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    Revista Perspectivas do Desenvolvimento: um enfoque multidimensional

    Volume 02, Nmero 03, Dezembro 2014.Pgina 2

    A Revista Perspectivas do Desenvolvimento: um enfoque multidimensional uma publicaosemestral de iniciativa do corpo discente do Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento,Sociedade e Cooperao Internacional do Centro de Estudos Avanados e Multidisciplinar daUniversidade de Braslia (PPGDSCI/CEAM/UnB). Seu objetivo oferecer ao mundo acadmico, aospensadores e aos policy-makers anlises interdisciplinares, promovendo o intercmbio sobre oDesenvolvimento, a partir da diversidade de olhares que o tema suscita.

    Conselho Editorial Conselho Cientfico

    Cyntia Sandes Oliveira UnBEdison Bewiahn UnBHumberto Santana Jr UnBRaquel Koyanagi - UnBRenata Callaa G. dos Santos- UnBThais Mere Marques Aveiro UnB

    Antonio Alves de Siqueira JuniorEdison Bewiahn

    Leonildes NazarLuiz Fernando Koyanagi

    Revista Perspectivas do Desenvolvimento: um enfoque multidimensional , 3 Edio, Nmero 03, jul-dez 2014.Braslia: Universidade de Braslia (UnB), Centro de Estudos Avanados multidisciplinares (CEAM), Corpo Discentedo Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperao Internacional. Foto da Capa:Renata Alves

    SemestralISSN: 2318-681X

    1. Desenvolvimento - Peridicos. 2. Cooperao Internacional Peridicos. 3. Sociedade Peridicos. I.Universidade de Braslia (UnB), Centro de Estudos Avanados Multidisciplinares (CEAM), Corpo Discente doPrograma de Ps-Graduao em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperao Internacional.

    Alejandra Leonor Pascual UnBAna Lcia Eduardo Farah Valente UnBAna Maria Nogales Vasconcelos UnBBruno Ayllon Pino Universidade Complutense de MadriEduardo Giro Santiago UFCJoo-Young Lee Universidade de SeoulJair do Amaral Filho UFCJos Walter Nunes UnBMaria de Ftima R. Makiuchi UnBRicardo Wahrendorff Caldas UnBRodrigo Pires de Campos UCB

    Pareceristas

    Ad Hoc

    Ana Cristina Nassif Soares Ana Elizabeth Neiro Reymo

    Camilo Negri Daniel Marcelino da SilvaFabio Scorsolini-Comin Fernanda Natasha Bravo CruzIgor Castellano da Silva Ins da Silva MoreiraLeandro de Carvalho Leides Barroso Azevedo MouraLeila Chalub Martins Luis Fernando Macedo BessaMaria de Ftima Souza e Silva Maria Madalena GracioliNathaly Silva Xavier Schtz Paulo Fernandes BaiaTatiana Machiavelli Carmo Souza Thadeu de Souza BrandoPerla Carolina leal Silva Mller Ricardo Castro RabelloGustavo Librio de Paulo Oliveira Marques Oliveira

    EXPEDIENTEVolume 02, nmero 03, dezembro 2014

    Reviso de Texto

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    Thais Mere Marques Aveiro1

    com grande satisfao que lanamos este terceiro nmero da Revista

    Perspectivas do Desenvolvimento (RPD), momento em que a Revista celebra seu

    primeiro ano.

    No decorrer deste ano, a RPD tem sido palco de importantes reflexes

    acerca do desenvolvimento. A edio de nmero 3 da Revista retrata, com

    propriedade, a diversidade de perspectivas acerca da temtica e corrobora oimportante papel conquistado pela publicao nesse debate. Esta edio traz

    em seus onze artigos, entrevista, ensaio fotogrfico e resenha, os diferentes

    olhares sobre o Desenvolvimento.

    O artigo Desdobramentos jurdicos contemporneos na literatura

    institucionalista sobre desenvolvimento, abre a edio apresentando os

    desdobramentos jurdicos contemporneos no debate sobre desenvolvimento

    com duas vertentes da literatura institucionalista ambientes e arranjos

    institucionais. Nesse debate, Hugo Pena e Mrcio Valadares buscam contribuir

    para aproximao de debates que se desenrolam em reas diferentes, e em

    especial, promover contatos entre perspectivas econmicas e jurdicas acerca do

    papel das instituies no desenvolvimento.

    Em Indicadores alternativos de desenvolvimento econmico, social e

    ambiental e as resistncias sua utilizao, Erivelton Guizzardi, Giovani de

    Oliveira, Bruno Oliveira e Duarte Rosa Filho apresentam um ensaio terico

    acerca dos novos indicadores alternativos e complementares ao Produto

    Interno Bruto (PIB) para mensurar o desenvolvimento das naes ou regies. Os

    autores argumentam que esses indicadores mostram a necessidade de aespolticas focadas na melhoria da qualidade de vida das pessoas, na reduo da

    desigualdade social e na sustentabilidade ambiental, o que, muitas vezes,

    adotarem-na sua no adoo pelos governantes. Eles observam que a utilizao

    dos indicadores alternativos leva a um diagnstico mais preciso sobre as

    1Doutoranda em cotutela pelo Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento, Sociedade e

    Cooperao Internacional do Centro de Estudos Avanados Multidisciplinares (CEAM/UnB) e UniversitParis 13, analista em Cincia & Tecnologia da CAPES, Bolsista CAPES.

    Editorial

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    condies de vida das pessoas, contudo, concluem que as mudanas viro

    apenas com uma discusso terica quanto ao papel do Estado e dos mercados.O artigo Os desafios do desenvolvimento brasileiro para o sculo XXI,

    analisa o crescimento do pas a partir de indicadores socioeconmicos com

    nfase na necessidade de aumento dos nveis atuais de investimento do pas e

    na revitalizao do setor industrial fortemente dependente de inovao

    tecnolgica. Com base em dados quantitativos, como os ora apresentados e

    discutidos, Darly da Silva acena para a necessidade de o Governo traar as

    polticas que nortearo o modelo de desenvolvimento do Brasil nas prximas

    dcadas. Ainda sobre os desafios do Brasil, Natasha Silva e Pedro

    Brancher fazem um balano da poltica econmica e externa do Governo Lula.

    Os autores do artigo Economia e poltica externa: um balano do Governo Lula

    (2002-2010) discorrem acerca da retroalimentao entre economia e poltica

    externa demonstrando que a insero internacional do Brasil nesse perodo

    fundamentou-se no projeto econmico calcado no crescimento com

    distribuio de renda.

    Livia Liria Avelhan, no artigo A presena brasileira na frica: um estudo

    sobre o Programa Embrapa-Moambique, reflete acerca do crescimento da

    Cooperao Sul-Sul (CSS) e principalmente da Cooperao Tcnica entre Pasesem Desenvolvimento (CTPD) no continente africano como um dos elementos

    centrais da poltica externa brasileira, a partir do governo Lula. A autora analisa

    um dos projetos de cooperao prestada pelo Brasil a Moambique, o

    Programa Embrapa-Moambique, com destaque para um de seus

    componentes, o ProSavana, verificando quais de suas caractersticas permitem

    que ele seja identificado como um projeto de vertente exploratria e

    subimperialista e quais indicam a prtica da cooperao para o

    desenvolvimento.

    Leonildes Nazar no artigo O papel da lusofonia das relaes entre Brasil eAngola apresenta a lusofonia por meio de um debate terico e ontolgico

    investigando como seu aspecto identitrio implica em antagonismos, tenses e

    expectativas entre esses pases.

    J Promoo de envelhecimento ativo: o caso da universidade snior de

    Mafra traz para o debate a questo da intensificao do envelhecimento e o

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    crescimento das pessoas com mais de 65 anos tendo como foco a sociedade

    portuguesa. Katia da Silva analisa a qualidade de vida, os laos familiares, asociabilidade e as oportunidades de participao social desses indivduos. A

    autora relata que, no estudo realizado acerca da atuao da universidade snior

    de Mafra, constatou-se a contribuio para a existncia de um ambiente com

    mais autonomia e liberdade que so vivenciados de forma coletiva por esse

    grupo.

    Sob a perspectiva de Sociedade e Cultura, Josaida Gondar e Rosimere

    Cabral em Bibliotecas de Alexandria: a produo dos conhecimentos a partir de

    Gabriel Tarde analisam as suas formaes e manutenes sob o prisma da

    produo dos conhecimentos e possveis usos polticos da memria mtica. As

    autoras discutem ainda a questo da socializao de informaes durante o

    movimento da Primavera rabe a partir das ideias de Gabriel Tarde sobre a

    produo, preservao e socializao de conhecimentos.

    Ainda sobre formao cultural, mas com enfoque nas identidades, Silvana

    Bagno, Srgio Silva e Diana Pinto apresentam o senso de pertencimento e de

    sentido de lugar atribudo pelos antigos moradores da comunidade do Fallet

    em Santa Teresa, a partir de suas narrativas, memrias e experincias. A partir

    da escuta das memrias desse grupo de idosos e da literatura sobre favelasconfirmou-se o discurso discriminatrio e a conotao pejorativa do termo

    favelado. Comprovou-se, contudo que contar suas lembranas e experincias

    contribui no s para o fortalecimento de suas identidades, mas tambm para a

    ressignificao do seu habitat. Em Memrias, Identidades e pertencimento de

    um grupo de moradores da comunidade do Fallet, bairro de Santa Teresa,

    cidade do Rio de Janeiro vislumbra-se um intuito de resgatar, dignificar e

    difundir a identidade deste lugar como uma comunidade que possui inmeros

    recursos humanos e culturais.

    O dcimo e o dcimo primeiro artigos apresentam seu foco nodesenvolvimento infantil. Em Criana em Acolhimento Institucional: Percepes

    quanto estrutura e dinmica de sua famlia, Paula Monteiro, Hilda de Freitas e

    Celina Magalhes investigam, por meio de um estudo de caso no estado do

    Par, as percepes quanto estrutura e dinmica familiar de uma criana em

    acolhimento institucional. A partir do Family System Test (FAST) e de um

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    formulrio de caracterizao adaptado, para anlise scio-demogrfica do

    participante os dados foram coletados e cotejados. Como resultado, as autorastrazem uma importante reflexo acerca das estruturas familiares e do papel da

    criana nesse contexto. Nesse mesmo sentido, o artigo Produes orais de

    crianas sobre o acolhimento institucional analisa a fala dessas crianas em

    acolhimento no tocante s suas preferncias por atividades, pares e locais. Por

    meio de entrevistas semi-dirigidas, Raquel Platilha e Celina Magalhes

    analisaram as preferncias das entrevistadas apresentando possveis sugestes

    para melhoria do ambiente institucional.

    A interface entre desenvolvimento e gnero abordada por Marcelo de

    Britto em Os Movimentos de Mulheres na Mudana do Paradigma do Controle

    da Natalidade no Brasil em 1984. No artigo o autor analisa a atuao dos

    movimentos de mulheres na criao do Programa de Assistncia Integral

    Sade da Mulher (PAISM), em 1984, em contraposio ao paradigma do

    controle da natalidade sob a perspectiva do ambiente internacional com a

    influncia de conferncias internacionais de populao, instituies

    internacionais financiadas pelos pases do primeiro mundo, a atuao dos

    Estados Unidos, das Naes Unidas, e no ambiente domstico com a criao do

    movimento feminista, das conferncias de mulheres realizadas, da imprensafeminista, da crise sanitria e da ambiguidade do governo brasileiro diante o

    tema.

    Tambm nessa temtica, Humberto Santana Junior, do Conselho

    Editorial, realizou uma entrevista centrada no papel que as mulheres tm na

    sociedade e sua luta por espao de participao e deciso com a Dra. Nadine

    Gasman, representante do Escritrio da ONU Mulheres no Brasil.

    Na sesso de Ensaios Fotogrficos Cest la vie au Brsilde Humberto

    Santana Junior e Renata Alves nos brinda com a comovente estria de Nesly

    Exantus que bem representa o penoso cotidiano dos imigrantes haitianos noBrasil, suas dificuldades de deslocamento para chegar ao pas e a luta para aqui

    se estabelecerem na esperana de aqui encontrarem melhores condies de

    vida.

    Esta edio traz ainda a resenha do livro Why nations fail: the origens of

    power, prosperity and povertyelaborada por Thais Aveiro em que resume como

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    os autores do livro buscam explicar o processo de desenvolvimento ou

    estagnao das naes. A formao de cada sociedade leva formao deinstituies, que conduziram ao xito econmico os pases ricos ou conduzem

    ao descompasso os pases pobres.

    com essa diversidade de olhares de nossos artigos, ensaio, entrevista e

    resenha que convidamos voc a abrir-se s distintas perspectivas do

    desenvolvimento. Boa leitura!!!

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    ARTIGOS

    Desdobramentos jurdicos contemporneos na literatura institucionalistasobre desenvolvimento

    Hugo PenaMrcio Valadares..................................................................................10

    Os desafios do desenvolvimento brasileiro para o sculo XXI

    Darly Henriques da Silva33

    Economia e Poltica Externa: um balano do governo Lula (2002-2010)

    Natasha Pergher SilvaPedro Txai Brancher..63

    Indicadores alternativos de desenvolvimento econmico, social eambiental e as resistncias sua utilizao

    Erivelton GuizzardiGiovani Costa de OliveiraBruno Silva OliveiraDuarte de Souza Rosa Filho.85

    A presena brasileira na frica: um estudo sobre o Programa Embrapa-Moambique

    Livia Liria Avelhan.107

    O papel da lusofonia nas relaes entre Brasil e Angola

    Leonildes Nazar..................................................................................133

    Promoo do envelhecimento ativo: o caso da Universidade Snior deMafra

    Ktia Cristina Leal da Silva..............................................................160Bibliotecas de Alexandria: a produo dos conhecimentos a partir deGabriel Tarde

    Josaida de Oliveira GondarRosimere Mendes Cabral187

    Sumrio

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    Memrias, identidades e pertencimento de um grupo de moradores dacomunidade do Fallet, bairro de Santa Teresa, cidade do Rio de Janeiro

    Silvana BagnoSrgio Luiz Pereira SilvaDiana Souza Pinto...203

    Produes orais de crianas sobre o acolhimento institucional

    Raquel da Costa PlatilhaCelina Maria Colino Magalhes....................................................221

    A participao dos movimentos de mulheres na mudana do paradigma docontrole da natalidade no Brasil at 1984

    Marcelo Andreas Faria de Britto239

    ENTREVISTA

    Entrevista com Nadine Gasman

    Humberto Santana Junior..259

    ENSAIO FOTOGRFICO

    Ces la vie au Brsil

    Renata Elo Miranda Brando AlvesHumberto Santana Junior.....264

    RESENHA

    Why nations fail: the origins of power, prosperity, and poverty

    Thais Mere Marques Aveiro..271

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    Revista Perspectivas do Desenvolvimento: um enfoque multidimensional

    Volume 02, Nmero 03, Dezembro 2014.Pgina 10

    Desdobramentos jurdicos contemporneos na literaturainstitucionalista sobre desenvolvimento

    Hugo Pena1Mrcio Valadares2

    Resumo

    O artigo objetiva situar desdobramentos jurdicos contemporneos no debatesobre desenvolvimento com duas vertentes da literatura institucionalista,caracterizadas como literatura dos ambientes institucionais e dos arranjosinstitucionais. Num primeiro momento, o texto diferencia anlises demercado e institucionalistas acerca do desenvolvimento. Em seguida,

    apresenta os principais contornos das abordagens dos ambientes institucionais,com foco nas ideias de Douglass North, e dos arranjos institucionais, voltando ateno as contribuies de Ha-Joon Chang e de Peter Evans. Por fim, procede-se descrio dos principais contornos da Anlise Econmica do Direito, doNovo Direito e Desenvolvimento e da Anlise Jurdica Econmica, que soperspectivas jurdicas interdisciplinares sobre instituies e desenvolvimento.Dado que o desenvolvimento multifacetado, a contribuio que o artigopretende apresentar a aproximao de debates que se desenrolam em reasdiferentes, e em especial, promover contatos entre perspectivas econmicas ejurdicas acerca do papel das instituies no desenvolvimento.

    Palavras-chave: Desenvolvimento; Instituies; Anlise Econmica do Direito;Novo Direito e Desenvolvimento; Anlise Jurdica da Poltica Econmica.

    Introduo

    Existe um debate a respeito do lugar e do formato das instituies

    jurdicas e sua relao com o funcionamento dos mercados e o

    desenvolvimento. No Brasil, atualmente, discusses do tipo envolvem

    literaturas como a Anlise Econmica do Direito (AED), o Novo Direito e

    Desenvolvimento (NDD) e a Anlise Jurdica da Poltica Econmica (AJPE). Cada

    uma destas correntes tem pontos de contato e distanciamento com as demais.

    A importncia das instituies jurdicas para o desenvolvimento, no

    entanto, nem sempre foi objeto de maior ateno. Por um tempo, nem a

    1Doutorando em Direito, Estado e Constituio na Universidade de Braslia (UnB). Mestre em Direito, reade Relaes Internacionais, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Foi professor ecoordenador do Curso de Direito do Centro Universitrio do Cerrado Patrocnio (Unicerp), tendo lecionadotambm na Faculdade Pitgoras, Unidade Divinpolis, e na Universidade de Itana. Atualmente, bolsistade doutorado da CAPES, em regime de dedicao exclusiva.2Mestrando em Direito pela Universidade de Braslia. Participou de curso de extenso sobre Direito eRegulao do Mercado Financeiro na London School of Economics and Political Science. Procurador doBanco Central do Brasil em Braslia.

    Artigos

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    literatura sobre desenvolvimento considerou instituies como varivel

    relevante, nem a literatura jurdica dedicou-se ao problema dodesenvolvimento.

    Prevalecia, quanto a este, aquilo a que Ronaldo Fiani (2011) se refere

    como abordagem dos mercados. Tributria do equilbrio geral de mercado

    de Lon Walras, esta viso ortodoxa depositava forte crena na capacidade de

    ajustes espontneos dos atores nos mercados. As interaes entre pessoas,

    nesse sentido, seriam coordenadas automaticamente por meio do mecanismo

    de preos. Nesta concepo, ainda que os agentes econmicos buscassem

    apenas seus prprios interesses, os resultados de suas interaes nos mercados

    seriam socialmente benficos. Com liberdade para trocas, haveria maior

    especializao, mais diviso social do trabalho, mais produtividade, e, portanto

    mais renda. O domnio econmico encarado como essencialmente privado:

    a interferncia do Estado indevida e classificada como distoro. A receita

    para o desenvolvimento , portanto, o funcionamento timo e desimpedido dos

    mercados.

    de se notar que mesmo a posio econmica mais ortodoxa pressupe

    certos elementos jurdicos na base de seus raciocnios, como a segurana da

    propriedade e dos contratos. A diferena entre a abordagem dos mercados eas abordagens institucionalistas do desenvolvimento consiste em que as

    instituies no so pressupostas: so, elas mesmas, variveis que afetam o

    desenvolvimento.

    A abordagem institucionalista do desenvolvimento foi fortemente

    influenciada pelas contribuies de Douglass North. O foco de North esteve na

    influncia do grau de proteo da propriedade privada sobre o

    desenvolvimento dos pases. De modo simplificado, pode-se afirmar que sua

    principal recomendao para os pases consiste em criarem-se polticas pblicas

    que favoream a segurana e a previsibilidade dos negcios, via fortalecimentoda propriedade privada e dos contratos. Sua abordagem classificada por Fiani

    (2011) como perspectiva que enfatiza ambientes institucionais de forma mais

    geral.

    Em contraste, h uma vertente da literatura institucionalista que se

    caracteriza pela ateno aos arranjos institucionais, mais especficos, e que

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    conta com autores como Peter Evans e Ha-Joon Chang. Em comum, estes

    autores rejeitam a nfase excessiva nos direitos de propriedade, e depositamimportncia nas interaes entre Estado e sociedade para fins de

    desenvolvimento, tendendo a rejeitar receitas uniformizadas para todos os

    pases.

    E o direito? Como ingressa neste debate? Responder a esta pergunta o

    principal propsito deste artigo. Para tanto, o texto procede da seguinte

    maneira. Primeiro so sucintamente expostos os contornos das abordagens

    institucionalistas dos ambientes e dos arranjos institucionais. Isto se faz por

    meio de breve panorama das ideias centrais de Douglass North, Peter Evans e

    Ha-Joon Chang. Em seguida, so apresentadas as vertentes jurdicas que se

    ocupam do problema do desenvolvimento: a AED, o NDD e a AJPE. Busca-se,

    ao faz-lo, compar-las entre si, e estabelecer pontos de contato com as

    literaturas dos ambientes e dos arranjos institucionais. Ou seja, busca-se

    identificar suas progenias.

    A questo do desenvolvimento multifacetada. importante, neste

    sentido, conectar os debates que ocorrem em diferentes reas. A contribuio

    que este artigo pretende apresentar a aproximao dos debates sobre

    desenvolvimento que correm na economia e no direito, e que do nfase aopapel das instituies.

    Cumpre ressalvar, antes de passar prxima seo, que as tradues de

    citaes de obras em lngua estrangeira foram feitas livremente para o

    portugus, tendo-se optado por manter o texto em um s idioma.

    Duas linhagens institucionalistas sobre desenvolvimento: ambientes e

    arranjos institucionais

    Esta seo tem como propsito abordar uma diviso existente naliteratura institucionalista sobre desenvolvimento. De um lado, h a vertente dos

    ambientes institucionais. De outro, a dos arranjos institucionais. Para este fim, o

    texto faz breve panorama dos aspectos centrais das contribuies de Douglass

    North, associado primeira vertente, e de Peter Evans e Ha-Joon Chang, cujas

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    ideias enquadram-se na segunda linhagem. importante comear pela

    diferenciao entre ambientes e arranjos institucionais.Segundo Fiani (2011), o plano mais geral e abstrato das instituies o

    ambiente institucional: a Constituio, o direito de propriedade, os direitos

    fundamentais etc. Ele no caracterizado por transaes especficas. J o plano

    mais local e concreto o dos arranjos institucionais, que definem a forma

    particular como um sistema econmico coordena um conjunto especfico de

    atividades econmicas. (2011, p. 4) Assim, por exemplo, escolas de ensino

    tcnico para capacitao profissional, linhas de crdito subsidiadas por

    incentivos governamentais e parcerias pblico-privadas so componentes dos

    arranjos institucionais.

    Principais contornos da literatura dos ambientes institucionais

    A literatura dos ambientes institucionaisestabelece forte relao entre a

    definio e garantia dos direitos de propriedade e o desenvolvimento (Fiani,

    2011, p. 63). Em essncia, direitos de propriedade bem definidos e garantidos

    funcionariam como a base institucional para o mecanismo de mercado entrasse

    em operao: os indivduos teriam estmulos para buscar a atividade econmica,certos de poderem manter a titularidade sobre os resultados obtidos. H, aqui,

    uma sutileza nesta abordagem institucionalista: no fundo, a receita consiste em

    criar ambientes institucionais ancilares ao livre funcionamento do mercado. O

    verdadeiro motor do desenvolvimento continua a ser o mercado. Nisto, h

    certa proximidade entre a literatura dos ambientes institucionais e a abordagem

    dos mercados. A diferena consiste em que, ao passo que a primeira toma as

    instituies como variveis relevantes para a anlise (o formato das instituies

    importa para o desenvolvimento), a segunda pressupe o bom funcionamento

    destas instituies.Na perspectiva de Douglass North, as instituies fornecem a estrutura

    de incentivos em uma economia. A depender dos incentivos existentes, a

    economia pode crescer, estagnar-se ou declinar (1991, p. 97). Se os custos de

    transacionar forem baixos, haver estmulo s trocas, mais especializao dos

    agentes econmicos, e, portanto mais produtividade (1991, p. 33) Ou seja,

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    haver desenvolvimento. Pelo contrrio, se as instituies impuserem altos

    custos de transao, a tendncia ser a de se causarem recesses. O problemado desenvolvimento passa a ser, em North, o de encontrar as causas dos custos

    de transao, e de fazer reformas para diminu-los.

    Em geral, a receita para reformas a mesma, e independe do pas ou do

    contexto em que se insere. Para North, uma das principais fontes de custos

    altos de transacionar est nas incertezas que a definio ou a proteo fraca dos

    direitos de propriedade privada gera. Sem a segurana de poder apropriar-se

    dos benefcios das transaes econmicas, os indivduos so desestimulados a

    interagir nos mercados. Por que investir, se no se tem a previsibilidade de

    lanar mo dos frutos do investimento? Por que vender, se no se sabe se ser

    pago pela mercadoria entregue?

    Outra fonte de custos de transao est nas incertezas relacionadas aos

    contratos. Se os contratos forem bem protegidos, os custos para conseguir o

    seu cumprimento sero menores. Os credores, neste sentido, tero mais

    segurana e facilidade para forar o cumprimento por parte de seus devedores.

    Se o cumprimento dos contratos for incerto ou mais dificultoso, haver menos

    estmulos atividade econmica (1991, p. 54). Em decorrncia disto, North v

    como necessria a existncia de uma autoridade forte o Estado quecentralize a coero e garanta o cumprimento dos contratos (1991, p. 59).

    A abordagem de North no pode ser interpretada, no entanto, como

    sendo favorecedora do ativismo estatal na promoo do desenvolvimento. O

    papel do Estado prover o ambiente institucional favorvel s transaes

    comerciais, ao livre mercado, e no interferir diretamente no domnio

    econmico. Como Fiani critica, a proposta de North pressupe que, havendo

    forte definio e garantia da propriedade e dos contratos, tudo estar

    resolvido (Fiani, 2011, p. 195). Ou seja, deposita-se crena de que, dado o

    ambiente institucional correto, os custos de transao sero reduzidos, omercado funcionar de maneira tima, e se encarregar de operar a mgica do

    desenvolvimento.

    Um exemplo contemporneo de literatura desenvolvimentista associada

    aos ambientes institucionais est nas contribuies de Daron Acemoglu e James

    Robinson (2012). Por meio da identificao e classificao de instituies

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    econmicas e polticas extrativas e inclusivas, os autores identificam ambientes

    institucionais propcios aos crculos virtuosos ou viciosos de desenvolvimento.De modo geral, a obra destes autores associa o carter benfico das instituies

    para a promoo do desenvolvimento a sua capacidade de favorecer o livre

    funcionamento dos mercados. Assim como em North, as instituies corretas,

    a serem adotadas pelos pases, so aquelas que permitem a atuao

    desimpedida dos agentes nos mercados.

    Principais contornos da literatura dos arranjos institucionais

    Em contraste com a perspectiva de North, autores da linhagem dos

    arranjos institucionaisassociam o problema do desenvolvimento dificuldade

    de superar problemas de diviso do trabalho na sociedade. Cabe explicar o

    ponto. A produo de bens e servios, numa economia de mercado, est

    dividida em diferentes etapas produtivas, envolvendo diversas empresas e

    indivduos. A transao, neste contexto, envolve a passagem de um ativo

    atravs da fronteira que separa duas atividades econmicas distintas, mas

    economicamente conectadas (Fiani, 2011, p. 65). Assim, por exemplo, a

    produo moveleira envolve, ao menos, a extrao de madeira, seubeneficiamento, montagem e venda para o consumidor final. Todas estas etapas

    so ainda intermediadas por servios de transportes. Os custos de transao

    residiriam nas dificuldades de as diferentes atividades produtivas

    interdependentes interagirem.

    Assim, o aumento no grau de diviso do trabalho exige que mais bense servios sejam transferidos entre as diferentes etapas dos vriosprocessos produtivos, e que essa transferncia se d de formacooperativa e no conflituosa. O problema passa a ser ento saberque tipo de arranjo institucional tem a capacidade de realizar essatransferncia de forma adequada. (Fiani, 2011, p. 66)

    A diferena de foco, passando dos ambientes para os arranjos

    institucionais, reflete-se diretamente numa mudana na concepo do papel do

    Estado na economia e na organizao da prpria sociedade. Ao passo que a

    literatura dos ambientes institucionais reserva papel de certa forma passivo ao

    Estado, que no deve intervir no domnio econmico, a literatura dos arranjos

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    Revista Perspectivas do Desenvolvimento: um enfoque multidimensional

    Volume 02, Nmero 03, Dezembro 2014.Pgina 16

    institucionais atribui-lhe protagonismo nas iniciativas para o desenvolvimento.

    Como resultado, a nfase desta literatura no a forte proteo dos direitos depropriedade ou dos contratos, mas a maneira como o Estado e a sociedade

    interagem na busca de arranjos institucionais adequados a promoo do

    desenvolvimento segundo cada contexto especfico, tendendo a rejeitar

    solues de aplicao universal.

    Peter Evans um dos autores que Fiani (2011) classifica como

    pertencentes linhagem dos arranjos institucionais. Evans no despreza a

    importncia da proteo dos direitos de propriedade para o desenvolvimento,

    mas discorda do peso que North atribuiu a este fator. Para Evans, no se pode

    dizer que um modelo de proteo da propriedade privada v gerar

    desenvolvimento sem olhar para as especificidades de cada contexto.

    Tampouco seria adequado classificar os modelos de desenvolvimento como

    melhores ou piores a partir da forma como a propriedade definida (Evans,

    2007, p. 37).

    Ao invs de focalizar direitos de propriedade, a abordagem de Evans

    voltada discusso de casos concretos de interveno do Estado no

    desenvolvimento industrial (Fiani, 2011, p. 199), sem que haja a proposio de

    solues institucionais universais (one-size-fits-all, ou tamanho nico) para odesenvolvimento. Afastando-se da abordagem de mercados, Evans identifica

    trs motivos para a necessidade de interveno do Estado na economia: (1)

    superao de falhas de mercado; (2) superao de resistncias sociais ao

    processo de desenvolvimento econmico; (3) superao de resistncias sociais

    redistribuio de renda na sociedade. (Fiani, 2011, p. 200) Evans, porm, no

    enxerga a interveno do Estado como soluo automtica ao problema do

    desenvolvimento: o fato de que a racionalidade administrativa do Estado se faz

    necessria no significa que ela ser aplicada de forma adequada e eficaz.

    (Fiani, 2011, p. 201).Segundo Evans, muito da literatura institucionalista sobre o

    desenvolvimento pressups que as nicas instituies relevantes seriam aquelas

    diretamente envolvidas na facilitao das transaes nos mercados. Evans

    apelida essa pressuposio de market as magic bullet (1997, p. 2), ou seja, de

    mercado como soluo mgica. Passando a um nvel de anlise mais especfico,

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    o autor prope que instituies sociais, como o capital social (significando a

    reputao de uma pessoa ou organizao) importam. Os negcios sofacilitados quando as pessoas confiam umas nas outras. Ao lado dessas

    instituies, as iniciativas estatais tampouco podem ser desprezadas: partindo

    de exemplos de desenvolvimento acelerado no Leste Asitico nas ltimas

    dcadas do sculo XX, Evans confere importncia ao ativismo estatal.

    Na perspectiva do autor, no basta que o Estado seja forte. necessrio

    que ele tenha certo grau de autonomia em relao classe governante. A

    autonomia apresentada como condio necessria ao desenvolvimento, mas

    no suficiente. A proposta do autor a de que haja sinergia entre o pblico e

    o privado (1997, p. 3). A sinergia entre Estado e sociedade pode atuar como

    catalisadora do desenvolvimento.

    Como Fiani ressalta, ao passo que o Estado detm grande poder de

    transformao das relaes econmicas e sociais, os agentes privados que so

    afetados pelas polticas de Estado conhecem melhor a sua realidade do que as

    agncias do Estado (Fiani, 2011, p. 208). Para a ortodoxia econmica, a

    constatao de que os particulares conhecem sua realidade melhor do que os

    formuladores de polticas uma receita para que o Estado no interfira na

    economia. J em Evans, esta constatao usada como ressalva para que osarranjos institucionais construdos pelo Estado levem em conta as vises dos

    envolvidos em cada setor econmico especfico.

    A identificao da necessidade de interaes entre Estado e sociedade

    para fins de desenvolvimento sugere que a coordenao dos interesses por

    mecanismos que no o dos mercados necessria. Pode-se interpretar que a

    afirmao de Evans consiste em dizer que o mecanismo de preos nem sempre

    leva superao espontnea dos custos de transao associados diviso do

    trabalho na sociedade. Ou seja, nem sempre os empecilhos para as dificuldades

    de interao entre os diferentes setores econmicos so automaticamentesuperados. A sada so os arranjos institucionais especficos, estruturados por

    parcerias entre Estado e os diferentes setores econmicos ou sociais, como

    forma de superao dos custos de transao associados diviso do trabalho.

    Nota-se, neste receiturio, maior espao para o protagonismo estatal na

    promoo do desenvolvimento do que na perspectiva de North.

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    Volume 02, Nmero 03, Dezembro 2014.Pgina 18

    Outro autor cuja produo se insere na literatura dos arranjos

    institucionais Ha-Joon Chang. Em Kicking away the ladder chutando aescada , Chang (2003) dedica-se a desconstruir a ideia de que um conjunto de

    instituies voltado diminuio dos custos de transao e ao incremento das

    trocas comerciais baste para o desenvolvimento econmico. Em sua viso, os

    pases economicamente desenvolvidos recomendam para as demais instituies

    que eles mesmos no adotaram no seu processo de desenvolvimento. Baseado

    em evidncias empricas, demonstra que livre comrcio, rgida proteo aos

    direitos de propriedade, tutela da propriedade intelectual e a prpria

    democracia tal como hoje concebida, entre outras instituies tidas como

    essenciais prosperidade dos pases, no estiveram presentes nas economias

    desenvolvidas at que elas passassem a merecer semelhante classificao. Estas

    instituies vieram depois.

    Esta argumentao configura a crtica ao que Chang se refere como

    Global Standard Institutions (GSI), ou instituies de tamanho nico (one-size-

    fits-all), que acarretam, segundo o autor, perigosa negao da diversidade

    institucional. Especificamente, a crtica de Chang dirigida a instituies da

    cooperao econmica internacional, como o Banco Mundial, o Fundo

    Monetrio Internacional (FMI) e a Organizao para Cooperao eDesenvolvimento Econmico (OCDE), que articulam propostas de reformas

    domsticas nas instituies dos Estados (sobretudo perifricos) de forma a

    ocasionar a chamada convergncia ou harmonizao institucional. Segundo

    Chang, os proponentes de GSI acreditam que h certas formas de instituies

    que todos os pases tm que adotar para sobreviver num mundo globalizado

    (2007, p. 20).

    Entre os principais pontos enfatizados por instituies como o Banco

    Mundial, o FMI e a OCDE esto os direitos de propriedade privada. Chang faz

    uma crtica da limitao do discurso do desenvolvimento a este aspecto. Nacompreenso do autor, no h por que afirmar que o modelo de propriedade

    privada seja superior aos que lhe so alternativos (2007, p. 23). Por exemplo,

    num contexto em que valores egostas no imperam na cultura local, a proteo

    da propriedade privada pode no ser a melhor instituio. A investida no

    contra a ideia de proteo da propriedade em si, mas contra a receita de

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    Revista Perspectivas do Desenvolvimento: um enfoque multidimensional

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    convergncia institucional em torno de um s modelo. Formas comunais de

    propriedade podem ser mais adequadas a contextos especficos. O pontocentral a crtica generalizao de modelos nicos como receitas de

    desenvolvimento aplicveis a todos os pases (Chang, 2007, p. 11).

    A desconfiana quanto a modelos nicos leva tambm a que Chang

    critique prticas de mimetismo institucional (2007, p. 29). Para ele, as

    instituies que funcionam em um contexto podem no funcionar em outro,

    dadas as especificidades polticas, econmicas, culturais e jurdicas de cada

    cenrio.

    Observa-se que as abordagens de Chang e de Evans trazem em comum a

    desconfiana a respeito de receitas que propem ambientes institucionais

    meramente ancilares ao livre funcionamento do mercado. No apenas enfatiza-

    se a necessidade de se buscarem arranjos institucionais adequados a cada

    contexto especfico, como tambm se atribui papel de importncia s iniciativas

    estatais na economia e na sociedade para fins de desenvolvimento. Estabelece-

    se no debate sobre o desenvolvimento, desta forma, forte contraste entre as

    literaturas dos ambientes e dos arranjos institucionais.

    Estes desdobramentos ocorreram sobretudo no campo do

    conhecimento econmico. A prxima seo identifica perspectivas deorientaojurdicaacerca do debate sobre desenvolvimento. Em comum, est o

    elemento da nfase nas instituies. evidente, como se ver, que estas

    perspectivas jurdicas valem-se de olhares interdisciplinares, conjugando

    elementos da economia, do direito, e de outras reas do saber. Nisto, se

    diferenciam do discurso jurdico tradicional, de matizes conceitualistas e

    formalistas, e para o qual o desenvolvimento seria um problema econmico,

    externo ao direito.

    Perspectivas jurdicas do debate institucionalista sobre desenvolvimento

    O objetivo desta seo apresentar os contornos gerais de correntes

    jurdicas que, desprendendo-se do formalismo e do conceitualismo do discurso

    jurdico tradicional, valeram-se da interdisciplinaridade para abordar relaes

    entre instituies econmicas e jurdicas, e assim posicionar-se sobre o formato

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    Revista Perspectivas do Desenvolvimento: um enfoque multidimensional

    Volume 02, Nmero 03, Dezembro 2014.Pgina 20

    de polticas pblicas propcias ao desenvolvimento. So considerados os

    contornos principais da Anlise Econmica do Direito (AED), o Novo Direito eDesenvolvimento (NDD) e a Anlise Jurdica da Poltica Econmica (AJPE).

    Anlise Econmica do Direito (AED)

    A AED, tambm conhecida como Direito e Economia ou Law &

    Economics, tornou-se uma perspectiva bastante influente a respeito do formato

    de polticas pblicas, com curso em espaos institucionais como o FMI e o

    Banco Mundial. A tradio desta literatura remete a ideias de expoentes como

    Ronald Coase, Richard Posner e mesmo Douglass North (Zylbersztajn, Sztajn,

    2005, p. 1-2).

    A principal caracterstica da AED o emprego de instrumentais

    econmicos para a avaliao e validao, rejeio ou reforma de instituies

    jurdicas. Estes instrumentais so derivados, sobretudo da microeconomia

    (Castro, 2012, p. 207). Especificamente, a AED procede a anlises de custo-

    benefcio a respeito das normas e decises no direito. De matizes utilitaristas,

    consequencialistas e pragmticos, a AED procura criticar e reformar instituies

    jurdicas em termos de seus resultados para o todo social. Se os efeitos forembenficos para o bem-estar econmico, a instituio ser validada. Caso

    contrrio, precisar ser reformada.

    Diferentemente do raciocnio jurdico tradicional, que tende a buscar a

    validade das instituies jurdicas em sua conformidade com as regras e

    princpios contidos em leis, decises judiciais ou constituies, o critrio de

    validao empregado pela AED, como em Posner, no se encontra no direito

    positivo, mas em suas consequncias para a eficincia econmica. Assim, o

    critrio do bom, do justo ou desejvel traduzido em termos de eficincia,

    de custo-benefcio. Busca-se averiguar se a instituio jurdica contribui ou nopara o emprego timo de recursos econmicos, de modo a maximizar a

    satisfao humana (Posner, 1973, p. 4). Neste sentido, pode-se afirmar que esta

    perspectiva enxerga os direitos em funo de seu papel na eficincia

    econmica.

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    Revista Perspectivas do Desenvolvimento: um enfoque multidimensional

    Volume 02, Nmero 03, Dezembro 2014.Pgina 21

    A AED volta a sua ateno estrutura de estmulos e desestmulos que o

    direito pode prover. Assim, comportamentos economicamente eficientespodem ser estimulados por sistemas de prmios e punies (Sztajn, 2005, p. 75).

    Um exemplo de anlise focada em incentivos dado por Guido Calabresi

    (1965), em seu artigo sobre a relao entre o direito e os acidentes de carro em

    que no h dolo do condutor. Nesse trabalho, o jurista afirma que o maior rigor

    punitivo acarretaria o aumento do preo relativo de certas atividades praticadas

    pelos condutores de veculos e tidas por arriscadas, e incentivaria a opo por

    substitutos dessas atividades, como o transporte pblico (Calabresi, 1965, p.

    719-720).

    Como desdobramento da AEDna rea de finanas, o movimento Law &

    Finance atrelou o bom desempenho dos mercados financeiros a dotaes

    jurdicas corretas, de modo a gerar ambientes institucionais eficientes na

    atrao de investidores. A literatura de Law & Finance faz duas vinculaes

    fundamentais. A primeira delas entre a dotao jurdica correta e a

    prosperidade dos mercados financeiros. Neste aspecto, correto tem o mesmo

    significado de derivado do common law. A segunda vinculao entre a

    existncia de mercados financeiros dinmicos e o prprio desenvolvimento (La

    Porta et al, 1998). Juntas, estas vinculaes formam a receita do Law & Financepara o desenvolvimento: universalizar instituies tpicas do common law que,

    por serem mais favorveis liberdade financeira, tm maior eficincia para

    conduzir prosperidade. Esta literatura criticada por Mark Roe (2006), que

    nega, a partir de estudos empricos, que instituies do common law resultem

    em mercados financeiros mais robustos.

    A literatura da AED e do Law & Finance tende a privilegiar instituies

    jurdicas que contribuam para o funcionamento timo dos mercados. Neste

    sentido, a nfase no est em como as instituies econmicas podem ser

    reformadas para favorecer a fruio de direitos fundamentais, mas como asestruturas jurdicas podem ser reformadas para favorecer o desempenho

    econmico. No se trata de uma anlise jurdica das instituies econmicas,

    mas de anlise econmica das instituies jurdicas: estas ltimas sendo

    encaradas como estando em funo das primeiras. Em comum com a literatura

    dos ambientes institucionais, a AED favorece desenhos institucionais ancilares

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    Revista Perspectivas do Desenvolvimento: um enfoque multidimensional

    Volume 02, Nmero 03, Dezembro 2014.Pgina 22

    ao livre mercado, alm de compartilhar de receiturios de forte proteo de

    direitos de propriedade e contratos como medidas imprescindveis aodesenvolvimento.

    Em outros termos, possvel associar a AED sensibilidade econmica

    de contornos mais ortodoxos, conhecida como economia neoclssica ou

    neoliberal, contrria ao ativismo estatal e favorvel a reformas pr-mercado nas

    instituies, como requisitos para o desenvolvimento.

    Novo Direito e Desenvolvimento (NDD)

    Ao longo da dcada de 1990, diversos pases em desenvolvimento foram

    palco para a implementao de reformas relacionadas ao Consenso de

    Washington e voltadas criao de ambientes institucionais mais homogneos

    e supostamente favorecedores das transaes. A circunstncia de essas

    reformas no terem sido suficientes para reduzir substancialmente a pobreza e

    a desigualdade de renda, evitar crises ou gerar grande crescimento econmico

    encorajou o estudo de novas estratgias para a orientao da relao entre

    direito e desenvolvimento (Shapiro; Trubek, 2012, p. 42).

    O NDD uma das expresses dessas novas estratgias, correspondentesa um novo ativismo estatal (Castro, 2014, p. 33). O novo ativismo estatal

    distingue-se do velho desenvolvimentismono s por propor a necessidade de

    conjugao das esferas pblica e privada, como tambm por no reservar papel

    proeminente s solues tecnocrticas para o desenvolvimento (Castro, 2014, p.

    57), atribuindo maior espao deliberao poltica democrtica. Os pensadores

    filiados a essa orientao demonstram preocupaes com que a diminuio da

    pobreza e o acesso a direitos fundamentais no sejam considerados apenas

    decorrncias naturais do crescimento econmico, e passem a ser encarados

    como fins em si mesmos. Ou seja, as instituies jurdicas no so encaradascomo estando em funodas instituies econmicas.

    Ademais, recomendam a adoo de solues pragmticas para

    problemas concretos, em detrimento da crena no formalismo jurdico (Trubek,

    2006, p. 93). Essa crena, focada na necessidade de garantia de previsibilidade e

    estabilidade de certas categorias especialmente o direito de propriedade e a

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    Revista Perspectivas do Desenvolvimento: um enfoque multidimensional

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    liberdade de contratar para que a interao humana seja prspera, pressupe

    que o mercado o ambiente ideal para a tomada de decises sobre a alocaode recursos, em que o direito no deve interferir.

    Castro (2014) identifica um ponto em comum s anlises levadas a cabo

    por autores brasileiros filiados ao NDD. Trata-se da concepo de que as

    instituies jurdicas so elementos constitutivos, e no apenas instrumentais,

    da mudana e do desenvolvimento econmico. No so variveis neutras em

    processos decisrios. Da a preocupao com as consequncias econmicas e

    sociais da estrutura (juridicamente determinada) dos fluxos financeiros (Castro,

    2014, p. 41). A base desta preocupao a afirmao de que a baixa

    disponibilidade de crdito e a existncia de altos spreads bancrios figuram

    como obstculos aos objetivos de indivduos e grupos (Castro, 2014, p. 35). A

    nfase do NDDna anlise dos fluxos financeiros justifica a referncia de Marcus

    Faro de Castro a esta vertente como literatura de Public Capital Management ou

    gerenciamento pblico do capital (2014, p. 36):

    devido a sua influncia tanto sobre o volume quanto sobre o preo docrdito oferecido por bancos comerciais no Brasil, a estrutura dasregras e princpios jurdicos que apoiam a existncia do mercado decrdito vista como crucial para a realizao das aspiraes dasociedade. A reorganizao do mercado de crdito, por meio de

    reformas das regras e princpios jurdicos sobre os quais ele sesustenta, portanto encarada como premissa do bem-estar social edo desenvolvimento econmico. A regulao em geral deve incluir apreocupao com a estrutura e as caractersticas jurdicas do mercadode crdito. (Castro, 2014, p. 36)

    Esta nfase na anlise de fluxos financeiros verificada nos trabalhos de

    Emerson Fabiani, sobre o crdito de curto prazo ofertado por bancos

    comerciais; de Mario Schapiro, que trata de arranjos relacionados ao crdito

    industrial de longo prazo e governana corporativa; e de Diogo Coutinho,

    acerca de polticas de transferncia de renda para a reduo da pobreza e da

    desigualdade (Castro, 2014). Para esses autores, nem todas as decises sobre aalocao dos fatores de produo devem se dar nos mercados, espao em que,

    de acordo com Streeck (2011), a produtividade marginal o critrio definidor

    para a aplicao dos recursos.

    Com efeito, ao demonstrar certo ceticismo quanto afirmao de que

    determinadas instituies gerariam desenvolvimento em qualquer lugar em que

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    Revista Perspectivas do Desenvolvimento: um enfoque multidimensional

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    fossem adotadas (one-size-fits-all), o NDDsugere a adoo de diferentes tipos

    de conciliao entre Estado e sociedade e Estado e mercado(Shapiro; Trubek,2012, p. 51). De acordo com autores filiados ao NDD, as solues para os

    problemas identificados devem ser construdas a partir dos contextos locais,

    embora a inspirao em modelos adotados por pases com caractersticas

    semelhantes parea-lhes desejvel o que definem como dilogo horizontal. As

    sociedades devem escolher desenhos institucionais satisfatrios aos seus

    contextos, e devem faz-lo de forma democrtica, e no delegando decises

    gesto tecnocrtica (Shapiro; Trubek, 2012, p. 56).

    O NDD defende a afirmao dos direitos como fins em si mesmos, a

    construo de solues jurdicas a partir de contextos locais e uma abordagem

    experimentalista que condiciona a validade dessas solues sua efetiva

    capacidade de atender a demandas econmicas e sociais em contextos

    especficos. Entre suas caractersticas de destaque est a tentativa de destacar a

    importncia da estrutura de fluxos financeiros para a realizao de finalidades

    jurdicas por grupos e indivduos, assim promovendo tanto a liberdade quanto

    o desenvolvimento. (Castro, 2014, p. 36)

    Estes contornos aproximam o NDD da literatura dos arranjos

    institucionais, e estabelecem pontos de atrito com a AED, o que remete a outravertente jurdica que se choca com a AED e com a literatura dos ambientes

    institucionais: a Anlise Jurdica da Poltica Econmica.

    Anlise Jurdica da Poltica Econmica (AJPE)

    A AJPE prope que se deva conciliar a funcionalidade da economia, de

    um lado, e, de outro, a equnime proteo aos direitos fundamentais dos

    indivduos e grupos, promovendo assim a justia econmica. (Castro, 2009, p.

    21) A ideia de justia econmica na AJPE, apesar de evidente contato comcategorias econmicas, como produo e consumo, proposta em termos

    de direitos: trata-se de conciliar direitos de produocom direitos de consumo.

    Direitos de produo esto associados propriedade (em seu uso

    comercial) e liberdade de contratar, ao passo que direitos de consumo esto

    associados ao que normalmente se refere como direitos sociais, embora os usos

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    Revista Perspectivas do Desenvolvimento: um enfoque multidimensional

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    no comerciais de direitos individuais, como o direito propriedade de uma

    residncia, tambm sejam categorizados como direitos de consumo (2009, p.49-50).

    Nesse sentido, o ponto central da proposta da AJPE o de que a poltica

    econmica, entendida como conjunto de regras politicamente institudas que

    organizam a produo, a troca e o consumo na vi da social (2009, p. 22), deve

    promover a efetividade de direitos fundamentais(tanto de produo quanto de

    consumo), e no prejudic-la. As instituies econmicas, em outros termos,

    so colocadas em funo da fruio de direitos, e no o contrrio.

    No entanto, ao propor o balano entre direitos de produo e consumo,

    a AJPE no fecha os olhos para o problema da escassez envolvido na expanso

    de direitos. Uma outra maneira de se apresentar a ideia de justia econmica

    para a AJPE , nesse sentido, a conciliao entre a eficcia e equidade

    econmicas, entre o crescimento e a distribuio. Ou seja, trata-se da

    construo de uma ordem social que seja ao mesmo tempo dinmica, do

    ponto de vista econmico, e justa (2009, p. 22). Nisto est implicada uma

    concepo de desenvolvimento que no tem apenas matizes econmicos, mas

    tambm sociais e jurdicos.

    A AJPE enfatiza como relevante a fruio emprica dos direitos deconsumo e de produo, em contraste com a previso ou existncia formal

    destes direitos no ambiente institucional. Esta vertente prope instrumentais

    analticos para avaliar esta fruio. Trata-se da ferramenta da anlise

    posicional. Por meio dela, o jurista pode avaliar, a partir de critrios jurdicos, se

    a poltica econmica, ou determinada poltica pblica, atende a requisitos de

    concretizao ou efetividade de direitos fundamentais e direitos humanos.

    (Castro, 2009, p. 40)

    A anlise posicional feita em cinco etapas (Castro, 2014, p. 42-45). A

    primeira etapa envolve a identificao de uma poltica pblica ou de umaspecto da poltica econmica sujeito a controvrsias, e a correspondente

    especificao do direito fundamental correlato. Nesse sentido, o primeiro passo

    cuida de estabelecer a ponte entre as polticas pblicas e sua expresso jurdica

    (Castro, 2014, p. 43), de modo a identificar quais so os direitos fundamentais

    (sejam de consumo, sejam de produo), possivelmente atingidos pela

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    Revista Perspectivas do Desenvolvimento: um enfoque multidimensional

    Volume 02, Nmero 03, Dezembro 2014.Pgina 26

    controvrsia no mbito da poltica pblica (Castro, 2009, p. 41). Assim, por

    exemplo, uma poltica pblica de habitao pode ser versada em termos dodireito moradia.

    A segunda etapa a decomposio analtica dos direitos envolvidos:

    o jurista passa ento com base na considerao de que as polticaspblicas adquirem as formas de contedos de interesse pblicoinseridos em contratos organizados em redes ou agregadoscontratuais a analisar os componentes prestacionais decorrentes doscontratos. O entendimento a que tais componentes prestacionaisem conjunto do contedo ao fato emprico da fruio do direito emquesto. O trabalho de identificao dos componentes prestacionaiscorrespondentes fruio emprica do direito tem o nome dedecomposio analtica de direitos. (2009, p. 41)

    Como exemplo, o direito moradia um direito de consumo est

    situado num agregado contratual perpassado por prestaes como segurana,

    fornecimento de gua, luz e esgoto, pavimentao e transporte pblico,

    facilidade de acesso a servios pblicos como educao e sade, e afetado por

    condies de financiamento para a construo civil, taxas de juros, incidncia da

    tributao, custos cartoriais etc. Dessa forma, a decomposio analtica do

    direito moradia envolveria a identificao dos componentes prestacionais

    necessrios para possibilitar a fruio emprica deste direito.

    A terceira etapa a quantificao emprica dos direitos analiticamentedecompostos (Castro, 2014, p. 43-4), com correspondente obteno de um

    ndice de fruio emprica (IFE). A reunio de todos os indicadores,

    correspondentes a todos os componentes prestacionais [...] produz um

    referencial de ordem mais geral, que pode servir para expressar

    quantitativamente [...] a fruio emprica do direito [...]. Este ser o ndice de

    fruio emprica do direito em questo [...]. (Castro, 2009, p. 43) Cada elemento

    prestacional que compe um direito (como o direito moradia, do exemplo

    anterior) precisa ser quantificado com base em referenciais empricos.

    Esse procedimento (quantificao) pode optar por utilizar dados einformaes j produzidos por autoridades ou especialistas, ou podeproduzir dados e informaes novos. H, evidentemente, tambm apossibilidade de utilizao de dados j prontos, mas de maneiracombinada com dados produzidos pelo prprio jurista pesquisador.De qualquer modo, o objetivo da quantificao produzir ndicesquantitativos que possam dar preciso caracterizao da experinciaemprica da fruio. (2009, p. 41-2)

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    Revista Perspectivas do Desenvolvimento: um enfoque multidimensional

    Volume 02, Nmero 03, Dezembro 2014.Pgina 27

    A quarta etapa a definio de um padro de validao jurdica (PVJ),

    tambm versado quantitativamente. A elaborao do PVJ consiste naidentificao ou construo de um padro ou benchmark utilizado para

    caracterizar o que corresponderia em termos quantitativos, efetividade

    emprica juridicamente validada do direito considerado. (2009, p. 44)

    Por fim, na quinta etapa, o PVJ e o IFE so contrastados. Verificando

    discrepncia, ou seja, um IFE menor que o PVJ estabelecido, o jurista passa,

    como parte integrante desta etapa, elaborao de propostas de reforma da

    poltica pblica ou de aspectos da poltica econmica considerada (Castro, 2014,

    p. 45). Deste modo, busca-se a reorientao da poltica pblica ou da poltica

    econmica para possibilitar a melhora da fruio emprica do direito

    fundamental em questo.

    A AJPE pressupe que as instituies e polticas devem servir a ordenscompatveis com a equnime fruio dos direitos humanos efundamentais e que os indivduos e grupos no devem serescravizados a instituies cuja estrutura oponha obstculos a talfruio. Sendo plenamente convencionais, so as instituies (polticaspblicas, polticas econmicas, mecanismos de cooperaointernacional) que devem ser mudadas para se adaptarem ao exerccioda fruio de direitos humanos e fundamentais, no o inverso. (Castro,2009, p. 46)

    Porm, como a AJPE define justia econmica como equilbrioempiricamente verificado entre direitos de consumo e de produo, no o

    bastante identificar reformas que permitam a expanso da fruio emprica de

    um direito isoladamente considerado, sem verificar seus impactos sobre direitos

    correlatos.

    As interconexes sociais e econmicas so traduzidas, nas categorias da

    AJPE, por meio da noo de redes ou agregados de contratos. A caracterizao

    da economia e das polticas pblicas como compostas por relaes contratuais

    permite que o jurista analise as instituies envolvidas a partir de critrios

    jurdicos.

    A principal preocupao dos juristas que empregam a perspectiva daAJPE ser com as consequncias econmicas e sociais da estrutura ouarquitetura dos agregados contratuais existentes, incluindo impactosque tendem a congelar certos indivduos ou grupos ou, para estepropsito, os habitantes de regies inteiras em certas posies naeconomia nacional ou global. (Castro, 2014, p. 46)

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    Volume 02, Nmero 03, Dezembro 2014.Pgina 28

    A principal ferramenta para anlise dos agregados contratuais na AJPE

    a matriz da nova anlise contratual, que classifica as clusulas dos contratoscomo tendo elementos de interesse privado e pblico, bem como elementos

    monetrios e de utilidade. As clusulas privadas so livremente pactuveis, mas

    as clusulas de interesse pblico esto sujeitas aos pactos sociais expressos pela

    via legislativa, administrativa ou judicial. As polticas pblicas e a poltica

    econmica afetam os contedos de interesse pblico (quer de utilidade, quer

    monetrios) dos agregados contratuais, representando contedos de que as

    partes no podem dispor livremente. Em especial, a poltica monetria e a

    tributria determinam contedos das clusulas monetrias de interesse pblico

    (Castro, 2011, p. 43), configurando componentes monetrios estratgicos

    (Castro, 2014, p. 47) em razo da transmisso intercontratual de valores

    monetrios. Nesse sentido, os contratos em uma economia (e mesmo numa

    escala global) encontram-se interligados, quer pelo compartilhamento de uma

    mesma moeda (e dos efeitos sobre todos os contratos em virtude da taxa de

    juros, de inflao ou deflao, por exemplo), quer pelos diferenciais de

    competitividade, a afetar direitos de produo, em decorrncia das relaes de

    cmbio e das diferentes taxas de juros praticadas pelo globo, quer ainda pelos

    mltiplos encadeamentos de contratos nos setores da economia real efinanceira, e de um setor com o outro. Nenhum contrato uma ilha, pode-se

    dizer. At mesmo pela afirmao da transmisso intercontratual de valores

    monetrios, a nova anlise contratual da AJPE incorpora argumentao

    jurdica aspectos dos agregados e dos fenmenos macroeconmicos.

    No Brasil, os estudos de Albrio Lima, Daniele Fontes e Paulo Sampaio

    so exemplos de aplicao da AJPE, com foco na interao entre instituies

    econmicas e jurdicas no desenvolvimento. Albrio Lima (2014) realizou

    anlise jurdica do incentivo ao microempreeendedor individual. Daniele Fontes

    (2014) aplicou a AJPE ao Programa Nacional de Banga Larga. E Paulo Sampaio(2014), poltica pblica de microcrdito como forma de superao da pobreza.

    Nota-se que a AJPE apresenta instrumentais jurdicos para a anlise das

    instituies econmicas, como a anlise posicional e a nova anlise contratual.

    Pode-se, ainda, afirmar que as instituies econmicas so encaradas como

    estando em funo da fruio de direitos. Mas esta afirmao temperada por

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    Revista Perspectivas do Desenvolvimento: um enfoque multidimensional

    Volume 02, Nmero 03, Dezembro 2014.Pgina 29

    uma concepo de desenvolvimento, ou de justia econmica, que busca

    alcanar distribuio equnime sem fechar os olhos para as necessidades deeficincia econmica, o que, em termos jurdicos, se traduz na proposta de

    expandir de maneira conciliada a fruio de direitos de consumo e de produo.

    De modo geral, os contornos da AJPE estabelecem dilogos com o NDD.

    Ambos, afinal, compartilham vises que atribuem maior espao ao ativismo

    estatal na promoo do desenvolvimento, e trazem concepes de

    desenvolvimento que enfatizam a presena de elementos jurdicos, para alm

    do crescimento econmico. H, tambm, desconfiana em relao

    capacidade de o livre mercado gerar, espontaneamente, resultados econmicos

    e sociais desejveis e socialmente justos. Estes aspectos fazem com que a AJPE,

    tal qual o NDD, remeta literatura dos arranjos institucionais, estabelecendo

    contatos com as ideias de Peter Evans e Ha-Joon Chang, aqui abordadas. Em

    contraste, estas correntes se opem s prescries da AED e da literatura dos

    ambientes institucionais, da progenia de North.

    Consideraes finais

    A partir do panorama feito neste artigo, observou-se ser possvel situarcontribuies jurdicas sobre o desenvolvimento em um plano mais amplo,

    relacionando-as a literaturas institucionalistas na economia, que so a vertente

    dos ambientes institucionais e a dos arranjos institucionais.

    De um lado, foi possvel observar que as ideias de Douglass North, que

    pautaram a corrente dos ambientes institucionais, guardam relao com as

    propostas da Anlise Econmica do Direito (AED). H congruncias nos

    receiturios de forte proteo dos direitos de propriedade, de condenao do

    ativismo estatal na economia, e na preocupao com a criao de desenhos

    institucionais ancilares ao funcionamento do livre-mercado. A eficincia dosmercados vista como o principal motor do desenvolvimento para os

    partidrios deste alinhamento terico, havendo afinidades com a economia

    ortodoxa, conhecida como neoclssica ou neoliberal.

    De outro lado, as expresses jurdicas do Novo Direito e

    Desenvolvimento (NDD) e da Anlise Jurdica da Poltica Econmica (AJPE)

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    guardam maior proximidade com a literatura dos arranjos institucionais, e com

    ideias de autores como Peter Evans e Ha-Joon Chang. H maior abertura para oprotagonismo estatal no desenvolvimento, alm de desconfiana em relao a

    receitas padronizadas para todos os pases, bem como outros pontos de

    contato.

    Por fim, quanto relao entre instituies econmicas e jurdicas,

    observou-se que ao passo que a AED coloca as instituies jurdicas em funo

    do livre funcionamento dos mercados, o NDD e a AJPE invertem esta relao,

    focalizando a anlise em reformas nas instituies econmicas com a finalidade

    de atender a fruio de direitos. No caso da AJPE, h ainda a preocupao com

    o balano entre equidade e eficincia econmica.

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    Recebido em: 03/09/2014Aprovado em: 28/12/2014

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    Os desafios do desenvolvimento brasileiro para o sculo XXI

    Darly Henriques da Silva1

    Resumo

    Este artigo apresenta uma anlise baseada em indicadores socioeconmicos dedesenvolvimento do Brasil, comparando-os mundialmente e com o blocoeconmico BRICS (Brasil, Rssia, ndia, China e frica do Sul), utilizando-se, porum lado, os indicadores Produto Interno Bruto (PIB) e ndice de

    Desenvolvimento Humano (IDH), e por outro lado, o grupo formado peloquarteto composto por ndices de inovao, de competitividade, deempreendedorismo e de talento (ICET), internacionalmente adotado para avaliaro desenvolvimento dos pases. Para o Brasil, o primeiro grupo no guardacorrelao com o segundo por vrias razes, como concentrao de renda eriqueza, baixo investimento em inovao, dependncia do setor produtivo emrecursos naturais, pouco adequado para os desafios de desenvolvimento dosculo XXI, este baseado na revitalizao do setor industrial fortementedependente de inovao tecnolgica.

    Palavras-chave: Indicadores; Inovao; Competitividade.

    Introduo

    O Brasil, participante do processo de globalizao, exibe dados que

    apontam uma liderana quando se considera o indicador Produto Interno Bruto

    (PIB) mundial. Ocupa posio privilegiada com relao aos pases emergentes,

    como os que compem os BRICS, por exemplo. Entretanto, no protagonista

    quanto aos ndices de inovao, competitividade internacional,

    empreendedorismo e talento. Constitui um enorme desafio para o Pas romper

    os laos sociais tradicionais que o posicionam em lugares bem modestos

    quanto aos ndices sociais, com alta taxa de concentrao de renda e riqueza,

    no sentido de Adam Smith, e oferta de educao e sade insuficiente para oque se almeja como qualidade de vida para a populao. Entretanto, essas

    1Analista Senior de C&T do CNPq, Graduada e Mestre em Fsica pela Universidade de Brasilia e CentroBrasileiro de Pesquisas Fsicas, em Brasilia e Rio de Janeiro,respectivamente, Doutor em Economia pelaUniversidade de Paris - Panthon -Sorbonne e Visiting Scholar ( 1 ano) na Universidade GeorgeWashington em Washington-DC em planejamento e gesto em C,T e Inovao. Coordenador Geral doMinistrio da Cincia, Tecnologia e Inovao ( 2004-2012), atualmente na Coordenao Geral deCooperao Internacional do CNPq.

    Arti os

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    polticas de resgate de excludos socialmente, quando aplicadas no longo prazo,

    produziro efeitos positivos.Apesar de alguns progressos, o Brasil continua a conviver com contrastes

    que justificaram ser chamado, em 1974, de Belndia,e, em 2014, de Italordnia,

    pela Revista The Economist, misturando, neste ltimo caso, a parte rica com PIB

    per capita prximo ao da Itlia com a mais pobre com PIB prximo ao da

    Jordnia.

    Tais contrastes aparecem nos indicadores sociais como o ndice de

    Desenvolvimento Humano (IDH) e em outros mais atuais que medem o

    desenvolvimento baseado em inovao, competitividade, empreendedorismo e

    talento (ICET). A metodologia utilizada se baseia em comparar os dados

    internacionais de desenvolvimento do Brasil com pases desenvolvidos e alguns

    emergentes, os que compem os BRICS. Para isso, os indicadores foram

    divididos em dois grupos: por um lado, o PIB e o IDH enquanto indicadores de

    resultado, do lado de output e outcome, respectivamente,compondo a primeira

    parte do trabalho.

    O quarteto ICET formado por indicadores socioconmicos de input.

    Renem as condies a serem satisfeitas para que um pas atinja seus

    resultados que, no necessariamente, so traduzidos pelo PIB, assuntosanalisados na segunda parte do artigo. Ser enfatizado o papel da inovao

    para o sistema produtivo face aos desafios do Sculo XXI e oferecidas

    recomendaes para que o Brasil possa melhorar os seus indicadores

    socioeconmicos. Esses dados so importantes porque refletem o modo como

    os pases utilizam seus recursos humanos, financeiros e econmicos para o seu

    desenvolvimento.

    Assim, o objetivo principal do trabalho , utilizando dados

    quantitativos, comparar os indicadores de desenvolvimento do Brasil com

    pases industrializados e com os pases-membros dos BRICS. Os primeirosporque tm seus sistemas de cincia, tecnologia e inovao consolidados

    (Lundvall, 1982) e se apiam fortemente no quarteto ICET e os pases

    emergentes que os esto construindo, e, nesses ltimos, encontram-se os BRICS

    como destaque, e que ainda apresentam deficincias quanto aos indicadores

    ICET, embora tenham desempenho importante quanto ao PIB e heterogneo

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    com relao ao IDH. Esses indicadores apontam o tipo e natureza do

    desenvolvimento nos pases usados como comparao. Os dados seroapresentados a seguir por meio de tabelas e grficos.

    O Brasil no cenrio socioeconmico global: produto interno bruto e

    desenvolvimento humano

    Posio com relao ao Produto Interno Bruto (PIB)

    Em 2012, o Brasil ocupou a 7 posio (Tabela1) no rankingdas maiores

    economias do mundo.

    Tabela 1Produto Interno Bruto (PIB) - 2012

    Ranking Pas (US$ milhes)

    1 Estados Unidos 16.244.600

    2 China 8.227.103

    3 Japo 5.961.066

    4 Alemanha 3.425.928

    5 Frana 2.611.200

    6 Reino Unido 2.475.782

    7 Brasil 2.252.664

    8 Federao Russa 2.014.775

    9 Itlia 2.013.375

    10 ndia 1.858.740

    Fonte:http://data.worldbank.org/data-catalog/GDP-ranking-table.

    E no grupo dos BRICS, ocupou o 2 lugar ( Tabela 2)

    http://data.worldbank.org/data-catalog/GDP-ranking-tablehttp://data.worldbank.org/data-catalog/GDP-ranking-table
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    Tabela 2Produto Interno Bruto ( PIB) 2012

    Ranking Pas (US$ milhes)

    1 China 8.227.103

    2 Brasil 2.252.664

    3 Federao Russa 2.014.775

    4 ndia 1.858.740

    5 frica do Sul 384.313

    Fonte:http://data.worldbank.org/data-catalog/GDP-ranking-table.

    Quanto ao desenvolvimento social expresso pelo IDH, a situao

    diferente quando se comparam os dados internacionais.

    Posio com relao ao desenvolvimento humano - IDH/2013

    Embora alguns pases emergentes figurem nas primeiras posies no

    rankingmundial do PIB, no reproduzem este comportamento quando se trata

    dos indicadores sociais. Uma boa parte dos emergentes, mesmo as economias

    mais dinmicas como a China, apresentam dficits antigos com relao ao setor

    social. Muitos deles tentam superar a desigualdade crnica, com concentrao

    da riqueza, e este um papel desempenhado pelo Estado que tem que

    despender muitos recursos para reduzir a enorme diferena existente nas

    sociedades.

    O indicador mais utilizado para quantificar e qualificar o estgio de

    desenvolvimento dos pases o ndice de Desenvolvimento Humano (IDH),

    divulgado pelo Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)

    da Organizao das Naes Unidas (ONU). Para 2013, o relatrio enfatiza a

    Ascenso do Sul: Progresso Humano em um Mundo Diversificado, focando

    http://data.worldbank.org/data-catalog/GDP-ranking-tablehttp://data.worldbank.org/data-catalog/GDP-ranking-table
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    sobre um conjunto de economias de pases em desenvolvimento que tm

    conquistado destaque no cenrio global (PNUD, 2014, p.6).A ascenso do Sul vista como sem precedentes na histria humana.

    China e ndia, dois pases emergentes e membros dos BRICS, duplicaram seu

    produto per capitaem menos de 20 anos. Enquanto na Gr-Bretanha, bero da

    Revoluo Industrial, o prazo para que o produto duplicasse foi de 150 anos, e

    para os EUA, o mesmo aconteceu em cerca de 50 anos! O alcance humano em

    termos populacionais dessa transformao envolveu mais de cem vezes o

    nmero de pessoas em relao Revoluo Industrial, embora os dados per

    capitadevam ser considerados com cautela devido pouca homogeneidade na

    populao dos pases emergentes.

    Segundo a Federao das Indstrias do Estado de So Paulo, o Brasil se

    ressente de um projeto nacional de desenvolvimento que objetive torn-lo

    desenvolvido no curto prazo, ou seja, que o Brasil alcance uma renda mdia de

    US$ 20 mil e um IDH de aproximadamente 0,809 entre 2029 e 2034. Em 2013, a

    renda per capitabrasileira foi de US$ 14.275,00e o IDH de 0.744, colocando o

    Brasil em 79 lugar no ranking em 2013, dentre 187 naes. Dois pases dos

    BRICS, China e Rssia, foram classificados tambm em desenvolvimento

    humano na categoria IDH alto. Segundo o Relatrio de DesenvolvimentoHumano 2014, o Brasil avanou graas ao aumento da renda e expectativa de

    vida da populao. No h indicadores sobre distribuio da riqueza no Brasil,

    no sentido de Adam Smith.

    Mais recentemente, observa-se um re-equilbrio da economia mundial.

    Potncias econmicas do Norte, com tradio na histria, pela primeira vez, se

    equiparam ao nvel econmico de pases do Sul. O PIB conjunto do Brasil, China

    e ndia (trs dos cinco membros dos BRICS) se aproxima soma do PIB do

    Canad, Frana, Alemanha, Itlia, Reino Unido ou o dos EUA. Atualmente, o Sul

    representa cerca de metade do produto da economia mundial e estudosprospectivos indicam que at 2050, Brasil, China e ndia contribuiro com cerca

    de 40% da produo econmica mundial. (PNUD, 2014, p.13)

    A ttulo de exemplo, o acesso Internet registrou aumento excepcional

    no Sul, com taxa de crescimento superior a 30% no perodo 2000-2010. Alm

    disso, dos cinco maiores usurios do Facebook, quatro esto no Sul: Brasil,

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    Volume 02, Nmero 03, Dezembro 2014.Pgina 38

    ndia, Indonsia e Mxico, dois deles pases dos BRICS. Este percentual

    importante, pois grande parte das transaes comerciais realiza-se com oauxlio da Internet, o que facilitaria o seu comrcio exterior. Nenhuma dessas

    inovaes foi produzida no Sul, embora esta regio represente um imenso

    mercado para elas.

    Em 2013, o Brasil ocupou o 79 lugar, portanto, um pas com IDH alto.

    Um IDH muito alto (0,800 a 1.000) representa posio tambm elevada nas

    dimenses que o compem: Sade, Educao e Renda. A posio do Brasil no

    ranking, embora considerada alta,revela concentrao excessiva de renda, alm

    de Educao e Sade comprometidas em termos de qualidade e cobertura da

    populao. Novamente, os pases europeus, e outros que dedicaram esforo

    concentrado a esses setores, apresentam indicadores sociais positivos, e uma

    distribuio de renda per capitamais eqitativa.

    Ranking ndice de Desenvolvimento Humano (IDH) - 2012 - Top10 paises

    Tabela 3Ranking

    Pas

    1 Noruega

    2 Austrlia3 Estados Unidos4 Pases Baixos5 Alemanha6 Nova Zelndia7 Irlanda8 Sucia9 Suia10 JapoFonte: Relatrio do Desenvolvimento Humano - 2013/PNUD.

    Desenvolvimento humano dos municpios no Brasil - IDHM 2013

    Ainda no contexto do IDH, o PNUD divulgou o Atlas do Desenvolvimento

    Humano no Brasil para 2013. O levantamento cobre os 5.565 municpios

    brasileiros segundo 180 variveis. Os temas abordados so agrupados em:

    demografia, sade, trabalho, renda, educao, habitao e vulnerabilidade

    social. (PNUD, 2013). importante conhecer os dados por municpios para que

    o indicador IDH do Brasil no fique distorcido e induza a concluses incorretas.

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    Volume 02, Nmero 03, Dezembro 2014.Pgina 39

    A distoro deve-se a heterogeneidade dos indicadores sociais por regies e

    municpios. A evoluo do IDH dos municpios mostrada a seguir.Evoluo do Desenvolvimento Humano nos Municpios Brasileiros nas trs

    ltimas dcadas

    Fonte: Atlas do desenvolvimento Humano no Brasil - 2013, disponvel em:http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/destaques/faixas_idhm/

    A Figura 1 mostra a evoluo do IDHM:

    http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/destaques/faixas_idhm/http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/destaques/faixas_idhm/http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/destaques/faixas_idhm/
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    Volume 02, Nmero 03, Dezembro 2014.Pgina 40

    Figura 1:

    Fonte:http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/destaques/faixas_idhm/.

    Esses dados corroboram a concentrao de renda, as baixas taxas, em

    alguns casos, em Educao e Sade das populaes, embora j se observem

    avanos para reduzir as diferenas regionais e intra-regionais. Em nvel nacional,

    algumas polticas pblicas voltadas para insero social da populao de muito

    baixa renda j apresentam resultados positivos, como aponta o Instituto de

    PesquisaEconmica Aplicada (IPEA).

    Assim,segundo estudo do IPEA, que tem como base a Pesquisa Nacional

    por Amostra de Domiclios (PNAD), houve mudanas em indicadores de renda e

    consumo das famlias no Brasil de 1992 a 2012. Os nmeros da PNAD serviram

    para alimentar os dados de Educao para o IDH do Brasil publicado em 2014

    pelo PNUD, aps as crticas do Governo Brasileiro com relao ao IDH

    divulgado em 2013, colocando o Brasil na 85 posio no ranking mundial.

    Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), registrou-secrescimento das seguintes variveis relacionadas ao rendimento e ao consumo

    no perodo mencionado: Renda per capita(mdia), Renda per capita(mediana),

    Salrio Mnimo, PIB per capita , Consumo das Famlias per capita e, Renda

    Disponvel per capita( IBGE,2014) com taxa de variao desses indicadores no

    perodo conforme a Tabela 4 .

    http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/destaques/faixas_idhm/http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/destaques/faixas_idhm/
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    Volume 02, Nmero 03, Dezembro 2014.Pgina 41

    Taxa de variao anual dos indicadores de rendimento e de consumo em

    perodos selecionados (%)

    Tabela 4

    O crescimento registrado no perodo 1992/2012, relacionado posse debens durveis e ao acesso a servios pblicos essenciais (IBGE, 2014, p.6) quanto

    ao segundo item foi de 40,6% para 59,2% da populao, aponta melhorias. Isso

    mostra a incluso de parte da populao no mercado de consumo, o que faz

    movimentar o comrcio e a economia de bens, embora no mostre distribuio

    de riqueza no Brasil, no sentido de Adam Smith. Da mesma maneira, com

    relao ao Conjunto bsico de servios, o crescimento para o mesmo perodo

    passou de 11,1% para 46,6% da proporo populacional, demonstrando uma

    melhoria na qualidade de vida da populao mais carente.

    Tais melhorias responderam presso na demanda reprimida por bens e

    servios por parte da parcela populacional que passou a ser um pouco mais

    bem informada dos seus direitos, e que foi inserida no mercado de consumo

    graas a polticas sociais recentes, algumas exitosas, como as que tiveram como

    consequncia um aumento da renda da populao menos favorecida.

    Indicador 1992/2012 1992/2002 2002/2012 2011/2012

    PIB per capita 1,94 1,29 2,59 0,06

    Consumo das famlias

    per capita2,44 1,73 3,15 2,23

    Renda per capita

    (mdia)3,09 2,53 3,65 7,98

    Renda per capita

    (mediana)3,85 2,1 5,64 7,6

    Salrio mnimo 2,49 -0,22 5,26 7,89

    Populao com

    conjunto bsico de bens

    (p.p.)

    1,78 1,72 1,84 2,16

    Populao com

    conjunto bsico de

    servios (p.p.)

    0,93 1,06 0,81 0,98

    Formatado:Fonte: (Padro) KhmerUI, 12 pt, No Itlico, Cor da fonte:

    Automtica

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    Volume 02, Nmero 03, Dezembro 2014.Pgina 42

    Indicadores socioeconmicos: quarteto ICET

    Quandose levam em conta outros indicadores alm do PIB e IDH, como

    os que compem o quadro de input scio-econmico mais atual, as

    vulnerabilidades dos pases emergentes, como os membros dos BRICS, tornam-

    se evidentes. Dentre eles, figuram os ndices de inovao, de competitividade,

    de empreendedorismo e de talento (ICET) que esto sendo utilizados na

    literatura internacional para medir o grau de desenvolvimento de um pas, com

    base nas condies iniciais que contam como vantagens para cada um deles na

    economia globalizada, e que definem o perfil de seus d