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Territórios Fluídos: Estratégias de Adaptabilidade no Acesso e Uso de
Recursos Pesqueiros no Mosaico de Áreas Protegidas no Baixo Rio
Negro, AM
Rafael Illenseer(UFAM)
Biólogo, Mestrando do Programa de Ciências do Ambiente para a Sustentabilidade da
Amazônia- PPG-CASA.
Colaborador do IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas. E-mail: [email protected]
Henrique dos Santos Pereira (UFAM)
Agrônomo, Professor Associado I. Doutor em Ecologia. PPG-CASA. Email:
Resumo
Em termos de ordenamento territorial, a região do baixo rio Negro, localizada no estado do
Amazonas, entre os limites dos municípios de Barcelos e Manaus, se destaca pela ocorrência de
onze Áreas Protegidas, três acordos de pesca, e um decreto estadual específico que juntos limitam a
atividade da pesca local. Esta atividade também sofre a influência de outras políticas públicas de
âmbito nacional voltadas ao desenvolvimento econômico e social da pesca. Neste contexto, objetiva-
se, de forma preliminar, descrever as estratégias adaptativas dos pescadores artesanais locais,
quanto ao acesso e uso dos espaços e recursos pesqueiros, principalmente frente às limitações
impostas pelas áreas protegidas e os incentivos organizacionais advindos das novas políticas
públicas da pesca, como a seguridade social (seguro desemprego do pescador artesanal). As
informações obtidas são provenientes do registro de reuniões e fóruns de pesca e dos conselhos
gestores de áreas protegidas (entre março de 2008 a agosto de 2010), entrevistas abertas com
lideranças e análise de documentos e bibliografias. São descritas e avaliadas quatro estratégias
básicas de adaptabilidade adotadas pelos pescadores: (1) Abandono da dimensão econômica da
pesca; (2) Resistência na clandestinidade com pescarias em áreas interditadas; (3) Mobilidade
territorial com pescarias em outros territórios de acesso livre; e, (4) Tentativas de acordos de pesca
para reconhecimento de direitos de acesso e uso nos limites do Mosaico de Áreas Protegidas.
Introdução
A pesquisa tem seu foco principal nas estratégias de adaptabilidade dos pescadores
artesanais da região do Baixo Rio Negro, quanto ao acesso e uso dos recursos pesqueiros diante
mudanças socioambientais desencadeadas pelos incentivos das políticas pesqueiras e pelas
restrições impostas pelas políticas de conservação da biodiversidade na região. Para Maturana e
Varela (1995), a adaptação pode ser vista como um desencadeamento de mudanças estruturais onde
caminhos são selecionados ao longo da história. O conceito de “adaptabilidade” aqui é usado como
uma estratégia de análise que permite relacionar as percepções e o agir político dos pescadores
artesanais com a dinâmica socioambiental vista como um conjunto de relações que pode envolver o
ambiente, sua historicidade, as instituições, a economia, entre outros componentes. Se o foco é a
pesca artesanal em um contexto local, trata-se de ver a estética da reinvenção do modo de vida dos
pescadores artesanais com relação a sua resiliência e flexibilidade social em um dado cenário
ambiental e político (HARRIS, 2006).
A área de abrangência do estudo compreende a bacia do rio Negro entre Manaus e
Barcelos, incluindo a calha principal do rio e seus tributários em seu trecho no município de Novo
Airão. Os pescadores artesanais do baixo rio Negro são de pequena escala (BERKES et al., 2001),
estão em gradiente que envolve a pesca de subsistência, a pequena venda direta ou para
atravessadores, as parcerias entre pescadores locais e pescadores externos, a pesca artesanal em
barcos regionais com finalidade comercial. A comunidade pesqueira e a pesca são heterogêneas. No
baixo rio Negro, coexistem grupos de usuários com diferentes capacidades de pesca, que exploram
diversas unidades de manejo e muitos pequenos estoques.
Os peixes são recursos de uso coletivo e tendem a ser governados em regimes de
propriedade comum, pois é um recurso de baixa excludabilidade, ou seja, o controle do acesso por
potenciais usuários pode ser custoso e, no extremo, virtualmente impossível. Além disso, recursos
pesqueiros se caracterizam por uma alta subtrabilidade (FEENY et al., 2001). Se um usuário extrai
uma unidade do recurso, pode diminuir significativamente a disponibilidade do recurso para outros
usuários. No plano informal (de facto), a propriedade de recursos pesqueiros tende a se tornar
comunal ou coletiva quando estes recursos são manejados por uma comunidade interdependente.
Comunidades de pescadores podem desenvolver suas próprias instituições locais de
manejo. Instituições entendidas aqui, como um conjunto de regras que moldam as interações em
sociedade, podendo ser formais (regras, leis e constituições) ou informais (normas de
comportamento, convenções, códigos auto-impostos). (NORTH, 1994 apud SEIXAS, 2004). Portanto,
as instituições são “as regras do jogo” e as organizações são os “jogadores” que estão relacionadas.
Como a propriedade comunal de recursos de uso coletivo não é reconhecida na legislação brasileira
(de jure), os usuários não podem exercer plenamente seus direitos de proprietários. Portanto, os
recursos pesqueiros se tornam de “livre acesso”. Uma vez definido pelo Estado que os recursos são
públicos, porém, controlados pelo governo, estes recursos são convertidos em “propriedade estatal”.
Neste caso, a privatização está relacionada ao acesso permitido somente aos usuários autorizados
pelo estado. Na pesca, é preciso o registro de pescador, para exercer a pesca profissional comercial.
O baixo rio Negro forma um mosaico de “territórios fluídos” na medida em que pescadores e
peixes transitam por entre ambientes aquáticos e atravessam diferentes regimes de propriedade.
Alguns territórios foram transformados em unidades de conservação e outros mantidos como de
acesso livre e, ainda, há outros nos quais rearranjos institucionais possibilitam a co-gestão local
como os chamados “acordos de pesca”, formando novas e diversas combinações entre diferentes
regimes de uso e acesso. As unidades de conservação (UC), assim como leis e acordos, visam a
proteção dos ambientes e dos recursos naturais, e independentemente de seus objetivos (proteção
integral e uso sustentável), impõem mudanças socioambientais ao território protegido. Essas
mudanças podem ou não ir ao encontro dos interesses dos grupos de pescadores. Este “cenário” de
encontros e desencontros é o que se objetiva descrever neste estudo.
Metodologia
A abordagem da pesquisa é participativa (VIEIRA et al., 2005; BERKES et al., 2001) e tem
estilo descritivo. Os resultados foram construídos com base na combinação de três técnicas de
pesquisa: observação participante, pesquisa de documento e entrevistas abertas, o que inclui
conversas informais, registrados em cadernos de campo e gravações digitais. O tempo de registro
inclui março de 2008 até agosto de 2010 durante a participação em 10 reuniões de conselhos
gestores das UC’s, 05 reuniões do GT de pesca do conselho consultivo do PARNA Anavilhanas, 10
reuniões do Mosaico, 01 Workshop do comitê técnico e científico da PARNA Anavilhanas, 03 reuniões
com as entidades de pesca, visitas técnicas nas comunidades do rio Jauaperi, 01 Seminário
Municipal de Pesca, Audiência Pública do Decreto do Rio Negro e uma reunião sobre acordo de
pesca do entorno de Anavilhanas. Foram entrevistadas lideranças das entidades de pescadores
(Associação dos Pescadores de Novo Airão – APNA e Colônia dos Pescadores AM – 34), além de
entrevistas informais com pescadores, gestores e lideranças de comunidades, no período da
pesquisa.
Os documentos estudados incluem os relatórios e atas das Oficinas sobre Uso Adequado de
Recursos Naturais, das assembléias intercomunitárias dos acordos de pesca, do projeto da APNA, os
acordos de pesca (Instrução Normativa – IN n. 02 de 27/09/2004; IN. 99 de 26/04/2006) e os planos
de manejos das unidades de conservação e as versões do decreto rio Negro.
A escala do estudo é regional (CASTRO, 2004) pelo fato que os sistemas de manejo estão
inter-relacionados com diferentes níveis de decisão que afetam a bacia do rio Negro ou baixo rio
Negro que possui como identidade comum o Mosaico e como região administrativa central o
município de Novo Airão.
Breves antecedentes históricos
Durante o período colonial, ainda no século XVII e XVIII, a pesca significava o provimento de
alimentos para vilas, destacamentos militares, missões e expedições, e era essencialmente indígena.
Na região do baixo rio Negro, as vilas correspondiam a Santo Elias do Jaú, que mais tarde vira a se
tornar freguesia a Ayron (atual Velho Airão), Barcelos e a Fortaleza da Barra (atual Manaus), entre
outros aldeamentos hoje desaparecidos (LEONARDI, 1999). É neste período que se desenvolveram
os “pesqueiros reais” como talvez a primeira legislação pesqueira na Amazônia já visando a
potencialidade econômica da pesca (FURTADO, 1981). O “pesqueiro real da Demarcação”,
correspondia ao rio Branco, no baixo rio Negro e objetivava abastecer o local, especialmente
festividades, e exportar quelônios, ovos e peixe salgado. Conforme Rebelo e Pezzuti (2000), este
sistema era gerido por instituições como conselhos e comandantes das praias, que eram coletivos,
exploradas em calendário sazonal e visava a justa repartição. De acordo com os autores, este
sistema entra em declínio, talvez em uma transição quando o sistema tornou-se cartorial, meados do
século XIX, taxando os produtos, promovendo regulamentos entre os quais restrições.
Na metade do século XIX, foi autorizada pelo governo provincial a formação da “Companhia
dos Pescadores” (MONTEIRO, 2010), em paralelo com a formação de um sistema de comando e
controle para a pesca. Neste período, acontece uma municipalização da pesca, mas ainda na
ausência de uma legislação geral (FURTADO, 1981). Veríssimo (1970) sugere que, no final do século
XIX, a pesca ainda tinha forte característica indígena e poucos apetrechos externos como redes e
malhadeiras haviam sido introduzidas.
No início do século XX, Leitão (1995) descreve que a pesca estava ligada a idéia de
segurança nacional vinculando este assunto ao Ministério da Marinha, onde as colônias dos
pescadores eram coordenadas pelos capatazes delegados, as zonas de pesca eram as capatazias e
os pescadores conhecidos como “soldados pescadores”. Neste período, na Amazônia, os ciclos de
extrativismo, sobretudo da borracha, estavam declinando e a pesca era uma alternativa, mas também
envolvia o sistema de aviamento entre o “patrão” e o “cliente de aviamento”. Neste sentido, houve a
necessidade do fortalecimento de uma gestão por parte dos administrados públicos (FURTADO,
1981).
Nesta passagem pelo tempo, em 1934, a administração da pesca passou para o Ministério
da Agricultura e transformou os pescadores em “produtores de alimentos”, e no período foram
elaboradas as principais legislações relacionadas como o Código das Águas, que transformava os
recursos hídricos com sendo de acesso livre, o Código da Pesca (Decreto n. 794/1938) além de uma
série de programas visando financiar a pesca, como o Decreto-lei No. 291 (23/02/38) conhecido como
Lei da Expansão da Pesca, que cria a Caixa de Crédito da Pesca.
Essas políticas levam à construção da “institucionalização da pesca” por meio da
especialização da atividade ligada por um viés econômico e por uma gestão cada vez mais
centralizada no estado. Foram formados recursos humanos, uma administração, desenvolvidos
pesquisas o que antecedem a abordagem bioeconômica da pesca. Esta forma de gestão visava a
eficiência produtiva como máxima exploração dos estoques pesqueiros, mantendo a sua renovação e
sustentabilidade. As legislações da época já incluíam modos de regulação específicos sobre
espécies, apetrechos, impostos sobre a comercialização, sistema de cotas, estatística pesqueira,
entre outros.
Seguindo a esta linha raciocínio, foi a partir dos anos 60, com a criação da CODEPE
(Conselho de Desenvolvimento da Pesca) e SUDEPE (Superintendência do Desenvolvimento da
Pesca) é que uma política de modernização se consolida, fortalecendo uma indústria pesqueira,
especialmente com incentivos para motorização dos barcos, a adoção de novos apetrechos com
advento das redes de nylon, a conservação do pescado pelo gelo, tendo em vista a produção, ou
seja, o desenvolvimento econômico, alinhado ao abastecimento das cidades amazônicas em
formação, especialmente Manaus, onde um pólo industrial estava se iniciando. Este modelo, não
considerou uma população ribeirinha e indígena ainda esparsa, ao longo dos rios amazônicos, com
modelos próprios, de uma gestão integrada de recursos naturais. Não houve um cuidado de
considerar outros “tipos” de pescadores, que possuíam uma pequena canoa ou embarcação,
autônomos nos instrumentos de pesca e nos conhecimentos (GALVÃO, 1982; LEITÃO, 1995).
Os pescadores locais e seus modos de vida amazônicos chegaram a ser considerados um
entrave para a modernização da pesca na região, seja devido a um “modo de vida” que tinha regras
próprias de pesca associadas a tabus e mitos (GALVÃO, 1982) ou porque resistiam à invasão de
barcos, movimento conhecido como movimento de defesa dos lagos (PEREIRA, 2004). Para
contornar “este problema”, em 1974 foi definido o plano PESCART – AM com objetivo de aprimorar a
pesca artesanal objetivando capacitar os pescadores com novos conhecimentos técnicos para elevar
a eficiência produtiva dos pequenos pescadores, mas nunca foi implantado (GALVÃO, 1982).
Neste período, no baixo rio Negro, os pescadores locais já teriam “abandonado” apetrechos
tradicionais de pesca como o cacuri (currais de pesca) e o matapi (armadilhas). Por outro lado, o
período da modernização pesqueira, muitos pescadores da região trabalharam em barcos de pesca
de Manaus ou adquiriram seus próprios barcos regionais, tipo batelão para pescar, buscavam obter
retorno de seus investimentos. Ou seja, houve por muito tempo, um processo em que, as políticas de
pesca, não consideram uma “forma própria de manejo da pesca”, suas regras, apetrechos e
territórios.
Pode-se imaginar que os pescadores locais e comerciais, circulavam livremente pelo rio
Negro até o advento da criação das duas primeiras unidades de conservação na região: o Parque
Nacional (PARNA) do Jaú (1980) e a Estação Ecológica (ESEC) de Anavilhanas (1981)i. Estas UC’s
foram planejadas na década de 70 pelo fato de que, na época, não havia muitos espaços protegidos
na Amazônia, em um contexto em que o regime militar estava instalando um conjunto de obras de
infra-estrutura e projetos de colonização (BARRETO-FILHO, 2001).
As mudanças dos espaços: o desenho de um mapa de áreas protegidas
Na ocasião em que as duas primeiras áreas protegidas estavam sendo criadas na região do
rio Negro e de seus tributários, as populações já haviam passado por dinâmicas migratórias, que
levaram a um despovoamento impulsionado pela falência do ciclo extrativista da borracha e de outros
produtos florestais. Nos anos 60, as famílias ribeirinhas e indígenas remanescentes dos seringuais e
castanhais migraram para os municípios de Manaus, Barcelos ou Novo Airão ou começaram a se
organizar em comunidades. Talvez para sair do isolamento, incentivadas pelas igrejas ou para obter
acesso a políticas públicas, essas comunidades criaram novas configurações territoriais, os
“territórios comunitários” (CARDOSO et al., 2008). Nestes territórios, as comunidades passaram a
manejar os recursos naturais de forma integrada, mesclando atividades de cultivo, coleta, caça e
pesca, de forma autônoma.
Em 1987 foi homologada a Terra Indígena Waimiri Atroari, e muitas famílias ribeirinhas
receberam a indenização e foram morar no PARNA Jaú, no rio Unini ou na margem direita do rio
Negro (DURIGAN, et al., 2004). Em 1995, o Estado do Amazonas, criou um Parque Estadual e três
Áreas de Proteção Ambiental (APA), (Margem Esquerda Setor Aturiá – Apuauzinho, Margem
Esquerda Setor Tarumã Açu – Tarumã – Mirim, Margem Direita Setor Solimões – Puduari).
A dinâmica de ordenamento territorial por espaços especialmente protegidos continuou: em
1998 é criada a RDS do Rio Amanã, que envolve parte do rio Unini; em 2001 é redilimitado o Parque
Estadual Rio Negro em dois Parques (Setor Norte e Setor Sul); em 2005 é consolidada a Reserva de
Desenvolvimento Sustentável do Tupé (REDES do Tupé), do município de Manaus; e em 2006 é
criada a Reserva Extrativistas (RESEX) do Rio Unini reivindicada pelas comunidades do rio Unini. E,
no ano de 2009, é recategorizada uma parte da APA Margem Direita para uma reserva de uso
sustentável denominada RDS Rio Negro. Conforme, pode ser visto no mapa abaixo, é consolidado
um mosaico de conformações territoriais, de onze áreas protegidas, envolvendo cerca de oitenta
comunidades no seu interior, e algumas sobreposições.
Figura 1. Mapa das Áreas Protegidas do Baixo Rio Negro
As áreas protegidas passaram a fazer parte do cotidiano dos habitantes dos rios. Parte dos
espaços para a pesca tornou-se proibida e as áreas ainda livres para pescar, como alguns rios e
igarapés, passaram a sofrer pressões de “sobre-pesca”. Este motivo, somado a implantação das UC’s
por meio das pesquisas, elaboração dos planos de manejo (plano de gestão) com destaque a
atividade fiscalizadora no final dos anos 90 e início de 2000 motivaram uma maior organização dos
setores sociais em diferentes entidades de base para solicitar o seu espaço no território, o que
acontece com muita ênfase com os pescadores.
Dinâmica socioambiental do baixo Rio Negro: o mosaico de áreas protegida e seus
interstícios
Novos instrumentos
Após a aprovação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), em 2000, no
baixo rio Negro, uma série de programas e projetos (projeto Corredores Ecológicos - Ministério do
Meio Ambiente e o programa ARPA - Áreas Protegidas da Amazônia) que visavam a implantação das
UC’s, intensificaram a instalação de infra-estruturas administrativas e a formação de conselhos
gestores. Isto somado a alocação de recursos humanos, fez com que a gestão dessas áreas
protegidas fosse fortalecida pelo aumento da presença institucional dos órgãos gestores na região.
Em 2005, o IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas submeteu um projeto ao Fundo
Nacional do Meio Ambiente para fomentar a formalização do Mosaico. Este processo iniciou-se ainda
nas articulações interinstitucionais proporcionadas pelo Projeto Corredores Ecológicos e com
participação ativa dos órgãos gestores das UC’s e organizações locais e atualmente está em fase de
elaboração uma proposta de gestão territorial participativa e integrada, o qual se encontra no aguardo
do reconhecimento. O Mosaico de Áreas Protegidas do Baixo Rio Negro (MBRN) além da gestão
integrada visa à valorização territorial especialmente a sociodiversidade, as iniciativas comunitárias
de produtos, serviços e saber-fazer. Do processo formal do MBRN apenas a Terra Indígena Waimiri
Atroari não aderiu, mas possui espaço no conselho consultivo.
A região do MBRN é considerada de extrema relevância para a conservação da
biodiversidade (MMA, 2002), está inserida na Reserva da Biosfera da Amazônia Central (Decreto No.
25.042/2005) e parte do Corredor Ecológico da Amazônia Central.
Pelo “lado” da política pesqueira três instrumentos se somam na região: o decreto do “Rio
Negro” (decreto Estadual 22.304 de 20/11/2001), o “acordo de pesca” (Instrução normativa IBAMA n.
29 de 31/12/2002) e o seguro defeso (Seguro Desemprego do Pescador Artesanal, Lei nº 10.779, de
25/11/2003). O “decreto rio Negro” visou o disciplinamento da pesca, proibindo a pesca comercial da
foz do rio Branco, afluente do rio Negro até a Colômbia. Este decreto teve validade por cinco anos,
sendo reeditado em 2007 (Decreto n. 27.012 de 28/09/2007).
Nos anos 90, um novo instrumento de gestão pesqueira surge, os assim chamados acordos
de pesca, visando regular a pesca entre conjuntos de usuários de uma área estabelecendo regras
acordadas entre as partes interessadas, estabelecendo responsabilidades entre a sociedade civil e o
governo. Para essa região, foram elaborados três acordos de pesca, sendo dois aprovados: no rio
Unini (Instrução Normativa – IN n. 02 de 27/09/2004) e no rio Jauaperi (IN. 99 de 26/04/2006), e outro
não aprovado, sem justificativa, que envolvia os rios tributários do rio Negro no entorno do PARNA
Anavilhanas (Figura 2).
Figura 2. Mapa temático localizando os instrumentos locais de ordenamento da pesca. Em preto
tracejado a área do decreto “rio Negro”; em azul o acordo de pesca do rio Jauaperi; em vermelho, o
acordo de pesca do rio Unini (com as zonas estabelecidas); roxo e tracejado as áreas propostas do
acordo de pesca do baixo rio Negro, que inclui tributários do rio Negro; e, em verde, as áreas de
“acesso livre”.
No âmbito das políticas de desenvolvimento da pesca, o advento do “seguro defeso”,
(Seguro Desemprego do Pescador Artesanal, Lei nº 10.779, de 25 de novembro de 2003) também
influenciou a organização e a atuação política dos pescadores na região. O “seguro defeso” trata-se
de um benefício social no qual os pescadores profissionais atestados por entidades de classe,
recebem do Governo Federal, o equivalente a um salário mínimo por mês durante o período de
defeso, correspondente a quatro meses por ano, período que equivale ao período reprodutivo de
algumas espécies de peixes.
A nova conformação territorial, áreas protegidas restritas a pesca, e a aplicação de
instrumentos das “políticas da pesca artesanal” começaram a fazer parte da dinâmica socioambiental
local estabelecendo regras de acesso, mas também, “provocando” aos pescadores a adoção de
estratégias de uso e acesso. Assim, enquanto as áreas protegidas possuem os seus instrumentos de
gestão, os pescadores trataram a utilizar instrumentos, como os acordos de pesca para gerirem os
seus espaços.
Os jogos e jogadores da Pesca
O movimento social dos pescadores no baixo rio Negro se intensificou a partir do ano 2000,
quando os pescadores locais criaram suas organizações de base que passaram a ter um papel de
protagonistas nas negociações para a criação dos acordos de pesca e na implantação da política do
seguro defeso. São três as entidades de pesca em Novo Airão: a Colônia dos Pescadores (AM-34) e
a Associação dos Pescadores de Novo Airão (APNA) fundadas em 2002 e o Sindicato dos
Pescadores de Novo Airão (Sindpesca), fundado em 2008. As entidades de pescadores dos outros
três municípios (Manaus, Iranduba e Barcelos) têm atuação em partes deste território, no entanto, as
entidades de Novo Airão desempenham um papel político mais relevante no território.
Outros ingredientes desta “epidemia” de políticas públicas e interesses é a pesca ornamental
e esportiva com foco central no município de Barcelos com influência na parte norte do MBRN, que
aparece transversalmente neste texto. A piscicultura e o turismo, como novas atividades econômicas,
aparecem fortemente no município de Novo Airão.
Mas, a motivação da organização, especialmente, dos pescadores da APNA, se deram
levando em conta a falta de conhecimentos sobre seus direitos e deveres, o alto índice de
analfabetismo, os poucos acessos as políticas públicas e alternativas de renda, além de buscarem
um reconhecimento e a valorização do pescador artesanal frente às instituições gestoras. A entidade
também foi proponente junto com outras organizações da Maquira-RONAii nos acordos de pesca. A
Colônia de Pescadores Z-34, hoje AM – 34 atuaram de forma mais significativa em ações políticas
que visavam estender o acesso as políticas públicas aos pescadores artesanais.
O primeiro acordo de pesca oficializado pelo IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis) na região está relacionado ao rio Unini. Segundo Mendes (2009),
em 1999 as comunidades do rio Unini denunciaram a “invasão” por barcos de pesca comercial que
realizavam pesca “predatória”. A pressão pela pesca comercial no rio Unini aumentou com o decreto
estadual do rio Negro (No. 22.304 de 20/11/2001), que proibia a pesca comercial no médio rio Negro,
tornando o rio uma das poucas alternativas de acesso a ambientes pesqueiros. Em 2000, foi fundada
a AMORU (Associação dos Moradores do Rio Unini) que além do acordo de pesca do rio, com apóio
da FVA (Fundação Vitória Amazônica), passaram a reivindicar a criação da RESEX do rio Unini.
Os outros dois acordos foram motivados a partir da 1ª. Oficina sobre o Uso Adequado de
Recursos Naturais Organizados por entidades locais. Neste evento, foram colocados problemas aos
órgãos ambientais estaduais e federais como a falta de áreas de acesso e uso de recursos naturais, a
fiscalização (falta de procedimentos, respeito e apreensão de instrumentos de trabalho), a pesca
artesanal (falta de locais, calendários sazonal ineficiente, invasão de pescadores predatórios, falta da
valorização do pescador, proibição da pesca comercial em áreas críticas), falta de conhecimento e
sinalização das áreas protegidas, falta de alternativas (demora do licenciamento, falta de apóio
técnico e financeiro) entre outras. Além disto, motivou também a formação da Maquira-RONA.
O acordo de pesca do rio Unini aprovado em 2004, ainda está válido, até que o plano de
manejo da RESEX, criada em 2006, seja concluído. O acordo de pesca está organizado em três
setores (figura 2): setor I – onde permitido apenas a pesca de subsistência (área de uso das
comunidades); setor II – permitida a pesca comercial e subsistência; e, III – permitida a modalidade
de pesca esportiva “pesque e solte” e pesca de subsistência. Os moradores locais garantiram
exclusividade do uso nas áreas próximo das comunidades e a participação de 50% da pesca
comercial, estabelecendo a cota de três barcos/mês, nos períodos permitidos. Enquanto que a pesca
esportiva, ficou a uma distância maior, sem influência da pesca de pequena escala. Informações
preliminares indicam que neste período apenas um barco comercial tenha realizado a pesca.
Atualmente, uma decisão judicial suspendeu o efeito do acordo, em uma ação judicial movida pelo
Ministério Público Federal em razão do conflito que envolve os interesses de empresários da pesca
esportiva e das comunidades em manter a atividade empresarial no rio após a criação RESEX.
O “acordo de pesca” do rio Jauaperi proibiu a pesca comercial, esportiva e ornamental, na
íntegra, por dois anos, poderia vir a ser liberada após regulamentos e pesquisas feitas pelo IBAMA. O
acordo não criava restrições à pesca de subsistências praticada pelos moradores do rio. Como as
pesquisas ainda não foram realizadas, a pesca comercial e esportiva não está permitida, por uma
decisão liminar da justiça federal do Amazonas, movida pelas comunidades com apóio da FVA, IPÊ,
WWF-Brasil e Instituto Socioambiental – ISA. Além disso, a região do rio Jauaperi, fronteira com
estado de Roraima, é uma área pleiteada para a criação de uma RESEX federal abrangendo áreas
nos dois estados. Outro fato crucial neste rio é a fronteira que faz com a Terra Indígena Waimirii
Atroari, que também são contrários a pesca comercial, tendo este ano mobilizado esforços para
fiscalizar o rio em conjunto com alguns moradores de comunidades.
O terceiro acordo de pesca no entorno da ESEC de Anavilhanas foi protocolado no IBAMA
ainda em 2006 (06/03) e ainda que sem justificativa, não foi aprovado. Como nos outros dois acordos,
este também privilegiou as demandas das comunidades e manteve os igarapés e lagos do Puduari,
Aracari, Sobrado e outros, como áreas exclusivas de subsistência, mantendo uma única área para
pesca comercial. Essa área corresponde ao complexo de lagos do igarapé do Baipendi, limite com a
ESEC de Anavilhanas. Porém, nesta região existe um conflito de limites na interpretação da foz deste
igarapé, o que trouxe constrangimento por parte de alguns pescadores.
Os três acordos estabeleciam restrição a pesca em uma escala comercial visando recuperar
os estoques pesqueiros sobre-explorados. As comunidades locais, mesmo que, parte das famílias
também desejava explorar comercialmente a pesca, eram contrários que os seus locais se tornassem
de “livre acesso”.
Além disto, existem outros locais de pesca, interstícios do Mosaico, como a região
compreendida entre os limites aquáticos dos Parques Nacionais de Anavilhanas e Jaú, entre os quais
a ilha do Jacaré, forma um conjunto de lagos e paranãs, encontra-se ocupada pelo Waimiri-Atroari,
que proíbem a pesca em quaisquer escala. Segundo os pescadores, as demais regiões
compreendidas nestes limites não são propícias para pescar. Portanto, mesmo que parte das áreas
protegidas seja de uso sustentável, os ambientes de pesca se concentram nos limites aquáticos de
áreas de protegidas de proteção integral.
Porém, a reedição do decreto “rio Negro” (Decreto n. 27.012 de 28/09/2007), caracterizado
com mudanças em relação ao decreto anterior, abriu novas possibilidades de pesca. Isto se deve a
inclusão do município de Novo Airão no decreto, o que abriu a prerrogativa de permissão para que os
pescadores artesanais de escala comercial pudessem pescar na região do médio rio Negro (em
Barcelos). Mas, isto trouxe motivos de descontentamento por parte dos pescadores de Barcelos. E, já
foi indicado que na próxima reedição prevista para fim de setembro de 2010, muito provavelmente
Novo Airão, ficará de fora e conseqüentemente, os pescadores proibidos de pescar na região. Este
decreto também trouxe explicitamente os interesses de outros setores da pesca: a pesca esportiva e
ornamental. Na redação do decreto, a pesca comercial de duas espécies, o tucunaré (Cichla spp),
com valor para a pesca esportiva, e o aruanã (Osteoglossum spp), com valor de pesca ornamental,
foram proibidas.
Neste mesmo cenário, três novos eventos estão acontecendo: a retomada dos acordos de
pesca do baixo rio Negro (não aprovado em 2006) e do rio Jauaperi (interditado na justiça), e a
reedição do decreto “rio Negro” de 2010 para 2012. É possível que, agora, após este tempo de
restrições de pesca, parte dos pescadores aleguem que os estoques de peixes estejam recuperados.
Outro motivador, da retomada dos acordos pode ter relação direta com a reedição do decreto “rio
Negro” para ordenar a pesca nos locais de “livre acesso”. Ainda é esperado que a nova política
nacional da pesca (Lei n. 11.959 – Lei da Pesca e Aquicultura, 29/07/2009) resulte em
desdobramentos no nível do rio Negro.
O “seguro defeso” é outra “instituição” que está fazendo parte da vida social dos pescadores.
Ainda não se tem informações suficientes que mostrem os impactos positivos e negativos,
especialmente sobre a atividade pesqueira. A Colônia de Pesca AM-34 hoje possui 500 associados,
dos quais 400 recebem o seguro defeso, enquanto que a APNA, representando cerca de 180
afiliados, 19 assegurados com o benefício social, exemplificam a importância deste instrumento,
tornando-o expressivo, uma vez que a pesca insere-se em um regime de economia familiar, em um
município com 14.630 habitantes (IBGE, 2008), de poucas oportunidades de emprego e renda. O
Sindpesca, de fundação recente, está em fase de se organizar e está buscando estender o seguro
defeso para novos associados.
Caracterizando brevemente os pescadores artesanais do baixo rio Negro, pode-se dizer que
representam um grupo heterogêneo, nos quais a maior parte é polivalente, outros possuem a
atividade de pesca como única. Existem poucos barcos comerciais e menos de dez são devidamente
regularizados. São do tipo barco regional e possuem a capacidade média de carga de pesca entre
1,5 a 5 toneladas. A maior parte dos pescadores utiliza canoas, entre os quais, os “rabeteiros”, onde
se acrescenta o motor rabeta. Para estes, a pesca é feita nas proximidades, no dia a dia, ao longo de
todo o ano, mas especialmente no período de seca do rio (agosto – novembro), realizada por
moradores das comunidades ou pescadores urbanos com fins subsistência. É comum, a pesca com
caixa de gelo (de até 170 litros), que pode demorar até uma semana, relacionado à subsistência e a
venda do excedente, especialmente em “cambada”, corda ou galho natural, com espécies variadas
de peixes pequenos, de peso aproximado dois quilos.
Os apetrechos principais usados nas pescarias correspondem a pequenas malhadeiras
(exemplo de malha 0.7), zagaia, flecha, linha de mão, caniço, tarrafa, espinhel e pinauaca. O caráter
mais comercial inclui a pesca de cerco ou de lance buscando um cardume de peixes (principalmente
matrinxã - Brycon cephalus ou jaraqui -Semaprochilodus spp) onde geralmente é limpa a margem do
rio ou igarapé na época da seca, para que, na cheia, durante a migração dos cardumes, a rede é
colocada. Das outras espécies de peixes, as principais pescadas são: piranha (Serrasalmus spp),
tucunaré (Cichla spp.), pirarara (Phractocephalus hemiliopterus), bodó (Loricariidae), acará
(Cichlidae), peixe liso (Pseudoplatystoma fasciatum e Pirinampus pirinampi), pirarucu (Arapaima
gigas), traíra (Hoplias malabaricus), aracu (Leporinus spp), pacu (Myleus spp; Metynnis spp) aruanã
(Osteoglossum spp), sardinha (Triportheus ssp). Apapá (Clupeidae), branquinha (Curimatidae), cubiu
(Hemiodontidae), orana (Hemiodontidae), Mapará (Hypophthalmus ssp), mandubé (Ageneiosus sp),
filhote (Brachyplatystoma spp), araripirá (Chlaceus sp) e Jacundá (Crenicichla spp).iii
De acordo com Silva e Begossi (2004) os pescadores do baixo rio Negro definem os
ambientes de pesca (lagos, igarapés, paranãs e outros) em parte pela territorialidade, experiência
pessoal e capacidade de logística, assim como na distribuição espaço-temporal dos recursos
pesqueiros.
A proposta de desenho apresentado com a inclusão de ingredientes institucionais mostra-se
como uma “epidemia” de múltiplos agente em uma “arena”. A partir disto, pretende-se analisar as
situações geradas, sugerindo, que os pescadores artesanais, adotam estratégias adaptativas em
quatro formas generalizantes.
Pescadores sem águas? Estratégias de ser um pescador no baixo rio Negro
O abandono da dimensão econômica
Muitos pescadores artesanais abandonaram a pesca profissional comercial. Isto pode estar
relacionado a dois motivos, um relacionado a um contexto maior amazônico, momento em que
somente pescadores com maior poderio financeiro e de locomoção tem sucesso de alcançar áreas
ainda fartas com recursos pesqueiros, e outro, no rio Negro, pela combinação da restrição espacial
ocasionado pelo ordenamento territorial de espaços protegidos criados no baixo rio, da sobre-
exploração ocorrido até o advento dos primeiros acordos de pesca e o advento de novas atividades
econômicas.
O planejamento da pesca artesanal comercial envolve custos como a aquisição de
combustível e gelo, e o adiantamento de pagamento de auxiliares que irão pescar. Estes custos, de
acordo com barco podem envolver mais de 3.000 reais. Portanto, o risco de uma excursão torna-se
“elevado”. A viagem necessita ser realizado para locais permitidos, mas atravessam áreas protegidas
especialmente os Parques Nacionais, sem uma regulação acordada ou uma hidrovia. A origem do
pescado pode parecer duvidosa para as instituições gestoras. Outro fato, é que na legislação
pesqueira, é considerado o tamanho mínimo dos peixes de algumas espécies, e somente 10% do
total poderão estar abaixo da medida. Isto poderia levar o descarte de peixes ou a doação, sem
retorno de investimentos. O tamanho do risco também pode levar o descarte de uma quantidade de
peixes pescados de valor econômico baixo, caso seja avistado ou capturado um cardume de outra
espécie de maior valor, como por exemplo, o descarte do jaraqui após a captura do matrinchã. O
barco e os apetrechos de pesca necessitam de manutenção ou de serem renovados. O que eleva o
custo no médio e longo prazo.
Foi observado que muitos pescadores abandonaram a atividade e hoje se dedicam a novas
atividades ou oportunidades geradas. Na RESEX do rio Unini, novas alternativas econômicas estão
sendo construídas em parceria com o órgão gestor (Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade – ICMBio) e a FVA relacionadas ao extrativismo, o seu beneficiamento, ao turismo, e a
pesca ornamental e esportiva. No rio Jauaperi, representantes das comunidades aguardam a criação
da reserva extrativista, e muitos ex-pescadores dedicam-se a confecção de artesanato.
Em Novo Airão, a dinâmica se assemelha, com acréscimo da piscicultura especialmente a de
“tanque rede” incentivada em alguns igarapés afluentes do rio Negro. Ex-pescadores hoje são guias
de turismo, piloteiros, funcionários públicos, ou atuam na cadeia de turismo incluindo o comércio.
Mobilidade territorial com pescarias em outros territórios de acesso livre
As evidências mostraram que no período de permissão da pesca no médio rio Negro, entre
2007 e 2009, os pescadores de Novo Airão realizaram incursões foram intensas neste território.
Quando o acordo do rio Jauaperi findou, aconteceu outra incursão de barcos de pesca até que a ação
judicial que proibiu pesca. Isto, devido a denúncias e pressões de representantes das comunidades
juntos com os Waimiri-Atroari. Este deslocamento continua, no trecho do rio Negro, acima da foz do
rio Unini, podendo trazer conflitos aos pescadores destes locais. Os outros locais de “livre acesso”
como os tributários no entorno do Parque Nacional de Anavilhanas não possuem estoques
pesqueiros suficientes. Esta estratégia depende das reedições dos instrumentos de pesca, como no
aguardo da decisão sobre o acordo de pesca do rio Jauaperi e do decreto “rio Negro”. O escoamento
desta produção pesqueira acontece mediante comercialização direta ou com atravessadores para os
mercados de Manacapuru ou Manaus. Pescadores com menor poder de mobilidade, como os
“rabeteiros” pescam nas proximidades de seus locais e conseqüentemente em algumas das áreas
protegidas.
Tentativas de acordos de pesca para reconhecimento de direitos de acesso e uso nos
limites do Mosaico de Áreas Protegidas
Esta estratégia envolve grupos distintos de pescadores: os pescadores comerciais que
buscam desenvolver parcerias com pescadores locais para terem acesso e uso dos espaços nos
interstícios do Mosaico; os pescadores comerciais “rabeteiros” que buscam o reconhecimento e uma
permissão de pesca em locais restritos, sobretudo no Parque Nacional de Anavilhanas; e na
perspectiva de pescadores locais, que podem vir a abastecer pescadores comerciais, negociar a
pesca com rabeteiros externo, ou vender o seu pescado para atravessadores.
Neste sentido, ressalta-se a atuação dos pescadores ligados a APNA pela sua participação e
proposição dos acordos de pesca, como por exemplo, com as parcerias realizadas com a AMORU.
Outro indicativo é a solicitação da criação do grupo de trabalho de pesca no conselho consultivo de
Anavilhanas, para oficializar um compromisso formal que autorize a pesca em locais dentro dos
limites do Parque e na região do Baipendi, onde existe uma dúvida dos limites oficiais.
A princípio não foi encontrado um instrumento jurídico que possa atender a demanda de pesca
dentro da Unidade de Conservação. Esta solicitação foi realizada pelo fato do Parque Nacional de
Anavilhanas envolver no seu entorno o município de Novo Airão e cinqüenta e três comunidades. A
pesca de subsistência é “tolerada” com apetrechos e quantidades “pré-acordados” entre órgão
gestores e pescadores. Mas, alguns pescadores questionam esta “tolerância” pelo fato de ser instável
e estar relacionado ao bom senso dos fiscais nas abordagens de rotina da atividade de comando e
controle. Além do mais, a possível mudança de gestores, também pode não considerar estes
acordos, tornando-o instável e momentâneo.
A falta de um ponto de desembarque de pesca, também tem sido apontada para os mais
variados grupos de pescadores como causa de “descontrole” da pesca no Mosaico. Isto é apontado
pela ausência de uma política municipal de pesca, o qual também se espera, um apoio para o
beneficiamento do pescado com forma de agregar valor.
A atual gestão de Anavilhanas buscou uma mediação com os indígenas Waimiri Atroari para
uma possível negociação para acessar a ilha do Jacaré, limite norte de Anavilhanas. Mas, apesar da
ocupação recente pelos indígenas, existem registros imemoriais e legais de sua presença apontados
em documentos da SPI (Serviço de Proteção dos Índios) que antecede a FUNAI (Fundação Nacional
do Índio). A falta desta perspectiva, fez com que organizações da sociedade civil, como a APNA e
entidades de turismo, buscassem o Ministério Público.
Os moradores residentes dentro do Parque Nacional do Jaú questionaram a decisão de
estarem autorizados a levar consigo apenas 3 kg de peixe, insuficiente para o sustento familiar,
quando estes se deslocam para a cidade. Além do mais, a legislação estabelece que nos períodos de
defeso, por exemplo, a cota de pesca de subsistência é de até 10 kg pessoa, isto se deve pelo fato
do Amazônia possuir um dos maiores consumos per capita de pescado do mundo, ou seja, faz parte
da alimentação de acesso a fonte protéica, baseado nos “modos de vida”.
Outra “instabilidade” envolve o limite norte do Parque Nacional do Jaú, que atravessa até a
margem esquerda do rio Unini, ou seja, legalmente impede que a pesca com qualquer fim comercial
possa ser realizada pelas comunidades residentes na RESEX do Rio Unini.
De um modo geral, estes grupos e estas estratégias, poderiam ser uma forma evolutiva que
interconecte as instituições informais dos pescadores juntamente com as instituições de pesca e da
gestão das UC’s. Estes pescadores são os que mais defendem uso sustentável dos estoques
pesqueiros, seja nas reuniões, entrevistas, ou como pode ser visto nos documentos e atas das
oficinas sobre o uso adequados dos recursos naturais, diagnósticos realizados pelas organizações
locais e dos Corredores Ecológicos. Por outro lado, existe uma ausência de gestores públicos ligados
a pesca no município, e pela gestão das UC’s estar com sobrecarga de funções, ou por priorizarem a
atuação em outras atividades que fazem parte dos objetivos da unidade, como exemplo, ordenar as
atividades crescentes do turismo na região.
Resistência na clandestinidade com pescarias em áreas interditadas
A dinâmica socioambiental do MBRN tem apontado ou sugerido que os pescadores artesanais
dos quais estão os moradores de comunidades ribeirinhas e da cidade tem como principal estratégia
a realização da pesca na clandestinidade. Para os pescadores de comunidades ribeirinhas e
indígenas, a pesca está inserida em um manejo integrado com outras formas de agroextrativismo e
caça. Mas, ao realizarem a troca do excedente ou comercializarem o pescado para atravessadores
ou diretamente na cidade, tornam-se “clandestinos”.
Isto se deve, por exemplo, dentro do Parque Nacional de Anavilhanas, que forma um
complexo de aproximadamente quatrocentas ilhas que incluem lagos, paranãs, igapós entre outros
ambientes de pesca no entorno direto habitado. Para muitos pescadores, o não reconhecimento
formal e falta de um instrumento legal, faz com que pesquem clandestinamente em locais próximos
da cidade ou das comunidades. Nas proximidades da comunidade, a pesca realiza-se em
sobreposição de propriedades, coletiva e estatal. Pela dimensão territorial e prioridades de gestão,
esta pesca é tolerada, mas quando existe o deslocamento para a venda, pequenos pescadores
rabeteiros podem vir a ser abordados em rotinas de fiscalização, trazendo “temor” aos pescadores.
A maior parte dos pescadores que vivem na clandestinidade é de subsistência e utilizam
canoas, e os com interesse de venda, formam os “rabeteiros”. O produto é comercializado em
pequena escala e abaste Novo Airão, em quantidade de até 300 kg de pescado e vendido a cinco
reais o quilo. A atividade é de baixo investimento, pode representar viagens diárias ou de dois ou três
dias, em intervalos semanais. É também este grupo que busca o acesso a política do seguro defeso.
E, portanto, forma a situação da maioria dos pescadores do baixo rio Negro.
Se por um lado a estratégia de viver em clandestinidade permite acessar os ambientes de
pesca, o acesso alimentar, recursos financeiros de venda de pequena escala e o acesso ao benefício
de “seguro defeso”, a clandestinidade não permite uma co-gestão destes locais, com participação e
regulação do Estado. Ou seja, a clandestinidade acontece dentro dos espaços interditados, como
uma mistura de propriedade de “livre acesso” (ausência de propriedade), de propriedade coletiva e
estatal. Quando em comunidades, a propriedade coletiva é soberana, e quando se aproximam
pescadores externos, acontece negociação com usuários da comunidade, seja por levar em
consideração o parentesco, a amizade, ou pelo fato deste pescador ser um antigo morador da
localidade. Porém, quando os locais estão próximos ao município, a regra do respeito de quem
chegar primeiro prevalece. Isto também pode ser visto no trabalho realizado por Sobreiro (2007) no
médio rio Negro.
Territórios fluídos: algumas considerações
Durante as negociações dos acordos de pesca, prevaleceram os interesses das comunidades
residentes demonstrando uma coerção a um território de propriedades coletivas, onde cada
comunidade define claramente os limites de seu território de pesca. A conservação dos estoques para
uso local foi o principal motivador para as comunidades locais. Este interesse se associa a um
processo educativo ambiental e de organização social, pois, nos momentos de discussões e
encaminhamentos é considerada a intersecção das normais legislativas da pesca e os anseios e
realidades comunitárias. Se nos acordos acontece a abertura para a exploração comercial, existem
ressalvas e preocupações das comunidades, pois neste momento o acesso se torna livre, mesmo
que o acordo presume a co-gestão de responsabilidade entre governo e organizações locais. Isto
está claro, pois existe a falta de preparo principalmente governamental para o monitoramento
(CASTRO e MACGRATH, 2001). No caso do rio Jauaperi, assim como aconteceu no rio Unini, as
comunidades solicitam uma RESEX, para que a co-gestão entre comunidades e governo possa se
efetivar evitando o acesso livre.
Porém, a falta de conectividade entre os instrumentos de gestão, provou uma instabilidade
territorial, pois “fechando” um local, exerceu pressão em outros. Os maiores interessados da gestão
pesqueira são os pescadores artesanais de baixa escala, pois são numerosos e utilizam muitas
unidades de manejo sobrepondo acessos livres, de propriedade coletiva e estatal. Estes pescadores
têm apontado aos órgãos gestores e outras instituições os impactos de atividades predatórias como a
retirada de areia e atividade madeireira. Ambas as atividade causam impactos negativos na pesca,
pois, muitas espécies de árvores são fonte de alimentos para os peixes nos igapós, na cheia do rio.
Também, apontam que as UC’s de proteção integral protegem os recursos impedindo a vinda de
pescadores externos.
O não reconhecimento da pesca e a conseqüente clandestinidade como estratégia de
sobrevivência de um modo de vida e uma segurança alimentar não permite obter informações mais
amplas sobre o território, sobre os sucessos e problemas, que a pesca pode vir a apresentar, pois
formam parte de uma rede de “segredos”. O que pode vir a ser positivo por um lado, mas negativo
por outro.
Assim, torna-se fundamental para a região do Mosaico e seus interstícios, a formação de uma
estratégia de gestão que unifique gestores e entidades de pesca, para que possam opinar
simultaneamente sobre as ações de ordenamento da pesca em andamento da região: o “decreto rio
Negro”, os “acordos de pesca” e as áreas de uso dentro e nos interstícios das UC’s. Desta maneira a
paisagem social e ecológica pode ser analisada como proposto por Castro (2004). Este espaço, que
poderá ser o conselho do Mosaico, está se desenhando, mas para isto é necessário que a curto e
médio prazo, a categoria de pescador possa ser valorizada e reconhecida, pois estão presentes em
todas as áreas protegidas, transitam em todo o território. A pesca faz parte da identidade das
populações residentes pelo qual mantém conhecimentos tradicionais, de “ecologia nativa” e a história
e cultura de forma mais ampla.
Notou-se que, pescadores artesanais se mobilizaram em conservar os ambientes de pesca e
os estoques pesqueiros, e mostraram uma eficiente ação coletiva para contornarem esta situação.
Mas, o não reconhecimento e a falta de valorização trazem atualmente uma falta de perspectiva,
levando os pescadores, a terem na clandestinidade como estratégia necessária de sobreviverem
fisicamente e culturalmente. Existem poucas informações sobre pesca e pescadores nesta região e
produzi-las só é possível, dentro de uma perspectiva e de forma participativa. O MBRN torna-se um
espaço privilegiado, pois abraça um território composto por relações entre áreas protegidas e
propriedades coletivas, como uma nova identidade territorial e formas criativas e eficientes de gestão
inclusiva e participativa para além do comando e controle.
Agradecimentos
Agradecimentos especiais as lideranças de pesca da APNA e Colônia dos Pescadores AM – 34 pelas
inúmeras conversas e considerações, a equipe do IPÊ pelos apoios, colegas das instituições
parceiras, como as outras organizações sociais e de órgãos ambientais ligado ao governo estadual e
federal. Todos têm em comum este desafio.
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i A ESEC foi recategorizada com Parque Nacional em final de 2008. Neste texto é referenciado ESEC quando o período corresponde antes deste ano e
PARNA quando é citado depois de 2008. ii Na ocasião a Maquira – RONA (Maquira significa rede em neenghatu e RONA, rede de organizações de Novo Airão) agregava a APNA, o STRNA
(Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Novo Airão), a AANA (Associação dos Artesão de Novo Airão), a AMORU e as Associações de Produtores Agrícolas das comunidades de Bom Jesus do Puduari e Aracari. Tinha o apoio da FVA.
iii Resume de informações contidas em Durigan et al. (2004) e os planos de manejo da ESEC de Anavilhanas e dos Parques Estaduais do Rio Negro Setor
Norte e Sul.