos que é mais o “boca a boca” que nos traz novos ouvintes.

12 – Acha que o fado é suficientemente divulgado nos vários meios de comunicação?

Não, de todo, há alguns artistas que quando lançam novos trabalhos toda a gente os

divulga, toda a gente os entrevista. Nas televisões não há nenhum programa de fado

e nas rádios também não, por isso lá estão os 3 ou 4% de nicho de mercado que

nós fomos ocupar.

13 – Qual é hoje o estatuto de fado, a que atribuí esta nova tendência na procura do fado e de tudo o que lhe está associado?

Posso dizer que o fado renasceu das cinzas. Logo a seguir ao 25 de Abril associava-

se muito o fado ao antigo regime, houve uns anos em que correu muito mal, depois

o fado começou a renascer porque começaram a aparecer novos fadistas e aí sim,

começou a haver uma procura para o fado e hoje penso que o fado é uma moda.

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14 – Hoje o fado é Património Imaterial da Humanidade, que benefícios lhe trouxe?

Levar ao mundo mais conhecimento do que é o fado. Muita gente não conhecia e

acontece um fenómeno muito interessante, tanto na China como no Japão adoram

fado, não percebem nada do que se diz, mas vibram com o fado, choram com o

fado, compram imensos discos, é um fenómeno que não se explica. Penso que o ser

património só ajudou nesse sentido, do que falo com os próprios fadistas não há

grandes diferenças do que era e do que é.

15 – Os Portugueses, acha que vestiram a camisola por o fado ser Património da Humanidade?

Sim, é capaz de haver mais portugueses que foram tentar compreender o que era o

fado.

16 – Qual é a imagem do fado nacional e internacionalmente, pontos fortes e fracos?

Nacionalmente, acho que há muita gente a cantar o fado neste momento e acho que

há gente muito boa e gente menos boa, o próprio fado vai encarregar-se de fazer

uma seleção natural. Hoje em dia qualquer pessoa chega a um estúdio, com 200

euros e a mania que canta fado, grava um CD e pensa que canta muito bem e nem

sempre é isso que acontece, tenho ali um armário cheio de CD que é impossível

passar na rádio. Os pontos fortes é que há grandes vozes, estou a falar da nova

geração, há gente muito boa a cantar o fado e acho que talvez com medo que o fado

caia novamente, os próprios fadistas, compositores, autores e letristas estão a tentar

outras formas, já começamos a ouvir bateria no fado, piano no fado, já há uma

derivação que penso que serve para não o deixar cair. Com o objetivo de chegar a

outros públicos que ainda não estão no fado.

17 – Na mente coletiva as pessoas associam o fado à Amália, a Portugal, a Lisboa?

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São entidades independentes, mas reconheço que a grande maioria das pessoas

reconhece o fado em Lisboa, depois vem a Amália, quando se fala em fado, fala-se

em Alfama, Lisboa, Amália.

18 – E porquê Radio Amália, porquê o nome Amália?

Mas que outro nome poderia ter? Foi a nossa grande embaixadora do fado, o

trabalho que nos deu para conseguirmos registar o nome… Sabe que a Fundação

Amália Rodrigues detém todos os direitos sobre tudo o que diz Amália, e foi muito

complicado, é muito fechado, mas conseguimos.

19 – Acha que o fado é uma marca?

Ainda não é, mas pode vir a ser quando aparecer alguém que se lembre de avançar

com essa ideia, se calhar não falta tanto tempo quanto isso.

20 – Acha que o fado poderá ser uma marca de luxo?

Não, o fado é do povo. Há quem diga que existe um fado burguês, mas não acredito,

o fado é essencialmente do povo e eu vejo isso pelos nossos ouvintes.

21 – Reconhece algumas manifestações de luxo no universo do fado?

Não, não estou a ver grandes manifestações de luxo no fado, há, mas não são

muitas…

22 – Mas quando diz que há, quais são?

Prefiro não responder…

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Nome: Pedro Moutinho

Profissão: Fadista

Local: Bairro Alto

Data: 29/05/2017

1 – O que é para si o fado?

É a pergunta que toda a gente me faz e que às vezes é difícil de responder. O fado

para mim é a musica na qual cresci, tive a oportunidade de crescer, conviver e de

ouvir grandes intérpretes e instrumentistas. O fado é uma canção do povo, simples,

as melodias do fado são simples, em que eu como fadista consigo passar a minha

mensagem, os meus sentimentos, o que tenho dentro de mim através das palavras

para quem o ouve.

2 – Acha que o fado acontece?

Sim, quando estou a cantar, há uma coisa muito importante para mim, sentir que

estou a ser ouvido, independentemente de ser um português ou um estrangeiro. Se

eu sentir que estou a ser ouvido, se calhar inconscientemente vou dar mais porque

estou a sentir aquela magia que está a acontecer no momento. Para mim é difícil

quando não sinto isso. Às vezes acontece as pessoas não estarem ali, estão a

jantar… estou a falar de casas de fado, porque nos espetáculos as pessoas quando

vão, sabem ao que vão, algumas já me conhecem, outras vão descobrir o meu

trabalho. Mas isso é mesmo muito importante para mim, sentir que as pessoas me

estão a ouvir.

3 – De uma forma sucinta, onde têm sido apresentados os seus espetáculos, em Portugal e no resto do mundo?

Em Portugal, no país todo, já cantei em quase todas as regiões. Na próxima sexta-

feira vou estar em Oeiras; vou muito à Polónia, já tenho um mercado muito bom na

Polónia, estive lá há pouco tempo em Gdinea, no Norte, na filarmónica. A semana

passada estive em Toronto e toquei no Queen Elisabeth Theatre, na República

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Checa, Estados Unidos, Espanha, França, Bélgica, Alemanha, Itália. Acho que já fiz

mais concertos no estrangeiro do que em Portugal.

4 – Que tipos de fado existem?

Isso é uma pergunta que implica que não eu possa fugir às minhas convicções. O

novo fado para mim não existe, os media apelidaram-no de novo fado. O fado é algo

que é de raiz, para mim os fados tradicionais são os verdadeiros fados, porque é

onde o fadista consegue criar o seu próprio estilo. Não sou radical e também tenho

fados com novas composições, canções, o chamado fado canção, acaba por marcar

a minha carreira. Para alargar um bocadinho o público é preciso fado canção, que é

o que tem refrão, é aquilo que fica, o refrão fica sempre, tanto no fado como em

qualquer tipo de música. O fado tradicional é onde eu me revejo mais, gosto de

cantar as coisas novas que têm feito para mim. Tenho temas que adoro, mas o fado

tradicional nunca é igual, cada vez que canto um fado tradicional não me lembro se

fiz assim, se fiz assado, aquilo sai como sai, tem muito a ver com o ambiente e com

esse sentimento de estar a dar algo às pessoas que estão ali, mas estão a receber,

não estão com a cabeça noutro sítio.

5 – Qual é hoje a imagem do fado para os portugueses e para os estrangeiros?

O fado está a passar por uma fase muito pop, ou se calhar essas novas canções

estão a passar por uma fase muito pop, foi introduzida a bateria, foram introduzidos

outros instrumentos e eu acho que é muito bom, porque as pessoas que o fazem

são pessoas que eu admiro imenso, desde Mariza, Ana Moura, Carminho, pessoas

que também cantam fados tradicionais e que eu adoro ouvir cantar. Isso está a

chegar a um público muito mais abrangente cá, apesar das pessoas não irem à

procura da essência do fado, mas sim ao que fica no ouvido…

5.1 – Será uma evolução…

Não digo que seja uma evolução, a Amália cantou música Italiana, como cantou

Jazz e cantou outras coisas, introduziu outros instrumentos no fado. Estamos a falar

nos anos 60 e na altura foi quase crucificada por o estar a fazer. É uma forma de

chegar a um público mais jovem, chegar às rádios que não passam fado. Se eu

chegar com um fado tradicional à Rádio Comercial, não passam. Acho que cada vez

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mais é abrangente, cada vez há mais interesse, eu só espero é que as pessoas,

mesmo os jovens que querem começar a cantar fado, façam o percurso, como

essas fadistas fizeram, que cantem o fado tradicional também.

6 – Os jovens aderem ao fado?

Eu levo-a a um sítio e você vê aquela casa cheia, 100 pessoas, entre os 20 e os 30

anos e aquela casa é de fados tradicionais. O fado tradicional é algo de que se

aprende a gostar, todas as pessoas que se apaixonarem pelo fado tradicional depois

já não querem ouvir outras coisas, porque a melhor poesia está no fado tradicional e

as melhores melodias estão lá também.

7 – As pessoas voltaram outra vez para o fado?

Acho que sim, não só para ouvir, como para cantar e tocar. O meu guitarrista tem 20

anos, toca desde os 14.

8 – Será apenas uma moda ou algo que veio para ficar?

Acho que veio para ficar, acho que o fado tradicional é um género que vai sempre

resistir, sempre resistiu até agora. Em qualquer casa de fados a maioria do que se

canta é sempre fados tradicionais. Tanto para quem canta como para quem toca,

quando começa a tocar tem que começar pelos fados tradicionais, porque é ali que

vai aprender.

9 – Qual é hoje o estatuto do fado?

Faz parte da elite musical, se calhar há 30 anos os melhores fadistas cada vez que

lançavam um disco não apareciam críticas no “Público” e no “Expresso”, hoje em dia

eu faço um disco e sai nos jornais todos.

10 – O fado é para todos ou apenas para um nicho?

É para todos.

11 – Acha que existe uma indústria do fado consistente, que existe mais procura?

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Sim, existe mais oferta com mais qualidade, muito à volta do marketing do produto.

A mulher é muito mais fácil de vender que o homem no fado, acho que também tem

a ver com a grande marca que a Amália deixou. Quando a Amália desapareceu,

naqueles primeiros anos andava tudo à procura da nova Amália, mas a nova Amália

não existe, porque a Amália era única, apesar de achar que, desde a Mariza, Ana

Moura, todas elas têm aberto as portas às outras mulheres e mesmo a nós, os

homens, e cada vez menos existe aquela ideia que o fado é só cantado por

mulheres. A primeira vez que fui à Bélgica cantar, fui cantar a Bruges e no final as

pessoas vieram-me dizer que não sabiam que havia homens a cantar o fado. Lá

existe essa coisa das pessoas irem aos concertos mesmo que não conheçam, vão

descobrir…

12 – Acha que os estrageiros ligam facilmente o fado a Portugal e a Lisboa?

Acho que sim, e cada vez mais, eu posso dizer que estive na Rússia já por duas

vezes e havia sempre na promoção que faziam do concerto a minha fotografia com

uma montagem da cidade de Lisboa, era sempre uma referência.

13 – Acha que o fado já é bem conhecido no estrangeiro?

Sim, começou com a Amália, a seguir veio a Mízia, não me posso esquecer dela,

porque para mim é uma das grandes responsáveis a seguir à Amália por ter levado

o fado para fora de Portugal, e numa altura em que era tudo mais difícil, não havia

internet, não havia nada disso e a Mízia fez tudo e mais alguma coisa no mundo

inteiro. Depois veio a Mariza, a Ana Moura, essa fornada toda.

14 – A seu ver a comunicação e promoção do fado resulta? Quais os responsáveis e intervenientes?

Isso é uma pergunto muito difícil. Hoje em dia há muita coisa a acontecer. Eu lanço

um disco, se calhar naquela semana saem 40 discos de músicas alternativas, há

pouco espaço, cada vez menos espaço. Acho que é uma coisa que tem que ser feita

continuamente, ou se tem a sorte de haver um boom e conseguir o looby dos media.

O meu disco saiu com a distribuição da Sony, a pessoa que estava a fazer a

promoção é das melhores, correu bem, mas não sentimos consistência naquela

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semana por falta de espaço. Para um país tão pequeno, é um luxo ter muita coisa a

acontecer, festivais, concertos.

15 – Será o fado uma marca? A seu ver quem são os responsáveis?

Sim, é uma marca. Os responsáveis, desde o passado com a Amália, Carlos do

Carmo, Alfredo Marceneiro, todos os grandes fadistas, os do passado e os do

presente, todos nós somos responsáveis.

16 – Quais os atributos mais fortes que reconhece no fado?

Acho que a magia toda que se cria à volta do fado, melodicamente uma canção

simples e linda. A poesia portuguesa é das mais completas do mundo. Tenho tido a

oportunidade de gravar grandes poetas. Tem a ver com todo o mistério e verdade

que o fadista consegue meter em tudo aquilo que canta.

O fado também é uma questão de alma e de um passado que todos nós,

portugueses carregamos…

17 – A marca Portugal, a marca Lisboa e o fado são entidades singulares ou estão todas juntas no ideário coletivo?

Por um lado, sim, mas não vejo isso completamente ligado. Há pessoas que chegam

a Portugal, sabem que Lisboa é a capital, Lisboa está na moda, mas depois

descobrem o fado. Há outros que não, sabem que Portugal tem o Porto também,

tem o Algarve.

18 – O facto de o fado ser hoje Património Imaterial da Humanidade alterou o seu estatuto? O que melhorou?

Acho que foi a cereja no topo do bolo, foi chegar lá, o que eles ouviram foi o fado

tradicional da Amália. Melhorou ao nível do poder, nunca imaginei ir cantar à Coreia,

ao centro do Património da Humanidade, e isso abriu portas para o fado.

19 – Considera que o fado neste momento já atingiu a categoria de luxo?

Não vejo isso assim, vejo o fado como uma coisa simples, natural, humana,

sentimental, verdadeira, não consigo associar o fado ao luxo.

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20 – Reconhece no universo do fado manifestações de luxo, quais?

Vestidos, pessoas que cantam o fado e ganham bem, com bons carros, boas casas.

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Nome: Ana Sofia Varela

Profissão: Fadista

Local: Bairro Alto

Data: 29/05/2017

1 – O que é para si o fado?

O fado é uma forma de expressão de sentimentos sobre a vida em geral, não se

explica, só quem sente e gosta do género é que pode perceber isso. Esse é o meu

caso, que o canto. O fado tem momentos, não acontece sempre, há dias em que

não dá para explicar o porquê, mas algo se transforma em nós, um toque de magia.

2 – De uma forma sucinta, onde tem apresentado os seus espetáculos em Portugal e no mundo?

Em Portugal já cantei em muitas terras do nosso país, incluindo as principais

cidades, Porto e Lisboa, pelo mundo já fui a muitos sítios, como Japão, Macau,

Holanda, Bélgica, Espanha, Angola. Agora vou a Cabo Verde pela primeira vez,

Brasil, América do Norte, Itália; também estive na Noruega e Alemanha.

3 – Que tipos de fado existem?

Existe o fado tradicional, que é aquele que obedece a uma linguagem, a pessoa tem

que cantar a melodia corretamente no início e depois “estilar”. Uma das artes que o

fado tem é exatamente essa, através daquela melodia, “estilar”, nunca cantar igual.

4 – O fado tradicional ou o chamado novo fado, o que prefere?

Prefiro o tradicional, que é o mais difícil de fazer e o mais genuíno e aquele que não

é tão fácil de se conseguir concretizar, embora hoje em dia muita gente o cante, não

o canta genuinamente. Eu agora vou fazer um espetáculo de fado e flamenco, mas

eu precisava de uma vida inteira para poder cantar como eles, é tão próprio deles,

tão caraterístico e tão especial, como fado, que não é uma canção, é muito mais do

que uma canção.

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5 – Qual é hoje a imagem do fado para os Portugueses e para o resto do mundo?

A imagem do fado é essencialmente feminina, ainda existe uma ideia que o fado é

maioritariamente cantado apenas pelas mulheres. Reconheço que essa é a imagem

mais forte e talvez a preferência, os homens neste momento já estão a conseguir ir

mais longe e a levar o fado mais longe.

6 – O fado é para todos ou apenas para um nicho?

É para todos.

7 – Acha que existe uma indústria do fado consistente, acha que existe mais procura?

Existe mais procura, ligada especialmente ao turismo, o fado passou a ser parte do

pacote da oferta para os estrangeiros.

8 – Acha que os estrangeiros associam facilmente o fado a Portugal e a Lisboa? Acha que o fado já é bem conhecido no estrangeiro?

O fado é bem conhecido no estrangeiro, associam a Lisboa e a Portugal, muito mais

agora, se bem que há sempre a tendência do estrangeiro, quando fala de fado, ligar

à Amália.

9 – A seu ver a comunicação e promoção do fado resulta? Quais os responsáveis e intervenientes?

Resulta. Os principais responsáveis são bons agentes, bons managers.

10 – Acha que as casas de fado continuam a ser as grandes responsáveis pela divulgação do fado?

Sim, as casas de fado mantêm-se desde sempre, agora mais ainda, o novo boom,

as casas de fado estão sempre todas cheias.

11 – Quem é o publico nacional e internacional e o que procuram?

Todo o tipo de público, todas as idades, todos os estratos sociais, tanto nacional

como internacionalmente. Procuram as casas de fado e os concertos.

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12 – E lá fora, os concertos têm muita procura?

Têm! Por norma, as salas estão cheias e o comportamento é muito silencioso.

13 – E os jovens hoje em dia estão a procurar mais o fado?

Procuram mais, até porque há mais oferta de sítios que acabam por ser

interessantes e diferentes. Há uma casa de fados, que é a Associação de Fado

Castro, e na Mesa de Frades, muita gente nova vai lá, porque também vão lá muitos

jovens cantar e os amigos dos amigos trazem os amigos.

14 – Ainda utilizam aquela expressão muito popular no inico dos espetáculos «Silêncio que se vai cantar o fado»?

Sim. É curioso que aqueles que estão a aprender e a começar no fado são os que

mais utilizam essa expressão.

15 – Será o fado uma marca? Quem são os responsáveis?

O fado parece-me ser uma marca, sim, os responsáveis somos nós todos, e o facto

de ter sido património imaterial da humanidade…

16 – Quais os atributos mais fortes que reconhece no fado?

O tal “estilar”, que é o mais difícil, brincar com as melodias…

A poesia, com o fado vem sempre a poesia portuguesa.

A ligação ao destino, à saudade… É um sentimento só nosso, a palavra... Todos

sentem saudades, mas não da forma portuguesa.

17 – Acha que o facto de o fado ser hoje Património Imaterial da Humanidade alterou o seu estatuto e o que melhorou?

Alterou. O que melhorou foi a possibilidade de mais gente no mundo o conhecer e

estarmos mais perto do mundo todo.

18 – Considera que o fado neste momento já atingiu a categoria de luxo?

Sim, já há muitos anos.

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19 – Acha que poderá ser uma marca de luxo?

Já é.

20 – Reconhece no universo do fado manifestações de luxo?

A guitarra portuguesa é um instrumento caro, especial, único, certas casas de fado,

certos concertos de fado em palcos conceituados pelo mundo fora. É um luxo

encontrar o fado!

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314

Nome: António Chainho

Profissão: Guitarrista

Local: Alfragide

Data: 31/05/2017

1 – O que é para si o fado?

Para mim o fado, por causa da experiência que tenho tido ao levar o fado para todo

o mundo, é um sentimento único, fala da saudade, um sentimento muito português,

muito do povo, nós temos o fado como os espanhóis têm o flamenco. Nós talvez o

tenhamos pelo feitio do nosso povo, está no sangue das pessoas.

2 – De forma sucinta, onde têm sido apresentados os seus espetáculos em Portugal e no mundo?

Estive na Coreia, Tailândia, nos países da Europa, todos, África, os mais

longínquos, Austrália, Japão, Tailândia, Singapura.

3 – Que tipos de fado existem?

A base é o fado menor, o corrido, o “mouraria”, depois há vários tipos de fado,

derivado do “mouraria” o “puxavante”, fado menor, fado corrido. Também há vários

fados com o nome de fadistas. Os cantores, se queriam cantar o que já tinham

ouvido a um fadista, mas a voz dele não era igual, o que é normal, a pessoa que tem

a voz mais grave ou mais aguda não pode cantar aquela melodia assim, tem que

arranjar umas voltinhas… daí nasceram os tais estilos de fados. Há fados celebres

quase obrigatórios para os fadistas que se chama «Pedro Rodrigues», a Ana Moura

gravou isso, por exemplo, a Ana Moura e vários fadistas jovens. Pedro Rodrigues foi

um senhor que arranjou o seu estilo de cantar. Existe o fado castiço e depois esses

que já saíam um pouco fora do fado castiço, são fados tradicionais, existem fados

tradicionais sem conta. Eu próprio devo ter registado uns 100 fados.

3.1 – A melodia é a base do fado tradicional e depois o que variava era a poesia…

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Era a letra dentro desses fados, eu gravei muito na altura, quantas vezes eu gravei o

fado “Alberto”, que era um grande viola de fado, nem sabia cantar, mas fez uma

melodia lindíssima, era raro eu gravar com um fadista nessa altura que não usasse

esse fado, o fado “Alberto”. Por exemplo «Povo que Lavas no Rio» é a mesma coisa

que «Foi por Vontade de Deus». Há fados famosos que têm a mesma melodia, mas

letras diferentes.

4 – O fado mais tradicional ou o chamado “Novo Fado” o que prefere?

O fado tem a sua base, mas vai tudo evoluindo, e eu sempre defendi a evolução do

fado. Há que respeitar o que foi muito bem feito no fado. Hoje estão a abusar muito,

querem fazer coisas mais bonitas, mas no fim não são tão bonitas como eram,

porque os fados têm uma certa base, grandes músicos compuseram determinadas

melodias com aquela harmonia, estão a inventar coisas que para nós, que nos

habituámos a ouvir aquilo, não está certo, o apelo que faço é: fazerem as suas

próprias composições e depois façam o que entenderem.

5 – E o incremento de novos instrumentos no fado, concorda com isso?

Aí já não concordo, o fado tem que ser guitarra, viola e baixo, pode eventualmente

ter a intervenção de um violino ou de um piano; em certo tipo de fados é uma

evolução, agora estamos a chegar a uma coisa que eu não considero fado, a

percussão. O fado-fado é uma coisa, depois há o fado canção, o novo fado.

Costumo dizer que a Amália fez de tudo, mas sempre respeitou a base do fado,

sempre com as suas guitarras e as suas violas, cantou em italiano, cantou em

francês, cantou em inglês. Estas coisas novas são as tais evoluções, mas não vão

dizer que isso é fado-fado.

6 – Qual é hoje a imagem do fado para os portugueses e para o resto do mundo?

Nestes últimos anos, sobretudo depois do fado ter sido reconhecido pela Unesco, o

fado tornou-se chique, já os jovens vão ouvir fado. Eu próprio vejo concertos e fico

espantado por ver tanta juventude a assistir. Estamos com uma evolução imparável.

A saudade e a tristeza vão estar sempre associadas à imagem do fado. Aliás, o fado

sempre foi a saudade. Eu lembro-me que o primeiro país a que fui fora daqui foi à

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Dinamarca, (um país que na altura estava com 55 anos de avanço em relação a

Portugal). Fui tocar num restaurante de folclore, e quando havia um apontamento de

fado, os dinamarqueses ouviam em silencio. Havia dois fadistas, uma que era a mãe

da Teresa Guilherme, chamada Elidia Ribeiro, a outra Ada de Castro, cada uma

cantava dois ou três fados e na reação das pessoas é que eu senti, não percebendo

a letra, viam qualquer coisa de sentimento, perguntavam porque é que o fado era

assim tão triste e nós dizíamos que era a saudade, eles não sabiam o que era a

saudade, nós explicávamos, mas eles sentiam-na na música.

7 – No passado, os portugueses estavam mais interessados no fado do que atualmente?

O fado esteve em ascensão até ao fim da ditadura. A seguir, o fado teve os seus

problemas. Depois do 25 de Abril queriam acabar com o fado, lembro-me dos meus

filhos contarem aos colegas que o pai tocava guitarra de fado e de eles dizerem que

era uma coisa horrível.

Depois do 25 de Abril o fado era fascista. Na altura dos meus filhos, o mais velho

tem 50 anos, apareceram os Beatles e várias editoras Inglesas decidiram apostar

naquele grupo, aqui eramos nós que levávamos com o lixo, porquê? Eu vi com os

meus próprios olhos na editora em que produzi. Alguns senhores da rádio iam lá,

levavam uns pacotes com notas e depois promoviam nas rádios esses grupos.

Íamos a Inglaterra e ninguém sabia que esse grupo existia. Isto para dizer que a

rádio em Portugal sempre tratou muito mal os artistas, há uma lei que não cumprem,

com exceção destes últimos anos em que já se ouve mais musica portuguesa. Eu

cheguei a fazer viagens para a Europa de carro, saíamos de Portugal, chegávamos

a Espanha e já ouvíamos música espanhola, mas em Portugal nunca se ouvia

música portuguesa. Era chique falar Inglês. Antes, quando era novo, era muito

melhor porque se ouvia muito mais música portuguesa, não era só o fado, era tudo,

o povo conhecia todos os nomes da música em Portugal, os compositores, os

autores, na rádio falava-se no compositor, os grandes sucessos que na altura eram

conhecidos por ser do maestro tal, do escritor tal. Hoje um sucesso da Mariza ou da

Ana Moura passa na rádio como se fosse da autoria delas. Isso desmoraliza o

compositor. Falando do fado depois do 25 de Abril, atravessou aquela fase, mas

quando o José Carlos Ary dos Santos, que era um poeta muito conceituado, começa

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a escrever para o fado, para o Carlos do Carmo e para a Simone e a compor, aí foi o

primeiro impulso para as coisas começarem a subir. Depois apareceram outros

fadistas, mas isso tinha um pouco de politica, o Carlos era conotado como um

homem de esquerda, depois a direita em Portugal que gostava muito de fado,

sobretudo na zona de Cascais, começou a seguir um ou outro fadista que cantava

outras coisas e foi assim evoluindo. O primeiro avanço foi «Um Homem na Cidade»

com o Carlos, claro que existia a Amália, foi tendo a sua evolução até à morte da

Amália. Quando a Amália morreu houve várias a tentar ocupar o seu lugar, mas foi a

Mariza que apareceu em primeiro lugar. Eu penso que em relação ao povo

Português já não vai haver retrocesso quanto ao reconhecimento do fado. Aquilo

que estou ainda a fazer, e falo disso em qualquer sitio onde vou, é tentar criar

escolas de guitarra portuguesa. Eu ouvi fado na Austrália cantado a realejo, na

Bélgica acordeão, ninguém era capaz de tocar guitarra. Por exemplo, o Porto gosta

muito de fado, tem muitas casas de fado, mas a Câmara Municipal do Porto devia

criar escolas de guitarra portuguesa, no Algarve onde há muito turismo, a mesma

coisa, devia haver qualquer entidade que tomasse conta disso.

8 – Qual é hoje o estatuto do fado?

O fado sempre teve o seu estatuto e irá sempre continuar a ter. Neste momento é o

melhor possível, o meu receio é que não seja bem tratado, há que ter cuidado, tem

que ser mantido.

9 – Acha que existe uma indústria do fado consistente, acha que existe mais procura?

Há mais procura até das próprias editoras, coisa que não acontecia aqui há uns

anos, as editoras não gravavam fado, e hoje já todas estão interessadas. Não há

nenhuma editora multinacional que não tenha já o fado em carteira, apesar de

estarmos numa fase da indústria, que com as novas tecnologias, já não se vendem

os discos que se vendiam antigamente. O consumo hoje é muito imediato.

Antigamente um disco dava para o artista sobreviver 4 anos, hoje lança-se um disco,

um mês depois já não faz sentido, é um consumo muito rápido, gravar um disco fica

caro e não sei se vale a pena.

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318

10 – Tem feito muitos espetáculos no estrangeiro, acha que os estrangeiros ligam facilmente o fado a Portugal e a Lisboa, acha que o fado já é muito conhecido no estrangeiro?

Eu toquei em muitos sítios que não sabiam o que era Portugal, para muitos Portugal

era uma província de Espanha. Agora nós somos falados com o futebol, agora com

a canção, felizmente Portugal está na moda, agora é que vão começar a descobrir o

país. Agora o fado ainda não é muito conhecido, ainda não chegou a muitos países.

Nós tínhamos a Amália, mas também não era assim tanto, ela como artista era uma

coisa do outro mundo…

11 – Tocou com ela?

Toquei. A primeira aproximação foi quando fui convidado por um “viola”, estava eu

há pouco tempo em Lisboa, 6, 7 anos e o “viola” que acompanhava a Amália

chamado Júlio Gomes veio-me dizer que gostava muito que pertencesse à equipa,

por que às vezes havia um que não podia ir. Mas eu estava a fazer a minha vida, e

sabia que a Amália quando ia para fora, estava um mês e ganhava só pelo

espetáculo e eu se fosse perdia muito dinheiro, tinha muito trabalho. Depois

acompanhei a Amália no aniversário de uma grande pintora chamada Maluda, havia

um “viola”, o Paquito que me convidou. A seguir, quando abri a casa de fados em

Cascais, abriu aqui o Hotel Altis em Lisboa, Abril de 1974. O dono do Hotel Altis era

um grande admirador meu e contratou-me para ajudar na parte artística do hotel.

Tocava uns solos de guitarra, saía dali às 11.30 e ia para Cascais. A Amália

aparecia lá de vez em quando e eu acompanhava a Amália com o seu guitarrista.

Depois encontrei-me com ela na América, estivemos num restaurante, eu estava a

tocar umas variações de um senhor que foi o pai da guitarra portuguesa,

Armandinho, e ela estava a assistir. Quando acabei ela levantou-se e subiu ao palco

para me dar um beijinho.

12 – Então considera que o fado no estrangeiro ainda não é muito conhecido?

Ainda não, vai levar o seu tempo, o que é normal. Com o Carlos do Carmo e com

outros artistas íamos tocar ao Olympia de Paris, mas 90% eram portugueses, o

público era quase sempre português e com o tempo têm arrastado outros. Quando

agora se diz que fulana foi fazer uma digressão pela América, isso já eu fiz há

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muitos anos, onde existem portugueses, vão sempre e depois claro, em crescendo

vão vindo outras pessoas desses países. O país está na moda, a semente foi

lançada, agora é preciso é ter um bocadinho de cuidado.

13 – A seu ver a promoção e comunicação do fado resulta, quais os responsáveis e intervenientes?

Eu penso que foi muito bom ter aparecido a Rádio Amália, porque a rádio já se ouve

até à minha terra, Santiago do Cacém, são 150 Km, esta gente toda aqui à volta são

3 milhões que ouvem a Rádio Amália e fruto da Rádio Amália ter muito ouvintes

obrigou as outras rádios a passarem fado, a Antena 1 neste momento está a passar

muito fado, infelizmente as outras rádios não tanto.

Infelizmente e ao contrário do que existia há muitos anos, programas semanais de

fado, agora não há nada. As rádios e televisões o que fazem é injetar futebol nas

pessoas, é uma coisa impressionante, a cultura fica para trás. A TV Memória é que

passa qualquer coisa de fado, de vez em quando sai um disco e o fadista lá vai ao

programa da manhã ou da tarde, mas de resto não há. Devia haver um programa de

fado na televisão, no meu tempo os fadistas não estudavam, mas hoje os fadistas já

têm cultura, estudaram e há muita gente do fado que poderia perfeitamente

apresentar um programa de televisão, na rádio a mesma coisa, antigamente havia,

havia a emissora nacional que tinha um maestro e tinha esses programas a falar

sobre o fado e sobre a música portuguesa no geral. Não é uma entidade como o

Museu do Fado que pode fazer isso, os próprios diretores das televisões é que

podem.

14 – Será o fado uma marca?

É uma marca ainda muito pequena, espero que a marca cresça, ainda falta muita

coisa. Espero que empresas de grande dimensão, que temos algumas em Portugal,

possam levar um apontamento de fado às feiras internacionais. Temos o vinho que

cada vez tem mais saída, é marca, o calçado já é marca, porque não aproveitar o

nosso fado? Cheguei a fazer isso há muitos anos, mas perdeu-se. Acho que era

ótimo juntar o fado a uma das boas marcas que já temos.

15 – Quais os atributos mais fortes que reconhece no fado?

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Nós temos muito bons poetas, mas o mais importante é a alma, o nosso povo, a

nossa maneira de estar no mundo, volto a falar da saudade. O Português tem uma

coisa muito boa que agrada, eu que já viajei por todo o mundo sei isto, nós

acolhemos muito bem tudo o que vem de fora, está no nosso sangue.

16 – Como considera o destino no mundo do fado?

Eu não sou muito apologista do destino, respeito, mas não sou virado para essas

coisas. Nós é que temos que fazer o nosso destino.

17 – Acha que o fado neste momento já atingiu a categoria de luxo?

Está a atingir cada vez mais, nós nunca tivemos em Portugal tão bons guitarristas,

no meu tempo dos 30 que havia, havia quatro realmente bons. Hoje desde que

abriram as escolas de ensino, desde que o fado foi reconhecido, apareceram jovens

a tocar guitarra portuguesa muito bons. Temos gente nova a cantar muito bem o

fado, mas vai aparecer muito mais, até se calhar os mais famosos hoje não são

assim tão bons. Os «Madre de Deus», depois da Amália, em termos musicais, foi o

grupo de música portuguesa mais conhecido fora do país e lá fora perguntavam-me

o que achava do fado dos «Madre de Deus» e eu dizia que aquilo não era fado, tudo

que aparecia daqui era fado, pensavam as pessoas. Há anos que não vou a uma

casa de fados, fiquei traumatizado com todo o maldizer, vivo no meu mundo, mas

estou atento. Aposto que no futuro vai haver, não direi muitas “Amálias”, porque a

voz dela era única, mas vai aparecer muita gente a cantar muito bem o fado. Se vão

ter apoio ou não…

18 – Reconhece no universo do fado manifestações de luxo?

Reconheço que o povo português se sente um pouco orgulhoso hoje, com o

reconhecimento da nossa riqueza cultural, não só com o que aconteceu com o fado,

mas também com o que aconteceu com o cante alentejano. Ter reconhecimento dá-

nos uma certa alegria, estamos a gostar muito de nós próprios e eu estou a sentir

isso nos espetáculos que estou a fazer. A reação das pessoas que vão assistir e

pelo que dizem no fim, que realmente em Portugal há muito bons artistas. Estamos a

viver uma fase linda, oxalá que não tenha retrocesso!

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Nome: António dos Ramos

Profissão: Presidente da Casa de Portugal – São Paulo - Brasil

Via e-mail

Data: 14/06/2017

1 – O que significa o fado de hoje para os portugueses fora de Portugal?

O fado de ontem e de hoje, é muito provavelmente a expressão maior da alma

portuguesa.

2 – Quem procura e conhece o fado, idades, género? Os jovens, que ideia é que eles têm do fado?

Todos os que têm oportunidade de assistir a um concerto de fado ficam encantados.

3 – O que significa o fado para os brasileiros? Gostam?

Gostam da poesia cantada com o coração e a alma. Gostam muito, adoram.

4 – Procuram conhecer, ouvir, qual é o perfil, idade, género?

Todos os perfis e idades com destaque para as pessoas mais cultas.

5 – Acontecem muitos espetáculos? Que tipo? Preços? Público?

Na Casa de Portugal acontecem em média cinco espetáculos por ano. Também

acontecem uns três concertos de fado por ano nas melhores casas de espetáculos

em São Paulo.

6 – Existem casas de fados? Preços? Público?

Em São Paulo sempre existiram casas de fados, chegaram a ser quatro casas,

agora são duas, o preço está incluído no jantar e nas bebidas como nas de Lisboa.

7 – Qual é hoje a imagem do fado para os portugueses emigrantes que vivem aí no Brasil e para os brasileiros?

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É uma imagem forte, que exprime a alma, e a sensibilidade de um povo.

8 – Acha que o facto do fado ser hoje património imaterial da humanidade alterou o seu estatuto? O que melhorou?

É claro que sim, milhares de pessoas que não o conheciam, ou conheciam-no mal,

procuraram e procuram conhecê-lo.

9 – Que tipo de divulgação do fado é feita aí?

São divulgados somente os espetáculos, porque ao contrário dos anos 60, 70, 80 as

rádios do Brasil só tocam música brasileira e internacional, rock, pop, etc. Agora são

as grandes gravadoras que determinam a programação das rádios.

10 – Essa comunicação e promoção do fado resulta? Quais os responsáveis e intervenientes?

Conseguem-se encher as salas, usando os media eletrónica e de vez em quando

anúncios em jornais e nas rádios.

11 – E os jovens portugueses emigrantes e descendentes o que sabem do fado? Gostam?

Estão cada vez mais interessados e gostam.

12 – A que categoria em geral ligam o fado, espetáculo para uma elite, para todos?

Para todos, com destaque para as pessoas românticas e sensíveis.

13 – Será o fado um símbolo nacional, uma marca portuguesa?

Das mais fortes.

14 – Quais os atributos mais fortes que reconhecem no fado?

Mexe com o sentimento das pessoas, provoca fortes emoções.

15 – Portugal, Lisboa e o Fado, são entidades singulares ou estão todas juntas na mente coletiva, nacional, internacional?

O fado tornou-se universal, a capital do Fado é Lisboa, mas os milhões de

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emigrantes portugueses espalhados pelos cinco continentes, a maior parte deles

transmontanos, minhotos e beirões, adoram o fado.

16 – Considera que o fado neste momento já atingiu a categoria de luxo?

Já era um luxo com a Amália Rodrigues que o internacionalizou, depois surgiu um

grande senhor do Fado chamado Carlos do Carmo, seguiu-se o Camané e as

maravilhosas Ana Moura, Carminho e Mariza entre outras.

17 – Reconhece manifestações de luxo no fado? Quais?

Na Casa de Portugal já se apresentaram todos os grandes cantores e cantoras de

fado, alguns duas ou três vezes, o recordista é o Carlos do Carmo com 19

apresentações em anos diferentes.

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Anexo II) Revista Expressions

Escrito por Carlos Ferre

fevereiro/março 2017. Esta publicação apenas é distr ibuída para

membros do cartão

banco Bradesco no Brasil.

Revista Expressions – Coluna Roteiro do Luxo.

por Carlos Ferreirinha – Crónica sobre Portugal. Brasi l

arço 2017. Esta publicação apenas é distr ibuída para

membros do cartão platinum american express e clientes

banco Bradesco no Brasil. (Artigo facultado pelo próprio).

324

Coluna Roteiro do Luxo.

Crónica sobre Portugal. Brasi l

arço 2017. Esta publicação apenas é distr ibuída para

e clientes private do

(Artigo facultado pelo próprio).

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Anexo III) UNESCO - DECISION 6.COM 13.39

Nomination file no. 00563 for inscription on the representative list of the intangible

cultural heritage of humanity in 2011. Convention for the safeguarding of the

intangible cultural heritage. Intergovernmental Committee for the safeguarding of the

intangible cultural heritage, 2011.

Representative List of the Intangible Cultural Heritage of Humanity Draft decision

13.39, nomination 00563

Portugal

Fado, urban popular song of Portugal

A symbol of identity, Fado music is widely sung in Lisbon and represents a distinctly

Portuguese multiculturalsynthesis of Afro-Brazilian music, local genres of song and

dance, rural music, and urban song patterns of the early nineteenth century. Fado is

typically performed by a solo male or female singer, accompanied by an acoustic

guitar and the Portuguese “guitarra'', a pear-shaped twelve-stringed lute. It is

performed professionally and informally in grass-root associations and often

transmitted over successive generations within the same families.

Recommendation to inscribe (see motivation in draft decision 13.39)

Link to nomination and draft decision: MEDIA KIT Page 62

http://www.unesco.org/culture/ich/index.php?lg=EN&pg=411#/culture/ich/img/photo/t

hu mb/05076-LRG.jpg

Item 13 on the agenda: http://www.unesco.org/culture/ich/index.php?lg=en&pg=411

ITH/11/6.COM/CONF.206 - DECISION 6.COM 13.39, disponível no endereço

electrónico: http://www.unesco.org/culture/ich/doc/src/ITH-11-6.COM-CONF.206-

13+Corr.+Add.-EN.pdf

Pages 75-76:

“The Committee

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1. Takes note that Portugal has nominated Fado, urban popular song of Portugal for

inscription on the Representative List of the Intangible Cultural Heritage of Humanity,

described as follows:

Fado is a performance genre incorporating music and poetry widely practised by

various communities in Lisbon. It represents a Portuguese multicultural synthesis of

Afro-Brazilian sung dances, local traditional genres of song and dance, musical

traditions from rural areas of the country brought by successive waves of internal

immigration, and the cosmopolitan urban song patterns of the early nineteenth

century. Fado songs are usually performed by a solo singer, male or female,

traditionally accompanied by a wire-strung acoustic guitar and the Portuguese

guitarra – a pear-shaped cittern with twelve wire strings, unique to Portugal, which

also has an extensive solo repertoire. The past few decades have witnessed this

instrumental accompaniment expanded to two Portuguese guitars, a guitar and a

bass guitar. Fado is performed professionally on the concert circuit and in small

‘Fado houses’, and by amateurs in numerous grass-root associations located

throughout older neighbourhoods of Lisbon. Informal tuition by older, respected

exponents takes place in traditional performance spaces and often over successive

generations within the same families. The dissemination of Fado through emigration

and the world music circuit has reinforced its image as a symbol of Portuguese

identity, leading to a process of cross- cultural exchange involving other musical

traditions.

2. Decides that, from the information provided in nomination file 00563, Fado, urban

popular song of Portugal satisfies the criteria for inscription on the Representative

List, as follows:

R.1: A musical and lyrical expression of great versatility, Fado strengthens the feeling

of belonging and identity within the community of Lisbon, and its leading practitioners

continue to transmit the repertory and practices to younger performers;

R.2: Inscription of Fado on the Representative List could contribute to further

interaction with other musical genres, both at the national and international levels,

thus ensuring visibility and awareness of the intangible cultural heritage and

encouraging intercultural dialogue;

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R.3: Safeguarding measures reflect the combined efforts and commitment of the

bearers, local communities, the Museum of Fado, the Ministry of Culture, as well as

other local and national authorities and aim at long-term safeguarding through

educational programmes, research, publications, performances, seminars and

workshops;

R.4: Fado musicians, singers, poets, historians, luthiers, collectors, researchers, the

Museum of Fado and other institutions participated in the nomination process, and

their free, prior and informed consent is demonstrated;

R.5: Fado is included in the catalogue of the Museu do Fado which was expanded in

2005 into a general inventory including also the collections of a wide range of public

and private museums and archives.

3. Inscribes Fado, urban popular song of Portugal on the Representative List of the

Intangible Cultural Heritage of Humanity.