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Teoria dos Jogos 1 Estas notas s˜ ao a tradu¸ ao de parte do livro Game Theory de Thomas S. Ferguson, dispon´ ıvel na rede (www.gametheory.net). O objetivo ser´ a o de condensar num texto curto o que me parecer que cativar´ a o interesse com facilidade. Pelo car´ ater preliminar deste texto em portuguˆ es, n˜ ao coloquei as referˆ encias bibliogr´ aficas.

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Teoria dos Jogos 1

Estas notas sao a traducao de parte do livro Game Theory de ThomasS. Ferguson, disponıvel na rede (www.gametheory.net). O objetivo sera o decondensar num texto curto o que me parecer que cativara o interesse comfacilidade. Pelo carater preliminar deste texto em portugues, nao coloqueias referencias bibliograficas.

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Capıtulo 1

Introducao

Todos conhecemos varios tipos de jogos, como xadrez, poquer, jogo da velha,futebol, truco, jogos de computador – a lista pode continuar a gosto. Haainda uma area de jogos economicos, e relacionados a estes os jogos polıticos.A competicao entre empresas, o conflito entre gerenciamento e trabalho, aluta para conseguir aprovar projetos no congresso, o poder do judiciario,negociacoes de guerra e paz entre paıses, e outros mais, sao todos exemplosde jogos. Ha tambem os jogos psicologicos que sao jogados num nıvel maispessoal, em que as armas sao as palavras, e o retorno sao os sentimentos.Ha os jogos biologicos, em que a selecao natural pode ser modelada por umjogo entre gens. Ha uma conexao entre teoria de jogos e as areas de logica eciencia da computacao. Pode-se encarar a estatıstica teorica como um jogoem que a natureza e um dos jogadores.

Os jogos sao caracterizados por um numero fixado de jogadores ou to-madores de decisao que interagem, possivelmente se ameacam e formam co-alizoes, agem sob condicoes incertas, e por fim recebem algum benefıcio ouprejuızo, financeiro ou de outro tipo. Neste texto, estudamos varios modelosde jogos e criamos uma teoria ou uma estrutura dos fenomenos que aparecem.Em alguns casos, poderemos sugerir acoes a serem tomadas por um jogador,em outros, a expectiva e entender o que se passa de modo a fazer predicoes.

Vamos introduzir a terminologia basica da teoria de jogos. Antes detudo, ha o numero de jogadores que denotaremos por n. Nomeamos osjogadores com os inteiros 1 ate n, e denotamos o conjunto de jogadores porN = {1, · · · , n}. Estudaremos com mais detalhe os jogos de duas pessoas,

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n = 2, no qual os conceitos sao mais claros e as conclusoes mais definitivas.Nos jogos de uma pessoa a teoria e chamada teoria da decisao. Jogos de so-litaria e quebra-cabecas sao exemplos de jogos de uma pessoa, como tambemo sao problemas de optimizacao sequencial que encontramos em pesquisaoperacional, ou programacao linear, ou em apostas. Ha ate mesmo jogoscom zero pessoas, como o jogo da vida de Conway: um automato comecaa se mover, e segue sozinho sem interferencia de ninguem. Vamos assumirneste texto que existem pelo menos dois jogadores, n ≥ 2. Em modelos demacroeconomia, o numero de jogadores pode ser bem grande, chegando aomilhoes. Em tais modelos e conveniente assumir que ha um numero infinitode jogadores, de fato e util adotar um contınuo de jogadores, cada um comuma influencia infinitesimal no resultado. Neste curso, n sera finito.

Ha tres modelos ou formas principais no estudo de jogos, a forma ex-tensiva, a forma estrategica e a forma de coalizao. Elas diferem naquantidade de detalhe sobre as jogadas que entra no modelo. Na forma ex-tensiva e mais detalhada, nela a estrutura segue de perto as regras do jogo.Na forma extensiva, podemos falar da posicao da partida, e de um lance(ou jogada) do jogo como a mudanca de uma posicao para outra. O con-junto de lances possıveis a partir de uma posicao dada pode depender dojogador que tem a vez. Na forma extensiva de um jogo, alguns lances po-dem ser aleatorios, como quando se distribuem cartas ou quando se lancamdados. As regras do jogo especificam as probabilidade dos resultados doslances aleatorios. Pode-se tambem falar da informacao que os jogadorestem quando eles fazem um lance. Eles sabem de todas as jogadas anterioresde todos os jogadores? E dos resultados dos lances aleatorios?

Quando os jogadores sabem todas as jogadas anteriores de todos os jo-gadores e os resultdados de todos os lances aleatorios, o jogo e dito de in-formacao perfeita. Jogos de duas pessoas de informacao perfeita com umresultado final de vitoria ou derrota e nenhum lance aleatorio sao conhecidoscomo jogos combinatorios. Ha uma teoria bonita e profunda sobre taisjogos, veja Conway (1976) ou Berlekamp et al (1982). Tal jogo e chamadoimparcial se os dois jogadores tem o mesmo conjunto de jogadas legais apartir de cada posicao, e e chamado parcial (partizan) caso contrario.

Na parte II descrevemos a forma estrategica ou normal de um jogo. Naforma estrategica, varios detalhes do jogo como a posicao e os lances saoperdidos; os principais conceitos sao os de uma estrategia e do retorno. Naforma estrategica, cada jogador escolhe uma estrategia a partir de um con-junto de estrategias possıveis. Denotamos o conjunto de estrategias ou

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espaco de acao do jogador i por Ai para i = 1, 2, · · · , n. Cada jogador con-sidera todos os outros jogadores e suas possıveis estrategias, e entao escolhea estrategia especıfica de seu conjunto de estrategias. Todos os jogadores fa-zem tal escolha simultaneamente, as escolhas sao reveladas e o jogo terminacom cada jogador recebendo um retorno (payoff). A escolha de cada jogadorpode influenciar o resultado final de todos os jogadores.

Modelamos os retornos por valores numericos. Mas em geral, os retornospodem ser bem mais complexos, como “voce recebe uma entrada para ver ojogo do Londrina de amanha, quando ha uma chance grande de o Londrinaperder”. Ha uma justificacao matematica e filosofica por tras da hipotesede que cada jogador pode substituir tais retornos por valores numericos,chamada Teoria da Utilidade. Suponha que o jogador 1 escolhe a1 ∈ A1,o jogador 2 escolhe a2 ∈ A2 e assim por diante. Entao denotamos o retornodo jogador j, para j = 1 = 1, 2, · · · , n por fj(a1, a2, · · · , an) e chamamos estafuncao fj de funcao de retorno para o jogador j.

A forma estrategica de um jogo e definida pelos tres objetos:

1. o conjunto N = {1, · · · , n} de jogadores;

2. a sequencia A1, A2, · · · , An de conjuntos de estrategias dos jogadores;e

3. a sequencia f1, · · · , fj de funcoes de retorno a valores reais dos jogado-res.

Um jogo na forma estrategica e dito ter soma zero se a soma dos retornosdos jogadores e zero nao importa quais acoes sao escolhidas pelos jogadores.Ou seja, o jogo e de soma zero se

n∑i=1

fi(a1, a2, · · · , an) = 0

para todo a1 ∈ A1, a2 ∈ A2, · · · , an ∈ An. Nos primeiros quatro capıtulos daParte II, restringirmos nossa atencao a forma estrategica de jogos de somazero com dois jogadores. A teoria fornece solucoes bem claras para tais jogos,gracas a um resultado matematico fundamental conhecido como teoremaminimax. Cada jogo como este tem um valor, e ambos os jogadores temestrategias otimas que garantem este valor.

Nos ultimos tres capıtulos da Parte II, tratamos dos jogos de soma zeroentre duas pessoas na forma extensiva.

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Na parte III, a teoria e estendida a jogos entre duas pessoas com somanao-nula. Aqui a situacao e mais nebulosa. Em geral, tais jogos nao temvalores ou estrategias otimas para os jogadores. A teoria se divide natural-mente em duas partes. Ha a teoria nao-cooperativa em que os jogadores,se puderem se comunicar, podem nao fazer acordos. Esta e a area de maior in-teresse para os economistas. Em 1994, John Nash, John Harsanyi e ReinhardSelten ganharam o Premio Nobel de Economia pelo trabalho nesta area. Talteoria e natural em negociacoes entre nacoes quando nao ha uma corte quejulgue disputas e force acordos, e tambem em transacoes comerciais em queas companhias sao proibidas de entrar em acordos por leis (anti-cartelizacao,por exemplo). O principal conceito, que substitui o valor e a estrategia otimae a nocao de um equilıbrio estrategico, tambem chamado um equilıbriode Nash.

Isto deve bastar para nosso curso de 2004.

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Capıtulo 2

Jogos combinatorios imparciais

2.1 Jogos de tirar pecas

Os jogos combinatorios sao jogos de duas pessoas com informacao perfeita enenhum lance aleatorio, e com um resultado final de vitoria ou derrota. Taisjogos sao determinados por um conjunto de posicoes, incluindo uma posicaoinicial, e o jogador que tem a vez. Uma jogada (ou lance) muda a posicao,com os jogadores fazendo lances alternados, ate que se chegue a uma posicaoterminal. Uma posicao terminal e tal que nenhum outro movimento a partirdela e possıvel. Na posicao terminal um dos jogadores e declarado vencedore o outro o perdedor.

Ha duas referencias a jogos combinatorios: On Numbers and Games deJ.H. Conway, 1976 e Winning Ways for your mathematical plays de Berle-kamp, Conway e Guy, 1982. Ha muitos jogos interessantes descritos nesteslivros, que e na sua maior parte acessıvel a estudantes de graduacao comafinidades com matematica. Ha os jogos imparciais, em que o conjunto delances a partir de uma dada posicao e o mesmo para qualquer jogador, e haos jogos parciais (partizan) em que cada jogador tem um conjunto diferentede possibilidades de lances a partir de uma dada posicao. O xadrez e asdamas sao exemplos de jogos parciais.

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2.1.1 Um jogo de tirar pecas

As regras de um jogo combinatorio bem simples de remover placas de umapilha de placas:

1. Ha dois jogadores, que denominamos por I e II.

2. Ha uma pilha de 21 placas no centro de uma mesa.

3. Uma jogada consiste em tirar uma, duas ou tres placas da pilha. Pelomenos uma placa tem de ser retirada, mas nao mais que tres placaspodem ser removidas.

4. O jogador que retirar a ultima placa ganha. (O ultimo jogador que fazum lance ganha.)

Como analisar este jogo? Algum dos jogadores pode forcar uma vitorianeste jogo? Qual jogador voce prefere ser: o primeiro a jogar ou o segundo?Qual e a boa estrategia?

Analisamos este jogo partindo do final para o comeco. Este metodo e asvezes chamado inducao para tras.

Se ha apenas uma, duas ou tres placas, o jogador que tem a vez ganha,simplesmente retirando todas as pecas.

Suponha que haja quatro placas na pilha. Entao o jogador da vez terade deixar uma, duas ou tres placas na pilha e seu oponente podera ganhar.Portanto quatro placas e uma posicao que leva a derrota para o jogador quetem a vez.

Com 5, 6 ou 7 placas, o jogador da vez pode ganhar retirando placas demodo a deixar 4. Com 8 placas na pilha, o jogador da vez deve deixar 5, 6ou 7 placas, e portanto perde.

Vemos que as posicoes com 0, 4, 8, 12, 16, . . . placas sao posicoes queum jogador deve buscar para ganhar. Agora podemos analisar o jogo com21 placas. Como 21 nao e divisıvel por 4, o primeiro jogador pode ganhar,bastando para isto retirar 1 placa e deixar 20, que e uma posicao ganhadora.

Agora definimos um jogo combinatorio mais precisamente. E um jogoque satisfaz as seguintes condicoes

1. Ha dois jogadores.

2. Ha um conjunto, normalmente finito, de posicoes possıveis do jogo.

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3. As regras do jogo especificam para ambos os jogadores e cada posicaoquais movimentos para outras posicoes sao permitidos. Se as regras naofazem distincao entre os jogadores, isto e se ambos os jogadores tem asmesmas opcoes a partir de cada posicao, o jogo e chamado imparcial,caso contrario, o jogo e chamado parcial.

4. Os jogadores se alternam suas jogadas.

5. O jogo termina quando nao ha mais jogadas possıveis para o jogadorque tem a vez. Sob a regra normal, o ultimo jogador a efetuar umlance ganha, sob a regra misere, o ultimo a efetuar um lance perde.

6. O jogo termina num numero finito de jogadas, nao importa como tenhasido jogado.

A ultima condicao e chamada condicao de termino do jogo. Se aretiramos, o jogo e declarado empatado se ele nunca termina.

E importante destacar o que foi omitido desta definicao. Nao ha lancesaleatorios como distribuicao de cartas ou rolar de dados. Isto exclui jogoscomo o gamao, poquer ou o truco. Um jogo combinatorio e um jogo deinformacao perfeita: lances simultaneos ou escondidos nao sao permitidos.Nao ha empates em um numero finito de jogadas, o que exclui o jogo davelha. Geralmente estudaremos os jogos sob a regra normal.

2.1.2 Posicoes P e posicoes N

No jogo de tirar pecas visto na secao 2.1.1 vemos que as posicoes 0, 4, 8,. . . sao posicoes ganhadoras para o jogador que acabou de mover (previousplayer) e que 1,2,3,5,6,7,. . . sao posicoes ganhadoras para o proximo jogador(next player). As primeiras sao chamadas P-posicoes e as ultimas N-posicoes.

Em jogos combinatorios imparciais, pode-se em princıpio encontrar quaissao as P-posicoes e quais sao as N-posicoes por inducao (possivelmente trans-finita) usando o seguinte procedimento comecando das posicoes finais. Dize-mos que uma posicao num jogo e uma posicao terminal se nao ha jogadaspossıveis a partir dela. Este algoritmo e o metodo que usamos para resolvero jogo da secao 2.1.1.

Passo 1: nomeie cada posicao terminal como um P-posicao.Passo 2: nomeie cada posicao da qual se pode chegar a uma P-posicao ja

nomeada em um lance como uma N-posicao.

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Passo 3: encontre todas as posicoes cujos unicos movimentos sao paraN-posicoes ja nomeadas; e nomeie-as como P-posicoes.

Passo 4: se nenhuma P-posicao foi encontrada no passo 3, pare; docontrario, volte ao passo 2.

E facil ver que a estrategia de mover para P-posicoes e vitoriosa. Deuma P-posicao, seu oponente pode mover apenas para uma N-posicao (3).Entao voce joga de volta para uma P-posicao (2). Em algum momento ojogo termina, e como esta e uma P-posicao, voce ganha (1).

Damos agora uma caracterizacao das P-posicoes e N-posicoes que valepara jogos combinatorios imparciais satisfazendo a condicao de termino, soba regra normal.

Propriedade caracterıstica. P-posicoes e N-posicoes sao definidas recur-sivamente pelas seguintes afirmacoes:

1. Todas as posicoes terminais sao P-posicoes.

2. De cada N-posicao, existe pelo menos um lance para uma P-posicao.

3. De cada P-posicao, todo lance e para uma N-posicao.

Para jogos que usam a regra misere, a condicao (1) deve ser substituıdapela condicao de que todas as posicoes terminais sao N-posicoes.