Teoria do Domínio do Fato

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TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO Enio Luiz Rossetto* * Mestre em Direito pela USP e professor de Direito Penal na UniFMU. RESUMO O Código Penal adotou a teoria restritiva (formal-objetiva), que não apresenta solução adequada às hipóteses de autoria mediata e no crime organizado. O presente artigo tem a finalidade de analisar a teoria do domínio do fato e sua repercussão no direito penal brasileiro, verificar se a teoria do domínio do fato substitui a teoria formal- objetiva ou se a complementa. Palavras-chave: Concurso de pessoas. Teoria do domínio do fato. ABSTRACT The Penal Code adopted the restrictive theory (formal theory objective), which does not present an adequate solution for the hypothesis of mediate authorship and for the organized crime. This article aims at the analysis of the Dominion of Fact Theory and its impact on Brazilian criminal law, it investigates whether the Dominion of the Fact Theory substitutes the formal theory objective or whether it supplements that. Keywords: People concourse (concursus delinquentium), Dominion of fact Theory.

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Artigo que trata da teoria do domínio do fato.

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  • TEORIA DO DOMNIO DO FATO Enio Luiz Rossetto*

    * Mestre em Direito pela USP e professor de Direito Penal na UniFMU.

    RESUMO

    O Cdigo Penal adotou a teoria

    restritiva (formal-objetiva), que no apresenta

    soluo adequada s hipteses de autoria

    mediata e no crime organizado. O presente

    artigo tem a finalidade de analisar a teoria do

    domnio do fato e sua repercusso no direito

    penal brasileiro, verificar se a teoria do

    domnio do fato substitui a teoria formal-

    objetiva ou se a complementa.

    Palavras-chave: Concurso de pessoas. Teoria

    do domnio do fato.

    ABSTRACT

    The Penal Code adopted the restrictive

    theory (formal theory objective), which does

    not present an adequate solution for the

    hypothesis of mediate authorship and for the

    organized crime. This article aims at the

    analysis of the Dominion of Fact Theory and

    its impact on Brazilian criminal law, it

    investigates whether the Dominion of the Fact

    Theory substitutes the formal theory objective

    or whether it supplements that.

    Keywords: People concourse (concursus

    delinquentium), Dominion of fact Theory.

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    FMU Dir.: R. Curso Dir. Centr. Univ. Fac. Metrop. Unidas FMU. So Paulo, ano 22, n. 31, p.66-82, 2009 66

    1. INTRODUO A teoria formal-objetiva oriunda da

    dogmtica alem foi dominante na Alemanha entre 1915 e 1933, mas ainda presente no Brasil e em outros pases, como a Espanha. A teoria do domnio do fato, no obstante aceita pela doutrina, recebe de parte dela crticas em vrios aspectos. A teoria formal-objetiva no solucionou todos os problemas do concurso de pessoas, da as tentativas da doutrina, por meio do desenvolvimento de teorias, de dar respostas convincentes e justas s questes trazidas pela deficincia, em alguns aspectos da referida teoria. Desenvolveu-se a teoria do domnio do fato, que o artigo analisa.

    2. TEORIAS SOBRE A NATUREZA JURDICA DO CONCURSO DE PESSOAS Pela teoria unitria (monista), adotada no Cdigo Penal de 1940, h pluralidade de agentes e unidade de crime, este nico e indivisvel. Da cooperao simultnea ou sucessiva de duas ou mais pessoas, que se conjugam livremente ou mediante adeso de umas das outras, visando um resultado antijurdico, resulta o crime, na sua unidade, atribuvel a cada uma delas, que pertence, por inteiro, a todos e a cada um dos concorrentes.1

    Por ser a teoria unitria rigorosa ao cominar a todos concorrentes a mesma pena, sem distinguir a autoria da participao, sendo que, do ponto de vista causal, h condutas mais relevantes e menos relevantes na obra comum dos delinquentes, aquele que efetua os disparos tem conduta mais relevante do que aquele que lhe emprestou a arma de fogo para cometer o homicdio, a doutrina desenvolveu as teorias dualista e pluralista.

    1 HUNGRIA, Nlson. Comentrios ao Cdigo Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense. 1958, v. I, p. 392. Lembra Nlson Hungria que a noo unitria da codelinquncia remonta ao direito romano, em que todos respondiam pelo mesmo crime pouco importando o nvel da cota de cooperao de cada um. Na cognitio extraordinaria e nas constituies imperiais se esboou a atenuao da pena dos partcipes em geral. O direito cannico manteve a unidade do delito e atenuou o castigo no caso de cooperao secundria.

    A teoria dualista2 consagra dois planos de conduta, os delitos so diferentes para autores e partcipes, o crime principal atribudo ao autor e o secundrio ao partcipe. Existe o comportamento principal do autor e o secundrio do partcipe. Cada participante responde pela pena correspondente ao crime que praticou. Por ex.: aquele que mata realiza a conduta principal e sofre determinada pena; o que colabora emprestando a arma de fogo para o homicida suporta outra pena prevista em tipo penal autnomo. Na teoria pluralista cada participante pratica crime prprio, autnomo e distinto, no existindo vinculao da conduta de um conduta de outro.3.

    No Brasil, salvo as excees analisadas no item 2.1, prevaleceu a teoria unitria, sustentava Anbal Bruno4 ser a correta porque se os agentes se dirigem a um resultado comum no h que isolar a parte de cada agente, e Nlson Hungria 5 aduzia sobre as teorias dualista e pluralista que no pode haver pluralidade ou dualidade de crimes onde h conjugao de vontades e causas para o mesmo e nico resultado, para a norma e nica leso ou periclitao do bem jurdico penalmente protegido.

    O rigor da teoria unitria derivado da atribuio do mesmo crime a todos os participante e, por consequncia, a mesma pena, foi atenuado pela Reforma da Parte Geral operada pela Lei 7.209, de 11.07.1984, ao incluir na redao do caput do art. 29 expresso na medida da culpabilidade, inspirada no Cdigo Penal alemo,6 de sorte que a punibilidade de qualquer dos concorrentes independente da dos outros, determinada segundo a sua prpria culpabilidade. Faz-se a determinao da pena de acordo com culpabilidade de cada 2 HUNGRIA, Nlson, op. cit, t. II, v. I, p. 401, explica que esta teoria dualista, que distingue a participao primria da participao secundria, foi proposta na Itlia por Manzini. 3 ROCHA, Fernando A. N. Galvo da. Direito penal: parte geral. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 411. 4 BRUNO, Anbal. Direito penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1957, t. II, p. 261. 5 HUNGRIA, Nlson, op. cit., t. II, v. I, p. 402. 6 FRAGOSO, Heleno C. Lies de direito penal: parte geral. 16. ed. rev. por Fernando Fragoso. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 320.

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    participante. O crime unitariamente considerado imputado a todos, mas a pena individualizada na medida da culpabilidade de cada agente. Como anota lvaro Mayrink da Costa a dosimetria das penas impostas deve refletir a maior ou menor atuao no planejamento e execuo delitiva, na medida da culpabilidade.7

    Outros dois acrscimos foram feitos pela Reforma de 1984. A incluso dos 1 e 2 no art. 29. No 1 a participao de menor importncia, se reconhecida, diminui a pena do partcipe. No 2 cuidou do desvio subjetivo (ou cooperao dolosamente distinta): Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe- aplicada a pena deste.8

    2.1. Excees da teoria unitria O Cdigo Penal prev delitos autnomos

    para punir de forma diferente os participantes. O legislador ao preferir a teoria pluralista rompe com a teoria unitria que ele mesmo adotou. A primeira exceo da teoria unitria encontra-se nas formas diferentes de punio da gestante que consente que terceiro nela provoque o aborto e do provocador do aborto. O abortar consiste em interromper a gravidez e provocar a morte do produto da concepo. Se o Cdigo Penal continuasse fiel teoria unitria, a gestante que consente que se lhe provoque e o terceiro provocador do aborto incorreriam no mesmo tipo penal. Todavia, por orientao de Poltica Criminal, a gestante incorre na figura do art. 124, segunda parte, com pena de um a trs anos de deteno; enquanto que o provocador do aborto com o consentimento da gestante incorre no art. 126, cuja pena de recluso de um a quatro anos, bem superior em quantidade e diferente na qualidade.

    A segunda exceo surge no crime de corrupo. O legislador poderia defini-lo em uma nica figura delituosa, no entanto, procurando punir de modo independente o corruptor do corrompido, previu a conduta do funcionrio que solicitar, receber ou aceitar 7 COSTA, lvaro Mayrink da. Direito penal. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 1, 2009, p. 332. 8 O desvio subjetivo (cooperao dolosamente distinta) ser examinado mais adiante.

    promessa de vantagem indevida no art. 317 e do extraneus, que oferecer ou prometer vantagem indevida ao funcionrio pblico no art. 333. Desta forma vivel a punio do funcionrio pblico corrupto, ainda que no o seja do corruptor. No h vinculao entre os crimes.

    A terceira exceo ocorre no crime denominado de falso testemunho ou falsa percia definido no art. 342. A testemunha, perito, tradutor ou intrprete que fizer afirmao falsa, negar ou calar a verdade em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juzo arbitral, incorre nas penas de recluso de 1 a 3 anos de recluso e multa, porm se o fato ocorrer mediante suborno, as penas so aumentadas de 1/6 at 1/3, de acordo com o pargrafo primeiro. Para aquele que subornar testemunha, perito, tradutor ou intrprete, o Cdigo Penal previu o crime autnomo do art. 343, sem nomen iuris, e que a doutrina denominou de corrupo de testemunha. Assim, quem der, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem a testemunha, perito, contador, tradutor ou interprete, para fazer afirmao falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, percia, clculo, traduo ou interpretao incide nas penas de 3 a 4 anos de recluso e multa, sem prejuzo do aumento de pena de 1/6 a 1/3 do pargrafo nico.

    3. REQUISITOS PARA O CONCURSO DE PESSOAS

    Para que haja o reconhecimento de concurso de pessoas indispensvel o preenchimento de requisitos. O primeiro requisito o da pluralidade de pessoas, de haver contribuio de no mnimo duas pessoas para a realizao do crime, pois, necessrio que mais de uma pessoa oferea contribuio para a violao da norma jurdica. Cada pessoa integrante do concurso deve contribuir para a violao da norma jurdica.9

    O segundo requisito a pluralidade de condutas relevantes, conduta relevante aquela que empresta contribuio objetiva ao empreendimento criminoso. 10 A teoria 9 ROCHA, Fernando A. N. Galvo da, op. cit., p. 413. 10 Idem, p. 414.

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    unitria corolrio da teoria da equivalncia dos antecedentes,11 todo aquele que concorre para o crime o seu causador. Pela teoria da equivalncia dos antecedentes (art. 13) so punveis as condutas que integram a linha de desdobramento causal determinantes do resultado. Da expresso de qualquer modo presente no art. 29 infere-se que cada concorrente contribui, de um modo particular, para a realizao do crime. Concorrer designa contribuir, participar. So formas de participao a autoria, a coautoria e a participao propriamente dita (partcipe). Estamos a falar em causalidade material, que a contribuio que cada agente d para a realizao do crime. Essa contribuio somada a de outro agente colima no aperfeioamento do crime.

    O terceiro requisito o liame subjetivo entre os agentes (causalidade psquica), o nexo psicolgico que cria o vnculo entre eles. Para a perfeita caracterizao da participao no basta que o participante tenha contribudo objetivamente com o resultado, preciso que concorra tambm subjetivamente. Como bem anota Anbal Bruno o elemento subjetivo representado pela conscincia e vontade de cada partcipe de cooperar na obra comum.12 Na autoria e na participao indispensvel a conscincia individual de colaborao para um resultado delituoso. O liame se estabelece de duas formas: por acordo prvio, que a combinao entre os agentes para a realizao do fato criminoso (pactum sceleris) ou por aderncia de vontade, em que no h ajuste prvio, mas os participantes tm conscincia que cooperam na ao comum. Exemplo clssico dado pela doutrina o da empregada domstica, que para vingar-se da patroa, deixa a porta aberta da casa sabedora de que, com sua atitude, ir contribuir para que o ladro entre no imvel e cometa furto. Muito embora o ladro desconhea essa contribuio da empregada ambos tm participao no crime.

    A homogeneidade do elemento subjetivo imprescindvel para se estabelecer a unidade 11 Informa BITENCOURT, Cezar R. Tratado de direito penal. 9. ed. So Paulo: Saraiva, v. 1, 2004, p. 275, que na Idade Mdia desenvolveu-se a teoria concursus ad delictum alterius resultante da aplicao dos princpios da causalidade. 12 BRUNO, Anbal, op. cit., t. II, p. 262.

    de desgnio. Deve existir dolo comum entre os agentes (dolo de matar, de furtar ou de estuprar) para se atribuir o mesmo crime a todos. A homogeneidade do elemento subjetivo implica no haver concurso de pessoas entre o crime doloso e o crime culposo: 1) No h participao dolosa em crime culposo. A quer matar C, ento A entrega a arma de fogo carregada para B, a quem faz supor estar descarregada e o induz apont-la na direo de C, e a ttulo de brincadeira acionar o gatilho para experimentar a qualidade do mecanismo de disparo da arma. B, de forma imprudente, sem observar o dever de cuidado, acolhe a sugesto, aciona o gatilho e acaba culposamente matando C com o disparo. No h concurso de pessoas, A responde pelo fato a ttulo de dolo e B a titulo de culpa. 2) No h participao culposa em crime doloso. O mdico, inadvertidamente (culpa em sentido estrito), receita ao paciente remdio que lhe causa gravssima reao alrgica. A auxiliar de enfermagem percebendo isso e desejando a morte do paciente ministra-lhe o remdio e causa-lhe dolosamente a morte. O mdico no participa do homicdio doloso da enfermeira.

    Da necessidade do liame subjetivo resultam trs situaes: autoria colateral, o desvio subjetivo (cooperao dolosamente distinta) e o excesso de mandado.

    Nas exatas palavras de Heleno C. Fragoso se faltar a conscincia de cooperar na ao comum13, por inexistir entre os agentes o liame subjetivo (vnculo psicolgico) h autoria colateral. 14 Na autoria colateral h convergncia de aes (contribuio material), todavia, os agentes desconhecem as aes que cada um desenvolve. Ex.: A e B, um desconhecendo a inteno do outro, postaram-se e aguardaram a passagem de C. Quando C passa ambos atiram, simultaneamente, matando-o. Se ficar provado pela percia de qual arma partiu o projtil que causou a morte 13 FRAGOSO, Heleno C., op. cit., p. 315. 14 Como acentua Nlson Hungria, op. cit., t. II, v. I, p. 392-393, com a ausncia do vnculo psicolgico que une as atividades em concurso a vontade consciente de cada coparticipe se d a autoria colateral, na qual as atividades convergentes so desconhecidas entre os agentes.

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    da vtima possvel imputar a um dos atiradores o resultado morte, e ao outro a tentativa de homicdio. Se no ficar provada a autoria da morte, quem efetivamente causou o resultado (autoria incerta), ambos respondero por tentativa de homicdio.

    Desvio subjetivo ou cooperao dolosamente distinta sucede se um dos participantes praticar crime mais grave do que aquele inicialmente desejado. Neste caso o art. 29, 2, CP, prev: Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe- aplicada a pena deste; essa pena ser aumentada at a metade, na hiptese de ter sido previsvel o resultado mais grave. A regra dividida em duas partes, na primeira manda punir o concorrente com a pena do crime menos grave, isto , afasta o concurso de pessoas, porque um dos concorrentes punido com a pena do crime menos grave e o outro ou os demais com a pena do crime mais grave. Tcio e Caio decidem furtar a casa de Mvio, que supunham deserta; nela penetra Tcio para subtrair valores, enquanto Caio fica porta, vigiando. No entanto, Tcio subtrai valores e aproveita a circunstncia de a mulher estar sozinha e a estupra. Tcio responde por furto e estupro. Imputvel ao Caio apenas pelo furto, porque o estupro no lhe era previsvel.15

    A expresso quis participar de crime menos grave abrange o partcipe, conforme Heleno C. Fragoso a disposio se aplica ao partcipe que pretendia concorrer para um crime menos grave do que aquele que efetivamente realizado pelo autor,16 jamais ao coautor porque o dispositivo legal refere-se exclusivamente ao concorrente que quis participar de crime,17 na mesma esteira de pensamento, afirma Julio F. Mirabete18 que o aumento se aplica ao partcipe e no ao autor, porque este quer ou assume o risco de produzir o resultado mais grave.

    15 FRAGOSO, Heleno C., op. cit., p. 322. 16 Idem. 17 ROCHA, Fernando A. N. Galvo da, op. cit., p. 467. 18 MIRABETE, Julio F..Manual de direito penal. 21. ed., So Paulo: Atlas, v. I, 2004, p. 237. No mesmo sentido: FRANCO, Alberto Silva et al. Cdigo penal e sua interpretao jurisprudencial. 3. ed. So Paulo: Ed. RT, 1990, p. 475.

    Na segunda parte previsto o aumento at da metade pena se o resultado mais grave era previsvel pelo partcipe. O fundamento a previsibilidade da ocorrncia do resultado.19 No exemplo de Julio F. Mirabete20 em que A fornece a B uma gazua para que este pratique um furto em casa cujos moradores saram em viagem. B penetra mediante o emprego da gazua na residncia e depara com um imprevisto vigia e pratica violncia contra este para subtrair o bem (roubo). B responsvel pelo roubo e A pelo furto (aplicao da primeira parte); se a presena do vigia era previsvel para A, a ele imputado o furto com a pena aumentada at da metade.

    No entanto, se o partcipe aceitar a produo do resultado ele responder pelo crime mais grave a ttulo de colaborao dolosa, vale dizer, no houve colaborao dolosa distinta (desvio subjetivo). H jurisprudncia (STJ, JSTJ 15/233, TJSP, JTJ 161/276) de que em se tratando de roubo mo armada, aqueles que consciente assumiram o risco do resultado mais grave (morte) respondem por latrocnio.

    No excesso de mandado o executante vai alm do que lhe foi determinado pelo mandante. A divergncia do elemento subjetivo descaracteriza o concurso de pessoas, no se responsabiliza os concorrentes pelo mesmo crime, cada participante responde por crime distinto. 21 A mandou B espancar C, entretanto, B foi alm dos limites e acabou matando C. A queria apenas que B causasse leso corporal em C, no a morte. No excesso de mandado A responde por leso corporal e B por homicdio consumado. Todavia, se o resultado mais grave for previsvel este tem a sua pena aumentada at a metade, por ex., A sabe que B violento e anda armado, com isso pode matar C. A doutrina pondera que se o partcipe agisse com dolo eventual, se ele previu e consentiu na produo do resultado mais grave, por este resultado mais grave responder. 19 Neste sentido: MIRABETE, Julio F., op. cit., v. I, p. 237; ROCHA, Fernando A. N. Galvo da, op. cit., p. 468. 20 MIRABETE, Julio F., op. cit., v. I, p. 236. 21 ROCHA, Fernando A. N. Galvo da, op. cit., p. 469.

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    4. TEORIAS SOBRE A AUTORIA Se a coautoria a reunio entre autores,

    indispensvel conhecer a definio de autor. Quem considerado autor de crime? A identificao no caso concreto de quem autor e partcipe no concurso de pessoas ficou a cargo da doutrina, que desenvolveu trs teorias a respeito.

    4.1. Teoria extensiva (subjetivo-

    causal) O Cdigo Penal de 1940 ao adotar

    inicialmente a teoria extensiva 22 abolia a distino entre autores e cmplices, todos que tomam parte no crime so autores. No havia diferena entre participao principal e acessria, entre auxilio necessrio e secundrio, o resultado era indivisvel e todas as condies que cooperam para sua produo se equivalem. 23 A teoria extensiva, de orientao causalista, no distingue autor de partcipe, porque so autores todos os que cooperam na realizao do crime.24 Como diz Anbal Bruno: Todo o colaborador autor,25 afinal o cdigo diz quem de qualquer modo concorrer para o crime incide nas penas a ele cominadas. A teoria extensiva tem por corolrio a teoria da equivalncia dos antecedentes.26

    Explica Damsio E. de Jesus27 que o concurso de pessoas esteve sujeito ao requisito 22 O CP de 1940 adotou a teoria extensiva (subjetivo-causal) conforme o item 22 da Exposio de Motivos: Quem emprega qualquer atividade para a realizao do evento criminoso considerado responsvel pela totalidade dele, no pressuposto de que tambm as outras foras concorrentes entraram no mbito de sua conscincia e vontade. 23 COSTA, lvaro Mayrink da, op. cit., v.1, p. 285. 24 HUNGRIA, Nlson, op. cit., t. II, v. I, p. 393-395. 25 BRUNO, Anbal, op. cit., t. II, p. 258. 26 Partindo da teoria da equivalncia das condies, HUNGRIA, Nlson, op. cit., t. II, v. I, p. 399-401, sustentava que no se deveria fazer diferenciao entre autor e partcipe, pois, a participao, em qualquer caso, a concausao do resultado antijurdico, de maneira que no h distino entre causa e concausa, entre causa e condio. O resultado uno e indivisvel. irrelevante indagar se o executor ou no punvel: o partcipe sempre um coautor e responde integralmente pelo resultado. 27 JESUS, Damsio E. de. Teoria do domnio do fato. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 2000, p. 6-8. Sobre a influncia

    da causalidade na Parte Geral do CP at a Reforma de 1984, de modo que a orientao da doutrina nacional, seguindo especialmente a italiana, era para aplicar a teoria extensiva e observar a relevncia causal. Frederico Marques, com apoio em Maggiore, afirma a causalidade, base principal da construo dogmtica da codelinquncia, o vnculo que estreita todas as condutas e as engloba na estruturao de um nico delito.28

    A dificuldade trazida pela adoo da teoria extensiva que aquele que presta uma colaborao pouco ou nada significativa, que pode ser at atpica, abrangido pela concepo extensiva.29 A doutrina30 adverte ser bvio, nesse caso, que a colaborao, por menos significativa que fosse, e at mesmo atpica, seria abarcada pelo conceito, de forma que autores so todos os que, de algum modo, contribuem na produo do resultado. Tal entendimento, alm de alargar ao infinito o conceito de autor, empobrece o de partcipe. Se h plena equivalncia de todas as condies causadoras do resultado, no possvel determinar um critrio objetivo para distinguir a relevncia das diversas contribuies para execuo do delito. Do ponto de vista objetivo, as atividades de autor e do partcipe so condies do resultado. Se Caio entrega o revlver para Tcio matar outra pessoa, a atividade de Caio e a de Tcio (autor direto) so condies do resultado deste modo no h diferenas objetivas.31 Como ensina Jos H. Pierangeli, 32 a teoria subjetivo-causal, na realidade, criao do legislador, que rompe com o conceito ntico da relao de autor e partcipe, para transport-lo para o campo exclusivamente normativo. Para tanto, faz o da doutrina italiana em nosso CP de 1940 conferir em BRUNO, Anbal, op. cit., t. II, p. 263, nota 6, as referncias a Bettiol, Antolisei, Manzini e Ranieri. 28 MARQUES, Jos Frederico. Curso de Direito Penal. So Paulo: Saraiva, 1954, v. 2, p. 313-314. 29 PIERANGELI, Jos Henrique. Escritos jurdico-penais. So Paulo: Ed. RT, 1992, p. 45. No mesmo sentido observam a insuficincia do nexo de causalidade para justificar o concurso de pessoas: REALE JNIOR, Miguel, Instituies de direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. I, p. 314-315, JESUS, Damsio E. de, op. cit., p. 11. 30 FRANCO, Alberto Silva et al, op. cit., p. 164. 31 COSTA, lvaro Mayrink da. op. cit, p. 347-348. 32 PIERANGELI, Jos Henrique, op. cit., p. 46.

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    conceito de autor e de partcipe, fugindo da realidade, depender exclusivamente de um componente subjetivo.

    O componente subjetivo que estabelece a diferena entre autor e partcipe nem sempre de fcil identificao. Autor seria aquele que tivesse interesse no resultado, enquanto partcipe seria o que viesse atuar no interesse alheio, o autor quer o fato no seu prprio interesse,33 enquanto o cmplice o quer no interesse alheio,34 no faltaram crticas a esta construo doutrinria pela dificuldade de precisar em que consiste essa vontade de autor e partcipe, 35 o que gera insegurana incompatvel no direito penal de garantia.

    4.2. Teoria restritiva (formal-

    objetiva). A teoria restritiva, construda para se

    contrapor teoria extensiva, distingue autoria de participao, aquele que executa o crime o autor. Autor quem realiza, no todo ou em parte, a conduta tpica, aquele que induz, instiga ou auxilia outrem o partcipe; em princpio, a conduta do partcipe no se amolda figura penal. A soluo deve ser encontrada dentro da tipicidade. Assim, consoante Beling, autor aquele que realiza uma parte qualquer do tipo. 36 O conceito restritivo de autor parte da idia de que os tipos da Parte Especial apenas descrevem o comportamento do autor. 37 Os partcipes praticam aes que seriam impunes, caso no houvesse uma norma de extenso que os atingisse, ampliando, dessa forma, o raio da punibilidade. Sob a tica da teoria formal-objetiva, no h zonas cinzentas entre autoria e 33 HUNGRIA, Nelson, op. cit., v. I, t. 2, p. 396. 34 Idem. Critica COSTA, lvaro Mayrink da, op. cit, p. 348, a frmula autor quem quer o ato como prprio; cmplice que o quer como alheio, porque a jurisprudncia alem mostra que o juiz penal no parte desta frmula, o juiz penal decide intuitivamente quem autor e quem cmplice. Informa lvaro Mayrink da Costa que Roxin fala em frmula vazia; mera etiqueta que no corresponde a nada em realidade; Jescheck diz ser frmula cmoda, enquanto Welzel a qualifica de artifcio. 35 PIERANGELI, Jos Henrique, op. cit., p. 48. 36 Idem. 37 BACIGALUPO, Enrique. Direito penal parte geral. So Paulo: Malheiros, 2005, p. 445.

    participao: os conceitos mostram-se radicalmente distintos.38

    Reconheo a figura de autor examinando o tipo penal. Ainda, assim, haveria dvida sobre autoria de certos crimes. Autor o agente que executa um elemento do tipo (ex. no roubo autor aquele que intimida, a grave ameaa elemento do tipo) ou autor quem realizar toda a conduta tpica (ex. o autor do roubo aquele que intimida e subtrai)? No delito de estupro, o sujeito que aponta arma o autor uma vez que o verbo tpico constranger, enquanto que aquele que mantm conjuno carnal com a vtima partcipe, a conjuno carnal isoladamente considerada atpica? lvaro Mayrink da Costa39 assinala, todavia, que no sentido objetivo-formal autor todo aquele que realiza ato executivo, no unicamente quem realiza todo o tipo ou que realiza um elemento do tipo.

    A teoria restritiva (formal-objetiva) no conduz a resultados satisfatrios em relao ao chefe de quadrilha e ao autor mediato porque prescinde por completo de elementos subjetivos.40 O conceito restritivo, por ex., acaba por considerar mero partcipe o chefe da quadrilha de assaltantes, porque no participa diretamente dos roubos, quando, inegavelmente, o chefe da quadrilha tem o controle das aes de seus componentes e pela teoria restritiva partcipe.41

    Na realizao da ao tpica, o autor mediato se serve do autor imediato, que atua sem culpabilidade. O executor material do fato no culpvel. lvaro Mayrink da Costa define o autor mediato como sendo aquele que realiza um fato punvel doloso, empregando para tanto um homem que se denomina de instrumento.42 Como exemplo deste resultado 38 FRANCO, Alberto Silva et al, op. cit., p. 164. 39 COSTA, lvaro Mayrink da, op. cit., p. 346. 40 PIERANGELI, Jos Henrique, op. cit., p. 49. No mesmo sentido: FRANCO, Alberto Silva et al, op. cit., p. 164. 41 Assinala COSTA, lvaro Mayrink da, op. cit, p. 338, que a teoria formalobjetiva ao advogar que o autor aquele que realiza uma parte do tipo, peca porque em vrias oportunidades um nico indivduo dirige e controle toda a operao criminosa, embora no execute qualquer parte da ao tpica. 42 COSTA, lvaro Mayrink da, op. cit., p. 380. A doutrina no Brasil aceita o emprego do vocbulo instrumento sem oposio. Neste sentido ver ainda

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    insatisfatrio, Jos Henrique Pierangeli 43 supe a situao em que o diretor da pea de teatro se vale de ator sem dolo, e ao invs de colocar bala de festim, coloca munio real no tambor da arma a ser utilizada na representao teatral para eliminar o desafeto, que outro ator. Pela teoria restritiva o referido diretor partcipe, quando existe autoria.

    H autoria mediata nas seguintes hipteses: a) o autor mediato induz, instiga ou auxilia o menor inimputvel a cometer crime; b) o autor mediato emprega na execuo do crime o inimputvel por doena mental; c) o autor mediato o coator na coao moral irresistvel, pois, o coator domina a vontade do coato por meio da coao que sobre ele exerce, transformando-o em mero instrumento para a realizao de seus objetivos,44 coage moralmente, de forma irresistvel, o terceiro (executor) obrigando-o a praticar o crime, que por atuar sem vontade prpria isento de pena; autor mediato aquele que emitiu a ordem no caso de obedincia hierrquica, o executor (subordinado) no percebe a ilegalidade da ordem e a cumpre, responde o mandante como autor mediato pelo fato praticado pelo inferior hierrquico; o subordinado o instrumento; d) a quarta hiptese de autoria mediata surge quando houver erro de tipo escusvel determinado por terceiro (art. 20, 2, CP), o autor mediato conduz o instrumento humano a incidir em erro de tipo invencvel, 45 por exemplo, mediante comunicao falsa de crime, provoca erro da autoridade policial, que efetua a priso de um inocente; o mdico, com a inteno de matar o paciente, induz a erro a atendente a lhe ROCHA, Fernando A. N. Galvo da, op. cit., p. 432. No entanto, critica Nlson Hungria, p. 397-398, o emprego da expresso instrumento passivo, que no passa de uma fico ou metfora, nem sempre tolervel, porque se aceitvel a qualificao de instrumento passivo para o penalmente incapaz, o irresistivelmente coagido, o induzido a erro essencial ou o que obedece ordem do superior hierrquico, todavia, j no possvel reconhecer-se a passividade do executor nos casos de iseno de pena do executor por mera convenincia poltica ou de no-punibilidade (eximentes, escusas absolutrias), como o furto domstico. 43 PIERANGELI, Jos Henrique, op. cit., p. 49. 44 ROCHA, Fernando A. N. Galvo da, op. cit., p. 437. 45 JESUS, Damsio E, op. cit., p. 17-19.

    aplicar uma injeo com dose letal; a atendente incorre em erro que exclui o dolo, a enfermeira no tem culpa stricto sensu, porque seu erro era invencvel; 46 a enfermeira foi mero instrumento da vontade do autor mediato (o mdico).

    H diferena entre autoria mediata e autoria intelectual. Na autoria intelectual o autor partcipe e o executor imputvel; na autoria mediata o autor mediato se serve de terceiro (autor imediato), que no culpvel.47 A autoria mediata no admissvel em crimes de mo prpria, v. g., falso testemunho, porque indispensvel que o sujeito ativo pratique a conduta proibida pessoalmente. 48 A teoria formal-objetiva, que provm da dogmtica alem e teve numerosos desde o sculo XIX, foi dominante na Alemanha entre 1915 e 1933, mas abandonada nos dias de hoje, contudo, ainda presente na Espanha.49

    4.3. Teoria do domnio do fato

    (objetivo-subjetiva ou final-objetiva) A teoria foi empreendida, em primeiro

    lugar, por Roxin, de acordo com sua formulao, o domnio do fato manifesta-se no domnio da prpria conduta tpica.50 Para Hans Welzel, que desenvolveu a teoria do domnio do fato51, autor quem, consciente do fim, tem o domnio sobre o fato, tem o poder sobre a realizao do fato. Hans Welzel52 leciona que 46 Conforme a lio de ROCHA, Fernando A. N. Galvo da, op. cit., p. 436, a impossibilidade de vencer o erro significa a inexistncia de cuidado que possa evitar a leso ao bem jurdico. 47 BRUNO, Anbal, op. cit., t. II, p. 272, tambm anota que na instigao o executor atua com vontade e conscincia. 48 GRECO, Rogrio. Curso de Direito Penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006, v. I, p. 493. 49 BACIGALUPO, Enrique, op. cit., p. 446. 50 Idem, op. cit., p. 451. 51 Anbal Bruno quando publicou a 3 edio da sua obra em 1967 j assinala, op. cit., t. II, p. 266, que, Welzel, dentro da sua teoria finalista da ao, considerou autor quem, consciente do fim, tem o domnio sobre o fato, negando quem seja o autor quem simplesmente deu causa ao resultado. No mesmo sentido de Welzel, segundo Anbal Bruno, pensavam Sauer e Maurach. 52 Apud COSTA, lvaro Mayrink da, op. cit., p. 353. Define Welzel que o autor do injusto doloso aquele que tem o atuar consciente do fim, do acontecer causal na direo ao resultado tipo, enquanto que um autor do

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    a autoria de um injusto doloso pertence, em geral, quele que tem o domnio final sobre o fato, de maneira que o domnio da ao s pode existir com a conscincia e vontade do autor do fato punvel, no existe domnio do fato sem a presena do atuar doloso. Ensina lvaro Mayrink da Costa que a teoria do domnio do fato identifica-se com o finalismo, pois, autor quem obra com vontade e possui o domnio final da ao. imperioso que o autor tenha o domnio subjetivo do fato e obre como tal.53 O conceito de autor no um critrio causal ou formal, porque o autor do crime o participante que, possuindo o controle de todo o processo causal, do comeo ao fim, determina a sua ocorrncia, bem como o modo pelo qual o tipo se concretizar, enquanto o partcipe desenvolve um papel coadjuvante, figura lateral. 54 O partcipe no tem o domnio do fato. Em outras palavras, o partcipe aquele que no tem o controle final dos acontecimentos.

    A teoria do domnio do fato tem relevncia na criminalidade organizada. O autor aquele que tem o domnio fato, de cuja vontade depende a efetiva verificao do delito, enquanto os demais que participam do crime, sem que tenham o domnio do fato, so partcipes.

    4.3.1. Espcies de autoria na teoria de

    domnio do fato. 1) Autoria propriamente dita ou autoria

    direta, imediata, tambm denominada de individual, aquela em que o autor (executor) realiza materialmente a conduta tpica, sem a participao de outros. 2) Autoria intelectual aquela em que o sujeito planeja a ao delituosa. O autor no se confunde obrigatoriamente com o executor material. Assim, o chefe de uma quadrilha de roubos a estabelecimentos bancrios, que planeja a ao injusto negligente aquele que, mediante uma ao, lesiona o grau de cuidado requerido no mbito da relao, produz de modo no-doloso um resultado tipo. 53 COSTA, lvaro Mayrink da, op. cit., p. 353. lvaro Mayrink da Costa, idem, d como exemplo, o chefe da quadrilha de estelionatrios, que tem o domnio final da ao na medida em que planeja, d a ordem de execuo e conta com o atuar de seus comandados. 54 ROCHA, Fernando A. N. Galvo da, op. cit., p. 429-430.

    delituosa, escolhe as pessoas que devem realiz-las, distribuindo as respectivas tarefas, e ordena a concretizao do crime, contando com a fidelidade de seus comandados, no um mero participante, mas, sim autor porque possui o domnio final da ao, ainda que no tome parte na execuo material do fato criminoso.55 O art. 62 do CP agrava a pena daquele que promove, ou organiza a cooperao no crime ou dirige a atividade dos demais agentes. 3) Autoria mediata, sob a tica da teoria do domnio do fato, existe se o agente domina os acontecimentos, impondo sua vontade sobre a vontade e conduta do instrumento, mantendo a distncia do imediatismo da execuo da conduta proibida.56

    Resume lvaro Mayrink da Costa57 que pelo conceito unitrio autor todo aquele que contribui de causalmente para realizao do fato tpico, que no atende funo de garantia da lei penal; j pelo conceito restritivo, autor quem realiza a ao tpica; o que no explica autoria mediata, bem como nos casos de coautoria em que o coautor no chega a praticar os atos de execuo em sentido objetivo-formal, em razo disso, a melhor das teorias a do domnio do fato.

    Para Fernando Galvo a teoria do domnio do fato a opo terica que melhor identifica a contribuio penalmente relevante e, por consequncia, aquela que justifica a qualidade do autor. No est adstrita s formalidades da descrio tpica, mas observa a potencialidade lesiva ao bem jurdico. Embora estabelea um critrio restritivo de autor, na medida em que no reconhece a qualidade naquele participante que no domina o fato, no mero complemento s teorias formal-objetiva e material-objetiva, mas sim verdadeira alternativa a estas. 58 Enquanto Damsio E. de Jesus59 ensina ser a teoria do domnio do fato a que complementa a teoria restritiva formal-objetiva. 55 JESUS, Damsio E. de, op. cit., p. 12-14. 56 ROCHA, Fernando A. N. Galvo da, op. cit., p. 433-434. No mesmo sentido: JESUS, Damsio E., op. cit., p. 17-19. 57 COSTA, lvaro Mayrink da, op. cit., p. 371-372 e 339. 58 ROCHA, Fernando A. N. Galvo da, op. cit., p. 430. 59 JESUS, Damsio E. de, op. cit., p. 17.

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    Pondera, no entanto, Enrique Bacigalupo que nos ltimos decnios comprovou-se que nem todos os tipos penais tm estrutura que permite explicar as questes sobre a autoria por meio da teoria do domnio do fato. Em 1963, Roxin props, nesse sentido, distinguir os delitos de domnio do fato dos delitos de infrao de dever. Em sua verso original, os crimes de infrao de dever se caracterizam pelo fato de que a autoria da realizao do tipo penal no depende do domnio do fato, mas da infrao de um dever que incumbe o ao agente.60

    Entre os crimes de infrao de dever encontram-se os crimes prprios, os delitos societrios e os crimes omissivos. O dever que constitui a matria da leso jurdica nesses tipos penais no o dever genrico que surge de toda norma e alcana tambm os partcipes. Trata-se de um dever extrapenal, que no alcana os partcipes, mas somente aquele que tm uma determinada posio a respeito da inviabilidade do bem jurdico, como funcionrios, administradores e os garantes nos crimes omissivos. Nesses crimes o critrio dominante a infrao do dever especial que incumbe ao agente, independentemente se teve ou no o domnio do fato. Na coautoria h violao conjunta do dever especial, sem levar conta a contribuio que cada um dos agentes deu ao fato delituoso.61

    O Cdigo Penal com a reforma de 1984 adotou a teoria do domnio do fato?

    Jos Henrique Pierangeli62 sustenta que a nova Parte Geral inclinou-se, decisivamente pela teoria do domnio do fato, de concepo finalista. De igual sentir Manuel Pedro Pimentel63 pontifica que recebendo o Cdigo Penal inspirao da teoria finalista no poderia fugir da consequncia de adotar a teoria do domnio do fato. Enfatiza tambm Alberto Silva Franco que, muito embora o legislador de 1984 no se definiu explicitamente por nenhuma das posies dogmticas, abandonou o rigorismo da teoria monstica em relao ao concurso de pessoas, reconhecendo que o agente responde pelo 60 BACIGALUPO, Enrique, op. cit., p. 452-453. 61 Idem. 62 PIERANGELI, Jos Henrique, op. cit., p. 53-54. 63 PIMENTEL, Manuel Pedro. A teoria do crime na reforma penal. RT 591/294.

    concurso na medida de sua culpabilidade, deixou entrevir sua acolhida s mais relevantes teses finalistas, o que leva concluso de que abraou tambm a teoria do domnio do fato.64

    Advoga-se que a teoria do domnio do fato foi adotada pela Reforma de 1984 ao permitir formas diferentes de punio de acordo com a culpabilidade de cada autor o juiz procede individualizao da pena diante da situao tpica, observar aquele que ao obrar tinha o domnio do fato em suas mltiplas variantes diferenciado dos demais atores no planejamento e execuo delitiva (autoria e participao).65

    5. COAUTORIA E PARTICIPAO NA TEORIA RESTRITIVA

    Na teoria restritiva os coautores realizam

    atos tpicos de execuo, h diviso de tarefas e os agentes cooperam, conscientemente, na produo do resultado, com idntico nexo subjetivo. O coautor aquele que contribui para o evento final realizando parte do delito, mediante atuao consciente e resultado desejado. Nesta diviso de tarefas entre os coautores, por exemplo no crime de roubo, um dos agentes mantm a vtima sob ameaa de arma de fogo, enquanto o outro a despoja dos bens.

    Na coautoria sucessiva a ao iniciada sofre a interveno posterior de outra ou de outras pessoas.66 A dvida que permeia at que momento do inter criminis o terceiro pode cooperar na realizao da conduta proibida? Fernando Galvo 67 informa que Maurach aceita o ingresso do terceiro na ao criminosa at a consumao, assinala que a responsabilidade penal no concurso de pessoas pressupe a tipicidade de cada participante e afirma que na coautoria sucessiva cada interveniente s responde pelos atos praticados aps o seu ingresso na empreitada delitiva. Outra situao enfrentada a responsabilidade 64 FRANCO, Alberto Silva et al, op. cit., p. 164-165. 65 COSTA, lvaro Mayrink da, op. cit, p. 342. 66 ROCHA, Fernando A. N. Galvo da, op. cit., p. 443-444, que se apoia nos ensinamentos de Reinhart Maurach. 67 ROCHA, Fernando A. N. Galvo da, op. cit., p. 443-445.

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    do interveniente em relao aos fatos praticados antes de seu ingresso pelos demais autores. Por ex., o interveniente ingressa na dinmica do roubo, quando uma das vtimas j tinha sido morta pelos demais. O ingresso na fase do exaurimento, depois de consumado o delito, configura crime autnomo.

    5. 1. Participao na teoria restritiva A participao uma atividade

    acessria. O partcipe no pratica atos tpicos de execuo, realiza conscientemente atividade secundria ou no e sabe que com ela contribui para o resultado final e ilcito. A participao exige o autor imediato, aquele que executa a ao tpica, pois, o partcipe colabora, mas no realiza atos tpicos de execuo. A expresso de qualquer modo da cabea do art. 29 do CP implica dizer ser partcipe aquele que de qualquer maneira, no praticando atos tpicos de execuo, contribui para o resultado final. A determinao, a instigao ou o auxlio devem ser causalmente eficazes. No h participao punvel se a pessoa a quem dirigida a determinao ou a instigao j est decidida prtica do crime.68

    5.2. Natureza jurdica da participao. Sobre a natureza jurdica da participao

    dependente da ao principal temos as seguintes teorias: a) Para a teoria da acessoriedade mnima basta que o autor principal pratique o fato tpico, pouco importando que seja ilcito, para que exista a responsabilidade do partcipe. No aceita essa teoria porque se h licitude no comportamento do autor, h tambm na conduta daquele que colabora. O exemplo que segue mostra a inconsistncia desta doutrina. Se A induzir B a agir em legtima defesa, e se B matar o agressor em legtima defesa ser absolvido, enquanto que A (partcipe) responde pelo crime de homicdio.69 b) Na teoria acessoriedade extremada (ou mxima) o partcipe somente ser punido se o fato principal for tpico, antijurdico e culpvel. 68 HUNGRIA, Nlson, op. cit., t. II, v. I, p. 406. 69 HUNGRIA, Nlson, op. cit., t. II, v. I, p. 398. No mesmo sentido: ROCHA, Fernando A. N. Galvo da, op. cit., p. 456.

    Desta forma, o partcipe no responder por crime se o autor for inimputvel, por exemplo, da a advertncia oportuna de Jos Henrique Pierangeli 70 que no deve a falta de culpabilidade do inimputvel beneficiar o partcipe; no mesmo sentido assinala Fernando Galvo 71 que a culpabilidade do autor desvinculada da culpabilidade do partcipe, no se pune o partcipe se o autor for inculpvel; a teoria no compatvel com o Cdigo Penal, que no art. 62, III, permite a punio do partcipe quando o autor for inculpvel; c) na teoria acessoriedade limitada o partcipe s responde se o fato for tpico e ilcito, no se exigindo que o autor seja culpvel. Aquele que auxilia materialmente o autor a praticar um injusto tpico, mesmo que no culpvel, responder, de acordo com a teoria limitada, pelo resultado advindo da conduta do autor;72 a teoria mais aceita; d) na teoria hiperacessoriedade a punio do partcipe ocorrera se o autor tiver praticando um fato tpico, ilcito, culpvel e punvel; se a punibilidade do autor principal for extinta, o partcipe no poder ser punido; por ex., no decorrer do processo o autor falece e a sua punibilidade declarada extinta, neste caso, o partcipe no punido.

    5. 3. Formas de participao na teoria

    restritiva. A participao pode ser material ou

    moral. Na participao material o partcipe auxilia o autor fornecendo-lhe os meios adequados realizao do crime, por ex., entrega ao executante do homicdio a arma de fogo; ao ladro a chave do cofre ou leva o agente de carro at o local do crime.73 Na participao moral, o agente induz ou instiga o autor a cometer o crime. A ao de induzir significa que o partcipe cria a idia criminosa na mente do autor. Na ao de instigar o partcipe refora a idia criminosa existente na

    70 PIERANGELI, Jos Henrique, op. cit., p. 62. 71 ROCHA, Fernando A. N. Galvo da, op. cit., p. 458. 72 GRECO, Rogrio, op. cit., p. 485. 73Auxlio, segundo HUNGRIA, Nlson, op. cit., t. II, v. I, p. 406, a prestao de servio, ministrao de instrues ou fornecimento de meios para a execuo do crime, mas sem participao direta ou imediata nesta.

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    mente do autor.74 Instigar estimular, animar, h influncia no processo de formao de vontade, entretanto, para Anbal Bruno 75 instigar designa determinar e no influir, o instigador determina a outrem praticar o crime. Acrescenta Jos Henrique Pierangeli76 que s admissvel a instigao dolosa, e segue que o dolo do instigador necessariamente est jungido ao dolo do autor. A instigao deve sempre ser efetuada sobre pessoa determinada ou pessoas determinadas, porque, do contrrio, pode configurar o delito de incitao ao crime (art. 286, CP).77

    Surgem duas questes. Se a instigao sempre dolosa, qual a responsabilidade do instigador se o instigado for alm do resultado desejado pelo instigador? lvaro Mayrink da Costa afirma que: O instigador s responde na proporo em que o autor do fato principal concorda com o seu dolo, porm se o autor principal, pelo contrrio, extrapola o que querido pelo instigador, responder o autor direto pelo excesso, e o instigador at o limite de seu dolo de instigao. 78

    A segunda questo recai em que a instigao s pode assumir relevncia penal quando leva o autor a realizar o ato, ou seja, a participao exige do autor pelo menos o incio da execuo do crime, exatamente uma tentativa punvel.79 O ajuste, a determinao, a instigao e o auxlio no so punveis se o 74 HUNGRIA, Nlson, op. cit., t. II, v. I, p. 406. 75 BRUNO, Anbal, op. cit., p. 272-274. Anbal Bruno classifica os vrios modos de instigao: a) no mandato: o instigador encomenda o crime no seu prprio interesse, incumbe outrem da execuo; b) por comando: h entre o instigador e o instigado relao de superior e inferior, o instigador abusa do poder; c) mediante conselho, o executor pratica o crime no seu prprio interesse e o instigador apenas o convence da convenincia de pratic-lo; d) por ameaa, o motivo determinante o temor que o instigador provoca no ameaado, ameaa sria suficiente para instig-lo a cometer o crime, mas que no chega a configurar a autoria mediata. 76 PIERANGELI, Jos Henrique, op. cit., p. 66. No dizer de COSTA, lvaro Mayrink, op. cit., p. 368, o dolo da instigao o querer que outrem realize dolosamente o tipo. 77 PIERANGELI, Jos Henrique, op. cit., p. 68. No mesmo sentido: FRAGOSO, Heleno C., op. cit., p. 318. 78 COSTA, lvaro Mayrink da, op. cit., p. 365-366. Nesta afirmao o autor se apoia na doutrina alem formulada por Baumann, Maurach e Schnke-Schrder. 79 PIERANGELI, Jos Henrique, op. cit., p. 65.

    crime no chega pelo menos a ser tentado, a regra do art. 31 do CP. A participao impunvel se o autor no iniciou a execuo do crime. H tentativa de crime com o incio da execuo (art. 14, II, CP), indispensvel, pois, que o agente tenha ultrapassado as fases da cogitao e da preparao do inter criminis e ingressado na fase de execuo para que o fato seja punvel. Consumado o crime no h falar em participao, mas sim em crimes autnomos como receptao (art. 180, CP), favorecimento pessoal (art. 348, CP) ou favorecimento real (art. 349, CP).

    A expresso salvo disposio em contrrio (art. 31, CP) autoriza, em certos casos, a punio do ajuste, da determinao, da instigao ou do auxlio, ainda que no iniciada a execuo do crime. O crime de bando ou quadrilha (art. 288) configura-se com a simples associao (ajuste) para o fim de cometer crimes, vale dizer, permite a punio daqueles que se associaram para cometer os delitos ajustados. O crime de petrechos para falsificao de moeda (art. 291) ocorre, por ex., na ao de guardar aparelho destinado falsificao de moeda. No se espera que haja a falsificao da moeda (art. 289) para punir.

    Pode acontecer, ainda, de o partcipe se arrepender e o executor continuar na empresa criminosa. Leciona Nlson Hungria80 que no h conduta punvel se o arrependido no iniciar a execuo do crime ou sendo o partcipe que impede o executor de iniciar a execuo; se o arrependido for o executor que voluntariamente desiste da execuo ou impede que o resultado se produza, ou se o partcipe evitar que o executor atinja a sua meta, operam-se a desistncia voluntria e o arrependimento eficaz, comunicveis entre os agentes; por fim, se o arrependido for o partcipe e resultar intil o seu esforo para impedir a execuo ou consumao.

    De outro lado, Fernando Galvo 81 exemplifica que se A contratar B para matar C, porm, B, livre e conscientemente, decide apenas lesionar C, h desistncia do executor. Neste caso, se a desistncia do executor for anterior ao incio 80 HUNGRIA, Nlson, op. cit., t. II, v. I, p. 427-428. 81 ROCHA, Fernando A. N. Galvo da, op. cit., p. 470.

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    da execuo do homicdio, o homicdio sequer chegou a ser tentado, ambos, executante e mandante, no respondem. Por outro lado, se a desistncia for posterior ao incio da execuo do homicdio, o impedimento da consumao decorreu pela desistncia do executante circunstncia alheia vontade do agente (mandante) ento o mandante responde por tentativa de homicdio e o executor por leso corporal consumada.

    A doutrina nacional, com excees, 82 admite a participao mediante omisso 83 : Na participao mediante omisso, basta, sob o prisma causal, que se no tenha impedido o crime faltando a um dever jurdico,84 assim o dever jurdico de impedir o resultado indispensvel, pois, se inexiste o dever jurdico de atuar no h cumplicidade, mas simples conivncia, impunvel. 85 O sujeito que toma conhecimento de que ser praticado um furto e no comunica autoridade no partcipe do furto, porque no tinha o dever de agir para impedir o resultado, mas sua omisso constitui a infrao autnoma de contraveno penal (art. 66, LCP). Alm do dever jurdico de impedir o resultado, o omitente deve aderir prtica do crime (vnculo psicolgico).86 O policial, que faltando ao seu dever de agir 82 FRAGOSO Heleno C., op. cit., p. 318-319, faz importante ressalva de ser inconcebvel a instigao por omisso, porque a instigao requer um comportamento ativo. 83 BRUNO, Anbal, op. cit., t. II, p. 278-279, ressalta necessrio que a omisso funcione como elemento causal da realizao do fato; ROCHA, Fernando A. N. Galvo da, op. cit., p. 464, nota de rodap n. 85, d como exemplo de participao por omisso em crime comissivo o caso em que o pai percebe que o filho vem praticando furtos na vizinhana e no impede. Apesar de o pai violar o dever especial de agir, quem possui o domnio do fato o filho que realiza as subtraes. HUNGRIA, Nlson, op. cit., p. 407, diz que o silncio pode importar aprovao de quem tinha o dever jurdico de falar para dissuadir ou de quem exerce grande ascendncia moral sobre o executor. 84 HUNGRIA, Nlson, op. cit, t. II, v. I, p. 415-416. 85 FRAGOSO. Heleno C., op. cit., p. 319. A conivncia, segundo DOTTI, Ren A. Curso de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 354, se caracteriza pela presena fsica de algum no ato de execuo de um crime ou a omisso em denunciar a autoridade pblica de um fato delituoso de que tenha conhecimento. 86 No mesmo sentido FRAGOSO. Heleno C., op. cit., p. 319, assinala que deve haver dolo do partcipe em relao cometido pelo autor.

    assiste inerte, por mera covardia, prtica de um assalto mo armada, incorre em falta disciplinar, mas no lhe pode ser imputada a participao no crime de roubo, pela falta do vnculo subjetivo. Mas, neste mesmo exemplo, haver participao por omisso se o policial aderir vontade do ladro.

    6. COAUTORIA E PARTICIPAO NA TEORIA DO DOMNIO DO FATO

    Pela teoria domnio funcional do fato

    tem o coautor capacidade para interferir sobre o se e o como do delito. 87 O elemento essencial o codomnio do fato, segundo Roxin. 88 O codomnio do fato exige uma deciso conjunta de modo que cada conduta est conectada outra mediante a diviso de tarefas acordada na deciso conjunta ou comum.89

    O coautor aquele que intervm na execuo do delito como co-titular da deciso comum, porque s assim pode participar do domnio do fato. 90 O co-autor realiza o verbo tpico ou concretiza parte da descrio do crime, ainda que, no ltimo caso no seja tpica a conduta perante o verbo91. Segundo Maurach: Autor e co-autor, numa anlise objetiva possuem no sentido de dirigir o curso determinador da realizao do fato. 92 No aspecto subjetivo, o coautor deve ser um co-portador da deciso comum acerca do fato93 e no aspecto objetivo o coautor ser aquele que executa a parcela que lhe cabe, de acordo com o plano em comum.94 Na teoria do domnio funcional do fato para a caracterizao da coautoria, diz Jescheck que a atuao do coautor uma parte necessria execuo do plano global.95

    Na coautoria direta todos os sujeitos realizam a conduta tpica, ex., agridem a vtima produzindo leses corporais. Na coautoria parcial ou funcional temos domnio 87 PIERANGELI, Jos Henrique, op. cit., p. 50. 88 BACIGALUPO, Enrique, op. cit., p. 456 89 Idem, p. 457. 90 PIERANGELI, Jos Henrique, op. cit., p. 54. 91 JESUS, Damsio E. de, op. cit., p. 21-24. 92 Apud, PIERANGELI, Jos Henrique, op. cit., p. 55. 93 Idem. 94 Idem. 95 Apud, PIERANGELI, Jos Henrique, op. cit., p. 56.

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    funcional do fato 96 e h repartio de atividades (funes) entre os sujeitos.97 So distribudos entre os diversos autores atos executrios, de modo que cada um responsvel por parte do fato, desde a execuo at o momento consumativo, por isso cada um mantm o domnio funcional do fato.98 Na coautoria parcial ou funcional a conduta de cada um dos autores necessria de modo que sem ela o crime no teria cometido. Damsio E. de Jesus d como exemplo o crime de roubo no qual as aes so divididas entre o apoderamento de dinheiro, constrangimento das vtimas mediante ameaa, vigilncia e direo do veculo.

    O partcipe no domnio final da ao quem contribui para um delito alheio, sem realizar conduta que se ajuste ao tipo e sem ter condies de decidir sobre a consumao do fato tpico.99 O partcipe no tem poder de deciso sobre a execuo ou a consumao do crime, o partcipe no tem o domnio finalista do crime, o delito no lhe pertence, ele colabora no crime alheio, enquanto o autor detm o domnio do fato e o coautor o domnio funcional do fato.100 7. Concurso de pessoas em crime culposo

    Pela Exposio de Motivos do Cdigo Penal de 1940 ficava solucionada a questo sobre o concurso em crime culposo, pois neste tanto possvel a cooperao material, quanto a cooperao psicolgica, isto , no caso de pluralidade de agentes, cada um destes, embora no querendo o evento final, tem conscincia de cooperar na ao. Dissertava, neste diapaso, Nlson Hungria101 ser possvel tanto a coautoria como a participao no crime 96 JESUS, Damsio E. de, op. cit., p. 21-24. 97 Idem. 98Idem, p. 23. 99 FRANCO, Alberto Silva et al, op. cit., p. 164. 100 JESUS, Damsio E., op. cit., p. 25. 101 HUNGRIA, Nlson, op. cit, t. II, v. I, p. 413-414. De igual sentir, BRUNO, Anbal, op. cit., t. II, p. 277, assinala que na culpa os agentes so cooperadores conscientes na imprudncia ou negligncia uns dos outros; NORONHA, Magalhes. Curso de direito penal. 34. ed. So Paulo: Saraiva, 1999, v. 1, p. 216, que aduz h cooperao no crime culposo, visto existir neste vontade na ao causal e previsibilidade do evento.

    culposo, porque no crime culposo pode haver cooperao de atividades simultneas ou sucessivas, desde que se apresentem subjetivamente coligadas ou coordenadas, ou desde que um dos agentes saiba que contribui para o outro: o passageiro do automvel que induz o motorista a empregar velocidade excessiva, de forma imprudente, e com isso vem ocorrer um atropelamento; dois operrios da construo civil que lanam a tbua no leito da rua e atinge um passante; o agente amontoa lenha para fazer a fogueira e o outro deita-lhe fogo, sem atentarem para a proximidade de uma casa, que vem a incendiar-se. No clssico exemplo utilizado pelos causalistas (Hungria, Anbal Bruno e Noronha) para explicar a coautoria em crime culposo, os operrios compartilhavam o mesmo dever objetivo de cuidado (conduzir a tbua com segurana ao local de depsito) e em cooperao praticaram condutas descuidadas. minoritria a doutrina causalista quanto impossibilidade de coautoria e a participao em crime culposo.102 Com o finalismo as linhas de pensamento sobre o concurso de pessoas no crime culposo tornaram-se divergentes.

    Sustenta lvaro Mayrink da Costa103 que nos injustos negligentes no h participao e nem coautoria, pontifica a participao impossvel nos injustos negligentes. O autor de um injusto negligente atua inconscientemente e com limitada e insuficiente capacidade de direo 104 ; nos injustos negligentes o autor nico, devendo ser valorado diante da realizao do resultado tpico, ainda que se possa imaginar qualquer induo, 105 enfatiza, por fim, a impossibilidade participao em crime culposo quando assevera que a participao moral, nas modalidades de instigao e induo, sempre dolosa.106 No exemplo em que h instigao do motorista para exceder a velocidade permitida e perigosa, vindo assim colidir e 102 COSTA E SILVA, Antnio Jos da. Comentrios ao cdigo penal brasileiro: parte geral, 2. ed., rev. e atualizada por Luiz Fernando da Costa e Silva, So Paulo: Contasa, 1967, v. 1, p. 97-98, diz que se o crime culposo for resultante da cooperao de duas ou mais pessoas cada uma delas responde como autora. 103 COSTA, lvaro Mayrink da, op. cit., p. 354. 104 Idem, p. 340-341. 105 Idem. 106 Idem, p. 365.

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    causar a morte de terceiro, ambos, motorista e o instigador, so autores de homicdio culposo.

    A majoritria doutrina divide-se entre os que defendem a possibilidade de participao e aqueles que admitem apenas coautoria no crime culposo. Com argumentos diferentes parcela da doutrina aceita a participao em crime culposo. Luiz Regis Prado107 sustenta ser admissvel a participao em crime culposo na modalidade de instigao, afirma que se a coautoria exige o ajuste prvio para realizao do resultado, invivel a coautoria, pois, no h liame subjetivo. Ex.: A incita B dirigir em alta velocidade sem observar cuidado objetivo. A partcipe do crime culposo causado por B. Ainda no exemplo do passageiro instigador do motorista, ressalta Rogrio Greco108 que o motorista detinha o controle do automvel, que no foram as condutas conjugadas simultaneamente que levaram ecloso do acidente, tal como no exemplo dos operrios que arremessam a tbua, e por fim arremata que o autor aquele que pratica a conduta contrria ao dever de cuidado; partcipe aquele que induz ou estimula algum a realizar a conduta contrria ao dever de cuidado.

    Fernando Galvo remete a questo teoria objetivo-final (teoria do domnio do fato) pela qual possvel reconhecer que nem todos os concorrentes de um crime culposo tm o domnio do fato, o que viabiliza a distino entre autores e partcipes,109 assim no caso do passageiro (carona) que instiga o motorista a empreender velocidade, quem domina o fato o motorista, o passageiro (carona) que o instiga o partcipe. O dever objetivo de cuidado do motorista, nos termos da teoria objetivo-final, todos os autores devem dominar finalisticamente a realizao da conduta descuidada. 110 No mesmo sentido, Miguel Reale Jnior sustenta a 107 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral. 3. ed., So Paulo: RT, v. 1, 2002, p. 398 108 GRECO, Rogrio, op. cit., v. I, p. 517, 109 ROCHA, Fernando A. N. Galvo da, op. cit., p. 463-464. 110 Idem, p. 447-448. No segundo exemplo (do motorista induzido pelo passageiro a exceder a velocidade) o fundamento legal da comunicabilidade da circunstncia de carter pessoal (ser o motorista) o art. 30 do CP.

    possibilidade de participao no crime culposo porque h um autor principal que tem o domnio do fato, e pode no cumprir a ao para a qual instigou ou prestou auxlio, exatamente por exercer um poder sobre o fato.111

    Outra vertente jurisprudencial 112 e doutrinria. 113 admite coautoria em crime culposo. Explica Cezar R. Bitencourt114 que o vnculo subjetivo entre os agentes se estabelece na realizao da conduta voluntria. Os que cooperam na causa, na falta do dever objetivo de cuidado objetivo, agindo sem a ateno devida, so coautores. Guilherme de Souza Nucci 115 justifica ser admissvel somente a coautoria e no a participao, por ser o crime culposo de tipo aberto, quem instiga outro a ter atitude imprudente igualmente imprudente. Heleno C. Fragoso116 tambm admite a coautoria pela contribuio causal dos autores a partir da tipicidade do crime culposo ser a violao do dever objetivo de cuidado, de modo que so coautores aqueles que desatendem aquele dever. 8. CONCURSO DE PESSOAS EM CRIME OMISSIVO.

    Tormentosa a divergncia doutrinria

    no tocante ao concurso de pessoas no crime omissivo. Defende-se a impossibilidade de coautoria nos crimes omissivos, porque o dever de agir pessoal e intransfervel. Conhecido o exemplo de A. Kaufmann em que se cinquenta nadadores assistem impassveis o afogamento de uma criana, cada um ser autor direto da omisso de socorro.

    111 REALE JNIOR, Miguel, op. cit., v. I, p. 324, 112 JUTACRIM 88/283; 91/412; 86/124; 84/372; 92/293 e 89/465; 30/383; RTJ 120/1136; RT 496/289; 444/370; 454/439; 447/472 e 500/325. 113 MIRABETE, Julio F., op. cit., v. I, p. 234-236; DELMANTO, Celso et al. Cdigo Penal Comentado. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 114, admite excepcionalmente a coautoria em crime culposo desde que demonstrada a existncia do vnculo subjetivo voltado realizao da conduta imprudente comum. 114 BITENCOURT, Cezar R., op. cit., v. 1, p. 450. 115 NUCCI, Guilherme de Souza. Cdigo penal comentado. 9. ed. So Paulo: RT, 2008, p. 297. 116 FRAGOSO, Heleno C., op. cit., p. 313.

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    8. 1. Concurso de pessoas em crime omissivo prprio

    Rogrio Greco e Miguel Reale Jr. 117

    advogam as duas formas de participao. A coautoria, segundo Miguel Reale Jr., por um acordo de vontades entre os agentes para deixar de cumprir com a ao esperada, por ex., duas pessoas decidem no prestar socorro a pessoa ferida em acidente de carro. Rogrio Greco 118 reconhece participao se o partcipe dirige a sua conduta no sentido de fazer com que o autor no pratique a conduta a que estava obrigado, e d como exemplo o crime de omisso de socorro (art. 135, CP) em que A, paraplgico, induz B, surfista profissional, a no socorrer C, que est se afogando. A no pode ser autor do delito de omisso de socorro pelo fato de ser paraplgico, uma vez que se entrasse no mar correria risco pessoal. B, entretanto, por ser surfista profissional, poderia ter socorrido C sem qualquer risco pessoal. Neste caso, A s pode ser partcipe o crime de omisso de socorro praticado por B.

    Admite a coautoria no crime omissivo prprio Cezar R. Bitencourt,119 desde que os agentes tenham obrigao de agir e anuam omisso de outrem, vale dizer, conscincia e vontade conjuntas de no realizar a conduta esperada. Fernando Galvo igualmente assinala: Presentes os requisitos do concurso de pessoas, em especial o domnio compartilhado do fato, e havendo para ambos os concorrentes o dever de agir em conjunto, ser possvel a co-autoria em crime omissivo, 120 e Guilherme de Souza Nucci acentua que deve ser verificado se os agentes esto vinculados psicologicamente ao mesmo 117 REALE JNIOR, Miguel, op. cit., v. I, p. 325. GRECO, Rogrio, op. cit., v. 1, p. 511, filia-se ao pensamento de que nada impede o reconhecimento da coautoria em crime omissivo quando todos os agentes, unidos pelo vnculo psicolgico, resolvem deixar de agir em determinado caso concreto, quando a lei lhes impunha, individualmente, que agissem ou conforme o comando abstrato, sendo o caso de delitos omissivos prprios, ou com a finalidade de evitar o resultado, na hiptese de crimes omissivos imprprios. 118 GRECO, Rogrio, op. cit., v. 1, p. 512. 119 BITENCOURT, Cezar R., op. cit., v. 1, p. 451, 120 ROCHA, Fernando A. N. Galvo da, op. cit., p. 448-449.

    resultado, a este prestaram sua contribuio, ingressando no tipo penal e perfazendo o necessrio configurao da co-autoria.121

    Damsio E. de Jesus sustenta no ser admissvel coautoria em crime omissivo prprio, porque a coautoria se baseia na diviso de tarefas e no delitos omissivos prprios no se pode dizer que a omisso de um sujeito constitui parte do todo, que a conduta omissiva de um completa a do outro,122 de maneira que todos os omitentes so autores diretos, mas vivel a participao por ao (no por omisso), se o agente induz o autor a se omitir, a no socorrer a vtima.

    8. 2. Concurso de pessoas em crime

    omissivo imprprio Miguel Reale Jnior aceita as duas

    formas de participao, a coautoria porque o dever de agir pode incumbir a ambos os co-autores, como na hiptese de pai e me deixarem de alimentar o filho para lhe causar a morte por inanio, 123 e a participao propriamente dita ainda que incumba a um dos agentes o dever de agir, esta circunstncia (dever de agir para impedir o resultado), por ser elementar do crime comissivo por omisso, comunica-se ao outro concorrente (art. 30 do CP). De outro vrtice, Damsio E. de Jesus124 assevera no existir coautoria, assim o pai e me, que de comum acordo, venham matar a criana por falta de aleitamento, so autores de homicdio doloso, entretanto, admissvel a participao mediante ao, por ex., terceiro induz a me a matar o prpria filho mediante inanio.

    Se aplicada a teoria do domnio do fato h soluo? H divergncia quanto aplicao da teoria do domnio do fato aos crimes

    121 NUCCI, Guilherme de Souza, op. cit, p. 300, 122 JESUS, Damsio E., op. cit., v. 1, p. 434-438. Damsio E. de Jesus d o exemplo de dois mdicos, que combinam silenciar a respeito de doena de notificao compulsria, assim cada um deles ser autor direto do crime previsto no art. 269, CP. No exemplo dos nadadores que se omitem em socorrer o afogado haver tantos crimes de omisso de socorro quantos sejam os omitentes. 123 REALE JNIOR, Miguel, op. cit., v. I , p. 325. 124 JESUS, Damsio E., op. cit., v. 1, p. 434-438.

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    omissivos. 125 Entretanto, Cezar R. Bitencourt126 defende a participao no crime omissivo imprprio, porque se o partcipe no tem o dever jurdico de agir, sua atividade acessria, o autor tem domnio da ao final. Nesta mesma linha de pensamento Fernando Galvo argumenta ser possvel a participao em crime omissivo imprprio se o outro interveniente do fato no possuir dever especial de agir e no possuir o domnio do fato, e ressalta que a participao em crime omissivo imprprio ocorre por conduta comissiva, na qual o partcipe instiga ou determina aquele que possui o dever de agir a no cumprir sua obrigao.127

    9. CONCURSO DE PESSOAS EM CRIME DE MO PRPRIA

    Crime de mo prpria aquele que s

    pode ser cometido pelo autor, da ser denominado crime de atuao pessoal, cujo exemplo o delito de falso testemunho (art. 342, CP). Informa Celso Delmanto128 que a doutrina pacfica que no cabe coautoria em crime de mo prpria, porm possvel a participao moral (instigao) ou a material. Esse o entendimento de Rogrio Greco, que justifica no haver possibilidade de diviso de tarefas no crime de mo prpria, mas os partcipes, mesmo no possuindo o domnio sobre o fato, podem, de alguma forma, 125 A teoria do domnio do fato no teria aplicao aos delitos omissivos prprios e imprprios, devendo ser substituda pelo critrio da infringncia do dever de agir. Neste sentido: JESUS, Damsio E., op. cit., v. 1, p. 434. 126 BITENCOURT, Cezar R., op. cit., v. 1, p. 451. 127 ROCHA, Fernando A. N. Galvo da, op. cit., p. 448-449. 128 DELMANTO, Celso et al, op. cit., p. 115. Majoritria a doutrina no sentido de ser impossvel coautoria em crime de mo prpria. Neste diapaso tem relevo a conduta do advogado que orienta ou aconselha a testemunha a prestar depoimento em favor de seu constituinte. Vrios julgados firmando que no falar em co-autoria no crime de falso testemunho: RT 484/292; 508/324; RJTJSP 89/356; 90/541, h julgados em sentido contrrio dos Tribunais Superiores negando ordem de habeas corpus, porque, que pelo menos em tese, h possibilidade de co-autoria do advogado no crime de falso testemunho: STJ, 6 T., rel. Min. Adhemar Maciel, j. 9.04.1996, DJ 3.02.1997, p. 783; STF, 2 T., rel. Min. Maurcio Corra, j. 10.12.1996, DJ 7.03.1997, p. 5.421.

    concorrer para infrao penal, induzindo, instigando o auxiliado materialmente o autor.129

    10. CONSIDERAES FINAIS

    A teoria do domnio do fato aplicvel

    no direito penal brasileiro e soluciona os problemas atinentes autoria nos crimes de autoria mediata e no crime organizado, tambm resolve, satisfatoriamente, as questes do concurso de pessoas no crime culposo. Porm, a nosso aviso, a teoria do domnio do fato complementar teoria formal-objetiva, pois, encontra certa dificuldade de aplicao diante de certas estruturas tpicas de crime omissivo, de mo prpria ou de infrao de dever.

    129 GRECO, Rogrio, op. cit., v. 1, p. 473-474. No mesmo sentido: DOTTI, Ren A., op. cit., p. 362-363; ROCHA, Fernando A. N. Galvo da, op. cit., p. 462, que salienta que o tema no oferece dificuldade porque, sobretudo na participao oral, no h duvida de que o partcipe pode instigar, por conselhos, a testemunha a prestar informaes falsas. Colhem-se de nossos tribunais decises que perfilham este entendimento doutrinrio: RT 635/365, TJSP, que decidiu que no crime de falso testemunho punvel a participao daquele que convence outrem a fazer afirmao falsa, negar ou calar a verdade, como testemunha. Outras decises do TJSP reconhecendo o advogado como partcipe no crime de falso testemunho: RT 492/271; 453/338.

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    REFERNCIAS

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