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    TERRITRIOS, RURALIDADE E DESENVOLVIMENTO1

    Valria Villa Verde2

    O sonho centelha que salta do desejo e atravs dela que vou

    acender as fogueiras atravs das quais o rosto do mundo se ilumina.

    O sonho, levado aos ombros da realidade, que o simboliza, o

    projeto profundo do homem e a teleologia da histria.

    O sonho, vivido, enraizado no real, que o suporta, vai ser a matriz da

    utopia, o eixo de grandes transformaes que fazem a grandeza do

    processo civilizatrio (PELLEGRINO, 1987).

    APRESENTAO

    O presente texto traz uma reflexo sobre territrios, o rural no territrio e o

    papel dessas categorias no desenvolvimento.

    O texto ser apresentado em quatro sees. Na primeira seo procurodestacar alguns pontos do debate sobre territrio e de como essa dimenso analtica

    tem a ver tambm com o mundo rural. O espao rural discutido na segunda seo,

    e a terceira contempla uma anlise que relaciona territrio, ruralidade e

    desenvolvimento. A quarta seo contm uma proposta para o reconhecimento de

    1Esse texto no seria possvel na ausncia do Ncleo de Estudos em DesenvolvimentoRural espao privilegiado de reflexo e convivncia. Impossvel tambm, se no houvesse Dicles,Neda, Marisa e eu, nos debruado sobre o tema do papel do rural na sociedade brasileiracontempornea, em leituras e discusses apaixonadas. Agradeo especialmente Lenita e Lucrcia,colegas de trabalho, que me apoiaram na organizao dos dados e no geoprocessamento.

    Finalmente, quero deixar registrado que este texto foi submetido a uma discusso tcnicaem junho de 2004, tendo por debatedoras ngela Damasceno (UFPR), Rosa Moura e Liana Carleial(Ipardes). A elas agradeo por terem assumido prontamente mais esse compromisso e por todas ascontribuies sugeridas. A essas pessoas registro ainda o meu mais sincero apreo intelectual e

    afetivo. Obviamente esto isentas de responsabilidade pelo texto final.

    2Sociloga, mestre em Histria Social. Tcnica do Ipardes.

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    espaos rurais no Estado do Paran. Para finalizar, defende-se a pertinncia do

    conceito de territrio enquanto recorte analtico e operacional para o planejamento

    de aes, pblicas e/ou privadas, direcionadas ao desenvolvimento.O texto sustenta que o recorte analtico espacial, conferido pelo territrio, ,

    para alm do modismo e da orientao das agncias internacionais de

    financiamento de programas e projetos, passvel de ser um instrumento da

    promoo do desenvolvimento, dando-lhe operacionalidade e efetividade. Mais

    ainda, ancora-se na percepo de que o espao rural parte desse contexto e deve

    ser inserido no planejamento do desenvolvimento territorial no como mero

    coadjuvante, mas como parte integrante em muitos casos, predominante.

    Faz-se a defesa do desenvolvimento, no seu sentido preciso, ou seja,

    mais do que crescimento econmico e pressupe cidadania, o que implica trazer

    para a anlise o territrio o espao onde o diverso e o conflitante so a prpria

    condio do desenvolvimento conquistado.

    A partir de uma reflexo sobre territrios, este texto tem tambm o objetivo

    de lanar um olhar sobre o Estado do Paran, tentando avanar na direo de uma

    definio de rural alm do agrrio. Os pressupostos tericos devem validar critrios

    mnimos que identifiquem o espao rural, buscando-se, mais do que constatar,

    interpretar o espao rural enquanto elemento intrnseco ao desenvolvimento.

    NOTAS SOBRE UM DEBATE

    O Brasil assistiu, a partir dos anos de 1990, ao que se poderia chamar de

    uma "redescoberta" do rural enquanto categoria de anlise passvel de intervenes

    e interpretaes. O debate sobre o tema reacendeu velhas discusses e trouxe

    novos parmetros para se pensar as antigas e as novas questes do rural.

    Dentre as anlises, pode-se dizer que a dimenso territorial do rural

    tomou propores significativas. Para entender em que conjuntura isso ocorreu,

    volte-se ao rural.

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    Mas por que "redescoberta" do rural? No Brasil, o rural emerge no de um

    fato isolado, mas sim de uma conjuntura economicamente recessiva e do acirramento

    das lutas sociais3. Internacionalmente, a reordenao jurdica, econmica e social

    posta em curso para a criao da Unio Europia constituiu um frum privilegiado de

    anlises e de propostas de desenvolvimento. De um modo geral, pode-se dizer que o

    rural ganha visibilidade no contexto de crise do modelo produtivista.

    A reflexo sobre o desenvolvimento, de uma maneira ou de outra, foi

    permeada pela questo da escala global, nacional, regional, local. Esse olhar

    sobre o desenvolvimento acabou por mostrar a existncia de uma economia de base

    agrcola dinmica concomitante percepo de uma diversificao nas funes do

    espao rural4.

    No que tange ao mundo rural, outros fatores vo se somar contribuindo

    para que as pequenas localidades, identificadas com o modo de vida rural, venham

    a ser valorizadas, como, por exemplo, artigo de consumo: a paisagem como alento.

    A varivel ambiental ganha importncia crescente. A busca de alternativas

    menos agressivas, em termos ambientais, de crescimento econmico e a construo

    do conceito de desenvolvimento sustentvel5 acabaram por lanar um olhar para

    3Nos anos de 1990, com o fim da ditadura militar, a sociedade se mobiliza a partir da lentae gradual redemocratizao brasileira iniciada nos anos de 1980. No campo, a luta pela terra seacirra, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) criado em 1984 (Cascavel-PR) e a

    resposta esse movimento vem com a Unio Democrtica Ruralista UDR, no ano seguinte. de1985 o Plano Nacional de Reforma Agrria. Porm, na dcada seguinte que o MST ir enfrentarmais abertamente a ordem estabelecida atravs de ocupaes rurais, pagando pela "ousadia": em1995 h o massacre de Corumbiara (RO), com um saldo de 9 mortos, e em 1996 registra-se omassacre de Eldorado dos Carajs (PA), com 19 mortos.

    4Refiro-me a espao rural porque no se trata mais da exclusividade da atividadeagropecuria.

    5"O desenvolvimento sustentvel um processo de transformao no qual a exploraodos recursos, a direo dos investimentos, a orientao do desenvolvimento tecnolgico e a mudana

    institucional se harmonizam e reforam o potencial presente e futuro, a fim de atender snecessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as geraes futuras atenderem ssuas prprias necessidades." (COMISSO, 1988, p.46).

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    experincias que pudessem ser modelos alternativos de produo, consumo e

    qualidade de vida.

    Paralelamente, a economia agrcola, particularmente a norte-americana,

    detentora de uma tecnologia cada vez mais sofisticada, intensifica a produo e

    introduz importantes modificaes na organizao do trabalho. Do ponto de vista

    terico, o que acontece na economia agrcola norte-americana apresenta

    rebatimentos que se fazem presentes, particularmente quanto aos conceitos de part-

    timee pluriatividade (SCHNEIDER, 2003). So conceitos que, apesar de terem sido

    elaborados em outro momento, tornam-se centrais na definio de territrio,

    baseada na interpretao das atividades rurais e seus desdobramentos.

    A observao e anlise do rural migram do enfoque puramente setorial

    para o territorial. E no por acaso que essas categorias de anlise estaro,

    recorrentemente, sendo objeto de consideraes tericas. O territrio assume um

    papel crescente como recurso analtico e como unidade de planejamento e

    interveno, substituindo, gradativamente, a regio.6

    O movimento que o capital engendra, respaldado por uma tecnologia de

    informao e comunicao nunca vista antes, coloca de maneira avassaladora o

    global. Para o capital no h fronteiras fsicas, e as fronteiras polticas, depois da

    queda do muro de Berlim, nunca mais foram s mesmas. Porm, em um aparente

    paradoxo, nesse contexto que o espao local7ganha destaque.

    6Em geral, na definio da regio o grau de arbitrariedade maior do que na de territrio.De qualquer forma, algum nvel de arbitrariedade ser exgido quando definido um objetivo. Naprtica, a diferena qualitativa se dar quando o espao for reconhecido na sua totalidade (SANTOS,1999b).

    7Neste texto, as reflexes sobre desenvolvimento feitas a partir da dimenso local foramtomadas como vlidas para a discusso da dimenso territorial. Trabalha-se tambm com a hiptesede um territrio abrigar mais de um local. Isso acontece quando se quer dar destaque a uma atividade

    ou a um grupo social em particular. perceptvel nos textos que tratam de desenvolvimento local queesse recorte analtico elstico: ora refere-se a um conjunto de municpios, ora utilizado comosinnimo de municpio.

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    Ante esse movimento complexo, o local recorte espacial de mdia e

    pequena dimenso que apresenta um padro de desenvolvimento coloca-se em

    evidncia. No se deve esquecer que o local ganha destaque no contexto de ineficcia

    das polticas macroeconmicas e de desregulamentao em que certos espaos,

    dentro dos pases, tiveram uma insero e um crescimento distintos de outros.

    A escala territorial passa para o primeiro plano, em que o espao local,

    encontra fervorosos defensores e detratores, porque, como bem colocou Vainer

    (2002), "Do ponto de vista do pensamento social e poltico, desde o grande debate

    que antecedeu e acompanhou a I Guerra Mundial, a questo da escala de ao

    nunca se havia colocado com tanta centralidade".

    Em meio s transformaes em curso um fato torna-se evidente: a profecia

    do inevitvel fim do mundo rural no se cumpriu. O que se viu foi que o rural ganhou

    outras conotaes, outros papis (MARTINS, 2000; JOLLIVET, 1998).

    O enfoque territorial permite pensar o desenvolvimento para alm dos

    centros urbanos, onde os pequenos municpios so estrelas de uma constelao.

    Procurar entender as motivaes e os processos que levaram a essa perspectiva

    analtica poder refletir sobre o futuro, seja ele nas aglomeraes urbanas, seja no

    espao rural.

    A dimenso territorial, tomada como referncia para alternativas

    socioeconmicas, tem sido considerada em vrias instncias polticas e

    institucionais. Mas ser que est claro que "Escolher uma escala tambm, quase

    sempre, escolher um determinado sujeito, tanto quanto um determinado modo e

    campo de confrontao" (VAINER, 2002).

    O territrio, seja ele qual for, no uma entidade que paira independente

    sobre a sociedade, mas um espao em que as relaes sociais so conferidas

    historicamente.

    Nesse sentido, deve-se levar em conta que no existe neutralidade no

    emprego da categoria territrio. Este, visto como o espao da concertao e da

    harmonia, passou a ser a alternativa neoliberal na utilizao de categorias analticas

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    que se contrapem s categorias marxistas, especialmente aquelas relativas ao

    conflito capital/trabalho8. Mais ainda, no so poucos os autores que fazem a

    apologia da categoria territrio, como a instncia capaz de se superpor aos Estados

    Nacionais9 entendendo isso como "virtude".

    Essa idia de territrio usado (...) pode ser mais adequada noo de um territrio emmudana, de um territrio em processo. Se o tomarmos a partir de seu contedo, umaforma-contedo, o territrio tem de ser visto como algo que est em processo. E ele muito importante, ele o quadro de vida de todos ns, na sua dimenso global, na suadimenso nacional, nas suas dimenses intermedirias e na sua dimenso local. Porconseguinte, o territrio que constitui o trao de unio entre o passado e o futuroimediatos (SANTOS, 1999b).

    A idia de territrio contida nessa passagem permeia todo o texto

    apresentado. O ponto motivador desse texto justamente compreender o papel do

    rural no territrio e na sociedade contempornea, particularmente a paranaense.

    Essas notas sobre alguns dos elementos presentes na discusso do

    territrio, mesmo sendo parciais, abrem a possibilidade de avanar terica e

    metodologicamente na compreenso do rural, este inserido em uma economia

    globalizada10.

    Nesse sentido, buscou-se dimensionar o rural tendo em vista sua

    participao no(s) territrio(s) e no desenvolvimento.

    8As anlises de Brando (2003) e Oliveira (2001) mostram os limites e as contradiescontidas no debate do desenvolvimento local.

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    Brando chama a ateno para o fato de que "A crescente internacionalizao doscircuitos econmicos, financeiros e tecnolgicos do capital mundializado, de um modo geral, debilitaos centros nacionais de deciso e comando sobre os destinos de qualquer espao nacional. No casoespecfico dos pases continentais, desiguais e com marcantes heterogeneidades estruturais(produtivas, sociais, regionais), como o Brasil, esta situao se revela ainda mais dramtica,ensejando um processo de agudizao das marcas do subdesenvolvimento desigual, excludente esegregador" (BRANDO, 2003).

    10Uma economia a procura de territrios racionais, conforme a anlise de Santos (1999b)."A racionalidade, nesse fim de sculo, chega ao territrio; ou seja, ela no apenas uma categoria dasociedade, da economia, da poltica. O prprio territrio, em certos lugares, acaba por tornar-seracional. Racional dessa racionalidade sem razo. Haveria uma produtividade espacial. Dentro de um

    certo tipo de economia hegemnica h espaos que so mais produtivos do que outros, e assim ter-se-ia que medir, ou ao menos considerar, produtividades espaciais diferentes segundo os lugares, oque tornaria possveis participaes diferentes no processo global".

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    O RURAL MAIS DO QUE AGRRIO

    O rural agrrio reconhecido porque l se encontra, cristalizada, uma

    produo especfica, setorialmente identificada. No esse rural palpvel que nos

    convoca a uma reflexo, mas sim o rural que ultrapassa a fronteira agrria tradicional.

    Esse "outro rural" apia-se na noo de territorialidade. O territrio dar a

    sustentao para a discusso do desenvolvimento rural. Mas a impropriedade de se

    aplicar, mecanicamente, conceitos e critrios formulados muitas vezes fora do

    contexto nacional apontam para a necessidade de conhecer o alcance de certas

    definies que auxiliam na identificao dos espaos rurais.

    Entende-se que o rural alm do agrrio, ou seja, da economia agrcola,

    envolve quatro dimenses essenciais para sua compreenso: uma espacial; uma

    ambiental; uma demogrfica; e uma cultural11. Cada uma dessas dimenses

    comporta anlises que ultrapassariam os limites desse artigo. Prope-se, ento,

    destacar aqueles aspectos que nortearo a seleo das variveis e da anlise dos

    espaos rurais.

    Cabe, primeiramente, destacar a reciprocidade entre as dimenses

    espacial, ambiental, demogrfica e cultural. Essa condio exige serem elas

    apreendidas na sua inter-relao, uma vez que atuam combinadas. Em seguida,

    deixa-se claro que o espao compreendido no tempo porque este lhe d sentido.

    "Por tempo, vamos entender grosseiramente o transcurso, a sucesso dos eventos e

    sua trama. Por espao, vamos entender o meio, o lugar material da possibilidade

    dos eventos" (SANTOS, 1993).

    11Neste texto, a dimenso econmica, essencial na compreenso dos espaos rurais, no

    foi destacada na anlise porque a natureza da discusso que se pretende fazer levou a que sepriorizassem as demais dimenses. No entanto, a varivel econmica ocupao ser utilizadaquando for discutido o espao rural no Paran.

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    Para o que est sendo proposto reconhecer os espaos rurais no tempo

    globalizado interessa-nos destacar alguns conceitos elaborados, particularmente,

    pela sociologia e por tericos do desenvolvimento.

    Nesse sentido, um ponto de partida a discusso, no Brasil, acerca das

    abordagens adotadas no estudo da relao rural-urbano. A noo de espao rural

    refere-se a uma dinmica socioeconmica especfica que acontece em determinado

    local e que, evidentemente, contrape-se ao urbano.

    Para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), a definio de

    rural deriva de permetro urbano. Assim, o que estiver fora da sede urbana rural.

    Por sua vez, o permetro urbano definido pelo municpio, por meio de sua Cmara,

    atendendo, portanto, a critrios polticos e econmicos do local.

    Entende-se que a principal conseqncia desse alargamento das reas

    urbanas dos municpios est em encobrir uma realidade rural. Isso porque os espaos

    urbanos das pequenas e mdias cidades podem ser entendidos como rurais na

    medida em que admitimos que "ela [a cidade] fornece a presidncia das atividades

    tcnicas do mundo rural e, inclusive, uma parcela da atividade intelectual das cidades

    mdias que depende diretamente de uma demanda rural (...)" (SANTOS, 1999b).

    Entre aqueles que discutem os conceitos de rural e urbano no Brasil e suas

    implicaes esto os que, seguindo a tendncia mundial, assumem a tese do

    continuumrural-urbano. Como representante dessa vertente possvel destacar, no

    Brasil, o grupo do Projeto Rurbano12. Esse grupo vem estudando as novas

    configuraes e implicaes econmicas do rural na sociedade contempornea.

    Na medida em que crescentemente vem ocorrendo uma industrializao da

    produo agropecuria, sobretudo com a intensificao da globalizao, os limites

    12O Projeto Rurbano coordenado por Clayton Campanhola e Jos Graziano da Silva.

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    entre rural e urbano tornam-se tnues13. Uma reintegrao do campo e da cidade

    estaria acontecendo pela transio dos complexos rurais para os complexos agro-

    industriais (SIQUEIRA; OSRIO, 2001).

    Essa vertente assume que a dicotomia entre rural e urbano no mais

    possvel quando da elaborao de um conceito. O rural e o urbano devem ser

    entendidos como um continuum, uma vez que: o rural se urbanizou devido ao

    desenvolvimento e aplicao de tcnicas industriais na agricultura; existiu um

    "transbordamento do urbano para o rural" em termos culturais; existe um processo de

    valorizao do apelo ambiental do rural pelos habitantes dos centros metropolitanos

    demandando e criando ocupaes consideradas urbanas no rural; existncia de um

    mercado de trabalho que possibilita famlia rural obter outras fontes de renda alm

    da agricultura; aponta, ainda, a existncia de um aumento real da renda rural,

    conseqncia da participao das rendas oriundas da atividade no-agrcola.

    A principal crtica feita a essa vertente de estudo do rural brasileiro ateve-

    se ao fato de que procura generalizar conceitos que no se aplicam realidade

    brasileira como um todo.14

    13"A dinmica do complexo rural era muito simples, determinada fundamentalmente pelasflutuaes do comrcio exterior. Havia geralmente apenas um produto de valor comercial em todo ocircuito produtivo: era o produto destinado ao mercado externo". Quando a cotao no mercado

    internacional do produto que servia como carro-chefe compensava, todos os recursos eramcanalizados para a sua produo. A unidade produtiva tambm produzia tudo o que era necessriopara sua manuteno. Quase no existia mercado interno, porque quase tudo era produzido dentrodo complexo rural. A primeira grande crise se deu com a suspenso do trfico negreiro em 1850.

    No ps-guerra inicia-se o processo de modernizao e industrializao da agriculturabrasileira que "envolve a substituio da economia natural por atividades agrcolas integradas indstria, a intensificao da diviso do trabalho e das trocas intersetoriais, a especializao daproduo agrcola e a substituio das exportaes pelo mercado interno como elemento central daalocao dos recursos produtivos no setor agropecurio" marcam o nascimento e instalao doscomplexos agroindustriais no Brasil" (KAGEYAMA, 1987, p.4).

    14O Projeto Rurbano apresenta uma adequao de suas teses iniciais que podem serconsultadas no texto de SILVA, 2000.

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    Nos ltimos anos, muitas objees foram levantadas contra a concepo

    dicotmica rural/urbano. Observa-se que entre o meio rural e o meio urbano existe

    uma multiplicidade de situaes: desde a habitao rural isolada at a grande

    cidade, existem inmeros escales intermedirios, que vo criando uma transio.

    A idia de continuum melhor percebida em espaos economicamente

    dinmicos e cujo epicentro geralmente constitui-se de reas com densidade

    demogrfica relevante. preciso trabalhar com o conceito de continuumde maneira

    cuidadosa, uma vez que, ainda hoje, existem espaos rurais no modernizados ou

    parcialmente modernizados e com pouco contato com reas urbanas.

    Defendendo a especificidade do rural, Wanderley (2001) entende o

    continuum rural-urbano como uma relao que aproxima e integra dois plos

    extremos. Nessa perspectiva, considera que as relaes entre o campo e a cidade

    no destroem as particularidades dos dois plos e, por conseguinte, no

    representam o fim do rural, mas, ao contrrio, revalorizam as representaes sociais

    do rural e do urbano. Estas "...reiteram diferenas significativas, que tm

    repercusso direta sobre as identidades sociais, os direitos e as posies sociais de

    indivduos e grupos, tanto no campo quanto na cidade".

    A idia de gradaes est presente tambm em Veiga (2003),

    Urbano e rural so idias territoriais, isto , de espaos apropriados pela espcie humana.Os territrios mais rurais so aqueles em que os ecossistemas esto menosartificializados; j os mais urbanos correspondem ao mximo de artificializaoecossistmica. Entre esses extremos h uma infinidade de situaes intermedirias, eambivalentes, que deixaram de ser redutveis simples dicotomia rural/urbano.

    A dimenso ambiental do rural dada por sua relao com a atividade

    agropecuria, com as reas de preservao e com a paisagem.

    Para Jollivet (1989), o tema meio ambiente, como "discurso social", surgiu

    recentemente. Nele pode-se incluir a referncia s paisagens e, de forma mais geral,

    o problema das relaes com a natureza, que constitui o prprio fundamento da

    questo do meio ambiente.

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    O meio ambiente, independentemente de uma poltica voltada para o rural

    ou o urbano, uma varivel que estabelece a maior ou menor qualidade de vida,

    determinando, em ltima instncia, a prpria sobrevivncia das futuras geraes.

    Do ponto de vista conservacionista, no espao rural, o meio ambiente

    relaciona-se diretamente com a produo, e esta exige uma explorao criteriosa.

    De maneira complementar, o meio ambiente passa a ser apreendido tambm como

    paisagem, proporcionando alternativas para as reas com baixa aptido produtiva,

    mas, com potencial para o comrcio e/ou servios exigidos pelo turismo rural e de

    aventura, por exemplo. Essa percepo de consumo da natureza remete ao aspecto

    patrimonial implcito no meio ambiente, o que implica uma legislao e poltica

    pblica que d conta dessa particularidade.

    A dimenso ambiental participa na definio dos espaos rurais por meio

    das especificidades da produo agropecuria (e isso no constitui novidade) e,

    tambm, por meio das novas funes que o espao rural oferece a partir,

    justamente, do ambiente, como as reservas ecolgicas e as ocupaes no

    agrcolas (isso constitui novidade).

    A varivel populao fundamental na discusso do rural, na medida em

    que os "vazios" so um fenmeno palpvel para qualquer comparao entre os

    espaos urbanos e os espaos rurais. Assim, entre as anlises do rural, as variveis

    populacionais, como nmero total de habitantes e densidade demogrfica, esto

    presentes. Isso se explica pela natureza da atividade produtiva no meio rural.

    O tamanho da populao de um municpio um indicador utilizado para

    separar o urbano do rural. Pode-se dizer que h um certo entendimento entre

    pesquisadores em considerar rurais os municpios com menos de 20 mil habitantes.

    Mas adotar apenas esse critrio no suficiente, pois levaria ao erro de se

    considerarem rurais municpios com at 20 mil habitantes, mas densamente

    povoados, como o caso de muitos municpios em reas metropolitanas. Essa

    situao coloca a densidade demogrfica como varivel importante na definio dosespaos rurais.

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    Os parmetros de densidade demogrfica utilizados nos diversos pases e

    organizaes internacionais so os mais variados (ABRAMOVAY, 2000).

    Compreende-se a heterogeneidade do critrio dada a multiplicidade de situaes

    existentes. O desafio chegar a critrios que possam, de fato, revelar o quanto a

    varivel populao ajuda a entender e definir o espao rural.

    No caso do Brasil, o fato de a definio oficial de rea urbana e rea rural

    no considerar o critrio de densidade demogrfica tem levado a distores

    significativas. Veiga (2002) tem chamado a ateno para a impropriedade da definio

    de urbano e rural utilizada nos Censos Demogrficos (IBGE), destacando que 70%

    dos municpios brasileiros apresentam densidades demogrficas inferiores a 40

    habitantes por km, enquanto o parmetro da OCDE considera uma localidade como

    urbana a partir de 150 habitantes por km. Por esse critrio, apenas 411 municpios

    dos 5.507 municpios brasileiros existentes em 2000 seriam considerados urbanos.

    A dimenso demogrfica deve ser considerada no reconhecimento dos

    espaos rurais, pois ela reflete uma realidade particular cuja determinao se

    encontra na natureza das atividades, na cultura e, fundamentalmente, na relao

    diferenciada com a natureza. Segundo Eli da Veiga (2002),

    Nada pode ser mais rural do que as escassas reas de natureza intocada, e no existemecossistemas mais alterados pela ao humana do que as manchas ocupadas pormegalpoles. por isso que se considera a "presso antrpica" como o melhor indicadordo grau de artificializao dos ecossistemas e, portanto, do efetivo grau de urbanizaodos territrios.

    A partir de uma anlise do Censo Demogrfico 2000, o autor prope que seconsidere municpio de pequeno porte, ou seja, rural, aquele que tem simultaneamente

    menos de 50 mil habitantes e menos de 80 hab/km. Essa proposta tem o mrito de

    permitir uma observao do espao rural de maneira mais abrangente. No entanto, este

    trabalho adotou como critrio municpios com menos de 20 mil habitantes por entender

    ser essa medida mais aderente realidade rural paranaense.

    Alm do aspecto quantitativo presente na varivel demogrfica, umavarivel qualitativa, a cultura, substantiva a populao. O aspecto cultural das

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    sociedades ou a dimenso simblica da vida cotidiana extremamente diversificada,

    a despeito dos meios de comunicao de massa e da globalizao. Cabe ento

    refletir sobre o conceito de cultura15 como noo presente objetivamente e

    subjetivamente nas manifestaes socioculturais.

    A cultura como elemento substantivo na definio de espaos tem sido

    evocada, mas no convocada. No uma varivel incorporada efetivamente, e isso

    provavelmente se deve impossibilidade de reduzi-la a um nmero. Sua

    contabilidade deve ser de outra ordem.

    Para a reflexo sobre o tema da cultura, deve-se considerar que em uma

    sociedade diferenciada como a nossa, (...) "A cultura ainda , essencialmente, um

    patrimnio coletivo, produzido pelo conjunto da sociedade, mas o acesso de grupos

    e classes sociais a esse patrimnio diferencial, assim como diferente a

    contribuio dos diversos segmentos para a construo dessa obra coletiva"

    (DURHAM, 1984).

    A cultura um conjunto de manifestaes produzidas a partir de diferentes

    segmentos sociais, sendo, portanto, manifestaes de classe (ou de segmento). A

    cultura , desse modo, o coletivo diverso. Esse coletivo, a sociedade, no seu

    cotidiano, desenvolve "um jeito" de viver. A vida cotidiana transcorre em um

    determinado espao/tempo. Esse espao de manifestaes significantes para a

    populao torna-se um territrio que abriga um patrimnio cultural.

    15Cultura(culture), na afirmao sinttica de R. Firth, citado pela FGV (1986, p. 291): "Sese considera a sociedade um conjunto organizado de indivduos com um determinado modo de vida, acultura esse modo de vida. Se se considera a sociedade um agregado de relaes sociais, entocultura o contedo dessas relaes. A sociedade enfatiza o componente humano, o agregado depessoas e as relaes entre elas. A cultura enfatiza o componente de recursos acumulados, imateriais emateriais, que as pessoas herdam, empregam, transmutam, a que acrescentam alguma coisa e quetransmitem. Tendo substncia, embora ideacional apenas em parte, esse componente age como um

    regulador da ao, sob o aspecto do comportamento, cultura todo comportamento aprendido,adquirido socialmente. Inclui os efeitos residuais da ao social tambm, forosamente, um incentivo ao". (Elements of social organization. London: Watts, 1951. p.27).

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    Contudo, preciso lembrar que a construo da sociedade brasileira

    recente, e isso tem implicaes no pela ausncia de manifestaes culturais, mas

    sim por sua diversidade e disperso espacial. Essa complexidade manifesta-se na

    dificuldade que a sociedade tem de reconhecer-se como partcipe da cultura e at

    mesmo de identificar as manifestaes do seu cotidiano como cultura.

    Levando isso em conta, faz-se nececssrio identificar as "descontinuidades

    significativas"16para efeito do reconhecimento de uma comunidade particular.

    Embora o termo comunidade tenha sido empregado variadamente como

    sinnimo de sociedade, organizao social ou sistema social, muitos autores

    concordam que a comunidade tem um locusterritorial especfico de onde emerge a

    cultura. Esta amalgama a populao. A ciranda da vida se faz no tempo e no

    espao, e a relao do homem com esse lugar especfico cria o marco simblico da

    existncia humana.

    Deu-se destaque para os aspectos considerados relevantes das dimenses

    espacial, ambiental, demogrfica e cultural do rural, no sentido de serem tomadas como

    variveis que qualificam o territrio, tornando possvel uma interpretao.

    As dimenses do rural, quando tomadas como suporte para a definio de

    critrios, delineiam territrios ou, ao menos, permitem uma aproximao a estes. Os

    territrios devem ser submetidos a diagnsticos para que se possam criar as

    condies objetivas para as aes pblicas e privadas direcionadas ao

    desenvolvimento territorial. Essa idia remete-nos seo seguinte.

    16"Uma cultura um conjunto de padres de comportamento e para o comportamento,

    prevalente em um grupo de seres humanos em um perodo de tempo especificado e que, do ponto devista da pesquisa atual e da escala em que esta est sendo realizada, apresenta descontinuidadesntidas e passveis de observao em relao a outros conjuntos semelhantes". (FGV, 1986).

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    TERRITRIO, RURALIDADE E DESENVOLVIMENTO

    Diante do exposto, pode-se dizer que as diversidades espacial, ambiental,

    populacional e cultural so variveis constantes. Essa diversidade ganha forma e

    funo no espao-tempo (SANTOS, 1993 e 1999b), nascendo a os territrios.

    Os territrios operados como unidades de planejamento voltadas para a

    promoo do crescimento econmico e do desenvolvimento social reconhecem a

    diversidade como condio do desenvolvimento, libertando-se, talvez, da condio

    de refm de um modelo econmico necessariamente excludente. no marco da diversidade que se deve pensar o desenvolvimento.

    Reconhecendo que a heterogeneidade da sociedade, antes de ser um impedimento,

    deve ser o mote da alteridade17brasileira.

    O territrio est sujeito ao aparato poltico e jurdico, em que esto

    estabelecidas relaes de domnio distintas. Como sabido, a diviso poltica e

    administrativa do Estado Brasileiro est organizada nos nveis federal, estadual emunicipal. Esses nveis, legitimados pela esfera pblica, impem-se como o primeiro

    recorte territorial18. O conceito de territrio superpe-se a essa diviso, o que implica

    a necessidade de se conceber formas no convencionais de planejamento e gesto

    de programas e projetos.

    Essa exigncia nasce da constatao de que "a gesto do territrio, a

    regulao do territrio so cada vez menos possveis pelas instncias ditas polticase passam a ser exercidas pelas instncias econmicas" (SANTOS, 1999b).

    17Alteridade, segundo o Dicionrio Houaiss: 1. "Natureza ou condio do que outro, do que distinto; 2. Situao, estado ou qualidade que se constitui atravs de relaes de contraste, distino,

    diferena".

    18Passando por cima das etnias e culturas, como o caso das naes indgenas.

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    O territrio, como unidade de planejamento e gesto, um conceito novo.

    Novo no no seu recorte espacial as regies so, at hoje, o emprego concreto

    dessa concepo , mas sim na sua proposio de contar com a singularidade

    cultural de determinado lugar. Abramovay (2000) afirma que

    Na OCDE (...) a idia central que o territrio, mais que simples base fsica para asrelaes entre indivduos e empresas, possui um tecido social, uma organizao complexafeita por laos que vo muito alm de seus atributos naturais, dos custos de transportes ede comunicaes. Um territrio representa uma trama de relaes com razes histricas,configuraes polticas e identidades que desempenham um papel ainda pouco conhecidono prprio desenvolvimento econmico.

    Porm, no se pode perder de vista que a racionalidade parece deter odomnio do nosso tempo19. Mas na brecha que a prpria racionalidade cria, uma vez

    que o lugar onde realizada a reproduo material e simblica do homem diverso,

    coloca-se o desafio de reconhecer as especificidades do lugar para que se possa

    promover aes que levem ao desenvolvimento.

    As particularidades de um determinado territrio podem transformar-se em

    motes do desenvolvimento porque,Qualquer caminho perspectivo para o Brasil de discusso do desenvolvimentosocioeconmico e do avano poltico ter de ser o de resgatar a potncia virtuosa denossa diversidade. Ns sempre trabalhamos as heterogeneidades estruturais do pascomo problemas. uma idia equivocada. Ns sempre trabalhamos a nossa diversidade,a nossa desigualdade como grande empecilho. Poderamos trabalhar todas essasassimetrias como um campo interessante de diversidade de um pas continental muito ricoe complexo em todos os sentidos (BRANDO, 2003).

    Assume-se que a noo de territrio, tomada no como panacia, trs em si

    a possibilidade de considerar a desigualdade, seja ela econmica, seja cultural. Para

    tanto, preciso que a populao tenha um projeto. Para se chegar a isso o caminho

    rduo, porque ela precisa reconhecer-se como parte de um lugar em particular.

    Obviamente no se cria essa condio de uma hora para outra, mas podem-se utilizar

    19Ver nota 10.

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    as percepes e as manifestaes concretas da sociedade de um determinado lugar

    tomando o cuidado para no fazer da idia de participao uma injustia, esperando

    que as prprias pessoas ou grupos possam acima de suas carncias mais

    elementares, ainda pensarem em solues para a sua situao marginal20.

    Se h pretenso de estabelecer, de fato, uma concepo de planejamento

    e ao pblica baseada na ruptura de privilgios, em que o setor pblico estabelece

    as diretrizes para o desenvolvimento, criando as condies da incluso social;

    preciso concordar que,

    o enfrentamento terico e poltico destes modismos deve ser orientado por uma viso de

    que o subdesenvolvimento no passa com o tempo (sendo persistente), tende a seagravar com o tempo (tendo alta cumulatividade), se no for contraposto por foras deinterveno poderosas (tendo alta irreversibilidade). Mas, sobretudo, todos os localismosdevem ser enfrentados, por uma interpretao que reconhea que quando se fala emdesenvolvimento, no adequado sentido de "alargamento dos horizontes depossibilidades", se est falando necessariamente de suas duas faces: 1) aquela (maisatraente) prpria dos processos de se arranjar, montar, dar sentido, direo, coerncia stransformaes que uma sociedade quer armar e projetar para o futuro, dispondo decertos instrumentos eleitos para determinados fins; 2) aquela (menos sedutora) prpriados processos de se desmontar, desarranjar, importunar, constranger, frustrar

    expectativas e aes deletrias construo social (BRANDO, 2003).

    Para superar o modismo do desenvolvimento local e territorial, preciso

    aceitar o desafio de trabalhar com o que ainda no . Ou seja, trabalhar na ausncia

    de direitos sociais, de racionalidades espaciais, enfim, de oportunidades do ponto de

    vista do interesse da economia globalizada.

    20"(...) Por inmeros motivos econmicos e sociais, faz-se necessrio um crescenteinvestimento pblico em educao em sade, bem como o gerenciamento eficiente desseinvestimento. Tanto na Amrica Latina quanto em outras regies, o apoio do Estado essencial.Como afirma Midgley, "o argumento de que as comunidades locais podem organizar-se de modoespontneo para melhorar significativamente suas condies sociais e econmicas pouco provvel

    e no eqitativo. injusto esperar que setores carentes da comunidade abasteam-seindependentemente de toda forma de ajuda externa e pouco provvel que realmente possam faz-lo" (MIDGLEY, 1994 citado por KLIKSBERG, 1997).

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    Ao se ter claro que a categoria territrio possibilita intervenes que

    promovam o desenvolvimento, no sentido de eqidade e cidadania21, possvel

    superar o modismo "localista".

    A idia de territrio contribui para uma ao conseqente voltada para o

    desenvolvimento, mas preciso compreender o papel do rural no territrio,

    percebendo que "O espao local , por excelncia, o lugar da convergncia entre o

    rural e o urbano; um programa de desenvolvimento local no substitui o

    desenvolvimento rural, mas o incorpora como parte integrante" (WANDERLEY, 2001).

    Reconhecer que o mundo rural o repositrio de um modo de ser

    reconhecer que "(...) As populaes rurais, mais do que instrumentos da produo

    agrcola, so autoras e consumadoras de um modo de vida que tambm um

    poderoso referencial de compreenso das irracionalidades e contradies que h

    fora do mundo real" (MARTINS, 2000).

    O desafio da promoo do desenvolvimento no territrio deve levar em

    conta a totalidade da realidade. Essa totalidade significa contemplar o particular,porque esse o ponto: a realidade local mais ou menos rural subsiste,

    convivendo com os elementos do mundo globalizado.

    Quando estou falando de mundo rural, refiro-me a um universo socialmente integrado ao

    conjunto da sociedade brasileira e ao contexto atual das relaes internacionais. (...)

    considero que este mundo rural mantm particularidades histricas, sociais, culturais e

    ecolgicas, que o recortam como uma realidade prpria, da qual fazem parte, inclusive, as

    prprias formas de insero na sociedade que o engloba (WANDERLEY, 2001).

    21

    Francisco de Oliveira (2001) taxativo: "(...) a noo de desenvolvimento local, comoqualidade, ou ancora na cidadania, ou ento ser apenas sinnimo de uma certa acumulao debem-estar e qualidade de vida nos mbitos mais restritos".

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    O rural assim entendido deixa de ser o espao, por excelncia da produo

    agrcola. Alarga-se, envolvendo as pequenas e mdias cidades. O modo de ser rural

    se faz presente no campo e na cidade e passa a ser denominado ruralidade.O conceito de ruralidade est em construo e, por ser um conceito em

    construo, permite um emprego sintonizado com pressupostos do desenvolvimento.

    A ruralidade um conceito territorial que pressupe a homogeneidade dos territriosagregados sob essa categoria analtica, e isto naturalmente vale tambm para o conceitode urbano. Ainda que no contguos, os territrios rurais compartem, de fato, algumascaractersticas comuns que no entanto no foram definidas de maneira clara nem no queconcerne aos indicadores que devem ser utilizados, nem no que se refere ao limite que

    deveria distinguir o rural do urbano. Na maior parte dos casos, o que rural e o que urbano vem intuitivamente reconhecido e depois medido. Com freqncia tem-sesustentado que a diferena de natureza social e relativa ao modo como estodistribudas as populaes e as cidades no territrio, ou francamente cultural, tanto quenenhum rgo oficial empenhado nessa tarefa (Naes Unidas, OCDE, U.E., Escritriosde Estatstica) tem conseguido encontrar uma definio que satisfaa a todos, ainda quepor tempo limitado (SARACENO, 1996).

    Aceitar uma noo que est sendo construda impe precaues adicionais

    quando a aplicamos teoricamente e operacionalmente. A ruralidade, tal qual oterritrio, representa a oportunidade de incluir, ampliar, absorver o que tem se

    mantido fora, alargando horizontes, no naturalmente, mas dependentemente da

    deciso poltica de assim ser.

    INDO AO ENCONTRO DOS TERRITRIOS: O RURAL PARANAENSE

    Nesta seo, prope-se lanar um olhar sobre o Estado do Paran

    observando o ruralidade. Como o territrio conforma-se no tempo, sua dimenso

    histrica. No entanto, a diversidade econmica e social presente na sociedade

    paranaense levar ao reconhecimento de territrios construdos22, cujo processo

    22O que no quer dizer fossilizado.

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    histrico imprimiu uma marca, e territrios por construir, onde as identidades

    culturais encontram-se dispersas.

    No primeiro caso, os interesses da sociedade local podem ser percebidos

    mais claramente nas suas instituies econmicas, polticas e sociais. No segundo

    caso, o territrio abriga interesses difusos e momentneos; dessa forma, a

    sociedade local pode apresentar maior dificuldade em se identificar com um projeto

    territorial, no sentido de concertao. Nas duas situaes o sucesso do

    planejamento das aes depender da capacidade de se levar em conta as

    especificidades do territrio.

    O territrio, quando conformado historicamente, possui maior visibilidade.

    O que leva o planejamento pblico ou privado, e mesmo a sociedade como um todo,

    a reconhec-lo em suas particularidades. O territrio histrico, alm de legtimo,

    legitimado pela ao pblica quando o reconhece. Por outro lado, os espaos ainda

    por se fazerem territrios devem ser tambm objeto da ao pblica. Para tanto, o

    planejamento dever incentivar e fortalecer as manifestaes que o particularizam,

    mesmo que de forma incipiente.

    A cultura indissocivel de um sentimento de pertencimento

    (WANDERLEY, 2001). O agir humano cristaliza-se na identidade com o lugar em

    que vive criando uma relao com o territrio. O territrio permite recortes

    analticos, horizontais e verticais. Passando para o plano concreto, h situaes em

    que o territrio ultrapassa os limites estaduais, como seria o caso da criao

    (hipottica, porm muito interessante de ser pensada) de um Parque Nacional do

    Contestado. Nesse caso, o territrio o Contestado, fato histrico que estabelece

    um eixo socioeconmico e cultural horizontal, pois estabeleceria relaes entre mais

    de um ente administrativo (trs Estados e vrios municpios) unidos em um mesmo

    projeto. Outro exemplo o sudoeste do Paran, que, por sua economia, histria e

    cultura, se faz visvel e reconhecido pela sociedade.

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    Os consrcios municipais constituem exemplo de um planejamento para

    alm do municpio23, visando maior racionalidade de recursos humanos e financeiros

    no desenvolvimento de polticas pontuais. Delimitam claramente um espao segundo

    uma finalidade. Esse tipo de arranjo arbitrrio e no necessariamente abrange um

    territrio em sua totalidade.

    Tomando esses exemplos como referncia para o reconhecimento e ou

    construo dos territrios paranaenses, est-se admitindo duas situaes distintas: uma

    baseada em territrios histricos (reconhece-se o territrio e legitima-se-o para a ao

    pblica), e outra em que, na ausncia de uma condio histrica, criam-se territrios a

    partir de critrios preestabelecidos (construo de territrios para a ao pblica).

    Reconhecer e definir territrios exige uma aproximao cuidadosa, e, para

    tanto, deve-se partir de uma idia abrangente para, aos poucos, estabelecer

    recortes especficos, afinados com a compreenso terico-metodolgica delineada

    nas sees anteriores. Sem perder de vista que

    O pressuposto que a poltica local deve ser concebida como parte de uma estratgia

    transescalar e, portanto, est desafiada a definir objetivos ambiciosos, pois rejeitam ospressupostos de que no h opes a fazer, e realistas, pois reconhecem que a escalalocal no encerra em si seno parte dos desafios a serem enfrentados pela resistncia doprojeto neoliberal de reconfigurao escalar (VAINER, 2002).

    Em um pas desigual como o Brasil, interesses conflitantes permeiam toda

    a sociedade, independentemente da escala espacial ou do setor produtivo. No

    surpreende que o conflito aparea, tambm, no conceito de rural e de urbano. Nas

    pginas seguintes, faz-se uma incurso ao rural enquanto categoria espacial e

    cultural detentora de identidade prpria no territrio.

    23Deve-se levar em conta o fato de que, independentemente da natureza da poltica

    envolvida no pacto territorial, voltada para a promoo do desenvolvimento de mbito territorial ou local,o acordo ser feito entre municpios. Permanecendo a estrutura atual, a menor unidade de um territrioser o municpio em funo de sua natureza jurdica administrativa frente ao Estado brasileiro.

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    Mesmo j tendo sido apresentados os pressupostos dessa discusso,

    retomam-se alguns pontos analisados por Saraceno (1996), por serem capazes de

    estabelecer os marcos que norteiam os procedimentos metodolgicos:

    (...) no existe apenas um nico modo de ler as diferenciaes espaciais: regies oupases mais ou menos desenvolvidos, regies administrativas, mercados de trabalho,montanha e plancie, zonas homogneas, centro e periferia, e poder-se-ia continuar. Estasso alternativas possveis que no se excluem mutuamente. Em abstrato no se podedizer que uma melhor que a outra: o critrio de diferenciao que se modifica a cadavez e sua escolha depende dos objetivos perseguidos ou dos fenmenos analisados.

    Quando se discute o planejamento, o papel e a responsabilidade do setor

    pblico so compreender os nexos transescalares (VAINER, 2002), identificando as

    manifestaes criativas que o territrio abriga e que o diferenciam, para estabelecer

    estratgias que promovam o desenvolvimento. Polticas pblicas dirigidas ao rural

    devem levar em conta que

    (...) a ateno ao rural pode dar-se de dois modos muito distintos: de um lado, comopoltica para todas as zonas rurais de um mesmo pas, de outro como poltica para umarea rural especfica e integrada no interior das polticas regionais. Trata-se de umadiferena extremamente significativa, porque no primeiro caso no diferenciada,enquanto no segundo as especificidades locais conseguem emergir. Alm do mais,

    quando as polticas rurais so integradas s regionais no so quase nunca polticaspredominantemente de sustentao social, mas polticas de desenvolvimento integrado(SARACENO, 1996).

    Faz sentido pensar o rural no territrio quando se percebe que a sociedade

    paranaense reconhece determinados espaos como culturalmente diferenciados.

    Como exemplo, podem-se citar o litoral; o Vale do Ribeira; o caminho dos tropeiros;

    o sudoeste. Esse reconhecimento tem a ver com o processo de ocupao do

    territrio; tem a ver com sua histria.

    Se, por um lado, o reconhecimento dos aspectos histricos, sociais e

    polticos, que conformam o patrimnio cultural de um territrio, dependem de

    diagnsticos especficos24, por outro lado, podem-se estabelecer procedimentos de

    reconhecimento territorial anteriores ao do patrimnio cultural. possvel uma

    24Isso acontece ou torna-se impretervel na ausncia de informaes sistemticas quepermitem esse dimensionamento a partir de dados secundrios.

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    aproximao aos territrios a partir das estatsticas oficiais. Os dados permitem

    organizar o espao paranaense segundo os critrios definidos.

    Para dimensionar o rural paranaense sero utilizados os dados do Censo

    Demogrfico 2000 IBGE. O dados foram desagregados por municpio, e as

    variveis utilizadas foram populao e ocupao.

    Adotou-se como critrio para a definio dos espaos rurais municpios cuja

    populao total de at 20 mil habitantes. Esse corte tem sido utilizado por vrios

    organismos. No Brasil, o demgrafo George Martine (MARTINE; GARCIA, 1987, p. 59),

    entre outros, prope considerar como cidades as aglomeraes superiores a 20 mil

    habitantes. Entende-se que esse limite abrange e capta uma realidade essencialmente

    rural de um nmero expressivo de municpios paranaenses. Agrega-se ao critrio

    tamanho da populao o de densidade demogrfica. Nesse caso, adotou-se o critrio

    proposto por Eli da Veiga (2002) para definir municpios de pequeno porte. Essa medida

    conferida pela densidade demogrfica inferior a 80 habitantes por km.

    Complementarmente, adotou-se tambm como critrio a varivel populao

    economicamente ativa (PEA) ocupada na agropecuria e ocupaes industriais de base

    agrcola.

    Nesse estudo, foram excludas da anlise as aglomeraes urbanas, por

    entender-se que estas possuem uma dinmica particular. O rural das

    aglomeraes urbanas deve ser analisado por uma metodologia que possa captar

    as suas especificidades.

    O Paran tem sete aglomeraes (Cascavel, Curitiba, Foz do Iguau,

    Litoral, Londrina, Maring e Ponta Grossa), envolvendo 47 municpios e abrigando

    50,3% da populao (quadro 1 e mapa 1)25.

    25Os conceitos de aglomeraes, eixos, centros regionais e centros sub-regionaisbaseiam-se no trabalho do IPARDES, 2000.

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    QUADRO 1 AGLOMERAES URBANAS NO PARAN 2000

    AGLOMERAO MUNICPIOCascavel

    CorbliaIbemaSanta Tereza do OesteToledo

    Cascavel

    CafelndiaCampina Grande do SulQuatro BarrasPiraquaraPinhaisMandiritubaItaperucuFazenda Rio GrandeCuritiba

    ContendaColomboCampo LargoTijucas do SulBocaiuva do SulBalsa NovaAraucriaAlmirante TamandarCampo MagroTunas do ParanSo Jos dos Pinhais

    Curitiba

    Rio Branco do SulFoz do Iguau

    Foz do IguauSanta Terezinha de ItaipuGuaratubaMatinhosParanagua

    Litoral

    Pontal do ParanCambTamaranaRolndiaLondrinaIbiporArapongasApucarana

    Londrina

    Jataizinho

    MaringMarialvaPaiandu

    Maring

    Sarandi

    Ponta GrossaPonta GrossaCarambeCastro

    TOTAL 7 47

    FONTES: IPARDES, 2000

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    Metropolitanade Curitiba

    Em termos populacionais, h o predomnio de pequenos municpios e

    baixa densidade demogrfica. Nos dois casos analisados (populao total e

    densidade demogrfica), o nmero de municpios expressivo. Dos 352 municpios

    do Estado que esto fora das aglomeraes urbanas, 302 possuem populao total

    com at 20 mil habitantes, e 345 apresentam densidade demogrfica inferior a 80

    habitantes por km. Em percentuais, isso equivale a 86,8% e 98,0%,

    respectivamente (mapas 2 e 3).

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    Se aplicarmos as duas condies para o total dos municpios do Estado

    exceto aglomeraes urbanas, populao total at 20.000 habitantes e densidade

    demogrfica inferior a 80 hab./km, chega-se a um total de 300 municpios (85%)

    (mapa 4).

    Mesmo no tendo sido privilegiado nessa anlise, considerou-se pertinente

    investigar a varivel ocupao pela importncia que a economia agrcola possui no

    Paran, como tambm pelo fato amplamente divulgado de ter sido o setor que

    liberou grande quantidade de mo-de-obra nos ltimos 30 anos. Adotou-se o corte

    de mais de 50% da PEA ocupada na agropecuria ou em indstrias de base

    agrcola. No Estado do Paran, 188 municpios preenchem essa condio. Ao

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    constatar que mais de 53% da PEA est vinculada, produtivamente, agropecuria

    ou a atividades derivadas, o rural paranaense torna-se ainda mais significativo

    (mapa 5). Chama-se a ateno para o fato de que a varivel ocupao difere doscritrios anteriores no sentido de ser um indicador clssico nas anlises que

    privilegiam os setores econmicos para identificar reas rurais.

    Buscando quase que uma essncia espacial rural, adotou-se o

    procedimento de aplicar as trs condies (mapa 6). O resultado apresentado

    mostra que, mesmo nessa condio, o rural que da emerge tem representatividade

    espacial, estando presente em 58,2% dos municpios paranaenses.

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    Seria imprudente no reconhecer que, no Paran, o rural no s

    presente como possui expressividade. Admitindo que as variveis utilizadas

    populao total, densidade e ocupao so capazes de mostrar uma realidade

    impregnada pelo rural, tem-se um Estado espacialmente rural.

    As variveis utilizadas neste estudo redimensionam o rural. A partir dessa

    espacializao, tm-se os elementos que permitem uma aproximao aos territrios,que o propsito deste artigo. O rural pode ser maior ou menor do que esses dados

    mostram. O estudo aprofundado da relao urbano-rural poder precisar esses

    contornos. Nesse sentido, importante considerar que o estudo Redes urbanas

    regionais: Sul(IPARDES, 2000) mostra a importncia que determinados municpios

    assumem no contexto paranaense (quadro 2).

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    Os municpios que exercem influncia no seu entorno reforam a

    necessidade de se compreender o papel das estruturas municipais no crescimento

    econmico e no desenvolvimento.

    QUADRO 2 MUNICPIOS DE INFLUNCIA REGIONAL NO PARAN

    CATEGORIA MUNICPIOS

    EIXOS ARTICULADOSPato BrancoFrancisco Beltro

    CENTROS REGIONAIS E SUB-REGIONAISGuarapuavaParanagu

    CENTROS SUB-REGIONAIS

    Campo MouroParanavaUmuarama

    Unio da VitriaFONTES: IPARDES, 2000

    O instrumento capaz de identificar territrios sabendo dizer ser ele

    plasmado por uma ruralidade ou no so pesquisas de campo cujo levantamento

    seja capaz de traar um diagnstico que sirva de instrumento para o planejamento.

    Est-se falando de um planejamento responsvel, que assume

    compromisso com o desenvolvimento, e este deve levar em conta que

    Nos espaos da globalizao haveria relaes verticais e relaes horizontais que resultariamna produo desses espaos banais que so o espao da comunho, da comunicao, oespao de todos , no apenas em contraposio ao espao do fluxos econmicos, mas porserem tambm considerados o lugar de todos, sem excluir quem quer que seja, sem excluirqualquer que seja a instituio ou empresa. Dessa forma, haveria uma volta noo detotalidade dos atores agindo no espao26(SANTOS, 1999b).

    26Santos (1999b), dando continuidade a essa anlise, faz a defesa do espao e a crticaaos planejadores, dizendo que "os "territorilogos", mas sobretudo os planejadores, deixaram paratrs [a noo de totalidade], porque a pesquisa e o ensino do planejamento so realizados, na maiorparte dos casos, sobre algo que no o espao. O planejamento espacial, o planejamento territorial,o planejamento regional no so planejamentos do espao. No o so na prtica, na pesquisa e noensino, o que muito grave, porque no so considerados a totalidade dos atores, e das instituies,a das pessoas e a das empresas. Procura-se explicar aos empresrios o que eles fazem dedica-semuito aos fluxos dominantes e abandonam-se os outros. Ou, pelo contrrio, estuda-se a pobreza

    como se ela fosse independente do conjunto de circunstncias. O que se produz no umainterpretao da pobreza, pois falta essa idia de totalidade, que s poder ser alcanada pela noode horizontalidade."

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    No territrio encontra-se a possibilidade de criar, participando de uma

    sociedade diversa culturalmente, porm eqitativa no aceso a bens e equipamentos

    coletivos e no atendimento aos direitos constitucionais de sua populao. Essa a

    condio capaz de ampliar, criativamente, o horizonte dos brasileiros.

    Nesse sentido, no contexto do planejamento, a aplicao operacional do

    conceito de territrio implica saber tambm do que se trata o territrio quando visto a

    partir da perspectiva dos direitos constitucionais e da cidadania27. "A noo de

    cidadania que deve nortear a tentativa de mensurar os processos e estoques de

    bem-estar e qualidade de vida refere-se ao indivduo autnomo, crtico e reflexivo,

    longe, portanto, do indivduo-massa" (OLIVEIRA, 2001).

    Um ponto importante na discusso do territrio , com certeza, as redes

    produtivas (PULILLO, 2000). So muitos os exemplos em que o territrio surge a

    partir da rede. Em princpio, isso no significa que no haja de fato, uma

    correspondncia entre economia e sociedade. Porm, o territrio construdo a partir

    das redes produtivas deve levar em conta o que Oliveira (2001) destaca com relao

    s dimenses substantivas do desenvolvimento: "No plano econmico-scio-poltico-

    cultural, a rede no corrige a desigualdade, apenas a desloca. Aceitando-se talparadigma, o desenvolvimento local no pode ser pensado como contratendncia

    concentrao; pelo contrrio, ele pode inserir-se numa estratgia de

    descentralizao que agrave as desigualdades".

    Nessa perspectiva, da responsabilidade pblica agir para que as

    desigualdades no sejam agravadas. Mediar interesses mediar conflitos, e quanto

    a isso no h neutralidade possvel. Ao Estado cabe retomar o seu papel de gestor,

    planejando e regulamentando em defesa dos interesses da sociedade como umtodo, e no de segmentos.

    27

    Segundo Oliveira (2001), "cidadania um estado de "esprito". (...) Ela irredutvel quantificao. Embora o bem-estar e uma alta qualidade de vida devam ser direitos dos cidados,no se deve colocar tais direitos como sinnimo de cidadania (...)."

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    COMENTRIOS FINAIS

    Esse texto procurou trazer para a discusso a pertinncia da dimenso

    territorial no planejamento e a promoo do desenvolvimento. No caso do Paran, o

    espao rural integra os territrios de forma preponderante. Reconhecer, na prtica, a

    expressividade do espao rural trazer essa dimenso para o plano operacional,

    incorporando-a nas anlises, nos programas e nos projetos governamentais e no-

    governamentais. Entende-se que o binmio territrio e ruralidade so dimenses

    fundamentais para se pensar o desenvolvimento no Paran.

    Por sua caracterstica de convergncia, a dimenso territorial do espao

    possibilita diversas leituras e apropriaes. Da a importncia de no deixar escapar

    a idia de totalidade. Esse um caminho possvel, e compete aos planejadores

    tornar o territrio, mais do que um modismo, uma idia capaz de construir

    oportunidades e conquistar o desenvolvimento.

    Este texto no tem a pretenso de esgotar um assunto to complexo e

    desafiador quanto o do papel do rural no desenvolvimento. Mas se ele for capaz de

    suscitar indagaes, ento ter cumprido seu objetivo de ser um ponto de reflexo,

    porque, ao chegar aqui, se tem a impresso de estar apenas comeando.

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    REFERNCIAS

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