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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COPPEAD - Instituto de Pós Graduação e Pesquisa em Administração Tese de Mestrado Internacionalização de Empresas Brasileiras: O Caso de O Boticário Claudia Marques Freire Mestrado em Ciências (M.Sc.) em Administração Orientadora: Profa. Angela da Rocha, Ph.D. Rio de Janeiro, Março de 2001

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

COPPEAD - Instituto de Pós Graduação e Pesquisa em Administração

Tese de Mestrado

Internacionalização de Empresas Brasileiras:

O Caso de O Boticário

Claudia Marques Freire

Mestrado em Ciências (M.Sc.) em Administração

Orientadora: Profa. Angela da Rocha, Ph.D.

Rio de Janeiro, Março de 2001

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INTERNACIONALIZAÇÃO DE EMPRESAS BRASILEIRAS:

O CASO DE O BOTICÁRIO

CLAUDIA MARQUES FREIRE

Dissertação submetida ao corpo docente do Instituto de Pós Graduação e Pesquisa em

Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPEAD/UFRJ), como parte

dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Mestre em Ciências (M.Sc) em

Administração.

Aprovada por:

________________________________________________ Orientadora

Profa. Angela da Rocha, Ph.D. (COPPEAD/UFRJ)

_________________________________________________

Prof. Carlos Alberto Hemais, Ph.D. (COPPEAD/UFRJ e IMA/UFRJ)

__________________________________________________

Prof. Carl Huish Christensen, Ph.D. (California State University)

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Rio de Janeiro, Março de 2001

Freire, Claudia Marques.

Internacionalização de empresas brasileiras: o caso de O

Boticário / Claudia Marques Freire. Rio de Janeiro:

UFRJ / COPPEAD, 2001.

x, 127 p. ; il.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio de

Janeiro, COPPEAD, 2001.

1. Internacionalização - Tese. 2. Estudo de Caso – Tese.

I. Internacionalização de empresas brasileiras – o caso

de O Boticário. II. Tese (Mestr. - UFRJ / COPPEAD)

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A meu marido, meus pais e minha irmã: por estarem sempre lá.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço enormemente a Eloi Zanetti, consultor, por ter me concedido minha primeira

entrevista, relatando sua experiência dentro de O Boticário, e por ter feito o contato com

a empresa viabilizando a realização desta tese; e a Artur Grynbaum, Diretor Comercial

de O Boticário, que me recebeu com toda boa vontade por mais de duas horas e me

contou com detalhes a história da empresa e o caminho para a internacionalização.

Agradeço ainda a minha orientadora, Prof. Angela da Rocha, e aos integrantes da banca,

Prof. Carlos Alberto Hemais e Prof. Carl Huish Christensen, pelo cuidado na revisão do

trabalho; aos colegas da secretaria acadêmica, Cida, Carlos e Ricardo que sempre

“quebraram” nossos galhos, e aos colegas da biblioteca, xerox, cantina, limpeza e todos

demais profissionais sem os quais a instituição COPPEAD não seria um lugar tão bom

de se estudar; e finalmente aos amigos da turma 97 que fizeram do Mestrado um tempo

gostoso de se recordar.

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RESUMO

FREIRE, Claudia Marques. Internacionalização de Empresas Brasileiras: O Caso de O

Boticário. Orientadora: Profa. Angela da Rocha. Rio de Janeiro: UFRJ / COPPEAD,

2001. Dissertação (Mestrado em Administração).

Este trabalho procurou estudar o processo de internacionalização de uma empresa

brasileira observando os vários fatores que influenciaram sua escolha e entrada em um

mercado internacional específico: Portugal.

Através do caso da empresa O Boticário, uma das líderes no setor de perfumaria e

cosméticos no Brasil, foram analisados as teorias de cunho comportamental que

começaram com a Escola de Uppsala, e as teorias econômicas de internacionalização de

empresas, entre as quais o Paradigma Eclético de Dunning (1980, 1988, 1997), assim

denominado por combinar teorias econômicas de competição monopolista, localização e

de custos de transação. Foram igualmente analisados outros estudos brasileiros sobre o

tema.

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ABSTRACT

FREIRE, Claudia Marques. Internacionalização de Empresas Brasileiras: O Caso de O

Boticário. Orientadora: Profa. Angela da Rocha. Rio de Janeiro: UFRJ / COPPEAD,

2001. Dissertação (Mestrado em Administração).

In this work we have studied the process of internationalization of a Brazilian company,

observing the various factors that can influence the choice and entry of a company in a

specific international market: Portugal.

Through the case study of O Boticário, one of the leading companies in the cosmetic

industry in Brazil, we have analyzed the Behavior Theories that started with the Uppsala

School, and the Economic Theories of the internationalization of companies, among

which the Eclectic Paradigm of Dunning (1980, 1988, 1997), so called for combining

economic theories of monopolistic competition, localization and transaction costs. Other

Brazilian studies in the field were studied as well.

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SUMÁRIO

CAPÍTULO I - INTRODUÇÃO................................................................................. 1

1.1 OBJETIVOS DO ESTUDO................................................................................................1

1.2 RELEVÂNCIA DO ESTUDO...........................................................................................2

1.3 ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO......................................................................................4

CAPÍTULO II - REVISÃO BIBLIOGRÁFICA........................................................ 6

2.1 AS TEORIAS COMPORTAMENTAIS DE INTERNACIONALIZAÇÃO ............7

2.1.1 A Teoria Gradual da Internacionalização............................................................................7Johanson e Wiedersheim-Paul, 1975; Johanson e Vahlne, 1977 ................................................................... 7

Stopford (1972)............................................................................................................................................ 11

Wiedersheim-Paul, Olson e Welch (1978) ................................................................................................... 14

Bilkey e Tesar (1977) e Bilkey (1978) ......................................................................................................... 17

Cavusgil (1980, 1984).................................................................................................................................. 18

Juul e Walters (1986) ................................................................................................................................... 23

Welch e Luostarinen (1988)......................................................................................................................... 24

2.1.2 Suporte Empírico à Teoria Gradual de Internacionalização ............................................... 26

2.1.3 Críticas à Teoria Gradual da Internacionalização ............................................................. 27Hedlund e Kverneland (1993) ...................................................................................................................... 27

Strandskov (1993) ........................................................................................................................................ 29

Turnbull (1987)............................................................................................................................................ 30

Millington e Bayliss (1990).......................................................................................................................... 32

Jarillo e Martínez (1991).............................................................................................................................. 34

Andersen (1993)........................................................................................................................................... 35

Jones (1999) ................................................................................................................................................. 36

Chetty (1999) ............................................................................................................................................... 36

Outras Críticas.............................................................................................................................................. 37

2.1.4 O Modelo Gradual de Internacionalização Revisto ............................................................ 37Johanson e Vahlne (1990)............................................................................................................................ 37

Petersen e Pedersen (1997) .......................................................................................................................... 40

2.2 TEORIAS ECONÔMICAS DA INTERNACIONALIZAÇÃO .............................. 41

2.2.1 Teorias de Internalização................................................................................................... 42Buckley e Casson (1979, 1998).................................................................................................................... 42

Kogut (1983)................................................................................................................................................ 43

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Buckley (1989)............................................................................................................................................. 45

2.2.2 O Paradigma Eclético ....................................................................................................... 47Dunning (1980, 1988).................................................................................................................................. 47

2.2.3 Críticas às Teorias Econômicas ......................................................................................... 49Johanson e Vahlne (1990)............................................................................................................................ 49

2.2.4 O Paradigma Eclético Revisto ........................................................................................... 50Dunning (1997)............................................................................................................................................ 50

2.3 ESTUDOS BRASILEIROS............................................................................................... 51

2.3.1 Estudos Brasileiros sobre Exportação................................................................................ 51Rocha e Christensen (1994) ......................................................................................................................... 51

Rocha (1988)................................................................................................................................................ 53

2.3.2 Estudos Brasileiros sobre Abertura de Subsidiárias no Exterior ........................................ 54Grael e Rocha (1988) ................................................................................................................................... 55

Costa (1998)................................................................................................................................................. 56

Barretto (1998)............................................................................................................................................. 57

CAPÍTULO III - METODOLOGIA .........................................................................61

3.1 DEFINIÇÃO DAS PERGUNTAS DE PESQUISA ................................................... 61

3.2 MÉTODO DE PESQUISA .............................................................................................. 62

3.3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................................................................ 65

3.3.1 Seleção do Caso................................................................................................................. 65

3.3.2 Métodos de Coleta e Análise de Dados .............................................................................. 66

3.4 LIMITAÇÕES DO ESTUDO.......................................................................................... 67

3.4.1 Limitações Decorrentes do Método ..................................................................................... 68

3.4.2 Limitações Decorrentes dos Procedimentos Metodológicos .................................................... 68

CAPÍTULO IV - ESTUDO DE CASO..................................................................... 70

4.1 A INDÚSTRIA BRASILEIRA DE PERFUMARIA E COSMÉTICOS.................. 70

4.1.1 Evolução do Setor ............................................................................................................. 71

4.1.2 Estratégias Competitivas ................................................................................................... 77

4.2 O CASO DE O BOTICÁRIO.................................................................................................. 79

4.2.1 Histórico........................................................................................................................... 79

4.2.2 Dados sobre a Internacionalização de O Boticário.............................................................. 84

4.2.3 O Processo de Internacionalização da Empresa.................................................................. 86

4.2.4 Outro Relato sobre o Processo de Internacionalização ......................................................... 96

4.3 ANÁLISE DO CASO ...................................................................................................... 101

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4.3.1 O Caso “O Boticário” à Luz das Teorias de Internacionalização da Firma .................... 102O Boticário e as Teorias Comportamentais ................................................................................................ 102

O Boticário e as Teorias Econômicas......................................................................................................... 108

O Boticário e Outros Estudos Brasileiros................................................................................................... 110

4.3.2 O Boticário e as Perguntas da Pesquisa ........................................................................... 112Escolha de Portugal.................................................................................................................................... 112

Fatores Internos e Externos que influenciaram a escolha........................................................................... 113

Escolha do modo de entrada e estratégia de entrada .................................................................................. 114

CAPÍTULO V - CONCLUSÃO .............................................................................. 115

5.1 CONCLUSÕES................................................................................................................. 115

5.2 CAMPOS PARA FUTURAS PESQUISAS.................................................................. 119

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................120

ANEXOS ..................................................................................................................127

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Capítulo I - INTRODUÇÃO

1.1 OBJETIVOS DO ESTUDO

O presente trabalho teve como objetivo principal estudar o processo de

internacionalização de uma empresa brasileira, observando os vários aspectos que

influenciaram sua escolha e entrada em um mercado internacional. Através da adoção de

uma visão ampla do processo de internacionalização, que entende que a decisão de

internacionalizar é complexa e sofre interferência de fatores como características das

empresas, do mercado em que atuam e dos próprios dirigentes, foram estudadas diversas

variáveis apontadas na literatura como tendo influência direta ou indireta no processo de

expansão para Portugal da empresa O Boticário.

De modo mais específico, através de um estudo de caso, esta pesquisa procurou atingir

os seguintes objetivos:

• Investigar os motivos que levaram a empresa à escolha de Portugal como local para

expansão internacional;

• Determinar os fatores internos e externos à empresa que influenciaram a decisão;

• Investigar os aspectos relacionados ao modo de entrada escolhido;

• Estudar a estratégia de entrada utilizada em Portugal;

Este estudo se insere na linha de pesquisa de internacionalização de empresas do

COPPEAD/UFRJ apoiada pelo Programa de Apoio a Núcleos de Excelência da

FINEP/CAPES/CNPq (PRONEX), que tem como objetivo entender o processo de

estabelecimento de empresas brasileiras no exterior.

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1.2 RELEVÂNCIA DO ESTUDO

A importância do estudo de internacionalização de empresas está intimamente ligada

aos fenômenos de globalização e abertura de mercado, uma vez que estes têm grande

impacto nos mercados nacionais e no ambiente competitivo das empresas. O despreparo

das empresas brasileiras para lidar com estes fenômenos as levou, a partir da década de

90, a adotar estratégias para reduzir custos, melhorar a qualidade dos produtos e

desenvolver uma oferta de valor que encantasse o cliente e proporcionasse lucratividade

no curto e longo prazos. Downsizing, terceirização, programas de qualidade total,

serviços de atendimento ao cliente e marketing de relacionamento foram algumas das

ferramentas empregadas pelas empresas a fim de se tornarem competitivas.

A globalização pode ser entendida como um fenômeno de aproximação dos mercados,

economias e culturas resultante do desenvolvimento tecnológico nas áreas de

informação, comunicação e transportes que possibilitou o crescimento do comércio e

intensificou o fluxo de capital através de mercados nacionais. Dentro desta realidade

interdependente, a internacionalização se apresenta como uma das formas encontradas

pelas empresas para competir mundialmente, podendo se manifestar de várias formas

como a exportação de produtos, o estabelecimento de subsidiárias e lojas, a franquia

internacional e a formação de joint ventures e de acordos de licenciamento. No caso do

Brasil, a abertura de mercados iniciada no governo Collor; a criação do Mercosul, em

1991, formando um bloco regional para promover a integração econômica entre

Argentina, Paraguai, Uruguai e Brasil; a estabilização econômica iniciada em 1994; e a

criação prevista da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), em 2005, com a

derrubada de todas as barreiras tarifárias entre 34 países do continente, exceto Cuba,

poderiam ser considerados fatores de aceleração do processo de internacionalização de

empresas.

Entender o que levou determinada empresa a se internacionalizar e a estratégia por ela

adotada pode auxiliar a identificar fatores de sucesso no processo de

internacionalização, oferecendo subsídios para que outras empresas brasileiras

minimizem as chances de fracasso em suas investidas. Como estes fatores podem variar

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de acordo com as peculiaridades de cada cultura, não basta aos pesquisadores apenas

importar os resultados obtidos por pesquisadores em outros países.

“Talvez a principal limitação das pesquisas realizadas esteja na

tentativa de se estabelecerem relações ou modelos gerais do

comportamento exportador que sejam válidos sem restrições de

tempo, país, cultura, setor e outras variáveis, e que expliquem uma

parcela substancial dos casos. É razoável supor que o comportamento

exportador das empresas seja contingente de variáveis ambientais e

psicológicas que impossibilitem o desenvolvimento de um modelo

geral” (Rocha e Christensen, 1988, p. 110).

Dentro desta ótica, é, portanto, importante e necessário desenvolver estudos brasileiros

no campo da internacionalização. Do lado das empresas, os estudos históricos podem

ajudar a guiar as investidas no mercado internacional, seja acelerando a disseminação de

conhecimento e experiências de algumas empresas e setores para outros, seja evitando a

repetição de falhas na estratégia que resultem na perda de mercados ou vantagens

competitivas. As empresas pesquisadas podem também se servir dos estudos para

efetuarem uma auto-avaliação e aperfeiçoarem suas práticas gerenciais. Do lado do

governo, pesquisas no campo da internacionalização podem auxiliar a formulação de

políticas públicas, identificando o tipo de empresa que deve ser estimulada e

aperfeiçoando serviços oferecidos.

Finalmente, cabe dizer que, do ponto de vista acadêmico, o conhecimento acerca do

processo de internacionalização de empresas brasileiras é ainda parco. Muitos estudos

foram feitos sobre o primeiro momento da internacionalização (exportação) e sobre a

atuação de empresas multinacionais. Poucos, no entanto, se concentraram na atuação

direta da empresa em mercados externos. Entre esses destacam-se os trabalhos de Grael

e Rocha (1988), Silva (1998), Barretto (1998) e Pinto (1998), que analisaram o processo

de internacionalização de firmas brasileiras via investimento direto no exterior; Costa

(1998) que estudou a modificação do marketing mix na entrada de mercados; e

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Magalhães (2000) que analisou a preparação de executivos internacionais para atuação

no exterior. Assim, há ainda muito o que explorar em relação ao tema.

1.3 ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO

Este trabalho está dividido em cinco capítulos. Neste primeiro são apresentados os

objetivos do estudo. Destaca-se, também, a relevância do estudo de internacionalização

de empresas frente aos fenômenos de globalização e abertura de mercado a partir dos

anos 90 e, particularmente, ao pouco material acadêmico disponível sobre empresas

brasileiras.

No segundo capítulo é feita uma revisão da literatura internacional e nacional existente

sobre o tema, resultando numa lista de proposições sobre o processo de

internacionalização de empresas. Duas grandes correntes que norteiam a teoria de

internacionalização são estudadas: as teorias de cunho comportamental, nas quais se

encaixam os estudos nórdicos realizados a partir do final dos anos 70 (Johanson e

Vahlne, 1977, 1990; Wiedersheim-Paul, Olson, Welch, 1978) e os estudos sobre

características das firmas e dos decisores (Bilkey, 1978; Cavusgil, 1980; Welch e

Luostarinen, 1988); e teorias econômicas baseadas nos custos de transação, como a

teoria da internalização (Wiliamson, 1975; Buckley e Casson, 1979, 1998; Rugman,

1981; Kogut, 1983) e o Paradigma Eclético de Dunning (1980, 1988, 1997).

Complementa o capítulo uma revisão dos estudos brasileiros sobre a matéria.

O terceiro capítulo versa sobre a escolha da metodologia. É apresentado o método de

pesquisa selecionado para a realização do trabalho, o estudo de caso, discutindo-se suas

vantagens e desvantagens. Em seguida, é feita referência aos métodos de coleta de

dados utilizados e a forma pela qual se fez a análise de dados. Salientam-se ainda as

limitações do estudo.

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No capítulo quatro, trata-se da descrição e análise do caso estudado. Inicialmente,

apresenta-se uma descrição da indústria de cosméticos, setor em que a empresa se

encontra inserida. Em seguida apresenta-se um breve histórico da empresa estudada, O

Boticário, e descreve-se o processo de internacionalização da empresa, particularmente

no que se refere aos aspectos relativos à entrada no mercado português. O capítulo se

encerra com uma análise do caso estudado à luz das teorias e estudos existentes e das

perguntas da pesquisa.

Finalmente, o quinto capítulo apresenta um sumário do estudo, as conclusões e

recomendações para futuras pesquisas no campo da internacionalização de empresas no

Brasil.

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Capítulo II - REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Diferentes abordagens têm sido usadas no estudo do processo de internacionalização de

empresas. Uma primeira linha de pensamento trata de teorias do comércio internacional

e busca entender as relações comerciais entre países por meio do estudo de fatores como

imperfeições de mercado, benefícios da especialização e divisão internacional do

trabalho no comércio internacional. Esta abordagem, que advém do campo da economia,

tem autores como Adam Smith, David Ricardo, Eli Heckscher, Bertil Ohlin e Hazard,

vai além do escopo do presente trabalho. Também fogem ao escopo deste trabalho as

abordagens surgidas nos anos 90 que têm buscado explicar novas formas de

internacionalização, como as teorias sobre networks (Johanson e Vahlne, 1990; Jarillo e

Martínez, 1991) e empresas nascidas globais (Knight e Cavusgil, 1995; Madsen e

Servais, 1995).

Dentro do âmbito da administração é dado enfoque às empresas, aos motivos que as

levam à internacionalização e ao processo e mecanismos adotados no ingresso no

mercado internacional. Dentro desta linha de pensamento, há teorias de cunho

comportamental e teorias econômicas. No primeiro grupo encontram-se os estudos

nórdicos realizados a partir do final dos anos 70 sobre o processo de internacionalização

das firmas (Johanson e Vahlne, 1977, 1990; Wiedersheim-Paul, Olson, Welch, 1978) e

estudos sobre características das firmas (Bilkey, 1978; Cavusgil, 1980; Welch e

Luostarinen, 1988), entre outros. Na abordagem econômica, encontram-se teorias que

buscam entender as decisões de abertura de subsidiárias no exterior por empresas

multinacionais como a teoria da internalização (Wiliamson, 1975; Buckley e Casson,

1979, 1998; Rugman, 1981; Kogut, 1983) e o Paradigma Eclético de Dunning (1980,

1988, 1997), assim denominado por combinar teorias econômicas de competição

monopolista, localização e de custos de transação.

Tendo em vista esta divisão da literatura, o presente capítulo foi dividido em três

grandes blocos. Nos dois primeiros foram feitas revisões das duas maiores correntes de

administração sobre o processo de internacionalização mencionadas acima - as teorias

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comportamentais e as econômicas. A seguir, foi feita uma revisão da literatura brasileira

sobre o assunto, passando por aprendizados da teoria de exportação até os estudos mais

recentes na área de internacionalização.

2.1 AS TEORIAS COMPORTAMENTAIS DE

INTERNACIONALIZAÇÃO

Uma das principais correntes teóricas no estudo da internacionalização das empresas é

aquela que olha o processo de internacionalização sob a ótica comportamental, em que

as percepções, atitudes e expectativas dos executivos influenciam fortemente as

decisões de entrada em mercados externos. As teorias comportamentais de

internacionalização tiveram seus principais expoentes em autores como Johanson,

Luostarinen, Wiederscheim-Paul, Vahlne e Welch, provenientes da escolas nórdicas de

administração, em particular a Escola de Uppsala, na Suécia. Outros pesquisadores que

também podem ser incluídos entre os teóricos da internacionalização sob a ótica

comportamental são Bilkey e Tesar, Cavusgil, Reid e Czinkota.

De forma a rever a contribuição desses autores às teorias comportamentais, foram

selecionados alguns dos estudos mais representativos dessa corrente de pensamento.

2.1.1 A Teoria Gradual da Internacionalização

Johanson e Wiedersheim-Paul, 1975; Johanson e Vahlne, 1977

Em meados da década de 70, Johanson e Wiedersheim-Paul (1975) fizeram um estudo

de casos com enfoque longitudinal de quatro empresas suecas - Atlas Copco, Facit,

Volvo e Sandvik - que exportavam na época mais de dois terços da produção excedente

para o mercado externo e tinham fábricas estabelecidas em pelo menos um país

estrangeiro. Neste estudo, os autores analisaram o processo de internacionalização e

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testaram a hipótese de que este seria gradual e resultado de uma série de decisões

incrementais.

Os resultados do trabalho confirmaram a existência do que os autores chamaram de

cadeia de estabelecimento. Segundo eles, a internacionalização das empresas se daria

em quatro estágios - inexistência de atividade de exportação, exportação através de

agentes, estabelecimento de subsidiária de vendas e de subsidiária de produção - que

indicariam diferentes graus de envolvimento no mercado. Ainda como resultado da

pesquisa, os autores concluiram que a escolha dos mercados externos onde operar

sofreria influência de duas características do mercado: tamanho de mercado e distância

psicológica, esta definida como a “soma de fatores que dificultam o fluxo de informação

entre o mercado e as firmas, como idioma, educação, práticas de negócio e

desenvolvimento cultural e industrial” (Johanson e Wiedersheim-Paul, 1975, p. 307).

A partir desta pesquisa, Johanson e Vahlne (1977) desenvolveram a teoria do processo

de internacionalização da firma que se tornaria a mais conhecida nos estudos da área. O

modelo apresentado por eles foi baseado na teoria comportamental da firma de Cyert e

March e nos estudos de Aharoni, na teoria de crescimento da firma de Penrose e em

pesquisas empíricas sobre firmas suecas competindo internacionalmente de Carlson e

explicaria o padrão de estabelecimento das firmas nos mercados externos. Em um

trabalho recente sobre as contribuições nórdicas à pesquisa sobre internacionalização,

Björkman e Forsgren (1997) acentuaram a especial relevância da contribuição de

Penrose e Cyert e March aos estudos nórdicos sobre internacionalização, afirmando que

tais contribuições “explicam, em grande parte, a razão pela qual muitos pesquisadores

nórdicos analisaram a internacionalização das empresas como um processo incremental”

(p.13).

Segundo o modelo de Johanson e Vahlne, a falta ou dificuldade de obtenção de

conhecimento sobre mercados externos seria um obstáculo para o desenvolvimento das

operações internacionais e um dos fatores que levaria a internacionalização a ocorrer em

etapas (de agentes para subsidiárias de vendas, para produção) e a ordem de

estabelecimento estaria ligada à distância psicológica entre mercados. Quatro variáveis,

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duas fixas e duas de mudança, com comportamento dinâmico e influenciando umas às

outras, foram identificadas pelos autores para explicar a tese da internacionalização

como produto de uma série de decisões incrementais.

O estado atual de internacionalização seria dado pelas variáveis fixas, que seriam o

conhecimento atual do mercado (como oportunidades e problemas, oferta e demanda,

competição e canais de distribuição) e o grau de comprometimento de recursos (medido

pelo montante de recursos aplicados em áreas como marketing e organização, e pela

dificuldade de achar alternativas para aplicação de recursos). De modo geral, este

segundo aspecto seria maior quanto mais os recursos estivessem integrados em diversas

partes da firma e quanto mais conhecimento se tivesse do mercado. Segundo os autores,

o conhecimento do mercado e a percepção de um problema ou oportunidade de negócio

dariam início ao processo de tomada de decisão, enquanto que o grau de

comprometimento de recursos afetaria o modo como as empresas perceberiam estas

oportunidades e avaliariam os riscos e as alternativas de ação.

Os aspectos de mudança identificados pelos autores seriam as atividades atuais da firma

e suas decisões de comprometimento de recursos. As atividades atuais afetariam as

decisões de duas maneiras. Primeiro, quanto maior o tempo entre produção e consumo

ou quanto mais diferenciados os produtos, maior o envolvimento com o mercado, pois

os investimentos ir-se-iam acumulando. Segundo, quanto maior o envolvimento no

mercado (mais atividades atuais), maior o conhecimento do mercado (e acúmulo de

experiência) e maior o levantamento e avaliação de alternativas de ação. Dois tipos de

experiência seriam essenciais para o processo de internacionalização, a da firma

(técnicas de marketing, comportamento dos consumidores) e a de mercado (clima de

negócios, estrutura de mercado, cultura). Do mesmo modo, dois tipos de conhecimentos

seriam necessários: o objetivo (que poderia ser ensinado) e o experimental (que teria

que ser vivenciado). Este último tipo seria crítico para o modelo apresentado, pois seria

a base para perceber e formular oportunidades concretas de negócio, afetando

diretamente o comprometimento da firma no mercado. Ao mesmo tempo, como a

aquisição do conhecimento experimental seria geralmente lenta, esse processo

justificaria a internacionalização gradual das empresas.

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As decisões de comprometimento de recursos dependeriam de que alternativas fossem

levantadas e de como fossem avaliadas. Segundo os autores, as alternativas dependeriam

das oportunidades e problemas percebidos pelas pessoas em contato direto com o

mercado (levando ao aumento das atividades) e por pessoas em organizações que

interagissem com a firma (colocadas na forma de ofertas e demandas), e da experiência

da firma no mercado. Quanto maiores os compromissos, maior a probabilidade de a

firma perceber oportunidades e problemas. Por outro lado, como o aumento de

compromissos envolveria maior risco (incerteza em relação à dificuldade de estimar o

mercado), os autores argumentaram que grandes aumentos na operação aconteceriam

em firmas com grandes somas de recursos, que operariam em mercados estáveis ou que

tivessem experiência de outros mercados em situação similar. Caso contrário, a

experiência no mercado levaria a aumentos de escala graduais, o que explicaria a

lentidão do processo de internacionalização.

Explicada de outro forma, nesta teoria a internacionalização é vista como um processo

onde a empresa gradualmente aumenta seu envolvimento internacional através do

desenvolvimento de conhecimento sobre mercados e operações e maior

comprometimento de recursos. Assim, visando diminuir os efeitos de desconhecimento

do mercado, as empresas começariam a se internacionalizar através da exportação para

países vizinhos ou relativamente semelhantes em termos de práticas de negócio. Uma

vez atuando no mercado, as empresas passariam por processos de ajustes incrementais

aos problemas e oportunidades surgidos e a mudanças ocorridas nas próprias firmas e no

ambiente de negócios, o que levaria a novos comprometimentos. O compromisso com o

mercado e conhecimento do mercado seriam aspectos fixos afetando decisões sobre

comprometimento de recursos e modo de desempenho de atividades (que seriam

elementos mutáveis), e seriam afetados por estes, tornando o processo cíclico. O

conhecimento de mercado (percepção de oportunidades e problemas) seria

experimental, isto é, só seria adquirido pela experiência pessoal e seria específico de

cada país, de modo que cada situação enfrentada seria nova, descontínua e dissociada de

comprometimentos em outros mercados, devendo ser resolvida no seu contexto. Esse

seria o motivo pelo qual as empresas tenderiam a aumentar o comprometimento de

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recursos à medida que ganhassem experiência no mercado e reduzissem incertezas em

relação aos mercados.

A importância do modelo, segundo os autores, estaria no destaque dado ao processo

decisório das firmas (decisões de exportar, estabelecer canais e iniciar venda por

subsidiária, por exemplo) e no modo como estas adquirem e usam conhecimento dos

mercados, variáveis não analisadas em outros estudos. Segundo este modelo, o

comportamento de exportação das firmas variaria com as experiências prévias e o estado

de internacionalização afetaria a percepção de oportunidades e problemas. Estas, por sua

vez, influenciariam as atividades atuais e decisões de comprometimento, que teriam

base no conhecimento do mercado. O modelo destacaria, portanto, a importância do

fator experiência, muitas vezes menosprezado pelas firmas.

Ainda como parte da formulação inicial da teoria, os autores destacaram que haveria

uma certa simplificação na “cadeia de estabelecimento” das empresas e que nem sempre

se saberia em que estágio colocar uma firma. Também entenderam que nem sempre o

desenvolvimento seguiria toda a cadeia e que poderia haver saltos entre os estágios.

Eles esperavam ainda que o processo em etapas seria igual para muitas empresas em

países com mercado interno pequeno.

A teoria do processo de internacionalização gradual ganhou reforço de várias pesquisas.

Muitos estudos na área ou partiram de pressupostos apontados na teoria, testando-os em

outras situações, indústrias e países, ou desenvolveram modelos que de certo modo

chegaram a proposições semelhantes às apontadas por Johanson e Vahlne (1977). Os

estudos de Stopford (1972), Wiedersheim-Paul, Olson e Welch (1978), Bilkey e Tesar

(1977), Bilkey (1978), Cavusgil (1980, 1984), Juul e Walters (1986) e Welch e

Luostarinen (1988) são apresentados a seguir.

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Stopford (1972)

Stopford desenvolveu um estudo muito interessante, que, sob muitos aspectos, mostrava

também a internacionalização como um processo gradual.

A partir de uma pesquisa utilizando entrevistas pessoais, relatórios anuais e fontes

secundárias com 170 grandes firmas americanas com subsidiárias em seis ou mais

países estrangeiros, Stopford (1972) argumentou que o crescimento dos investimentos

diretos estrangeiros aumentava a necessidade de descobrir uma estrutura adequada às

firmas multinacionais e que o conhecimento das estruturas adotadas por outras culturas

poderia ser um meio mais rápido e fácil de encontrar uma solução. Em vista disso, o

autor fez um levantamento das estruturas administrativas adotadas por empresas

americanas e européias sugerindo que poderiam aprender umas com as outras.

Este estudo, apesar de tratar de aspectos organizacionais das empresas, assumiu

indiretamente a existência de um processo gradativo de internacionalização, pois

identificou diferentes estruturas, cada vez mais elaboradas, conforme cada etapa do

processo. De modo geral, as empresas de manufatura americanas adotavam três tipos de

estruturas organizacionais com uma quarta começando a se desenvolver. Na primeira

fase da internacionalização (através de exportação) não havia uma estrutura formal para

atividades, mas uma expansão descoordenada, sem qualquer mecanismo de controle ou

planejamento, apenas transferência de dividendos. Com o aumento dos negócios

externos, em geral era criada uma “divisão internacional” para controlar e organizar as

atividades internacionais. Estas eram centralizadas sob responsabilidade de um único

executivo, sendo que a divisão era colocada no mesmo nível das domésticas, mas sem

tanta autonomia. A seguir, se os mercados externos crescessem mais que os domésticos,

as empresas experimentavam em geral aumentos de conflitos entre divisões de alocação

de capital e preços de transferência, gerando necessidade de maior comunicação. Três

estruturas (utilizando mais de um gerente internacional e dividindo a organização em

unidades autônomas) eram então adotadas: divisão por produto (quando o crescimento

era baseado na diversificação de produtos), divisão por mercado regional (quando

poucas linhas de produtos eram vendidas em muitos mercados com necessidade de um

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departamento de marketing local), e combinação de diversificação de produtos e

mercados (quando um produto era vendido para vários mercados, ao mesmo tempo em

que novos produtos eram introduzidos em alguns mercados).

Estas estruturas, geralmente, correspondiam às práticas organizacionais adotadas em

atividades domésticas com base nas práticas administrativas americanas (por exemplo,

unidade de comando e estabelecimento formal de responsabilidades, relações de

comando e objetivos de orçamento). No entanto, elas nem sempre funcionavam nos

mercados internacionais: políticas de recursos humanos, por exemplo, eram fonte

constante de conflito com subsidiárias. Além disso, as estruturas existentes nem sempre

conseguiam conciliar a autonomia e especialização funcional e geográfica das

subsidiárias e as necessidades de coordenação, controle e autoridade da matriz. Para

resolver este problema, algumas empresas americanas adotavam então um quarto tipo de

estrutura, na qual as divisões de produto e de mercados eram centros de lucro e os

departamentos funcionais serviam a todos mercados.

As firmas européias, devido a diferenças culturais, adotavam estruturas diferentes das

americanas. De modo geral, as empresas tinham estruturas centralizadas (com um

tomador de decisões) e hierarquizadas com divisões funcionais. Não havia planejamento

ou controle formal e a organização era mantida através de fortes redes de

relacionamento pessoal. Quando se tornavam diversificadas, adotavam um sistema de

holding, com divisão em subsidiárias autônomas que tinham em comum apenas os laços

de propriedade com a matriz. A integração era normalmente obtida através de uma

gerência colegiada, com decisões por consenso e com membros do conselho tendo

responsabilidades pelos departamentos funcionais e por linha de produto, subsidiária ou

área de operação. As sólidas relações pessoais entre os gerentes garantiam o bom

funcionamento deste sistema.

Nas operações internacionais, até a Segunda Guerra Mundial, as firmas européias

adotaram esta estrutura divisionalizada, autônoma e de pouco controle ou fizeram joint

ventures. Os gerentes de modo geral, tinham suas próprias políticas, poucas diretrizes da

matriz e pouco treinamento. No final da década de 60, no entanto, com o aumento da

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competição internacional, as empresas européias passaram a introduzir práticas de

planejamento e controle ao estilo das americanas. A tradição de trabalhar em grupos

gerenciais e de aceitação de várias responsabilidades facilitou a introdução de novas

técnicas de administração, pois a informação era transferida rapidamente em uma base

pessoal. Os elos entre atividades domésticas e estrangeiras, no entanto, não

apresentavam padrão, mas dependiam das necessidades das subsidiárias. Havia uma

responsabilidade compartilhada no estabelecimento do orçamento e objetivos e a

flexibilidade e fortes relacionamentos de trabalho garantiam a eficiência das operações

em mercados externos onde respostas aos eventos não podiam ser determinadas fácil e

rapidamente através de uma análise formal e objetiva.

Segundo o autor, este tipo de estrutura baseada na multiplicidade de elos informais dava

às empresas a liberdade de expandir em várias direções simultaneamente e se adaptarem

mais facilmente às necessidades específicas de cada produto ou mercado. Também

garantia maior adaptabilidade a um variedade de procedimentos administrativos pois se

baseavam em habilidades internacionais desenvolvidas há anos pelos executivos. Assim,

de um lado, era possível que as empresas européias precisassem instituir métodos mais

formais e impessoais de comunicação e coordenação com crescimento de suas

atividades. De outro, firmas americanas podiam aprender com as européias, criando, por

exemplo, divisão de responsabilidades, fatores intangíveis para avaliação de

desempenho e maior dependência em relações informais. Na busca por uma política e

estrutura que fosse adequada à autonomia local e controle pela matriz, poderia até

ocorrer uma convergência entre práticas americanas e européias, apesar das diferenças

culturais e estratégicas.

Wiedersheim-Paul, Olson e Welch (1978)

Um ano após a publicação do modelo de Johanson e Vahlne, Wiedersheim-Paul, Olson

e Welch (1978) apresentaram outro modelo, baseado em um estudo de empresas

australianas, que enfatizava o papel das atividades pré-exportação na

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internacionalização de firmas. Neste modelo foram considerados fatores como

informação, características dos tomadores de decisão, ambiente de atuação da empresa e

expansão extra-regional das firmas, que teriam impacto no processo de

internacionalização.

Segundo este modelo, haveria diferentes fatores internos (da firma) e externos (do meio

ambiente) que evocariam a atenção de tomadores de decisão e levariam as firmas a

considerarem a exportação como uma estratégia de negócios. Estes fatores, o verdadeiro

input do modelo, poderiam ser ativados por outras influências como experiências

domésticas, por exemplo, que preparariam a firma para a percepção dos fatores. Os

fatores de estímulo internos que foram sugeridos pelos autores seriam a existência de

uma competência única e o excesso de capacidade em recursos gerenciais, de marketing,

produção ou financeira. Em relação à competência, custos de descoberta inicial seriam

considerados afundados, levando as firmas a buscarem a maximização da vantagem

competitiva enquanto pudessem. Ao mesmo tempo, esta competência única seria

atrativo para compradores potenciais, gerando estímulos externos. Já o excesso de

capacidade, levaria à expansão para maximizar o uso de recursos. Os fatores externos

considerados no modelo seriam pedidos fortuitos vindos de clientes estrangeiros,

oportunidades de mercado, competição (firmas competidoras indo para fora ou maior

competição interna causada por firmas domésticas ou estrangeiras levariam à

necessidade de expansão), e medidas de estímulo à exportação pelo governo (como

ajuda financeira e fornecimento de informação).

Segundo os autores, o tipo e tempo de atenção dedicada a estes estímulos internos e

externos e o modo como o tomador de decisão perceberia estes fatores dependeriam das

características do próprio tomador de decisão, do ambiente onde a firma operasse e da

firma. Neste aspecto, o modelo se assemelhava às conclusões de Johanson e Vahlne

(1977), pois enfatizava o papel do feedback como fator de continuidade de atividades e

a importância da história da firma (incluindo expansão extra-regional ou

internacionalização doméstica) e do ambiente (contatos para transmissão de

informação).

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Características do tomador de decisão como sua história, seus valores, seu grau de

tolerância a risco e seu grau de international outlook (definido como a extensão com

que percebe e considera como interessantes eventos ocorrendo fora de seu próprio país

ou mesmo ambiente local), influenciariam as percepções dos fatores internos e externos,

a própria percepção destes fatores e o processo de internacionalização. Por outro lado,

através de suas ações, o tomador de decisão influenciaria o ambiente através das suas

atividades. A localização da firma no seu mercado doméstico também seria um fator

importante no processo de internacionalização. Esta teria impacto não só nos custos de

transporte e fluxo de informação, como também na exposição da firma a diferentes

realidades. Firmas com localização distante de centros de informação teriam uma

espécie de viés espacial no fluxo de informação. Ao mesmo tempo, tomadores de

decisão destas firmas estariam a princípio menos expostos a estímulos para exportar e

estariam menos sujeitos a mudanças em relação à exportação. Finalmente,

características das firmas que teriam importância especial no comportamento pré-

exportador seriam os objetivos da firma (a busca de crescimento, estabilidade, segurança

e sobrevivência reduziriam os riscos e incertezas da internacionalização em comparação

com a situação atual e aumentariam a exploração de novas oportunidades),

características da linha de produtos (produtos padronizados, mais simples e com baixo

conteúdo de serviços associados exigiriam menor fluxo de informação e aumentariam os

estímulos externos), história (a capacidade de responder e adaptar estratégias dependeria

de comportamento e ações anteriores) e expansão extra-regional (firmas que tivessem

passado por esta etapa estariam mais preparadas para lidar com problemas de

comunicação, aumento de custos, necessidade de desenvolver marketing do produto à

distância ).

Finalmente, outro aspecto importante do modelo seria a atenção dada a atividades de

informação pré-exportação, que incluiriam vontade de começar a exportar, atividades de

transmissão de informação e atividades de coleta de informação. Segundo os autores,

haveria três grupos de firmas: ativas, passivas e domésticas, com as primeiras tendo

média a alta vontade de exportar e atividade de coleta de informações e baixa a alta

atividade de transmissão de informação, e as últimas tendo nada ou pouco destas

atividades. A maioria das empresas estaria neste último grupo ao começar a exportar, e

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aí continuaria devido ao produto não ser adequado para outros mercados, à localização

desvantajosa ou à satisfação em servir exclusivamente ao mercado doméstico. Um

movimento de grupo doméstico para passivo ou ativo seria causado por mudanças

internas (mudança de direção ou de atitudes em virtude de experiências passadas e

ambiente) ou externas (aumento de informação). Segundo os autores, firmas mostrando

predominantemente atividades ativas de pré-exportação teriam menos dificuldades em

se expandir extra-regionalmente e em se tornar exportadoras e o fariam antes de firmas

em outros grupos.

Os resultados do estudo das empresas australianas apoiaram, segundo os autores, o

modelo genérico apresentado e a natureza e efeitos dos vários tipos de comportamento

pré-exportação (doméstico, passivo, ativo) que explicariam o início do processo de

internacionalização. A atitude em relação à internacionalização derivaria da percepção

dos estímulos e da contínua obtenção de feedback das atividades. Além disso, as

características do tomador de decisão, da linha de produtos, da história da firma

(incluindo a internacionalização doméstica) e do ambiente de negócios teriam impacto

no processo.

Bilkey e Tesar (1977) e Bilkey (1978)

Bilkey e Tesar (1977) modelaram o processo de desenvolvimento exportador da firma e

sugeriram a existência de seis estágios, com o estabelecimento de atividades começando

em países mais próximos culturalmente. No primeiro estágio a administração não estaria

interessada em exportar e se negaria até mesmo a responder a um pedido de algum

comprador. No segundo, haveria a aceitação de pedidos espontâneos, mas não haveria

qualquer empenho em organizar a atividade de exportação. No estágio seguinte a

administração passaria a explorar ativamente a viabilidade de exportar. Este estágio

poderia ser pulado no caso de recebimento de pedidos espontâneos. No quarto estágio a

firma exportaria experimentalmente para algum país psicologicamente próximo. A

seguir, a firma já sendo experiente em um país, passaria a otimizar suas exportações

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prestando atenção a taxas de câmbio, tarifas etc. Finalmente, no último estágio, os

gerentes explorariam a viabilidade de exportar para outros países psicologicamente mais

distantes. A cada estágio, novos determinantes do comportamento da firma seriam

verificáveis.

Os autores sugeriram também que o processo de desenvolvimento da atividade de

exportação seria mais uma função das percepções das administrações quanto a exportar

e quanto ao mundo exterior, do que de considerações econômicas de ordem imediata.

Também de acordo com a idéia de comprometimento gradual, estaria a importância dos

pedidos espontâneos na entrada na exportação. Segundo os autores, o objetivo de se

exportar experimentalmente seria descobrir, de modo mais objetivo, como a exportação

pode contribuir para a firma, idéia condizente com a teoria de Johanson e Vahlne (1977)

de conhecimento do mercado. Os autores concluíram reafirmando o caráter gradual do

processo de internacionalização, sugerindo que os determinantes da passagem de um

estágio a outro variariam conforme o estado atual da firma.

Em estudo imediatamente posterior, Bilkey (1978) discutiu a questão do grande número

de variáveis que influenciariam o comportamento exportador das firmas, que poderia ser

superado com tratamento estatístico adequado. Sugeriu também que os gerentes

deveriam estar atentos ao estágio da firma no processo de desenvolvimento exportador,

ratificando sua crença em que uma empresa sem experiência deveria começar

exportando para países psicologicamente mais próximos e, só após percorrer todos

estágios de exportação, considerar o estabelecimento de fábricas no exterior.

Cavusgil (1980, 1984)

Ao buscar entender as características do processo de internacionalização, os estágios e

os determinantes do processo, Cavusgil (1980) sugeriu que o processo pelo qual as

firmas adotariam atividades de negócios internacionais e iniciariam seu envolvimento

em marketing internacional seria gradual e seqüencial em conseqüência de incerteza,

custos de informação altos e falta de conhecimento experimental no mercado

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estrangeiro. Esta posição seria corroborada por três conclusões que poderiam ser tiradas

da literatura existente sobre envolvimento inicial das firmas em marketing internacional:

que o processo seria gradual, ocorrendo em estágios incrementais e durante um tempo

relativamente longo; que o envolvimento inicial em marketing internacional poderia ser

visto como inovação dentro do ambiente da firma; e que empresas continuariam a

exportar sem muita análise racional e planejamento.

Segundo Cavusgil, existiriam cinco estágios de desenvolvimento - marketing doméstico,

estágio pré-exportação, envolvimento experimental, envolvimento ativo e envolvimento

comprometido - que seriam afetados por variáveis internas e externas, levando à

progressão de um estágio para outro1. No primeiro estágio estaria, segundo o autor, a

grande maioria das firmas que, por produzirem produtos pesados, cheios de

componentes ou especializados, não se beneficiariam da exportação. Neste grupo

também estariam as firmas que, por falta de interesse ou ocupação em outras atividades,

teriam atitudes desfavoráveis ou apáticas em relação a oportunidades de exportação e,

conseqüentemente, concentrariam suas atividades no mercado doméstico. Em um

segundo momento, estímulos internos e externos levantariam o interesse de tomadores

de decisão para exportação e a empresa entraria em um estágio de pré-exportação. Neste

estágio, haveria uma busca deliberada de informação e avaliação da possibilidade de

exportar, mas esta seria baseada nas impressões dos gerentes. As empresas não teriam

ainda conhecimento dos custos envolvidos, de como lidar com riscos e de como

distribuir produtos, e os empregados não teriam nenhuma experiência prévia no

mercado internacional. Os estímulo internos que levariam as empresas a considerar a

exportação seriam vantagens diferenciais de produtos, processos, recursos e mercados

da firma; circunstâncias desfavoráveis como mercados saturados, pressão competitiva,

excesso de capacidade; presença de tomadores de decisão agressivos e dinâmicos,

aspirando lucro, crescimento e desenvolvimento de mercado; e a adoção de um

1 Como se vê, o modelo de Cavusgil está em harmonia com o de Johanson e Vahlne (1977, 1990) no quetange a existência de um processo de internacionalização gradual, no qual o conhecimento específico demercado tem papel fundamental.

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international outlook pela gerência de topo.2 Os estímulos externos seriam pedidos não

solicitados de compradores, distribuidores e agentes.

O terceiro estágio seria o envolvimento experimental, no qual empresas passariam a

exportar tipicamente até 10% do volume de produção de forma marginal e intermitente.

De modo geral, apenas um ou dois mercados internacionais próximos psicologicamente

estariam envolvidos no processo, haveria o uso de intermediários e um foco em

lucratividade de curto prazo. No estágio de envolvimento ativo, ao contrário, as firmas

passariam a ter uma exploração sistemática de um grande número de oportunidades no

mercado externo, expandindo sua atuação para novos mercados, aumentando o volume

de exportação ou adotando exportação direta. O potencial de novos mercados seria

avaliado, requerimentos legais e comerciais seriam estabelecidos e haveria grande

necessidade de busca de informação. A progressão para a fase de envolvimento ativo

dependeria de percepções favoráveis das exportações, baseada nas experiências

anteriores da firma e nas informações obtidas do mercado; da existência de recursos

físicos, financeiros, gerenciais, que estariam associados ao tamanho da firma; e da

vontade de gerentes de alocar estes recursos para o mercado internacional (como

existência de uma estrutura organizacional para lidar com atividades de exportação -

novo departamento ou pessoal, status da unidade ou pessoal dentro da organização,

responsabilidade de gerente de topo com habilidade e autoridade e visitas aos

mercados).

Finalmente, o último estágio seria o envolvimento comprometido com o mercado

internacional, no qual os gerentes estariam constantemente avaliando alocação de

recursos entre operações domésticas e internacionais e adotariam postura de longo

prazo. Neste estágio maior cuidado com o marketing mix seria necessário dadas as

complexidades e incertezas de atuar em outro mercado. Qualidade e design dos produtos

e embalagem, desenvolvimento de canais de distribuição, execução de preço

competitivo e extensão de crédito seriam atividades fundamentais para firmas com

2 International outlook, como vimos, foi definido por Widersheim-Paul e Olson (1978) como a extensãocom que gerentes percebem e consideram como interessantes eventos ocorrendo fora do país e até fora doseu próprio ambiente local.

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objetivo de manter presença nos mercados. Além disso, o comprometimento de longo

prazo dependeria do sucesso em lidar com barreiras. No início, as firmas estariam

preocupadas em procurar, localizar e avaliar mercados potenciais e adquirir experiência

em como iniciar atividades de exportação. Já no estágio final, as dificuldades estariam

em manter e expandir as exportações3. A capacidade de superar estes impedimentos e

alcançar objetivos de lucro, crescimento e diversificação, afetaria a permanência ou

retirada da empresas das atividades internacionais. Segundo o autor, a empresa poderia

optar por retroceder a uma fase anterior ou retirar-se do mercado internacional, se mal

sucedida, ou aumentar seu envolvimento além de exportação através de licenças,

estabelecimento de subsidiárias de vendas e de produção, se bem sucedida.

A base do argumento do autor, na mesma linha de raciocínio de Johanson e Vahlne

(1977), é a suposição de que gerentes têm uma atitude cautelosa em relação ao

marketing internacional, que levaria a uma maior necessidade de informação e

conhecimento experimental. O aumento do conhecimento tornaria os gerentes mais

predispostos a arriscar em novas oportunidades, aumentando o compromisso com as

atividades internacionais. O autor defende, ainda, a natureza comportamental do

processo: a presença e o grau de envolvimento na atividade variaria com avaliações

pessoais de tomadores de decisão, suas expectativas e aspirações, e com as

características das firmas, o que explicaria variações no comportamento de exportação

das firmas.

Em outro estudo, Cavusgil (1984) procurou revelar diferenças entre firmas exportadoras

com vários níveis de internacionalização. O autor mais uma vez aceita como verdadeira

a teoria da internacionalização como um processo gradual e evolutivo. A natureza

seqüencial do processo estaria associada à percepção de risco nas decisões de negócios

internacionais, às expectativas gerenciais e à incerteza dos resultados, implicando em

uma administração cautelosa e de compromissos incrementais de exportação. O autor

lembrou, também, que nem todas as firmas iriam percorrer todo o processo de

internacionalização, com algumas restringindo estrategicamente seu envolvimento.

3 Exemplos de problemas encontrados seriam restrições de importação/exportação, custo e disponibilidade

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Visando identificar diferenças entre empresas conforme seu estágio de

desenvolvimento, foi feita uma pesquisa com entrevistas pessoais em profundidade no

final de 1981, com executivos responsáveis pelo marketing internacional de 70

companhias manufatureiras norte-americanas, abordando tópicos como histórico do

envolvimento internacional, atividades internacionais atuais, uso de pesquisas de

mercado e características da companhia.

As firmas foram classificadas em três tipos - experimentais, ativas e comprometidas -

com relação a tamanho, volume de vendas, ambiente de mercado doméstico, natureza

do envolvimento internacional, políticas de marketing, práticas de pesquisa de mercado.

Segundo a classificação adotada, firmas de envolvimento experimental teriam pouco

comprometimento com o desenvolvimento do mercado externo, sendo a exportação

passiva ou reativa, isto é, acionada por pedidos. Seu comércio internacional seria

marginal (máximo 10% das vendas) com poucos clientes, e as estratégias de produto e

preço seriam extensão do marketing mix doméstico. As firmas de envolvimento ativo

reconheceriam a importância dos negócios internacionais, assumiriam compromissos de

longo prazo e teriam executivos em postos mais altos envolvidos com exportação. Em

geral, fariam adaptação de produtos e políticas de preço e teriam um departamento de

exportação. Finalmente, as firmas comprometidas estariam no estágio final de

internacionalização, buscando oportunidades de negócios mundialmente. Nestas firmas

não haveria muita diferenciação entre vendas domésticas e para mercado externos,

havendo investimento direto em fábricas, subsidiárias de vendas e arranjos de

fornecimento mundiais.

Os resultados sugeriram que os exportadores experimentais, ativos e comprometidos

eram diferentes em relação a tamanho da empresa, medido por volume de vendas e

percentagem de lucro vinda de exportação; ambiente doméstico (maior ou menor

competição e saturação do mercado); natureza do envolvimento nos negócios

internacionais (busca de parcela de mercado, crescimento ou lucro); políticas de

marketing internacional (mais ou menos formalidade nas políticas de marketing, no

de transporte e flutuações no câmbio.

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relacionamento com distribuidores e na estrutura); e práticas de pesquisa de mercado

(importância dada à pesquisa, tipo e variedade das fontes de informação, formalização

do sistema de informação).

A pesquisa mostrou também que, nas empresas pesquisadas, não houve consistência nos

resultados entre tamanho medido em número de empregados e estágio; que

diferentemente do esperado, elas não apresentaram diferença na identificação de

mercados; que a progressão no tempo não era certa (o fato de uma empresa ter anos de

experiência internacional não levava necessariamente a outro estágio); e que o interesse

da alta gerência, o acesso a mercado potencial interno e a estratégia do negócio podiam

influenciar a postura internacional adotada. Estes resultados indicaram que talvez fosse

o conjunto de dimensões, e não apenas uma variável, que caracterizasse a

internacionalização.

Juul e Walters (1986)

Juul e Walters (1986) resolveram testar as teorias desenvolvidas por Johanson, Vahlne e

Wiedersheim-Paul e realizaram um estudo sobre a experiência de internacionalização de

firmas norueguesas no Reino Unido.

Os autores identificaram que historicamente havia um contato significativo entre

Noruega e Reino Unido em termos comerciais, culturais, políticos e geográficos, de

modo que seria seguro afirmar que a distância psicológica entre os países seria pequena.

Quatro proposições foram então delineadas em relação à internacionalização de firmas

norueguesas: (1) investimentos diretos no Reino Unido seriam precedidos por

exportação e o investimento inicial seria orientado para marketing e distribuição; (2)

investimentos diretos no Reino Unido seriam feitos antes de qualquer outro mercado

não escandinavo; (3) a natureza do produto oferecido iria se desenvolver de modo

incremental, com foco inicial no bem físico até incluir serviços, sistemas e know-how e;

(4) subsidiárias britânicas teriam papel importante em coletar, avaliar e transmitir

informação sobre o ambiente de volta para a matriz.

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Os resultados de entrevistas pessoais em 12 firmas norueguesas que tinham estabelecido

subsidiárias de marketing e manufatura no Reino Unido, segundo os autores, estariam

de acordo com as proposições 1 e 2. A maioria das empresas fez seu primeiro

investimento no exterior no Reino Unido; houve uma penetração gradual nos mercados

na grande maioria dos casos, com alguns saltos, devido à percepção positiva do

potencial de mercado e da vontade de ter qualidade de serviço desde o início, atender à

demanda e diminuir custos de transporte. Em relação às proposições 3 e 4, os resultados

seriam menos conclusivos: em muitos casos não houve progressão de produtos e em

outros as empresas começaram a oferecer serviços desde o início. As atividades de

captação de informação teriam variado, com a maioria repassando informação de forma

não sistemática.

Welch e Luostarinen (1988)

Considerando a diversidade das operações internacionais, tipos de mercados, grau de

comprometimento organizacional e tipos de ofertas das empresas, Welch e Luostarinen

(1988) indicaram que haveria uma necessidade de dispor de um modelo genérico, que

envolvesse fatores dinâmicos referentes ao processo de desenvolvimento das

multinacionais, para exame e comparação relativa do grau de internacionalização de

empresas. Assim, neste trabalho, os autores forneceram um modelo com seis dimensões

para identificar a extensão do envolvimento internacional de empresas e identificar se o

processo estaria ocorrendo de forma equilibrada4.

Conforme os autores, três dimensões relacionadas às atividades atuais no mercado

ajudariam na identificação do grau de internacionalização das empresas: modo de

atuação (como: agentes, subsidiárias, licenças, franquias, contratos de gerência), objeto

da venda (o quê: bem, serviço, conhecimento, sistemas), e mercados-alvo (onde:

4 Este modelo, ao contrário de modelos que consideram apenas bases objetivas (como vendas estrangeirassobre total de vendas) para identificar o grau de internacionalização, teria, segundo os autores, a vantagemde buscar variáveis que dariam mais informação sobre a natureza das operações internacionais ecapacidade necessária para conduzí-las.

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características, políticas, culturais, distância psicológica). No primeiro caso, o aumento

da internacionalização das empresas levaria a mudanças no modo de servir o mercado,

mais especificamente ao aumento do envolvimento ou extensão (de ausência de

exportação para agentes, subsidiária de venda e produção) e da diversidade dos métodos

operacionais. Em relação ao objeto da venda, os autores argumentaram que uma maior

internacionalização levaria as firmas a aumentarem e diversificarem as ofertas através

de expansão da linha de produto ou nova linha; ou de uma mudança no conceito de

produto existente, com inclusão de componentes como serviços, tecnologia,

conhecimento. Finalmente, a expansão de operações e de ofertas levaria a aumento do

número de mercados servidos, normalmente passando a incluir mercados mais distantes

em termos políticos, cultural, econômico e geográfico. Segundo esta variável, empresas

iniciando a internacionalização tenderiam a procurar mercados mais simples e

familiares, que seriam, em geral, os mais próximos em termos físicos e culturais. A

mudança para países mais distantes seria vista como indicação de maior

amadurecimento do processo.

Estas três variáveis seriam uma manifestação clara do processo de internacionalização,

podendo ser observadas de modo relativamente fácil. Segundo os autores, porém, três

outras variáveis relacionadas a mudanças internas nas companhias ajudariam a

identificar o verdadeiro grau de internacionalização das empresas. Estas dimensões da

capacidade organizacional seriam importantes pois formariam a base para atuação futura

das empresas. A primeira variável interna seria o desenvolvimento dos recursos

humanos (quem: habilidades internacionais, experiência, treinamento). A experiência e

o grau de internacionalização (como atividades internacionais, educação e conhecimento

de línguas) de pessoas-chave na organização teriam influência na rapidez e sucesso da

internacionalização. Da mesma forma, as políticas de treinamento e recrutamento

levariam a menor incidência de baixo desempenho e imperfeições nos mercados e maior

propensão para internacionalização. A segunda variável interna seria a estrutura

organizacional (departamento de exportação, divisão internacional). Segundo os autores,

o maior compromisso com mercados internacionais levaria à adoção de novas e mais

complexas estruturas para lidar com maior número de mercados e diversidade das

operações. Mudanças estruturais seriam também uma indicação de maior compromisso

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com as operações internacionais. Finalmente, a natureza, extensão, diversidade e

sofisticação das fontes financeiras locais e internacionais indicariam maior grau de

internacionalização.

Na mesma linha de Johanson e Vahlne (1977), os autores indicaram que além destas

seis variáveis que indicariam o grau de internacionalização da empresa como um todo,

haveria outras que ajudariam a explicar porque as empresas passavam de uma etapa do

processo de internacionalização para outro e porque haveria uma certa consistência no

processo de internacionalização. Estas seriam divididas em elementos causais

(influências situacionais como fatores de mercado, ação intermediária, politica de

governos) e fatores contínuos (influências dinâmicas como efeitos do aprendizado e

necessidade de controle).

Os fatores que afetariam a forma de operação da firma e a velocidade do processo

seriam a disponibilidade de recursos (firmas pequenas tenderiam a começar mais

devagar); o grau de conhecimento do mercado (levando à necessidade de entrada

gradual); a existência de redes de comunicação (redes levam tempo para serem

estabelecidas, especialmente se o conhecimento anterior do mercado for pequeno e as

barreiras culturais e físicas grandes); o risco e a incerteza em relação aos mercados

(levando à entrada em mercados semelhantes culturalmente e a comprometimentos

pequenos e graduais); a necessidade de controle (levando ao aumento do

comprometimento no mercado); e o grau de comprometimento de recursos e pessoas ao

processo (mais forte se houvesse pessoal de topo envolvido no desenvolvimento da

estratégia).

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27

2.1.2 Suporte Empírico à Teoria Gradual de Internacionalização

Diversos estudos que se seguiram à formulação da teoria gradual de internacionalização

proporcionaram amplo suporte empírico à mesma. Em particular, podem ser citadas as

pesquisas realizadas nos EUA (por exemplo, Davidson, 1983; Denis e Depelteau, 1985;

Hook e Czinkota, 1989), e também estudos em outros países, como aqueles realizados

por Johansson e Nonaka (1983) no Japão, por Karafakioglu (1986) na Turquia e o de

Barrett (1986) na Austrália.

2.1.3 Críticas à Teoria Gradual da Internacionalização

A teoria de Johanson e Vahlne (1977) também sofreu críticas ao longo do tempo, sendo

retratados aqui os argumentos de alguns dos autores a questionar a validade de suas

proposições, como Hedlund e Kverneland (1993)5, Strandskov (1993)6, Turnbull (1987),

Millington e Bayliss (1990), e Andersen (1993). Outros estudos encontraram suporte

apenas parcial para o modelo. Entre esses destacam-se os de Jarillo e Martínez (1991)

na Espanha, Jones (1999) no Reino Unido, e o de Chetty (1999) na Nova Zelândia, aqui

também apresentados.

Hedlund e Kverneland (1993)7

A partir de um estudo da internacionalização de firmas suecas no Japão, Hedlund e

Kverneland (1993) argumentaram que a visão seqüencial e gradual do processo, no qual

as firmas vão aumentando seu envolvimento internacional aos poucos, inicialmente

vendendo produtos através de agentes, depois subsidiárias de vendas, para só então

passar a produzir nos mercados externos, teria limitações metodológicas e que algumas

suposições dessa teoria poderiam ser questionadas em vista de mudanças no ambiente

5 Artigo original de 1983.6 Artigo original de 1986.

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de negócios internacionais e na habilidade das empresas em administrar as operações

internacionais.

Segundo a teoria de estágios, a falta de conhecimento e de recursos seriam os obstáculos

mais importantes para a internacionalização e a ordem destes estabelecimentos estaria

associada à distância psicológica, sendo feitos ajustes graduais conforme as condições

internas das firmas e do mercado. No entanto, segundo Hedlund e Kverneland (1993),

alguns aspectos modificariam estas conclusões.

Em primeiro lugar, a disposição das empresas em se mover primeiro para áreas mais

próximas geográfica ou culturalmente teria diminuído, assim como o tempo entre a

introdução de produtos no mercado interno e a primeira produção em mercados

estrangeiros. Disto decorreria que a aquisição de experiência internacional pelas

empresas teria passado a ser feita pulando-se etapas na cadeia de estabelecimento, o que

permitiria questionar a relevância da teoria de aprendizado gradual. Em segundo lugar, o

surgimento de novas estruturas organizacionais, como a divisionalizada globalmente,

possibilitaria a integração das operações internacionais à estratégia geral das firmas,

tornando o uso de subsidiárias menos arriscado do que a venda através de agentes, o que

também modificaria a cadeia de estabelecimentos. A terceira questão seria o fato de que,

para fazer face à concorrência, as empresas acabariam adotando estratégias de entrada

em novos mercados mais curtas. Um quarto aspecto seria que as diferenças nos

ambientes de negócios internacionais de países industrializados teriam diminuído, o que

reduziria as deficiências de conhecimento que impediam a entrada rápida e direta nos

mercados. Finalmente, haveria limitações metodológicas nos estudos de

internacionalização que deram base à teoria de estágios: a utilização de amostras

pequenas e o confinamento a tipos de empresas e a um pequeno número de variáveis

observadas dificultariam a generalização dos resultados e o estabelecimento de relações

de causalidade. Além disso, a falta de estudos sobre empresas que não completaram a

cadeia levaria ao questionamento dos resultados encontrados.

7 O artigo foi originalmente publicado em 1983.

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Para testar esta argumentação e possíveis modificações nas estratégias de entrada e

crescimento das empresas, os autores fizeram um estudo (através de análise de

investimentos diretos, questionários e entrevistas) das estratégias de entrada e

crescimento de 18 firmas suecas no Japão entre 1981 e 1982. Os resultados obtidos

sugeriram uma tendência em adotar estratégias mais rápidas, diretas e com menos

etapas; a existência de outros mecanismos de aprendizado de mercado (como

subcontratação de produção e formação de joint ventures) além do estabelecimento de

subsidiárias; e a influência de fatores como conhecimento do mercado, experiência

internacional e tamanho da empresa na escolha de estratégias. Além disso, segundo os

autores, os resultados permitiriam questionar, também, a relação entre desempenho e

entrada gradual nos mercados8.

Strandskov (1993)9

Strandskov (1993), a partir de uma revisão da literatura na área de internacionalização,

discutiu igualmente algumas implicações do modelo de estágios e sugeriu um novo

modelo para a pesquisa do processo de internacionalização das firmas que permitiria

identificar, por exemplo, tipos de orientações para internacionalização e situações de

negócio.

De modo geral, o comportamento de internacionalização teria sido concebido como um

processo gradual, com estágios incrementais e com um relativamente longo período de

tempo entre as etapas. Além disso, grande parte dos estudos teriam investigado o

processo de internacionalização estabelecendo relações entre pequenos grupos de

variáveis, como por exemplo, tamanho e crescimento, tecnologia e características

8 Desta forma, os autores argumentaram que a teoria de estágios não explicaria todo o processo deinternacionalização das empresas, sendo preciso desenvolver novas teorias que levassem em conta asmudanças do ambiente, pesassem os benefícios da entrada rápida no mercado em relação às vantagens deadotar estratégias mais cautelosas e questionassem se não seria possível à empresa mover-se mais rápida eambiciosamente nos mercados externos do que a teoria gradual sugere.

9 O artigo foi originalmente publicado em 1986.

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administrativas, usando estatística bivariada simples, como correlação, para análise de

dados.

Segundo o autor, o primeiro problema do uso de modelos de estágios seria o fato destes

representarem uma tentativa de sistematizar o processo de internacionalização em

algumas fases, quando estas na verdade dependeriam de relações causais entre muitas

variáveis dos ambientes interno e externo das firmas. Cada modelo observaria um

número reduzido de variáveis e buscaria convertê-las em hipóteses, como se estas não

sofressem interferência das variáveis não medidas. Além disto, os modelos pecariam por

poder levar os pesquisadores a defenderem causalidades apenas para corroborarem a

classificação adotada.

Um segundo problema seria o fato de este enfoque implicar em construir modelos

descritivos que indicariam a direção definitiva das mudanças. Isto levaria a uma

descrição determinística da evolução das firmas no tempo, como se existissem

parâmetros fixos de desenvolvimento. No entanto, fenômenos de negócios teriam

natureza mais qualitativa e imaterial, variando conforme o ambiente (fatores

contingenciais) e o comportamento dos gerentes (fatores individuais).

Outra crítica feita pelo autor é de que as pesquisas teriam investigado a

internacionalização de firmas em retrospecto, usando os resultados do comportamento

da empresa como meio de estruturar um processo e adequar aos modelos estudados.

Este procedimento tornaria difícil separar o pesquisador do fenômeno estudado e muitas

vezes não levaria em conta a percepção dos gerentes sobre os fatos.

Uma quarta questão seria o fato de que haveria alguma evidência empírica da existência

de um processo de mudança cíclico, com períodos alternativos de eficiência nas

atividades e estruturas e de mudanças qualitativas, em oposição à estabilidade e

continuidade que seriam defendidas pelos proponentes da teoria de estágios.

Finalmente, o autor destacou que as pesquisas nos últimos anos não teriam somado ao

conhecimento do funcionamento e adaptação das firmas internacionais, pois os

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resultados sobre o papel de variáveis tecnológicas, de produção e comportamental na

internacionalização seriam muitas vezes contraditórios10.

Turnbull (1987)

Outro autor que questionou a validade das teorias que defendem que o processo de

internacionalização é gradual e segue uma seqüência progressiva e ordenada foi

Turnbull (1987). Segundo ele, a teoria de estágios estaria baseada em apenas dois

estudos empíricos significativos - a pesquisa original do comportamento de exportação

de quatro empresas suecas de Johanson e Wiedersheim-Paul (1975) e a pesquisa em

firmas australianas de Wiedersheim-Paul, Olson e Welch (1978) - o que limitaria a

possibilidade de generalização das observações. Além disso, haveria evidências

empíricas e teóricas que seriam contrárias às proposições destes trabalhos. Alguns

estudos sugeriram, por exemplo, que as empresas adaptariam sua estratégia a

circunstâncias de mercado conforme oportunidades surgidas, recursos internos e

filosofia empresarial, sendo portanto difícil imaginar que seguiriam necessariamente o

mesmo padrão de internacionalização. Haveria ainda questões interpretativas e

metodológicas: dependendo do critério adotado em cada estudo, encontrar-se-iam

diferentes graus, tipos e estágios de internacionalização.

Para o questionamento empírico da teoria de estágios, este autor realizou um estudo de

casos ao longo de cinco anos com 24 empresas britânicas operando em três setores na

França, Alemanha e Suécia. Os resultados da análise de dados mostraram que a teoria de

estágios não retrataria a expansão internacional de algumas indústrias na Europa. Em

duas das indústrias estudadas, não ocorreu um desenvolvimento seqüencial nos

10 Strandskov defendeu que futuras pesquisas deveriam ser mais pluralísticas, observando a complexidadeda internacionalização e olhando simultaneamente para um grande número de variáveis que, juntas,definissem uma parte significante e coerente da realidade das firmas. Deveriam também distinguir entrecategorias e tipos de corporações internacionais e contextos diferentes, considerando fatorescontingenciais e individuais, ao invés de tentar achar teorias gerais. Finalmente, seria importante fazerpesquisas longitudinais para incluir o papel do tempo nos estudos. Como resultado, seria possíveldesenvolver um novo modelo que englobasse variáveis do meio ambiente internacional, gerenciais efatores contextuais das próprias firmas.

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mercados (algumas empresas, por exemplo, usavam agentes e venda direta há anos, sem

passar para outro estágio) enquanto na terceira, as empresas tendiam a adotar a mesma

estrutura organizacional em vários mercados, independentemente do volume de vendas.

Além de verificar que as empresas usavam uma combinação de modelos organizacionais

nos mercados, o estudo também verificou uma reversão de estágios em alguns casos.

Ambas as situações não seriam contempladas na teoria de estágios, mas seriam

resultado de adaptações das estratégias das empresas às características do mercado e da

estrutura da indústria. Para o autor, a teoria de estágios não seria mais apropriada para

explicar como e por quê ocorre a internacionalização em um ambiente competitivo e

mutável. Novas teorias que levassem em consideração fatores internos à firma e de

mercado deveriam ser desenvolvidas. Além disso, os estudos deveriam ser realizados

em determinados mercados no nível de indústria e deveriam evitar a busca de um

modelo generalizado de comportamento.

Millington e Bayliss (1990)

Millington e Bayliss (1990) investigaram um dos estágios no processo de

internacionalização, a formação de subsidiárias de manufatura ou joint venture em

mercados externos através do modelo seqüencial proposto por Johanson e Vahlne

(1977) e Welch e Luostarinen (1988). Eles fizeram uma survey com 50 companhias de

manufatura no Reino Unido para investigar os fatores que estariam por trás do processo

de internacionalização na Comunidade Européia. A investigação teve como foco a

relação existente entre experiência internacional, planejamento estratégico e decisão de

investir em um mercado estrangeiro e a importância relativa desta experiência e

planejamento na decisão.

Segundo os autores, o modelo de Johanson e Vahlne (1977) não faria qualquer menção

a planejamento estratégico formal e avaliação sistemática de alternativas, sendo a

decisão de investimento dominada por experiência específica no mercado e

caracterizada por busca de informação limitada e centrada na resolução de problemas.

No entanto, conhecimento experimental dentro de um mercado estrangeiro específico

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representaria apenas uma fonte de informação para a companhia, podendo esta ser

obtida da experiência internacional em outros mercados e planejamento formal

estratégico. A experiência internacional representaria os benefícios transferíveis que as

empresas ganhariam de fabricar no exterior, que derivariam da experiência direta das

firmas em lidar com problemas gerenciais associados com a formação e controle de

subsidiárias de manufatura, e dos sistemas gerenciais que as firmas internacionais

desenvolveriam para controlar e administrar toda operação. Estes dois tipos de

benefícios reduziriam os riscos associados ao investimento internacional e permitiriam

às firmas pular certos estágios no processo de internacionalização, ou mesmo mover-se

diretamente para a produção no exterior, o que os autores chamaram de estratégia

discreta de penetração no mercado, em oposição à incremental. Outra fonte de

informação seria o planejamento estratégico formal. As empresas poderiam optar por

investir na formação de um sistema de planejamento e de busca sistemática e avaliação

de oportunidades de investimento, substituindo a experiência no mercado e pulando

etapas. Estes dois fatores sugeririam, segundo os autores, que um modelo incremental

estrito para internacionalização só se aplicaria a um grupo de firmas.

Esta relação entre planejamento e experiência de mercado e decisão de investimento foi

estudada separando as empresas em três tipos: planejadas, orgânicas e oportunistas.

Uma estratégia planejada existiria quando a decisão de estabelecer uma operação

transnacional fosse parte de um processo formal de planejamento, colocando o

investimento dentro dos objetivos estratégicos da matriz e seria caracterizada por uma

avaliação sistemática de alternativas, levando à criação de novas manufaturas no

exterior ao invés de melhoria das atividades. Uma estratégia orgânica envolveria a

formação de empresas de manufatura através de modificação de um compromisso

existente na forma de agentes, acordo de licenciamento ou subsidiária de vendas, e

poderia ser resultado de planejamento ou ímpeto. Finalmente, na estratégia oportunista,

a criação de uma manufatura seria resultado de uma nova instalação, sendo que o ímpeto

para o investimento viria de fora do plano estratégico ou qualquer planejamento,

resultando da percepção de uma oportunidade. Esta divisão permitiu que os autores

identificassem que o planejamento corporativo podia ter impacto em algumas decisões,

fazendo com que empresas sem experiência em um mercado específico decidissem nele

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investir como parte do planejamento formal. De outro modo, poderiam existir

investimentos oportunistas e orgânicos a partir de problemas e oportunidades

identificados através da atuação em um mercado.

A relação positiva entre experiência internacional e investimento planejado foi testada

dividindo as matrizes em três grupos: multinacionais (MNC), transnacionais (TNCs) e

venturers (VENs), refletindo diferentes estágios de desenvolvimento internacional11. Os

resultados confirmaram, segundo os autores, a relação positiva entre experiência

internacional e planejamento. Nas MNCs o planejamento seria base para o processo de

internacionalização com investimentos oportunistas ocorrendo apenas

excepcionalmente. Nestes casos, os investimentos no exterior seriam discretos, com as

empresas tendo visão global e comparando alternativas, e com o tamanho e experiência

minimizando os riscos de pular etapas. Já as VENs dependeriam mais das informações

de mercado, sendo o modelo incremental um modo de investir sem necessidade de

pesquisa extensiva e com risco limitado. Existiria uma dicotomia entre estratégias

planejadas e reativas ou oportunistas, com investimentos sendo explicados pela

experiência da matriz.

Segundo os autores, os resultados da pesquisa não apoiavam um processo de

internacionalização incremental restrito. Várias empresas pularam etapas e a

substituição do conhecimento experimental por experiência internacional e

planejamento formal poderia ser o motivo. Os resultados apoiavam o modelo de ciclo de

vida baseado no desenvolvimento internacional da firma. No início da

internacionalização, as firmas dependeriam mais das experiências no mercado e fariam

ajustes incrementais, sendo estes procedimentos gradualmente substituídos por

planejamento formal e busca sistemática de oportunidades. Nos estágios finais,

11 As MNCs seriam o estágio final do processo de internacionalização e seriam empresas que produziriamem mais de seis países estrangeiros e cujo excedente seria superior a L500 m, o que as permitiria operarglobalmente em termos de recursos financeiros e gerenciais e do portfolio de subsidiárias. TNCs seriamempresas que tivessem uma ou mais manufaturas no exterior mas que não se encaixariam na definição deMNCs. Estas empresas teriam experiência internacional sem a extensão de operações e recursos dasprimeiras. Finalmente, as VENs seriam as empresas que teriam movido para produção internacionalatravés de subsidiária na Comunidade Européia.

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experiência internacional seria transferidas através de mercados e produtos,

possibilitando à firma pular etapas.

Jarillo e Martínez (1991)

Jarillo e Martínez (1991) analisaram a internacionalização de 35 empresas espanholas

de modo a determinar em que medida a teoria gradual de internacionalização poderia

explicar este processo. As empresas selecionadas encontravam-se entre as mais bem

sucedidas de seu país no processo de internacionalização.

Após analisar esses processos de internacionalização, os autores concluíram que “o

modelo tradicional de estágios não faz justiça a uma parcela importante da realidade

observada”, considerando necessária “uma visão mais abrangente” (p.292). De fato, na

análise dos autores, foram identificados saltos em etapas, reversão de etapas

consideradas mais avançadas para etapas iniciais do processo de internacionalização, e

estabilidade em um determinado modo de atuação. Estas variações indicariam que o

comprometimento gradual pode ser modificado por decisões estratégicas ou econômicas

das empresas, como por exemplo o aproveitamento de ganhos de escala com a produção

em um único local. Desta forma, o argumento de Johanson e Vahlne (1977) de que o

processo procederia independentemente de haver ou não direção estratégica neste

sentido, não seria verdadeiro em todos os casos.

Andersen (1993)

Andersen (1993) elaborou uma análise detalhada das críticas feitas ao modelo gradual

de internacionalização. Este autor considera que o modelo gradual de

internacionalização é um modelo do tipo historicista, em que a explicação para um

estado particular se baseia em um estado anterior ou em uma seqüência de condições

anteriores.

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Andersen afirma que o modelo gradual de internacionalização não apresenta as

condições iniciais que levam à internacionalização da empresa, ou seja, o modelo não

explica por que ou como se inicia este processo. Além disso, considera que os autores

não discutem os fatores que poderiam influenciar o processo, afirmando apenas que este

prosseguiria independentemente de decisões estratégicas.

O autor critica ainda o fato de as variáveis que compõem o modelo não serem

adequadamente definidas e a ausência de definições operacionais das mesmas, o que

dificultaria o teste do modelo. Da mesma forma, considera que as relações entre as

variáveis não se encontram claramente definidas, havendo apenas vagas indicações a

esse respeito.

Para possibilitar testes empíricos mais apurados, Andersen sugere que sejam

estabelecidas de forma mais precisa as fronteiras do modelo, ou seja, que se identifique

as circunstâncias às quais o modelo é relevante.

Jones (1999)

Em um estudo com 196 empresas de alta tecnologia no Reino Unido, Jones (1999)

analisou, entre outros aspectos, se a teoria gradual de internacionalização se aplicava a

este tipo de empresa.

A autora procurou identificar seqüências típicas de expansão internacional das empresas

de alta tecnologia. Como resultado, não se verificou uma progressão generalizada de

modos de exportação indiretos para modos mais diretos. Os resultados obtidos levaram

Jones a afirmar que “a cronologia apresentada pela maior parte da literatura sobre

internacionalização, de um movimento gradual da exportação indireta para a direta, para

licenciamento e outros arranjos contratuais até o investimento direto no exterior, se

apresenta em algumas poucas empresas mas não é (um padrão) típico dessa amostra”

(p.28). Estas conclusões corroboram as proposições de outros estudos de que nem

sempre as empresas seguem um único comportamento internacional, variando sua

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estratégia conforme a percepção de vantagens e oportunidades em um ou outro modo de

atuação em um determinado momento.

Chetty (1999)

Chetty também procurou verificar, entre outras coisas, se o modelo gradual de

internacionalização se aplicaria a empresas têxteis da Nova Zelândia. Para tanto,

realizou um estudo de casos com cinco empresas.

Conforme o autor, alguns aspectos do modelo puderam ser comprovados no estudo,

enquanto outros foram refutados. A importância da distância cultural e psíquica a

mercados externos nas decisões de internacionalização, por exemplo, foi comprovada

nos estudos de casos das empresas neozelandesas. No entanto, verificou-se que as

empresas, de forma geral, não seguiam os estágios de internacionalização da forma

prevista no modelo, podendo avançar para etapas consideradas de maior

comprometimento e recuar, em seguida, para posições vistas pelo modelo como de

menor comprometimento. Em um dos casos, a empresa desenvolveu fortemente suas

exportações para mercados externos, mas preferiu não abrir fábricas no exterior, por não

ser economicamente vantajoso e por apresentar maior risco, mas parecia fortemente

comprometida com a internacionalização.

Um resultado interessante do estudo de Chetty refere-se à importância dos acordos de

comércio regionais e à desregulamentação da economia, fatores esses que parecem ter

influenciado a decisão de internacionalização das empresas.

Outras Críticas

Outras críticas foram formuladas por vários autores. Reid (1983) já havia afirmado,

antes de Turnbull (1987), que o modelo é muito determinístico. Forsgreen (1989)

argumentara, como Millington e Bayliss (1990), que o modelo de processo é relevante

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para primeiras etapas de internacionalização, quando a falta de conhecimento e recursos

é impeditivo, mas não serviria para firmas com atividades em vários países. Nordstrom

(1990), como Hedlund e Kverneland (1993), defendera que o mundo ficou mais

homogêneo e que mudanças no ambiente (maior informação, mais facilidade de

transmissão de dados) teriam diminuído a distância cultural entre países, levando à

entrada mais direta em mercados.

2.1.4 O Modelo Gradual de Internacionalização Revisto

Johanson e Vahlne (1990)

Em virtude das críticas e limitações à teoria de internacionalização gradual que foram

formuladas ao longo dos anos, Johanson e Vahlne (1990) fizeram um novo artigo para

esclarecer o modelo de estágios. Segundo eles, o processo de internacionalização seria,

de fato, um processo onde a empresa gradualmente aumentaria seu envolvimento

internacional em virtude do conhecimento adquirido sobre mercados e operações. O

conhecimento de mercado (percepção de oportunidades e problemas) só poderia ser

adquirido pessoalmente, disso resultando a necessidade de internacionalização em

etapas para reduzir incertezas. Haveria, no entanto, três exceções para este processo

gradual em pequenas etapas. Primeiro, firmas grandes, com muitos recursos, tenderiam

a tomar passos mais largos, pois haveria menos impacto do comprometimento de

recursos. Segundo, onde condições de mercados são estáveis e homogêneas, o

conhecimento relevante de mercado poderia ser adquirido de outras formas, disso

resultando processos menos graduais. Terceiro, quando firmas tivessem larga

experiência em outros mercados com condições similares, poderiam generalizar a

experiência e, então, pular etapas.

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Outra característica do modelo seria o fato de considerar que o processo de

internacionalização dependeria de atores com diferentes interesses e idéias. Assim,

aqueles engajados em um mercado veriam oportunidades e problemas e tenderiam a

buscar soluções automaticamente, de modo que, uma vez iniciado, o processo

procederia independentemente de haver ou não direção estratégica neste sentido.

Segundo estes autores, as críticas à cadeia de estabelecimento e à existência de

compromissos em mercados cada vez mais distantes psicologicamente, não atacariam as

bases do modelo, que seriam o desenvolvimento de conhecimento do mercado com o

conseqüente aumento de compromisso das atividades. A cadeia de estabelecimento (sem

exportação regular – exportação através de agentes – exportação através de subsidiária

de vendas – produção) e a entrada em mercados com distância psicológica aumentando

gradativamente seriam apenas duas manifestações do processo de internacionalização.

Outros indicadores poderiam ser usados, como tamanho do investimento no mercado ou

força da ligação com mercados, para verificar a evolução do comprometimento das

empresas nos mercados.

De fato, o modelo teria recebido amplo apoio de pesquisas em vários países e situações,

confirmando que comprometimento e experiência seriam fatores capazes de explicar o

comportamento internacional das firmas. Assim, a crítica de que o modelo é muito

determinístico (Reid, 1983; Turnbull, 1987) seria direcionada apenas à teoria de

estágios, uma das manifestações do processo. Já a crítica de que o modelo seria

relevante apenas para as primeiras etapas de internacionalização (Forsgreen, 1989;

Millington e Bayliss, 1990) seria apropriada, uma vez que a maior parte dos estudos

empíricos havia sido feita nos estágios iniciais de internacionalização. Esta crítica

afetaria a extensão da validade do modelo e seria igualmente válida para a teoria de

investimento direto. Outro argumento considerado válido pelos autores seria a

proposição de Nordstrom (1990) de que o mundo teria ficado mais homogêneo, o que

teria diminuído a distância cultural entre países, levando à entrada mais diretas nos

mercados.

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40

A seguir, os autores propuseram uma revisão do modelo de modo a incorporar

resultados de pesquisas sobre redes de relacionamento (networks). Segundo o conceito

de network, firmas em mercados industriais desenvolveriam e manteriam relações de

negócios entre si construídas com base em confiança mútua e conhecimento. Cada firma

seria parte de uma rede de relacionamento composta de clientes, clientes dos clientes,

fornecedores, competidores, distribuidores, agentes, consultores e agentes públicos, e

estas redes variariam de país para país. Networks seriam, no entanto, um fenômeno que

não poderia ser observado facilmente por firmas entrando no mercado (entrante

potencial), ao contrário, os relacionamentos só poderiam ser entendidos através da

experiência desenvolvida pela interação dentro da rede, especialmente no caso de existir

distância cultural entre as firmas.

Incorporando este conceito ao modelo do processo de internacionalização, os autores

sugeriram que o conhecimento do mercado (isto é, das networks) seria baseado na

experiência das atividades atuais (ou interações de negócio atuais). Como a idéia de

network implicaria na interação ativa de todas as partes para o estabelecimento e

desenvolvimento de relacionamentos, a entrada de uma firma em uma rede já

estabelecida dependeria também de iniciativas das empresas a ela pertencentes. Em vista

disso, os conceitos de compromisso, conhecimento, atividades atuais e decisões de

compromisso deveriam ser entendidos como multilaterais ao invés de unilaterais, como

previsto no modelo original. Isso faria com que o processo fosse tanto inter-

organizacional como intra-organizacional. Assim, o processo envolveria compromisso e

conhecimento tanto da firma que quer entrar no mercado (ou network), como das firmas

que fazem parte da network sobre outros atores no mercado, e ambos afetariam as

atividades atuais.

Outra questão importante seria o fato de as networks poderem variar conforme o país em

que atuam, o tipo de produto e sua extensão internacional, o que teria implicações no

processo de internacionalização de uma dada firma. Desta forma, para a teoria de

networks, uma firma estaria inicialmente engajada em uma network basicamente

doméstica e começaria seu processo de internacionalização ao desenvolver

relacionamentos de negócios com networks de outros países. Isso se daria através do

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estabelecimento de relações em networks novas para a firma (extensão internacional);

do desenvolvimento de relações nestas redes (penetração); e da conexão de redes de

diferentes países (integração internacional). Estas pontes seriam importantes nos

primeiros passos da internacionalização e entradas subseqüentes em novos mercados. O

tipo de ligação existente entre as empresas variaria conforme o tipo de firma envolvida.

Haveria elos técnicos, econômicos e legais, bem como elos sociais e cognitivos. A

influência das pessoas variaria com a indústria e o país de origem, mas seria possível

supor que esta seria maior nos primeiros estágios de internacionalização (ou formação

de relacionamentos) e em indústrias turbulentas e de alta tecnologia. Em alguns casos, a

exploração de vantagens advindas de redes (como transferência de tecnologia e

conhecimento) poderia acelerar a internacionalização.

Petersen e Pedersen (1997)

Petersen e Pedersen (1997) realizaram uma avaliação do modelo de internacionalização

de Uppsala, incluindo os trabalhos de Carlson, Forsgreen e Johanson, Johanson e

Wiederscheim-Paul e Johanson e Vahlne, vinte anos após a publicação do artigo

seminal de Johanson e Vahlne (1977).

Neste trabalho, os autores discutiram as críticas, ainda que esparsas, ao modelo de

internacionalização gradual de Uppsala, tanto do ponto de vista de resultados empíricos

conflitantes, como de desenvolvimentos teóricos dedutivos que não deram suporte ao

modelo, citando alguns dos estudos previamente referidos no presente trabalho. Os

autores acreditavam que o modelo se beneficiaria de algumas proposições

suplementares, que ajudassem a explicar alguns desvios ou exceções encontrados nos

estudos empíricos. Entre os fatores a serem considerados adicionalmente, sugeriram três

variáveis: o crescimento das vendas de exportação, a acumulação de recursos

financeiros e gerenciais pela empresa e maior competição global. Esses fatores poderiam

alterar o comportamento esperado das empresas, explicando os motivos pelos quais não

se teria passado de uma a outra etapa do processo de internacionalização.

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42

Os autores afirmaram que o modelo de Uppsala permanecia empiricamente válido e que

“a idéia fundamental de internacionalização incremental parece bastante sólida”

(Petersen e Pedersen, 1997, p.131). Consideraram, no entanto, que a relação linear entre

conhecimento de mercado e comprometimento com o mercado era questionável, e

sugeriram, ainda, que as premissas restritivas relativas à cadeia de estabelecimento

deveriam ser relaxadas.

2.2 TEORIAS ECONÔMICAS DA INTERNACIONALIZAÇÃO

Uma segunda corrente de estudos na área de internacionalização é aquela formada por

Buckley e Casson (1979, 1998), Rugman (1981), Kogut (1983), Dunning (1980, 1988,

1997), entre outros. Nesta abordagem, busca-se entender o processo de

internacionalização como uma avaliação de alternativas de modo a otimizar a escolha de

mercados com base nas teorias de custos de transação. Como expoentes, temos as

teorias de internalização e o Paradigma Eclético.

2.2.1 Teorias de Internalização

Buckley e Casson (1979, 1998)

Buckley e Casson argumentaram que a divisão de mercados nacionais seria resultado

dos efeitos de localização e de propriedade. Através destes dois aspectos, os autores

desenvolveram um modelo teórico para explicar e predizer a divisão dos mercados

nacionais entre quatro modos de atendimento ao mercado: através de firmas locais,

subsidiárias de multinacionais (EMNs) localizadas no mercado servido, exportação para

o mercado por empresas estrangeiras e exportação por multinacionais.

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Segundo a teoria ortodoxa de localização, as firmas avaliariam os custos envolvidos em

cada estágio de produção e escolheriam a série de localizações onde o custo médio total

de produção fosse minimizado. Esta teoria assumiria retornos constantes de escala,

tecnologia disponível e padronizada para todas as empresas e a busca de melhor preço

em todos fatores de mercado pelas empresas. Na prática, porém, segundo os autores, as

empresas raramente se deparariam com condições competitivas ideais onde os custos de

transporte fossem a única barreira ao comércio. Assim, a estratégia de localização seria

complicada por fatores como a existência de economias de escala em mais de uma

atividade, a complexidade de atividades que deveriam ser integradas (por exemplo,

produção, marketing e pesquisa e desenvolvimento), a existência de mercados

imperfeitos e as intervenções governamentais.

Em relação ao efeito de propriedade, os autores argumentaram que, sempre que

houvesse incentivos para evitar mercados imperfeitos em produtos intermediários, as

empresas tenderiam a internalizar estes mercados. As empresas fariam uma análise

comparativa entre benefícios da internalização (como a diminuição do tempo de

produção, o estabelecimento de preços diferenciados e a diminuição de situações de

barganha, de incerteza quanto ao valor do produto e intervenção governamental) e

custos (como os custos fixos de operar em um mercado, a perda de escala, os custos de

comunicação e aqueles relativos problemas de propriedade estrangeira e controle), de

modo que sempre que os benefícios fossem maiores, haveria a internalização de

fronteiras nacionais e criação de EMNs. Desta forma, os efeitos de propriedade

poderiam modificar as políticas de localização de EMNs, influenciando o padrão de

distribuição da produção entre EMNs e firmas nacionais. O menor custo de localização,

influenciado por preços diferenciais e barreiras de mercado, governaria em grande parte

a proporção do mercado servido por exportação e as economias de internalização de

mercados levariam ao atendimento local do mercado12.

12 Segundo os autores, seria possível entender e indicar a divisão de mercados entre produtoresdomésticos, subsidiárias locais de EMN, exportação de fábricas estrangeiras e exportação de EMN, apartir de informações sobre fatores específicos da indústria (natureza do produto, estrutura do mercadoexterno, relação entre escalas ótimas das atividades ligadas pelo mercado); fatores específicos da região(custos dos fatores em regiões diferentes, disponibilidade de material intermediário e matéria prima,distância geográfica e social entre as regiões envolvidas); fatores específicos da nação (estruturas fiscal e

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Kogut (1983)

Seguindo a linha de que seriam os benefícios inerentes a empresas multinacionais

(EMNs) que levariam as empresas a investir no exterior, Kogut (1983) procurou integrar

a literatura existente sobre investimentos estrangeiros diretos, unindo as vantagens de

operações multinacionais à teoria de investimento direto no exterior. Segundo o autor,

uma análise das mudanças ocorridas de 1950 a 1979 nos canais dominantes de

investimentos estrangeiros diretos nos EUA sugeriria que estes passaram de novos

fluxos entre companhias para reinvestimentos intra-firmas. Tal comportamento indicaria

a existência de um processo seqüencial de investimento após a entrada em um mercado,

que não seria discutido nas teorias que enfatizam o comportamento oligopolista das

empresas. Os reinvestimentos poderiam, no entanto, ser entendidos ao se dar maior

consideração às vantagens sistêmicas das redes multinacionais.

Para o autor, a principal vantagem das EMNs estaria na flexibilidade de transferir

recursos entre países através de uma rede global que maximizaria benefícios. No

entanto, alguns modelos de investimento direto haviam tentado diminuir estas

vantagens, ressaltando aspectos motivacionais de comportamento que surgiriam de

fatores nacionais e imperfeições do mercado. Kogut ressaltou a importância de fazer

uma distinção entre as motivações originais para estabelecimento de fábricas em outros

países e as decisões de reinvestimento, que seriam fruto das vantagens do sistema

multinacional.

Haveria três características básicas das multinacionais que influenciariam as decisões de

investimento: a possibilidade de arbitrar restrições institucionais (provisões anti-trust,

limitações financeiras e proibições de comércio); economias de custo e vantagens de

“mover primeiro” advindas da curva de aprendizado em atividades internacionais; e

politica de cada nação envolvida); e fatores específicos da firma (em particular a habilidade de gerentes decomunicar através de fronteiras nacionais e de lidar com as complexidades de uma propriedadeinternacional).

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economias de produção conjunta em marketing e fabricação. Estas características

criariam oportunidades sistêmicas únicas para as multinacionais devido a sua

flexibilidade operacional e teriam impacto nas decisões de volume e direção de

investimento das firmas.

Ainda segundo Kogut, seria importante considerar as vantagens sistêmicas de uma rede

multinacional no estudo dos investimentos estrangeiros nos países, pois isto modificaria

o comportamento das firmas. Além de diminuir os custos de controle, pesquisa e

desenvolvimento e marketing, a multinacionalidade aumentaria as oportunidades de

investimento da firma (acesso a mercados financeiros internacionais mais

diversificados, possibilidade de investir em projetos não disponíveis para firmas locais e

menor risco de capital). Outra vantagem das multinacionais seria a flexibilidade para

alterar a estrutura e o nível de suas obrigações (como a escolha de onde declarar lucros e

a transferência de produtos de um país onde a moeda está valorizando para outro).

Para fortalecer a hipótese de que o crescimento de investimentos diretos no exterior no

futuro deveria ser na forma de reinvestimento ao invés de novos fluxos, Kogut propôs

que o valor de uma firma teria influência de quatro variáveis: fluxos de caixa,

aprendizado, produção conjunta e opções relativas às vantagens da interdependência de

fluxos de caixa de projetos das multinacionais (custo de aprendizado, economia de

produção conjunta e comercialização de non-tradeables). Este último fator (isto, é a

opção de exercer certos direitos como onde declarar imposto e onde produzir) ilustraria

as oportunidades advindas de um sistema multinacional e seria um hedge valioso contra

eventos contingenciais. Empresas que dispusessem dessas oportunidades provavelmente

iriam utilizá-las ao invés de fazer novos investimentos.

Buckley (1989)

Buckley (1989) fez um levantamento da literatura econômica de investimentos diretos

feitos pelas pequenas e médias empresas (PMEs) no exterior, indicando que haveria

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várias abordagens para o entendimento do comportamento internacional destas

empresas.

A primeira abordagem seria a defendida pela teoria econômica, segundo a qual o papel

da gerência seria fundamental para explicar os investimentos estrangeiros diretos, pois

estes seriam atividades de alto risco e que dependeriam da obtenção e repasse de

informações de mercado para a empresa. Como as PMEs seriam limitadas por falta de

tempo e de pessoal, muitas decisões seriam tomadas sem a devida preparação e o uso de

escalas de produção ideais seria limitado pela impossibilidade de coordenação das

operações. Em vista disso, o crescimento da firma seria limitado por dificuldades de

diversificação e expansão, mudanças na tecnologia, necessidade de equilibrar controle

hierárquico e cooperação, falta de recursos financeiros internos e externos para

investimento em novos produtos e processos e recrutamento de pessoal qualificado. Na

abordagem evolutiva, seria dada ênfase ao processo de envolvimento internacional,

desde a exportação até investimentos diretos. Neste processo, interações entre pressões

internas e externas da firma, e em particular do papel da gerência em obter informação e

reduzir risco seriam fundamentais para o aprendizado das empresas. Uma terceira teoria

seria a baseada na hipótese ‘gambler’s earning’ surgida nos anos 50, na qual as firmas

multinacionais agiriam como jogadores, fazendo uma aposta inicial pequena e

continuando a apostar até que o retorno se tornasse grande em relação ao investimento

inicial. Por trás deste comportamento estaria uma independência das subsidiárias da

matriz, a necessidade de compensar os altos riscos do estabelecimento no exterior ao

invés de no mercado doméstico, e a segurança de reinvestir em uma subsidiária bem

sucedida em oposição à incerteza de novos investimentos. Segundo Buckley, esta

hipótese não explicaria o comportamento atual de grandes multinacionais, mas poderia

ser verdadeira para as atividades internacionais iniciais das PMEs, quando suas

oportunidades seriam limitadas. Na abordagem da decisão corporativa, os investimentos

diretos no exterior seriam vistos como um processo gerencial envolvendo objetivos

pessoais como a busca de uma vida fácil ou de recompensas e análises do custo de

informação, horizonte de decisões dos gerentes, conflitos entre firmas e incerteza dos

resultados. Finalmente, a abordagem de negócios internacionais desenvolveu métodos

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para definir “sucesso” através da identificação de variáveis objetivas e subjetivas e da

classificação de investimentos comparativamente.

O autor analisou estudos feitos com 43 PMEs britânicas e identificou as seguintes

peculiaridades no comportamento de investimento no exterior destas empresas: os

problemas de falta de capital e tempo de gerência levariam a arranjos menos ótimos de

crescimento, atalhos, decisões mais personalizadas e estimativas de curto prazo

baseadas em percepções e preconceitos; os altos custo de informação e a dificuldade de

contratação de profissionais limitariam a busca e avaliação de oportunidades; a

proporção de recursos investidos seria alta comparativamente às grandes empresas, o

que indicaria que PMEs estariam mais dispostas a aceitar maiores riscos; devido à

restrição de capital e de tempo de gerência, PMEs adotariam horizonte menor para

obtenção de retorno sobre investimentos e buscariam taxas predeterminadas; e PMEs

teriam dois tipos de relação com o mercado: atuariam em uma indústria de firmas

grandes, correndo risco de irem à bancarrota ou serem obrigadas a vender sua

subsidiária, ou atuariam em nichos em indústrias com poucas economias de escala e

muitos especialistas intermediários, onde os investimentos lhes permitiriam servir um

mercado crescente de modo ótimo (equilíbrio entre tamanho da firma e mercado).

2.2.2 O Paradigma Eclético

Dunning (1980, 1988)

O modelo do Paradigma Eclético foi proposto por Dunning (1980) para explicar a

extensão, forma e padrão da produção internacional, identificando e avaliando os fatores

que influenciariam a decisão de produção no exterior por empresas, e o crescimento

desta produção. Segundo o autor, uma explicação completa das atividades

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transnacionais das empresas deveria englobar vários conceitos da teoria econômica

industrial, da teoria dos custos de transação e da teoria de internalização.

Conforme o autor, a teoria de produção internacional teria duas bases, a teoria

neoclássica de disponibilidades de fatores, estendida para produtos intermediários, e a

teoria de imperfeições do mercado. A razão de ser da produção internacional seriam as

imperfeições dos mercados internacionais que fariam com que explicações de comércio

e produção pudessem ser pensadas como uma função da disponibilidades de fatores

internacionalmente e do custo de alternativas de transação de produtos intermediários

além de fronteiras nacionais. Do ponto de vista das empresas, a extensão, forma e

padrão da produção internacional seriam determinadas pela configuração de três tipos de

vantagens percebidas: de propriedade, de internalização e de localização.

Em primeiro lugar, segundo o autor, para firmas poderem competir fora de seus países

seria necessário ter algum tipo de vantagem em relação aos produtores locais (como

acesso privilegiado a algum ativo, economias de escala, patentes, diversificação),

relacionada com a natureza ou nacionalidade da propriedade. Estas vantagens, também

chamadas de propriedade competitiva ou monopolística, deveriam ser suficientes para

compensar o custo de montar e manter uma operação estrangeira.

Em segundo lugar, além da posse de vantagens de propriedade, para a produção

international ocorrer, seria importante que empresas considerassem interessante

transferi-las além de fronteiras nacionais, dentro da organização ao invés de vendê-las.

A internalização de mercados surgiria da percepção das EMNs de que o mercado

internacional não é a melhor maneira de transacionar seus bens e serviços. As

imperfeições de mercados mais importantes levando a internalização estariam

associadas à percepção de risco e incerteza, à exploração de economias de escala e à

avaliação de custos e benefícios decorrentes de uma transação mas não refletidos no

acordo entre as partes13. Segundo o autor, apesar destas vantagens derivarem de

13 Alguns exemplos destas vantagens seriam o desejo de integrar diferentes estágios da cadeia de valor oudiversificar a linha de produto e a captura de economias de escala em produtos complementários.

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imperfeições do mercado,14 os motivos mencionados para a internalização poderiam ser

expressos de outra forma, como necessidade de garantir o fornecimento de inputs

essenciais e de garantir a qualidade dos produtos. A capacidade de internalizar mercados

explicaria porque as vantagens seriam exploradas por um grupo de EMNs e não por

outro, ou por uma EMN e não por uma empresa local; enquanto que a vontade de

explorá-las explicaria porque hierarquias, ao invés de mercados externos, seriam usadas

para transferir as vantagens transacionais de propriedade além de fronteiras.

Finalmente, as vantagens de localização como custos de transporte, custos de produção,

barreiras tarifárias, e incentivos de investimento, indicariam onde produzir. A decisão de

onde investir não seria independente da propriedade de ativos nem das imperfeições do

mercado. No entanto, mesmo sem estas, as atividades de EMNs existiram sempre que

houvesse ganhos transacionais resultantes da administração comum de atividades em

vários locais como oportunidades de alavancagem, redução de risco, maior coordenação

de decisões financeiras; e ganhos através de preço de transferência, pois a habilidade de

gerar e sustentar estas vantagens de propriedade fortalecem a posição competitiva das

EMNs em relação a firmas locais.

Em um artigo posterior, Dunning (1988) reiterou que a união das vantagens de

propriedade (ownership - O), de localização (location - L) e de internalização

(internalization - I) proposta no Paradigma Eclético seriam capazes de explicar a

produção internacional. A indicação e valor de parâmetros OLI que influenciariam as

EMNs individualmente em uma decisão de produção, no entanto, segundo ele, variariam

conforme os motivos por trás da produção.

Neste artigo, o autor reforçou a tipologia proposta anteriormente de que as vantagens de

propriedade seriam de duas categorias, vantagens estruturais (Oa - ownership asset

advantages, referentes à posse de ativos) e de transação (Ot - transaction advantages), e

que a relevância de cada uma em determinar as vantagens específicas de propriedade de

14 Quanto maior o custo percebido das imperfeições transacionais ou menores os custos administrativos eeconomias de escala, maior seria o interesse das EMNs em explorar a vantagem competitiva dainternalização.

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uma dada EMN variaria conforme as características da firma, dos produtos fabricados e

dos mercados em que opera. As EMNs mais bem sucedidas seriam aquelas capazes de

explorar estes dois tipos de vantagens.

Também em trabalhos posteriores à formulação inicial, o autor identificou variáveis

estruturais e contextuais que afetariam a configuração OLI das EMNs, sendo as relativas

a país, indústria ou atividade e firma as mais importantes.

Em relação a variáveis comportamentais, o Paradigma Eclético identificaria o papel do

governo afetando o valor real dos recursos através de políticas e da área econômica. No

entanto, no que diz respeito à influência dos tomadores de decisão e de características

específicas da firma, apesar de considerar que influenciariam a resposta de EMNs a

configurações de OLI, o autor indicou que, como nenhuma variável comportamental

teria sido identifcada como capaz de afetar o grau e padrão da produção internacional,

seria errado incorporá-las a uma teoria que se propõe generalista. No entanto, uma vez

identificadas estas variáveis comportamentais influenciando a resposta de grupos de

empresas a uma configuração OLI, não haveria razão para não incorporá-las ao

Paradigma Eclético, integrando as teorias econômica e comportamental.

2.2.3 Críticas às Teorias Econômicas

Johanson e Vahlne (1990)

As principais críticas ao Paradigma Eclético de Dunning (1980, 1988) partiram de

Johanson e Vahlne (1990). Segundo estes autores, a teoria seria voltada para a produção,

enquanto o modelo de internacionalização seria orientado para o mercado.

Considerando que as empresas tenderiam a entrar primeiro em mercados culturalmente

próximos, este último modelo indicaria que as empresas só entrariam em mercados onde

houvesse demanda para seus produtos. De outro modo, o Paradigma Eclético defenderia

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que empresas estabeleceriam produção onde tivessem algum tipo de vantagem,

independentemente do mercado. Outra questão, seria o fato de que pesquisas empíricas

limitariam o poder explanatório do modelo do Paradigma Eclético para firmas globais

(ou EMNs), uma vez que assumiria que tomadores de decisão têm perfeito acesso à

informação. O modelo de internacionalização teria maior valor para explicar os

primeiros estágios da internacionalização e para firmas inexperientes. Um terceiro ponto

seria o fato de Dunning não ter incorporado comprometimento e experiênica de mercado

como atributos passíveis de serem incorporados ao modelo apesar dos estudos feitos na

área. Outra questão importante seria o fato de o Paradigma Eclético considerar que as

empresas tenderiam a tomar decisões racionais, otimizando os resultados a serem

obtidos. A menos que se incluísse no modelo a falta de conhecimento do mercado e de

relacionamentos entre as partes (de modo a calcular custos e riscos associados a cada

decisão), a teoria não teria capacidade de explicar as mudanças no modo de entrada e

atuação identificados na prática. Finalmente, o modelo de Dunning seria estático e

assumiria que os tomadores de decisão são racionais e bem informados desde o início,

não fazendo nenhuma menção a mudanças em variáveis, como o aumento do

conhecimento sobre um mercado, e a variações de percepções sobre custos e benefícios

de atividades ao longo do tempo.

2.2.4 O Paradigma Eclético Revisto

Dunning (1997)

Do mesmo modo que o modelo de internacionalização foi revisto para incorporar alguns

estudos sobre networks, Dunning (1997) propôs uma revisão do Paradigma Eclético. Em

primeiro lugar, segundo o autor, seria necessário incluir, nas vantagens de propriedade,

os custos e benefícios decorrentes da participação das empresas em alianças estratégicas

e networks. Esta inclusão apresentaria apenas problemas de ordem semântica, uma vez

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que os conceitos defendidos permaneceriam os mesmos. Outra modificação seria a

necessidade de dar mais peso, nas vantagens de localização, à concentração em uma

área geográfica de ativos imobilizados interdependentes; à crescente necessidade de

integração espacial de atividades econômicas complexas e em rápida mudança; às

condições sob as quais alianças entre empresas surgiriam; e ao papel das autoridades

nacionais e regionais em influenciar a formação e estrutura de centros localizados de

excelência. Finalmente, o autor defendeu que seria necessário acrescentar que, na

internalização de produtos-mercados intermediários pelas empresas para reduzir custos

de transação e coordenação, estas teriam determinadas metas de competitividade que

tentariam atingir.

2.3 ESTUDOS BRASILEIROS

2.3.1 Estudos Brasileiros sobre Exportação

Rocha e Christensen (1994)

Há um sem número de estudos na área de exportação que, se revisados individualmente,

fugiriam do escopo deste trabalho. No entanto, algumas lições aprendidas sobre o

comportamento de exportação de empresas brasileiras podem ser válidas para o estudo

de internacionalização, no mínimo indicando variáveis e proposições que poderiam ser

estudadas e testadas. Um artigo de Rocha e Christensen (1994) sobre o comportamento

exportador de empresas brasileiras sumarizou os resultados de 27 estudos brasileiros e

comparou os resultados encontrados com a literatura internacional, sendo portanto útil

para o trabalho aqui desenvolvido. Especificamente, o objetivo do trabalho citado foi

estudar até que ponto teorias desenvolvidas por estudos basicamente norte-americanos

(dos EUA e Canadá) e europeus (particularmente Reino Unido, Alemanha e

Escandinávia) se aplicavam à realidade brasileira, o que na maior parte das vezes se

mostrou verdadeiro.

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53

Os autores agruparam os resultados em um modelos simplificado do desempenho de

exportação que envolve características dos gerentes, características das firmas,

características do país, estratégia, e variáveis de desempenho. Desta revisão saíram

algumas proposições relevantes para o presente estudo:

1. De modo geral, exportadores brasileiros seriam mais reativos do que proativos ao

iniciar e continuar exportação. Motivos que levariam as empresas brasileiras a

exportar seriam: escapar de mercado doméstico saturado, incentivos governamentais

(menos importantes na continuidade da atividade), recebimento de pedidos do

exterior (que seria motivo maior para empresas menores e passivas) e redução de

risco (diversificação de mercado para lidar com a instabilidade política-econômica e

social dos anos 80). Motivos reativos seriam mais associados aos primeiros

exportadores e firmas pequenas. Exportadores mais recentes não teriam tanto apoio

do governo e teriam menos pedidos, sendo provavelmente mais proativos. Firmas

entrando na exportação tardiamente também teriam motivos mais proativos para tal,

como aumentar a competitividade e o lucro.

2. Haveria uma alta correlação positiva entre o país para o qual as firmas exportavam e

a percepção de similaridade cultural e o tempo vivido no exterior. O conhecimento

de língua estrangeira e a origem de ancestrais dos tomadores de decisões também

seriam fatores importantes na escolha de mercados.

3. Percepções sobre barreiras à exportação seriam específicas de cada situação e

variariam com o tipo de indústria, tempo na atividade (estágio, experiência,

continuidade), envolvimento e agressividade da exportação, tamanho da firma e

afiliações (consórcios e conglomerados). Alguns estudos sugeriram que não

importaria tanto quais os obstáculos enfrentados, mas como afetavam as percepções

de gerentes e o desempenho exportador. Exportadores agressivos perceberiam

obstáculos de modo diferente dos passivos, o mesmo ocorrendo com exportadores

potencialmente bem sucedidos e ex-exportadores. Percepções de controle sobre o

obstáculo estariam, segundo um estudo, positivamente associadas com participação

em network.

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4. Práticas de gerência exportadora, experiência e percepções e atitudes de gerentes de

topo diferenciariam exportadores bem sucedidos de ex-exportadores, e os agressivos

de passivos. Características associadas com sucesso ou agressividade seriam

específicas de cada situação, as genéricas seriam tamanho, qualidade do produto e

padronização.

5. Firmas brasileiras usando importadores estrangeiros seriam menores, menos

diversificadas, menos orientadas estrategicamente e teriam a exportação com menor

papel nas atividades do que as usando modos mais diretos de distribuição.

6. O volume de vendas de empresas brasileiras estaria associado positivamente ao uso

de técnicas de marketing, e o desempenho associado à práticas sofisticadas de

controle de qualidade e comportamento inovador. Ferramentas de marketing

(planejamento, pesquisa, segmentação, controle) e controle de qualidade seriam de

longe os aspectos mais importantes associados com desempenho no Brasil.

7. Foram identificadas relações positivas entre desempenho em exportação e bom

desempenho no mercado doméstico; presença mais estável nos mercados e escolha

de mercados através de estudos detalhados e uso de intermediários; existência de

departamentos mais estruturados e educados; e uso de tecnologia.

Rocha (1988)

Outras conclusões que foram tiradas de estudos brasileiros foram apresentadas no

capítulo final do livro Gerência de Exportação no Brasil, que procurou reunir parte dos

estudos realizados de 1976 a 1988 na Linha de Pesquisa de Gerência de Exportação no

COPPEAD/UFRJ. As conclusões gerais do estudo relevantes para o presente trabalho

foram as seguintes:

1. Existiriam dois grupos de exportadores, os empreendedores e os aventureiros. Os

primeiros veriam a exportação como oportunidade empresarial de longo prazo e

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55

prospectariam mercados, coletariam informações sobre clientes externos,

escolheriam canais eficientes e eficazes, e preocupar-se-iam com a qualidade dos

produtos e o domínio de tecnologia que assegurasse a competitividade no mercado

internacional. Os aventureiros seriam exportadores marginais, com baixo grau de

comprometimento com a atividade e com visão de curto prazo.

2. Não haveria, a rigor, produtos exportáveis. Aparentemente o diferencial estaria na

atitude, visão e compromisso da gerência, mais do que no produto.

3. Canais de exportação pareciam ser cruciais no sucesso de longo prazo no mercado

internacional. A empresa exportadora deveria manter liderança no processo de levar

produtos e serviços ao cliente final. Nenhuma canal seria bom ou ruim, dependendo

da situação específica (tipo de produto, mercado). A falta de controle e alto poder de

barganha de intermediários, porém, seriam os grandes responsáveis pelos fracassos.

O pequeno exportador, que teria dificuldade em se tornar líder de canal de

exportação, deveria usar cooperativas e consórcios.

4. O aprendizado no mercado parecia ser importante para o sucesso.

5. Exportadores brasileiros seriam fortemente motivados por subjetividade (percepções,

desejos, necessidades, experiências passadas), o que não implicaria em falta de

critérios, métodos ou técnicas gerenciais e de controle.

2.3.2 Estudos Brasileiros sobre Abertura de Subsidiárias no Exterior

Estudos sobre a internacionalização de empresas brasileiras são ainda poucos em virtude

da recência do tema. Destacam-se o trabalho de Grael e Rocha (1988), primeiro estudo

feito no Brasil sobre o tema, e os estudos mais recentes de Costa (1998) e Barretto

(1998).

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56

Grael e Rocha (1988)

Grael e Rocha (1988) fizeram um estudo de caso sobre o processo de

internacionalização da Rede Globo de Televisão, empresa líder em seu setor. Este

estudo foi o primeiro feito no Brasil sobre o processo de internacionalização das

empresas e comparou a teoria e algumas evidências empíricas existentes na literatura

internacional, com a realidade brasileira.

Conforme relatado no trabalho, a Rede Globo foi fundada em 1964 com uma

programação que consistia de telejornais, filmes estrangeiros e programas de auditório

desenvolvidos internamente. A partir de 1967 a empresa começou sua expansão

geográfica, a ampliação da linha de produtos (noticiário nacional, telenovelas, shows

humorísticos) e o investimento em tecnologia e equipamentos. A seguir, devido a um

constante crescimento e liderança no mercado interno, partiu para a colocação de

produtos no mercado externo.

Segundo a análise do caso pelas autoras, há indicações de que a exportação foi uma

alternativa de expansão no mercado doméstico. Além deste imperativo de crescimento,

fatores externos, como o domínio do mercado de televisão por estatais e a falta de

ambiente competitivo, e fatores subjetivos, como aumento de prestígio da empresa,

teriam influenciado o processo. Internamente, a vantagem competitiva adquirida no

gênero telenovela (qualidade dos temas, técnicas de produção, diversidade de

ambientes) e a facilidade de exportação deste produto, que não implicava em custos de

instalações, teriam também motivado a exportação. A escolha de Portugal como

mercado de entrada foi, segundo o estudo, função do consumo já existente de novelas e

da proximidade cultural e lingüística com o Brasil. O sucesso da empreitada teria levado

a maior atenção à exportação, profissionalizando o negócio e criando um departamento

internacional em 1977 e a seguir uma Divisão Internacional em 1980, incluindo

processo de dublagem para distribuição para outros países. A etapa final teria sido o

investimento direto através da compra da Telemontecarlo italiana.

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57

O caso, aqui retratado de modo genérico, comprovou, segundo as autoras, algumas

teorias internacionais. O processo de entrada da empresa, de importador para

exportador, para instalação de subsidiária, ilustraria o modelo de ciclo de vida do

produto no comércio internacional de Venon e Wells (1968). Motivações para

exportação viriam da necessidade de crescimento da empresa, que começou com

atuação local, para regional, para nacional e internacional; da saturação do mercado

doméstico para o tipo de produto; e do impacto que a globalização poderia ter na

estratégia da empresa (reforço da imagem e posição competitiva). A decisão de exportar

teria sido não estruturada, intuitiva e não racional. A entrada no mercado de Portugal

teria seguido a linha dos estudos da Escola de Uppsala que indica que as empresas

tendem a ingressar na exportação em mercados com similaridades culturais, com o

sucesso servindo de estímulo para entrada em outros mercados mais distantes

culturalmente e para a criação de uma estratégia de exportação. Um comprometimento

seqüencial teria sido adotado tanto na exportação (utilização de agentes de distribuição

para conhecer o mercado e posterior distribuição direta), quanto no leque de produtos

ofertado (um produto primeiro – a telenovela, com inclusão subsequente de mini-séries,

programas esportivos e musicais). Não houve controle do marketing mix de exportação,

conforme o que ocorre com a maioria dos fabricantes nacionais. O caso, segundo as

autoras, apesar de se ajustar à teoria de comportamento exportador, fugiria à regra das

empresas brasileiras exportadoras, cuja passagem no mercado internacional é em geral

efêmera por terem oportunidades no mercado interno.

Costa (1998)

Através de um estudo de caso da empresa brasileira Amil, Costa (1998) procurou

analisar a forma como empresas brasileiras elaboravam suas estratégias de marketing

para atuar nos países do Mercosul. O estudo discute a questão da padronização versus

adaptação do marketing mix na internacionalização, o que foge ao escopo do presente

trabalho. No entanto, alguns resultados interessantes para este estudo foram a entrada da

empresa no mercado norte-americano como forma de aquisição de experiência

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internacional em um mercado competitivo e de desenvolvimento de uma imagem de

empresa “globalizada”; e o fato de a decisão de internacionalizar e o sucesso das

operações teriam tido influência do perfil dos profissionais, da adoção de uma estrutura

independente da matriz brasileira com decisões estratégicas feitas pela equipe local, da

informalidade de controles, da proximidade e tamanho do mercado e da formação do

bloco econômico do Mercosul.

Barretto (1998)

Barretto (1998) investigou a internacionalização de empresas brasileiras no momento de

investimento direto em mercados internacionais através de três dimensões: processos

utilizados, características dos dirigentes responsáveis pela tomada de decisão de

exportar, e envolvimento das empresas em networks através de dez estudos de casos.

De modo geral, os resultados do estudo apoiariam a proposição da internacionalização

como um processo gradual e progressivo. O autor identificou as seguintes seqüências de

modo de entrada: exportação - investimento direto; exportação - licenciamento (como

forma de introdução da marca nos mercados) - investimento direto; internacionalização

inward (em função de dependência de multinacional) - exportação - investimento direto;

exportação - internacionalização inward (via joint venture para garantir sobrevivência e

acesso a mercado) - investimento direto; e apenas investimento direto (como no caso de

empresas de serviço, pela natureza do negócio). A seqüência “clássica” exportação -

investimento direto, no entanto, teria sido predominante.

O aprofundamento das atividades com o tempo teria variado substancialmente entre as

empresas, de apenas alguns anos até décadas. As empresas ou fizeram seu primeiro

investimento no exterior nos anos 90 ou retomaram o investimento (feito

esporadicamente na década de 70) neste período, ao que o autor atribuiu o impacto da

abertura do mercado brasileiro aos investimento internacionais. Outras empresas teriam

tido timing diferente, conforme a indústria em que estavam inseridas.

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O ciclo conhecimento-comprometimento de Johanson e Vahlne (1977, 1990) seria

válido, tendo a maioria das empresas aumentado seu comprometimento nos mercados

com o aumento do conhecimento. As exceções a este padrão teriam vindo de empresas

que, ou estavam na categoria de internacionalização por sobrevivência, na qual o

atendimento a um cliente globalizado era um imperativo, ou tinham filosofia própria de

abertura e busca de oportunidades. A aquisição de conhecimento variou de acúmulo de

experiência diretamente, pelos executivos e através de pesquisas, a indiretamente, pela

contratação de pessoal externo e formação de parceiros.

Nos dez casos estudados foi encontrada grande variedade de motivações para a

internacionalização como pedidos do exterior, proximidade geográfica, canalização de

excedentes de produção, saturação do mercado doméstico e expansão do negócio.

Conforme o autor, apesar de uma primeira interpretação sugerir que as motivações para

ingresso e continuidade na atividade internacional seriam contingenciais, variáveis com

o tipo de indústria, as características das firmas e dos tomadores de decisão, e o estágio

e a regularidade da atividade, seria possível agrupá-las conforme um “padrão dominante

de motivação”, segundo sua persistência no tempo e a percepção de relevância pela alta

gerência. Desta forma, o autor identificou cinco padrões dominantes de motivação:

internacionalização para crescimento (quando o fator participação no mercado

doméstico é predominante), para consolidação (maior influência das necessidades dos

mercados e clientes), para sobrevivência (quando, em função da estrutura da indústria a

internacionalização é a única opção para continuar fornecendo produtos para a network),

por oportunidade (quando cada oportunidade é avaliada pela empresa de modo a

maximizar seus objetivos) e por visão estratégica (quando a empresa tem uma atitude

mais proativa e avalia a entrada no mercado internacional através de fatores como

vulnerabilidade da empresa, interferência governamental e intenção estratégica). A

escolha de mercados com base em vantagens de propriedade, internalização e

locacionais do Paradigma Eclético não teria sido comprovada.

Em relação à distância psicológica, o autor constatou que haveria acentuada preferência

de empresas brasileiras por investir diretamente em mercados de cultura latina, com

destaque para a Argentina devido também à proximidade física e longa existência de

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relações comerciais, e Portugal, pelas origens culturais do Brasil, facilidade de idioma e

por ser considerado porta de entrada para a Europa. Os Estados Unidos, apesar de terem

origem cultural diferente da brasileira, seriam considerados relativamente próximos ao

Brasil devido à grande influência cultural que exercem sobre o país e pelo domínio do

idioma por alguns dirigentes. Isso significaria que, após o acúmulo de conhecimento e

experiência nos mercados, estes deixariam de ser considerados como culturalmente

distantes. Outro aspecto importante em relação à distância psicológica seria que sua

influência na escolha de mercados, segundo o autor, seria neutralizada por três fatores: o

“efeito network” (que reduziria ou eliminaria o estranhamento cultural pelo fato de a

empresa estar servindo parceiros), as restrições de mercado resultantes de alianças

estratégicas formais (composição acionária, acordos, contratos), e o desejo de

executivos de topo (decisões mais racionais e estratégicas).

Quanto ao papel do executivo-chefe na decisão de internacionalização, os resultados

sugeriram que o perfil dos decisores teria grande influência nas atividades das empresas.

Praticamente em todos os casos os decisores foram considerados empreendedores, tendo

recebido adjetivos como “carismático”, “pessoa de espírito desenvolvimentista”,

“arrojado”, “visionário” e “desbravador”. A escolha de executivos para os investimentos

diretos no exterior seguiria as seguintes regras gerais nas empresas brasileiras: a direção

geral tenderia a ficar a cargo de pessoas com vivência na empresa no Brasil; a área

financeira tenderia a ser assumida por executivos da empresa brasileira; a área comercial

ficaria a cargo de pessoas locais, com conhecimentos do mercado, da cultura e hábitos

do país; e as empresas tenderiam a formar quadros próprios para alimentar a

continuidade do processo de internacionalização.

Finalmente, o último aspecto estudado pelo autor foi a influência das networks na

internacionalização. Segundo ele, seria importante distinguir entre a network

empresarial, tratada na literatura internacional, e a pessoal, que em geral não é

considerada por autores europeus e norte-americanos. As networks empresariais

consistiriam em relações comerciais de longa duração entre empresas (como laços

acionários, contratos e elos de fornecimento). Já as networks pessoais resultariam de

elos familiares, de amizade, ou qualquer outra forma de associação voluntária, e seriam

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importantes no processo de internacionalização das empresas brasileiras dada a natureza

relacional do brasileiro. Casos de internacionalização como resultado de ação de uma

network seriam ainda poucos, segundo o autor, mas ao longo do processo a pertinência

em networks, conforme defendido por Dunning (1988), interferiria nos custos e

benefícios do investimento, podendo facilitar a entrada em mercados culturalmente

distantes; acelerar ou retardar a internacionalização de empresas locais (e da network

destas) vinculadas a líderes ou que ingressam na network; e abrir portas a novos

clientes. Do ponto de vista das relações pessoais, os empresários brasileiros pareciam

acreditar que as mesmas seriam elemento fundamental no sucesso, devendo ser

construídas e cultivadas pelos executivos de topo e repassadas à empresa.

De modo geral, o processo de internacionalização seria influenciado por características

pessoais dos tomadores de decisão, falta de informação, percepção de risco e incerteza,

características das firmas (como atuação extra-regional, tipo de produto ou serviço) e

contatos anteriores com mercados externos (networks empresariais e pessoais).

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Capítulo III - METODOLOGIA

Este capítulo tem como objetivo apresentar a metodologia utilizada no presente estudo.

São colocadas as perguntas de pesquisa, discute-se o método de pesquisa selecionado –

o estudo de caso – e apresentam-se os procedimentos metodológicos adotados.

Finalmente, discutem-se as limitações do estudo.

3.1 DEFINIÇÃO DAS PERGUNTAS DE PESQUISA

O presente trabalho teve como objetivo principal estudar o processo de

internacionalização de uma empresa brasileira - O Boticário - observando os vários

aspectos que influenciaram a decisão, a escolha do mercado e o processo de

estabelecimento de uma subsidiária em Portugal.

De modo mais específico, a pesquisa buscou responder as seguintes perguntas:

• Que motivos levaram a empresa à escolha de Portugal para investimento direto no

exterior?

• Que fatores internos e externos à empresa influenciaram a decisão?

• Como foi feita a escolha do modo de entrada? Que aspectos foram levados em

consideração?

• Qual foi a estratégia de entrada no mercado português?

Pela abrangência das perguntas propostas, nota-se que neste trabalho foi feita uma opção

por uma visão holística do processo de internacionalização. Madsen (1987), fazendo

uma revisão de estudos sobre exportação, sugeriu que o ideal seria que estudos

empíricos sobre desempenho de exportação incluíssem indicadores de uma vasta gama

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de conceitos, pois, se todos são importantes determinantes do desempenho da firma,

deixar fora alguns deles levaria necessariamente a erros de especificação e conclusões

precipitadas. O mesmo poderia ser dito em relação aos estudos de internacionalização

através de investimento direto no exterior. Por se tratar de fenômeno complexo, o estudo

de algumas variáveis em detrimento de outras tenderia a permitir apenas a obtenção de

conclusões parciais. Assim, e dado também o estágio ainda preliminar do conhecimento

sobre o tema, o uso de uma metodologia qualitativa - o estudo de caso, parece adequado

para atingir os objetivos da pesquisa.

Entende-se, porém, que mesmo em um estudo em profundidade, não é possível, em um

único estudo empírico, englobar toda e qualquer variável presente no processo de

internacionalização. Desta forma, este trabalho também não conseguirá explorar todas

as facetas do objeto de estudo. Por outro lado, o este estudo de caso possibilita

identificar variáveis que foram levadas em consideração por uma empresa brasileira na

decisão de internacionalizar para Portugal, servindo para levantar hipóteses que possam

servir a futuros estudos sobre o tema.

3.2 MÉTODO DE PESQUISA

Poucos são os estudos sobre o processo de internacionalização de empresas brasileiras:

de Grael e Rocha (1988), Silva (1998), Pinto (1998), Costa (1998), Barretto (1998) e

Magalhães (2000). Há, portanto, sob o ponto de vista acadêmico, muito o que explorar

em relação ao tema. Tendo em vista este cenário, o presente estudo visa contribuir para

o conhecimento do processo de internacionalização, relatando e analisando a

experiência de uma empresa brasileira no mercado português, através do estudo de caso.

O estudo de casos é um método de pesquisa qualitativa que consiste em “uma pergunta

empírica que investiga um fenômeno contemporâneo no seu contexto real, quando os

limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente evidentes e no qual

múltiplas fontes de evidência são usadas” (Yin, 1989, p. 23).

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Esta metodologia tem sido descrita como “a mais adequada para o estudo de sistemas

sociais complexos e eventos que são únicos e que, devido a seu caráter sistêmico, têm

que ser considerados por inteiro” (Normann, 1975, p.50); “o método particularmente útil

para gerar hipóteses referentes a fatores que influenciam o sucesso de várias atividades

ou unidades de marketing”(Tull e Hawkins, 1976, p. 323); “um meio de organizar os

dados sociais (…) que considera qualquer unidade social como um todo” (Goode e Hatt,

1975), p. 422); “o método escolhido quando se quer obter uma riqueza de detalhes sobre

o assunto pesquisado, (…) o que em geral é desejado quando não se sabe exatamente o

que se está procurando” (Simon, 1969, p.276); e “a estratégia preferida quando

perguntas como ‘como’ ou ‘por que’ são feitas, o investigador tem pouco controle dos

eventos e o foco é em fenômeno contemporâneo em contexto real.” (Yin, 1989, p. 13).

Tal caracterização do método permite concluir por sua adequação aos objetivos do

presente estudo. O processo de internacionalização de empresas é um fenômeno

complexo que, por sofrer influência de inúmeras variáveis, não pode ser dissociado de

seu contexto. Deve, portanto, ser estudado sob um enfoque holístico, que permita a

identificação de motivações e razões que dão base ao comportamento. Ao mesmo

tempo, a pouca quantidade de estudos na área sugere que a riqueza de detalhes que pode

ser obtida através do método do caso é necessária nos estudos de internacionalização,

servindo o presente trabalho para identificar pistas que poderão ser seguidas em estudos

posteriores.

Algumas objeções foram feitas ao uso do método de estudo de casos. O método,

conforme sugerem Goode e Hatt (1975), seria muitas vezes associado a uma abordagem

intuitiva, que usaria toda sorte de documentos indiscriminadamente, não tendo plano de

amostragem adequado e não verificando vícios e distorções causados pela subjetividade

do pesquisador. Segundo os autores, essa visão fez com que a metodologia fosse

considerada “inferior” a métodos de pesquisa quantitativos. Yin (1989, p.10), da mesma

forma, indicou que a metodologia “tem sido estereotipada como o irmão fraco dentro

dos métodos de ciência social (…), como tendo menos precisão (isto é, quantificação),

objetividade e rigor.”

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65

As críticas seriam, em geral, relacionadas a três fatores: falta de rigor científico, pouca

base para generalização e demora em obter dados e analisá-los. Apesar do método de

fato apresentar limitações, tais críticas não se sustentam. Em primeiro lugar, existem

técnicas específicas para a pesquisa que, se bem aplicadas, proporcionam rigor à coleta e

análise de evidências, como o que ocorre com as técnicas de experimentos quantitativos.

Estes, aliás, estão igualmente sujeitos a vieses na preparação de elementos de coleta (na

preparação de questionários, por exemplo, o modo como perguntas são feitas e a ordem

de apresentação podem levar a vieses). Em segundo lugar, apesar de os estudos de caso

não serem generalizáveis para a população (generalização estatística), eles o são para

proposições teóricas. Neste sentido, o objetivo destes estudos é outro, qual seja,

expandir e generalizar teorias (generalização analítica) e não enumerar freqüências (Yin,

1989). Finalmente, nem todos os estudos de caso precisariam demorar muito e resultar

em uma massa de documentos impossível de ler. Isso, de fato, tenderia a ocorrer em

estudos etnográficos ou de observador-participante que envolvem extensas pesquisas de

campo e gasto de tempo. Casos, ao contrário, podem até ser feitos na biblioteca e

através de pesquisas por telefone.

Em síntese, o caso, como um dos métodos de pesquisa qualitativa, busca observar

detalhadamente e de perto o mundo real, tentando evitar um compromisso a priori com

qualquer modelo teórico. Em hipótese alguma, deve a metodologia ser tratada pelos

pesquisadores como uma pesquisa informal e sem técnicas que garantam a qualidade

dos dados obtidos e da análise. Conforme Bonoma e Wong (1983, p.9) “os métodos

clínicos (qualitativos) seriam guiados pelos mesmos princípios gerais dos métodos

quantitativos, sendo a distinção principal entre eles o uso de métodos indutivos e de

formação de teoria ao invés de dedutivos e de desconfirmação de teoria”. Da mesma

forma, Yin (1989, p.14) afirmou que a única característica que distingue o caso de

outros tipos de pesquisa científica seria o fato de lidar com uma variedade de fontes de

dados e “manter as características holísticas e cheias de significados de eventos da vida

social.”

Finalmente, em relação ao presente estudo, cabe destacar que o mesmo tem caráter

descritivo-exploratório. A partir de dados coletados de várias fontes, será feita uma

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descrição de como foi o processo de internacionalização de uma empresa brasileira em

Portugal, explorando que fatores foram levados em consideração no processo. As

questões levantadas e as variáveis identificadas neste estudo poderão mais tarde ser

objeto de pesquisas quantitativas levando, aí sim, à generalização estatística dos

resultados.

3.3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

3.3.1 Seleção do Caso

Conforme Bonoma e Wong (1983), o caso é uma descrição de uma situação,

fundamentada em múltiplas fontes de informação e que leva em consideração o contexto

e a época em que os eventos acontecem, no estudo de um objetivo específico. Em vista

disso, os casos usados neste tipo de pesquisa não são escolhidos aleatoriamente, mas

conforme os objetivos da pesquisa. Yin (1989), da mesma forma, argumenta que, nos

estudos de casos, estes não são unidades de amostra, devendo portanto ser escolhidos

como o investigador em um laboratório escolhe uma variável para testar.

Dado que não se trata de amostra, o número de casos a ser estudado é uma decisão do

pesquisador, que depende mais do interesse e disponibilidade do caso, grau de

profundidade que se deseja atingir e dos objetivos específicos da pesquisa. A escolha

tem ainda um aspecto operacional, de permitir que o trabalho seja feito dentro de prazos

estabelecidos, e um aspecto teórico, de possibilitar a criação de tipologias e a

identificação de diversas variáveis contextuais ou situacionais envolvendo a questão de

internacionalização. O número de casos estudados não afeta, portanto, a validade da

pesquisa, uma vez que, qualquer que seja o número de casos, não é possível generalizar

para o universo. Assim, para este estudo, foi selecionado o caso de uma empresas

brasileira do setor de cosméticos com subsidiária em Portugal, O Boticário.

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67

3.3.2 Métodos de Coleta e Análise de Dados

Há dois tipos de dados, os primários e as secundários. Os dados primários são aqueles

coletados pela primeira vez para o estudo em questão, os secundários são os que já

foram coletados, tabulados e analisados e que se encontram à disposição de todos para

consulta. Neste último grupo estão os jornais, relatórios de empresas, levantamentos de

institutos de pesquisa; no primeiro, as entrevistas pessoais (Mattar, 1997).

As entrevistas em profundidade com executivos de topo da empresas foram o principal

método de coleta de dados primários deste trabalho. Utilizou-se, como guia, um roteiro

de perguntas abertas (cf. anexo), na qual o entrevistado era convidado a discorrer sobre

o assunto da internacionalização livremente. As entrevistas pessoais foram realizadas

em Agosto de 2000 com dois executivos ligados a O Boticário:

• Sr. Artur Grynbaum, Diretor Comercial da empresa; e

• Sr. Eloi Zanetti, consultor, que anteriormente ocupara importante posição executiva

em O Boticário.

Para coleta de dados secundários, foram utilizadas as seguintes fontes auxiliares:

• jornais/revistas

• documentos da empresa

• relatórios publicados.

As entrevistas foram gravadas, fazendo-se uma transcrição completa das mesmas, de

modo a reduzir a possibilidade de erros de entendimento. Uma vez coletados os dados,

foram classificados em três categorias:

• descrição do setor de atuação da empresa;

• histórico da empresa

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• descrição do processo de internacionalização via investimento direto no exterior.

Para cada uma dessas categorias procedeu-se a uma descrição detalhada da situação.

Para a descrição do setor de atuação da empresa, a indústria brasileira de perfumaria e

cosméticos, foram utilizadas principalmente informações obtidas de fontes publicadas,

particularmente jornais e revistas, em grande parte disponíveis no arquivo de dados da

linha de pesquisa de internacionalização de empresas do Instituto COPPEAD de

Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Para a segunda parte do estudo, o histórico da empresa, foram utilizadas tanto

informações publicadas, já que O Boticário, a empresa estudada, tem sido, ao longo de

sua existência, objeto de atenção por parte da imprensa, como informações provenientes

de entrevistas pessoais com executivos.

Finalmente, para a terceira e principal parte do estudo, a descrição do processo de

internacionalização da empresa e entrada no mercado de Portugal, a fonte principal

foram as entrevistas pessoais com os executivos, já que são muito poucas as referências

a esse processo na imprensa. Utilizaram-se fartamente, na descrição do processo,

trechos de depoimentos dos entrevistados.

Uma vez completada a descrição do caso, procedeu-se a sua análise, utilizando-se como

guia os artigos da revisão bibliográfica e as questões de pesquisa que nortearam o

estudo.

3.4 LIMITAÇÕES DO ESTUDO

As limitações do estudo decorrem da própria natureza do método utilizado, assim como

dos procedimentos metodológicos adotados.

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69

3.4.1 Limitações Decorrentes do Método

As principais limitações decorrentes do método utilizado são (Blalock e Blalock, 1975;

Goode e Hatt, 1975; Simon, 1969):

• impossibilidade de fazer generalização estatística, indicando a freqüência com que

determinados fatos ocorrem;

• dificuldade de autor e entrevistados manterem objetividade e isenção de julgamento

de valor na descrição e análise dos dados, assim como a percepção seletiva dos fatos;

• dificuldade em traçar os limites do objeto social, identificando onde delimitar o

estudo e parar de obter dados;

• obtenção de falsa sensação de certeza sobre os fatos, levando o pesquisador a querer

testar sua hipótese ou a deixar de verificar a fidedignidade dos dados, da classificação

usada ou da análise de dados;

• dificuldade de estabelecer com segurança que o caso escolhido é um exemplo típico

da situação estudada, e mesmo sendo típico, de ter segurança dos achados.

Destaque-se que apesar da principal limitação do método de impossibilidade de

generalizar resultados, isto é, estender para o universo as conclusões obtidas no presente

trabalho, pode-se desenvolver proposições teóricas para serem testadas futuramente.

3.4.2 Limitações Decorrentes dos Procedimentos Metodológicos

Outras limitações podem afetar os resultados do presente estudo. Entre essas, destacam-

se aquelas provenientes do uso de dados secundários, uma vez que tais dados foram

coletados por outros, não sendo possível, na maior parte dos casos, verificar sua

fidedignidade, ou avaliar os procedimentos de coleta utilizados.

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70

Além disso, a subjetividade do pesquisador interfere inevitavelmente, tanto na coleta de

dados, ao realizar entrevistas, como na própria seleção do material a ser incluído na

descrição do caso. Tal subjetividade é, porém, inerente à pesquisa qualitativa em

Ciências Sociais, estando presente, também, em estudos quantitativos.

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71

Capítulo IV - ESTUDO DE CASO

Neste capítulo apresentam-se a descrição e análise do caso estudado. Em primeiro lugar,

situa-se o contexto em que a empresa atua: a indústria brasileira de perfumaria e

cosméticos. A seguir, é feita uma apresentação da empresa estudada – O Boticário –,

apresentando-se um histórico de sua evolução, seguido pela descrição das etapas de

internacionalização da empresa no mercado português, por meio das percepções dos

entrevistados que participaram desse processo. Finalmente, é feita uma análise do caso à

luz das teorias previamente revistas sobre o processo de internacionalização da empresa.

4.1 A INDÚSTRIA BRASILEIRA DE PERFUMARIA E COSMÉTICOS

A indústria de cosméticos é, em grande parte, uma indústria global, se considerada a

presença de empresas multinacionais que atuam em grande número de países, tais como

Revlon e L’Oréal no segmento de produtos de consumo de massa, e griffes de luxo

como Givenchy e Helena Rubinstein, focadas no segmento superior do mercado. Com o

prestígio que lhes é conferido pela presença internacional, essas empresas dominam os

mercados mundiais, sendo difícil – embora não impossível – para empresas locais

concorrer com as multinacionais.

No caso do Brasil, a presença das multinacionais data da primeira metade do século,

quando conquistaram o mercado utilizando técnicas de marketing e propaganda

avançadas para a época. Ao final da década de 60 e no decorrer da de 70, um novo

grupo estratégico surgiu e passou a ocupar espaço importante no mercado brasileiro,

trazendo um novo conceito: o de cosméticos “naturais”. Surgidas praticamente do nada,

estas empresas de capital totalmente nacional, que traziam uma proposta de marketing

alternativa, encontraram seu lugar no mercado graças, em parte, à política de

substituição de importações que criou um nicho onde puderam se desenvolver.

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Descreve-se, a seguir, como se desenvolveu esse grupo estratégico na indústria

brasileira de perfumaria e cosméticos.

4.1.1 Evolução do Setor

Na primeira metade do século XX, o mercado brasileiro dividia-se em dois segmentos: o

de classe ou prestígio e o de massa. Os destaques no segmento de produtos sofisticados

eram os produtos importados da França, cujo alto preço e distribuição limitada às

importadoras tornavam-nos disponíveis apenas para uma pequena parcela da população.

Para os demais consumidores havia os cremes genéricos vendidos em supermercados

produzidos por grandes empresas como Gessy Lever. 15

Posteriormente, o mercado de massa, seguindo um movimento iniciado no mercado

americano, deixou de ter apenas os produtos genéricos e passou a incluir marcas

populares de maior qualidade, com embalagens mais sofisticadas e com incorporação

das novidades do setor como os ácidos alfahidróxicos para remover células mortas da

pele16. Algumas dessas marcas eram nacionais, como a Colorama, mas a maioria das

empresas atuantes no setor eram subsidiárias de empresas multinacionais,

principalmente americanas e francesas.

As grandes empresas nacionais do setor de perfumaria e cosméticos, Natura (1969), O

Boticário (1977), Água de Cheiro (1976) e L’Acqua di Fiori (1980) começaram como

operações “de fundo de quintal”, dedicadas ao desenvolvimento de produtos naturais

para consumidores de poder aquisitivo médio e alto, e se fortaleceram durante o período

de recessão dos anos 80, graças às políticas governamentais de proibição de importações

e altas taxas alfandegárias.

De fato, os anos 80 se caracterizaram por controle de preços, demissões em massa e

greves freqüentes, o que levou muitas empresas atuantes no país a adotar uma estratégia

15 Antunes, A.S.R.; Pinha, L.R.; Silva, M.S.F.M. O mercado de cosméticos. Rio de Janeiro,COPPEAD/UFRJ, mimeo, junho de 1995.16 São exemplos de marcas L’Oreal, Maybelline e Pond’s.

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de redução de custos e de pessoal, redução da produção e ênfase em investimentos no

mercado financeiro. No setor de perfumaria e cosmético, além da retração do mercado

decorrente da crise econômica, as empresas sofreram também com a criação pelo

governo do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que taxava produtos

considerados supérfluos em 77%. O clima desfavorável aos negócios levou a que

grandes competidores do setor, como Revlon e Yardley, saíssem do país17, abrindo

caminho para as empresas nacionais.

Foi, talvez, visando aproveitar o espaço deixado pelas concorrentes internacionais que

Natura, O Boticário, Água de Cheiro e L’Acqua di Fiori resolveram instalar suas

fábricas nos anos 80 e investir no crescimento de suas parcelas de mercado, oferecendo

uma opção de perfumaria e cosméticos aos produtos de massa existentes nos pontos

tradicionais do varejo como supermercados, lojas de departamento e drogarias. Essa

opção eram os chamados “cosméticos naturais”, mais suaves, menos agressivos, com

odores do campo, embalagens mais rústicas, porém de bom gosto, que buscavam

afastar-se do conceito de “industrializados” e procuravam remeter às coisas da

natureza18.

Paralelamente, para lidar com a queda no poder aquisitivo dos consumidores, que

passaram a buscar mais valor pelo dinheiro19, e driblar o alto IPI que onerava o preço

final dos produtos, este segmento da indústria inovou, criando produtos como as deo-

colônias20. Estas eram consideradas um produto de proteção desodorante (com agente

bactericida contra os odores da transpiração) com fragrância refrescante e, portanto,

aplicava-se o IPI de desodorantes de apenas 10%.

Outra estratégia de produto adotada pelas empresas nacionais pertencentes a esse grupo

estratégico foi a diferenciação e valorização do atendimento ao consumidor, com o que

se pretendia conquistar uma parcela de consumidores brasileiros disposta a pagar por

17 Chaim, C. A beleza continua fundamental? Administração e Serviços, abril 1982, p.13.18 Empresários do perfume. Pequenas Empresas, Grandes Negócios. 2 (27) :28-34, 1990; A expansão domundo dos cosméticos. Pequenas Empresas, Grandes Negócios, 2 (16) :46-50, 1990.19 Rolin, S. Queda no padrão. Administração e Serviços, nov. 1983.20 Rolin, S. Queda no padrão. Administração e Serviços, nov. 1983.

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produtos com sofisticação e qualidade a um preço intermediário entre os produtos

disponíveis em supermercados e os similares importados.

Como estratégia de expansão de mercado, O Boticário, Água de Cheiro e L’Acqua di

Fiori utilizaram franquias (1980, 1981 e 1983, respectivamente), na época um conceito

praticamente desconhecido no Brasil. O sistema parecia vantajoso, dado o alto custo dos

produtos de perfumaria e cosméticos e o pouco capital de giro de que as empresas

dispunham. Ao mesmo tempo, as franquias eram uma alternativa à venda direta de

menor alcance e à colocação de produtos em canais tradicionais cujo custo era alto21.

Assim, prometendo baixo investimento inicial para os franqueados e alta rentabilidade22

associada a produtos de qualidade, aos poucos as empresas conquistaram uma ampla

cobertura no território nacional e a fidelidade e simpatia de consumidores que ainda as

ajudavam através da comunicação boca-a-boca.

Estratégia diferente foi adotada pela Natura que, em 1974, optou pelo sistema de

atendimento porta-a-porta com a figura do consultor de negócio, a exemplo da empresa

americana Avon. Como a Natura trabalhava com uma linha de produtos elitista e

associada à cosmética terapêutica, parece ter considerado que uma estratégia de marca

forte, eficiência tecnológica e comunicação direta com os clientes por alguém capaz de

indicar a solução mais adequada para suas necessidades permitiria atrair uma clientela

fiel.

Internacionalmente, os anos 80 foram marcados pela crescente globalização da indústria,

com fusões e aquisições de operações e licenças de empresas familiares pelos grandes

competidores internacionais do setor ( L’Oréal, Sanofi, Procter & Gamble e Unilever).

São deste período, por exemplo, a compra do controle da Cosmair Inc. e de suas

licenças nos EUA, Canadá, Suiça e Espanha pela L’Oréal; e a compra do controle

administrativo dos perfumes da Guerlain pela LVMH Moët-Hennessy Louis Vuitton.

Como resultado desta maior globalização, estas empresas passaram a usar no segmento

de perfumaria e cosméticos as mesmas estratégias de desenvolvimento de produtos e de

21 Sigaud, M.J.K., Fatores Críticos de sucesso em empreendimentos de franquia: um estudo do setor deperfumaria e cosméticos. Rio de Janeiro, COPPEAD/UFRJ, Dissertação de mestrado. Julho de 1997.22 Schneider, A.A. et al. Franchising: da teoria à prática. São Paulo, Maltese, 1991.

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marketing usados para vender produtos de consumo, aumentando os custos necessários

para o lançamento de produtos e a construção de marcas diferenciadas.23

Na década seguinte, a abertura da economia nacional com a queda do imposto de

importação de 85% do valor do bem em 1991 para 18% em 199524 mudou o cenário

competitivo interno25. Para os concorrentes internacionais, a fragmentação do mercado

local e as altas margens ofereciam uma alternativa atraente para o desaquecimento da

demanda norte-americana e européia, onde mesmo as marcas mais sofisticadas se

encontravam em guerra de preço26. Em relação ao consumidor, a queda das barreiras

comerciais representou a chegada de produtos recém lançados no exterior mais

rapidamente, com preços mais atraentes e em maior número de pontos de venda27.

De modo a se manterem competitivas frente a competidores com experiência em

distribuição, gerência de marca e investimento em tecnologia, as empresas brasileiras

tiveram que repensar o sistema de franquias. Apesar de ter permitido rápida expansão do

setor, percebeu-se que o modelo tinha sido adotado de forma intuitiva, pouco planejada

e com sistema de controle ineficiente. Seguiu-se, então, um período de reestruturação da

indústria, através do enxugamento das redes de franquia, redução de custos e margens

de lucro, profissionalização e seleção de franqueados (com eliminação daqueles que não

cumpriam as normas), treinamento de mão de obra, aumento da capacidade produtiva e

modernização tecnológica e de maquinários28.

Ao mesmo tempo, para reter suas parcelas de mercado, as empresas nacionais tiveram

que investir na inovação de conteúdo, forma e embalagem e na busca de novos nichos

onde o valor do benefício pudesse diminuir a importância do preço na decisão de

compra. São deste período as linhas de produtos ligados à aromaterapia, cromoterapia e

ao tratamento contra marcas do envelhecimento; a maquiagem antipoluição; o gel

23 Por exemplo, Elizabeth Hurley para Estée Lauder, Cindy Crawford e Claudia Schiffer para Revlon,Juliette Binoche para Lancôme, da L’Oreal. (Karam, R. O lucro na feira das vaidades. Gazeta Mercantil,26.01.1996, p.A-1).24 A revolução dos perfumes. Pequenas Empresas, Grandes Negócios, 4 (45) :52-54, out. 1992.25 Karam, R. O lucro na feira das vaidades. Gazeta Mercantil, 26.01.1996, p.A-1.26 The branding of beauty. The Economist, Oct. 21, 1995, p.67-68.27 Produtos importados têm preços atraentes. Folha de São Paulo, 11.09.93.28 A revolução dos perfumes. Pequenas Empresas, Grandes Negócios, 4 (45) :52-54, out. 1992.

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hidratante para olheiras; o gel de banho a base de óleos tranquilizantes; o gel para cabelo

com filtro solar,29 as linhas para adolescentes com grande variação de produtos, cores e

imagens associadas; e as novidades para negros30. Outras inovações do período foram o

aumento da concentração da essência em perfumes para maior fixação (de 5% para

12%); a adoção de design em embalagens; e a utilização de embalagens de refil, como

no caso da Natura, cujo preço é inferior ao do produto original.

Uma medida governamental da época que ajudou a tornar os produtos brasileiros mais

competitivos foi a diminuição da carga tributária do IPI nos cosméticos e perfumes de

77% para 40% em agosto de 1992 31. Em 1993, esta mudança se refletiu no maior

interesse pela internacionalização pela Natura e pelo O Boticário.

Novas mudanças no cenário nacional vieram com o Plano Real, que permitiu a

estabilização da economia, através da redução substancial da inflação, e equiparou a

moeda local ao dólar americano.32 Com o aumento do poder aquisitivo do consumidor

brasileiro, a classe média passou a consumir produtos de melhor qualidade, antes

acessíveis apenas à classe A, e as classes C, D e E, antes marginalizadas, ingressaram no

mercado. Neste período, as grandes multinacionais33 do setor passaram a dar maior foco

para a ampliação da rede de distribuição, de modo a garantir melhores preços e

comodidade ao consumidor. As drogarias que adotaram o modelo americano de ser ao

mesmo tempo farmácia e loja de conveniência ganharam destaque, pois, através de

informatização de estoques, podiam agilizar o tempo de reposição de produtos,

oferecendo maior variedade. Ao mesmo tempo, o funcionamento dia e noite, sete dias

por semana, e a possibilidade de entrega em casa, garantiam maior comodidade ao

consumidor e expandiam as vendas da indústria.

29 Souza, A.M. Direito à vaidade. Marketing, 283 :56-59, 1996; Cosméticos e Perfumaria têm vendas quesão uma beleza. O Globo, 01.04.1996, p.16; Aumenta a competição em perfumaria. Gazeta Mercantil,22.04.1996, p. C-2.30 Produtos têm preço de custo na Cosmética 93. Folha de São Paulo, 10.09.1993; Mercado de vendadomiciliar de cosméticos deve crescer. O Estado de São Paulo, 22.10.1993.31 A revolução dos perfumes.Pequenas Empresas, Grandes Negócios, 4 (45) :52-54, out. 1992.32 Brasil na rota da perfumaria mundial . Jornal do Brasil, 13.07.1997, p. 24.33 Antunes, A.S.R.; Pinha, L. R.; Silva, M.S.F.M. O mercado de cosméticos. Rio de Janeiro,COPPEAD/UFRJ, mimeo, junho de 1995.

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Frente a esta nova realidade econômica, à abertura do mercado, à concorrência

internacional e às oportunidades que surgiam, as grandes empresas locais passaram a

enfatizar ainda mais a profissionalização e a cuidar da renovação de suas imagens e

marcas através de reforço na comunicação e do lançamento mais freqüente de novos

produtos. A ênfase na diferenciação tornou-se uma estratégia de vendas ainda mais

necessária, uma vez que o crescimento do mercado fizera surgir uma série de pequenas

marcas voltadas para exploração de fragrâncias e fórmulas consagradas mundialmente

com nomes famosos,34 algumas das quais utilizando a venda direta para desenvolver

seus negócios em regiões de difícil acesso para a distribuição tradicional.35 Para

fortalecer suas posições frente a novos entrantes e aumentar as barreiras de entrada no

mercado, as grandes empresas do setor passaram também a trabalhar com médicos,

esteticistas, microbiologistas e químicos na pesquisa e desenvolvimento36 de novos

produtos.37

Por fim, no final dos anos 90 a desvalorização do Real, em janeiro de 1999, teve

impacto tanto positivo quanto negativo na indústria. Do ponto de vista positivo, a

desvalorização do Real tornou os produtos importados mais caros. Quanto ao impacto

negativo, derivado da perda de poder aquisitivo da população, foi relativamente pequeno

na estrutura da indústria local, uma vez que os grandes supermercados refrearam um

pouco o impacto sobre os preços e o consumidor, após um período de retração, voltou a

consumir as marcas de qualidade.38

Esperava-se que no ano 2000 a indústria de cosméticos brasileira passasse para a quarta

posição mundial em termos de faturamento.

34 Dantas, V. Indústria de cosméticos renova imagem. O Estado de São Paulo, 06.08.1993; Karam, R. Omarketing é a diferença. Gazeta Mercantil, suplemento Por Conta Própria, 24.09.97, p. 7.35 Karam, R., O marketing é a diferença. Gazeta Mercantil, suplemento Por Conta Própria, 24.09.97, p. 7.35 Moraes, A.L. Vendas porta a porta rendem US$3 bi. Gazeta Mercantil, 15.03.1996, p.C-8.36 Pastor, L. Renew traz novo consumidor para a Avon.Gazeta Mercantil, 17.05.1996, p.C-7.37 Fuoco, T. Cosméticos, nova linha do Almeida Prado. Gazeta Mercantil, 22.09.1997, p.C-5.38 Marcas tradicionais continuam nas prateleiras. Gazeta Mercantil, 22.05.1999, p.A-7.

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4.1.2 Estratégias Competitivas

Através do histórico podem-se identificar as estratégias competitivas adotadas pelos

participantes nesta indústria altamente globalizada de perfumaria e cosmética.

Um primeiro grupo estratégico é formado por empresas multinacionais de atuação

global que operam através de lojas de varejo sofisticadas e importadoras. Neste grupo

encontramos nomes como Givenchy e Dior, cujo público alvo é composto na maioria

por consumidores da classe alta e média alta. De modo geral, estas empresas têm

consumidores fiéis, que apreciam qualidade e gostam de traduzir através dos produtos e

imagens a eles associadas a sua própria personalidade.

Outra estratégia de competição global é adotada por indústrias como L’Oréal, Wella,

Maybelline, Revlon e Sheiseido que adotaram a distribuição de produtos de consumo de

massa, vendidos em supermercados, drogarias, lojas de desconto e salões de beleza,

como principal arma competitiva. Nestes casos, o tripé qualidade, preço e comodidade

são os principais fatores de compra para a clientela.

A terceira estratégia de atuação escolhida pelas multinacionais é a venda direta de

produtos de consumo de massa adotada pela Avon e Mary Kay. Estas empresas utilizam

a figura do consultor de beleza apoiado por catálogos de produtos para atingir

consumidores para os quais é importante a orientação de um especialista e em mercados

nos quais a distribuição tradicional tem pouca penetração.

Além dessas empresas de atuação global, o mercado nacional é composto por empresas

domésticas com grande penetração no setor ou com atuação limitada a uma região,

geralmente atuando em nichos de mercado, e competindo seja por diferenciação, seja

por preço através da venda de produtos populares.

Três das líderes brasileiras do setor - O Boticário, Água de Cheiro e L’Acqua de Fiori -

adotaram uma estratégia de diferenciação, desenvolvendo produtos distintos e

exclusivos, e antecipando tendências em embalagens, frascos e perfumes. Estas

empresas tomam cuidado especial na construção de suas marcas e imagens, e, nas lojas

exclusivas e franqueadas, cuidam de todos os detalhes desde o padrão visual até o

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treinamento dos vendedores para garantir o bom atendimento aos clientes. De modo a

garantir fidelidade à marca, os produtos comercializados transmitem sofisticação, sendo

vendidos como um conjunto de benefícios adequados à personalidade e imagem dos

usuários39.

Outro grupo estratégico é formado por farmácias de manipulação como Raízes, Valmari

e Dermatus. Estas empresas têm pequeno porte e se especializaram na engenharia de

produtos, desenvolvendo fórmulas específicas para os clientes conforme o tipo de pele e

necessidade40. Em geral, contam com um público fiel que consome os produtos mais

pelos benefícios específicos associados aos ingredientes do que pela imagem que eles

transmitem. Nesta linha, a estratégia de comunicação das empresas não busca criar uma

imagem única para cada produto. Ao contrário, o que é enfatizado é a marca da empresa

como capaz de criar soluções específicas para cada cliente.

Empresas como Chlorophylla, Juli & Burk, THB, Campele, Companhia da Terra

formam um terceiro grupo de participantes nacionais no mercado cuja estratégia tem

sido a cópia de produtos importados (como por exemplo Yves St. Laurent e Calvin

Klein) no que se refere a nomes, formatos e fragrância. Nestes casos enfatiza-se na

comercialização a possibilidade de se comprar um produto “importado” e com forte

imagem associada a preço baixo. De modo geral, como os produtos têm pouco valor

agregado, as empresas oferecem uma grande variedade de fragrâncias para que o

consumidor volte a comprar da empresa, trocando apenas o perfume.

Finalmente, um último grupo se destaca pela adoção da venda direta como estratégia de

atuação. Este grupo é formado por uma série de pequenas empresas e franquias

domiciliares de menor expressão a nível nacional, como a Jacques Lafont, mas recebe o

reforço de uma das líderes do setor de perfumaria e cosmética do Brasil: a Natura. Em

comum com as demais, a Natura tem o fato de ter optado por um estratégia de canal

diferenciada, baseada no sistema de venda porta-a-porta através de consultoras de

beleza, sem colocação de produtos em prateleiras. Diferente das outras, no entanto, a

Natura se destaca por ter adotado também uma estratégia de diferenciação, utilizando-se

39 Santos, P. Essências e fragrâncias. Mercado Global, 70 :52-61, 1987.

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da proximidade com os clientes para desenvolver produtos de acordo com os anseios de

seu público-alvo e de alto valor agregado.

Sob o ponto de vista da internacionalização, apenas duas empresas partiram para essa

estratégia: O Boticário e Natura41.

4.2 O Caso de O Boticário

4.2.1 Histórico42

A Hudson José Botica Comercial Farmacêutica Ltda - nome de fantasia “O Boticário”-

foi criada em Abril de 1977 por Miguel Krigsner, que ainda atuava como presidente da

empresa por ocasião da realização desta pesquisa, e mais três sócios. O investimento

inicial de U$3.000 visou estabelecer uma farmácia de manipulação em Curitiba dentro

de um conceito de boutique, conforme explica Artur Grynbaum, Diretor Comercial de O

Boticário.

“Já naquela época (O Boticário) era uma farmácia diferente. Curitiba

não era a cidade destaque que é hoje (…) e, como acontecia em outras

cidades menores, as pessoas gostavam de ir ao Rio e São Paulo para

comprar roupa em boutique. (…) A nossa farmácia não deixava de ser

uma espécie de boutique (…) você era atendido a portas fechadas,

com ar condicionado, música ambiente, com lugar para sentar e tomar

cafezinho.”

40 Jovchelevich, R. Perfumaria e cosméticos têm bom mercado. Folha de São Paulo, 24.07.1994.41 Cohen, S. O Boticário e Natura partem para conquistar os portugueses. O Globo, 09.05.1993.42 O Boticário: do naturalismo à ecologia. Mídia e Mercado, dez. 1990, p.28-32; Fudissaku, S. A farmáciaque gerou um império. Pequenas Empresas, Grandes Negócios, 1 (3) :24-28, 1989; entrevista com ArturGrynbaum, Diretor Comercial.

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A pouca concorrência internacional em virtude da restrição à importação, na década de

80, favoreceu o crescimento da farmácia. Na época não existia muita opção de

perfumaria e cosmética e a população tinha que escolher entre produtos disponíveis em

farmácias e supermercados, comercializados através de venda porta a porta, como a

Avon, ou vendidos poucas importadoras.

A identificação de uma tendência ao naturalismo fez com que Krigsner adotasse

ingredientes naturais no desenvolvimento dos primeiros produtos dermatológicos

voltados para atender as classes A e B.

“O período era favorável ao natural e assim nosso slogan virou ‘O

Boticário - produtos naturais’. Iniciamos o teste na farmácia com três

produtos, um creme de algas, um perfume chamado de O Boticário, e

um xampu. Precisávamos de aceitação e as pessoas começaram a

gostar.”

A boa aceitação dos produtos levou ao desenvolvimento de novos cosméticos na mesma

linha. Uma vez que o preço não parecia ser uma limitação, os sócios acreditaram no

negócio e passaram a se dedicar cada vez mais ao segmento de cosméticos, fazendo

cursos no exterior, pesquisas de formulação e de mercado. Para divulgação dos produtos

contavam com a propaganda boca-a-boca feita pelos consumidores satisfeitos com sua

qualidade.

A escalada da produção e dos negócios da empresa veio com a abertura de uma loja no

então recém-inaugurado aeroporto Afonso Pena, em Curitiba, em 1979.

“A loja no aeroporto foi o pontapé inicial da brincadeira. Já tinhamos

um portfolio de uns 50 produtos, uma cara de loja. (…) Foi uma

abertura estratégica para fazer conhecidos os produtos. As pessoas

gostaram muito. No aeroporto você nunca tem muita coisa para fazer,

então começa a ‘fussar’ – em uma loja diferente ainda mais. (…)

Muitas pessoas que vinham para Curitiba compravam para levar de

presente. Aí começou a acontecer de pessoas falarem assim: você vai

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para Curitiba (…) tem uma lojinha assim no aeroporto, pode comprar

um perfume pr’a mim? As comissárias de bordo viraram ‘sacoleiras’.”

Além da malha informal de distribuição que começou com as comissárias de bordo, ao

mesmo tempo consumidoras e revendedoras, a empresa passou também a fazer entregas

via reembolso postal a consumidores que entravam em contato direto com a empresa

através do endereço e telefone que iam impressos na parte de baixo das embalagens. Na

época, chegou-se a enviar por reembolso postal cerca de 500 produtos por mês para

pesssoas que os revendiam em lojas mistas.

“Não se falava em loja exclusiva e às vezes nem em lojas. A primeira

cliente que a gente teve comprou um monte de produtos e em um chá

vendeu tudo em Brasília. (…) Outras pessoas compravam os produtos

e colocavam em lojas de confecção, óticas, joalheiras, lingerie. (…) O

que existia era uma relação mercantil: toma o dinheiro, toma o

produto. Só que aí a gente começou a ver o negócio tomar vulto e

inaugurou o primeiro módulo da fábrica em 1982.”

Paralelamente à construção dos primeiros 1000 m2 de fábrica em São José dos Pinhais,

o grupo investia na imagem da marca e dos produtos. Uma oportunidade que não foi

desperdiçada foi a compra, a preço baixo e a prazo, de embalagens sofisticadas do

Grupo Silvio Santos que havia desistido de entrar no mercado de cosméticos.

O aumento do volume de produção levou O Boticário a avaliar a necessidade de

estruturar um canal de vendas para atender às pessoas que insistiam em querer

comercializar os produtos. A adoção de franquias como estratégia de crescimento foi

reflexo da falta de dinheiro para investir em propaganda e colocar os produtos nas

prateleiras de supermercados e drogarias no eixo Rio-São Paulo e da possibilidade de ter

maior controle na venda de produtos e cuidado com a marca. Os primeiros revendedores

do produto acabaram se transformando em distribuidores regionais e depois, com a

adoção do modelo de franquia, master franqueados. Além da revenda do produto,

passaram a ser responsáveis pelo serviço e por credenciar pessoas.

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“A gente tinha uma relação mercantil com as pessoas, vendíamos os

produtos e as pessoas faziam o que quisessem com eles. Não tinha

nenhum controle de atendimento, nenhum modelo, nada. (…) De

repente a gente percebeu que existia uma oportunidade de negócio, de

definir uma cara. A gente nem sabia o que era franchising, aliás

ningúem sabia, mas começamos a olhar como funcionava e então

definimos o caminho. Fomos pioneiros no Brasil, (…) chegamos em

1987 a ter mais de 1100 pontos de venda.”

A propaganda a nível nacional passou a ser adotada em 1984. Até então a empresa

contava apenas com o boca-a-boca ou fazia pequenas inserções nos jornais regionais de

Curitiba. O crescimento do número de franqueados, uns 300 na época, aumentou o risco

das divulgações feitas por conta própria prejudicarem a credibilidade da marca e

quebrarem o padrão do negócio (no Nordeste falava-se de produtos artesanalmente

preparados e no Sul de produtos naturais). Assim, O Boticário começou a fazer

propaganda em revistas femininas de circulação nacional que davam status ao produto.

A utilização da televisão só foi feita em 1987, visando atender pontos de venda distantes

dos grandes centros.

Da expansão e do aumento da competitividade no setor veio a preocupação com o

atendimento prestado aos clientes. Para isso em 1986 foi desenvolvido um treinamento

básico oficial para as vendedoras-balconistas ministrado por instrutores da matriz para

garantir a padronização do atendimento desde o vestiário até as normas de conduta.

Ainda assim, em 1987, foi necessário fazer uma adequação da estrutura do negócio.

“Em 1987 a gente decidiu que não queria mais loja mista. Já tinhamos

bastante loja exclusiva e saimos de 1100 para 800 pontos de vendas. E

logo dois anos depois voltamos para 1200.”

Entre 1987 e 1992, O Boticário fechou mais de 150 lojas, buscando reestruturar-se.

Entre as medidas adotadas encontravam-se o estabelecimento da franquia de forma mais

completa, desenvolvendo-se manuais de padronização de procedimentos. Além disso,

foram reformulados os contratos de franquia e profissionalizadas as relações com os

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franquiados.43 As linhas de produto foram expandidas, de modo a reduzir a sazonalidade

das vendas.

A década de 90, particularmente sua segunda metade, assistiu a um crescimento

acentuado do mercado brasileiro de cosméticos. Entre 1992 e 1997, por exemplo, o

faturamento da indústria passou de US$ 1,7 bilhão para US$ 3,250 bilhões. O

faturamento de O Boticário acompanhou este crescimento.

A entrada de produtos importados no mercado brasileiro, além do ingresso de

multinacionais, provocou acirramento da competição, levando O Boticário a modificar

suas estratégias e a adotar medidas que visavam aumentar sua competitividade. Entre as

medidas adotadas em 1995 destacaram-se a adoção de novos sistemas de custeio e as

parcerias com fornecedores, com vistas à redução de custos.44

A empresa necessitou reposicionar algumas de suas linhas de produto. Depois de um

bem-sucedido ingresso no segmento de adolescentes do sexo feminino, com a linha

Thaty, O Boticário fracassou, em 1995, na tentativa de introduzir novas linhas dirigidas

aos segmentos de pré-adolescentes, do sexo masculino e feminino.45

Outro problema que O Boticário teve que enfrentar, para fazer face ao crescimento, foi a

ampliação do tamanho de suas lojas. De fato, o tamanho médio das lojas tornara-se

insuficiente para permitir a exposição da linha de cerca de 400 produtos fabricados pela

empresa. A solução encontrada foi o desenvolvimento de novo projeto arquitetônico,

com uma loja mais ampla, em que a venda se realizava segundo um modelo de auto-

serviço assistido.46

Ainda em 1997, a empresa realizou um programa de reengenharia, modificando sua

estrutura operacional. Entre as medidas adotadas estavam a desativação do sistema de

distribuição utilizado, no qual cabia ao franqueado master a responsabilidade pela

distribuição em sua região, que foi substituído por um sistema informatizado

43 Acertou quem fez uma boa faxina. Exame, 27.05.1992, pp.76-83.44 Costa, F. Despesa na ponta do lápis. Exame, 10.05.1995, p.77.45 Balbi, S. Boticário muda seus produtos para os jovens. Jornal do Brasil, 28.08.1995, p.11.46 Bergamasco, C. Fabricantes de cosméticos estão otimistas. Gazeta Mercantil, 24.09.1997, p.C-7.

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interligando todas as lojas, de modo a permitir que os pedidos fossem dirigidos

diretamente ao depósito central da empresa. O controle e despacho de produtos passou a

ser realizado por uma empresa de logística terceirizada, a DDF Logística, do grupo

Philips.47

Em 1999, a empresa prosseguia em sua estratégia de cobertura mais ampla dos vários

segmentos do mercado, procurando dimensionar melhor sua linha, fortemente

concentrada nos segmentos de faixa etária menor, para atender ao público adulto.48

4.2.2 Dados sobre a Internacionalização de O Boticário

Os dados sobre a internacionalização de O Boticário disponíveis na mídia são

imprecisos. Ainda assim, a título de mapear o tamanho das operações da empresa e

permitir um maior entendimento do processo pelo qual a empresa passou, podemos

listar algumas informações.

Em 1985, a empresa dispunha de 480 lojas no Brasil. Em 1986, iniciou as operações no

mercado português. Em 1987, dispunha de 21 lojas franqueadas no exterior, sendo 16

em Portugal e as demais localizadas na Noruega, Escócia, Chile e Estados Unidos. No

mercado nacional a empresa tinha 1100 pontos de vendas.49

Em 1990, a empresa contava com um total de 920 lojas, dez próprias e 910 franqueadas,

sendo 17 no exterior.50

Em 1992, O Boticário dispunha de 23 lojas em Portugal. As vendas em 1992, no

mercado português, foram de 600 mil unidades, com um faturamento de R$ 800 mil.

Além disso, a empresa havia aberto duas lojas na Inglaterra. 51 Ainda em 1992, O

Boticário modificou sua estratégia de atuação no Chile, para enfrentar as barreiras que

47 Alves, U. O Boticário fica mais ágil com distribuição terceirizada. Gazeta Mercantil, 19.02.1997, p.C-8.48 Moraes, A.L. O Boticário troca de agência. Gazeta Mercantil, 03.03.1999, p.C-6.49 O Boticário: do naturalismo à ecologia. Mídia e Mercado, dez. 1990, p. 28-32.50 Empresários do perfume. Pequenas Empresas, Grandes Negócios. 2 (12) :28-34, 1990.

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vinham dificultando sua expansão nesse mercado, substituindo as lojas pelo sistema de

vendas domiciliares.52 No Brasil a empresa voltara a expandir, detendo 1200 pontos de

vendas entre lojas próprias e franquias.

Em 1993, a empresa dispunha de 1230 lojas no Brasil, entre franqueadas e próprias, e 34

lojas franqueadas em Portugal. Além disso, operava uma franquia em Assunção, no

Paraguai. Naquele ano foram fechadas as duas lojas na Inglaterra e suspensas suas

operações no Chile.53

Em 1995, a empresa dispunha de 1.270 lojas franqueadas e 14 próprias, além de 56 lojas

em Portugal e cinco na Espanha54. Estava realizando estudos para instalação de pontos

de venda no Uruguai e Paraguai.

Em 1996, a empresa tinha 1433 lojas no Brasil, sendo 22 próprias, além de 54 unidades

em Portugal, tendo ainda lojas na Espanha, México e Peru, e distribuidores no Canadá e

no Japão.55

Em 1997, O Boticário dispunha de 1.447 lojas franqueadas e 24 lojas próprias no Brasil,

além de 59 lojas no exterior e cerca de 300 pontos de venda no Canadá e no Japão.56

Estava realizando estudos para iniciar operações no mercado argentino em 1998.57

Em 1998, a empresa tinha proximadamente 1.588 lojas no Brasil; mantinha 65 lojas em

Portugal, duas no México e duas no Peru.

Em 1999, tinha 1.608 lojas no Brasil58, três lojas no Peru e estava presente ainda no

Japão, Canadá, México, Bolívia, Espanha e Portugal. Pretendia aumentar o número de

lojas no Peru.59

51 Acertou quem fez uma boa faxina. Exame, 27.05.1992, p.76-83.52 Tardivo, R. O Boticário muda de estratégia de vendas no Chile. Gazeta Mercantil, 13.05.1992, p.30.53 José, H. O Boticário quer abrir franquias na Espanha. Gazeta Mercantil, 30.10.1993, p.12.54 Boticário, agora na Espanha. Gazeta Mercantil. (Relatório: Indústrias do Paraná), 29.11.1995, p.4.55 Alves, U. O Boticário fica mais ágil com distribuição terceirizada. Gazeta Mercantil, 19.02.1997, p.C-8.; Nakamura, P. Boticário prevê crescimento de 10%. Gazeta Mercantil Latino-Americana, 27.01.1997,p.25.56 Bergamasco, C. Fabricantes de cosméticos estão otimistas. Gazeta Mercantil, 24.09.1997, p.C-7.57 Nakamura, P. Boticário prevê crescimento de 10%. Gazeta Mercantil Latino-Americana, 27.01.1997,p.25.58 Rosa, A. Boticário investe em linha de higiene pessoal. Gazeta Mercantil, 14.07.1999, p.C-1.

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Em 2000, havia 1750 pontos de vendas no mercado nacional e 60 em Portugal. Estava

ainda presente no Peru, Bolívia, Paraguai, Japão, México e Canadá. A entrada na

Argentina continuava sendo adiada.

4.2.3 O Processo de Internacionalização da Empresa60

Até meados dos anos 80, O Boticário manteve contatos comerciais no exterior com

pessoas interessadas em revender os produtos numa relação de compra e venda como a

que existia no mercado nacional. Em 1984, por exemplo, a empresa estava presente na

Bolívia através da comercialização de produtos para uma revendedora.

Em 1986, no entanto, a empresa tomou a decisão de estabelecer uma loja em Portugal,

dando início ao que se pode chamar de internacionalização oficial da empresa. Esta

decisão seguiu, de certa forma, o mesmo modelo de crescimento do mercado interno,

com a empresa se estruturando em torno de uma demanda de consumidores.

“Até hoje, se você for ver, eu tenho um banco de dados de mais de 800

nomes de pessoas querendo trabalhar no exterior. (…) Mas a gente

tem que ter cuidado. Muitas vezes a pessoa quer sair do país, por

questão de segurança etc (…) E aí lembra que negócio ia bem no

Brasil que não tem no local e lembra d’O Boticário. (…) É muito

difícil encontrar fora uma marca única com tantos produtos, no setor

de perfumaria”

Com menos de 10 anos de existência, O Boticário ainda tinha oportunidades de

crescimento no mercado interno e não tinha estrutura interna adequada para planejar

uma expansão em larga escala para o exterior.

59 O Boticário expande sua marca na América Latina. Gazeta Mercantil Latino-Americana, 11.01.1999,p.18.60 Entrevista com Artur Grynbaum, Diretor Comercial; José, H. O Boticário quer abrir franquias naEspanha. Gazeta Mercantil, 30.10.1993, p.12; Tardivo, R. O Boticário muda de estratégia de vendas noChile. Gazeta Mercantil, 13.05.1992, p.30.

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“Se você considerar que hoje a empresa tem 23 anos, ela teve um

crescimento muito forte. A operação era muito rápida e exigia uma

concentração muito grande no Brasil que era o principal filão e onde

se crescia a passos largos (…) E como toda empresa que estava

iniciando, não tinha aquela estruturação, você fazia o estratégico de

manhã e na parte da tarde o operacional. (…) Para ir para fora a

empresa tem que estar numa fase amadurecida.”

Mesmo a situação politico-econômica da época, com abertura de mercado e o interesse

de empresas estrangeiras no Brasil não se constituíam em fatores suficientes para a

expansão. Como observou Artur Grynbaum, ponderando os riscos envolvidos em não

atender adequadamente ao mercado doméstico, com todas as oportunidades que se

apresentavam, e de não diversificar mercados, mantendo as operações concentradas no

Brasil:

“São dois riscos. Tem o mercado ainda inexplorado e a estabilidade

econômica, e o fato de não se colocar todos os ovos na mesma cesta,

de pensar em hedge… Mas não era a estória do ‘vou morrer se não

tiver receita vindo de moeda forte’…”

A quantidade de pessoas interessadas em revender os produtos de O Boticário no

exterior, no entanto, pressionava constantemente a empresa para a internacionalização.

Ao mesmo tempo, a empresa sabia que tinha um sistema de venda de sucesso, com boa

aceitação dos produtos, que podia tentar repetir fora do Brasil.

“Num primeiro momento eu diria que (a decisão de ir) foi 75%

‘porque me querem’ com 25% de ‘eu vou’. Hoje é 100% de ‘eu vou’.

Porque, ou você embute no seu planejamento estratégico que você vai

e se prepara, ou não dá certo – e tem que ser uma decisão da empresa

como um todo, não adianta ser só do comercial ou do presidente, pois

sozinho não se faz nada.”

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O fator que mais restringia a internacionalização, no caso da empresa, era o processo

produtivo que envolvia não só troca de nome dos produtos, mas também tradução da

rotulagem e modificações na formulação.

“ Tem perfumes que eu vendo um milhão de unidades por ano aqui e

aí vendo 2.000 no mercado de lá. O lote econômico não é interessante.

Tem que olhar isso.”

A análise puramente econômica, segundo Grynbaum, não ajudava na decisão de

internacionalização.

“ Não houve análise econômica porque nunca, no momento zero, vai

fazer sentido. Só se você fizer um budget de cinco anos, mas isso é

modelo de multinacional… e nem elas têm 100% de certeza de

sucesso. Elas vão e repetem o modelo. Você vê muita multinacional

quebrar a cara e sair fora, perdendo milhões de dólares porque repetiu

o modelo tradicional… Claro que tem um modelo econômico, quando

vou entrar num local, faço os orçamentos, estimo a venda, mas...como

se estima venda? Você pode ler o que quiser, tantas pessoas, tal idade,

renda é tanto, distribuição de mercado é tanto, e daí? Que garantia eu

tenho de que o percentual que eu faço aqui vou conseguir lá? E nem

dá para usar o Brasil como referencial, porque aqui está estourado

devido ao sucesso… Então, faço um corte lá e tento… mas não tenho

garantia…”

Ainda assim, aceito o desafio da expansão, a escolha de Portugal baseou-se em três

critérios: oportunidade de negócio com profissionais que já eram conhecidos da

empresa; percepção da empresa de que Portugal era a porta de entrada para o mercado

europeu; e o suposto conhecimento de idioma e costumes de Portugal pelos brasileiros e

a associação dos consumidores portugueses com o Brasil, que ajudariam na implantação

da empresa.

“Bom, na verdade já vinha aquela estória… como faremos para ir para

fora do Brasil? Aí você vai pensando e começa a procurar fatores que

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facilitariam a vida e aí cai no famoso idioma, que parece que é a porta

inicial que se abre para você (…) Era um mercado um pouco mais

fácil de entrar do que outros mercados porque não tinha a barreira de

idioma, seja para as pessoas que você tinha que mandar para lá, seja

dos consumidores que iam conseguir ler o produto e iam fazer

referência com o Brasil e com a marca O Boticario, que iria ter algum

significado.”

Inicialmente o fator de maior peso em relação ao idioma não era a comunicação oral,

mas a descrição dos produtos. Mais do que a fluência na língua (os sócios tinham

origem boliviana e falavam perfeitamente o espanhol), a pouca necessidade de

adaptação na produção parecia fundamental.

“(Falo de) toda a base de produtos, rotulagem… vamos dizer, teria que

fazer 1000 unidades pr’o mercado da Inglaterra. Não compensaria

mudar embalagem etc. No mercado de Portugal poderia utilizar os

produtos, mudava-se o nome de deo-colônia para Eau de Toilette, o

resto poderia utilizar. Esta era a facilidade.”

Em relação à escolha do parceiro de negócio, o fator decisivo foi o conhecimento e

relacionamento prévio com a empresa. O Boticário recebia uma série de pedidos de

franquias, mas mesmo considerando que a internacionalização poderia ser interessante,

havia o entendimento de que ela só seria bem sucedida se houvesse confiança na

capacidade empreendedora do franqueado.

“A gente tinha um grupo de franqueados, em São Paulo, que tinha

familiares em Lisboa e que estava indo muito bem com o negócio

aqui. Eles vieram nos procurar para uma franquia em Portugal. Aí

casou com nosso interesse em abrir um mercado lá.”

A escolha do modo de entrada foi imediata, pois a empresa entendeu que para ter

sucesso deveria repetir o modelo de atuação que conhecia bem, que era a franquia.

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“Aqui no Brasil foi assim: vou ou não vou? Vou. Como? Repetindo

meu modelo de sucesso, independente de volume. Vou tentar levar

para lá o que eu tenho know-how de operação, não adiantava querer

entrar com porta-a-porta, eu não domino porta-a-porta. Eu domino

loja, se você falar de retailing eu discuto o que você quiser, estou por

dentro. Então vou com franquia, mas com quem? Com os franqueados

que eu conhecia e sabia que tinham algum know-how…”

Assim, a entrada em Portugal foi feita através de três lojas administradas pelos

franqueados de São Paulo em associação com os parentes de Portugal. Produzia-se no

Brasil e enviavam-se as mercadorias para as lojas no exterior, que tinham a mesma

relação de franqueados com a empresa. Como suporte, a empresa fazia acordos na mídia

local.

As dificuldades com as diferenças de cultura apareceram já no início:

“Então, tinha uma soma de aspectos positivos para ir, só que quando

você chega lá, esbarra em algumas coisas. Tudo bem, o produto, a

língua.... Mas a língua já não é a mesma… e os costumes… você mal

sabe que os costumes muitas vezes são tão diferentes. Nós somos

conhecidos aqui por ter uma marca arrojada, marca que sempre ousou,

que sempre inovou em campanhas e tal. Vai inovar numa cidade

daquelas (…) Tinha uma propaganda que um cara estava cheio de

beijos na camisa, ia descendo do pescoço pelo peito… aqui foi o

maior frisson. Lá a gente ficou sem saber: ‘botamos a campanha no ar,

ou não’? Eu não sabia o que fazer. A campanha era muito boa, mas eu

tinha um grande receio de como os portugueses iam receber… se não

era ousado demais para lá. Eu ainda fui peitudo, botei a propaganda no

ar e, graças a Deus, foi tudo bem. No dia seguinte, estavam

perguntando quem era o rapaz.”

Uma das maneiras encontradas pela empresa para lidar com a diferença cultural foi a

contratação de gerentes brasileiras. Estas serviam para ensinar a O Boticário aspectos da

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cultura local uma vez que já estavam morando no país há mais tempo, e também para

gradualmente ensinar aos funcionários portugueses as características da empresa e da

marca.

“Na época eu até gostava de trabalhar com gerentes brasileiras que

eram mais ousadas, às vezes tinham trabalhado conosco aqui e tinham

ido pr’a lá. Para você ter uma idéia, teve uma brasileira que [depois da

propaganda da camisa] comprou uma camisa de smoking e encheu de

batom e colocou na vitrine. Maravilhosa a iniciativa. As pessoas

olhavam e faziam referência automática à propaganda. Mas tinha este

negócio de ousar um pouco com os costumes tradicionais. (…) Até

você entender como é a abordagem, tem um processo de

aprendizado.”

Outra dificuldade enfrentada foi a falta de estruturação interna da empresa para o

mercado externo. Apesar de O Boticário ter decidido internacionalizar-se, não criou

originalmente uma área dedicada a atender às necessidades da nova operação.

“É difícil entrar redondo [num país], a gente demora para acertar…

tem uma dificuldade de adaptação na entrada. Mas, na verdade,

também teve – não posso negar – o fato de que nós não abraçamos a

operação, pelo contrário. Demos atenção, mas não foi com aquele

fervor (…) É que se entrou por um motivo, achando que era a porta de

entrada na Europa, e quando você faz uma análise mais técnica, com o

sangue mais frio, você vê que não é porta de entrada e que é um

mercado pequeno. O tamanho de Portugal, como país, cabe aqui

dentro de alguns de nossos estados e o consumo lá não é alto. Eu

tenho um custo e o retorno é no longo, longo prazo. Então, hoje eu

tenho a operação, vai bem, mas está longe de ser a menina dos meus

olhos. É um modelo de sucesso, não dá para negar. Muita empresa que

foi para lá, fechou (...) E no processo de instalação de franquia você

tem que estar muito perto do franqueado, pelo próprio conceito do

negócio e lá é mais difícil.”

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Esta necessidade de maior interação com o franqueado e o relativamente pequeno apoio

da matriz refletiram-se também no desempenho dos franqueados em Portugal.

Conseqüentemente, aos poucos a empresa percebeu que precisava repetir o modelo de

expansão utilizado no Brasil, que era necessário manter uma estrutura interna própria

para atender o mercado externo e ter um parceiro de negócios não só conhecido, mas

com espírito empreendedor e capacidade de fazer o negócio crescer no local.

“(…) Aí você começa a entender que não adianta querer desembarcar

num local com uma lojinha só (…) Que, na verdade, a teoria que todo

mundo fazia do tipo ‘vai lá, experimenta’ só funciona se você vai para

uma terra inexplorada, um mercado que não é maduro, onde ninguém

tivesse acesso a tais classes de produto e aí você teria uma grande

demanda. Ou você pode até abrir só uma loja para sentir como é o

comportamento do consumidor e depois fazer o desembarque de uma

marca. Mas não dá para fazer desembarque de marca só com uma loja.

Pode ter casos, mas são muito raros. (…) E a própria gestão interna do

negócio, não era uma gestão 100% preparada. (…) Acabou tendo um

cargo de Diretor de Operações Internacionais, mas a gente não

conseguiu traduzir o modelo.”

Foi neste momento que O Boticário e os franqueados reavaliaram a estratégia de

negócio: ou fechavam a operação, ou a empresa assumia a responsabilidade de torná-la

bem sucedida. Não se tratava apenas de os produtos serem bem acolhidos, mas de ter

volume de produção e venda que justificasse o empreendimento, e a empresa entendeu

que os fatores de sucesso do Brasil que deveriam ser repetidos no exterior eram

presença local (em número de lojas) e dedicação à ampliação do negócio.

“[Neste tipo de operação] é preciso um empresário que tenha a

estrutura básica: conhecimento do mercado local para operar e não só

fazer uma tentativa.”

Nesta altura, a empresa já tinha outras operações no exterior e começou também a

reavaliá-las.

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“Fiz isso no México: falei, ‘olha vamos acabar com esta operação

porque não está dando dinheiro para ninguém’. Isso foi depois de

Portugal. Fechei a operação, uma unidade em Cancún. Tinha outra

pessoa no Canadá. (…) Na introdução de uma marca em mercado

maduro, ou você faz como gente grande e aporta conhecimento,

atenção, grana – e quando falo grana, não é a grana do produto, que o

produto sai barato, é o negócio da marca, conceito, ponto de venda,

loja, ambiente físico, realização de eventos etc. – ou você não cresce.

(…) Então, esses negócios miudinhos que a gente tinha, eu estou

terminando com quase tudo, porque não têm futuro”.

Em Portugal isso implicou em uma mudança de diretriz. Um executivo da empresa

assumiu a operação por dois anos e, depois, foi feita a transição para um master

franqueado local.

“O brasileiro fez a segunda passada do bastão, ou seja, da questão do

franqueado anterior para o outro modelo, de abertura de mais lojas.

Não lembro o número exato, mas vamos chutar, umas 17 lojas…

houve uma abertura neste sentido. E aí foi o terceiro momento, com a

entrada do master franqueado local, que conhecia o mercado

português. Na verdade, nós já conhecíamos esta pessoa do Brasil - era

português, mas tinha morado no Brasil, estudado no Brasil. Eu e o

Miguel tínhamos contato direto com ele e ele acabou se interessando e

assumindo a operação em Portugal. Estas foram as três fases.”

O maior entendimento do mercado pelo master franqueado local e a repetição do

modelo de franquia também contribuíram para o sucesso da nova fase da operação.

“Temos uma integração muito forte com a comunidade local no nosso

modelo no Brasil. Então, usamos este modelo e temos hoje uma

posição conquistada em Portugal. (…) No final do ano passado, foi

feita uma pesquisa local que mostra quão simpática é a marca perante

os portugueses, eles gostam da marca. Só que é um mercado diferente

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para operar, é um mercado maduro e os costumes também variam.

(…) O erro no desembarque de marcas fora é que muitas vezes há uma

‘comoditização’, ou seja, o modelo que deu certo aqui, eu levo ipsis

literis para lá, e aí quebro a cara. É só olhar a Wal-Mart, vendendo

esqui para neve, quando entrou em São Paulo. (…) Tem que saber se

adaptar”.

O sentimento de ser dono do negócio, importante na franquia, também foi incentivado

no terceiro momento da expansão. O Boticário mantinha 16 lojas próprias em Curitiba e

11 em Belo Horizonte em 2000 para não perder o contato direto com o mercado e

também para oferecer aos franqueados soluções que já houvessem sido testadas em suas

lojas. Esta estrutura foi mantida em Portugal, cujo master franqueado ficou também com

umas 16 lojas próprias.

“A estratégia de loja própria é fundamental. Primeiro, porque ainda é

um bom negócio. Segundo, quando eu falo em franchise, eu não

vendo um produto, mas a operação, eu só posso ensinar se eu estou

fazendo… O varejo é muito dinâmico, amanhã muda o conceito e eu

vou ficar a pé [se não tiver lojas próprias]. E, terceiro, eu uso as lojas

como piloto. Faço experiências com atendimento, com as equipes, de

produto para dizer ‘ok, funcionou, eu te vendo um modelo de sucesso,

não um teste, mas um conceito firmado.’ (…) Além disso, para o

master franqueado, a distribuidora é o bom do negócio. Quanto mais

lojas a distribuidora tem, mais o negócio se torna interessante para o

master franqueado…”

Já a produção local nunca foi adotada em virtude do pouco volume. Em comparação

com o Brasil, o mercado consumidor é muito pequeno e mais concorrido. Fatores como

uma grande retração no mercado brasileiro, ou uma estratégia de expansão para o resto

da Europa, poderiam justificar o investimento, mas o mercado brasileiro ainda era

considerado em 2000 como a grande oportunidade, apesar de as operações

internacionais estarem ganhando mais peso.

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“A gente tem pensado… a gente tem operações fora e acha que tem

que dar um jeito da operação lá fora começar a andar a passos mais

largos do que hoje, mas sem descuidar em nenhum momento do

mercado daqui. Aqui é minha vaca leiteira. Lá é um investimento…”

Para o futuro, a empresa continuará avaliando a possibilidade de entrar em outros

mercados, tendo como base todo o aprendizado da experiência em Portugal, mas sempre

apostando no modelo de franquia.

“Efetivamente eu posso entrar sozinho hoje. O que me impede é o

conceito que a gente trabalha, de franchise (...) A gente optou pela

franchise como modelo de expansão no início por uma limitação de

capital. Hoje eu poderia entrar sozinho em qualquer canto, porque eu

posso entrar com grana própria ou pegar emprestado com um private

equity, ou coisa assim. Mas, na verdade, é o conceito todo, a gente

quer que o dono esteja atrás do negócio. E aqui em Curitiba, por

exemplo, eu estou atrás do negócio, vou nas lojas, vejo como está,

tenho uma equipe. É o que faz a coisa andar. Aquela história de que

‘os olhos do dono é que engordam o boi’. Em Belo Horizonte eu tenho

uma pessoa. Você me pergunta: ‘sua performance em BH é melhor do

que aqui?’ ‘Não’. Então, a mesma coisa se aplica quando você vai

para um país estranho: posso contratar um executivo, só que a gente

acha que tem que ficar mais comprometido do que isso. Você dá mais

valor ao que é ganho com suor.”

Um dos grandes aprendizados da empresa foi o entendimento de que é preciso

estabelecer um objetivo inicial de crescimento.

“[Eu aprendi que] não dá para ir só com uma lojinha…tem que ir com

uma estrutura, para, na verdade, tentar minimizar as chances de erro

(…) Se eu vou para abrir mercado, então tenho que ter, no mínimo, x

lojas para justificar o investimento. Se eu for fazer parceria com

alguém de fora, para me representar, é assim: no primeiro ano faço

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cinco lojas, depois, tal e no terceiro ano tem que ter tantas… A curva

do meu investimento é assim, hoje eu perco, então tenho que fazer a

curva de retorno… Eu aposto 300 e em cinco anos o negócio me dá

três milhões. É um bom negocio? O negócio é se lançar numa base

mais estruturada, você sabe quanto quer abrir, como você opera…”

Quanto à escolha do mercado e do parceiro de negócio, passou a ser mais criteriosa e

levando-se em conta também as análises econômica e cultural.

“Em países menores, com menor distância geográfica, eu digo que o

master franqueado tem que ter quantas lojas próprias ele puder pois

vai ser melhor. Contraria um pouco o modelo de franquia, mas se for

um espaço pequeno… Outra coisa é o retorno… Por exemplo, a gente

ia para a Argentina no ano passado. Não fui, também não vou este

ano. Por que? Porque estou apostando contra o Peso. O suor da minha

testa custa R$2 para gerar US$1 e quando chegar lá pode virar ½, isso

me assusta. Os custos de operação são muito altos lá. E, terceiro, tem

toda esta rebordosa do Brasil versus Argentina. Imagina uma marca

brasileira chegando ‘muchachos estoy aqui para embelezar a ustedes’.

Sem chances. Então a gente decidiu adiar, mas se você pegar o plano

de Buenos Aires, dá para montar umas 50 lojas…”

4.2.4 Outro Relato sobre o Processo de Internacionalização

A história da internacionalização de O Boticário descrita acima baseou-se em fatos

relatados na mídia impressa ao longo dos anos e nas impressões de Artur Grynbaum,

Diretor Comercial da empresa, sobre o processo. Para enriquecer a análise, destaca-se a

seguir pontos relevantes da entrevista com Eloi Zanetti, consultor, que trabalhou

anteriormente como executivo de O Boticário, responsável pela internacionalização da

empresa. Como se verá a seguir, os aspectos mais abordados por Zanetti foram os

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fatores internos e externos que levaram à escolha de Portugal e as dificuldades

enfrentadas e estratégias adotadas na entrada no mercado.

Segundo Zanetti, a decisão de internacionalizar não foi fruto de uma análise das opções

de expansão, com escolha do país mais apropriado para o negócio. Ao contrário, a

demanda externa foi o fator predominante no processo.

“Havia dezenas de pedidos, dado o sucesso tão grande de O Boticário

no Brasil. Pedidos de franquia da França, Alemanha, Canadá, Coréia.

Teve um grupo coreano que sabia mais d’O Boticario do que nós, (…)

mas o registro de marca, as normas no Ministério da Saúde etc. eram

muito complicados.”

Neste sentido, era mais simples para O Boticário manter-se na primeira fase da

internacionalização que era a exportação de produtos para revenda. A empresa vendia,

faturava, mas o trabalho de estabelecimento da marca, desenvolvimento do mercado e

tradução da formulação ficava com o revendedor.

“Teve um japonês, por exemplo, que durante muitos anos vendeu mais

do que Portugal. Ele importava, colocava os produtos em um

caminhão e vendia em frente de fábricas onde tinha brasileiros, depois

lojinhas pequenas. Hoje o cara tem um shopping center.”

Dentre os fatores que limitavam a internacionalização através de franquias estava a

dificuldade de modificar a linha de produção interna para adaptação de rótulos e

informações de formulação.

“… com 420 produtos numa linha, 420 registros de IMS, você pode

imaginar o trabalho. A formulação química também era complicada,

cara, demorada. Freiou muito. O Boticário podia estar em dezenas de

países.”

A característica do produto de cosmética também era um limitante. Segundo Zanetti,

nesta indústria, é possível cuidar de todos os aspectos do marketing mas só se verifica o

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sucesso com o lançamento. Neste caso, a química surge como mais um limitante dadas

as variações climáticas de um país para outro.

“O produto de cosmética é como um tiro no escuro, é difícil adaptar a

embalagem sem saber qual vai dar certo. É como novela e pesquisa, a

gente só sabe se deu certo uma semana depois (…) E as condições

climáticas podem ser um problema. Chile, Portugal e Espanha são

muito secos. Aqui, a gente pode deixar um produto aberto e nada

acontece, lá os produtos somem dos frascos em uma semana.”

O tamanho do mercado externo comparado às oportunidades no mercado brasileiro

também tornavam a expansão internacional pouco atraente.

“Era muito trabalho com cremes, loções. Hoje são 72 lojas em

Portugal, cobrindo o país. Vale a pena? Não sei. Portugal todo não é a

zona metropolitana de São Paulo. Eu considerava a operação uma

distribuidora além do Nordeste, tão longe quanto. O mercado é

pequeno. Talvez fosse melhor investir no Brasil.”

Neste cenário de forte demanda externa e necessidade de adaptação, o pedido de

franquia para Portugal por parentes de um master franqueado no Brasil, em conjunto

com estes, surgiu como uma oportunidade viável de internacionalização pois a língua

permitia a adaptação gradual dos produtos.

“Portugal era mais fácil por causa do idioma, não era necessário trocar

toda rotulagem, formulação química. Imagine a fábrica fazendo

produção para o Brasil e tendo 500 produtos para outro país…Lá

também tinha limitantes. Há produtos cuja parte química passa aqui e

lá não e vice-versa, mas a gente foi fazendo aos poucos.”

Outro ponto que pesou a favor da internacionalização, segundo Zanetti, foi a

personalidade do fundador e presidente, Miguel Krigsner.

“Não foi uma decisão técnica. (…) A solicitação veio de fora - era

uma pressão muito grande. Miguel é judeu polônes, a família foi para

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a Bolívia na Segunda Guerra Mundial. (…) Ele é muito intuitivo, a

empresa não planejou nada. O Miguel nasceu assim, tem um santo

muito grande e é um cara ousado, abusado, porém muito sério. Por ele,

não queria internacionalizar, dava muito trabalho (…) Mas aí foi, na

loucura. O Boticário tinha estrutura, mas foi aos trancos e barrancos.

O tempo todo não sabia se ia fazer sucesso. Fez franquia durante anos

sem saber que fazia franquia. O primeiro contrato de franquia foi 17

anos depois da primeira franquia. As empresas brasileiras são assim:

você lê tudo, mas joga fora e faz do seu jeito. Uma aventura

consciente. O Boticário contou muito com isso. O produto é intuitivo.

O pessoal fazia pesquisa dois anos e aí chegava o Miguel com uma

fragrância. E esta? E era boa. É um mágico.”

Um aspecto destacado como positivo na entrada em Portugal por Zanetti foi a

estabilidade do mercado português, cujas características diferentes de mercado acabaram

ajudando a empresa quando da estabilização da economia brasileira. É possível que

Krigsner houvesse considerado a oportunidade de aprendizado em outro mercado como

fator positivo na sua tomada de decisão.

“A entrada lá era boa porque o ramo de cosmético é muito

competitivo, exige estar atento ao mercado 24 horas por dia. Portugal

também balizava muito o mercado consumidor: o que acontece na

Europa, acontece por lá. E a operação exigiu muito da gente em

termos de qualidade, atenção ao produto, planejamento de longo prazo

(…) A gente resolvia Natal em Abril, folhetagem etc. (…) A

estabilidade nos ensinou muita coisa na administração de lojas e a

administrar retornos de 3% a 5% no máximo dos picos de venda.

Quando o Brasil estabilizou-se depois, conseguimos aplicar muito do

que tínhamos aprendido”.

O modelo de expansão adotado no Brasil não foi de todo implementado em Portugal em

um primeiro momento. Existia aqui uma estrutura de master franqueados que

mantinham algumas lojas e planejavam um certo domínio territorial de modo a

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implantar e tornar conhecida a marca. A entrada em Portugal foi feita por portugueses

parentes de franqueados brasileiros, através de três lojas, para importação, redistribuição

e revenda. Os portugueses enfrentaram os problemas de formulação, estabelecimento da

força de vendas e da marca com apoio do Brasil, que tinha um responsável pela área

internacional. No entanto, à medida que o tempo foi passando sem que houvesse muito

retorno, a empresa O Boticário entendeu que não bastava apenas orientar, era necessário

assumir a implantação do negócio, como se fazia no Brasil. Zanetti comentou:

“No começo foi uma confusão. Até o nome em português lembrava

farmácia(…) Não andou muito. Foi preciso assumirmos o negócio,

montar uma estrutura profissional. Eu ia para lá três a quatro vezes por

ano para implantar a rede, pois na franquia você precisa mostrar a

cara. Mas isso não foi feito logo no início. (…) Ficamos com umas 10

lojas em vários shoppings e locais diferentes na cidade.”

A adaptação do produto e da linguagem ao gosto português também foi necessária até

que a marca se tornasse uma das mais conhecidas em Portugal e a franquia uma das

maiores em número de lojas.

“Sofremos muito até acertar. Nem havia amostras que fechassem

direito aqui no Brasil. Tínhamos que mandar produto lacrado em

galão, com uma seringa para retirar a quantidade para uma semana.

Amostras de cremes também. (…) E tem a questão de produtos, a

lavanda na Europa é usada para banheiro e cozinha. No Brasil, a Tati é

o produto mais vendido. (…) E na comunicação foi a mesma coisa. A

gente tinha que ser muito claro, não podia usar muita malícia e

irreverência em anúncios… Também tem coisas que não querem dizer

nada em português. Frasco, por exemplo, é bagulho, mulher velha.”

Ainda em relação à marca, adotou-se uma ampla estratégia de comunicação em diversas

mídias.

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“Inicialmente as vendedoras eram mais velhas, tinham 40, 50 anos.

Então a imagem era de produtos para pessoas velhas. A gente investiu

muito em veículos de mídia impressa para rejuvenescer a marca.”

O treinamento da força de vendas em produtos e argumentação também foi um aspecto

importante e trabalhoso no processo de entrada em Portugal. Foi preciso não só instituir

premiações de vendas para aumentar os resultados, como também redesenhar as

campanhas para atenderem culturalmente às expectativas do povo. A contratação de

brasileiras em Portugal como vendedoras também ajudou a estabelecer a força de

vendas.

“Português não sabe vender, oferecer. Para ele é vergonha indicar

produto para alguém, é constrangimento. É feio vender oferecendo.

Durante muito tempo tentou-se quebrar esta característica cultural (...)

Premiação por vendas não dava certo, os portugueses não gostavam

pois tinham pena de quem não atingisse. Além disso, tinha o problema

da entrega do prêmio: se era viagem, a mulher não podia ir sozinha.”

Finalmente, o respeito à cultura local foi fundamental na entrada e estabelecimento no

novo mercado. Como estrutura, Portugal passou a dispor de uma administração local

com departamentos próprios de marketing, pesquisa, vendas, treinamento e distribuição,

que seguiam a orientação da matriz brasileira.

“Tem que respeitar muito a cultura local, entender o local onde se está

entrando. Em Portugal ser português, na Espanha, espanhol. O

Boticário é assim no Brasil, na Bahia é baiano. Tem produtos que em

Minas vendem dez unidades e no Rio Grande do Sul são um sucesso.

A cor do batom é diferente, o perfume é para se sentir bem no

Nordeste e é arma de sedução no Sul.”

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103

4.3 ANÁLISE DO CASO

Foram apresentadas, no Capítulo II, as diferentes abordagens no campo da

administração que têm sido usadas no estudo do processo de internacionalização de

empresas, e que são divididas entre teorias de cunho comportamental e teorias de

enfoque econômico. Neste capítulo é feita uma análise comparando a experiência de O

Boticário com as teorias de internacionalização e com outros estudos brasileiros, assim

como uma avaliação do caso em relação às perguntas desta pesquisa.

4.3.1 O Caso “O Boticário” à Luz das Teorias de Internacionalização

da Firma

O Boticário e as Teorias Comportamentais

As teorias comportamentais sobre o processo de internacionalização enfatizam a

existência de uma cadeia de estabelecimento em estágios, com escolha de mercados

associada à distância psicológica e a mudança de estágios sendo feita à medida que a

empresa adquire maior conhecimento do mercado.

No caso de O Boticário, a empresa de fato passou pelos estágios de não exportação, para

exportação de produtos através de agentes (venda de produtos para terceiros em outros

países, que se encarregavam da venda), para posteriormente partir para o investimento

direto (estabelecimento de lojas próprias e franqueadas).

Estes estágios seguem, em parte, o previsto por Bilkey e Tesar (1977) e Bilkey (1978)

sobre o desenvolvimento exportador de firmas (podem-se reconhecer claramente as

fases, de não exportação à exportação a partir de aceitação de pedidos espontâneos

vindos do exterior) e por Johanson e Vahlne (1977) sobre o processo de

internacionalização. A diferença no processo está em que originalmente estes autores,

bem como Cavusgil (1980, 1984), sugeriram que as empresas percorreriam todos os

estágios antes de considerarem o estabelecimento direto no exterior, o que não foi

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verificado. Neste caso, a experiência de O Boticário estaria mais de acordo com o que

Juul e Walters (1986) identificaram em firmas norueguesas no Reino Unido, de que

algumas empresas saltavam estágios devido à percepção positiva do potencial de

mercado e da vontade de garantir a qualidade do serviço. O salto, neste caso, pode estar

ligado ao fato de que a internacionalização de O Boticário foi feita através de lojas e que

não existem estágios graduais no estabelecimento de uma franquia.

É bem verdade que Johanson e Vahlne (1977) previram que poderia haver saltos na

cadeia de estabelecimento no exterior quando a empresa tivesse recursos em excesso,

operasse em mercado estável e tivesse experiência em outros mercados, mas isso não

aconteceu no caso estudado. O Boticário não tinha recursos em excesso que

justificassem o investimento não gradual em Portugal. Mesmo as três exceções

apontadas mais tarde por Johanson e Vahlne (1990) ao processo gradual (firmas

grandes, com muitos recursos, mercados estágios e homogêneos, e experiência em

mercados similiares) não se aplicam ao caso estudado. Esta diferença no processo,

como mencionado, talvez possa ser atribuída à característica da operação de franquia,

que exige, desde sua instalação, o envolvimento com o mercado local.

Outro argumento que parece se aplicar melhor a este caso, é o de Hedlund e Kverneland

(1993), de que mudanças no ambiente de negócios internacionais e na habilidade das

empresas em gerenciar atividades internacionais poderia modificar a visão seqüencial do

processo. Apesar de a falta de conhecimento e de recursos ter refreado durante algum

tempo a internacionalização de O Boticário, a empresa acabou decidindo-se pela ida

para Portugal. O não estabelecimento de uma unidade de produção neste país, por outro

lado, não pode ser associado à falta de envolvimento, mas a aspectos econômicos. A

adoção do modelo de franquia também teria modificado a cadeia de estabelecimento no

caso estudado, pois se trata de uma estratégia de entrada mais curta.

Diferente também do que previram inicialmente Johanson e Vahlne (1977) e Cavusgil

(1980, 1984), o aumento de compromisso com a atividade internacional não se deu com

base no acúmulo de experiência em um único mercado. Segundo estes autores, as

decisões incrementais de comprometimento de recursos dependeriam de um maior

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conhecimento do mercado específico, com percepções de oportunidades e problemas em

seu contexto, diminuindo os riscos da atividade. Essencial para o processo seriam as

experiências da firma e de mercado e os conhecimentos objetivo (que pode ser

ensinado) e experimental (que necessita ser vivenciado). No caso de O Boticário, a

decisão de internacionalizar para Portugal não foi baseada em um acúmulo de

experiência neste mercado, diminuindo os riscos da atividade, mas da percepção de uma

oportunidade de negócio pelos dirigentes da empresa, proposta por pessoas que faziam

parte de sua network. Apesar dos inúmeros pedidos de franquias, a proposta aceita pela

empresa foi a de parentes de franqueados bem sucedidos no Brasil. Esta particularidade

corrobora a proposição de Barretto (1998) de que no Brasil as networks empresariais e

pessoais são consideradas fatores de sucesso e podem impactar na tomada de decisão.

Também está de acordo com a teoria de Johanson e Vahlne (1990) de que as networks

têm influência na internacionalização das empresas.

A crítica de Millington e Bayliss (1990) de que uma empresa não precisa

necessariamente adquirir um conhecimento experimental em um mercado específico

mas pode se valer da experiência internacional em outros mercados e de um

planejamento formal estratégico se aplica no caso em estudo. A experiência em lidar

com problemas gerenciais para administrar a operação de Portugal e o desenvolvimento

de uma nova estrutura interna permitiu a O Boticário em 2000 começar a desenvolver

uma estratégia discreta de internacionalização que poderia prescindir do modelo de

etapas, instituindo também um sistema de busca sistemática e avaliação de novas

oportunidades de investimento.

É interessante, ainda, destacar o argumento de Strandskov (1993) de que as empresas

passariam por processos cíclicos, alternando períodos de eficiência e ineficiência nas

atividades internacionais em oposição à relativa estabilidade e continuidade defendidas

nas primeiras proposições da teoria de estágios. Esta variação de grau de eficiência pôde

ser observado na história da entrada de O Boticário em Portugal que passou por três

fases até estar com a operação consolidada. Esta crítica, no entanto, não é incompatível

com o argumento descrito anteriormente de que as empresas tomariam decisões

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incrementais de comprometimento de recursos conforme o grau de conhecimento do

mercado e as percepções de oportunidades e problemas específicos.

De acordo com a proposição de Wiedersheim-Paul, Olson e Welch (1978) podemos

dizer que fatores externos (de mercado) e internos (da firma e dos tomadores de decisão)

à firma tiveram impacto no processo de internacionalização de O Boticário. Seguindo a

linha de raciocínio proposta por estes autores, observa-se que a bem sucedida

experiência doméstica de expansão regional através de franquia preparou a firma para

percepção de oportunidades: ela detinha uma competência única do modelo de franquia

(na época ainda bastante desconhecido por outras empresas) e um tipo de negócio

(conceito de boutique) não utilizado por outras empresas no setor. A busca de

crescimento, a padronização dos produtos e a estrutura de comunicação e apoio às

operações que foram criadas para o mercado interno também seriam características da

firma que permitiriam a expansão internacional, apesar de que, no caso de O Boticário, a

empresa não se sentia totalmente madura para a expansão internacional. Do ponto de

vista dos tomadores de decisão, o fato de serem estrangeiros naturalmente aumentava o

international outlook, ao mesmo tempo que a história da empresa (com busca de

oportunidades como a instalação da loja no Aeroporto Afonso Pena, PR, e a adoção de

um modelo operacional - a franquia - desconhecido no país) mostra o alto grau de

tolerância a risco e de empreendedorismo dos dirigentes. Além disso, a própria decisão

dos dirigentes, face a tantas propostas de internacionalização, de aceitar aquela feita por

pessoas conhecidas enfatiza o papel decisivo que os relacionamentos pessoais podem ter

no processo.

Conforme previsto também por Wiedersheim-Paul, Olson e Welch (1978), fatores

internos à empresa podem induzir ou refrear a internacionalização. No caso em questão,

os fatores internos fizeram com que os dirigentes de O Boticário tivessem certa

relutância em partir para a expansão internacional pois, na época, a empresa estava em

pleno crescimento no Brasil e não tinha recursos gerenciais, de produção, ou financeiros

em excesso. Assim, as oportunidades existentes no mercado internacional não eram

interessantes o suficiente perto das oportunidades internas e a competição de firmas

estrangeiras no mercado interno não seria, segundo um dos dirigentes, motivo para

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internacionalizar, mas para fortalecer a posição no mercado doméstico. Isso posto, pode-

se dizer que a pressão externa de pessoas interessadas na franquia foi a maior influência

no caso da internacionalização de O Boticário. Aliada ao efeito network previamente

mencionado (interesse de pessoas conhecidas em levar a franquia para Portugal), pode-

se também inferir, corroborando as conclusões de Barretto (1998), que a escolha de

Portugal pelos parceiros de negócio parece ter pesado na decisão final, não só pela

proximidade cultural (i.e., baixa distância psicológica, discutida também em outros

estudos comportamentais), mas também pela facilidade da língua e pelo fato de ser

considerado “porta de entrada para a Europa”. Estes dois últimos fatores foram

abertamente mencionados pelos dirigentes como tendo influenciado a decisão: no

primeiro caso, pela facilidade de adaptar as embalagens para comercialização em outro

mercado; no segundo por, emocionalmente, ser um fator que fortalece a percepção da

empresa sobre seu próprio sucesso (fator este que se reconhece posteriormente não

dever ser levado em consideração em uma estratégia de internacionalização).

Pode-se ainda considerar que, conforme mencionado na entrevista com o consultor

Zanetti, o presidente tenha tido interesse em aprender a trabalhar em um mercado

maduro, visando preparar a operação interna para um ambiente mais competitivo onde

qualidade e planejamento de longo prazo são importantes.

Turnbull (1987) também enfatizou a necessidade de se considerar fatores internos à

firma e de mercado no desenvolvimento de uma teoria de internacionalização. Segundo

seu estudo de 24 firmas britânicas, as empresas adaptariam sua estratégia conforme

oportunidades surgidas, recursos internos e filosofia empresarial, não havendo um único

modelo para internacionalização (algumas das indústrias estudadas por ele nunca sairam

do estágio de exportação através de agentes). Esta crítica parece verdadeira no caso

estudado uma vez que o modelo adotado para Portugal está sendo revisto em face da

experiência adquirida e da maior maturidade da empresa, tanto no mercado local quanto

no entendimento das necessidades de uma operação internancional.

Com relação à classificação das empresas propostas no estudo de Wiedersheim-Paul,

Olson e Welch (1978) – domésticas, passivas e ativas – pode-se dizer que O Boticário

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enquadrava-se no grupo de empresas passivas, com baixa vontade de exportar e baixa

coleta de informação, tendo sido levada à internacionalização por um fator externo (na

classificação de Cavusgil, 1984, de empresas em experimentais - exportação passiva ou

reativa -, ativas e comprometidas, O Boticário estaria no primeiro estágio). Em 2000, no

entanto, pode-se dizer que, após vários anos de experiência no mercado internacional,

não só com a operação de Portugal, mas também em outros países, a empresa passou a

integrar o grupo de firmas ativas (ou “comprometidas” segundo Cavusgil) que buscam

um processo claro de avaliação de oportunidades e têm expectativas de retorno de longo

prazo claramente estabelecidas. Para O Boticário, esta nova etapa fica nítida no

crescimento em número de lojas esperado do master franqueado.

Seguindo a mesma linha de análise, se considerarmos o modelo de Welch e Luostarinen

(1988) de avaliação do grau de internacionalização das empresas, podemos dizer que O

Boticário evoluiu em relação ao modo de atuação no mercado (saindo de exportação

para estabelecimento de franquias) e em relação à escolha dos mercados-alvo (levando

não só em conta a proximidade cultural - língua comum ou proximidade nas relações

com o Brasil - mas também as características culturais), como bem mostra o receio em

atuar na Argentina. Em relação ao objeto de venda, o próprio conceito de franquia exige

a inclusão de serviços e sistemas além da troca de produtos, mas foi possível verificar

que houve um cuidado, a partir da internacionalização, em adequar formulações, o que

mostra maior envolvimento da empresa.

Em relação às dimensões de capacidade organizacional, também se pode dizer que

houve um amadurecimento por parte de O Boticário. O desenvolvimento dos recursos

humanos foi uma preocupação desde o início, uma vez que o conceito de franquia

envolve a educação em um processo operacional. Do ponto de vista da matriz, o

interesse atual em desenvolver uma política de internacionalização reflete o cuidado

com o tema. Da mesma forma, como mencionado no caso, identificamos modificações

na estrutura organizacional.

Já a classificação de Millington e Bayliss (1990) em empresas planejadas, orgânicas e

oportunistas, onde as primeiras teriam um processo formal de planejamento para escolha

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de novos investimentos, as segundas reavaliariam compromissos atuais e as últimas

atuariam sob o ímpeto de uma oportunidade externa, parece ter menos aplicação. Em

2000, um dos sócios-dirigentes da empresa afirmava que estava desenvolvendo um

modelo de investimento, o que faria com que O Boticário fosse enquadrada como uma

empresa planejada. Porém, ele mesmo não negava que o aparecimento de uma boa

oportunidade, na percepção dos dirigentes, poderia jogar por terra o planejamento. Por

outro lado, a identificação de que o planejamento formal poderia levar ao investimento

em um mercado onde a empresa não tivesse conhecimento específico, como visto,

parece ser verdadeiro, especialmente quando a empresa já adquiriu experiência em

internacionalização (i.e. após uma primeira experiência, a empresa adquiria

conhecimento suficiente para ser capaz de pular etapas em outros mercados).

Do ponto de vista da estrutura organizacional, a experiência internacional de O

Boticário, apesar de recente, se enquadra dentro da proposição de Stopford (1972), de

que as empresas adotam estruturas mais elaboradas à medida que avançam de estágio de

internacionalização. De fato, O Boticário passou de inexistência de estrutura voltada

para exportação (esta era vista apenas como uma simples transação de compra e venda),

para criação de um cargo de Diretor de Operações, para a formulação de uma estrutura

formal em discussão em 2000 e formulação de uma estratégia clara de avaliação de

oportunidades e criação de um modelo de implementação com previsão de retorno do

investimento em alguns anos (a empresa pretendia que o master franqueado em outro

país fosse capaz de crescer anualmente em número de lojas, de modo a garantir o

retorno da operação para ambos os parceiros). Esta adequação das estruturas internas

reforça a teoria de comprometimento gradual com a internacionalização proposta pelas

teorias comportamentais.

Finalmente, em relação à ampliação do processo de internacionalização,

independentemente de haver direção estratégica (Johanson e Vahlne 1990), não foi

comprovado no caso de O Boticário. Mesmo engajada em diversos mercados, a empresa

interrompeu a internacionalização e saiu de mercados onde não verificava retorno.

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O Boticário e as Teorias Econômicas

Até aqui foram analisadas as teorias comportamentais, porém foram examinadas

também, no Capítulo II, a existência de teorias econômicas para o processo de

internacionalização. Estas, no entanto, tiveram pouca comprovação no caso estudado,

talvez em virtude do estágio de maturidade da empresa no mercado e das características

específicas de uma operação de franquia.

Segundo Buckley e Casson (1979, 1998), as empresas avaliariam as vantagens de

localização e propriedade na escolha do melhor local de produção. No caso de O

Boticário, como a internacionalização foi feita através do conceito de franquia, não

existiu qualquer avaliação quanto ao local de produção. Outro fator que contribuiu para

não se observar este tipo de análise econômica foi o fato de a empresa ser relativamente

nova (23 anos no momento da internacionalização) e ainda ter um grande potencial de

crescimento no mercado interno. Isso limitaria a capacidade de a empresa dispor de

recursos humanos para a otimização da escolha de mercados. Por outro lado, em 2000,

com a maior maturidade da empresa e o aprendizado obtido com a experiência em

Portugal, pode-se imaginar que a empresa comece a avaliar os mercados de forma a

analisar também os benefícios de produção de bens no local. Outro aspecto que pode

levar a empresa a este tipo de análise é o crescimento das operações em outros

continentes, tornando a produção local mais vantajosa do que a exportação de produtos.

Da mesma forma, o estudo de Kogut (1983) aborda mais especificamente as decisões de

reinvestimento, que seriam fruto das vantagens de um sistema multinacional, e não as

motivações originais para estabelecimento de fábricas em outros países. Desta forma,

após escolhido um determinado mercado, vantagens inerentes às empresas

multinacionais levariam a novos investimentos, como a possibilidade de transferir

recursos entre países. Novamente, estes aspectos não podem ser verificados no caso

analisado, porém deve-se notar que, conforme indicado pelo autor, há uma diferença

entre a estratégia inicial da empresa e os novos investimentos. No caso de O Boticário, o

aprendizado da primeira internacionalização oficial estaria levando a empresa à adoção

de outro tipo de estratégia focada no domínio do mercado (expansão gradual do número

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de lojas) para obtenção de lucro no longo prazo. Gradualmente é possível que vantagens

sistêmicas de uma rede multinacional voltem a modificar o comportamento da empresa.

Igualmente, o modelo do Paradigma Eclético de Dunning (1980, 1988, 1997), que visa

explicar a extensão, forma e padrão da produção internacional, identificando fatores que

levaram a esta decisão, também não foi possível de ser validado no caso estudado. As

oportunidades de crescimento no mercado nacional podem ser o motivo para que não

tenha havido ainda a internacionalização da produção. Outra possibilidade é que a

empresa não tenha encontrado vantagens de localização de um ativo, economias de

escalas etc. que justifiquem a produção local. Assim, novamente, é possível que a

empresa ainda venha a aplicar o modelo, mas ele acaba não sendo válido para explicar o

comportamento inicial das empresas em relação à internacionalização. A falta de

conhecimento do mercado específico, talvez seja o motivo para a primeira

internacionalização ter mais fatores comportamentais.

Já o levantamento de Buckley (1989) sobre os investimentos diretos das pequenas e

médias empresas no exterior parece explicar alguns aspectos do processo de

internacionalização de O Boticário. A empresa poderia se enquadrar na teoria

econômica, segundo a qual o papel da gerência seria fundamental dado o alto risco da

atividade e o investimento direto seria limitado por falta de tempo e pessoal; ou na

teoria da abordagem evolutiva, através da qual haveria um envolvimento internacional

gradual da empresa, com a gerência tendo papel importante no aprendizado. Estas

teorias, porém, acabam levando à análise comportamental que foi amplamente discutida

neste capítulo.

O Boticário e Outros Estudos Brasileiros

Em relação aos estudos brasileiros, o caso estudado tende a corroborar os resultados

previamente encontrados. Conforme visto por Rocha (1988) e Rocha e Christensen

(1994) sobre exportação, as empresas brasileiras tenderiam a ser reativas, sendo levadas

à exportação, entre outros motivos, pelo recebimento de pedidos do exterior. Isso foi

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verdadeiro no caso de O Boticário, tanto nos pedidos de compra de mercadoria quanto

na própria internacionalização através de franquia.

Também se verificou que a percepção de similaridade cultural foi decisiva na escolha do

mercado e que o tempo de vida da empresa (23 anos em 2000) afetou durante muito

tempo a percepção dos gerentes quanto às vantagens da internacionalização. Pode-se

perceber ainda que o bom desempenho que O Boticário alcançou ao final em Portugal

está relacionado a seu sucesso no mercado doméstico e à experiência de franquia

adquirida no Brasil. Finalmente, é possível identificar duas fases no processo de

internacionalização da empresa: num primeiro momento teriam agido como

aventureiros, aproveitando oportunidades sem muito comprometimento e movidos por

subjetividade, até identificarem na expansão internacional uma oportunidade

empresarial de longo prazo, que implicou na mudança de atitude e visão da gerência e

aproveitamento do conhecimento adquirido com a experiência em Portugal.

Da mesma forma que o relatado no caso da Rede Globo (Grael e Rocha, 1988), o

processo de entrada no mercado internacional de O Boticário seguiu um modelo de

comprometimento seqüencial (até pela pouca atenção dada inicialmente ao

empreendimento), com a entrada num mercado de maior similaridade cultural tendo

sido tomada de forma intuitiva e não estruturada. Ao contrário, porém, deste estudo, a

motivação para exportação não foi resultado da estratégia de crescimento da empresa. A

continuidade da internacionalização no caso de O Boticário, sim, pode ser considerada

uma estratégia da empresa.

A adaptação do marketing mix pela Amil no estudo de Costa (1998), apesar de não ter

sido escopo do presente estudo, pôde ser verificada no cuidado de O Boticário em

adequar o produto (formulações e rotulagem) e a comunicação (campanhas e

treinamento de vendas) para o mercado português. Um aspecto comum aos dois estudos

foi o fato de a entrada em outro mercado ter servido como forma de aquisição de

conhecimento de atuação em mercados maduros (planejamento de longo prazo,

qualidade etc.), sendo que, no caso da Amil, a internacionalização teve este objetivo

previamente estabelecido e no caso de O Boticário pode-se apenas inferir que seus

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dirigentes tenham avaliado este benefício para a tomada de decisão. Ainda em comum,

verifica-se que em ambos os casos uma equipe local acabou assumindo o controle da

operação para garantir seu sucesso.

Como em Barretto (1998), verificou-se um processo gradual e progressivo, com

aprofundamento das atividades com o tempo (ciclo conhecimento-comprometimento) e

a influência de fatores externos para a internacionalização. Em relação à escolha do

mercado, verificou-se que foram determinantes a proximidade com Portugal pelas

origens culturais, facilidade de idioma e por ser considerado porta de entrada para

Europa; o efeito network pessoal e empresarial, conforme previamente discutido; e o

perfil dos decisores (como empreendedores carismáticos, visionários e arrojados).

Também como este autor, não se verificou a escolha de mercados com base em

vantagens de propriedade, internalização ou localização do Paradigma Eclético,

conforme analisado previamente.

Ainda em relação a Barretto (1998), considerando os padrões dominantes de motivação

propostos por ele (para crescimento, consolidação, sobrevivência, oportunidade e visão

estratégica), O Boticário se enquadraria na motivação por oportunidade, em que se

avalia a expansão caso a caso. Em relação à estrutura final da empresa para a operação

internacional, verificou-se no caso de O Boticário algo semelhante ao encontrado por

Barretto, com a área comercial totalmente a cargo de pessoas locais com conhecimentos

do mercado, cultura e hábitos do país. O conceito de franquia não permite repetir os

demais aspectos da estrutura observada por Barretto (direção geral e área financeira com

executivos brasileiros com vivência na empresa).

4.3.2 O Boticário e as Perguntas da Pesquisa

Neste item buscou-se responder às perguntas da pesquisa com base na descrição do caso

e na análise comparativa com as teorias internacionais.

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Escolha de Portugal

Como foi visto, a escolha de Portugal se deu basicamente em virtude de três aspectos: a

língua que facilitava aspectos relacionados à produção (não necessidade de se traduzir

toda descrição de produtos nos rótulos e embalagens desde o primeiro momento); a

suposta similaridade cultural que facilitava a comercialização, uma vez que os

consumidores portugueses, pelos laços históricos, fariam referência ao Brasil; e pela

percepção dos dirigentes da empresa de que Portugal seria a porta de entrada para a

Europa.

Fatores Internos e Externos que influenciaram a escolha

Internamente a empresa não estava capacitada para a internacionalização, o que

influenciava negativamente a expansão. Não existia uma estrutura organizacional

voltada para a análise das oportunidades e implementação de registros nos órgãos de

saúde, nem tampouco estrutura de produção preparada para atender a pequenos lotes de

fabricação (dadas as variações em rótulos). Também não havia excedente de produção

ou de recursos financeiros que justificassem o investimento. Além disso, existia o

entendimento de que o mercado interno brasileiro ainda oferecia grande potencial de

crescimento para uma empresa relativamente nova (pouco mais de 10 anos na época), de

modo que O Boticário não tinha necessidade de partir para a conquista de mercados

externos.

Por outro lado, a empresa já se encontrava nos primeiros estágios da

internacionalização, exportando produtos conforme demanda exterior. Outro fator

interno de grande influência na escolha dos rumos da empresa foi a personalidade do

presidente, uma pessoa empreendedora, visionária e disposta a aceitar riscos. A

percepção de que Portugal seria porta de entrada para a Europa, o pedido de

internacionalização por franqueados de sua network e possivelmente a análise de que a

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experiência adquirida em um mercado maduro poderia ser útil na operação no Brasil no

futuro parecem ter sido os fatores que mais contribuíram para a tomada de decisão.

Em relação aos fatores externos, a grande demanda por franquias ampliava as

possibilidades de crescimento da empresa. Além disso, apesar de o diretor Grynbaum

entender que a globalização e a abertura do mercado brasileiro não eram fatores

relevantes, o fato de pensarem em Portugal como porta de entrada para Europa, ou de

que o presidente pudesse ter considerado o aprendizado em um mercado maduro como

necessário para o futuro crescimento de O Boticário, reflete o impacto destas mudanças

nas percepções dos dirigentes da empresa. Outro fator externo que influenciou

positivamente a internacionalização foi a demanda de franquia por um grupo de pessoas

que fazia parte da network da empresa e a escolha de Portugal como mercado de

atuação. Por outro lado, como ainda havia muito espaço para crescimento no mercado

brasileiro, pode-se dizer que a não existência de fatores externos que realmente

pressionassem a uma atitude reforçam a hipótese de que a personalidade do presidente

foi o fator principal na decisão de internacionalização.

Escolha do modo de entrada e estratégia de entrada

A escolha do modo de entrada foi resultado da influência de dois fatores: a falta de

recursos financeiros para investimento próprio e a experiência adquirida no mercado

interno com o modelo de lojas. Em vista disso, a internacionalização através de franquia

foi a solução considerada adequada, pois não exigia o investimento de capital que a

adoção de lojas próprias exigiria e permitia a reprodução de modelos e estruturas já

conhecidos. Neste aspecto, cabe dizer que a empresa teve muito senso de oportunidade

em escolher manter aquilo que era o seu maior diferencial estratégico (o domínio do

canal franquia), evitando os riscos associados a outra estratégia de negócio, como o

porta-a-porta ou a colocação de produtos para revenda em canais de massa, como

supermercados ou lojas de desconto, ou mesmo em canais mais sofisticados, como lojas

de departamento.

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Em relação à estratégia de entrada, inicialmente a empresa não repetiu o modelo que

adotava internamente de escolha de parceiros de negócio com conhecimento do mercado

e empreendedorismo, apoio aos franqueados na instalação e exigência de expansão

territorial gradual para viabilizar o negócio. Este modelo foi reproduzido depois, quando

O Boticário percebeu que havia se distanciado de sua estratégia de atuação.

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Capítulo V - Conclusão

Neste capítulo apresentam-se as conclusões a que foi possível chegar, considerando-se

as limitações do método utilizado – o estudo de casos – e discutem-se campos de

pesquisa futura que se delineiam a partir dos resultados obtidos.

5.1 CONCLUSÕES

Por se tratar de um estudo de caso, as conclusões a que é possível chegar estão limitadas

ao caso estudado, não podendo ser generalizadas para o universo de empresas que

tenham se internacionalizado, ou mesmo que tenham se internacionalizado através de

franquia. Apesar disso, é possível chegar a algumas conclusões relativas à inserção do

caso estudado no campo teórico referenciado.

O caso apresentado sustenta, em sua maior parte, as bases do modelo de

internacionalização de Johanson e Vahlne (1977, 1990) de que as empresas passam por

um processo gradual de aumento de envolvimento internacional em virtude do

conhecimento adquirido nos mercados.

No caso de O Boticário, o conhecimento adquirido pessoalmente foi essencial para que

a empresa se reformulasse para novas investidas internacionais, pois permitiram o

amadurecimento de sua estratégia e estrutura interna. Sem o conhecimento adquirido

gradualmente em Portugal, provavelmente a empresa não teria mudado de passiva para

comprometida em relação a avaliação de oportunidades no mercado internacional, nem

teria feito as adaptações necessárias em sua estrutura. Assim, neste aspecto, o argumento

de Johanson e Vahlne (1977, 1990) de que comprometimento e experiência podem

explicar o comportamento internacional das firmas parece se sustentar. Por outro lado,

as críticas de Forsgreen (1989) e Millington e Bayliss (1990), entre outros, assim como

as evidências empíricas de Jarillo e Martínez (1993) e Chetty (1999), de que após os

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primeiros estágios as empresas podem pular etapas parecem também apropriadas ao

caso estudado, uma vez que O Boticário, em 2000, procurava estabelecer uma estratégia

de internacionalização que incorporasse o aprendizado em Portugal, levando a novos

investimentos diretos. Neste caso, influenciavam também as novas investidas no

mercado externo, a maior maturidade da empresa no mercado interno, a existência de

excesso de recursos financeiros e de produção e a orientação estratégica da empresa com

planejamento formal.

Assim, aparentemente o processo de internacionalização pode ser considerado mais

casual em seu início e as teorias de que os gerentes têm atitude cautelosa em relação à

atividade internacional não necessariamente se comprovam na primeira fase. Empresas

podem começar a atividade por curiosidade dos executivos, considerando que o baixo

investimento não leva a muitos riscos ou perdas. À medida que os executivos aprendem

com a experiência, passam a se tornar mais cuidadosos, avaliando melhor as

oportunidades e as razões da internacionalização. Neste momento, pode-se dizer que é

como se a empresa abrisse os olhos para uma atividade que se fazia lateralmente e

decidisse estruturar melhor a estratégia de atuação, avaliando, aí sim, os melhores locais

para produção, conforme os modelos propostos nas teorias econômicas.

Fato novo identificado no caso de O Boticário é a possibilidade de se verificar o grau de

maturidade das empresas em relação à internacionalização, analisando suas decisões de

continuar ou parar com o investimento. Ao contrário de Johanson e Vahlne (1977,

1990), o maior conhecimento das oportunidades no mercado local, no caso de O

Boticário, não levou necessariamente a novos investimentos. A empresa, ao contrário,

fechou várias operações internacionais, o que pode refletir um maior amadurecimento

tanto da empresa, quanto do empresário e dos executivos, de considerar um prazo

médio de retorno do investimento, tomando novas decisões com base no retorno a se

obter no futuro e não considerando o investimento passado.

Apesar de maior integração dos mercados, com a globalização, a distância psicológica

(considerando-se não apenas o idioma, mas também o suposto conhecimento da cultura

local) continua a ter peso pelo menos na primeira implementação, por proporcionar uma

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relativa sensação de segurança às empresas. Neste caso, o argumento de Nordstrom

(1990) de que o mundo mais homogêneo facilita entradas discretas se aplicaria apenas a

um segundo mercado.

A importância das networks, conforme destacado por Barretto (1990), se confirmou em

mais um caso de internacionalização de empresa brasileira, considerando aí não só as

relações de negócios entre firmas como também as relações pessoais. A característica

cultural do brasileiro como povo relacional aparentemente se reflete também nas

decisões de negócios, o que reforça a idéia de que não se pode dissociar o

comportamento das empresas do comportamento dos seus dirigentes.

Em relação aos dirigentes, pode-se dizer que, no caso de O Boticário, como no de outras

empresas brasileiras estudadas anteriormente, suas características e personalidade

parecem exercer forte influência sobre o destino da empresa. Aparentemente, quanto

mais dispostos estiverem os dirigentes a aceitar riscos, mais as empresas se lançam em

novos empreendimentos e mercados.

Em vista destas conclusões, vale listar os seguintes os fatores de sucesso identificados

no caso de O Boticário para serem considerados por outras empresas em suas

empreitadas ao exterior:

♦ Escolher um país com o qual se tenha afinidades ou algum tipo de conhecimento

local (seja língua, cultura, ou relacionamento comercial– network) de modo a

minimizar o desconforto com a entrada em um mercado desconhecido e a facilitar a

integração com a cultura local;

♦ Adotar uma atitude de investigação e aprendizado no mercado, tentando se integrar e

conhecer a cultura e o comportamento do consumidor local e identificar que

modificações são necessárias na estrutura e estratégia da própria empresa para

garantir o comprometimento da empresa com a internacionalização e o sucesso da

investida internacional (seja o sucesso desde a primeira empreitada, seja o

aprendizado para que a empresa saiba avaliar oportunidades futuras);

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♦ Na escolha de parceiros locais, procurar pessoas com um mínimo de conhecimento

do mercado para auxiliar a empresa na integração com a cultura local e na definição

de estratégias e identificar principalmente se detém as características que são

necessárias para a estratégia do negócio (no caso de franquia, o master franqueado

precisa ter interesse e fôlego financeiro para investir em determinado número de

lojas).

“Quero ir com quem tem estrutura e se tiver conhecimento de mercado

suficiente, se tiver os dois, maravilhoso. (…) No mínimo tem que ter a

capacidade empresarial para tocar.” (Grynbaum, avaliando a

internacionalização de O Boticário)

♦ Adotar como estratégia de atuação no mercado o mesmo modelo que lhe garantiu

sucesso no mercado interno (nas palavras de Grynbaum, “ir como é forte”).

♦ Mesmo em se tratando do primeiro investimento no exterior, ter comprometimento

(“ir com peso”) e planejando o retorno esperado do investimento e ter coragem e

maturidade para assumir o controle da operação e para cancelá-la se não se mostrar

um sucesso após o período de tempo pré-determinado;

“Num primeiro momento eu diria que (a internacionalização) foi 75%

de ‘me querem’ com 25% de ‘eu vou’. Hoje é 100% de ‘eu vou’.

Porque ou se embute no seu planejamento estratégico que você vai, se

prepara, e tem que ser uma decisão da empresa como um todo, não

adianta ser o comercial ou o presidente achar ‘aí vamos’, sozinho não

faz nada, esquece. Ou você embute no planejamento e é comprado por

todos na empresa ou não vai.” (Grynbaum, avaliando a

internacionalização de O Boticário)

♦ Fazer continuamente a auto-avaliação da empresa, aperfeiçoando práticas gerenciais.

Em relação ao governo brasileiro, este pode auxiliar as empresas não apenas com apoio

financeiro e facilitação da burocracia (por exemplo, registros e documentação), mas

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também com a divulgação de estudos de casos de empresas brasileiras e de informações

de cultura e costumes locais dos países para os quais as empresas brasileiras têm maior

interesse em se internacionalizar.

5.2 CAMPOS PARA FUTURAS PESQUISAS

O campo da internacionalização de firmas no Brasil é uma área de estudos em aberto

para futuras pesquisas. Muitos são os estudos que podem ser realizados.

Em primeiro lugar, sugerem-se outros estudos sobre a entrada de empresas brasileiras no

mercado de Portugal, de forma a investigar os aspectos específicos associados a esse

movimento de internacionalização. Outros países também devem ser investigados, para

avaliar em que medida determinadas estratégias melhor se adequam a mercados

distintos.

Em segundo lugar, mais estudos são necessários para entender o processo de

internacionalização de empresas franqueadoras. No caso brasileiro, são ainda poucas as

empresas franqueadoras que entraram em mercados externos. Questões relativas à

estratégia de entrada e às dificuldades e barreiras encontradas merecem ser objeto de

novas pesquisas.

Finalmente, estudos sobre internacionalização de empresas utilizando outros tipos de

canais de distribuição poderão trazer novas luzes sobre este processo.

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Karam, R. O lucro na feira das vaidades. Gazeta Mercantil, 26.01.1996, p.A-1.

Karam, R. O marketing é a diferença. Gazeta Mercantil, suplemento Por Conta Própria,24.09.97, p. 7.

Marcas tradicionais continuam nas prateleiras. Gazeta Mercantil, 22.05.1999, p.A-7.

Mercado de venda domiciliar de cosméticos deve crescer. O Estado de São Paulo,22.10.1993.

Moraes, A.L. O Boticário troca de agência. Gazeta Mercantil, 03.03.1999, p.C-6.

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Nakamura, P. Boticário prevê crescimento de 10%. Gazeta Mercantil Latino-Americana, 27.01.1997, p.25.

O Boticário: do naturalismo à ecologia. Mídia e Mercado, dez. 1990, p.28-32.

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128

O Boticário expande sua marca na América Latina. Gazeta Mercantil Latino-Americana, 11.01.1999, p.18.

O Boticário quer abrir franquias na Espanha. Gazeta Mercantil, 30.10.1993, p.12.

Pastor, L. Renew traz novo consumidor para a Avon.Gazeta Mercantil, 17.05.1996,p.C-7.

Produtos importados têm preços atraentes. Folha de São Paulo, 11.09.93.

Produtos têm preço de custo na Cosmética 93. Folha de São Paulo, 10.09.1993.

Rolin, S. Queda no padrão. Administração e Serviços, nov. 1983.

Rosa, A. Boticário investe em linha de higiene pessoal. Gazeta Mercantil, 14.07.1999,p.C-1.

Santos, P. Essências e fragrâncias. Mercado Global, 70 :52-61, 1987.

Souza, A.M. Direito à vaidade. Marketing, 283 :56-59, 1996.

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The branding of beauty. The Economist, Oct. 21, 1995, p.67-68.

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ANEXOS

Roteiro de Perguntas

1. Como foi o processo de tomada de decisão de internacionalizar? Que tipo de

informação foi colhida?

2. Que motivos levaram a empresa para internacionalização? Que fatores externos

tiveram influência? Do ponto de vista da firma, que características ou fatores foram

examinados durante o processo? (estrutura, tamanho, competências)

3. Por que Portugal? Que fatores foram levados em consideração?

4. Como foi a busca de conhecimento de mercado? (Percepção de riscos,

oportunidades…)

5. Qual a participação dos gerentes de topo no processo? Como descreveria o principal

decisor e as pessoas que tiveram participação no processo? (Qual a experiência e

educação dos dirigentes, qual a vivência internacional?)

6. Como a empresa atua neste mercado? (Modo de entrada, canal) Por quê?

7. Qual a estratégia adotada? (Marketing mix, canais, políticas, planejamento,

conhecimento do mercado)

8. Que outras atividades no mercado internacional a empresa já desempenhou?

Quando? (exportação, licenciamento, joint-venture, produção) Por quê (pedidos,

conexões pessoais, familiares, percepção de proximidade)?

9. Existe algum objetivo específico a ser alcançado? (ROI, desempenho, volume de

vendas, crescimento, continuidade, obtenção de experiência …)?

10. Como você avalia a experiência em Portugal? O que faria de novo, o que faria

diferente?

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CAPÍTULO I - INTRODUÇÃO................................................................................................................1

1.1 OBJETIVOS DO ESTUDO ..............................................................................................................1

1.2 RELEVÂNCIA DO ESTUDO ..........................................................................................................2

1.3 ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO.......................................................................................................4

CAPÍTULO II - REVISÃO BIBLIOGRÁFICA......................................................................................6

2.1 AS TEORIAS COMPORTAMENTAIS DE INTERNACIONALIZAÇÃO .....................................7

2.1.1 A Teoria Gradual da Internacionalização.................................................................................7

Johanson e Wiedersheim-Paul, 1975; Johanson e Vahlne, 1977 ................................................................... 7

Stopford (1972)............................................................................................................................................ 12

Wiedersheim-Paul, Olson e Welch (1978) ................................................................................................... 14

Bilkey e Tesar (1977) e Bilkey (1978) ......................................................................................................... 17

Cavusgil (1980, 1984).................................................................................................................................. 18

Juul e Walters (1986) ................................................................................................................................... 23

Welch e Luostarinen (1988)......................................................................................................................... 24

2.1.2 Suporte Empírico à Teoria Gradual de Internacionalização ..................................................27

2.1.3 Críticas à Teoria Gradual da Internacionalização .................................................................27

Hedlund e Kverneland (1993) ...................................................................................................................... 27

Strandskov (1993) ........................................................................................................................................ 29

Turnbull (1987)............................................................................................................................................ 31

Millington e Bayliss (1990).......................................................................................................................... 32

Jarillo e Martínez (1991).............................................................................................................................. 35

Andersen (1993)........................................................................................................................................... 35

Jones (1999) ................................................................................................................................................. 36

Chetty (1999) ............................................................................................................................................... 37

Outras Críticas.............................................................................................................................................. 37

2.1.4 O Modelo Gradual de Internacionalização Revisto ................................................................38

Johanson e Vahlne (1990)............................................................................................................................ 38

Petersen e Pedersen (1997) .......................................................................................................................... 41

2.2 TEORIAS ECONÔMICAS DA INTERNACIONALIZAÇÃO ......................................................42

2.2.1 Teorias de Internalização ........................................................................................................42

Buckley e Casson (1979, 1998).................................................................................................................... 42

Kogut (1983)................................................................................................................................................ 44

Buckley (1989)............................................................................................................................................. 45

2.2.2 O Paradigma Eclético .............................................................................................................47

Dunning (1980, 1988).................................................................................................................................. 47

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2.2.3 Críticas às Teorias Econômicas ..............................................................................................50

Johanson e Vahlne (1990)............................................................................................................................ 50

2.2.4 O Paradigma Eclético Revisto.................................................................................................51

Dunning (1997)............................................................................................................................................ 51

2.3 ESTUDOS BRASILEIROS.............................................................................................................52

2.3.1 Estudos Brasileiros sobre Exportação.....................................................................................52

Rocha e Christensen (1994) ......................................................................................................................... 52

Rocha (1988)................................................................................................................................................ 54

2.3.2 Estudos Brasileiros sobre Abertura de Subsidiárias no Exterior ............................................55

Grael e Rocha (1988) ................................................................................................................................... 56

Costa (1998)................................................................................................................................................. 57

Barretto (1998)............................................................................................................................................. 58

CAPÍTULO III - METODOLOGIA.......................................................................................................62

3.1 DEFINIÇÃO DAS PERGUNTAS DE PESQUISA ........................................................................62

3.2 MÉTODO DE PESQUISA..............................................................................................................63

3.3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.....................................................................................66

3.3.1 Seleção do Caso.......................................................................................................................66

3.3.2 Métodos de Coleta e Análise de Dados ...................................................................................67

3.4 LIMITAÇÕES DO ESTUDO..........................................................................................................68

3.4.1 Limitações Decorrentes do Método .........................................................................................69

3.4.2 Limitações Decorrentes dos Procedimentos Metodológicos ...................................................69

CAPÍTULO IV - ESTUDO DE CASO ...................................................................................................71

4.1 A INDÚSTRIA BRASILEIRA DE PERFUMARIA E COSMÉTICOS .........................................71

4.1.1 Evolução do Setor....................................................................................................................72

4.1.2 Estratégias Competitivas .........................................................................................................78

4.2 O CASO DE O BOTICÁRIO.................................................................................................................80

4.2.1 Histórico ..................................................................................................................................80

4.2.2 Dados sobre a Internacionalização de O Boticário ................................................................85

4.2.3 O Processo de Internacionalização da Empresa .....................................................................87

4.2.4 Outro Relato sobre o Processo de Internacionalização ..........................................................97

4.3 ANÁLISE DO CASO....................................................................................................................103

4.3.1 O Caso “O Boticário” à Luz das Teorias de Internacionalização da Firma........................103

O Boticário e as Teorias Comportamentais ................................................................................................ 103

O Boticário e as Teorias Econômicas......................................................................................................... 110

O Boticário e Outros Estudos Brasileiros................................................................................................... 111

4.3.2 O Boticário e as Perguntas da Pesquisa ...............................................................................113

Escolha de Portugal.................................................................................................................................... 114

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Fatores Internos e Externos que influenciaram a escolha........................................................................... 114

Escolha do modo de entrada e estratégia de entrada .................................................................................. 115

CAPÍTULO V - CONCLUSÃO ............................................................................................................117

5.1 CONCLUSÕES .............................................................................................................................117

5.2 CAMPOS PARA FUTURAS PESQUISAS ..................................................................................121

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................................122

ANEXOS .................................................................................................................................................129