Terra Indígena...

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Estudo de viabilidade da piscicultura em Auaris. Terra Indígena Yanomami. Mauro Cornacchioni Lopes Engenheiro de Pesca. CREA – PE 025548. Boa Vista - SP. Setembro de 2008.

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  • Estudo de viabilidade da piscicultura em Auaris.

    Terra Indígena Yanomami.

    Mauro Cornacchioni Lopes Engenheiro de Pesca. CREA – PE 025548.

    Boa Vista - SP.

    Setembro de 2008.

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    Sumário. 1. Introdução. 2. Resumo. 3. Materiais e métodos. 4. Resultados e discussão. 4.1. Reunião de abertura. 4.2. Visitas técnicas às aldeias. 4.2.1. Visitas aos viveiros de piscicultura. 4.2.2. Visitas às roças. 4.2.3. Recursos naturais de apoio à piscicultura. 4.3. Visita aos mercados de Boa Vista. 4.4. Principais entraves ao desenvolvimento da piscicultura em Auaris. 4.4.1. Entrave econômico. 4.4.2. Entrave ecológico. 5. Recomendações. 5.1. Assistência técnica. 5.2. Viveiros de piscicultura. 5.3. Integração e meio ambiente. 5.4. Sistema de produção. 5.5. Espécies de peixes para o cultivo. 5.6. Monitoramento da produção e divisão. 6. Conclusão. 7. Bibliografia. 8. Tabelas e figuras. Tabela 1 – Parâmetros físicos e químicos de qualidade da água na região de Auaris em

    setembro de 2008. Figura 1 – Líderes, representantes das aldeias e assessores, participantes da reunião de

    abertura dos trabalhos para levantamento e replanejamento da piscicultura em Auaris.

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    Figura 2 – Vista parcial da bacia do viveiro de piscicultura construído em de Auaris. Figura 3 – Vista parcial do dique do viveiro de Auaris Figura 4 – Vista parcial da bacia do viveiro construído em Yekuana. Figura 5 – Vista parcial do dique do viveiro de Yekuana. Figura 6 – Vista parcial da bacia do viveiro construído em Katimani. Figura 7 – Vista parcial do dique do viveiro de Katimani. Figura 8 – O milho regional é uma das plantas locais que podem suplementar a alimentação

    dos peixes nos viveiros. Figura 9 – As roças de produção intensiva de mandioca, cujas folhas secas e trituradas são

    protéicas e bem aceitas como alimento pelos peixes nos viveiros, também podem contribuir no manejo alimentar diário da piscicultura.

    9. Anexos. Anexo 1 – Pré-projeto demonstrativo de piscicultura em Auaris – objetivos, justificativas e

    atividades. Anexo 2 - Pré-projeto demonstrativo de piscicultura em Auaris - orçamento parcial. Anexo 3 – Pré-projeto demonstrativo de piscicultura em Auaris – cronograma geral das

    atividades. Anexo 4 – Construção de viveiros de piscicultura artesanais na Terra Indígena Alto Rio

    Negro passo a passo.

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    1. Introdução. A região de Auaris, onde atualmente vivem os povos Ye’kuana e Sanumá, localiza-se na Terra Indígena Yanomami, a Noroeste do estado de Roraima, junto ao Maciço das Guianas e próximo à fronteira entre o Brasil e a Venezuela. Distingui-se das demais regiões da Amazônia principalmente por apresentar relevo bastante acidentado, com altitudes sempre superiores a 600 metros, podendo alcançar até mais de 1000 metros. Os rios que drenam a região, fazem parte da sub-bacia do Rio Branco, afluente do Rio Negro e a exemplo do que ocorre com o próprio Rio Auaris, do qual as aldeias são ribeirinhas, apresentam-se muito encaixados em suas calhas, com águas rápidas e frias que caem por diversas corredeiras e cachoeiras ao longo do seu curso. Estas barreiras físicas representam obstáculos muitas vezes intransponíveis para a maioria das espécies de peixes da bacia, determinando aos ecossistemas aquáticos locais, baixa diversidade e baixa densidade de recursos pesqueiros, fato que aliado à escassez de caça, implica em carência de proteínas de origem animal na alimentação das pessoas. Conforme Jabur et al., 2007, isso vem se agravando desde que as aldeias tornaram-se mais fixas e povoadas, fator que foi se intensificando em função da existência de serviços de saúde e, em menor medida, de educação escolar. Devido toda essa dificuldade em relação à caça e à pesca , no ano de 2003, após insistentes reivindicações das lideranças indígenas, a FUNAI - Fundação Nacional do Índio concordou em experimentar a piscicultura como alternativa para melhorar a segurança alimentar na região, ocasião em que algumas ferramentas para a construção de viveiros comunitários, alevinos e alguma quantidade de ração foram então enviadas à região do Auaris com o objetivo de tentar introduzir a atividade junto às aldeias. Após cerca de um mês de intenso esforço comunitário, foram então construídos e, durante certo período, bem alimentados, quatro viveiros de piscicultura. Porém, devido certos defeitos nos projetos de construção dessas unidades e a falta de acompanhamento técnico, tanto durante tanto o processo de construção quanto durante o manejo dos peixes, após alguns meses de cultivo, a maior parte da produção de peixes havia sido perdida com a chegada do período de chuvas na região. Apesar da ocorrência desse fato, os indígenas ainda mantêm um forte desejo em continuar esse trabalho. Desse modo, no âmbito do Projeto Gestão Territorial Yanomami, da CCPY – Comissão Pró Yanomami, este trabalho teve como objetivo realizar um estudo de viabilidade da piscicultura na região e fazer levantamentos em relação às demandas de um futuro sub-projeto para uma retomada mais bem planejada dessa atividade junto às aldeias de Auaris.

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    2. Resumo. Em atendimento às recomendações descritas no Diagnóstico Socioambiental da Região de Auaris (Jabur et al., 2007), durante o período entre 4 e 17 de setembro foi realizada uma viagem à região, com o objetivo geral de estudar a viabilidade da piscicultura comunitária de subsistência nas comunidades indígenas locais. Para isto, foram feitas visitas técnicas e reuniões comunitárias junto às seguintes aldeias: Auaris, Yekuana, Katimani, Mauxinha e Katonaú, onde através de visitas acompanhadas aos viveiros já construídos, roças e outros locais potenciais para a construção de mais viveiros, foram feitas observações relacionadas ao estado situacional e potencialidades da piscicultura. Nos finais dessas visitas, realizaram-se debates com as comunidades, a fim de complementar o diagnóstico e sugerir soluções para os problemas levantados. Observou-se que apesar da falta de recursos técnicos e logísticos, além do grande esforço comunitário, os trabalhos iniciais, foram excelentes, pois mesmo com pouquíssimas ferramentas-de-mão e ausência de instruções, as aldeias construíram unidades de produção de tamanhos médios, bastante adequados à piscicultura semi-intensiva. Porém esta carência de materiais e de assistência técnica resultou em alguns problemas, que uma vez surgidos durante o período de cultivo, não puderam ser devidamente contornados pelas aldeias, ocasionando a perda da maior parte da produção, principalmente devido à fuga dos peixes dos viveiros para o ambiente natural, repercutindo inclusive num acidente ambiental grave: a introdução da tilápia-do-nilo na bacia do Rio Auaris. Apesar dos imprevistos, as comunidades indígenas Sanumá e Ye’kuana ainda tem grande animação e esperança com a possibilidade de uma retomada mais racional da atividade. Por isso, uma vez diagnosticada a situação, conclui-se ainda que aquela primeira iniciativa, apesar dos seus defeitos, foi bastante válida, já que serviu para demonstrar às pessoas o potencial da atividade. Além disso, apesar de estar tão distante dos mercados, a região de Auaris apresenta diversas outras potencialidades para o desenvolvimento da piscicultura de subsistência, justificando a continuidade das ações através da implementação de um projeto específico, cujos objetivos, justificativas, atividades e orçamento parcial encontram-se relacionados nos anexos 1, 2 e 3 deste trabalho.

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    3. Materiais e métodos.

    Este trabalho foi realizado no período de 4 a 17 de setembro de 2008. Foi dividido em duas etapas, sendo a primeira focada na situação atual e no potencial da piscicultura nas aldeias e a segunda num rápido levantamento junto ao mercado fornecedor de materiais e insumos essenciais à piscicultura em Boa Vista – RR. Para providenciar um pré-diagnóstico e assim poder planejar as atividades de campo de forma participativa, procedeu-se uma reunião de abertura com os líderes e representantes das aldeias em Auaris. Neste primeiro encontro todos puderam apresentar e discutir sobre as suas primeiras experiências relacionadas com aquelas iniciativas que foram incentivadas pela FUNAI em 2003. Nos dias seguintes, foram realizadas visitas técnicas em Auaris, Yekuana, Katimani, Mauchinha e Katonau, onde se observaram os locais dos viveiros de piscicultura para avaliação da sua situação atual, de acordo com os parâmetros descritos por Proença et al., 1997, tais como: área alagada, vazão, morfologia dos diques, sistemas de drenagem, etc. Para a avaliação dos parâmetros físicos e químicos de qualidade da água, seguiram-se as referências de Tavares et al., 1995 e Vinatea Arana, 1997, utilizando métodos instrumentais e titulométricos para determinar temperatura da água, pH, condutividade elétrica, teor de oxigênio dissolvido, teor de fosfatos, nitratos, alcalinidade, dureza e nitrogênio amoniacal. Também foram feitas visitas em algumas roças para observar as possibilidades locais em relação à disponibilidade de produtos agrícolas com potencial para alimentação de peixes em viveiros. Após as visitas aos viveiros e roças, realizaram-se reuniões em cada aldeia para e apresentar propostas de soluções específicas para a adequação e manejo das unidades e outros debates. Após o período de visita às aldeias, conforme os as informações que foram obtidas, foi elaborado um pré-projeto com o objetivo de retomar as atividades de piscicultura de forma mais racional, cuja proposta e planejamento foram posteriormente apresentados às comunidades e aprovados pelos Sanumá e pelos Yekuana. 4. Resultados e discussão. 4.1. Reunião de abertura.

    Esse primeiro encontro foi importante para possibilitar um diagnóstico rápido e participativo da situação da piscicultura e para agendar os próximos passos do trabalho. Todos puderam falar um pouco sobre suas primeiras experiências com a nova atividade. Apesar das dificuldades relacionadas, que aliás eram perfeitamente de se esperar, percebeu-se uma grande animação unânime dos participantes. Essas dificuldades foram em sua maioria comuns em todos os locais onde se construíram os primeiros quatro viveiros: em Auaris, Yekuana, Katimani e Mauxinha. Os representantes de Katonau afirmaram que não puderam construir seu viveiro por que as ferramentas cedidas pela FUNAI, especialmente os carrinhos-de-mão, quando chegou a sua vez de utilizá-las, já estavam todos quebrados. Além desta foram citadas as seguintes dificuldades comuns: 1º. “Foi uma grande luta”, não para escavar manualmente os viveiros, mas para convencer a FUNAI a ajudar com os materiais, ferramentas e insumos necessários;

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    2º. Para a construção de todos os quatro viveiros, foram enviadas poucas ferramentas: apenas quatro carrinhos-de-mão, quatro pás e quatro enxadas; 3º. Alguns aterros não ficaram fortes como deveriam porque os serviços tiveram que ser encerrados quando já não havia mais carrinhos funcionando; 4º . Não houve assistência técnica, nem para a construção das unidades e nem para o manejo dos peixes; 5º. Devido a falta de um sistema de drenagem adequado, a maioria dos peixes escapou dos viveiros quando chegou o período de chuvas; 6º. Faltou ração em quantidade e qualidade adequadas já na fase de fortalecimento dos alevinos, pois só foram enviados quatro sacos de ração de engorda para cada viveiro.

    Figura 1 – Líderes, representantes das aldeias e assessores, participantes da reunião de abertura dos trabalhos para levantamento e replanejamento da piscicultura em Auaris.

    4.2. Visitas técnicas às aldeias. 4.2.1. Visitas aos viveiros de piscicultura.

    Referente aos problemas apresentados acima, durante as visitas realizadas aos viveiros das comunidades, conforme mostrarão as figuras a seguir, observou-se que apesar da falta de ferramentas e instruções técnicas adequadas, o serviço de construção dos viveiros, feito em regime comunitário, foi excelente, pois os aterros foram levantados corretamente, tanto com relação à sua forma quanto ao seu volume, numa prova que de fato “a fé pode mover montanhas...”. Os locais de construção dessas unidades também foram muito bem escolhidos em relação à topografia e vazão das bacias, o que rendeu viveiros com áreas alagadas de tamanhos bastante competitivos (média de 2000 m2). O serviço de

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    limpeza das bacias também impressionou pela sua qualidade frente à inadequação e carência das ferramentas disponíveis, pois os viveiros foram construídos em locais de vegetação originalmente muito cerrada, sendo que apesar disso, na maior parte das bacias não se observou material orgânico residual em excesso.

    O único defeito realmente grave nos projetos de construção dos viveiros, conforme também pode ser visto nas figuras abaixo, foi a total ausência de tubulações para drenagem e controle do nível das águas, fato que propiciou a fuga da maioria dos peixes em todas as unidades, causando inclusive perda parcial do serviço devido desmoronamentos do aterro no caso do viveiro de Katimani. Referente ao viveiro de Mauchinha, sua proximidade com o rio foi um agravante, pois a perda de peixes foi maior por duas razões: a invasão da água do rio com submersão parcial do aterro e a presença de lontras que chegaram a predar muitos alevinos desde o início do cultivo.

    Figura 2 – Vista parcial da bacia do viveiro de piscicultura construído em de Auaris.

    Figura 3 – Vista parcial do dique do viveiro de Auaris.

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    Figura 4 – Vista parcial da bacia do viveiro construído em Yekuana.

    Figura 5 – Vista parcial do dique do viveiro de Yekuana.

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    Figura 6 – Vista parcial da bacia do viveiro construído em Katimani.

    Figura 7 – Vista parcial do dique do viveiro de Katimani.

    Outra falha técnica, esta de extrema gravidade, do projeto inicial foi ter realizado a

    introdução de uma espécie exótica de peixe, muito conhecida por invadir ecossistemas aquáticos, a tilápia-do-nilo (Oreochromis niloticus), cujo cultivo é proibido na Amazônia pela legislação federal. Isso foi extremamente agravado pela fuga massiva destes peixes dos viveiros para o ambiente natural, ocasionada pela ausência de sistemas de drenagem adequados. Os indígenas afirmaram que esta espécie, que já pode ser observada em um trecho de cerca de 50 km rio abaixo, está perceptivelmente competindo de forma predatória com as espécies de acarás nativas.

    Apesar das dificuldades e imprevistos ocorridos no projeto original de primeiro contato com a atividade, considera-se que no quesito recursos humanos a região tem bom potencial para desenvolver a piscicultura a nível comunitário, já que com

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    organização, boa vontade, embora com poucas ferramentas, a comunidade executou muito bem a sua parte, fazendo por merecer um bom crédito portanto.

    A análise dos principais parâmetros físicos e químicos de qualidade das águas de interesse à piscicultura nessas e outras estações de coleta de amostras registrou os seguintes resultados pontuais: Tabela 1 – Parâmetros físicos e químicos de qualidade da água na região de Auaris em

    setembro de 2008. Estação Data Hora Tempe-

    ratura (oC)

    Oxigê –nio dis -solvido (ppm)

    pH Condu-tividade Elétrica (µS/cm)

    Alcali-nidade (ppm)

    Du –reza (ppm)

    Fos- fatos. (ppm)

    Nitrato

    (ppm)

    Nitrogênio amo- nia – cal

    (ppm)

    Viveiro de Ye- kuana

    7/08

    11:00

    26

    -

    5,3

    13,2

    < 18

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    3º. A água do Rio Auaris é extremamente fria se comparadas à outras regiões da Bacia Amazônica. Isto possivelmente se deve às grandes altitudes percorridas desde sua nascente e com certeza influencia a ausência da maioria das espécies de peixes da bacia. 4º. Todavia, nos pequenos igarapés e nascentes, onde atualmente se encontram construídos os viveiros, a temperatura se mostrou bem mais amena que no rio. 5º. Em Auaris, Mauchinha e Katonaú, o pH esteve mais baixo e o nitrogênio amoniacal (amônia) esteve elevado. Isso pode ser em decorrência do excesso de matéria orgânica (lama) presente nas bacias dos igarapés ou viveiros, o que para piscicultura pode ser facilmente corrigido através da sua retirada.

    Portanto, no quesito qualidade natural das águas, considera-se que a região do Auaris possui boa aptidão para o desenvolvimento da piscicultura de espécies nativas tropicais. 4.2.2. Visitas às roças.

    Durante as visitas técnicas às aldeias também puderam ser observadas algumas roças onde se avaliou positivamente a produção de plantas específicas, capazes de suplementar a alimentação dos peixes nos viveiros, com a finalidade de diminuir a dependência de rações comerciais em certos períodos, tornando a atividade mais sustentável, como por exemplo: o milho e a mandioca regionais (figuras 8 e 9), além de frutas, tais como abóbora, buriti, goiaba, banana, etc.

    Figura 8 – O milho regional é uma das plantas locais que podem suplementar a alimentação dos peixes nos viveiros.

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    Figura 9 – As roças de produção intensiva de mandioca, cujas folhas secas e trituradas são protéicas e bem aceitas como alimento pelos peixes nos viveiros, também podem contribuir para o manejo alimentar diário da piscicultura.

    4.2.3. Recursos naturais de apoio à piscicultura.

    Durante os percursos de voadeira pelo rio Auaris até as aldeias e das aldeias até os locais dos viveiros e roças, observou-se relativa abundância de recursos potencialmente favoráveis ao desenvolvimento da piscicultura, tais como a existência de várias bacias de pequenos igarapés, em solos argilosos, que topograficamente favorecem a expansão da piscicultura, na medida em que existem outros bons locais para a construção de mais viveiros. Além disso, pelo menos durante esta época, observou-se grande abundância e diversidade de pequenos frutos, tanto da mata ciliar quanto de terra firme, bem como grande a quantidade de cupinzeiros que também podem vir a ser futuramente utilizados na alimentação dos peixes nos viveiros, de modo que nos quesitos topografia, qualidade de solo, vazão, e recursos agroflorestais, provêm boas condições para o desenvolvimento da piscicultura na região. 4.3. Visita aos mercados de Boa Vista.

    O curto período em que se permaneceu em Boa Vista, foi suficiente para perceber que, apesar do alto custo dos insumos, a piscicultura atualmente é uma atividade muito vantajosa do ponto de vista econômico, estando em grande expansão na região, já que o valor de mercado dos peixes é elevado e determinado pela insuficiência e intermitência da sua oferta pela pesca.

    Tomando por exemplo o tambaqui e o matrinxã, umas das espécies de peixes mais valorizadas, cujos alevinos são comercializados por uma piscicultura de Boa Vista a R$ 150,00 o milheiro, observou-se que a maioria dos exemplares destes peixes disponíveis no mercado local, tanto nas peixarias quanto nos restaurantes, era proveniente de pisciculturas regionais, sendo que o custo médio das rações, de cerca de R$ 1,50, apesar de também

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    elevado, ainda assim possibilita um lucro muito bom para as pisciculturas, já que o peixe é vendido por cerca de R$ 10,00 por quilo nas peixarias locais.

    Referente aos materiais e ferramentas empregados em piscicultura, é possível encontrar boa parte desses produtos em Boa Vista, mas o preço praticado em geral também é bastante elevado, sendo interessante fazer orçamentos também em Manaus e ver se compensa o pagamento de frete. Em Boa Vista foram visitados os seguintes estabelecimentos comerciais: Mercado municipal de Boa Vista, Agropecuária Acordi Ltda. (piscicultura), Supercinex – Materiais de Construção Ltda., Squario – Materiais de Construção Ltda., Agropecuária Garrote Ltda. e Chapagro Ltda. 4.4. Principais entraves ao desenvolvimento da piscicultura em Auaris. 4.4.1. Entrave econômico.

    A distancia e o difícil acesso da região em relação aos mercados fornecedor e consumidor de Boa Vista, assim como no caso de quaisquer outros projetos comunitários, em termos financeiros, limitam a sustentabilidade econômica da piscicultura em Auaris, obrigando que a atividade seja apenas mais um dos meios de produção para a subsistência. Apesar disso, há algumas possibilidades de venda local de pequena parte da produção ao batalhão de fronteira e também aos servidores não indígenas que atendem as aldeias, possibilitando a abertura de um pequeno caixa nas comunidades para compras futuras de mais alevinos e rações. 4.4.2. Entrave ecológico.

    A grande quantidade de capoeiras e as presenças observadas de algumas pragas, têm tornado difícil uma intensificação da produção agrícola local. Isto, aliado à invasão das tilápias nos ecossistemas aquáticos, são fatores de insustentabilidade que futuramente podem limitar a expansão da atividade, caso não sejam tomadas providências imediatamente necessárias para a mitigação desse quadro. 5. Recomendações.

    Recomenda-se que a piscicultura seja restabelecida nas comunidades do Auaris através da implementação de um projeto para sua continuidade e expansão (anexos 1, 2 e 3), que foi apresentado, combinado e aprovado junto aos Sanumá e Yekuana. Essa proposta deverá se integrar com atividades agroflorestais e escolares, considerando-se os seguintes componentes vitais: 5.1. Assistência técnica.

    Os primeiros passos das aldeias em relação a esta novíssima atividade, devem ser facilitados através do acompanhamento de um técnico especializado em piscicultura de espécies nativas em comunidades indígenas. Essa assistência precisará ser mais intensiva

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    no início, se tornando mais extensiva ao longo do projeto e deve ser prestada na forma de oficinas participativas (cursos práticos), devidamente combinadas com as atividades específicas planejadas no cronograma. Essas oficinas devem abordar de modo prático certos assuntos essenciais, tais como a construção e manutenção artesanal de viveiros, manejo alimentar dos peixes, monitoramento e planejamento da produção. É importante que esses cursos sejam realizados de maneira integrada com as atividades agroflorestais e escolares, propondo aulas práticas e sugerindo temas de pesquisas relacionados com os assuntos. 5.2. Viveiros de piscicultura.

    Para prover melhor funcionamento e maior segurança, recomenda-se que sejam feitas algumas reformas incluindo sistemas de drenagem simples através da instalação de tubulações de PVC para esgoto, formando dispositivos tipo “cachimbo” em quantidade adequada à vazão e à área dos viveiros, conforme mostra o anexo 4. Isso será suficiente para providenciar uma renovação de água adequada e possibilitar um controle de nível eficiente para facilitar o manejo, evitar a fuga dos peixes criados, além de barrar a invasão do ambiente de cultivo por espécies incompatíveis como as tilápias.

    A fim de melhorar a qualidade da água, tornando-a mais adequada para a piscicultura, antes do enchimento dos viveiros também é recomendável finalizar a limpeza das bacias, retirando o resto de tocos, raízes e o máximo que puder de lama, bem como roçar o mato junto às margens.

    Os viveiros de Auaris, Mauchinha e Yekuana praticamente não necessitarão de reforço de terra nos seus diques, mas o de Katimani certamente vai precisar de uma complementação de volume na sua barragem. 5.3. Meio ambiente e integração.

    Para ser sustentável, a piscicultura deve se integrar com boas práticas de manejo do meio ambiente, já que das suas boas condições sanitárias a atividade é diretamente dependente. Neste sentido, o cultivo de espécies exóticas, como as tilápias deve ser evitado a todo custo, pois a presença delas pode influenciar negativamente na produção das espécies nativas, não sendo compatível de forma alguma com o projeto que está sendo proposto.

    Para diminuir a dependência por rações comerciais, parte da alimentação dos peixes deve provir de coletas de recursos florestais. Como já foi dito, existem na região muitas frutíferas nativas “de beira e de terra firme” cujos frutos e flores podem ser fornecidos aos peixes, conforme a época. Além disso há possibilidades de incrementar esta alimentação natural com a coleta e fornecimento de insetos, tais como cupins e formigas. Estes recursos devem ser bem manejados de forma sustentável para que seja evitada a sua exaustão especialmente nas proximidades dos viveiros.

    Um plano para revitalização ou incremento das roças e capoeiras também precisa ser estabelecido e este deve prever o aumento da demanda de certas plantas para a serem utilizadas como insumo da nova atividade de piscicultura.

    O estabelecimento de planos de manejo de recursos naturais tanto pesqueiros como agroflorestais serão necessários e com toda certeza vão demandar pesquisas participativas

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    que devem ser integradas com os currículos das escolas indígenas na forma de educação ambiental aplicada à sustentabilidade das aldeias. 5.4. Sistema de produção.

    Em razão da forma de construção artesanal dos viveiros, os tamanhos dessas unidades quase nunca ficam grandes o suficiente para compatibilizá-las com sistemas extensivos de piscicultura. Neste caso, o sistema de produção deve ser pelo menos semi-intensivo, ou seja, com fornecimento regular e efetivo de alimentos que podem ser alternados com ração comercial nas fases iniciais do cultivo, de modo que estas sejam gradualmente substituídas pelo alimento suplementar variado até as fases intermediárias e finais, diminuindo gradativamente a dependência de insumos de fora.

    O alimento suplementar a ser experimentado deve ser composto por produtos específicos ou alternativos das roças, restos de cozinha tradicional, bem como colhido na própria natureza, como os insetos e as frutas. Certas frutíferas locais ou não também podem ser plantadas especialmente próximo ou junto às margens dos viveiros para facilitar sua coleta e fornecimento regular aos peixes. 5.5. Espécies de peixes indicadas.

    A escolha das espécies de peixes para serem cultivadas numa determinada região deve seguir como principais critérios, a rusticidade, docilidade, potencial de crescimento, bem como a disponibilidade de tecnologia e alevinos para sua criação. A espécie escolhida também deve ter hábito alimentar compatível ao sistema de produção possível de ser praticado em cada região, sendo que neste caso particular a possibilidade de boa aceitação e bom aproveitamento dos recursos locais, tais como: frutas, insetos, produtos e sub-produtos da roça é um critério de extrema importância.

    Por isso recomenda-se o cultivo do tambaqui, espécie nativa da bacia Amazônica, cujos alevinos são bastante disponíveis no mercado de Boa Vista. Este peixe possui crescimento rápido, rusticidade, além de um hábito alimentar diversificado, sendo onívoro e ao mesmo tempo planctófago, com preferência a frugívoro conforme sua fase de vida.. Outra justificativa para eleger esta espécie reside no fato de que sua tecnologia de produção em sistemas semi-intensivos, atualmente já está bem definida em toda América do Sul.

    Para prover maior sustentabilidade à atividade, os tambaquis devem ser consorciados com certas espécies de peixes locais, tais como os acarás. Isto é necessário para que haja melhor aproveitamento da cadeia alimentar dos viveiros e também para diminuir a dependência por alevinos de fora. Os acarás locais são espécies alternativas com grande capacidade de se reproduzir naturalmente em viveiros, possuindo igualmente muita rusticidade ao manejo, além de serem tradicionalmente muito apreciados como alimento pelos indígenas, podendo continuar sendo produzidos e beneficiando as aldeias mesmo na falta de tambaquis nos viveiros. 5.6. Monitoramento da produção e divisão.

    Uma das principais diferenças entre o manejo de animais terrestres e o de peixes em cativeiro, fundamenta-se no fato de que estes últimos não são facilmente visíveis e manejáveis pelos produtores por habitarem o meio aquático. Por isso um monitoramento

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    regular da produção através do emprego de amostragens com redes específicas de piscicultura deve ser feito regularmente para acompanhamento da sobrevivência e do crescimento dos peixes e desse modo poder adaptar o manejo de forma eficiente ao longo do cultivo, conforme descrito por Sampaio et al., 1998.

    Para que a piscicultura possa atingir seu objetivo de forma demonstrativa e sem a implicação de conflitos, a divisão dos peixes precisa assumir bons critérios para que haja sua devida valorização com conseqüente reversão econômica e social dos benefícios gerados. Isto é alcançado na medida em que se procura beneficiar o maior número de pessoas possível de forma igualitária na comunidade, ao mesmo tempo em que se direciona o consumo da produção para estimular eventos comunitários mais importantes das aldeias, como por exemplo: dias de trabalhos comunitários, reuniões políticas, encontros de capacitação, festas, etc. 6. Conclusão.

    A despeito da grande distância do mercado e do difícil acesso para se chegar em Auaris constituírem fatores limitantes da componente econômica de sustentabilidade, a piscicultura de espécies nativas em sistema semi-intensivo, praticada em nível comunitário, pode realmente se demonstrar uma boa alternativa para incrementar a sustentabilidade das aldeias indígenas da região, pois um grande esforço social já foi investido na construção bem feita de alguns viveiros pela comunidade, necessitando estas unidades de praticamente apenas certo acabamento. Além disso todos os demais fatores de sustentabilidade, tais como: topografia, vazão, qualidade de água, clima, recursos humanos, agrícolas e florestais, favorecem plenamente o desenvolvimento imediato dessa atividade, cujos benefícios, uma vez convenientemente valorizados, podem ser economicamente revertidos através de impactos positivos diretos e ou indiretos nos demais projetos comunitários, tanto em curso atual quanto futuro. 7. Bibliografia. Arana, L. V.; 1997. Princípios químicos de qualidade da água em aqüicultura: uma revisão

    para peixes e camarões. Florianópolis, SC:; Ed. da UFSC, 166 p. Jabur, C.; Lê Torneau, F. M. ; Wesley, M.; 2007. Diagnóstico socioambiental da região de

    Auaris. Boa Vista, RR; Comissão Pró-Yanomami – CCPY, 83 p. Proença, C. E. M.; Bittencourt, P. R. L.; 1994. Manual de piscicultura tropical. Brasília:

    Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, 195 p.

    Sampaio, A. V.; Kubitza, F.; Lovshin, L. L.; 1998. Planejamento da Produção de Peixes.

    Campo Grande, MS, 61 p. Tavares, L. H. S.; 1994. Limnologia aplicada à aqüicultura. Jaboticabal, SP: FUNEP, 70 p.