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TERMODINMICA APLICADA 2009 Isabel Ambar

Departamento de Engenharia Geogrfica, Geofsica e Energia Faculdade de Cincias da Universidade de Lisboa

TERMODINMICA APLICADA Programa 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. Conceitos bsicos da Termodinmica. Princpio Zero da termodinmica. Escalas de temperatura. Gs ideal. Teoria cintica dos gases. Gases reais. Energia, trabalho e calor. Primeiro Princpio da Termodinmica. Aplicaes. Mquinas trmicas e frigorficas. Segundo Princpio da Termodinmica. Processos reversveis e irreversveis. Mquina de Carnot. Entropia. Variaes de entropia em processos reversveis e irreversveis. Ciclos de gs e de vapor Energia disponvel. Trabalho mximo. Irreversibilidade. Relaes termodinmicas formais. Aplicaes termodinmica da atmosfera e da gua do mar. Equilbrio de sistemas termodinmicos. Propriedades fsicas de uma substncia pura. Transies de fase. Utilizao de tabelas de propriedades.

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1. Conceitos bsicos da Termodinmica. 1.1. A Termodinmica e os princpios bsicos A Termodinmica estuda a energia, as suas transformaes e as suas relaes com as propriedades da matria. Tem a ver com os sistemas macroscpicos e baseia-se num conjunto de princpios (ou leis) que nasceram da observao experimental. Estas leis no se podem explicar a partir de princpios mais simples e s se a experincia os vier a contradizer que tero de ser abandonados ou reformulados. O princpio zero da Termodinmica apresenta o conceito de temperatura como aferidor do equilbrio trmico. O primeiro princpio corresponde a uma lei de conservao da energia em que se estabelecem as relaes entre fluxos de calor, trabalho e energia. O segundo princpio reconhece que para alm da quantidade se tem de considerar tambm a qualidade da energia, ocorrendo os processos espontaneamente no sentido do decrscimo da qualidade da energia. O terceiro princpio trata das propriedades da matria a temperaturas muito baixas e apenas estabelece um valor de referncia para a entropia, grandeza que introduzida pelo segundo princpio. Destas quatro leis, as primeiras a surgirem foram a 1 e a 2 lei (anos de 1850s) e a que foi formulada em ltimo lugar (1931) foi a lei zero. 1.2. Histria da Termodinmica Sadi Carnot (1796-1832), filho de um ministro de Napoleo, combateu nas vizinhanas de Paris em 1814. Por aquilo que se seguiu, ele ficou convencido de que uma das causas da derrota de Frana tinha sido a sua inferioridade industrial. E pensou que retirando a Inglaterra a mquina a vapor retiraria o seu poder militar (as minas deixavam de poder ser exploradas e, sem carvo no haveria ferro e portanto armamento). Carnot tambm compreendeu que quem aproveitasse a potncia do vapor eficientemente, seria o dono do mundo industrial e militar. O trabalho de Carnot baseou-se na teoria do calrico que identificava calor com um fluido sem massa, concebendo a operao de uma mquina a vapor como a de um moinho de gua, mas em que o calrico fluia da caldeira para o condensador fazendo mover as engrenagens. Assim, haveria conservao da quantidade de calrico medida que ele realizava trabalho. Carnot inventou o ciclo termodinmico que actualmente tem o seu nome (publicou em 1824 o trabalho Rflexions sur la puissance motrice du feu et sur les machines propres dvelopper cette puissance, que inclui a descrio do chamado ciclo de Carnot), referindo que o rendimento das mquinas trmicas (de Carnot) superior ao de qualquer outra mquina a funcionar entre as mesmas temperaturas (isto acaba por corresponder a um enunciado da 2 lei da Termodinmica, como veremos).

Sadi Carnot (1796-1832)

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A ideia do calrico e da sua conservao s foi corrigida por elementos da gerao nascida por volta de 1820: Joule (1818-1889), Thomson - Lord Kelvin (1824-1907) e Clausius (1822-1888): - James Joule (nascido em Manchester, Inglaterra, 1818) nas suas experincias dos anos 1840s, confirmou que o calor no se conserva. Mostrou que o trabalho se pode converter quantitativamente em calor (equivalente mecnico da caloria), que trabalho e calor so convertveis um no outro e que o calor no uma substncia (calrico).

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William Thomson (nascido em Belfast, Irlanda, 1824), mais tarde Lord Kelvin, entrou para a universidade de Glasgow com 10 anos, entrou em Cambridge em 1841 onde terminou a licenciatura em 1843 e voltou para Glasgow em 1846. Kelvin encontrou Joule numa conferncia em Oxford e ficou impressionado com a afirmao dele relativamente no conservao do calor. Comeou ento a desenvolver a ideia de que talvez o trabalho de Carnot (conservao do calor) pudesse continuar a ser considerado mas sem contradizer o de Joule. o autor de um enunciado da 2 lei da Termodinmica e da escala de temperatura absoluta.

William Thomson (1824-1907)

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Rudolf Clausius (nascido em Koslin, Prussia, agora Polnia, 1822). Foi professor em Berlim, em Zurique e em Bona, tendo desenvolvido a questo de conciliar as ideias de Carnot e de Joule e introduzido o conceito de entropia. Num artigo de 1865, apresentou enunciados para a 1 e 2 leis da Termodinmica (a energia do universo constante e a entropia do universo tende para um mximo). E tambm especulou sobre o modo como o calor podia ser explicado em termos do comportamento das partculas que compem a matria.

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Rudolf Clausius (1822-1888) Rudolf Clausius (1822-1888)

Depois da gerao nascida entre 1818 e 1824, uma nova gerao veio unificar a Termodinmica e relacion-la com as outras correntes da cincia que estavam entretanto a desenvolver-se: Josiah Williard Gibbs (1839-1903), fsico norte-americano, introduziu vrios princpios, conceitos e relaes (o princpio da energia mnima, o potencial de Gibbs, a relao de Gibbs-Duhem, etc.) tendo desenvolvido os princpios da Mecnica Estatstica. Ludwig Boltzmann (1844-1906), fsico austraco, deu uma contribuio para a ligao entre as propriedades macroscpicas da matria e o comportamento das partculas que a constituem, desenvolvendo os princpios da Mecnica Estatstica. Walter Nernst (1864-1941), qumico alemo, chegou a uma formulao da 3 lei da Termodinmica (perto do zero absoluto as reaces qumicas ocorrem sem modificao da entropia), com base em experincias de reaces qumicas. Max Planck (1858-1947), fsico alemo, props um enunciado mais geral para a 3 lei, em que fixa o valor zero para a entropia no zero absoluto. Constantin Carathodory (1873-1950), matemtico alemo, reformulou a Termodinmica numa base axiomtica.

Carathodory Planck Nernst Boltzmann Gibbs 1760 1780 1800 1820 Carnot 1860 Joule 1880 1900 1920 1940

Watt (mq. vapor) 1769

Thomson (Kelvin) Clausius

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1.3. Terminologia da Termodinmica Vamos agora apresentar alguns termos e conceitos que vo ser utilizados frequentemente e dos quais convm ter uma definio cientfica correcta porque muitos deles aparecem na linguagem corrente com sentidos por vezes diferentes. Sistema termodinmico regio macroscpica limitada por uma fronteira (real ou abstracta). Vizinhana do sistema regio fora do sistema e que pode interagir com ele. Universo termodinmico conjunto sistema+vizinhana. Parede do sistema fronteira, real ou imaginria, do sistema; em geral, os sistemas esto submetidos a restries impostas pelas suas paredes, e cada uma dessas condies denomina-se ligao (pode haver ligaes internas e externas). Parede adiabtica parede que impede qualquer fluxo de energia trmica (calor) entre o sistema e a vizinhana. Parede diatrmica parede que permite o fluxo de energia trmica (calor) entre o sistema e a vizinhana. Parede permevel (impermevel) parede que permite (impede) o fluxo de matria entre o sistema e a vizinhana (Nota: uma parede adiabtica sempre impermevel mas o inverso no verdadeiro). Parede semi-permevel parede que permite apenas o fluxo de certas substncias qumicas entre o sistema e a vizinhana. Parede rgida (mvel) parede que impe um volume constante para o sistema (permite a variao do volume do sistema). Sistema fechado (aberto) sistema envolvido por uma parede impermevel (permevel). Sistema isolado - sistema envolvido por uma parede rgida e adiabtica. Variveis do sistema propriedades que caracterizam o sistema do ponto de vista macroscpico. Exemplos: presso (p), volume (V), temperatura (T), quantidade de matria, energia interna, etc. Mas nem todas as variveis so independentes (p. ex., para os gases a baixas presses, pV = nRT). As variveis independentes, s quais podemos atribuir valores arbitrrios, designam-se por parmetros de estado; as que no so independentes, i.e., as que so funo dos parmetros de estado, so as funes de estado. A variao de uma funo de estado num processo depende apenas dos estados inicial e final mas no do processo entre estes dois estados. As relaes entre as diferentes variveis de um sistema designam-se por equaes de estado. Variveis extensivas variveis que dependem da massa do sistema. So aditivas no sentido em que o seu valor no sistema a soma dos seus valores em qualquer conjunto de subsistemas nos quais o sistema se decomponha. Exemplos de variveis extensivas so: o volume (V), a quantidade de matria (expressa, por exemplo, pelo nmero de moles). Variveis intensivas variveis que no dependem da massa do sistema. Exemplos so a temperatura (T) e a presso (p). Variveis conjugadas duas variveis, uma extensiva (X) e a outra intensiva (Y), so conjugadas entre si se o produto YdX corresponder a uma quantidade infinitesimal de energia. Por exemplo, pdV tem dimenses de energia (neste caso, energia mecnica). Sistema simples um sistema fechado, homogneo e isotrpico macroscopicamente, electricamente neutro, quimicamente inerte, sem ligaes internas e que no actuado por campos elctricos, magnticos, gravitacionais ou por binrios de foras externas. 5

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Processo termodinmico transformao de um estado de equilbrio para outro, variando as propriedades do sistema. A srie de estados pelos quais o sistema passa durante o processo denomina-se percurso. Processo cclico processo cujos estados final e inicial coincidem. Processo infinitesimal processo em que as variveis do sistema sofrem uma modificao infinitesimal, em que o sistema no sai praticamente do equilbrio. Processo quase-esttico processo finito formado por uma sequncia de estados intermdios de equilbrio ligados por sucessivos processos infinitesimais. Processo reversvel uma sucesso de processos infinitesimais que se pode inverter em cada passo mediante uma modificao infinitesimal da vizinhana. No final seria possvel inverter o processo voltando o sistema e a sua vizinhana ao mesmo estado inicial respectivo. Todos os processos reversveis so quase-estticos (i.e., todos os estados intermdios so de equilbrio) mas o contrrio no verdade (i.e., pode haver processos quase-estticos irreversveis) Processo irreversvel quase-esttico uma sucesso de estados de equilbrio em que no possvel inverter o processo voltando o sistema e a vizinhana ao estado inicial. Reservatrio de calor um sistema com uma massa to grande que capaz de absorver ou ceder uma quantidade ilimitada de calor sem sofrer variaes das suas propriedades termodinmicas (nomeadamente, da temperatura). 2. Princpio Zero da Termodinmica. Escalas de temperatura

Princpio Zero da Termodinmica A sensao de quente ou de frio e a noo de temperatura fazem parte do nosso dia-a-dia atravs dos nossos sentidos. Mas os nossos sentidos podem ser enganadores (p. ex., uma caixa de carto e uma couvette de gelo, retirados do congelador ao mesmo tempo, provocam sensaes de frio muito diferentes, apesar de estarem mesma temperatura. Porqu?). Vamos considerar que dois objectos esto em contacto trmico um com o outro se houver trocas de calor entre eles. O equilbrio trmico ocorre quando deixa de haver trocas de calor entre dois objectos em contacto trmico um com o outro. Na Termodinmica, o conceito de temperatura aparece associado ao equilbrio trmico e ao Princpio Zero que se enuncia do seguinte modo: Se dois sistemas A e B esto separadamente em equilbrio trmico com um terceiro sistema C, ento A e B esto em equilbrio trmico entre si. Existe uma grandeza escalar, denominada temperatura, que uma propriedade intensiva dos sistemas termodinmicos em equilbrio, tal que a igualdade de temperatura a condio necessria e suficiente de equilbrio trmico. Dois objectos em equilbrio trmico um com o outro esto mesma temperatura. E dois objectos a temperaturas diferentes no esto em equilbrio trmico entre si.

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Os termmetros so instrumentos que medem a temperatura de um sistema. Todos os termmetros utilizam a variao de uma propriedade fsica com a temperatura: (i) volume de um lquido; (ii) comprimento de um slido; (iii) presso de um gs a volume constante; (iv) volume de um gs a presso constante; (v) resistncia elctrica de um condutor (a baixas temperaturas utiliza-se fio de platina e a temperaturas altas um semicondutor); (vi) cr de uma pea de metal; (vii) a fora electromotriz de um par de metais (com uma juno metlica a uma temperatura de referncia e uma segunda juno temperatura que se pretende medir: termopar). Escalas de temperatura Um termmetro pode ser calibrado pondo-o em contacto trmico com sistemas que se mantm a temperatura constante. Por exemplo, a mistura de gua e gelo em equilbrio trmico presso atmosfrica normal (definida como tendo uma temperatura de zero graus Celsius - 0C) ou a mistura de gua e vapor em equilbrio trmico presso atmosfrica normal (definida como tendo uma temperatura de 100C). No entanto, termmetros baseados na expanso de um lquido calibrados deste modo mas utilizando lquidos diferentes (p.ex., lcool e mercrio) podem apresentar discrepncias entre eles porque as propriedades de expanso trmica das duas substncias so diferentes. Alm disso, um termmetro de mercrio no pode medir temperaturas abaixo do ponto de congelao deste (-39C) e um termmetro de lcool no mede temperaturas acima do ponto de vaporizao deste (85C). Em termodinmica, muito conveniente ter uma escala de temperaturas que seja independente das propriedades de qualquer substncia, escala que denominada por escala termodinmica de temperatura.Notas No sc. XVII foi desenvolvido um termmetro de vidro com um lquido mas no havia nenhum padro para as temperaturas. Cada cientista tinha a sua prpria escala, muitas vezes baseadas em diferentes pontos de referncia. No princpio do sc. XVIII, foram apresentadas escalas universais de temperatura baseadas em pontos fixos (tais como a temperatura da mistura de gelo e gua, o ponto de ebulio da gua, etc.) por diversos fsicos: Daniel Gabriel Fahrenheit (1686-1736), Anders Celsius (1701-1744), e Ren-Antoine Ferchault de Raumur (1683-1757). Fahrenheit (fsico, alemo) inventou o 1 termmetro de lcool (1709) e o 1 termmetro de mercrio (1714); introduziu a escala de temperaturas Fahrenheit (1724). Celsius (fsico e astrnomo, sueco) introduziu uma escala de temperaturas centgrada (1742); a designao de escala Celsius (C) foi adoptada em 1948 numa conferncia internacional de pesos e medidas. William Thomson, Lord Kelvin (matemtico e fsico, ingls) introduziu a escala Kelvin (1848)Consultar os seguintes sites da net: http://es.rice.edu/ES/humsoc/Galileo/Things/thermometer.html)

http://inventors.about.com/library/inventors/blthermometer.htm

Num termmetro de gs a volume constante, a propriedade fsica cuja variao com a temperatura serve para medir esta, a presso. O gs (geralmente hidrognio ou hlio) est contido numa ampola em contacto com um manmetro de mercrio. O volume de gs mantido constante elevando ou baixando o reservatrio de mercrio. A altura da coluna de mercrio que obriga o gs a manter o volume permite conhecer a presso que exercida pelo gs. Mas esta presso proporcional temperatura (ver Figura seguinte), desde que o volume se mantenha constante. A experincia mostra que as leituras do termmetro so praticamente independentes do tipo de gs utilizado, desde que a presso deste seja baixa e a temperatura bem acima do ponto a 7

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partir do qual o gs se torna lquido. Se se extrapolar as linhas de variao de p com T, obtidas experimentalmente, para a regio de temperaturas negativas, a presso tende para zero quando a temperatura atinge o valor -273,15 C. Esta a base da escala de temperaturas Kelvin qual corresponde o valor 0 K. p dados medidos extrapolao 0

Gs A Gs B Gs C

- 273,15

T (C)

T = a + b p, sendo a e b constantes empricas

Nos primeiros termmetros de gs utilizou-se o ponto de fuso do gelo e o ponto de ebulio da gua para a respectiva calibrao. Mas como estes pontos so difceis de reproduzir experimentalmente, adoptou-se uma nova escala de temperaturas baseada num nico ponto: o ponto triplo da gua (temperatura qual coexistem em equilbrio gua lquida, vapor de gua e gelo) o qual corresponde a 0,01C presso (p) de 4,58 mm de mercrio. Nesta nova escala, o ponto triplo corresponde a 273,16 K. Esta a escala termodinmica de temperaturas no sistema SI e a unidade SI de temperatura termodinmica o Kelvin (definido como 1/273,16 da temperatura do ponto triplo da gua). A temperatura de 0 K referida como o zero absoluto (em 1989, conseguiram-se atingir temperaturas de 0,000000002 K). Em Fsica Clssica, a energia cintica das molculas de um gs seria nula no zero absoluto porque a a presso do gs (que proporcional energia cintica das molculas) nula. Mas isso no verdade e a Mecnica Quntica mostra que as molculas nesse estado tm uma quantidade finita de energia cintica. A temperatura na escala Kelvin definida por um termmetro de gs ideal a volume constante como: p K T = 273,16 p ponto triplo A escala Celsius foi inicialmente definida fazendo corresponder o valor zero temperatura do gelo fundente presso atmosfrica e o valor 100 temperatura de ebulio da gua mesma presso (esta escala comeou por se chamar escala Centgrada). H outras duas escalas de temperaturas que so normalmente utilizadas nos EUA e na GrBretanha, a escala Fahrenheit e a escala Rankine. Na escala Fahrenheit, a temperatura de fuso da gua 32F e a temperatura de ebulio 212F. A temperatura em graus Rankine (R) definida arbitrariamente como 1,8 vezes a temperatura em Kelvin (K).

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As relaes entre as diferentes escalas so as seguintes:

Celsius 100,00

Kelvin 373,15 273,16 273,15

Fahrenheit 212,00 32,02 32,00

Rankine 671,67 Tebul gua 491,69 491,67 Ponto triplo gua Tfuso gua

T (C) = T (K) - 273,15 T (F) = (9/5) T (C) + 32F T (C) = T (K) = (5/9) T (F) T (R) = 1,8 T (K)

0,01 0,00

- 273,15

0,00

- 459,67

0,00

Zero absoluto

3. Gs ideal. Teoria cintica dos gases. Gases reais. Gs ideal Vejamos as propriedades de um gs de massa m contido num recipiente de volume V presso p e temperatura T. Estas grandezas esto relacionadas entre si e a equao correspondente denomina-se equao de estado e , em geral, muito complicada. No entanto, se o gs estiver a uma presso baixa (baixa densidade) esta equao de estado simplifica-se. O comportamento de um gs com densidade baixa corresponde muito aproximadamente ao de um gs ideal. Considere-se um gs ideal contido num cilindro com um mbolo mantendo-se constante a massa do gs. Experincias realizadas mostraram que quando o gs mantido a temperatura constante a sua presso inversamente proporcional ao volume (lei de Boyle-Mariotte: pV = constante se a temperatura for constante) e que, a baixas presses, o volume directamente proporcional temperatura quando a presso mantida constante (lei de Gay-Lussac: V = Vo [1+ (T-To)]). Estas observaes podem ser traduzidas na seguinte equao de estado para um gs ideal: p V = n Ru T onde n o nmero de moles do gs, Ru uma constante e T a temperatura absoluta (em K). medida que a presso se aproxima de zero, a grandeza pV/nT tende para um valor constante e igual para todos os gases e por isso Ru denominada a constante universal dos gases. Em unidades SI (p em Pascal, V em m3), Ru tem o valor: Ru = 8,31 J/mol.K Se a presso vier expressa em atmosferas (1 atm = 1,01325x105 Pa) e o volume em litros (1 L = 10-3 m3), ento Ru = 0,0821 L.atm/mol.K (usando este valor, verifica-se que o volume ocupado por 1 mole de qualquer gs presso atmosfrica e a 0C 22,4 L).

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Nota Uma mole de molculas de uma substncia a massa dessa substncia que contm 6,022x1023 molculas. Uma mole de tomos de uma substncia a massa dessa substncia que contm 6,022x1023 tomos. Este nmero 6,022x1023 a constante de Avogadro (NA). O nmero de moles (n) de uma substncia relaciona-se com a sua massa (m) atravs da expresso n = m/M, onde M a massa molar (ou a massa de uma mole) da substncia. A massa molar de um elemento, expressa em gramas, numericamente igual ao nmero que exprime a massa atmica desse elemento (p. ex., a massa molar do oxignio atmico, O, 16 g mol-1; a massa molar do oxignio molecular, O2, 32 g mol-1). Como o nmero total de molculas (N) igual ao nmero de moles (n) multiplicado pela constante de Avogadro (NA), tambm podemos exprimir a lei dos gases em funo do nmero total de molculas (N): pV = nRuT = N/NA RuT = N kB T, onde kB (= Ru/NA) a constante de Boltzmann (kB = 1,38x1023 J K-1).m R u T , podemos exprimir a lei dos gases ideais em termos do volume M 1 especfico (v, volume por unidade de massa): p v = R u T = R T M pv = RT R onde v o volume especfico e R = u uma constante para cada gs (diferente de gs para M

Notando que pV =

gs). Nota Converso de unidades de presso 1 bar = 105 Pa 1 Torr = 133,322 Pa (1 Torr equivale a 1 mm de mercrio) 1 atm = 101325 Pa 1 psi = 6894,76 Pa (esta unidade pounds per square inch ainda , por vezes, utilizada) Teoria cintica dos gases Quando falmos das propriedades de um gs ideal referimo-nos a variveis macroscpicas tais como a presso, o volume ou a temperatura. O que vamos ver agora que essas propriedades podem ser descritas numa escala microscpica se considerarmos a matria como um agregado de molculas. Vamos aplicar de um modo estatstico as leis de Newton do movimento a um conjunto de partculas e considerar apenas o comportamento molecular de gases, nos quais a interaco entre molculas mais fraca do que nos lquidos ou nos slidos. Na teoria cintica dos gases, consideram-se as molculas como esferas rgidas a moverem-se de um modo aleatrio, colidindo elasticamente entre elas e com as paredes do reservatrio. As molculas no tm outro tipo de interaco entre elas para alm das colises e no se deformam. 10

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Este modelo s adequado para gases monoatmicos em que o nico modo de energia a energia cintica de translao; para molculas mais complexas em que h tambm rotao e vibrao das molculas, temos de modificar esta teoria. 3.2.1. Modelo molecular de um gs ideal Vamos considerar que: - O nmero de molculas grande e a separao mdia entre elas grande comparada com as suas dimenses. Neste caso, podemos desprezar o volume das molculas comparado com o do reservatrio. - As molculas obedecem s leis do movimento de Newton mas, no seu conjunto, movem-se aleatoriamente (i.e., cada molcula pode mover-se em qualquer direco e a qualquer velocidade) e a distribuio das velocidades no varia no tempo apesar das colises entre molculas. - As molculas colidem elasticamente (i.e., a energia cintica total e o momento linear total conservam-se) umas com as outras e com as paredes do reservatrio. - As foras entre molculas so desprezveis excepto durante a coliso. - O gs considerado uma substncia pura (i.e., todas as molculas so idnticas). Vamos deduzir a expresso da presso de N molculas de um gs ideal contido num volume V, que ser um cubo de lado d. Considere-se uma molcula (de massa m) com velocidade v (componentes vx, vy, vz) que colide com uma parede tal como est indicado na figura. Depois da coliso elstica, a componente x do momento linear passa a ser (mvx), e portanto a variao do momento linear da molcula : px = - m vx (m vx) = - 2 m vx Como h conservao do momento linear total (molcula+parede), ento a variao do momento linear da parede ser (2 m vx).

-vx

vx

A fora mdia exercida pela molcula sobre a parede no tempo t (tempo entre 2 colises com a mesma parede) est directamente relacionada com a variao do momento linear da parede: F1 t = p = 2 m vx 11

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Para que a molcula colida duas vezes com a mesma parede, ter de percorrer uma distncia 2d 2d ao longo da direco x e o tempo que decorre entre essas duas colises t = . Ento a fora vx F1 ser: 2mv x mv 2 x F1 = = t d A fora total exercida sobre a parede por todas as molculas ser a soma das foras correspondentes a N molculas: N m N m F = Fi = v 2 = N v2 xi x d i =1 d i =1 em que v 2 o valor mdio do quadrado da velocidade de N molculas na direco x. x Considerando agora uma molcula cujas componentes da velocidade so vx, vy e vz, o quadrado da sua velocidade dado pela relao: v 2 = v 2 + v 2 + v 2 e portanto o valor mdio de v2 para x y z todas as molculas no recipiente est relacionado com os valores mdios dos quadrados das componentes: v2 = v2 + v2 + v2 x y z Mas como o movimento completamente aleatrio, v 2 = v 2 = v 2 e portanto v 2 = 3v 2 . x y z x Ento, a fora total sobre a parede dada pela expresso: N m v2 F= 3 d A presso total sobre a parede obtida dividindo a fora total pela rea da parede (d2): p= F 1 N m v2 = d2 3 d3 1 N = m v2 3 V p=

2 N 1 2 m v 3 V 2 A presso proporcional ao nmero de molculas por unidade de volume e energia cintica mdia da molcula. Temos ento, atravs deste resultado, uma ligao entre uma grandeza macroscpica a presso e uma grandeza associada estrutura microscpica. Aquela expresso mostra que a presso aumenta com o nmero de molculas e com a energia cintica mdia das molculas, a qual, como veremos mais adiante, aumenta com a temperatura.

Notas: - Se queremos aumentar a presso de um pneu, metemos ar no pneu. - No devemos mandar aferir a presso dos pneus quando acabmos de andar muito tempo com o carro. Porqu?

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Actividade Consultar sites da net: http://comp.uark.edu/~jgeabana/mol_dyn/KinThI.html http://ucdsb.on.ca/tiss/stretton/chem1/gases9.html Interpretao molecular da temperatura Vamos agora examinar o significado de temperatura do ponto de vista molecular. Vimos que a equao de estado de um gs ideal (que baseada em dados experimentais) se pode exprimir como pV = N kB T onde kB a constante de Boltzmann. Mas a partir da expresso da 2 1 presso, deduzida com o modelo molecular de um gs ideal, temos pV = N m v 2 . Ento, 3 2 igualando as duas expresses, vem: 2 1 2 T= mv 3k B 2 A temperatura uma medida directa da energia cintica molecular mdia. Rearranjando esta equao: 1 3 3 v 2 = k BT ou mv 2 = k BT m 2 2 1 2 1 1 Como v 2 = v , ento m v 2 = k B T e o mesmo tipo de expresso se obteria para as outras x x 3 2 2 duas componentes da velocidade. Quer dizer que cada grau de liberdade (i.e., para cada modo independente pelo qual a molcula pode ter energia) translacional contribui com uma mesma 1 quantidade de energia ( k B T ) para o gs. Isto um caso particular do teorema da equipartio 2 da energia da Mecnica Estatstica. A energia translacional total de N molculas de gs dada por N vezes a energia mdia por molcula: 1 3 3 E = N( m v 2 ) = Nk B T = nR u T 2 2 2 visto que kB=Ru/NA e n=N/NA. A velocidade mdia quadrtica das molculas dada pela expresso: 3R u T 3R u T 3k B T = = v mq = v 2 = m mN A M onde M a massa molar (que igual ao produto da massa de cada molcula m pelo nmero de molculas existentes numa mole NA). Vemos que, a uma dada temperatura, as molculas mais leves movem-se mais rapidamente, em mdia, do que as mais pesadas (ver tabela junta).Gs H2 He H2O CO2 Massa molar (g mol-1) 2,02 4,0 18 44 vmq (ms-1) a 20C 1902 1352 637 408

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3.2.2. Calores especficos Calor especfico de um gs ideal monoatmico O calor necessrio para elevar a temperatura de n moles de um gs de Ti para Tf depende do processo entre os estados inicial e final. Considerando ento diferentes processos que levam o gs de um mesmo estado inicial para um mesmo estado final, a variao da energia interna (U) ser a mesma para todos eles. Mas pela primeira lei da Termodinmica, U = Q + W, e como o W difere de processo para processo (num diagrama pV, a rea sob a curva que representa o processo) ento Q tambm ser diferente para os diferentes processos. Consideremos ento dois processos que ocorrem mais frequentemente: processo a presso constante (isobrico) e processo a volume constante (isocrico). Vamos definir os calores especficos molares associados a estes processos do seguinte modo: Q = n Cp T (a presso constante) Q = n Cv T (a volume constante) Vimos anteriormente que a temperatura de um gs uma medida da energia cintica mdia de translao (do centro de massa) das molculas do gs, no se incluindo a energia de vibrao ou de rotao. Considerando um gs ideal monoatmico (1 tomo por molcula; p.ex., He, Ne, Ar), toda a energia cintica de translao. Toda a energia recebida por um gs monoatmico num recipiente vai aumentar a energia cintica de translao dos tomos. A energia trmica total de N molculas de um gs ideal monoatmico :3 3 N kB T = n Ru T 2 2 Note-se que a energia funo exclusiva da temperatura.

UE=

(a) Considere-se a transferncia de calor para um gs ideal monoatmico num processo a volume 3 constante (W = 0), Q = U = n R u T . Todo o calor transferido vai aumentar a energia interna 2 (e a temperatura) do gs. Como num processo a volume constante Q = n Cv T, ento igualando as duas expresses de Q, vem:3 R u = 12,5 J mol -1K 1 para um gs ideal monoatmico 2 A variao de energia interna de um gs ideal pode ser expressa na forma: U = n Cv T Se as variaes forem infinitesimais, no limite vem: Cv =

dU = n Cv dT

Cv =

1 dU n dT

(b) Vamos agora considerar um processo a presso constante em que se d a mesma variao de temperatura T que foi considerada no caso do processo a presso constante. O calor transferido

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dado pela expresso Q = n Cp T, mas agora vai haver tambm trabalho realizado pelo gs (porque o volume aumenta): W = - p V. Pela 1 lei vir: U = Q + W = n Cp T p V Como a energia interna de um gs ideal funo exclusiva da temperatura, e a variao T a mesma que considermos para o processo a volume constante, podemos escrever U = n Cv T. Por outro lado, p V = n Ru T (pela equao de estado) e portanto: n Cv T = n Cp T - n Ru T Cp Cv = Ru Esta relao vlida para qualquer gs ideal. O calor especfico molar a presso constante de um gs ideal maior que o calor especfico molar a volume constante. Isto lgico porque no caso de um processo isocrico todo o calor utilizado no aumento da energia interna, visto que no h trabalho realizado pelo gs, enquanto que num processo isobrico, alguma da energia trmica transformada em trabalho realizado pelo sistema. No caso de slidos ou de lquidos no h grande diferena entre estes dois calores especficos porque num processo a presso constante a expanso pequena. 3 No caso de um gs monoatmico, C v = R u , e portanto: 2 5 C p = R u = 20,8 J mol -1K -1 2 A razo entre estes calores especficos (a presso e a volume constante) uma grandeza adimensional denominada coeficiente adiabtico, : Cp = Cv No caso de um gs ideal monoatmico = 5/3 = 1,67. Calor especfico de um gs ideal mais complexo. Equipartio da energia No caso de gases mais complexos (em que se tem de considerar as contribuies dos modos 3 vibracionais e rotacionais), j no se verifica C v = R u e por isso 1,67. 2 De facto, a energia trmica de um gs inclui contribuies dos movimentos de translao, de vibrao e de rotao das molculas. Dado que estes dois ltimos movimentos podem ser activados por colises, eles esto ligados ao movimento de translao. A Mecnica Estatstica mostra que para um nmero grande de partculas obedecendo s leis de Newton, a energia disponvel , em mdia, comparticipada igualmente por cada um dos graus de liberdade (nmero de meios independentes pelos quais uma molcula possui energia). Consideremos ento um gs diatmico em que as molculas tm a forma de um haltere. Neste modelo, o centro de massa da molcula pode mover-se nas direces x, y e z. Alm disso, a molcula pode rodar em torno de 3 eixos perpendiculares entre si mas s se consideram 2 graus de liberdade rotacionais relativos aos dois eixos que so perpendiculares ao eixo que une os tomos. Ento, h 5 graus de liberdade (3 associados com o movimento de translao e 2 com o 1 de rotao). Como cada grau de liberdade contribui, em mdia, com k B T de energia por 2 molcula, ento a energia total de N molculas : 15

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1 1 5 5 U = 3N( k B T ) + 2N( k B T ) = Nk B T = nR u T 2 2 2 2 O calor especfico molar a volume constante pode ento ser obtido do seguinte modo: 1 dU 5 Cv = = Ru n dT 2 E como Cp Cv = Ru e =Cp/Cv, vem: 7 7 C p = R u ~29,1 J mol-1 K-1 = = 1,40 2 5 Estes resultados concordam bastante bem com grande parte dos resultados experimentais (ver tabela seguinte), apesar de no terem sido contabilizados os graus de liberdade correspondentes aos modos vibracionais (que seriam dois, associados respectivamente s energias potencial e cintica das vibraes). Os dados experimentais sugerem que algumas das molculas diatmicas (p. ex., H2 e N2) no vibram temperatura ambiente mas outros (p.ex., Cl2) vibram. Para molculas com mais de 2 tomos o nmero de graus de liberdade aumenta resultando em calores especficos maiores, o que est de acordo com os dados experimentais.Cp (J mol-1 K-1) He Ar Kr H2 N2 O2 Cl2 CO2 SO2 H 2O 20,8 20,8 20,8 28,8 29,1 29,4 34,7 37,0 40,4 35,4 Cv (J mol-1 K-1) Gases monoatmicos 12,5 12,5 12,3 Gases diatmicos 20,4 20,8 21,1 25,7 Gases poliatmicos 28,5 31,4 27,0 Cp-Cv 8,33 8,33 8,49 8,33 8,33 8,33 8,96 8,50 9,00 8,37 =Cp/Cv 1,67 1,67 1,69 1,41 1,40 1,40 1,35 1,30 1,29 1,30

Exerccio sugerido Demonstre que num processo adiabtico reversvel de um gs ideal as seguintes relaes so vlidas: pV = constante TV1 = constante Sugesto: considere dU = n Cv dT (variao da energia interna de um gs ideal s depende da variao da temperatura) e dU = Q + W = W = - pdV. Ento, igualando estas 2 expresses de dU: n Cv dT = - p dV. Diferenciando a equao de estado do gs ideal: p dV + V dp = n Ru dT R Eliminando dT entre estas duas equaes: p dV + V dp = - u p dV Cv Substituindo Ru = Cp-Cv dividindo tudo por pV: C p C v dV dV dp dV dp dV ou + =0 + = V = (1 ) V C V p p V v Integrando, vem ln p + ln V = constante ou pV = constante

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Vimos que o teorema da equipartio da energia consegue explicar alguns aspectos do calor especfico mas no explica a variao deste com a temperatura. Por exemplo, o Cv do hidrognio 5 7 R u entre 250 K e 750 K, mas aumenta para cerca de R u para temperaturas acima de 750 2 2 K. Isto sugere que h vibraes a altas temperaturas. Por outro lado, para temperaturas muito 3 menores que 250 K, o valor R u , sugerindo que a molcula s tem energia translacional a 2 baixas temperaturas. As dificuldades em explicar estes fenmenos atravs do teorema da equipartio da energia devem-se ao facto de a mecnica clssica ser inadequada quando se aplica a sistemas moleculares. S um modelo baseado na mecnica quntica seria inteiramente satisfatrio. Calor especfico de slidos Os calores especficos dos slidos em geral decrescem no linearmente com o decrscimo da temperatura aproximando-se de zero medida que a temperatura absoluta tende para zero. A altas temperaturas (>300 K), os calores especficos molares dos slidos tendem para um valor de 3Ru (~25 J mol-1 K-1) como diz a lei de DuLong-Petit (para os slidos, o produto do calor especfico pela massa molar constante). O calor especfico de um slido a altas temperaturas pode ser explicado pelo teorema da equipartio. Para pequenos deslocamentos de um tomo em torno da sua posio de equilbrio, cada tomo realiza um movimento harmnico simples nas direces x, y e z. A energia associada com o movimento vibracional consiste em energia cintica (associada velocidade dos tomos) e energia potencial (associada posio dos tomos). Na direco x ser ento: 1 1 E x = mv 2 + kx 2 x 2 2 As energias na direco do eixo dos yy e na do eixo dos zz so semelhantes. Ento cada tomo do slido tem 6 graus de liberdade e portanto tem uma energia vibracional mdia de1 6 k B T = 3k B T . A energia total de N tomos : 2

U = 3 N kB T = 3 nRuT O calor especfico molar de um slido a volume constante : 1 dU Cv = = 3R u n dT Este resultado est de acordo com a lei de DuLong-Petit. A falta de concordncia entre este modelo e os dados experimentais a baixas temperaturas devese incapacidade da mecnica clssica para explicar alguns aspectos dos movimentos moleculares. 3.2.3. Distribuio de velocidades moleculares A distribuio da velocidade das molculas de gs em equilbrio trmico est representada na figura junta, sendo Nv a funo de distribuio de Maxwell-Boltzmann. Se N for o nmero total de molculas, ento o nmero de molculas com velocidades entre v e v+dv dado por Nvdv e a

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N v dv . Esta fraco corresponde N probabilidade de que uma molcula tenha uma velocidade entre v e v+dv. A expresso da funo de distribuio de velocidades de N molculas de gs : 2 m N v = 4 N( ) 3/2 v 2 e mv /2k BT 2 k B T onde m a massa de uma molcula de gs.fraco de molculas com velocidades entre v e v+dv

vmp

v

vmq

(adaptado de Serway, 4 edio)

A velocidade mdia v um pouco menor do que a velocidade mdia quadrtica vmq. A velocidade mais provvel vmp a velocidade para a qual a curva de distribuio tem um mximo. A partir da expresso de Nv pode-se determinar essas trs grandezas:

v mq = v 2 = 3k B T/m = 1,73 k B T/m v = 8k B T/ m = 1,60 k B T/mv mp = 2k B T/m = 1,41 k B T/m Comparando curvas de distribuio de velocidades para diferentes temperaturas, elas desviam-se para direita (i.e., para valores de v maiores) com o aumento da temperatura, tornando-se mais largas e abrangendo um maior intervalo de velocidades. A forma assimtrica da curva deve-se ao facto de que a menor velocidade possvel zero enquanto que o limite superior clssico infinito. A distribuio de velocidades moleculares de um gs, para alm da temperatura, tambm depende da massa da molcula. Para uma dada temperatura, a fraco de molculas com velocidades excedendo um dado valor aumenta medida que a massa aumenta.

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Nv (molculas/ m s-1)

Curvas para N=105 molculas de azoto

(adaptado de Serway, 4 edio)

A distribuio de velocidades de molculas de um lquido semelhante de um gs. O fenmeno da evaporao de um lquido pode ento ser compreendido: as molculas do lquido com maiores velocidades conseguem atravessar a superfcie do lquido e abandon-lo mesmo a temperaturas muito abaixo do ponto de ebulio. Essas molculas que escapam do lquido por evaporao tm energia suficiente para vencer as foras atractivas das molculas da fase lquida. Ento as molculas que ficam nesta fase tm uma energia cintica mdia mais baixa e fazem com que a temperatura do lquido baixe. por isso que a evaporao um processo de arrefecimento. 3.2.4. Percurso livre mdio As molculas colidem entre si porque no so pontos geomtricos e portanto no se deslocam em linha recta. A distncia mdia entre colises denomina-se percurso livre mdio. O percurso das molculas individuais aleatrio. Vamos obter uma estimativa do percurso livre mdio de uma molcula de gs. Supondo que as molculas so esferas de dimetro d, duas molculas s colidem se os seus centros estiverem a uma distncia menor que d. Isto pode ser considerado equivalente a ter uma molcula com um dimetro 2d e as outras serem pontos geomtricos.

d

2d Num intervalo de tempo t, uma molcula com velocidade igual velocidade mdia v , percorre a distncia v t. Nesse mesmo intervalo de tempo, uma molcula com um dimetro equivalente 2d

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varre um cilindro com uma seco recta d2 e comprimento v t (portanto com volume d2 v t). Se nV for o nmero de molculas por unidade de volume, ento o nmero de molculas no cilindro (d2 v t nV). Como a molcula de dimetro 2d colide com todas as molculas neste cilindro no tempo t, o nmero de colises d2 v t nV. O percurso livre mdio l a distncia mdia entre colises e portanto igual distncia mdia percorrida a dividir pelo nmero de colises no tempo t: l = vt d vt nv2

=

1 d 2n v

O nmero de colises por unidade de tempo frequncia de coliso dado por f = d 2 v n v . O inverso o tempo mdio entre colises tempo livre mdio. Nesta anlise considermos estacionrias as molculas no cilindro. Se o movimento dessas molculas for tido em conta, os resultados correctos so: l = 1 2 d nv2

f=

2 d2 v n v = v / l

Gases reais 3.3.1. Modelo molecular de um gs de van der Waals At agora considerou-se que os gases obedeciam equao de estado dos gases ideais, (pV = nRuT) o que uma boa aproximao para os gases reais a temperaturas e presses normais. Na deduo da equao de estado dos gases ideais desprezou-se o volume ocupado pelas prprias molculas e as foras intermoleculares. Vamos ver agora o efeito de no desprezar estes dois aspectos. No caso de um gs ideal, se a temperatura se mantiver constante, a variao da presso com a variao do volume corresponde a uma curva hiperblica (pV=cte) num diagrama pV. Mas se se tratar de um gs real, as curvas experimentais diferem de hiprboles a no ser para temperaturas muito elevadas. As razes para este comportamento dos gases reais tm justamente a ver com o volume das molculas e as foras entre elas. medida que a presso aumenta num sistema gasoso, o volume ocupada pelas molculas pode-se tornar uma parte significativa do volume total e as foras de atraco entre molculas tornam-se importantes. Van der Waals (1873) props as seguintes modificaes equao de estado dos gases ideais. Se o volume do recipiente for V e o volume ocupado pelas molculas for nb, ento o volume disponvel para o gs V-nb, em que b uma constante para cada gs e n o nmero de moles. Para uma dada quantidade de gs, quanto menor for o volume do recipiente maior a fraco deste ocupada pelas molculas. Ento, em vez da equao dos gases ideais, teramos: nRu T R T p= = u V nb V b n

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No que diz respeito s foras intermoleculares, estas so tanto mais importantes quanto mais prximas estiverem as molculas. A atraco entre molculas altera as trajectrias destas (encurva-as) aumentando o tempo de translao. Isto diminui a frequncia de colises nas paredes, resultando num decrscimo da presso exercida sobre estas. Este decrscimo proporcional fora atractiva que se exerce sobre cada molcula que se aproxima da parede e tambm ao nmero de molculas que se aproximam da parede por unidade de rea. Qualquer n destas duas grandezas , aproximadamente, proporcional densidade de partculas no gs e V n portanto teremos um factor correctivo proporcional a V 2 V 2

A presso resultante reduzida de

um factor n a , em que a uma constante. Daqui resulta a equao de estado de van der 2 Waals:

p=ou na forma

Ru T n2 2a V b V n

2 p + n a V b = Ru T V2 n

Em termos de volume molar (v) a equao de van der Waals tem a forma seguinte: a (v b ) = Ru T p+ v2

Para cada gs, as constantes a e b so empricas e so escolhidas de modo a ajustar a equao aos dados experimentais. Na tabela seguinte indicam-se valores destas constantes para vrias substncias no estado gasoso.Substncia Ar Dixido de carbono (CO2) Azoto (N2) Hidrognio (H2) gua (H2O) Amnia (NH3) Hlio (He) Freon (CCl2F2) a (J. m3mole-2) 0,1358 0,3643 0,1361 0,0247 0,5507 0,4233 0,00341 1,078 b (m3mole-1) 3,64x10-5 4,27x10-5 3,85x10-5 2,65x10-5 3,04x10-5 3,73x10-5 2,34x10-5 9,98x10-5

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medida que a presso diminui, os termos correctivos tornam-se desprezveis. Empiricamente observa-se que, medida que a presso aumenta, o termo de correco que mais rapidamente se torna importante o da presso. A equao de van der Waals tem um problema: as constantes a e b so, na realidade, dependentes da temperatura e, portanto, os seus valores tm de ser determinados empiricamente para diferentes domnios de p e T. 3.3.2. Outras equaes de estado de gases reais Devido complexidade das foras intermoleculares, o comportamento de um gs real no pode ser rigorosamente descrito por uma simples equao de estado como a de Van der Waals, mas os aspectos bsicos que dela se depreendem esto correctos. Com temperaturas muito baixas, as molculas com baixa energia atraem-se entre si e o gs tende a liquefazer-se. Se se aumentar a presso acelera-se a liquefaco. Com temperaturas elevadas, a energia cintica mdia suficientemente grande para vencer as foras de atraco entre molculas e portanto as molculas no se agregam e a fase gasosa mantm-se. A equao de estado de Beattie-Bridgeman, proposta em 1928, baseia-se em 5 constantes determinadas empiricamente:p= RuT v2

(1

c vT3

)(v + B)

A v2

em que A = A o (1 ) e B = B o (1 ) , sendo v o volume especfico molar. A equao de estado de Benedict-Webb-Rubin, proposta em 1940, aumentou para oito o nmero de constantes empricas:R T C bR u T a a v2 1 c p = u + (B o R u T A o o ) (1 + + + + )e v T2 v2 v3 v 6 v 3T 2 v2

a v

b v

A figura seguinte (curvas isobricas num diagrama T-v) mostra a percentagem de erro correspondente s trs equaes de estado referidas, no caso do azoto (% erro:v tabela v equao v tabela

Ref.: Thermodynamics. An Engineering Approach. Y. A. engel & M. A. Boles).

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Vemos que o erro aumenta com o aumento da presso e que, de um modo geral, o erro maior no caso da equao de van der Waals do que no caso das outras duas equaes de estado. A equao de estado de uma substncia tambm pode ser expressa como uma soma de termos do tipo:p= R u T a(T) b(T) c(T) d(T) + + + + + ... v v2 v3 v4 v5

Equaes deste tipo chamam-se equaes de estado do virial e os coeficientes a, b, c, d, so os coeficientes do virial. Estes podem ser determinados experimentalmente ou teoricamente a partir da mecnica estatstica.

4. Energia, calor e trabalho. Primeiro Princpio da Termodinmica. Aplicaes. Sabemos que a energia no pode ser criada ou destruda mas apenas transformada de uma forma para outra. O primeiro princpio da Termodinmica pode ser considerado como uma generalizao do princpio da conservao da energia mecnica. H trs grandezas em jogo: a energia interna, o trabalho e o calor. Qualquer delas tem dimenses de energia mas tanto o trabalho como o calor s podem ser considerados como meios de transferncia de energia. 4.1. Formas de energia A energia pode existir em diversas formas: trmica, mecnica (cintica, potencial), elctrica, magntica, qumica e nuclear. A energia total (E) de um sistema a soma destas diferentes formas de energia. Em Termodinmica, o foco principal a variao da energia total e no o valor desta e portanto pode-se fazer corresponder a um valor nulo a energia total de um sistema num determinado ponto de referncia que seja conveniente. A variao da energia total de um sistema independente desse ponto de referncia. Geralmente em Termodinmica, consideram-se as vrias formas de energia de um sistema divididas em dois grupos: macroscpico e microscpico. As formas macroscpicas de energia correspondem s que o sistema, como um todo, possui relativamente a algum referencial exterior: energia cintica (associada ao movimento do sistema relativamente a um referencial) e energia potencial (resultado da elevao do sistema num campo gravitacional). As formas microscpicas de energia esto relacionadas com a estrutura molecular do sistema e com o grau de actividade molecular, sendo independentes de qualquer sistema de referncia exterior. A soma de todas as formas microscpicas de energia designa-se por energia interna do sistema. Este termo e o seu smbolo (U) apareceu pela primeira vez com os trabalhos de Clausius e Rankine. A energia interna corresponde soma das energias cinticas e potenciais das molculas. No caso de um gs, as molculas movem-se no espao com uma certa velocidade a que corresponde uma energia cintica translacional. Os tomos de uma molcula poliatmica rodam em torno de um eixo e a energia associada a esta rotao a energia cintica rotacional. Mas tambm podem vibrar em torno do centro de massa comum e a energia associada a energia cintica vibracional. No caso dos gases, a energia cintica principalmente translacional e rotacional mas, para altas temperaturas, o movimento vibracional torna-se importante. Os electres e outras partculas no

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ncleo do tomo tambm tm energia cintica rotacional (rotao em torno do ncleo) e de spin (rotao em torno do seu eixo). A energia interna est tambm associada com as vrias foras de ligao entre as molculas, entre os tomos dentro de uma molcula e entre as partculas dentro do tomo e do seu ncleo. As foras que unem as molculas umas s outras so mais fortes nos slidos e mais fracas nos gases. Se for transferida para as molculas de um slido ou de um lquido uma quantidade de energia suficiente, as molculas conseguem vencer estas foras moleculares e passar ao estado gasoso, dando-se uma transio de fase. A energia interna associada fase de um sistema designada por energia latente. A energia interna associada s ligaes atmicas numa molcula corresponde energia qumica. Durante uma reaco qumica, algumas ligaes qumicas so destrudas e outras so formadas e, como resultado, h variao da energia interna. As foras nucleares, dentro do ncleo do tomo, so muito maiores do que as foras que ligam os electres ao ncleo e a energia associada a elas designa-se por energia nuclear. A energia interna uma funo de estado do sistema (i.e., uma funo dos parmetros de estado). A energia interna a energia de um sistema que esteja estacionrio (sem movimento de translao e de rotao), e inclui a energia nuclear, a energia qumica, a energia de compresso (como no caso de uma mola comprimida ou esticada) e a energia trmica. A energia trmica a fraco da energia interna que varia quando a temperatura do sistema varia. A transferncia de energia trmica causada pelas diferenas de temperatura entre o sistema e a sua vizinhana. As nicas formas de transferncia de energia associadas a um sistema fechado so o trabalho e o calor. No caso de um sistema aberto (ou volume de controlo), tambm pode haver trocas de energia associadas ao fluxo de massa. 4.2 Transferncia de energia sob a forma de calor At aos princpios do sculo XIX, considerava-se que havia transferncia de uma substncia denominada calrico nos processos que se davam ao pr dois sistemas, inicialmente a temperaturas diferentes, em contacto, acabando ambos por ficar a uma temperatura intermdia entre as respectivas temperaturas iniciais. O sistema a temperatura mais alta teria mais calrico que o outro a temperatura mais baixa. Hoje em dia, dizemos que houve transferncia de energia sob a forma de calor. A direco da transferncia de energia sempre do corpo a temperatura mais elevada para o corpo a temperatura mais baixa. Calor ento uma transferncia de energia entre dois sistemas (ou entre um sistema e a sua vizinhana) devida a uma diferena de temperaturas. Calor energia em trnsito, no uma propriedade do sistema! Se o sistema estiver envolvido por uma parede adiabtica, ele no poder trocar calor com a vizinhana. importante notar que pode haver uma variao de temperatura do sistema sem ter havido transferncia de energia trmica (ou calor): pode ter havido transferncia de energia sob a forma de trabalho. Por exemplo, um gs num cilindro com paredes adiabticas, ao ser comprimido por um mbolo, vai aquecer e a sua energia trmica aumenta (mesmo sem ter havido transferncia de calor atravs das paredes e do mbolo).

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Nota Antes de se ter compreendido que o calor uma forma de transferncia de energia, definia-se calor em termos das variaes de temperatura produzidas no sistema e definia-se caloria (cal) como a quantidade de calor necessria para aumentar a temperatura de 1 g de gua de 14,5 para 15,5C. Hoje em dia a unidade utilizada para a transferncia de calor o Joule (1 cal 4,186 J). Mas quando nos referimos ao valor energtico dos alimentos geralmente ainda usamos a Caloria (com C maisculo) que corresponde a 1 kcal.

Nota Converso de unidades de energia 1 erg = 10-7 J 1 BTU = 1,055x103 J (esta unidade British Thermal Unit ainda muito utilizada na indstria) H vrias formas de transferir calor para um sistema: por conduo, por conveco e por radiao. A conduo pode ser considerada como uma troca de energia cintica entre molculas em coliso. A taxa qual o fluxo de calor por conduo se d, depende do gradiente de temperatura. Na conveco, a substncia aquecida move-se (p. ex, o ar aquecido por um radiador numa sala). A conveco pode ser natural, se o movimento for gerado por diferenas de densidade (ar quente sobe) ou forada se o movimento da substncia aquecida for forado (por exemplo, por uma ventoinha ou por uma bomba). A radiao provm da energia electromagntica que todos os corpos a uma temperatura diferente do zero absoluto emitem. Um corpo negro (ou absorvente ideal) absorve toda a energia que nele incide e emite o mximo possvel para qualquer corpo com a mesma temperatura, dimenses e forma. Calor especfico Quando se transfere calor para um sistema (sem haver trocas de energia sob a forma de trabalho), a sua temperatura geralmente sobe (dizemos geralmente porque h excepes, como durante as transies de fase em que o calor fornecido ao sistema utilizado para modificar a estrutura molecular e no para elevar a sua temperatura). A quantidade de calor necessria para elevar de 1K a temperatura de uma dada massa de substncia denomina-se capacidade trmica (C). Se a quantidade Q de energia trmica for transferida para um sistema, a temperatura deste varia de acordo com a seguinte relao: Q = C T O calor especfico (c) refere-se massa unitria da substncia: Q c= m T Ento, a energia trmica Q, transferida entre um sistema de massa m e a sua vizinhana, correspondendo a uma variao de temperatura de Ti para Tf, ser dada por: Q = m c dTTi Tf

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Em princpio, o calor especfico depende da temperatura mas se puder ser considerado constante no intervalo de temperaturas daquele integral, ento podemos escrever simplesmente: Q = m c (T f Ti ) O calor especfico, no caso de um sistema simples, tem valores diferentes conforme o processo. No caso de um processo a presso constante e de um processo a volume constante, teremos, respectivamente, o calor especfico a presso constante (cp) ou o calor especfico a volume constante (cv). Na tabela seguinte so dados valores do calor especfico a presso constante para algumas substncias.Calor especfico (J kg-1 K-1) Slidos elementares Alumnio 900 Ferro 448 Cobre 387 Ouro 129 Chumbo 128 Outros slidos Madeira 1700 Vidro 837 Gelo (-5C) 2090 Mrmore 860 Granito 670 Basalto 837 Lquidos gua (15C) 4186 Mercrio 140 lcool (etlico) 2400 Substncia

Exerccio sugerido Considerando o valor para a energia trmica recebida sob a forma de radiao solar na superfcie do globo terrestre de 180 Wm-2 (valor razovel para um local a cerca de 40N), calcule a taxa de variao de temperatura de 1 kg de gua e de 1 kg de granito. Que concluso pode retirar dos resultados? Se em vez de nos referirmos unidade de massa, nos referirmos a 1 mole da substncia, ento a capacidade calorfica por mole designa-se por calor especfico molar. Calor latente Quando se transfere energia trmica para uma substncia, em geral a temperatura desta aumenta. H no entanto situaes em que isto no acontece, como no caso em que a substncia sofre uma transio de fase (da fase slida para a lquida: fuso; da fase lquida para a de vapor: vaporizao, etc.). Nestes casos, enquanto durar a transio de fase, a energia que est a ser transferida para a substncia utilizada na mudana da sua estrutura molecular (o que envolve variaes da energia interna) e a substncia mantm a temperatura. A energia trmica necessria para mudar a fase de uma dada massa (m) de substncia pura dada por: Q=mL

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em que L, o calor latente da substncia, depende da natureza da mudana de fase e das propriedades da substncia (por exemplo, da temperatura, da presso). A tabela seguinte mostra os valores do calor latente de fuso e do calor latente de vaporizao e as temperaturas a que se do as respectivas transies de fase (em condies de presso normal), para diversas substncias. Para uma dada substncia, o valor do calor latente de vaporizao muito maior (uma ordem de grandeza ou mais) que o de fuso. Este facto no de estranhar porque, para contrariar as foras atractivas entre as molculas de um lquido e conseguir separ-las tanto como o que normalmente corresponde fase de vapor, necessria mais energia do que para passar de uma estrutura slida fortemente ordenada para uma estrutura lquida um pouco menos ordenada.Fuso Substncia Azoto Oxignio gua Chumbo Alumnio Ouro Cobre Tra de fuso (C) - 209,97 - 218,79 0,00 327,3 660 1063,00 1083 Calor latente (J kg-1) 2,55 x 104 1,38 x 104 3,33 x 105 2.45 x 104 3,97 x 105 6,44 x 104 1,34 x 105 Vaporizao Tra de vaporizao (C) - 195,81 - 182,97 100,00 1750 2450 2660 1187 Calor latente (J kg-1) 2,01 x 105 2,13 x 105 2,26 x 106 8,70 x 105 1,14 x 107 1,58 x 106 5,06 x 106

Exerccio sugerido Considere a converso de 1 kg de gelo ( temperatura de 5,0 C) em vapor de gua a 120,0C. Calcule a energia trmica necessria para esta converso (utilize o valor de 2,01 x 103 J kg-1 K-1 para o calor especfico do vapor entre 100 C e 120C).T (C) 120 100vapor gua + vapor

0 - 30

gua gelo gelo+gua

Energia trmica fornecida

4.3. Transferncia de energia sob a forma de trabalho Podemos definir trabalho como uma transferncia de energia entre um sistema e a sua vizinhana cujo nico efeito externo s fronteiras do sistema pudesse ter sido a elevao de um peso. O trabalho realizado por (ou sobre) um sistema corresponde a uma transferncia de energia entre o sistema e a sua vizinhana. No tem sentido falar de trabalho de um sistema mas sim de trabalho realizado (ou recebido) pelo sistema, porque para haver trabalho tem de haver um processo de transferncia de energia sob essa forma. O trabalho do ponto de vista termodinmico pode 27

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coincidir com o trabalho mecnico (no caso de sistemas simples) mas pode tambm corresponder a um trabalho qumico, magntico, elctrico, etc. O trabalho realizado pelos sistemas pode ser expresso sob a forma do produto de uma varivel intensiva pela variao infinitesimal da varivel extensiva conjugada. Por agora vamos considerar apenas o trabalho mecnico associado variao de volume do sistema, mas a tabela junta mostra a expresso do trabalho para vrios tipos de sistemas.Sistema Varivel intensiva (fora generalizada) Varivel extensiva (deslocamento generalizado) Trabalho

Hidrosttico Fio extensvel Pelcula superficial Clula elctrica Slido magntico

Presso, p Fora aplicada, F Tenso superficial, Fora electromotriz, Intensidade magntica, H

Volume, V Comprimento do fio, L rea superficial, A Carga elctrica, Z Magnetizao, M

- p dV F dL dA dZ H dM

Trabalho mecnico Considere-se um gs contido num cilindro com um mbolo mvel. O gs ocupa um volume (V) e exerce uma presso (p) sobre as paredes e o mbolo. Se este tiver uma seco recta com uma rea A, a fora exercida pelo gs sobre o mbolo ser o produto da presso pela rea (p A). Supondo que o gs se expande de um modo quase-esttico (i.e., to lentamente que o sistema se mantm essencialmente em equilbrio ao longo de todo o processo) deslocando o mbolo de uma distncia infinitesimal dl, ento o trabalho realizado ser pAdl. Vamos adoptar a seguinte conveno: o trabalho negativo ou positivo conforme o sistema aumenta ou diminui de volume. Isto corresponde ao facto de que quando o sistema aumenta (diminui) de volume ele est a realizar (receber) trabalho e portanto a perder (ganhar) energia e da o sinal negativo (positivo).

dl

Ento o trabalho infinitesimal realizado pelo gs ser: W = - p dV Escrevemos W e no dW (que corresponderia diferencial de uma funo W) porque o trabalho (W) no corresponde a uma funo de estado: o trabalho depende do processo que leva o sistema 28

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do estado inicial ao estado final. Portanto, W no diferencivel. W significa apenas a transferncia de uma quantidade infinitesimal de energia sob a forma de trabalho. Note-se que h dois requisitos para que se d uma interaco do tipo trabalho mecnico entre um sistema e a sua vizinhana: (i) tem de haver uma fora a actuar sobre a fronteira do sistema e (ii) a fronteira tem de se mover. O deslocamento da fronteira sem haver qualquer fora que se oponha ou que cause o movimento (tal como ocorre durante a expanso livre de um gs para uma regio de vcuo) no corresponde a um trabalho. Num processo quase-esttico existe praticamente equilbrio mecnico em todas as etapas do processo. Ento num processo quase-esttico finito, no qual o volume varia de V1 para V2, o trabalho mecnico dado pelo integral:

W = p(V ) dVV1

V2

em que p(V) significa que a presso varia com o volume do sistema. Num grfico que tenha como coordenadas p e V (diagrama de Clapeyron), o trabalho corresponder rea sob a curva que representa a variao de p em funo de V: p 1 2V1 V2

V

Na figura, o trabalho negativo pela conveno acima referida (sistema aumenta de volume realizando trabalho). Se o processo quase-esttico que liga os estados 1 e 2 fosse representado por uma curva diferente, a rea que mede o trabalho realizado seria diferente. Ento conclumos que o trabalho depende no s dos estados inicial e final do sistema mas tambm do prprio processo entre esses estados. Se o processo for cclico, i.e., se o estado inicial e final coincidirem, o trabalho pode ser diferente de zero. W = p dV 0 A representao, num diagrama p-V, do trabalho resultante num processo cclico corresponde rea envolvida pela curva que representa o processo. p

V

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Exerccios sugeridos Calcule o trabalho mecnico realizado num processo quase-esttico entre dois estados, nos seguintes casos: a) Processo isocrico (a volume constante). b) Expanso isobrica (a presso constante) entre os volumes V1 e V2. c) Expanso isotrmica (a temperatura constante) de um gs ideal. d) Expanso adiabtica (sem trocas de calor) de um gs ideal, sabendo que a relao entre p e V nesse processo dada por pV = Cte, onde (>1) o coeficiente adiabtico do gs ( = cp/cv).

4.4. Primeiro Princpio da Termodinmica. Aplicaes. A primeira lei da Termodinmica corresponde a uma lei de conservao da energia em que se consideram as trocas de energia sob a forma de calor e de trabalho e a variao da energia interna. Supondo ento que um sistema sofre uma mudana de um estado (estado inicial) para outro estado (estado final), durante a qual troca calor (Q, positivo se for transferido para o sistema) e trabalho (W, positivo se for transferido para o sistema). A quantidade Q + W, se for medida em diferentes processos que levem o sistema do mesmo estado inicial para o mesmo estado final, exactamente a mesma para todos esses processos. A esta quantidade, que completamente determinada pelos estados inicial e final, no dependendo da forma como o sistema levado de um para o outro estado, chamamos variao da energia interna do sistema (U = Uf Ui). Ento a expresso deste facto constitui o primeiro princpio da Termodinmica: U = Uf Ui = Q + W Se um sistema sofrer uma variao infinitesimal de estado, em que quantidades muito pequenas de trabalho (W ) e de calor (Q ) so trocadas com o exterior, a 1 lei pode ser escrita na forma: dU = Q + W onde dU representa uma diferencial exacta, ou seja a diferencial de uma funo de estado. A variao de uma funo de estado entre dois estados s depende destes. Repare-se que no caso do trabalho e do calor utilizmos o d cortado () justamente para assinalar que no se trata do operador diferencial visto que nem Q nem W so funes de estado. Ao nvel microscpico, a energia interna de um sistema inclui a energia potencial e a energia cintica das molculas que o constituem. Considerando apenas sistemas simples em que o trabalho ser apenas mecnico (W= - pdV), ento para um processo quase-esttico podemos escrever: dU = Q p dV Consideremos alguns casos particulares de processos com relevncia: (i) Sistema isolado (sem interaco com a vizinhana) Como neste caso Q = W = 0, ento: U = 0 A energia interna de um sistema isolado mantm-se constante.

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(ii) Sistema no isolado, processo cclico Como o processo cclico, os estados inicial e final so iguais e portanto a variao de energia interna (U) nula. Ento: Q+W=0 o que significa que a energia trmica fornecida ao sistema (Q > 0) igual ao trabalho realizado pelo sistema (W < 0), ou que a energia trmica fornecida pelo sistema (Q < 0) igual ao trabalho realizado sobre o sistema (W > 0). (iii) Processo adiabtico Um processo adiabtico caracteriza-se por no haver trocas de energia trmica entre o sistema e a vizinhana, o que na prtica se consegue isolando termicamente o sistema ou realizando muito rapidamente o processo. Ento Q = 0 e portanto: U = W No caso, por exemplo, de um gs, se este se expandir adiabaticamente (W < 0, Q = 0), a energia interna ter de decrescer (U < 0) e a temperatura do gs diminuir. Se o gs for comprimido adiabaticamente, a sua temperatura vai aumentar (um exemplo prtico o aquecimento de uma bomba de encher os pneus da bicicleta, e que devido ao aquecimento do ar ao ser comprimido no interior da bomba). (iv) Processo isocrico (volume constante) Se considerarmos apenas o trabalho mecnico (-p dV), neste caso como o volume se mantm constante, o trabalho ser nulo e portanto a energia trmica trocada com a vizinhana igual variao da energia interna do sistema: U = Q Durante a exploso da mistura de vapor de gasolina e ar no cilindro de um motor (de exploso), a temperatura e a presso sobem bruscamente porque o volume do cilindro no varia quase nada durante a curta durao da exploso. (v) Expanso livre adiabtica de um gs Considerando um gs que se expande livremente para uma regio de vcuo isolada termicamente, no h trabalho posto em jogo (o gs no realiza nem recebe trabalho) e portanto Q = W = 0. Ento neste processo ser: U = 0 Os valores da energia interna inicial e final de um gs coincidem numa expanso livre adiabtica. No caso de um gs ideal, como a energia interna depende apenas da temperatura (como vimos), no haver variaes de temperatura do gs (ideal) numa expanso livre adiabtica. A partir do 1 princpio ou lei da Termodinmica vemos que se pode aumentar a energia de um sistema, quer realizando trabalho sobre este quer fornecendo-lhe calor. O resultado final o mesmo mas a escolha de um ou outro modo de transferncia de energia depende apenas das convenincias (para aquecer gua no d muito jeito agitar ps no seu interior mas sim levar o recipiente ao lume...). No caso da transferncia de energia se fazer sob a forma de trabalho, este pode ser sempre quantificado em termos mecnicos (relacionando-se com o deslocamento de um peso), mas no caso do calor no. H um outro aspecto importante que distingue calor e trabalho e que ser visto mais detalhadamente quando apresentarmos a 2 lei da Termodinmica: todo o

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trabalho realizado sobre um sistema se pode transformar, atravs de um processo cclico, em calor, mas nem todo o calor absorvido se pode transformar ciclicamente em trabalho. Uma mquina trmica um dispositivo que trabalha por ciclos (ao fim de cada ciclo, a energia interna do sistema volta ao valor inicial) e que produz trabalho custa de calor que lhe fornecido. Uma mquina que produzisse trabalho sem dispndio de calor Mquina de Movimento Perptuo de Primeira Espcie - seria o ideal mas no possvel porque viola o 2 princpio da Termodinmica, como veremos. 5. Mquinas trmicas e frigorficas. Segundo Princpio da Termodinmica. Processos reversveis e irreversveis. Mquina de Carnot. A 1 lei da Termodinmica corresponde a um princpio de conservao de energia generalizado, no qual se inclui o calor como uma das formas de transferncia de energia. Mas este princpio no estabelece quaisquer restries relativamente s transferncias de energia que podem ocorrer, no fazendo qualquer distino entre trabalho e calor. Mas h de facto diferenas entre estes dois tipos de transferncia de energia e isso que a 2 lei da Termodinmica estabelece. H processos que so consistentes com a 1 lei mas que no ocorrem naturalmente. Por exemplo, quando dois objectos a temperaturas diferentes so postos em contacto trmico h transferncia de calor do que est a maior temperatura para o outro, mas a transferncia em sentido contrrio no ocorre espontaneamente. Este procedimento est de acordo com a 2 lei da Termodinmica. 5.1. Mquinas trmicas e frigorficas. 5.1.1. Mquinas trmicas Uma mquina trmica um dispositivo que converte energia trmica em outras formas teis de energia, tal como a energia mecnica ou a energia elctrica. Por exemplo, na produo de electricidade numa central trmica, utiliza-se carvo ou outro combustvel para se produzir energia trmica que, por sua vez, converte gua em vapor, o qual vai accionar as ps de uma turbina pondo-a em rotao. Esta energia mecnica ento utilizada num gerador elctrico. Outro tipo de mquina trmica o motor de combusto interna do automvel, que extrai energia trmica da combusto da gasolina e converte parte dela em energia mecnica. Numa mquina trmica h uma substncia que sofre um processo cclico durante o qual o dispositivo recebe energia trmica (Qq) de uma fonte de calor a alta temperatura (Tq), a fonte quente, realiza trabalho (W) e cede energia trmica (Qf ) a uma fonte de calor a baixa temperatura (Tf), a fonte fria. Como a substncia sofre um processo cclico, a variao da sua energia interna nula e portanto, pela 1 lei, vir: Q + W = 0 ou (Qq +Qf) + W = 0 ou, exprimindo em mdulos, (Qq - Qf) - W = 0 onde W < 0 visto ser trabalho realizado pelo sistema. Tq Qq W Qf Tf 32

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O rendimento de um dispositivo sempre uma razo entre o que se pretende obter com esse dispositivo e aquilo que se tem de pagar. No caso duma mquina trmica, o que se pretende obter trabalho (W) e o que se tem de pagar a energia trmica que o dispositivo vai buscar fonte quente. Ento o rendimento de uma mquina trmica := W Qq

Uma mquina trmica com rendimento de 100% teria de converter em trabalho toda a energia trmica absorvida e isso a experincia diz-nos que no possvel. S uma fraco dessa energia trmica que convertida (por exemplo, um motor de automvel tem um rendimento de cerca de 20% se for a gasolina e entre 35% e 40% se for a diesel). Com base nestes factos, a 2 lei da Termodinmica pode ser enunciada na seguinte forma - enunciado de Kelvin-Planck: impossvel uma mquina trmica que, operando por ciclos, no produza outro efeito para alm de absorver uma dada quantidade de energia trmica de um reservatrio e produzir uma quantidade igual de trabalho. A transformao completa de energia trmica em trabalho seria possvel mas nunca num processo cclico. Uma mquina trmica que operando por ciclos transformasse completamente em trabalho uma certa quantidade de calor extrada de uma fonte (isto , trabalhasse apenas com uma fonte quente) seria uma Mquina de Movimento Perptuo de Segunda Espcie. 5.1.2. Mquinas frigorficas e bombas trmicas Uma mquina frigorfica e uma bomba trmica ou bomba de calor correspondem a mquinas trmicas a trabalhar em sentido inverso: a mquina absorve energia trmica (Qf) da fonte fria e cede energia trmica (Qq) fonte quente. Claro que isto s se pode realizar se a mquina receber trabalho (W > 0). Neste caso, a 1 lei aplicada ao sistema ser: Q+W=0 ou (Qf + Qq) + W = 0 ou, exprimindo em mdulos, Qf Qq + W = 0 onde W >0 visto ser trabalho recebido pelo sistema. Um frigorfico transfere energia trmica de um corpo mais frio (o interior do frigorfico) para um corpo mais quente (a sala onde est) e isso faz-se custa de trabalho que lhe fornecido (e que aparece na conta da electricidade ao fim do ms...). Se no fosse preciso fornecer trabalho teramos um frigorfico perfeito, o que seria mais uma violao da 2 lei da Termodinmica, a qual pelo enunciado de Clausius tem a forma seguinte: impossvel uma mquina que, operando por ciclos, no produza outro efeito seno transferir energia trmica de um corpo para outro a temperatura mais alta. Quer dizer, a energia trmica no flui espontaneamente de um objecto frio para um objecto quente. Vejamos qual a diferena entre uma mquina frigorfica e uma bomba trmica, se ambos os dispositivos funcionam do mesmo modo. Em ambos, temos de fornecer trabalho (W), mas a diferena est no que se pretende obter com o desempenho do dispositivo: no caso do frigorfico o objectivo arrefecer um corpo (i.e., retirar Qf) enquanto que, no caso da bomba trmica, o que

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se pretende aquecer um corpo (i.e., fornecer Qq). Ento, por definio, os coeficientes de eficincia (rendimentos) desses dois dispositivos tero expresses diferentes: Tq Qq W Qf TfMquina frigorfica: coeficiente de eficincia

Tq Qq W Qf TfBomba trmica: coeficiente de eficincia

=

Qf W

=

Qq W

Nota: Ao utilizar as expresses para o clculo dos rendimentos ou dos coeficientes de eficincia, utilizar os valores absolutos das grandezas Qq, Qf e W. 5.2. Processos reversveis e irreversveis. Mquina de Carnot. Antes de apresentar a mquina trmica com o maior rendimento possvel, temos de ver qual a diferena essencial entre reversibilidade e irreversibilidade. Se no final da realizao de um processo reversvel, este for invertido, tanto o sistema como a sua vizinhana voltam exactamente ao estado inicial, sem haver quaisquer modificaes do resto do universo. Um processo que no satisfaa estas condies um processo irreversvel. Uma caracterstica dos processos reversveis no haver efeitos dissipativos, tais como os associados ao atrito, turbulncia, resistncia elctrica, histerese magntica, etc., que convertem energia mecnica, elctrica ou magntica, em energia trmica. Na realidade, esses efeitos so impossveis de eliminar totalmente e portanto todos os processos naturais so irreversveis. No entanto, alguns so quase-reversveis. possvel, em laboratrio, aproximar as condies de realizao de um processo daquelas exigidas para ser um processo reversvel. Por exemplo, se se deixar um gs no interior de um cilindro (provido de um mbolo bem lubrificado para evitar atritos nas paredes) expandir-se muito lentamente, esse gs sofre um processo aproximadamente reversvel. Carnot, em 1824, descreveu uma mquina trmica ideal como tendo um rendimento mximo possvel ao operar num ciclo reversvel ciclo de Carnot entre dois reservatrios de calor (teorema de Carnot). Quer dizer que o trabalho resultante de uma mquina de Carnot o mximo possvel para uma dada quantidade de calor fornecida pelo reservatrio temperatura mais alta. Vejamos os passos principais de um ciclo de Carnot supondo que a substncia consiste num gs ideal contido num cilindro com um mbolo mvel (tanto o cilindro como o mbolo so adiabticos): (i) AB: Expanso isotrmica do gs, em contacto trmico com um reservatrio temperatura Tq; o gs absorve a quantidade de calor Qq e realiza um trabalho WAB ao empurrar o mbolo;

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(ii) BC: Expanso adiabtica do gs; a base do cilindro substituda por um material no condutor e o gs expande-se adiabaticamente; a temperatura do gs baixa de Tq para Tf enquanto o gs realiza trabalho, WBC. (iii)CD: Compresso isotrmica do gs, em contacto trmico com um reservatrio temperatura Tf < Tq; o gs expele a quantidade de calor Qf para o reservatrio e recebe um trabalho WCD de um agente externo; (iv) DA: Compresso adiabtica do gs; a base do cilindro substituda novamente por um material no condutor e a temperatura do gs aumenta at Tq; o gs recebe um trabalho WDA de um agente externo. Numa compresso adiabtica a presso sobe mais bruscamente (pV=cte.) do que numa compresso isotrmica (pV=cte.) porque a prpria subida da temperatura intensifica a subida da presso. O trabalho total realizado neste processo cclico reversvel corresponde, num diagrama pV, rea circundada pelas curvas representativas do processo ABCDA. Como a variao de energia interna do gs num ciclo nula, o trabalho resultante tem de ser igual quantidade de energia trmica transferida para o sistema: Wres + (Qq Qf) = 0 ou Wres = (Qf Qq)0 VA V Qf = - WCD = - (- nRuTf ln( D ))1 ou 1. Exemplo: Considere-se a instalao de uma chauffage por radiadores (com temperatura de 50C) sendo a fonte fria a atmosfera exterior a 12C. Supondo a mquina reversvel, o coeficiente de eficincia 323 ser: bterm = = 8,5 . Se o compressor gastar 1kWh, a fonte quente receber uma quantidade 38 de calor Qq= bterm W = 8,5 x 3600 kJ = 30.600 kJ. A transformao directa daquele trabalho em

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calor utilizando, por exemplo, um radiador elctrico (efeito Joule), daria no mximo uma quantidade de calor de 3.600 kJ. preciso notar, no entanto, que o coeficiente de eficincia real de uma bomba trmica tem, geralmente, valores entre 2 e 3, porque h imensas causas de irreversibilidade (tais como o atrito) que tornam o processo menos rentvel do que no caso reversvel. 5.3. Escala absoluta de temperaturas Vimos que as escalas de temperatura que foram definidas (ponto 2.2) utilizavam a variao de propriedades fsicas de algumas substncias com a variao da temperatura. Mas seria importante que se definisse uma escala que fosse independente das propriedades dos materiais. Uma mquina de Carnot oferece essa possibilidade visto que: - todas as mquinas trmicas reversveis (mquinas de Carnot) tm o mesmo rendimento quando operam entre as mesmas duas temperaturas (i.e., o rendimento independente do fluido que est a operar e das suas propriedades) e o seu rendimento funo exclusiva dessas temperaturas.

carnot = 1

Qf Qq

= 1

Tf Tq

Ento, a razo Qf/Qq depende apenas das temperaturas dos dois reservatrios e portanto a razo Tf/Tq pode ser obtida operando uma mquina trmica reversvel num ciclo de Carnot entre essas duas temperaturas e medindo cuidadosamente Qf e Qq. Na escala de temperaturas absolutas de Kelvin, as razes das temperaturas dependem apenas das razes entre as quantidades de calor transferidas entre uma mquina trmica reversvel e os dois reservatrios. Mas isto apenas nos d uma razo entre temperaturas absolutas. Podemos, no entanto, obter uma escala de temperaturas relativa a alguns pontos fixos. A escala absoluta de temperaturas definida escolhendo o valor de 273,16 K como correspondendo ao ponto triplo da gua. Um grau Kelvin definido como 1/273,16 do intervalo de temperaturas entre o zero absoluto e o ponto triplo da gua. Ento a temperatura de qualquer substncia poderia ser obtida levando-a a percorrer um ciclo de Carnot e medindo a energia trmica Q recebida (ou cedida) pelo sistema temperatura desconhecida T e a energia trmica Qtriplo cedida (ou recebida) pelo sistema temperatura do ponto triplo da gua: Q T = (273,16) Q triplo Claro que, do ponto de vista prtico, este processo de medio de temperaturas no possvel e h, como vimos, outros meios de o fazer (pargrafo 2.2).

6. Entropia. Variaes de entropia em processos reversveis e irreversveis. Assim como o conceito de temperatura foi introduzido a propsito da lei zero da Termodinmica e o conceito de energia interna no contexto da primeira lei, vamos agora, a propsito da segunda lei, introduzir mais uma funo de estado a entropia (S). Foi Clausius (1865) quem introduziu esta funo de um ponto de vista macroscpico. 39

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6.1. Desigualdade de Clausius Considere-se um sistema S que sofre uma transformao cclica. Durante o ciclo, o sistema troca calor (Q1, Q2, ..., Qn) com um conjunto de n fontes a temperaturas T1, T2, ..., Tn. Vamos demonstrar a desigualdade de Clausius:Qi 0 Ti i =1

n

ciclo

onde o sinal de igual corresponde a um ciclo reversvel. A desigualdade de Clausius estabelece o seguinte: Numa transformao cclica, a soma dos calores recebidos e cedidos pelo sistema (com os sinais positivos ou negativos, respectivamente) divididos pelas temperaturas absolutas das fontes de calor, negativa ou nula. A soma negativa se os processos forem irreversveis e nula se os processos forem reversveis. S Q1 Qn Q2 T2 ... Tn

T1

Demonstrao Para alm das n fontes, vamos introduzir uma fonte de calor temperatura To e n mquinas reversveis (n ciclos de Carnot C1, C2, ..., Cn) que trabalham entre as fontes T1, T2, ..., Tn e a fonte To. De modo geral, o ciclo de Carnot Ci vai operar entre Ti e To de modo que fornece fonte Ti uma quantidade de calor Qi igual que retirada a essa mesma fonte Ti pelo sistema S. S Q1 Qn Q2 T2 Q2 W2 Q1,o Q2,o To 40 Qn,o ... Tn Qn Wn

T1 Q1 W1

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Como j vimos, para uma mquina de Carnot, a razo entre Qq e Qf igual razo entre as temperaturas Tq e Tf. Ento podemos escrever:Q1,o Q1

=

To T1

...

Qi, o Qi

=

To Ti

Considerando um ciclo do sistema S e um ciclo de cada uma das mquinas de Carnot, a resultante das trocas de calor em cada uma das fontes T1, T2, ..., Tn nula. A fonte To perde uma quantidade de calor Qo que igual soma das quantidades de calor absorvidas pelos ciclos C1, C2, ..., Cn:n n

Qi 1 1 Ti O resultado de todo este ciclo complexo (em que o sistema S e as mquinas de Carnot voltam aos respectivos estados iniciais) vai corresponder ao conjunto (S+mquinas de Carnot) receber Qo da fonte a temperatura uniforme To e transform-lo inteiramente em trabalho. Qo = Qi,o = To Sistema S + mq. Carnot Qo To Se Qo fosse positivo (i.e., se o sistema complexo recebesse calor) isto contrariava o enunciado de Kelvin do 2 princpio da Termodinmica. Ento ter de ser: n Q (6.1.1) Qo 0 Ti 0 i 1 Se o ciclo realizado por S for reversvel, podemos invert-lo e todos os Qi mudam de sinal. Ento, aplicando aquela desigualdade a este caso, vir: n n - Qi Q 0 ou (6.1.2) T Ti 0 i i 1 1 Ento, no caso reversvel, a compatibilizao das expresses (6.1.1) e (6.1.2) implica:Qi =0 Ti i =1

W = W1 + W2 +

n

ciclo

No caso de o sistema trocar calor com uma distribuio contnua de fontes, as somas devem ser substitudas por integrais abrangendo o ciclo completo:

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QT

0

onde o sinal de igual corresponde a um ciclo reversvel. T a temperatura da fonte que troca calor com o sistema mas no , necessariamente, igual temperatura T do sistema (ou de parte deste) que recebe o calor Q. Se o ciclo for irreversvel, T T quando Q for positivo (porque o calor no pode fluir de um corpo mais frio para um mais quente) e T T se Q for negativo. Se o ciclo for reversvel, teremos de ter sempre T=T porque uma troca de calor entre dois corpos a temperaturas diferentes no reversvel. Ento T neste caso tem de ser a temperatura da fonte e tambm a temperatura da parte do sistema que recebe o calor Q. 6.2. A entropia Vimos que= 0 no caso de um ciclo reversvel. Dado que o integral cclico de uma grandeza T que depende apenas do estado do sistema (i.e., uma propriedade do sistema), nulo, ento a Q grandeza dever representar uma propriedade. Clausius, em 1865, descobriu essa T propriedade e denominou-a entropia (para a qual se utiliza a letra S). A entropia uma propriedade extensiva e tem unidades de energia/temperatura (no sistema SI, ser J/K).

Q

Sejam A e B dois estados de equilbrio de um sistema S e considerem-se diferentes processosB

reversveis entre estes dois estados. Vamos mostrar que

TA

Q

o mesmo para todos os processos

reversveis entre A e B, e portanto, que o valor do integral numa transformao reversvel s depende dos estados inicial e final e no da transformao. (i) B Considerem-se ento dois processos reversveis, (i) e (ii), de A para B. Como o ciclo A(i)B(ii)A reversvel ( composto por dois A (ii) processos reversveis), ento: Q T =0 AiBiiA Mas este integral pode ser subdividido em duas partes:A Q Q =0 + A T i B T ii 1 24 4 3 B Q A T ii B

ou

B Q B Q = A T i A T ii

Vamos escolher um certo estado de equilbrio do sistema estado O como um estado de referncia. Se A for outro estado de equilbrio, ento:

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A Q = T O rev

S(A) = entropia do estado A

Considerando agora dois estados de equilbrio A e B, sejam S(A) e S(B) as entropias desses estados. Vamos mostrar que:B

S(B) S(A) =

A ( rev)B

QT

Como

A ( rev)

QT

tem o mesmo valor para qualquer transformao reversvel entre A e B, vamos

escolher uma transformao consistindo em dois processos reversveis sucessivos: de A para o estado de referncia O, e deste para B:B A (rev)

Q = T

O A (rev)A

Q + T

B O (rev)

Q = S(B) S(A) T

Q T OS(A)

123 4 4

123 4 4S(B)

(rev) 1 24 4 3

A definio de entropia requer uma escolha arbitrria de um estado de referncia. Se tivssemos escolhido outro estado de referncia (O), o novo valor da entropia do estado A diferia do antigo (referido a O) apenas numa constante aditiva. S(A) =

O' rev

A

QT

O

=

O'

T

Q

+

O'

T

A

Q

=+

O'

T TO

A

Q

O'

Q

= S(A) S(O)

S(A) S(A) = S(O) = constante (independente do estado A). A entropia definida a menos de uma constante aditiva. Para calcular diferenas de entropia no h necessidade de se conhecer essa constante aditiva; para a determinar teremos de aplicar a 3 lei da Termodinmica (ponto 6.5). Q s nos d o valor da variao da entropia se a integrao for levada Note-se que o integral de T Q a cabo ao longo de um caminho reversvel entre os dois estados. O integral de ao longo de T um processo irreversvel no corresponde variao de uma propriedade e, em geral, pode tomar valores diferentes conforme o caminho entre os estados inicial e final.

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TERMODINMICA APLICADA 2009 Isabel Ambar

6.3. Variao de entropia num processo reversvel

Considere-se um processo infinitesimal de um sistema entre dois estados de equilbrio. Se Qr for a quantidade de energia trmica transferida no caso de o sistema seguir um caminho reversvel, ento a variao de entropia dS, independentemente do caminho seguido, dada por:dS = Q r T

Quando o sistema absorve (rejeita) energia trmica Q > 0 (Q < 0) a entropia aumenta (diminui). Num processo reversvel entre dois estados (inicial e final), a variao de entropia dada por: f f Q S = dS = r T i i Como a entropia uma funo de estado, a variao da entropia de um sistema entre dois estados a mesma independentemente do caminho entre eles. Se o processo for adiabtico (Q = 0) e reversvel (Qr = T dS), ento a variao de entropia nula: o processo isentrpico (dS = 0). Se um sistema percorrer um ciclo reversvel arbitrrio, como a entropia uma funo de estado, a f Q variao S = 0. Como S = r ento a variao de S no caso de um processo cclico: T i

S =

Q r = 0 T

Supondo dois corpos que interagem reversivelmente, o que implica estarem em equilbrio trmico um com o outro (i.e., tm igual temperatura), e que uma pequena quantidade de energia trmica transferida de um para o outro corpo, ento as correspondentes variaes de entropia so (-Q/T) e (+Q/T). A variao total de entropia do sistema formado pelos dois corpos nula e portanto a entropia do Universo mantm-se. A entropia do Universo no varia quando se d um processo reversvel.6.4. Variao de entropia num processo irreversvel

Considere-se um processo cclico que vai de A para B por um caminho reversvel, e de B para A por um caminho irreversvel. A variao de entropia do sistema ao fim do ciclo nula porque a entropia uma funo de estado, e portanto a sua variao depende apenas desses estados e no dos processos que ocorrem entre eles. rev Sciclo = SAB + SBA = 0 B Por outro lado, o teorema de Clausius diz-nos que: B Qirrev ,i Qrev + T i Ti < 0 AB A

A

irrev

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Mas como no processo reversvel S AB =

QrevT

, ento esta desigualdade pode tomar a forma:

A

S AB +

i B A

Qirrev,i Ti

irrev,i ou, como os ndices A e B so arbitrrios, [SAB ]irrev > irrev,i Ti Ti i iBA A B

Quer dizer que quando o sistema evolui de um estado para outro por contacto com diferentes fontes, num processo irreversvel, a var