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Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais – Modelo da Tese nº 334 1 OBS: Na jurisprudência citada, sempre que não houver indicação do tribunal, entenda-se que é do Superior Tribunal de Justiça. Índices Ementas – ordem alfabética Ementas – ordem numérica Índice do “CD” Tese 334 CRIME DE TORTURA – LEI Nº 9.455/97 – REGIME INICIAL FECHADO Em face do princípio da especialidade, os condenados pelo crime de tortura devem cumprir a pena em regime inicial fechado, conforme disposto no artigo 1º, § 7º, da Lei nº 9.455/97. (D.O.E., 11/05/2011, p.68)

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OBS: Na jurisprudência citada, sempre que não houver indicação do tribunal, entenda-se que é do Superior Tribunal de Justiça.

Índices

Ementas – ordem alfabética

Ementas – ordem numérica

Índice do “CD”

Tese 334

CRIME DE TORTURA – LEI Nº 9.455/97 – REGIME INICIAL FECHADO

Em face do princípio da especialidade, os condenados pelo crime de

tortura devem cumprir a pena em regime inicial fechado, conforme

disposto no artigo 1º, § 7º, da Lei nº 9.455/97.

(D.O.E., 11/05/2011, p.68)

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DA

SEÇÃO CRIMINAL DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO

ESTADO DE SÃO PAULO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO,

nos autos da Apelação nº 0001902-26.2007.26.0589, da Comarca de

São Simão, em que são réus R. L. S. e N. DO N. R., com fundamento

no artigo 105, III, “c”, da Constituição Federal e, na forma do

preceituado pelos artigos 26 e seguintes da Lei nº 8.038/90, vem

interpor RECURSO ESPECIAL para o Colendo Superior Tribunal de

Justiça, contra o v. acórdão de fls. 1.229/1.238, proferido pela 10ª

Câmara de Direito Criminal, pelos motivos adiante deduzidos.

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1. O RESUMO DOS AUTOS

“Os policiais militares R. L. S. e N. do N. R. foram processados

na Comarca de São Simão por crime de tortura, pois conforme a denúncia

ministerial torturaram fisicamente João Cândido Ferreira Neto, nele

provocando intenso sofrimento físico e mental, com tal comportamento

causando lesões corporais de natureza grave.

Após curso regular da ação penal veio aos autos a sentença de

fls. 982/992, sendo condenados às penas individuais de 4 anos e 8 meses de

reclusão, regime prisional inicial fechado, incursos no art. 1°, II, §§ 3° e 4°, I,

da Lei 9.455/97” (fls. 1.229).

Os réus apelaram, “em busca da absolvição por insuficiência

de provas, antes apontando a defesa de R. preliminar de nulidade processual”

(fls. 1.229).

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Também recorreu o Ministério Público “querendo com

exclusividade aumento de pena em relação ao mesmo R., para isso trazendo os

fundamentos correspondentes” (fls. 1.230).

A Colenda 10ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de

Justiça de São Paulo, por votação unânime, houve por bem “rejeitar a

preliminar da defesa de R., dar provimento aos recursos dos réus para deferir a

ambos o regime semiaberto, e prover o da promotoria pública para aumentar a

pena de R. para 5 anos e 10 meses de reclusão” (fls. 1.229).

Transcreve-se a fundamentação do v. acórdão:

“Sustenta-se na preliminar, e também em sustentação oral, que não se observou o rito processual alterado pela Lei Federal n° 11.719, de 20 de junho de 2.008, que agora prevê, em mudança ao art. 400 do Código de Processo Penal, que o interrogatório do réu será feito por último em audiência única. E isso não aconteceu. Sem razão, todavia, pois de acordo com os representantes do Ministério Público nas duas instâncias não há respaldo legal ou jurídico para o reconhecimento de nulidade. Está às fls. 1.178: "os interrogatórios dos acusados foram realizados aos 31/03/2008 (fls.313), sendo que as primeiras

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testemunhas foram ouvidas aos 16/07/2008 (fls. 338). A Lei n° 11.719/08, que alterou o Código de Processo Penal, passando a determinar que o réu seja ouvido ao final da instrução, foi publicada aos 23/06/2008, tendo entrado em vigor sessenta dias após a publicação, ou seja, somente em agosto de 2.008. Desta forma, o procedimento adotado pelo juízo encontra-se em consonância com o disposto na legislação processual vigente na época do início da instrução. Como bem salientado nas contra-razões de apelação, 'as alterações processuais não retroagem para repetição de ato já realizado, pois as normas processuais são aplicáveis de imediato e sem retroação de ato já consolidado de acordo com a norma então vigente na ocasião' (fls. 1.165)". E além disso a nulidade não foi enfocada quando da apresentação das alegações finais, tornando-se precluso o tema em exame, tendo em vista o que está expresso no art. 571, II, Código de Processo Penal. Mesmo porque a defesa não demonstrou nenhum prejuízo, vindo à tona o art. 563 do mesmo Código. No que diz respeito ao mérito pede-se a máxima vênia aos ilustres advogados dos réus para se referendar a muito bem lançada sentença de primeira instância, considerando que sua ilustre subscritora examinou com inegável atenção e cuidado a prova dos autos, desde o inquérito policial francamente desfavorável aos acusados. Essa sentença a rigor dispensaria acréscimo de fundamentação. Não fiquem sem registro os trabalhos apresentados pelo Ministério Público, quer nas contrarrazões recursais, quer quando

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da apresentação do minucioso parecer subscrito por eminente procurador de Justiça. Restou amplamente demonstrado, nesta ação penal de 5 volumes, que os dois réus provocaram dolosamente lesões corporais de natureza grave esclarecidas por laudos médicos oficiais, inclusive fotografia, fls.16. A certa altura a promotoria pública quis a realização de exame médico complementar, para apurar a natureza dos ferimentos recebidos pelas vítimas das agressões. Veio então aos autos o laudo de exame de corpo de delito complementar de fls. 921. Basta a leitura do que está claro nesse documento oficial para a firme conclusão de que os ferimentos recebidos pelo agredido foram de natureza grave, "por debilidade permanente de função (fonação), e incapacidade paras as ocupações habituais por mais de 30 dias". Constou no item "discussão e conclusão": há histórico de distúrbio da fonação no pós operatório; tal fato pode ter sido decorrente de ato cirúrgico, porém foi um procedimento curativo, com vista a salvaguardar a vida e a integridade física da vítima, devido ao risco de tetraplegia pela lesão cervical instalada". Evidente a gravidade das lesões, não convencendo a observação específica do ilustre e combativo advogado do apelante R. no sentido de que a fratura cervical era preexistente aos fatos.

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O eminente procurador de Justiça que subscreve o parecer de fls. 1.176/1.202, destaca que as declarações da vítima e de outras pessoas são coerentes e estão em consonância com o laudo complementar, que atesta a fratura de determinada vértebra, apurada após ressonância magnética da coluna cervical. Esse resultado está às fls. 14 do inquérito, referindo-se expressamente a tal fratura. Quer isso significar que essa fratura era recente, mesmo porque fosse muito antiga, como alegado pela defesa, parece óbvio que a vítima não suportaria tanta dor por período bastante considerável. Inegável a materialidade do crime, o mesmo acontece no que se refere à autoria, como bem decidido monocraticamente. A prova oral é esclarecedora no sentido de que a vítima foi covardemente agredida, e ferida, tratando-se de ocorrência típica de crime de tortura previsto em legislação específica. O processo penal brasileiro adota o princípio do livre convencimento pelo juiz, art.155 do CPP, podendo decidir pela condenação, ainda que com base em indícios veementes de prática delituosa, desde que o faça fundamentadamente, de acordo com exigência constitucional. No caso dos autos, mais do que indícios existe prova direta a mostrar o acerto do decreto condenatório. O ofendido narrou que ao estacionar seu automóvel defronte a sua residência foi desde logo abordado pelo PM R., que solicitou a apresentação de seus documentos pessoais. Como não os tinha acabou sendo atingido com spray de pimenta atirado nos

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olhos. Algemado, já presente no local o PM Ru., foi colocado na viatura policial e levado para uma rua onde não havia ninguém, ali outra vez espancado. E não satisfeitos, os policiais levaram a vitima ao destacamento da Polícia Militar, onde - incrível tamanha violência - mais agressões sobrevieram, inclusive uma forte pancada na cabeça, região da nuca, perdendo então os sentidos. A prova contra os acusados não parte com exclusividade da vítima, já que existem depoimentos testemunhais que confirmam a veracidade das acusações, cabendo a observação de que não se justificaria invenção ou inverdade por parte da vítima, gravemente ferida, se efetivamente não tivesse sido agredida. Ou em definição que demonstraram enorme violência, em especial um deles e que por isso terá sua pena aumentada. Não há o menor respaldo fático para se acolher as negativas dos recorrentes, a elas se apegando os advogados para reclamarem a descabida absolvição por insuficiência de provas. Tudo está claro na sentença, nas contrarrazões ministeriais e no parecer, de sorte que ficam desacolhidos os pedidos absolutórios. Conforme as contrarrazões ministeriais, aqui referendadas, a narrativa da vítima "merece ampla credibilidade, valendo notar que embora não haja testemunhas presenciais do evento, o que por certo é comum em casos desse jaez - que via de regra são cometidos de forma clandestina -, há nos autos prova indireta e circunstancial a apontar a efetiva ocorrência do crime, sua autoria e a veracidade da narrativa da vítima" (fls. 1.166).

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De acordo com a Procuradoria Geral de Justiça, fls. 1.195, as declarações da vítima são coerentes, estando de acordo com a prova oral e também com laudo médico complementar que atesta os ferimentos graves sofridos. Aliás, esse parecer coloca em destaque, e com clareza, a certeza de que os acusados foram os responsáveis diretos pelas torturas praticadas em cidadão de São Simão. É verdade que os defensores comentam aspectos da prova que devem ser interpretados em favor dos apelantes. Menos verdade não é, todavia, que a essência dessa prova autorizava mesmo a condenação imposta por sentença muito bem fundamentada, mesmo porque não há nenhuma lógica ou nenhum motivo para que João Cândido Ferreira Neto fosse falsamente incriminar os dois policiais. Não havendo dúvida a respeito dos graves ferimentos, também não há dúvida de que foram provocados diretamente pelos réus. João Cândido Ferreira Neto sempre apresentou a mesma versão nas diversas vezes em que ouvido. E nos "casos de tortura praticada por policiais, como o ato costuma ser clandestino e, no mais das vezes cercado de cautelas que dificultem sua demonstração por via de perícias, a palavra da vítima assume especial importância", conforme a lição de doutrina que ilustra o parecer. Muito se discute sobre o valor do inquérito policial, predominando o entendimento de que os elementos nele colhidos só possuem valor quando confirmados na ação penal subseqüente, presente o princípio do contraditório.

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Não há dúvida, porém, que o inquérito possui relevante valia, mesmo porque seria absurdo simplesmente desprezar, ignorar completamente o seu conteúdo. Já se observou que "na sistemática do Direito Brasileiro, sem a Polícia Judiciária realizando os inquéritos, raríssimas seriam as ocasiões em que os infratores penais prestariam contas à Justiça Criminal" (Bismael Moraes, "Direito e Policia", pg. 243). A exigência constitucional de contrariedade na instrução criminal não implica necessariamente no total desvalor do inquérito. Entendimento contrário levaria à sua absoluta inutilidade, o que seria até mesmo perigoso. Galdino Siqueira pondera sobre a necessidade de se conceder crédito à autoridade policial em seus inquéritos ("Curso de Processo Criminal", pg. 21). Em sua obra "Questões Processuais Penais Controvertidas" Paulo Lúcio Nogueira observa que não se pode ser extremista, negando validade ao inquérito policial somente porque o acusado retratou em juízo a sua confissão, ou porque alguma testemunha deixou de confirmar suas declarações policiais: "O inquérito é, assim, uma peça de relativo valor que deve ser examinado no seu todo, em face do conjunto probatório, e não apenas com referência a determinada prova". Domina no Direito Brasileiro o princípio da livre apreciação da prova, de modo que o juiz decide livremente,

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podendo assentar seu julgamento pelo conjunto da prova, aqui incluído o próprio inquérito. Não terá este força para com exclusividade lastrear condenação. Mas o que nele for apurado deve evidentemente ser levado em conta, mediante somatória de elementos de convicção. É certo que são fortes as referências de que João Cândido estaria embriagado na direção de automóvel em circulação por vias públicas de São Simão. E assim fez com que uma mulher chamasse a polícia por telefone. Primeiro compareceu R. e depois R. E também existem menções de que o mesmo João Cândido estava agitado e queria ser liberado, tendo esse quadro exigido um mais rigoroso comportamento dos PMs. Menos verdade não é, todavia, que não se pode tolerar tamanha violência, muito acima da simples contenção de quem se comporta de modo inconveniente ou mesmo violento. A vítima teve fratura e problemas com a audição, que poderiam ter sido evitados, sem dúvida. Mesmo porque as ilustres defensorias sustentam que são excelentes policiais e que não cometeram crime nenhum. Como toda e qualquer prova em processo penal a destes autos apresentaria as contradições salientadas pelos ilustres advogados, quer no próprio processo, quer nas sustentações orais feitas na sessão de julgamento. O que importa todavia considerar é que a essência da prova é francamente contrária aos recorrentes, dando-se destaque aos vários depoimentos da vítima, agente passivo do crime em referência. Depoimentos que tiveram respaldo de testemunhas

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igualmente ouvidas e que viram a vítima chorando e dizendo das agressões pouco antes sofridas e atribuídas aos ora apelantes. Deve ficar claro que João Cândido chega a individualizar o comportamento criminoso de cada um dos réus. Disse ter sido agredido por R. e por Ru., bastando nesse sentido conferir seus depoimentos, um deles inserido às fls. 23/25, na seqüência numérica dos autos, embora anotando-se fls. 04/06. Tem razão a promotoria pública quando sustenta em sua inconformidade que as circunstâncias fáticas não admitem igualdade de tratamento penal entre os réus. Concorda com a pena aplicada a Nelson. Mas quer maior rigor naquela imposta a R., que teve mesmo comportamento criminoso mais destacado que o colega de farda. Respondeu a outro processo por prática de crime de homicídio, na mesma cidade e comarca de São Simão, logrando absolvição. E tem um outro também por crime de tortura, conforme vários documentos nesse sentido. Em sendo assim a pena de Nelson fica mantida em 4 anos 8 meses de reclusão, mesmo porque foram as mínimas legais enfocadas pela magistrada. A de R. fica estabelecida em 5 anos, à vista do §3°, art. 1°, Lei n° 9.455/97. Com o aumento de 1/6, previsto no §4°, I, chega a 5 anos e 10 meses de reclusão. Entende-se possível para ambos o regime prisional semiaberto, apesar do disposto no §7°, art. 1°, Lei n° 9.455/97. Alberto Silva Franco sustenta em sua obra "Crimes Hediondos", ed.

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2.005, pg. 139, a possibilidade de regime prisional diverso do fechado. No caso defere-se o semiaberto, tendo em vista que o quantum da pena privativa de liberdade não permite o aberto. Decide-se de acordo com a súmula. O julgamento teve a participação dos Desembargadores Otávio Henrique (Presidente sem voto), Fábio Gouvêa e Rachid Vaz de Almeida. São Paulo, 16 de dezembro de 2010.

CARLOS BUENO relator” (fls. 1.230/1.238),

Ao conceder aos ora recorridos o regime inicial semi-

aberto, o v. acórdão deu ao artigo 1º, § 7º, da Lei nº 9.455/97.

interpretação diversa da que lhe atribuiu o Colendo Superior Tribunal

de Justiça:

Policial militar (condenação por tortura). Insuficiência de provas (alegação). Súmula 7 (aplicação). Regime inicial de cumprimento da pena (fechado). Imposição legal (precedentes). Perda do cargo (fundamentação). Agravo regimental (desprovimento).

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(AgRg no Ag 1070977/PR, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 15/12/2009, DJe 08/03/2010 – publicado na Revista Eletrônica do Superior Tribunal de Justiça – documento em anexo).

2 – “Em face do princípio da especialidade, os

condenados pelo crime de tortura, devem cumprir a pena

em regime inicial fechado, conforme disposto no art. 1.º,

§ 7.º, da Lei n.º 9.455/97” (STJ – HC 113.733/SP, Rel. Ministra

LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 18/11/2010, DJe

06/12/2010).

2.a – Dissídio jurisprudencial

A Egrégia 6ª Turma do Colendo Superior Tribunal de

Justiça em hipótese idêntica à dos autos (AgRg no Ag 1070977/PR,

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Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em

15/12/2009, DJe 08/03/2010 , publicado na Revista Eletrônica do

Superior Tribunal de Justiça – documento em anexo), proferiu

decisão cuja ementa tem o seguinte teor:

Policial militar (condenação por tortura). Insuficiência de provas (alegação). Súmula 7 (aplicação). Regime inicial de cumprimento da pena (fechado). Imposição legal (precedentes). Perda do cargo (fundamentação). Agravo regimental (desprovimento).

Para melhor demonstrar o dissídio transcreve-se o

Relatório e Voto do Culto Ministro Relator:

RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES: É deste teor a decisão que se quer reformar:

"Paulo Roberto Siqueira Drews foi condenado, pelo crime de tortura, à pena de 4 (quatro) anos e 1 (um) mês de reclusão, a ser cumprida inicialmente no regime fechado. Declarou-se também a perda do cargo público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada.

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No julgamento da apelação, o Tribunal de Justiça do Paraná reduziu a pena a 3 (três) anos, 2 (dois) meses e 3 (três) dias de reclusão. Opostos embargos de declaração, foram rejeitados. Sobreveio o recuso especial, no qual se alega o seguinte: (I) não há prova suficiente para a condenação (art. 386, VI, do Cód. de Pr. Penal); e (II) faltou fundamentação para a perda do cargo público (arts. 381 e 387 do Cód. de Pr. Penal). Requer seja imposto regime menos gravoso (art. 33 do Cód. Penal). Inadmitido, foi interposto o presente agravo. Ouvido, o Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do agravo. Afigura-se-me correta a decisão que inadmitiu o especial. No que diz respeito ao art. 386, VI, do Cód. de Pr. Penal, o especial é inviável. Isso porque a análise dos argumentos do recorrente acerca da insuficiência de provas demandaria o reexame dos elementos de convicção que conduziram o colegiado a manter a sentença condenatória. Incide na espécie o óbice da Súmula 7. Com relação ao regime, decidindo como decidiu, o Tribunal de origem seguiu a jurisprudência do Superior Tribunal segundo a qual, 'diante da regra contida no § 7º do artigo 1º da Lei 9.455⁄97, é incabível a fixação de regime prisional diverso do fechado para o início do cumprimento de pena pela prática de crime nesta previsto, salvo no caso do § 2º do artigo 1º daquele mesmo diploma

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legal' (HC-30.080, Ministro Paulo Medina, DJ de 3.5.04). Da 5ª Turma, veja-se este julgado: 'Penal. Habeas corpus. Crime de tortura. Art. 1º, § 7º, da Lei 9.455⁄97. Regime inicial fechado para o cumprimento da pena. Ordem denegada. 1. A Lei 9.455⁄97, em seu art. 1º, § 7º, dispõe expressamente que, salvo a hipótese do § 2º do art. 1º, o condenado pelo crime de tortura iniciará o cumprimento da pena em regime fechado. 2. Ordem denegada.' (HC-95.336, Ministro Arnaldo Lima, DJe de 4.8.08.) Também não há falar em falta de fundamentação no que diz respeito à perda do cargo público e à interdição pelo dobro do prazo, porquanto apresentou a Juíza razões suficientes para fundar sua decisão, ao anotar isto: '... o elevado grau de censurabilidade das condutas criminosas, declaro a perda do cargo público e interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada (§ 5º), pois o réu, como agente policial, deveria, exatamente, ser instrumento de garantia dos direitos individuais dos cidadãos, zelando pela segurança e incolumidade física, porém, no exercício da sua relevante atividade profissional, praticou graves atos de tortura contra pessoas presas, demonstrando, assim, total incapacidade de permanecer nas fileiras da Polícia Militar.' Nego, pois, provimento ao agravo."

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No regimental, alega-se o seguinte: (I) "a questão posta em exame não trata de análise de provas e fatos, mas sim de qualificação jurídica dos fatos, a chamada valoração da prova"; (II) "constata-se que o tema sobre a possibilidade de fixação de regime inicial diverso do fechado para o cumprimento de pena por crime de tortura não é pacífico"; e (III) "com a prolação do acórdão, a questão a ser discutida refere-se à necessidade ou não de fundamentação para a decretação da perda do cargo, tendo o Tribunal de Justiça do Paraná considerado que seria consequência automática da sentença". É o relatório.

VOTO O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES (RELATOR): Não há falar em má valoração da prova quando o julgador, valendo-se do livre convencimento, conclui estar provado ou não um fato. Já disse Sálvio de Figueiredo: "A valoração da prova, no âmbito do recurso especial, pressupõe contrariedade a um princípio ou a uma regra jurídica no campo probatório, ou mesmo à negativa de norma legal nessa área" (REsp-157.355, DJ de 12.4.99). Veja-se que, no caso, não deixou o Tribunal de origem de considerar as provas colhidas, tampouco deixou de dar a elas o devido valor jurídico, a saber, o de serem provas aptas à instrução do processo penal. Portanto, com relação à alegada violação do art. 386, VI, do Cód. de Pr. Penal, incide, sim, o óbice da Súmula 7. No que se refere ao regime inicial de cumprimento da pena, decidindo como decidiu, o colegiado seguiu a orientação deste Superior Tribunal, que, por ambas as Turmas da Terceira

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Seção, firmou o entendimento de que, "na letra do parágrafo 7º do artigo 1º da Lei 9.455⁄97, o regime fechado é obrigatório para o início do cumprimento da pena imposta pela prática do crime de tortura (Precedentes)" (HC-40.554, Ministro Hamilton Carvalhido, DJ de 1º.8.05). Ademais, há, no Superior Tribunal, precedente segundo o qual "não há que se considerar nula por falta de fundamentação, relativamente à perda do cargo, se restou devidamente motivada a r. decisão, com alusão aos aspectos fáticos e jurídicos que envolvem a quaestio" (HC-24.228, Ministro Felix Fischer, DJ de 9.12.03). Ora, foi diante dessa orientação que analisei a questão da perda do cargo público, tendo decidido, no caso, pela suficiência dos fundamentos adotados na origem. Tal o aspecto, a discussão acerca da necessidade ou não da fundamentação para a decretação da perda do cargo público, aqui, é indiferente, porquanto, no caso, efetivamente foi fundamentada tal penalidade. À vista disso, confirmo a decisão agravada e nego provimento ao agravo regimental”.

* * *

A Jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça

é pacífica no mesmo sentido:

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HABEAS CORPUS. PENAL. CRIMES DE TORTURA E INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO NO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. OMISSÃO NA ANÁLISE DAS TESES DEFENSIVAS. INOCORRÊNCIA. INTERROGATÓRIO JUDICIAL REALIZADO ANTES DA LEI N.º 10.792/2003. AUSÊNCIA DE DEFENSOR. ATO PERSONALÍSSIMO DO JUIZ. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA DEFESA NA FASE DO ART. 499 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. AFIRMAÇÃO NÃO COMPROVADA NOS AUTOS. NULIDADE RELATIVA. FALTA DE ALEGAÇÃO OPORTUNA. PRECLUSÃO. INTERFERÊNCIA DA VÍTIMA NA INSTRUÇÃO. PEDIDOS DE VISTA E INDICAÇÃO DE TESTEMUNHAS. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. VIOLENTA EMOÇÃO, PROVOCADA POR ATO INJUSTO DA VÍTIMA. ATENUANTE NÃO CONFIGURADA. REGIME INICIAL FECHADO DE CUMPRIMENTO DA PENA. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. WRIT PARCIALMENTE CONHECIDO E DENEGADO. 1. O Superior Tribunal de Justiça, perfilhando-se ao posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, consagrou o entendimento de inexigibilidade de fundamentação material do despacho de recebimento da denúncia, em virtude de sua natureza interlocutória. 2. Não se tem como omisso um acórdão que, embora não se referindo, expressamente, à tese defensiva específica, fundamenta a manutenção da sentença com base nos elementos probatórios válidos sobre a materialidade e a autoria do crime

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para efeito da condenação. Os julgadores não são obrigados a responder todas as questões e teses deduzidas em juízo, sendo suficiente que exponham os fundamentos que embasam a decisão, o que ocorre na espécie. 3. O interrogatório judicial, antes da vigência da Lei n.º 10.792/2003, consistia em ato personalíssimo do magistrado, que não estava sujeito ao contraditório, o que obstava a intervenção da acusação ou da defesa. Assim, a ausência de defensor no interrogatório judicial não caracterizava a existência de qualquer nulidade. 4. A ausência de intimação da defesa para a fase do artigo 499, do Código de Processo Penal, é nulidade relativa, que deve ser alegada no momento oportuno, concomitantemente com a demonstração do prejuízo sofrido pela parte, o que não ocorreu, sob pena de preclusão. Ademais, reconhecer a aventada nulidade, no caso, demandaria amplo reexame dos fatos e das provas, inviável em sede de habeas corpus, até mesmo porque o constrangimento não foi suscitado perante a Corte a quo. 5. Não havendo indicativo de que interferência das vítima durante a instrução influiu no juízo condenatório, descabe reconhecer a existência de constrangimento ilegal. Não há nulidade processual sem demonstração da ocorrência de efetivo prejuízo para o réu, nos termos do art. 563 do Código de Processo Penal. Trata-se do princípio de pás de nullité sans grief. 6. A simples desconfiança de adultério não se presta a configurar a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima, atraindo a aplicação da atenuante genérica prevista no art. 65, inciso III, alínea c, do Código Penal.

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Ademais, a tese defensiva foi fundamentadamente afastada pelas instâncias ordinárias, soberanas em matéria de prova. 7. Em face do princípio da especialidade, os condenados pelo crime de tortura, devem cumprir a pena em regime inicial fechado, conforme disposto no art. 1.º, § 7.º, da Lei n.º 9.455/97. 8. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 9. Ordem parcialmente conhecida e denegada. (HC 113.733/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 18/11/2010, DJe 06/12/2010). AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENAL. TORTURA. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA. FECHADO. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Em face do princípio da especialidade, os condenados pelo crime de tortura, devem cumprir a pena em regime inicial fechado, conforme disposto no art. 1.º, § 7.º, da Lei n.º 9.455/97. 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no Ag 1071363/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 26/05/2009, DJe 29/06/2009). PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE TORTURA. ART. 1º, § 7º, DA LEI 9.455/97. REGIME INICIAL FECHADO PARA O CUMPRIMENTO DA PENA. ORDEM DENEGADA. 1. A Lei 9.455/97, em seu art. 1º, § 7º, dispõe expressamente que, salvo a hipótese do § 2º do art. 1º, o

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condenado pelo crime de tortura iniciará o cumprimento da pena em regime fechado. 2. Ordem denegada. (HC 95.336/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 19/06/2008, DJe 04/08/2008). HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. CRIME DE TORTURA. REGIME PRISIONAL. IMPOSIÇÃO LEGAL DO FECHADO COMO INICIAL DO CUMPRIMENTO DA PENA PRISIONAL. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Na letra do parágrafo 7º do artigo 1º da Lei nº 9.455/97, o regime fechado é obrigatório para o início do cumprimento da pena imposta pela prática do crime de tortura, nada influindo a recente disposição legal admitindo a progressão de regime prisional (Lei nº 11.464, de 28 de março de 2007). Precedentes. 2. A concessão de progressão de regime é matéria que deve ser submetida ao Juízo da Execução, a quem cabe, por primeiro, examiná-la (artigo 66, inciso III, alínea "b", da Lei nº 7.210/84). 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC 83.490/DF, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 21/02/2008, DJe 04/08/2008).

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2.b – Demonstração analítica de semelhança

Entendeu a Turma julgadora recorrida:

“Após curso regular da ação penal veio aos autos a sentença de fls. 982/992, sendo condenados às penas individuais de 4 anos e 8 meses de reclusão, regime prisional inicial fechado, incursos no art. 1°, II, §§ 3° e 4°, I, da Lei 9.455/97” (fls. 1.229).

...

“Entende-se possível para ambos o regime prisional semiaberto, apesar do disposto no §7°, art. 1°, Lei n° 9.455/97. Alberto Silva Franco sustenta em sua obra "Crimes Hediondos", ed. 2.005, pg. 139, a possibilidade de regime prisional diverso do fechado. No caso defere-se o semiaberto, tendo em vista que o quantum da pena privativa de liberdade não permite o aberto” (fls. 1.238).

Decidiu o paradigma:

"Paulo Roberto Siqueira Drews foi condenado, pelo crime de tortura, à pena de 4 (quatro) anos e 1 (um) mês de reclusão, a ser cumprida inicialmente no regime fechado”.

...

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“No que se refere ao regime inicial de cumprimento da pena, decidindo como decidiu, o colegiado seguiu a orientação deste Superior Tribunal, que, por ambas as Turmas da Terceira Seção, firmou o entendimento de que, "na letra do parágrafo 7º do artigo 1º da Lei 9.455⁄97, o regime fechado é obrigatório para o início do cumprimento da pena imposta pela prática do crime de tortura (Precedentes)" (HC-40.554, Ministro Hamilton Carvalhido, DJ de 1º.8.05)”.

Em síntese, o acórdão recorrido concedeu aos

recorridos, condenados por crime de tortura (Lei nº 9.455/96) o regime

inicial semi-aberto; enquanto o paradigma entendeu que o regime

inicial fechado é obrigatório.

Nítida, pois, a semelhança das situações cotejadas e

manifesta a divergência de soluções. Mais correta, é óbvio, a

interpretação do Colendo Superior Tribunal de Justiça.

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3. RAZÕES DO PEDIDO DE REFORMA DA DECISÃO RECORRIDA.

Ante o exposto, demonstrado fundamentadamente o

dissídio jurisprudencial, aguarda o Ministério Público do Estado de São

Paulo seja deferido o processamento do presente recurso especial por

Essa Egrégia Presidência, bem como seu ulterior conhecimento e

provimento pelo Superior Tribunal de Justiça, para que seja reformado

o acórdão impugnado, e, conseqüentemente, seja restabelecida a

decisão de primeiro grau, que determinou que os recorridos iniciem o

cumprimento de suas penas no regime fechado.

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São Paulo, 03 de fevereiro de 2011.

PERSEU GENTIL NEGRÃO

Procurador de Justiça

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