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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP JULIANA LEITE KIRCHNER TEORIA DAS PROVAS E FATO JURÍDICO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO SÃO PAULO 2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

JULIANA LEITE KIRCHNER

TEORIA DAS PROVAS E FATO JURÍDICO

NO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO

MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO

SÃO PAULO

2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

JULIANA LEITE KIRCHNER

TEORIA DAS PROVAS E FATO JURÍDICO

NO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO

MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE em Direito Tributário, sob a orientação da Professora Doutora Fabiana Del Padre Tomé.

SÃO PAULO 2012

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Banca Examinadora

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Dedicatória

À minha filha Rafaela, com todo o meu amor.

Ao meu querido João, por seu amor, apoio e compreensão.

Ao meu pai, Luiz, exemplo de vida,

pelo suporte e pelo incentivo permanente.

À minha mãe, Cecília, e à minha avó Maria Luiza (in memoriam), com muita saudade.

À professora Fabiana, pelo constante auxílio,

compreensão e generosa disponibilidade.

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TEORIA DAS PROVAS E FATO JURÍDICO

NO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO

JULIANA LEITE KIRCHNER

RESUMO: A proposta do trabalho, ora apresentado, é investigar a relevância das provas para a

constituição do fato jurídico tributário, sob o âmbito da imposição tributária. Empreenderemos o

exame acerca do relevante papel que as provas desempenham nas relações entre o Estado e os

contribuintes, através dos atos de lançamento, para a caracterização do fato jurídico tributário e,

conseqüentemente, à constituição do crédito tributário. O foco da abordagem que pretendemos

realizar é demonstrar que a prova se perfaz de extrema importância no contexto da percussão

tributária, de modo que pretendemos destacar a sua imprescindibilidade para a sustentação das

normas individuais e concretas por parte da Administração Pública, e logo, do ato administrativo

de lançamento tributário, a partir de elementos colhidos em procedimentos fiscalizatórios. Ainda,

temos o intuito de demonstrar a importância das provas na percussão tributária, demonstrando a

importância de que os fatos jurídicos tributários sejam constituídos somente se embasados em

provas admitidas em direito, em sede de processo administrativo fiscal, com o intuito de

preservar os direitos e as garantias fundamentais dos contribuintes. Pretendemos, assim, realizar

um estudo acerca do fato jurídico tributário e das provas, e, em especial, no processo

administrativo tributário, mediante a demonstração da legislação pertinente, bem como de

jurisprudência administrativa e exemplos práticos.

Palavras-chave: Fato Jurídico Tributário. Provas. Processo Administrativo Tributário.

Lançamento Tributário. Segurança Jurídica.

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THEORY OF LEGAL EVIDENCEAND APPAREL

ADMINISTRATIVE PROCEDURE IN TAX

JULIANA LEITE KIRCHNER

ABSTRACT: The purpose of this study, presented here, is to investigate the relevance of the

evidence for the formation of tax legal fact, under the scope of the tax levy. We will undertake

the review about the important role that events play in relations between the state and taxpayers,

through the deeds of release, for the characterization of tax legal fact and, consequently, the

formation of the tax credit. The focus of the approach we want to achieve is to demonstrate that

the evidence makes it extremely important in the context of tax impact, so we aim to highlight

their support for the indispensability of individual standards and concrete by the Public

Administration and therefore the act tax administrative release from elements collected in

fiscalizatórios procedures. Still, we aim to demonstrate the importance of evidence in tax

percussion, demonstrating the importance of the legal facts tributaries consisting only if

grounded in law admitted in evidence in the administrative headquarters of tax, in order to

preserve the rights and fundamental guarantees of taxpayers. We intend therefore to conduct a

study on the tax legal fact and evidence, and in particular, the administrative tax process, through

the demonstration of relevant legislation and case law and administrative practice examples.

Key-words: Tax Law. Evidence. Administrative Procedures Tax. Release Tax. Legal Security.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12

PRIMEIRA PARTE - COMPREENSÃO DOS CONCEITOS FUNDAMEN TAIS PARA

O ESTUDO DA IMPORTÂNCIA DAS PROVAS PARA A CONSTITUI ÇÃO DO

FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO ....................................................................................... 19

1. A RELAÇÃO ENTRE A LINGUAGEM, O CONHECIMENTO, A V ERDADE E A

PROVA JURÍDICA ............................................................................................................... 19

1.1 “Giro Linguístico” .............................................................................................................. 21

1.2 Linguagem e comunicação ................................................................................................. 25

1.3 Realidade, conhecimento e linguagem ............................................................................... 27

1.4 Direito Positivo como um subsistema comunicacional: sistema de linguagem prescritiva33

1.4.1 Composição do sistema do Direito Positivo .............................................................. 42

1.5 A Verdade ........................................................................................................................... 44

1.5.1 A Verdade e o Direito Positivo .................................................................................. 48

1.5.2 A Verdade e a Teoria das Provas no Direito Tributário ............................................ 55

2. A INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA ....................................................................................... 59

2.1 Evento, Fato e Fato Jurídico ............................................................................................... 59

2.1.1 Distinção entre evento e fato: o relato lingüístico ..................................................... 60

2.1.2 Distinção entre evento, fato e fato jurídico ................................................................ 62

2.2 O fenômeno da incidência da norma jurídica tributária ..................................................... 68

2.2.1 Incidência jurídico-tributária ..................................................................................... 70

3. A CARACTERIZAÇÃO DO FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO ... .............................. 79

3.1 A importância da linguagem na constituição do fato jurídico tributário ............................ 80

3.2 Ambiguidades acerca da expressão “fato jurídico” ............................................................ 81

3.3 Definição de Fato Jurídico Tributário ................................................................................ 84

3.4 Constituição do Fato Jurídico Tributário ............................................................................ 85

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SEGUNDA PARTE – TEORIA DAS PROVAS EM FACE DOS PRINCÍPIOS

CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS ............................................................................... 91

4. NOÇÕES GERAIS SOBRE A PROVA ........................................................................... 91

4.1 A linguagem jurídica das provas ........................................................................................ 92

4.2 Definição do conceito de prova .......................................................................................... 94

4.3 A função persuasiva das provas.......................................................................................... 97

4.4 Finalidade da prova ............................................................................................................ 99

4.5 Objeto da prova: um fato jurídico tributário ..................................................................... 100

4.6 Espécies de meios de prova .............................................................................................. 102

4.6.1 Confissão ....................................................................................................................... 103

4.6.2 Documento .................................................................................................................... 105

4.6.3 Depoimento Testemunhal .............................................................................................. 106

4.6.4 Prova Pericial ................................................................................................................. 108

4.6.5 Prova Direta e Prova Indireta ........................................................................................ 109

4.6.6 Prova obtida por meio ilícito ......................................................................................... 113

4.7 Ônus da prova ................................................................................................................... 114

5. ALGUNS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS IN FORMADORES

DO TEMA ............................................................................................................................. 116

5.1 Breve Introdução .............................................................................................................. 116

5.2 Princípio da Estrita Legalidade Tributária........................................................................ 121

5.3 Princípio da Segurança Jurídica ....................................................................................... 124

5.4 Princípio da Tipicidade da Tributação.............................................................................. 125

5.5 Princípio do Devido Processo Legal, Contraditório e Ampla Defesa .............................. 127

5.6 Princípio da Oficialidade (princípio do impulso oficial) .................................................. 130

5.7 Princípio da “Verdade Material” ...................................................................................... 131

5.8 Princípio da Proibição da Prova Ilícita ............................................................................. 133

5.9 Conclusão Parcial ............................................................................................................. 134

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TERCEIRA PARTE - BREVE PANORAMA SOBRE O PROCESSO

ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO ......................... ........................................................ 135

6. PROCEDIMENTO E PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRI O ................ 135

6.1 Considerações Introdutórias ............................................................................................. 135

6.2 Processo ou Procedimento? .............................................................................................. 137

6.3 O Procedimento Administrativo Tributário ...................................................................... 138

6.4 O Processo Administrativo Tributário .............................................................................. 140

6.5 Momento de produção probatória no processo administrativo tributário......................... 143

6.6 O Contraditório e a Ampla Defesa no Processo Administrativo Tributário..................... 145

6.7 Defesa e Instrução Probatória no Processo Administrativo Tributário ............................ 146

6.8 Revisibilidade dos Atos Administrativos ......................................................................... 147

7. LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO .................................................................................... 149

7.1 O papel da norma individual e concreta na formação do fato jurídico tributário ............. 149

7.2 Lançamento Tributário ..................................................................................................... 155

7.2.1 Definição ................................................................................................................. 155

7.2.2 Vocábulo “lançamento: plurivocidade .................................................................... 158

7.2.2.1 Ato ou Procedimento Administrativo: lançamento e a teoria dos atos

administrativos.................................................................................................................. 159

7.2.3 Estrutura do ato administrativo ................................................................................ 163

7.2.4 Os sujeitos credenciados a emitir a norma individual e concreta que documenta a

incidência tributária .......................................................................................................... 165

7.2.5 O conteúdo do ato de lançamento ............................................................................ 166

7.2.6 Os atributos do ato jurídico administrativo de lançamento ..................................... 167

7.2.6.1 Presunção de legitimidade .................................................................................... 168

7.2.6.2 Exigibilidade ......................................................................................................... 169

7.2.7 Distinção entre o lançamento e o auto de infração .................................................. 169

7.2.8 Espécies de Lançamento Tributário ........................................................................ 172

7.2.9 Presunção de legitimidade ou validade, presunção de veracidade ou presunção de

legalidade do ato administrativo? ..................................................................................... 174

7.2.10 A presunção de legitimidade do lançamento tributário ......................................... 175

7.2.10.1 A presunção de legitimidade do lançamento e o relato constante do antecedente

da norma individual e concreta do lançamento tributário ................................................ 178

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7.2.11 As provas em face da presunção de legitimidade do lançamento tributário ......... 182

7.2.12 A causa (motivo, motivação e o conteúdo) que enseja a existência e a regular

produção do ato administrativo e as provas...................................................................... 188

QUARTA PARTE – A RELEVÂNCIA DA TEORIA DAS PROVAS PA RA O

RECONHECIMENTO DO FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO, CONFORM E O

PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA ..................................................................... 192

8. A PROVA DO FATO JURÍDICO NO PROCESSO ADMINISTRAT IVO

TRIBUTARIO ...................................................................................................................... 192

8.1 Teoria das Provas: o papel da linguagem competente no Direito .................................... 193

8.1.1 Finalidade das provas no processo administrativo tributário .................................. 202

8.1.2 Objeto da prova: um fato jurídico tributário ............................................................ 204

8.2 A expedição do lançamento tributário e a constituição do fato jurídico tributário em

conformidade à teoria das provas ........................................................................................... 205

8.3 A teoria das provas na constituição e no reconhecimento do fato jurídico tributário ...... 223

8.4 Os deveres instrumentais como meio de constituição de prova de fatos jurídicos tributários

................................................................................................................................................ 231

8.5 Ônus da prova em matéria fiscal ...................................................................................... 232

8.6 A presunção de legitimidade e a legalidade do lançamento tributário ............................. 235

8.7 Falta de provas para o embasamento do fato jurídico tributário ...................................... 238

8.8 Provas e a Verdade Jurídica no Processo Administrativo Fiscal...................................... 245

8.9 Conclusão Parcial: a importância das provas no processo de aplicação do direito tributário

................................................................................................................................................ 251

8.10 Segurança Jurídica na constituição do fato jurídico tributário ....................................... 253

8.10.1 Princípio da segurança jurídica.............................................................................. 253

8.10.2 Limitações ao emprego de presunções e ficções em matéria tributária ................ 255

8.10.3 Segurança Jurídica na constituição do fato jurídico tributário .............................. 261

8.10.4 A prova no procedimento administrativo tributário e a segurança jurídica .......... 265

QUINTA PARTE – ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA ... ............................. 273

9. LEGISLAÇÃO ACERCA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRI BUTÁRIO .. 273

9.1 Breve Introdução .............................................................................................................. 273

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9.2 Decreto Federal n. 70.235/1972 ....................................................................................... 273

9.3 Lei n. 10.941/2001 ............................................................................................................ 275

9.4 Lei n. 2.315/2001 .............................................................................................................. 277

9.5 Lei Complementar n. 939/2003 ........................................................................................ 281

CONCLUSÕES ..................................................................................................................... 283

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 289

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INTRODUÇÃO

O trabalho ora proposto objetiva analisar a relevância das provas para a constituição

do fato jurídico tributário, em conformidade ao princípio da segurança jurídica, com o intuito

de se evidenciar, de forma mais precisa, os contornos em torno da investigação acerca da

prova da constituição do fato jurídico tributário no processo administrativo tributário.

O tema que se aborda no presente trabalho, e ao qual não se propõe à resposta

definitiva, é a teoria das provas e o fato jurídico tributário no processo administrativo

tributário. Ou seja, indaga-se como se dá a constituição do fato jurídico no Direito? E a

operatividade da incidência jurídica? Qual é a norma individual e concreta apta a embasar a

obrigação tributária? As provas são passíveis de demonstrar a verdade dos fatos? As provas

tem o condão de convencer o julgador acerca da ocorrência do fato? É possível à Fazenda

Pública arrecadar os tributos sem provar a ocorrência do fato jurídico gerador da obrigação

tributária? Como fica o fato jurídico diante da escassez de provas contudentes? A

Administração fica impedida de exorar o crédito tributário, em respeito aos direitos e

garantias fundamentais do cidadão contribuinte? A prova jurídica tem como objetivo conhecer

as manifestações sobre o fato?

Para tanto, tratando-se de um estudo com pretensões científicas, cabe ressaltarmos que

o assunto ora proposto requer incursões tanto nos meandros de Direito Tributário, Direito

Constitucional, Direito Processual Civil e Direito Administrativo, bem como torna- se

importante, também, incursões na Lógica Jurídica e na Teoria Geral do Direito.

É certo que, em conformidade à teoria comunicacional do Direito, cotidianamente,

diversos fatos que ocorrem no mundo concreto podem ser tanto relevantes quanto irrelevantes

para o Direito. Mas, um determinado fato somente será relevante ao Direito e ingressará no

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mundo jurídico quando tal fato for relatado em linguagem própria, competente ao Direito,

mediante a ocorrência da incidência da regra jurídica sobre o suporte fático.

A incidência se dá quando o aplicador do Direito, ao tomar o conhecimento de um

determinado fato que ocorreu no mundo empírico, o submeter aos critérios de identificação do

fato jurídico correlato, que encontram-se previstos no antecedente de uma norma geral e

abstrata, mediante a ocorrência da subsunção, descrevendo o fato em linguagem jurídica

competente.

Tal descrição deve se dar em consonância à linguagem jurídica, e, ainda, estar em

consonância à teoria das provas. Somente de tal modo é que deve ser passível de ocorrer a

juridicização, bem como permitir a incidência da norma sobre o fato, tornando-o jurídico.

É nesse contexto que pretendemos analisar o tema ora proposto, de modo a considerar

que o Direito, enquanto apresenta-se como um objeto cultural, criado pelo homem, encontra-

se construído em um universo de linguagem. Tudo o que não é vertido em linguagem

competente passa a ser irrelevante para o Direito.

Desse modo, pretendemos demonstrar que o fato jurídico tributário deve ser

constituído mediante as provas, enquanto que provas caracterizam-se como segmentos de

linguagem aptos a se demonstrar a verdade dos fatos, atestar que um evento ocorreu, bem

como permitir a construção do fato jurídico.

Em vista de diferentes controvérsias em torno do assunto, para conseguirmos conferir

coesão ao raciocínio que pretendemos implantar, fixaremos nossas atenções no exame pontual

de determinados tópicos que consideramos relevantes à sua compreensão, com o intuito de

estabelecer premissas relevantes para tecermos conclusões coerentes à compreensão final do

assunto.

Para tanto, para a análise do objeto de investigação do tema ora proposto, partimos de

cinco premissas essenciais, quais sejam: (i) a realidade é constituída por intermédio da

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linguagem, (ii) os segmentos de linguagem indicados pelo Direito para a constituição do fato

jurídico são as provas, (iii) a arrecadação do tributo somente deve ocorrer mediante a prova da

ocorrência do fato jurídico gerador da obrigação tributária, (iv) as provas assumem

fundamental importância sob ótica da imposição tributária, notadamente para embasar as

relações entre o Estado e os contribuintes, no âmbito dos atos de lançamento para a

constituição do crédito tributário e (v) a prova deve ser obtida mediante um procedimento

administrativo em que há obediência aos princípios constitucionais.

Cabe ressaltarmos que o foco a ser mirado no presente trabalho é a fase anterior à

litigiosa, ou seja, é a fase em que o agente competente irá pesquisar elementos de linguagem

aptos a embasar a conclusão quanto à ocorrência do evento, através do procedimento

tributário, mediante a colheita de provas que venham a lhe convencer acerca da existência do

evento tributário, com o fim de constituir o fato jurídico tributário, bem como a fase em que o

contribuinte possa verificar a atividade realizada pela autoridade administrativa, e, se

querendo, elaborar uma nova linguagem sobre ela, mediante a observância do contraditório.

Então, iniciaremos na Primeira Parte do trabalho tecendo algumas considerações

acerca dos conceitos fundamentais inerentes ao assunto, examinando, no Capítulo 1, a relação

existente entre a linguagem, o conhecimento, a verdade e a prova jurídica, para, desse modo,

fornecermos a base teórica de nossos estudos, com o intuito de demonstrarmos o pressuposto

de que é por intermédio da linguagem, e logo, das provas, e em conformidade às regras

existentes no sistema, que se é possível conhecer, construir, manter e atestar a veracidade dos

enunciados declaratórios do fato jurídico, que traduz a manifestação do evento. Para tanto,

teremos em mente que é a linguagem que constitui a realidade do ser cognoscente.

Ao partirmos desses pressupostos, examinaremos os contornos em torno da Verdade

Lógica, enquanto a verdade que se busca no curso do processo de positivação do direito, de

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modo que a análise do referido ponto se perfaz de extrema importância, pois a prova jurídica é

que visa demonstrar a “verdade” acerca da ocorrência de um determinado fato jurídico.

Ressaltamos, inicialmente, que a verdade a ser buscada no processo de positivação do

direito é a verdade lógica, ou também denominada verdade jurídica, como sendo àquela

alcançada mediante a constituição de fatos jurídicos em linguagem própria, na forma como o

Direito preceitua, sendo que, somente desse modo, um determinado fato dar-se-á por

juridicamente verificado, e, logo, será considerado verdadeiro.

Posteriormente, no Capítulo 2, abordaremos a fenomenologia da incidência tributária,

partindo da diferenciação entre evento, fato e fato jurídico, para, em seguida, tratarmos, de

forma mais específica, do fenômeno de incidência da norma jurídica tributária. Necessário se

faz informar que partimos da premissa de que na incidência jurídico-tributária, há a

linguagem do direito positivo projetando-se sobre o campo material das condutas

intersubjetivas, caracterizando, assim, o caráter constitutivo da linguagem jurídico-positiva, já

que o fato jurídico, enquanto construção lingüística, não confunde-se com a ocorrência

fenomênica que lhe serve de fundamento (evento).

Não poderíamos deixar de discorrer acerca da caracterização do fato jurídico

tributário. Para tanto, no Capítulo 3, examinaremos o modo de sua constituição, tecendo a

premissa principal de que é um evento ocorrido no mundo dos fenômenos, relatado em

linguagem competente, por autoridade e na forma prescrita pelo sistema do direito positivo,

que tem o condão de irradiar efeitos jurídicos, com eficácia em consonância à criação do

tributo. Realizaremos, assim, com base nessas premissas, uma análise acerca do fato jurídico

tributário e percorreremos o estudo da fenomenologia da incidência da norma jurídica

tributária.

Adentrando na Segunda Parte do trabalho, analisaremos, de modo mais específico, as

provas em face dos princípios constitucionais tributários. Assim, sendo um ponto relevante

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para, posteriormente, adentrarmos no tema principal, é a análise das provas, enquanto

linguagem jurídica que formaliza a incidência tributária e atesta a ocorrência e veracidade de

um determinado fato jurídico tributário. Para tanto, no Capítulo 4, discorreremos acerca das

noções gerais sobre a Teoria das Provas com o intuito de verificarmos um conceito de prova,

o objeto da prova e sua classificação, os meios de prova admitidos pelo sistema jurídico

brasileiro relevantes para o processo administrativo tributário, entre outros tópicos inerentes

ao assunto e essenciais à compreensão do tema objeto.

Destacamos que, tendo em vista a complexidade em torno da Teoria das Provas, o

nosso objetivo não é esgotar tal tema, mas sim tratá-lo de modo a permitir a compreensão

dentro do objeto de estudo do presente trabalho.

Assim o faremos para, posteriormente, no Capítulo 5, verificarmos alguns princípios

constitucionais tributários informadores do tema, tendo em vista que há princípios

constitucionais que preservam os direitos ou garantias fundamentais do cidadão contribuinte

contra as arbitrariedades e ímpetos do Fisco. Aqui, atentaremos para tratar especificamente

dos contornos dos princípios em torno do tema objeto de investigação, de modo a não esgotar

o assunto em torno dos princípios constitucionais.

Também se faz de extrema importância analisarmos as características do

Lançamento Tributário. É na Terceira Parte do trabalho, ao demonstrarmos um breve

panorama sobre o processo administrativo tributário, mais especificamente no Capítulo 6, que

empreenderemos a tarefa de analisar as especificidades do ato administrativo de lançamento,

enquanto ato privativo da autoridade administrativa, que detém como objetivo a verificação

da ocorrência do fato jurídico e a determinação da matéria tributável.

Com o intuito de delimitar o tema, temos a pretensão de analisar a relevância das

provas para a constituição do fato jurídico tributário em sede de procedimento e processo

administrativo. Diante de tal delimitação, explicitaremos, no Capítulo 7 os contornos em

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torno do Processo Administrativo Tributário, os procedimentos adotados pelo ente tributante,

com base na análise da legislação pertinente e suas recentes atualizações.

Finalmente, na Quarta Parte do trabalho, examinaremos a relevância da teoria das

provas para o reconhecimento do fato jurídico tributário, conforme o princípio da segurança

jurídica, momento no qual conjugaremos todos os elementos explicitados no desenvolvimento

do trabalho, para, com suporte neles, examinar a necessidade (ou não) de que a constituição

de um fato jurídico seja pautado em provas admitidas pelo direito.

Em subitens específicos constantes no Capítulo 8, trataremos de temas inerentes ao

objeto de investigação proposto, com o intuito de demonstrarmos e afirmarmos a importância

das provas para a expedição do lançamento tributário, e à conseqüente constituição do fato

jurídico tributário, com base nos princípios constitucionais, notadamente o princípio da

segurança jurídica, especialmente no processo administrativo tributário.

Por fim, na Quinta Parte do trabalho, no Capítulo 9, pretendemos demonstrar a

aplicação prática de toda a teoria analisada anteriormente, mediante a análise de algumas

legislações específicas do Processo Administrativo Tributário, tanto no âmbito federal, quanto

no âmbito estadual e municipal. Faremos incursões a determinados artigos da legislação

concernentes à produção probatória, de modo a destacar as diferenças e as semelhanças entre

tais legislações acerca do tema ora objeto de estudo.

Cabe ressaltarmos que, no decorrer do texto, demonstraremos a posição do Conselho

Administrativo de Recursos Fiscais, antes denominado Conselho de Contribuintes, bem como

do Tribunal Administrativo Tributário e da Secretaria de Estado de Fazenda de Mato Grosso

do Sul, mediante a exposição de diversas Consultas acerca do tema ora tratado, bem como,

também, ao final do trabalho.

Em síntese, nosso objetivo neste trabalho é, baseando na teoria comunicacional do

Direito e na Teoria Geral do Direito, focalizar a importância de que os fatos jurídicos

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tributários sejam constituídos somente se embasados em provas admitidas em direito, em sede

de processo administrativo fiscal, com o intuito de preservar os direitos e as garantias

fundamentais dos contribuintes.

Ainda, cumpre destacarmos que, no curso da exposição, não pretenderemos defender

os interesses de uma ou de outra parte envolvida na tributação (ente tributante ou sujeito

passivo), mas sim tão somente demonstrar fundamentos para que seja ressaltada a necessidade

em se legitimar o processo administrativo fiscal, mediante a prevalência dos interesses

garantidos pela Constituição Federal, notadamente a produção de provas como necessária à

busca da verdade e à caracterização do fato jurídico tributário, indispensável à justa e

constitucional tributação.

É o que faremos no curso deste trabalho, procurando que, de alguma forma, seja útil

aos estudos científicos de tão interessante tema.

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19

PRIMEIRA PARTE - COMPREENSÃO DOS CONCEITOS FUNDAMEN TAIS PARA

O ESTUDO DA IMPORTÂNCIA DAS PROVAS PARA A CONSTITUI ÇÃO DO

FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO

1. A RELAÇÃO ENTRE A LINGUAGEM, O CONHECIMENTO, A V ERDADE E A

PROVA JURÍDICA

A sociedade caracteriza-se como um sistema comunicacional, pois, o entendimento

entre dois ou mais indivíduos se dá através da transmissão de mensagem, por intermédio de

uma linguagem comum, estando a comunicação presente quando houver contato entre

indivíduos.

A comunicação caracteriza-se em qualquer situação interacional, ou seja, em atos de

ação, omissão, fala, e até mesmo de silêncio, pois, “se comportamento implica comunicação,

não é possível que um indivíduo, numa situação interacional, consiga não se comunicar.

Sempre que alguém agir ou omitir, falar ou calar, esse alguém estar-se-á comunicando,

ainda que não o faça intencionalmente. Isso faz do processo comunicativo uma constante no

mundo social”.1

No entanto, a comunicação somente ocorre mediante a linguagem, sendo que a

linguagem surgiu da necessidade de representar o que queria se comunicar, através da

transmissão de mensagem.

No longo processo o qual a linguagem passou, destaca-se a corrente do

Neopositivismo Lógico, ou simplesmente, do Positivismo Lógico, que André Felipe Saide

1 TOME, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2005. p. 39. Convém ainda a autora que “Se uma pessoa não se move ou fica calada, está-se comportando, pois a omissão também é modo de comportamento, conforme se observa na situação referida pelos citados autores: O homem que num congestionado balcão de lanchonete olha diretamente em frente ou o passageiro de avião que se senta de olhos fechados, estão ambos comunicando que não querem falar a ninguém nem que falem com eles; e, usualmente, os seus vizinhos recebem a mensagem e respondem adequadamente, deixando-os sozinhos”.

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Martins, com base em Luiz Alberto Warat e Albano Marcos Bastos Pêpe, define da seguinte

forma:

A criação do Neopositivismo Lógico é atribuída a um grupo que surgiu na década de 20 do século XX, denominado Circulo de Viena. Esse movimento, do qual se destaca, principalmente, a participação de Schlick, Neurath, Nagel e Carnap, recebeu outras denominações, como “Empirismo Lógico”, “Filosofia Analítica”, etc. Para os neopositivistas lógicos, uma oração só teria sentido quando se pudesse determinar a sua verdade, ou seja, quando as proposições tivessem correspondências direta com os fatos que descrevessem. Assim, orações não verificáveis eram relegadas ao campo da metafísica e excluídas da linguagem das ciências. Como bem exemplificam Luiz Alberto Warat e Albano Marcos Bastos Pepe, orações como “a outra face da lua é de cor verde” ou “eu sei que vou te amar” não teriam sentido porque nelas a verdade não pode ser constatada.2

Essa corrente do pensamento humano denominada Neopositivismo Lógico, ou

Positivismo Lógico, adquiriu ênfase na segunda década do século XX, em Viena, que, entre

outros pontos relevantes, atribuía extrema importância à linguagem, que considerava como o

instrumento por excelência do saber científico. Ou seja, os integrantes da referida corrente de

pensamento consideravam que, para a composição de um pensamento científico, os dados do

mundo devem ser passíveis de serem vertidos em uma linguagem rigorosa, de modo que,

somente há ciência onde há a precisão lingüística.3

Acerca da Linguagem e do Neopositivismo Lógico, destaca Aurora Tomazini De

Carvalho:

Na segunda década do século passado, adquiriu corpo e expressividade uma corrente de pensamento humano voltada à natureza do conhecimento científico, denominada Neopositivismo Lógico – também conhecinda como Filosofia Analítica ou Empirismo Lógico. (...) Os neopositivistas lógicos reduziram o estudo do conhecimento à Epistemologia e esta à análise das condições para se produzirem proposições científicas. Para esta corrente o discurso científico caracterizava-se por proporcionar uma visão rigorosa e sistemática do mundo. E, neste sentido, a preocupação da Epistemologia dirigia-se à identificação dos pressupostos para a construção de uma linguagem rígida e precisa, isto é, uma linguagem ideal para as Ciências.4

2 WARAT, L. A.; PÊPE, A. M. B. Filosofia do Direito: uma introdução crítica. São Paulo: Moderna, 1996. pp. 34-35 apud MARTINS, André Felipe Saide. A prova do fato jurídico tributário. 2007. 307 f. Tese (Doutorado em Direito) – Direito, Direito do Estado, Direito Tributário, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007. p. 6. 3 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário. Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008. p. 21. 4 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o constructivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2009. pp. 34-35.

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Desse modo, coadunando com a respectiva corrente de pensamento, verificamos a

importância da linguagem para a constituição da realidade, e logo, do conhecimento e do

direito, de modo que o estudo da linguagem, do conhecimento, da verdade e do direito,

enquanto sistema comunicacional, encontram-se inter-relacionados, sendo necessário o estudo

de tais conceitos para se firmar determinadas premissas fundamentais e prosseguirmos com o

estudo do tema principal.

Nesse passo, na tentativa de conferirmos coesão ao raciocínio a ser empreendido

adiante, abordaremos alguns conceitos fundamentais necessários à compreensão do estudo da

importância das provas para a constituição do fato jurídico tributário, com base nos

pressupostos do constructivismo lógico-semântico.

1.1 “Giro Linguístico”

O conhecimento, em conformidade à Filosofia do Conhecimento, somente

caracteriza-se quando há a linguagem atuando sobre a realidade, de modo que somente é

possível conhecermos porções do meio-envolvente através da constituição do mundo externo

e sensível em proposições, enquanto enunciados lingüísticos.

No entanto, o entendimento acerca da teoria do conhecimento nem sempre foi este.

Inicialmente, através do advento da filosofia da consciência, a teoria do

conhecimento centrava a sua análise na relação existente entre o sujeito e o objeto, sendo a

linguagem um mero instrumento secundário ao conhecimento. O entendimento era de que o

sujeito conectava-se ao objeto, por intermédio da linguagem. Partia-se, então, da análise do

objeto (ontologia), do sujeito (gnosiologia) e também da relação existente entre objeto e

sujeito (fenomenologia).

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Nesse contexto, a linguagem era vista como um mero instrumento ou meio apto a

realizar a ligação existente entre o sujeito e o objeto do conhecimento, entre o ser cognoscente

e a realidade, de modo a se buscar a verdade mediante a correspondência entre a proposição

lingüística e o objeto referido. O conhecimento era visto como a relação existente entre o

sujeito e o objeto.5

Acerca da filosofia da consciência, Aurora Tomazini de Carvalho bem ensina:

Existia, nesta concepção, uma correspondência entre as idéias e as coisas que eram descritas pela linguagem, de modo que o sujeito mantinha uma relação com o mundo anterior a qualquer formação lingüística. O conhecimento era concebido como a reprodução intelectual do real, sendo a verdade resultado da correspondência entre tal reprodução e o objeto referido. Uma proposição era considerada verdadeira quando demonstrava a essência de algo, já que a linguagem não passava de reflexo, uma cópia do mundo. (...) Segundo esta tradição filosófica, existia um mundo “em si” refletido pelas palavras (filosofia do ser) ou conhecido mediante atos de consciência e depois fixado e comunicado aos outros por meio da linguagem (filosofia da consciência).6

Desse modo, com base nesta concepção, a linguagem não era ainda considerada

como condição para se obter o conhecimento, mas tão somente era vista como um mero

instrumento que detinha a função de representar a realidade, tal como ela se apresentava e era

conhecida pelo sujeito cognoscente.

Posteriormente, mediante uma mudança na concepção da filosofia do conhecimento,

a filosofia da consciência deu advento à filosofia da linguagem, que obteve o termo inicial

com Ludwing Wittgenstein mediante sua obra Tractatus lógico-philosophicus, e o movimento

filosófico denominado “giro linguístico”.

De acordo com esse novo paradigma, ocorreu um rompimento da forma tradicional

de se conceber a relação entre a linguagem e o conhecimento, sendo que a linguagem deixou

de ser um mero instrumento de comunicação de um conhecimento que já havia sido realizado

e passou a ser vista como algo que independe do mundo da experiência e até mesmo sobre ela

5 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário.., 2005. p. 01. 6 CARVALHO, A. T. de. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-semântico..., 2009. p. 13.

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se sobrepõe pois tornou-se capaz de criar tanto o ser cognoscente quanto a realidade, visto que

entendiam que a compreensão da realidade se daria mediante a preexistência da linguagem.

Acata-se, nesse ponto, a lição de Tácio Lacerda Gama, que, ao lecionar acerca do

movimento filosófico denominado “giro-linguístico”, nos ensina:

O “giro-linguístico” surge como proposta de superação da filosofia da consciência. O argumento central para essa ruptura é a mudança na forma de conceber a relação entre linguagem e conhecimento. Sob a vigência da filosofia da consciência, a linguagem era vista como simples instrumento entre o sujeito e o objeto do conhecimento. A escolha do método de investigação seria determinada pelo tipo de objeto a ser estudado. Já a verdade seria fruto da correspondência entre a proposição lingüística e o objeto de estudos. Para os autores do “giro linguístico”, toda forma de compreensão se dá na linguagem. Com efeito, a linguagem deixa de ser concebida como um mero instrumento que ligaria o sujeito ao objeto do conhecimento. Nas palavras de DADO SCAVINO, a linguagem seria um léxico capaz de criar tanto o sujeito como o objeto do conhecimento. Sem linguagem ou antes dela, não seria possível compreender o que é sujeito, tampouco o que vem a ser objeto. Por isso, tudo aquilo que se pode compreender é linguagem.7

Desse modo, a linguagem passou a caracterizar-se como uma condição de

possibilidade para a constituição do conhecimento, em que, conforme afirma Dardo Scavino,

“a linguagem deixou de ser um meio, algo que estaria entre o sujeito e a realidade, para se

converter num léxico capaz de criar tanto o sujeito como a realidade”.8

O interesse passou a centrar-se na linguagem, e, assim, passou a se pressupor que

para a compreensão das coisas, deve-se haver a preexistência de linguagem, sendo que ela

pode até mesmo ser capaz de criar tanto o ser cognoscente quanto a realidade.

Como bem assinala Fabiana Del Padre Tomé, “nessa concepção, o conhecimento

não aparece como relação entre sujeito e objeto, mas como relação entre linguagem, entre

significações”.9 A partir daí, o interesse passou a centrar-se na análise da linguagem.

Reportamo-nos novamente às lições de Aurora Tomazini de Carvalho:

7 GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de Intervenção no domínio econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2003. p. 31. 8 SCAVINO, Dardo. La filosofia actual: pensar sin certezas. Buenos Aires: Paidos Postales, 1999. p. 12. 9 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 01.

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Não existe mais um mundo “em si”, independente da linguagem, que seja copiado por ela, nem uma essência nas coisas para ser descoberta. Só temos o mundo e as coisas na linguagem; nunca “em si”. Assim, não há uma correspondência entre a linguagem e o objeto, pois este é criado por ela. A linguagem, nesta concepção, passa a ser o pressuposto por excelência do conhecimento.10

Esse interesse pela linguagem corresponde à corrente filosófica denominada

Filosofia Analítica ou Neopositivismo Lógico, que consiste na análise da linguagem.

Os neopositivistas lógicos consideravam que a construção de uma ciência depende

da tradução dos acontecimentos do mundo em uma linguagem rigorosa. O objeto principal,

então, se perfazia na análise da linguagem, pois era vista como necessária para a compreensão

da realidade. Por isso, o professor Paulo de Barros Carvalho, ao discorrer acerca do tema,

assevera que “compor um discurso científico é verter em linguagem rigorosa os dados do

mundo, de tal sorte que ali onde não houver precisão lingüística não poderá haver

Ciência”.11

Sendo assim, na concepção do movimento filosófico “giro-linguístico”, o mundo é

resultante de uma construção em linguagem. A realidade, para tal corrente, se constitui a

partir da expressão dos acontecimentos em linguagem. Tal afirmação vai de encontro ao

proposto pelos integrantes do Círculo de Viena, visto que defendiam que ao ser cognoscente

somente é dado conhecer o mundo por intermédio da linguagem.

Ludwing Wiitgenstein, em sua obra Tratactus Lógico-Philosophicus enquanto

precursor do movimento filosófico “giro linguístico”, afirmava que a linguagem e o mundo

são coextensivos, ou seja, os limites de um são os limites do outro, ao propor, na proposição

5.6, que “os limites da minha linguagem denotam os limites do meu mundo”.12 Nesse passo, o

mundo exterior somente passa a existir para o sujeito cognoscente quando há uma linguagem

que constitua, linguisticamente, em enunciados, tal mundo.

10 CARVALHO, A. T. de. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-semântico..., 2009. p. 13. 11 CARVALHO, P. de B. Direito Tributário. Linguagem e Método..., 2008. p. 21. 12 WIITGENSTEIN, Ludwig. apud ESTEVES, Maria do Rosário. A prova do fato jurídico no processo administrativo tributário. 2005. 234 F. Tese (Doutorado em Direito) – Direito, Direito do Estado, Direito Tributário. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2005. p. 23.

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É, então, na filosofia da linguagem que nos firmamos para a consecução do presente

trabalho, mais precisamente por aquilo que se convencionou chamar de “giro lingüístico”,

pois partiremos do entendimento, em conformidade a tal movimento filosófico ora analisado,

de que o mundo somente é passível de ser compreendido, e logo, de ser conhecido, mediante a

análise da linguagem.

1.2 Linguagem e comunicação

Em conformidade ao defendido pelos integrantes do Círculo de Viena, e, a partir da

proposição 5.6 elaborada por Ludwing Wiitgenstein, ao ser cognoscente somente é dado

conhecer o mundo por intermédio da linguagem. Quanto maior e mais ampla a linguagem que

o ser cognoscente possui, um maior número de objeto são cognoscíveis por ele.

Nesse contexto, partimos do pressuposto de que a linguagem exerce uma função

constitutiva da realidade, ou seja, a realidade somente aparece ao ser cognoscente por

intermédio da linguagem.

Mas, o que é linguagem? O conceito de linguagem foi reformulado a partir do

movimento filosófico denominado “giro-linguístico”, que, na teoria do conhecimento, passou

a ser vista não apenas como instrumento apto a realizar o elo entre o sujeito e o objeto de

conhecimento, mas sim passou a ser entendida como necessária para se compreender o que

seja o sujeito e o que seja objeto, possuindo uma função mais ampla, pois permite a

compreensão e toda e qualquer forma de entendimento.13

A linguagem se perfaz de fundamental importância pois ela é o veículo que o

homem utiliza para se comunicar, sendo a linguagem a capacidade do ser humano de se

comunicar.

13 GAMA, T. L. Contribuição de Intervenção no domínio econômico..., 2003. p. 31.

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Desse modo, observa-se a relação existente entre a linguagem e a comunicação. Ou

seja, em uma conversação, mediante a presença dos elementos comunicacionais (receptor,

emissor, mensagem, canal, código e contexto), a comunicação, e logo, a transferência de

comunicação entre um emissor e um receptor se dá por intermédio da linguagem, seja qual for

a sua forma, ou seja, falada, escrita, por gestos, entre outras.

Partindo da Semiótica, tida como a ciência dos signos, podemos afirmar que a

linguagem é o mais importante sistema de signos, pois, tal como afirma Clarice von Oertzen

de Araujo, “é a partir dele (sistema semiótico) que outros sistemas de comunicação se

constroem, uma vez que a linguagem verbal é a única que comporta a possibilidade de seu

uso para falar de outros sistemas de signos”.14

A comunicação humana é permitida mediante a unidade do sistema denominada

“signo”, sendo este fundamental para a formação do conhecimento. O signo possui status

lógico de relação em que, conforme classificação desenvolvida por Edmund Husserl, o

“triângulo básico” do modelo analítico de comunicação sígnica é formado pelos seguintes

componentes: suporte físico, que associa-se a um significado e a uma significação.

Nessa linha de raciocínio, acerca da importância da linguagem, em um contexto de

comunicação, Clarice von Oertzen de Araujo destaca:

A linguagem inclui-se entre as instituições humanas resultantes da vida em sociedade. O direito é apenas uma das formas sociais institucionais que se manifesta através da linguagem, a qual possibilita e proporciona a sua existência. A linguagem é o veículo do qual se utiliza o homem para comunicar-se.15

Com efeito, partindo da linguagem que detém a função constitutiva da realidade, pois

ao ser cognoscente somente é passível conhecer o mundo por intermédio da linguagem,

destacamos que determinadas porções da realidade, delimitadas no tempo e no espaço,

14 ARAUJO, Clarice von Oertzen. Semiótica do Direito. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 17. 15 Ibidem, p. 19.

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somente serão conhecíveis pelo sujeito cognoscente caso estejam caracterizadas com a

presença lingüística, formando assim, os fatos (sociais, políticos, econômicos, jurídicos,

dentre outros), e permitindo que haja a comunicação e a interação entre os indivíduos.

Portanto, atentamos para a relação existente entre a linguagem e a comunicação, pois,

sendo a linguagem constitutiva da realidade, a linguagem é o veículo que o homem utiliza

para comunicar, mediante a emissão de proposições descritivas para referir-se a coisas e

eventos, permitindo, assim, a interação e a comunicação por intermédio da linguagem.

Somente por intermédio da linguagem se possibilita que se tenha comunicação, e logo, a

existência da sociedade pois o processo comunicativo é essencial no mundo social, sendo que

a linguagem permite que o entendimento entre homens, mediante a existência de uma

linguagem comum que permita a comunicação.16

1.3 Realidade, conhecimento e linguagem

Cumpre ressaltar, inicialmente, a premissa que adotamos de que a linguagem se

perfaz de extrema relevância ao conhecimento, já que o conhecimento encontra-se inserido

dentro de um processo comunicacional, somente existindo no plano do enunciado, sendo, por

natureza, lingüístico.

Ou seja, a realidade é a expressão e a construção em linguagem dos acontecimentos,

o que importa dizer que o conhecimento da realidade, e logo, do mundo exterior, somente é

possível de ser comunicado através da linguagem e seus enunciados.

16 Oportuno é o ensinamento de Fabiana Del Padre Tomé: “Para que se tenha comunicação, uma das condições necessárias é a existência de linguagem, idiomática ou não. Tal é a indissociabilidade entre comunicação e linguagem que esta tem sido entendida não apenas como código mediante o qual se realiza o ato comunicativo, mas também, em sentido lato, como a própria comunicação. A presença inarredável da linguagem no processo comunicativo e o fato de a comunicação ser elemento integrante do sistema social implicam a inexistência de sociedade sem linguagem, confirmando nossa assertiva de que o fato social é constituído por relato lingüístico, segundo as regras previstas pelo próprio sistema”. (TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 40.)

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Nesse sentido, Fabiana Del Padre Tome expõe que “só há realidade onde atua a

linguagem, assim como somente é possível conhecer o real mediante enunciados

lingüísticos”.17

Desse modo, contrapondo-se à filosofia da consciência, e, em conformidade à

filosofia da linguagem, o conhecimento somente caracteriza-se quando qualquer porção do

mundo exterior é apreendida pelo ser humano e constituído linguisticamente. De outro modo,

não há que se falar na ocorrência do conhecimento. Ressalta-se, assim, novamente, a

essencialidade da linguagem para a constituição do conhecimento.

Passemos, então, a uma breve análise do que seja o conhecimento.

Em conformidade a Miguel Reale “para que haja conhecimento, é necessário que o

sujeito esteja em intencionalidade de conhecer, assim como é necessário que algo exista que

possa ser apreendido pelo sujeito”.18 Ou seja, o autor aduz que para a caracterização do

conhecimento, o sujeito deve possuir a intenção de conhecer alguma porção do mundo

exterior.

Por sua vez, Fabiana Del Padre Tomé afirma que “o conhecimento consiste em saber

distinguir as proposições verdadeiras das falsas, proposições estas caracterizadas por

descreverem estados de coisas”.

Prosseguindo, afirma, ainda, que se perfaz como objeto do conhecimento as

proposições que descrevem as coisas, e não as coisas propriamente ditas, sendo que “não são

as coisas, portanto, verdadeiras ou falsas: os enunciados a elas referentes é que se sujeitam a

essa espécie de valoração”.19

17 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 03. 18 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 115. 19 TOMÉ, F. D. P., op. cit., p. 02. Leciona também Aurora Tomazini de Carvalho: “Já não há mais verdades absolutas. Sabemos das coisas porque conhecemos a significação das palavras tal como elas existem numa língua, ou seja, porque fazemos parte de uma cultura. Na verdade, o que conhecemos são construções lingüísticas (interpretações) que se reportam a outras construções lingüísticas (interpretações), todas elas condicionadas ao contexto sociocultural constituído por uma língua. Neste sentido, o objeto do conhecimento não são as coisas em si, mas as proposições que as descrevem, porque delas decorre a própria existência dos

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Em conformidade à autora, o conhecimento de algo se dá mediante a possibilidade

de enunciar determinadas proposições descritivas verdadeiras acerca de eventos ou pessoas, e

não mediante o contato direto com as coisas propriamente ditas, sendo passível de

diferenciação as descrições verdadeiras das falsas.

Por sua vez, Maria do Rosário Esteves, baseada nos ensinamentos do ilustre

professor Alaor Café Alves, aduz:

Conhecer, segundo o mestre da USP, Alaor Café Alves, é a operação imanente pela qual um sujeito pensante representa um objeto. Ou, em outras palavras, é o ato de tomar um objeto presente à percepção, a imaginação ou à inteligência de alguém. E o ato de perceber, imaginar ou pensar um objeto. Nesse sentido, o processo cognitivo está fundado, portanto, em três elementos: a representação, o objeto representado e o sujeito que representa o referido objeto. Este, o objeto, não pode ser colocado como algo físico ou material que está “fora” do nosso pensamento. Não pode ser confundido com a “coisa em si”, esta sim, entendida como algo que está além da consciência, portanto, fora do sujeito.20

Cabe citarmos também o ensinamento de Aurora Tomazini de Carvalho que, ao

lecionar acerca do conhecimento, o caracteriza como “forma da consciência humana por meio

da qual o homem atribui significado ao mundo (isto é, o representa intelectualmente). Neste

sentido, conhecer algo e ter consciência sobre este algo, de modo que se perder a consciência

o ser humano nada mais conhece”.21

O conhecimento se dá, então, mediante a possibilidade de emitir proposições

verdadeiras ou falsas para referir-se e descrever determinadas coisas e eventos do mundo real,

tratando-se, assim, de um saber emitido através de proposições descritivas, e ainda, mediante

a possibilidade de relacionar as proposições em forma de raciocínios, de forma coerente

Sendo assim, o conhecimento é proposicional, o que se dá mediante a construção de juízos,

por intermédio da linguagem.

objetos”. (CARVALHO, A. T. de. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-semântico..., 2009. p. 14.) 20 ESTEVES, M. do R. A prova do fato jurídico no processo administrativo tributário.., 2005. p. 25. 21 CARVALHO, A. T. de. op. cit., p. 06.

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Ressaltamos, então, que não há conhecimento sem linguagem. Em conformidade à

perspectiva filosófica denominada “filosofia da linguagem”, um determinado objeto não é

passível de ser conhecido tal como ele se apresenta fisicamente, mas sim faz-se necessário

considerar os discursos que os relatam e os constituem, interpretando-os. Por isso,

concordamos que o mundo exterior não existe para o sujeito cognoscente sem uma linguagem

que o constitua.

E quem emite tais proposições é o sujeito do conhecimento, ou seja, àquele ser que

se encontra inserido em uma comunidade que se comunica por intermédio da linguagem.

É, então, tanto o conhecimento quanto o seu objeto (proposições às quais se atribui

valores verdade e falsidade) uma construção intelectual, em que a sua existência se dá

mediante a linguagem. Somente quando há a constituição da realidade em enunciados

lingüísticos, é que se é possível conhecê-la. Nesse contexto, cabe, novamente, lembrarmos da

afirmação de Ludwig Wittgenstein, para quem “os limites da minha linguagem significam o

limite do meu mundo”.22

Caso contrário, se a realidade não for constituída pela linguagem, caracterizará tão

somente como meras sensações, de modo que não ensejará o conhecimento em sua forma

plena. Conseqüentemente, tais proposições objetos do conhecimento podem ser consideradas

verdadeiras ou falsas, de modo que, caso se queira refutar uma determinada proposição, deve-

se emitir outros enunciados.

Desse modo, entendemos que conhecer algo demonstra que uma determinada

realidade foi construída intelectualmente, mediante a constituição em linguagem para o

sujeito cognoscente, e não mediante a simples apreensão mental da realidade.

Nesse contexto, tendo em vista que o conhecimento da realidade somente é possível

mediante a expressão e constituição dos acontecimentos em linguagem, através da emissão de

22 WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus lógico-philosophicus. p. 111 apud CARVALHO, A. T. de. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-semântico..., 2009. p. 11.

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proposições descritivas referente às coisas, acontecimentos ou eventos, observamos que o

conhecimento ocorre em um processo comunicacional, e, por isso, caracteriza-se como sendo

eminentemente lingüístico. Somente por intermédio da linguagem que se é possível afirmar a

existência de algo, já que é por intermédio dela que se e possível fixar e transmitir idéias.

O Emérito Professor Paulo de Barros Carvalho assim ensina sobre o tema:

O “mundo da vida”, com as alterações ocorridas no campo das experiências tangíveis e submetido a nossa intuição sensível, naquele “caos de sensações” a que se referiu Kant. O que sucede neste domínio e não é recolhido pela linguagem social não ingressa no plano por nos chamado de “realidade”, e, ao mesmo tempo, tudo que dele faz parte encontra sua forma de expressão nas organizações lingüísticas com que nos comunicamos; exatamente porque todo o conhecimento é redutor de dificuldade, reduzir as complexidades do objeto da experiência e uma necessidade inafastável para se obter o próprio conhecimento.23

O conhecimento somente é possível por intermédio da linguagem, e, desse modo,

pressupõe a existência da linguagem, já que é a linguagem que o constitui, bem como é ela

que o destrói. É certo afirmar, então, que algo somente pode ser conhecido pois o homem o

constrói e se comunica por intermédio de sua linguagem, inserido em um contexto

comunicacional.

Nesse sentido, é o que expõe Susy Gomes Hoffmann, ao expor a relação existente

entre conhecimento e linguagem:

Com muita propriedade explica Susy Gomes Hoffmann que o conhecimento surge de uma relação (a relação do objeto com o sujeito), sendo que, para essa relação ser fomentada, deve haver comunicação. Havendo comunicação, pressupõe-se a existência da linguagem que o sujeito aplica sobre determinado objeto e, assim, transmite a sua percepção a outro sujeito e assim sucessivamente.24

Nesse passo, ao ser humano somente é possível conhecer o mundo quando o

constitui linguisticamente em seu intelecto. Mas, observa-se que a linguagem do sujeito do

23 CARVALHO, P. de B. Direito Tributário: linguagem e método..., 2008. p. 07. 24 HOFFMANN, Susy Gomes. Prova no direito tributário. Campinas: Copola, 1999. p. 44 apud MARTINS, A. F. S. A prova do fato jurídico tributário..., 2007. pp. 18-19.

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conhecimento não reflete, exatamente, a realidade, mas sim ela somente poderá ser construída

mediante a interpretação do sujeito cognoscente. Nas basta tão somente a simples apreensão

mental de um objeto que possui existência concreta, pois é o intelecto do homem quem

produz os objetos que conhecemos, mediante a interpretação.

Paulo de Barros Carvalho afirma que “(...) a interpretação é tema fundamental e,

sem ela, não teremos acesso ao conhecimento do direito”. 25

Seguindo o entendimento de Nicola Abbagnano, tal interpretação, e

conseqüentemente o conhecimento, encontra-se condicionado ao contexto em que encontra-se

inserido, ou seja, é influenciado pelo meio social, pelo tempo histórico, e bem como pela

experiência de vida do sujeito cognoscente, sendo que os elementos que compõem tal

contexto condicionam e influenciam a significação de um enunciado.26

Sendo, então, o conhecimento passível de ser constituído somente através de

construção lingüística, deve-se atentar que a linguagem não apenas reflete as coisas tal como

elas são, sem qualquer influência cultural, mas sim encontra-se sujeito à atividade

interpretativa. Desse modo, a significação de um vocábulo que expressa uma determinada

coisa da realidade deve depender do vínculo que se estabelece com outras palavras.

Nesse passo, o conhecimento fruto de construções lingüísticas encontra-se sujeito à

refutação por outras proposições. Ou seja, as proposições que constituem a realidade devem

ser consideradas “verdadeiras” ou “falsas” mediante a emissão de outros enunciados, através

da elaboração de outras interpretações e outros discursos, e não somente remetendo-se a

outros fatos “tal como são”.27

Vejamos a preciosa lição de Fabiana Del Padre Tome acerca do assunto:

25 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 96. 26 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia.Tradução de Alfredo Bosi e Ivone Castilho Benedetti. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 199. 27 ESTEVES, Maria do Rosario. Os meios de prova no processo administrativo tributário in SANTI, Eurico Marcos Diniz de (coord.). Segurança Jurídica na Tributação e estado de direito. São Paulo: Noeses, 2005. pp. 23-24.

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33

A significação de um vocábulo não depende da relação com a coisa, mas do vínculo que estabelece com outras palavras. Nessa concepção, a palavra precede os objetos, criando-os, constituindo-os para o ser cognoscente. Como anota Dardo Scavino, “não existem fatos, só interpretações, e toda interpretação interpreta outra interpretação”. Daí a conclusão de que se a coisa não precede a interpretação, só aparecendo como tal depois de ter sido interpretada, então é a própria atividade interpretativa que a cria. Exemplificando: se uma árvore cai e forma obstáculo à passagem por determinada rua, mas ninguém toma conhecimento desse evento, não há, no mundo social, o fato correspondente. A partir do momento em que a comunidade fica sabendo da ocorrência de tal fenômeno, tem-se constituído o fato social, por ter sido interpretado por alguém e vertido na linguagem da comunicação social. Assim é que, não obstante a árvore possa ter caído naturalmente, por estar muito velha, o fato social, decorrente da interpretação humana, pode consistir em “a árvore foi derrubada por alguém” ou “a árvore caiu em virtude de um temporal” ou, ainda, “a árvore foi derrubada por forças do além” etc. Em suma, o fato inexiste antes da interpretação. É o ser humano que, interpretando eventos ou até mesmo empregando recursos imaginativos, cria o fato, fazendo-o por meio da linguagem, entendida como o uso intersubjetivo de sinais que tornam possível a comunicação.28

Neste sentido, o conhecimento somente é possível por intermédio da linguagem,

pois, somente através dela é que é possível compreender as coisas existentes no mundo e criar

a existência da realidade do ser cognoscente, Logo, “a linguagem cria ou constitui a

realidade”.29

E, ainda, a linguagem não demonstra, exatamente, a realidade tal como ela é, mas

sim a realidade somente será construída a partir da interpretação que é realizada pelo sujeito

cognoscente.

1.4 Direito Positivo como um subsistema comunicacional: sistema de linguagem

prescritiva

O Direito, enquanto sistema de normas que tem como objetivo regulamentar as

condutas humanas em sociedade, apresenta-se, invariavelmente, como um fenômeno de

28 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. pp. 03-04. 29 Ibidem., p. 06.

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linguagem, de modo que expressa-se por intermédio de linguagem. Deve, então, o Direito ser

analisado em conformidade à Teoria Comunicacional do Direito.30

Assim, podemos verificar que a linguagem participa da constituição do Direito, de

modo que não é possível cogitar a sua manifestação sem uma linguagem que lhe sirva de

veículo de expressão.31

Nesse sentido, leciona Christiano José de Andrade, ao afirmar que “o direito só se

exterioriza através da linguagem. Daí a dimensão lingüística do direito, de modo que o

elemento lingüístico possa servir como instrumento de interpretação”.32

O Direito, para Clarice von Oertzen de Araujo, é “um sistema de linguagem

artificialmente elaborado”. Pode, assim, ser considerado como um código artificial, pois

objetiva comunicar determinados padrões de comportamento (obrigatórios, permitidos ou

proibidos), atribuindo-lhes valores. Ato contínuo, afirma ainda:

O Direito como sistema comunica aos seus destinatários/usuários padrões de conduta social. Tais pautas de comportamento utilizam a linguagem escrita de uma forma hegemônica. (...) Trabalhando com a linguagem escrita, não implica grande dificuldade considerar o direito como um código artificial, assim considerados todos os códigos que se utilizam de uma língua(gem) natural (usada aqui como sinônimo de um idioma) como ferramenta ou pressuposto de constituição. As linguagens formalizadas são consideradas códigos artificiais pela teoria da comunicação. 33

30 Acerca da Teoria Comunicacional do Direito, Maria do Rosário Esteves expõe: “Essa teoria reconhece o direito como um sistema de comunicação, cujo objetivo é organizar a convivência humana mediante a regulação das ações. Desse modo, todos os elementos que compõem o direito são verbalizados e a linguagem é a forma de expressão do direito. O direito é linguagem e, dessa perspectiva, o direito é texto. Porém, todo texto está inserido em um contexto. Não há texto sem contexto, por isso, o direito é texto e contexto”. (ESTEVES, M. do R. A prova do fato jurídico no processo administrativo tributário..., 2005. p. 27) 31 Ressalta-se a lição de Fabiana Del Padre Tomé, ao acentuar: “A concepção da teoria comunicacional do direito tem como premissa que o direito positivo se apresenta na forma de um sistema de comunicação. Direito é linguagem, pois é a linguagem que constitui as normas jurídicas. Essas normas jurídicas, por sua vez, nada mais são que resultados de actos de fala, expressos por palavras e inseridos no ordenamento por veículos introdutores, apresentado as três dimensões sígnicas: suporte físico, significado e significação”. (TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 40). 32 ANDRADE, Christiano José de. O problema dos métodos da interpretação jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 103. 33 ARAUJO, C. v. O. Semiótica do Direito..., 2005. pp. 17-18.

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35

Cabe destacarmos que, cada linguagem se presta a constituir a sua realidade

mediante um subsistema próprio. Sendo o sistema social uma rede de comunicações, o Direito

é um subsistema, com uma comunicação diferenciada, que faz parte do sistema maior de

comunicação, ou seja, o sistema social. Do mesmo modo, faz parte desse sistema maior de

comunicação a linguagem natural, que constitui a realidade social, a linguagem técnico-

econômica, que constitui a realidade econômica, entre outras.

Aplicando tais noções à linguagem técnico-jurídica que constitui a realidade no

Direito Positivo, é possível notarmos que o subsistema jurídico encontra-se no interior do

macrosistema da sociedade, assim como demais outros subsistemas sociais, sendo que, cada

qual apresenta o seu código próprio.34

Atentamos assim que, o plano do Direito Positivo distingue-se do plano da realidade

social, em conformidade ao constructivismo lógico-semântico.

Nesse contexto, o subsistema comunicacional do Direito Positivo diferencia-se dos

demais pois, ao se manifestar através da linguagem, apresenta um tipo particular de

comunicação, que distingue-se da linguagem da realidade social, ou seja, mediante a adoção

do código lícito/ilícito (contrapondo-se ao código comunicação/não-comunicação utilizado

pelo sistema social), destina-se a regular os comportamentos intersubjetivos, mediante a

utilização de normas jurídicas, sendo que, sem ele, seria impossível a vida em sociedade.

Assim, somente ingressa no sistema do Direito Positivo àqueles fatos sociais que puderem ser

descritos no seu código (lícito/ilícito), mediante o relato em linguagem competente, que é a

34 Sobre o assunto, manifestou-se Gustavo Sampaio Valverde: “Esclarece Gustavo Sampaio Valverde que, não obstante a sociedade se apresente como um grande sistema, compreendendo todas as formas possíveis de comunicação, na modernidade encontra-se dividida em subsistemas parciais, dos quais são exemplos os sistemas político, jurídico, econômico e científico. Esses sistemas possuem códigos de comunicação próprios e específicas operações de reprodução de elementos, que lhes conferem um fechamento operativo e também uma forma peculiar de abertura cognitiva do ambiente”. (VALVERDE, Gustavo Sampaio. Coisa julgada m matéria tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2004 apud TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 41)

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36

forma de manifestação do Direito Positivo, enquanto conjunto de normas jurídicas válidas em

um território em um determinado momento.35

A despeito do tema, Lourival Vilanova atesta que somente a linguagem das normas

detém o condão de alterar as condutas humanas, afirmando que “(...) altera-se o mundo físico

mediante o trabalho e a tecnologia, que o potencia em resultados. E altera-se o mundo social

mediante a linguagem das normas, uma classe da qual é a linguagem das normas do

Direito”. 36

Assim, o Direito expressa-se mediante o uso de palavras e linguagem,

caracterizando-se como uma linguagem prescritiva de condutas. Exemplificando, no contexto

do Direito Tributário, bem como no contexto do objeto de investigação do trabalho ora

proposto, o agente administrativo, ao realizar o lançamento tributário, faz por intermédio do

uso de palavras. São as palavras, e logo, a linguagem, o modo de expressão do Direito.

A linguagem prescritiva do Direito Positivo, enquanto um complexo de normas

jurídicas válidas em um país, emite ordens e comandos ao projetar-se sobre as condutas

humanas nas relações intersubjetivas, visando organizá-las e orientá-las em direção aos

valores que a sociedade pretende implantar, estipulando como tais condutas devem ser, com o

caráter coercitivo que lhe é próprio. Para tanto, a linguagem prescritiva de condutas é objeto

da Lógica Deôntica, e expressa-se mediante os modais deônticos: “P”/permitido;

“V”/proibido e “O”/obrigatório.

Essa é a lição do professor Paulo de Barros Carvalho:

35 Nesse sentido, vejamos a lição de Celso Fernandes Campilongo: “(...) na rede de comunicações da sociedade, o direito se especializa na produção de um tipo particular de comunicação que procura garantir expectativas de comportamentos assentadas em normas jurídicas”. (CAMPILONGO, Celso Fernandes. O direito na sociedade complexa. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 162). Leciona ainda Fabiana Del Padre Tomé que “A concepção da teoria comunicacional do direito tem como premissa que o direito positivo se apresenta na forma de um sistema de comunicação. Direito é linguagem, pois é a linguagem que constitui as normas jurídicas. Essas normas jurídicas, por sua vez, nada mais são que resultados de atos de fala, expressos por palavras e inseridos no ordenamento por veículos introdutores, apresentando as três dimensões sígnicas: suporte físico, significado e significação”. (TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 40) 36 VILANOVA, Lourival . As estruturas lógicas e o Sistema de direito positivo. 4. Ed. São Paulo: Noeses, 2006. p. 42.

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O direito positivo está vertido numa linguagem, que é seu modo de expressão. E essa camada de linguagem, como construção do homem, se volta para a disciplina do comportamento humano, no quadro de suas relações de intersubjetividade. As regras do direito existem para organizar a conduta das pessoas, umas com relação às outras. (...) Seja como for, a disciplina do comportamento humano, no convívio social, se estabelece numa fórmula lingüística, e o direito positivo aparece como um plexo de proposições que se destinam a regular a conduta das pessoas, nas relações de inter-humanidade.37

Considerando que o conhecimento somente é passível através da linguagem, que

também permite a sua transmissão, o Direito, ao ordenar condutas, deve ser expresso por meio

de linguagem, mediante um conjunto de proposições formadas por normas jurídicas válidas. É

o Direito a linguagem que constitui as normas jurídicas, enquanto que norma jurídica “é a

significação que obtemos a partir da leitura dos textos do direito positivo”.38Assim, o

conjunto de normas jurídicas válidas encontram-se postas em um corpo de linguagem

prescritiva.39

Reproduzindo as brilhantes palavras do professor Paulo de Barros Carvalho acerca

do tema, que aduz:

(...) ali onde houver direito haverá sempre normas jurídicas, e onde houver normas jurídicas haverá, certamente, uma linguagem que lhes sirva de veículo de expressão. Pois bem, para que haja o fato jurídico e a relação entre sujeitos de direito que dele, fato, se irradia, necessária se faz também a existência de uma

37 CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário..., 2009.p. 02. Ressalta ainda o autor: “Firmemos a premissa de que o direito positivo é um corpo de linguagem, de cunho prescritivo, organizado para disciplinar o comportamento dos seres humanos no convívio social. É um plexo de proposições normativas destinado a regular a conduta das pessoas, nas suas relações de inter-humanidade” (Ibidem., p. 95). 38 Ibidem., p. 08. Afirma o professor acerca das normas jurídicas: “Trata-se (a norma jurídica) de algo que se produz m nossa mente, como resultado da percepção do mundo exterior, captado pelos sentidos. Vejo os símbolos lingüísticos marcados no papel, bem como ouço a mensagem sonora que me é dirigida pelo emissor da ordem. Esse ato de apreensão sensorial propicia outro, no qual associo idéias ou noções para formar um juízo, que se apresenta, finalmente, como proposição. (...) A norma jurídica é exatamente o juízo (ou pensamento) que a leitura do texto provoca em nosso espírito. Basta isso para nos advertir que um único texto pode originar significações diferentes, consoante as diversas noções que o sujeito cognoscente tenha dos termos empregados pelo legislador”. Continuando, ressalta ainda: “Por analogia aos símbolos lingüísticos quaisquer, podemos dizer que o texto escrito está para a norma jurídica tal qual o vocábulo está para sua significação. Nas duas situações encontraremos o suporte físico que se refere a algum objeto do mundo (significado) e do qual extratamos um conceito ou juízo (significação)”. 39 Afirma, ainda, o Eminente Professor Paulo de Barros Carvalho: “o plexo de normas jurídicas válidas está posto num corpo de linguagem prescritiva, que fala do comportamento do homem na comunidade social. Essa rede de construções lingüísticas é o que chamamos de sistema empírico do direito positivo, justamente porque está voltado para uma específica região material: certa sociedade, historicamente determinada no espaço e no tempo”. (Ibidem., p. 11)

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linguagem: linguagem que relate o evento acontecido no mundo da experiência e linguagem que relate o vínculo jurídico que se instala entre duas ou mais pessoas. E o corolário de admitirmos esses pressupostos é de suma gravidade, porquanto, se ocorrerem alterações na circunstância social, descritas no antecedente de regra jurídica como ensejadora de efeitos de direito, mas que por qualquer razão não vierem a encontrar a forma própria de linguagem, não serão consideradas fatos jurídicos e, por conseguinte, não propagarão direitos e deveres correlatos. 40

Com efeito, então, a realidade social é, assim, por então dizer, constituída pela

linguagem.41 E, sobre essa linguagem, incide a linguagem prescritiva do Direito Positivo, que

incorre em juridicização dos fatos e condutas, produzindo a linguagem da facticidade

jurídica.42

A linguagem prescritiva do Direito é aquela que, contrapondo-se à linguagem

descritiva, visa a expedição de ordens e comandos dirigidos ao comportamento humano.

Enquanto a linguagem prescritiva de condutas intersubjetivas, que constitui o Direito

Positivo, emite ordens e comandos dirigidos aos comportamentos intersubjetivos, ela

contrapõe-se à linguagem da Ciência do Direito, que, ao deter uma função descritiva, enuncia

o modo pelo qual as normas jurídicas, que são objetos dessa linguagem, devem apresentar-se,

caracterizando-se como uma metalinguagem em relação aos enunciados prescritivos.

Cabe destacarmos que os fatos são proposições que referem-se à porções da

realidade, delimitadas no tempo e no espaço. Assim, é através do fenômeno da incidência

40 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007. pp. 12-13. 41 Reportamos-nos, novamente, aos ensinamentos de Aurora Tomazini de Carvalho: “Temos para nos que a realidade não passa de uma interpretação, ou seja, de um sentido atribuído aos dados brutos que nos são sensorialmente perceptíveis. Não captamos a realidade, tal qual ela e, por meio da experiência sensorial (visas, tato, audição, paladar e olfato), mas a construímos atribuindo significado aos elementos sensoriais que se nos apresentam. O real ‘e, assim, uma construção de sentido e como toda e qualquer construção de sentido da-se num universo lingüístico. E neste contexto que trabalhamos com a afirmação segundo a qual a linguagem cria ou constrói a realidade”. (CARVALHO, A. T. de. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-semântico.., 2009. p. 16.) 42 Acerca do tema, cabe ressaltar a lição de Fabiana Del Padre Tomé, ao citar Gregorio Robles: “(...) o sistema jurídico mantém sua identidade em relação ao ambiente: ‘o próprio texto cria as ações que podem ser qualificadas como jurídicas, e o fato de regular a ação não significa que a ação jurídica exista antes do texto, mas sim que é o texto que a constitui. Por estranho que possa parecer, o homicídio como ação jurídica só existe depois que o texto jurídico prescreve o que é que se deve entender por homicídio’. Só aí tal ação ingressa no sistema do direito positivo”. (TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 44)

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jurídica em que o mero evento, ao adquirir expressão em linguagem competente, transforma-

se em fato, e logo, a linguagem do Direito constitui a realidade jurídica.

É o que afirma Maria do Rosário Esteves:

O direito usa as palavras para expressar-se, por exemplo, o legislador promulga uma nova lei, e o faz com palavras; o juiz dita uma sentença e o faz com palavras; os contratantes celebram um contrato e o fazem com palavras; o agente administrativo realiza o lançamento tributário e para isso utiliza-se de palavras. Assim, a teoria do direito deve ser concebida como a análise da linguagem dos juristas ou Teoria Comunicacional do Direito. Esta teoria reconhece o direito como um sistema de comunicação cujo objetivo é organizar a convivência humana mediante a regulação das ações. Desse modo, todos os elementos que compõem o direito são verbalizados e a linguagem é a forma de expressão do direito. O direito é linguagem e, dessa perspectiva, o direito é texto. Porém, todo texto está inserido em um contexto. Não há texto sem contexto, por isso, o direito é texto e contexto.43

Nesse contexto, o direito caracteriza-se como uma sobrelinguagem, ou linguagem de

sobrenível, tendo em vista que separa a realidade social mediante a juridicização dos fatos,

delimitando o território da facticidade jurídica. Diariamente, nos deparamos com

acontecimentos e fatos, que podem ser tanto relevantes quanto irrelevantes para o Direito.

O fenômeno da incidência jurídica somente irá caracterizar-se quando o mero evento

adquire expressão em linguagem competente transformando-se em fato. Somente o fato

jurídico pertence ao mundo jurídico, de modo que isso ocorre mediante a incidência da regra

jurídica sobre o suporte fático.

Cabe destacarmos ainda, apesar de o referido assunto ser aprofundando no próximo

capítulo, que a incidência não se dá automática e infalivelmente com o acontecimento do fato

jurídico tributário. O aplicador do Direito, ao tomar conhecimento do fato realizado no mundo

empírico, o submete aos critérios para a identificação do fato jurídico correlato e que

encontram-se previstos no antecedente de uma norma geral e abstrata, promovendo a

subsunção. Posteriormente, havendo uma identidade entre o fato já ocorrido e o fato

43 ESTEVES, M. do R. A prova do fato jurídico no processo administrativo tributário..., 2005. p. 27.

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hipotético previsto, o aplicador do Direito deve descrever o fato em linguagem jurídica com o

intuito de promover a sua juridicização, de modo que seja articulado em consonância à teoria

das provas. Logo, mediante a incidência da norma jurídica sobre o fato, ele passa a tornar-se

jurídico.

Somente o que é vertido em linguagem competente é que torna-se relevante ao Direito,

de modo que, havendo Direito, deve haver sempre linguagem.

Utilizemos-nos das palavras de Leonardo Furtado Loubet e Charles William

Mcnaughton, que trazem os contornos do tema com propriedade:

(...) salta à evidência que o direitos está permeado pela linguagem. Sendo o direito um conjunto de regras que tem por escopo organizar a vida das pessoas em sociedade, resta claro que esse objetivo só se torna possível através da linguagem, pela comunicação, na medida em que é a linguagem que põe em termos intersubjetivos as prescrições do direito. Como o direito não se ocupa com experiência intra-subjetivas, mas somente com a exteriorização de condutas em sociedades, a alteridade é um traço marcante do direito. Por isso que direito é linguagem. Direito não é só linguagem, mas é, necessariamente, linguagem. E linguagem é a capacidade do ser-humano para comunicar-se por intermédio de signos – eis a razão pela qual seu estudo é imprescindível, inarredável para a compreensão do grande processo comunicacional que é o direito, apesar de a linguagem ser tomada, aqui, como índice temático, e não como foco temático (Edmund Husserl).44

Para o Direito, a linguagem competente apta para a constituição do fato jurídico são as

provas, pois, somente por intermédio das provas que se é possível chegar à verdade dos fatos.

Para o direito, basta que a linguagem certifique o evento para que incorra no reconhecimento

jurídico. Se as provas indicarem que um determinado fato ocorreu, para o Direito tal estará

constituído.45

E ilustra André Felipe Saide Martins:

44 LOUBET, Leonardo Furtado; MCNAUGHTON, Charles William; SALOMÃO, Marcelo Viana (org.); PAULO JUNIOR, Aldo de (org.). A prova na percussão tributária. Processo Administrativo Tributário. São Paulo: MP Editora, 2005. p. 270. 45 CARVALHO, P. de B. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência..., 1998. p. 11.

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Exemplificando: A comete homicídio contra B no deserto do Sahara. Esse homicídio, per se, é um evento desprovido de qualquer juridicidade, ou seja, absolutamente desconhecido e inexistente para o direito. Mas, se for possível reportá-lo em linguagem própria, isto é, em linguagem aceita pelo direito e descrevê-lo conforme as provas legalmente admitidas, esse simples fato passa a ser capaz de desencadear efeitos jurídicos e de converter-se em fato jurídico. Obviamente, no processo de juridicização, o fato deverá ser subsumido à norma penal correspondente prevendo que matar alguém seria crime. (...) Ainda, com relação à hipótese acima suscitada, é bem possível que o crime nem sequer tenha ocorrido. Mesmo assim, se as provas requeridas o indicarem, para o direito ele estará constituído, porque para o reconhecimento jurídico basta que a linguagem certifique o evento. Percepções desse jaez nos permitem concluir que a linguagem é essencial tanto para reportar o objeto da ciência jurídica (conteúdo de normas jurídicas válidas) quanto para juridicizar um fato qualquer fazendo-o existir para o direito. Igualmente, é interessante observar que por meio da linguagem se definem as significações conceptuais e se comunica o conhecimento. 46

Admitido que somente torna-se relevante ao Direito o que é vertido em linguagem

competente, sendo que, para o Direito, a linguagem competente apta para a constituição do

fato jurídico são as provas, pois, somente por intermédio das provas que se é possível chegar à

verdade dos fatos, é que vamos passar à análise da relação existente entre a verdade e o

Direito, de modo a, posteriormente, construir a relação existente entre o Direito e a teoria das

provas.

Portanto, interessa-nos, para dar continuidade ao trabalho, que o Direito, enquanto um

subsistema comunicacional, caracteriza-se mediante uma linguagem prescritiva de condutas

intersubjetivas, prescrevendo como as coisas “devem-ser”, e não como as coisas “são”. Ou

seja, para que determinada situação seja considerada real dentro da realidade do direito

positivo, essa situação deve ser constituída em linguagem apropriada, ou seja, na linguagem

do Direito Positivo.

Tal análise de perfaz de fundamental importância na análise do objeto de investigação

ora proposto pois, analisando a operatividade do Direito, bem como a sua relação com a

linguagem, permite compreender como se dá a constituição de um determinado fato no

interior do sistema tributário, já que, somente as prescrições do Direito Positivo é que estão

46 MARTINS, A. F. S. A prova do fato jurídico tributário..., 2007. pp. 16-17.

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aptas a determinar os fatos aptos a desencadear os efeitos correspondentes, ou seja, àqueles

que encontram-se relatados mediante linguagem normativa, assim como àqueles que

implicam a instauração de vínculo obrigacional na esfera tributária.

1.4.1 Composição do sistema do Direito Positivo

O sistema do Direito Positivo caracteriza-se como um sistema lógico-deôntico, e

constitui-se mediante a linguagem prescritiva de condutas intersubjetivas. Nessa esteira, ele é

composto por unidades, que são as normas jurídicas.

As normas jurídicas compõem-se como juízos hipotéticos condicionais em que, ao

antecedente normativo, encontra-se relacionado o conseqüente normativo. O antecedente

normativo caracteriza-se como sendo o descritor da norma, enquanto que o conseqüente

normativo caracteriza-se como sendo o prescritor do direito. Tais elementos encontram-se

vinculados mediante o “dever-ser”.

Ou seja, as normas jurídicas compõem-se por uma hipótese, que são representativas de

uma determinada situação fática, representando um fato abstratamente ou concretamente, e

que implicam em uma conseqüência, que estabelece uma relação jurídica entre um sujeito

ativo e um sujeito passivo, indicando uma relação de caráter geral ou individual.

Nesse sentido, seguindo os ensinamentos do professor Paulo de Barros Carvalho,

podemos representar a estrutura normativa da seguinte forma:

H -------- F

Norma Jurídica dever ser neutro (não modalizado)

C ---------- (Sa --- Rj --- Sp) dever ser (modalizado)

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Mais, ainda, podemos dizer que, analisando o fenômeno da incidência jurídica,

existem duas espécies de normas, que surgem no curso do processo de positivação do direito e

às quais se aplica a referida estrutura normativa.

As normas gerais e abstratas e seus enunciados conotativos, tais como as regras-

matrizes de incidência tributária, que sendo veiculadas no corpo da lei, devido à sua

generalidade, indeterminação e abstração, não atuam, de forma direta, sob as condutas

humanas intersubjetivas, mas sim, com a intenção de atingir, de forma mais individual e

concreta sob os comportamentos das pessoas, são emitidas as normas individuais e concretas

e seus enunciados denotativos.

E, também, as normas individuais e concretas, tais como o lançamento tributário,

que são construídas e emitidas com fundamento nas normas gerais e abstratas. Para tanto

estabelecem que, em virtude da ocorrência de um determinado fato jurídico, deve,

conseqüentemente, fazer nascer uma relação entre um sujeito de direito que detém uma

obrigação, permissão ou proibição relativamente a um outro sujeito de direito.47

É por intermédio da norma individual e concreta que é possível ao aplicador

aproximar-se da disciplina dos comportamentos intersubjetivos, de modo que, ao relatar o

evento ocorrido, por conseguinte, constituir o fato jurídico tributário e a correspondente

obrigação.

Desse modo, observa-se que, para a caracterização da obrigação tributária e seus

efeitos legais, deve ocorrer, primeiramente, a prescrição geral e abstrata, o que se dá por

intermédio da lei. Tal norma geral e abstrata descreve um fato hipotético que, se vier a

ocorrer, implica no nascimento do respectivo vínculo obrigacional, mediante a instituição do 47 Cabe a ressalva feita por Maria Rita Ferragut: “(...) insistimos que as normas jurídicas não são somente as gerais e abstratas, veiculadas por meio de leis ordinárias, complementares, delegadas, decretos, etc. As individuais e concretas, bem como as gerais e concretas e individuais e abstratas, por integrarem a ordem jurídica, também são normas jurídicas. Portanto, não deve surpreender a afirmação de que a sentença judicial, o lançamento, ou mesmo o ato do contribuinte que declare a ocorrência do fato, e constitua a relação jurídica tributária, sejam veículos introdutores no sistema de normas individuais e concretas, sendo, por força disso, direito positivo”. (FERRAGUT, Maria Rita. Presunções no Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2005. pp. 41-42)

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tributo. No entanto, tal ocorrência é apenas um liame previsto abstratamente, de modo que

não basta apenas a existência da regra-matriz de incidência tributária instituindo um tributo.

Para que ocorra o surgimento concreto de tal liame previsto, se perfaz necessário que ocorra a

materialização do fato jurídico, o que se dá mediante o relato no antecedente de uma norma

individual e concreta, que seja resultado da aplicação do direito.

Desse modo, verificamos que, para que um determinado fato ingresse no sistema do

direito positivo, ele deve estar relatado mediante a linguagem normativa, pois, somente de tal

modo desencadeará os seus efeitos correspondentes. Assim sendo, as unidades que compõem

o sistema de direito positivo são as normas jurídicas

1.5 A Verdade

Na teoria do conhecimento, a verdade assume fundamental importância, tendo em

vista que o conhecimento é considerado o valor da verdade, mediante as proposições que

podem ser verdadeiras ou falsas, que objetivam descrever o estado das coisas.

Cabe ressaltarmos que a análise do referido item se perfaz de extrema importância,

pois a prova jurídica é que visa demonstrar a “verdade” acerca da ocorrência de um

determinado fato jurídico.

Nesse sentido, afirma Maria Rita Ferragut que “a prova e preferencialmente a

contraposição de provas visam a demonstrar a verdade ou a falsidade do significado de um

enunciado. Por contraposição entende-se a comparação do dado que se quer provar com

outros que confirmem ou infirmem a sua exatidão. A prova resultará da confirmação ou da

concordância dos dados confrontados”.48

48 FERRAGUT, M. R. Presunções no direito tributário..., 2005. p. 78.

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No processo tributário, seja ele administrativo ou judicial, deve-se primar pela busca

da verdade lógica, ou seja, a verdade construída a partir da relação entre as linguagens de um

determinado sistema.

Várias correntes de pensamento procuraram demonstrar o significado da verdade.

Dentre as quais podemos citar49:

i. Verdade por correspondência: sustenta que a verdade define-se pela adequação entre

determinado enunciado e a realidade referida. Sendo assim, um enunciado poder-se-ia

considerar verdadeiro quando fosse condizente com a realidade por ele descrita, e, de

outro modo, falso quando não fosse condizente.

ii. Fenomenalismo: é uma doutrina filosófica segundo a qual o homem tem acesso apenas

aos fenômenos, e não à coisa-em-si, de modo que considera a manifestação e a forma

pela qual as coisas aparecem aos olhos do sujeito cognoscente.

iii. Verdade por coerência: parte do pressuposto de que a realidade é um todo coerente,

sendo que a proposição a ser considerada verdadeira deve ser deduzida de outras

proposições e não pode ser contraditória a outras proposições, também,

comprovadamente verdadeiras.

iv. Verdade por consenso: sustenta que a verdade decorre de um acordo comum, ou

consenso, entre indivíduos de uma mesma comunidade lingüística, e não decorre da

relação entre enunciados lingüísticos e a realidade sensível. E, sendo assim, uma

determinada proposição é verdadeira quando assim for aceita por um determinado

grupo social, e logo, dentre vários enunciados, seria considerado verdadeiro àquele

que possuir maios credibilidade.

49 Conforme TOMÉ, F. D. P. A prova no Direito Tributário..., 2005. p. 10 e ss. e CARVALHO, A. T. de. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-semântico..., 2009. p. 24 e ss.

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v. Verdade pragmática: abandona o conceito de verdade no sentido de concordância

entre o pensamento e o ser, e sim sustenta que um enunciado é verdadeiro quando é

útil e apresenta efeitos práticos para quem o sustenta.

Nesse sentido, concordamos com a professora Fabiana Del Padre Tomé, que em

brilhante estudo sobre a prova no direito tributário, afirma que “a verdade que se busca no

curso de processo de positivação é a verdade lógica, quer dizer, a verdade em nome da qual

se fala, alcançada mediante a constituição de fatos jurídicos, nos exatos termos prescritos

pelo ordenamento: a verdade jurídica”.50

Assim, a verdade que se busca no direito deve ser alcançada mediante as provas e com

a contraposição das provas, com o intuito de se fazer conhecer a verdade, mediante a

verificação de existência de um determinado fato jurídico. Sendo assim, “somente se,

questionado ou não, o enunciado se pautar nas provas em direito admitidas, o fato é

juridicamente verdadeiro (verdade lógica)”.51

Portanto, a verdade lógica é um pressuposto básico do discurso comunicativo. A

verdade lógica é àquela em nome da qual se fala, e, sendo assim, quando alguém transmite

uma determinada mensagem descritiva, pressupõe que tal mensagem descritiva seja

verdadeira, em conformidade à verdade que seja aceita dentro de uma comunidade de

discurso. Concluímos, então, que um fato deve ser considerado verdadeiro quando emitido de

acordo com a interpretação aceita pelo sistema.

Nestes termos, pontua Aurora Tomazini de Carvalho:

Sempre que alguém transmite uma mensagem descritiva, o faz em nome de uma verdade que se pretende seja aceita dentro de uma comunidade de discurso. Sem tal pretensão, a informação perde o sentido dentro do contexto comunicacional. Neste sentido, a verdade é criada pelo ser humano no interior de um dado sistema, para dar sustentabilidade ao discurso deste sistema. Um fato é verdadeiro quando de acordo com uma interpretação aceita pelo sistema. Nestes termos, os enunciados verdadeiros apenas dizem o que uma coisa é para determinado conjunto de anunciados, com os quais se relaciona sistematicamente, não dizem como ela é para

50 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005 p. 25. 51 Ibidem., p. 35.

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todos os sistemas. Isto faz com que a verdade seja sempre relativa, dependendo do discurso em que se insere.52

E continua a autora:

A veracidade do fato jurídico depende unicamente do procedimento realizado para sua produção e é criada, pelo aplicador, dentro do sistema. O que se obtém em qualquer processo de positivação do direito é a verdade lógica, alcançada em conformidade com as regras de produção do fato jurídico. “Havendo construção de linguagem própria, na forma como o direito preceitua, o fato dar-se-á por juridicamente verificado e, portanto, verdadeiro”. Em suma, a verdade do fato jurídico é posta pelo ordenamento e só existe dentro dele, não fora e nem antes.53

Logo, a verdade de um determinado fato jurídico não se dá com a correspondência

entre o fato, enquanto enunciado, e o mundo da experiência (evento), já que ambos

encontram-se em sistemas diferentes, mas sim através da relação entre linguagens, mediante à

compatibilidade entre enunciados do mesmo sistema.

Tácio Lacerda Gama, ao tratar das consequências geradas pelo movimento filosófico

“giro-linguístico” e a reformulação de conceitos fundamentais à teoria do conhecimento,

discorre acerca da verdade dizendo:

A verdade é uma construção lingüística. A prova disso está no fato de que os objetos não se insurgem contra as teorias que os descrevem. A afirmação ou negação de uma tese é feita por outra tese. Por isso, a verdade não se dá pela correspondência entre a proposição e o objeto a ser interpretado, mas sim pelo consenso de verdade entre aqueles que lidam com a teoria. (...) Das várias possibilidades teóricas que este novo paradigma proporciona, cabe destacar uma: a idéia de verdade como construção lingüística. Não há mais essências a serem descobertas, não há mais verdades únicas e imutáveis. Todo o conhecimento é uma construção lingüística.54

Temos, então, que a verdade não caracteriza-se mediante a relação entre a palavra e a

coisa, mas sim deve se dar entre as próprias palavras, e, assim, entre linguagens, tomando,

então, a verdade como sendo decorrente da coerência e do consenso da proposição em relação

52 CARVALHO, A. T. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-semântico..., 2009. p. 535. 53 Ibidem., pp. 537-538. 54 GAMA, T. L. Contribuição de Intervenção no domínio econômico..., p. 33-34.

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ao seus sistema de referência, somente sendo possível a compreensão através da linguagem,

sendo, então, a verdade uma construção lingüística.55

1.5.1 A Verdade e o Direito Positivo

Já assinalamos anteriormente que a realidade é constituída e conhecida por

intermédio da linguagem, e, assim, o conhecimento do mundo exterior pressupõe a utilização

da linguagem. Conhecer não representa a simples apreensão mental de uma determinada

realidade, mas sim a construção intelectual dessa realidade, mediante a constituição em

linguagem.

Nesse contexto, o Direito caracteriza-se como uma linguagem prescritiva de

condutas, de modo que a linguagem do Direito Positivo, enquanto um complexo de normas

jurídicas válidas em um país, projeta-se sobre os comportamentos nas relações intersubjetivas,

visando organizá-las e orientá-las em direção aos valores que a sociedade pretende implantar.

Para tanto, ele constrói a sua própria realidade.

É nesse contexto que se observa a relação existente entre a verdade e o Direito. Ou

seja, somente sendo a compreensão e o conhecimento passíveis mediante a linguagem, logo, o

que se pode compreender sobre o Direito encontra-se na linguagem e, somente desse modo, é

possível se chegar à verdade.56

O professor Paulo de Barros Carvalho é enfático nesse sentido, ao afirmar que “(...) ali

onde houver direito haverá sempre normas jurídicas, e onde houver normas jurídicas haverá,

certamente, uma linguagem que lhe sirva de veículo de expressão”.57

55 Dessa feita, repelimos as teorias da verdade por correspondência, do fenomenalismo e pragmática, entre outras. 56 GAMA, T. L. Contribuição de Intervenção no domínio econômico..., 2003. p. 34. 57 CARVALHO, P. de B. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência..., 1999. p. 10.

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Temos em mente que o fato jurídico previsto no antecedente normativo, capaz de

individualizar uma parcela do mundo fenomênico, mediante determinações das condições de

espaço e de tempo de sua ocorrência, é descritivo de um evento, devido à constituição ou

desconstituição do fato jurídico em sentido estrito, mas também é prescritivo de efeitos

jurídicos, pois objetiva a produção de efeitos de natureza prescritiva.

Sendo assim, a linguagem das normas, classe a qual pertence a linguagem das normas

do Direito, caracterizando-se por enunciados prescritivos, submetem-se aos valores de

validade e não-validade. Mas, como tais enunciados prescritivos devem ser expedidos em

conformidade aos enunciados descritivos, tais enunciados sujeitam-se aos critérios de verdade

e de falsidade.

O conhecimento da realidade detém como objeto as proposições que descrevem o

estado das coisas, e tais proposições podem ser consideradas verdadeiras ou falsas. A verdade

de tais proposições não encontra-se relacionada à coisa em si, mas sim encontra-se no plano

lingüístico.

Nesse sentido, Fabiana Del Padre Tomé discorre:

Tendo em vista que ao direito positivo não se aplicam os valores verdade e falsidade, poder-se-ia indagar: existe relação entre a verdade e o direito? Ocorre que tanto as normas gerais e concretas como as individuais e concretas, não obstante configurem enunciados prescritivos e, portanto, sujeitos aos valores válido e não-válido, são expedidas em conformidade com enunciados descritivos, os quais, por sua vez, submetem-se aos critérios de verdade e falsidade.58

É importante ressaltarmos que os qualificativos verdade e falsidade são aplicáveis ao

conteúdo dos enunciados descritivos que fazem parte da Ciência do Direito. Mas, conforme se

verificar-se-á no presente trabalho ora apresentado, o objeto de nossa pesquisa será o Direito

Positivo que submete-se aos qualificativos validade ou invalidade dos enunciados.

58 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 28.

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50

Desse modo, temos em vista que o antecedente de uma norma individual e concreta,

que declara o fato mediante uma linguagem descritiva, aplica-se os qualificativos verdade e

falsidade. A linguagem prescritiva deve ser aplicável aos enunciados jurídicos.

Adotaremos como premissa no presente trabalho que ao antecedente, quando

considerado de forma isolada, é informado pela linguagem descritiva, e desse modo,

subsume-se aos valores de verdade e falsidade, independentemente da linguagem prescritiva

ser inerente às normas jurídicas.

Conforme anotamos anteriormente, tanto o conhecimento quanto o seu objeto

(proposições às quais se atribui valores verdade e falsidade) caracterizam-se como uma

construção intelectual, em que a sua existência se dá mediante a linguagem. Somente quando

há a constituição da realidade em enunciados lingüísticos, é que se é possível conhecê-la.

Caso contrário, se a realidade não for constituída pela linguagem, caracterizará tão somente

como meras sensações, de modo que não ensejará o conhecimento em sua forma plena.

Conseqüentemente, tais proposições objetos do conhecimento podem ser consideradas

verdadeiras ou falsas, de modo que, caso se queira refutar uma determinada proposição, deve-

se emitir outros enunciados.

Nesse contexto, considerando que o conhecimento da realidade somente é possível

mediante a expressão dos acontecimentos em linguagem, através da emissão de proposições

descritivas referente às coisas, acontecimentos ou eventos, observamos que o conhecimento

ocorre em um processo comunicacional, e, por isso, caracteriza-se como sendo

eminentemente lingüístico.

Pelo exposto, ao aplicar o Direito, deve o aplicador ter conhecimento do fato, bem

como atestar se o evento descrito em tal fato é juridicamente verdadeiro ou falso, para,

posteriormente, dar continuidade ao processo de positivação. Concordamos, assim, com a

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lição de Maria Rita Ferragut, ao afirmar que “verdadeiro será o enunciado que descrever

corretamente o evento, e falso o que não estiver conforme ele”.59

Por isso, se perfaz importante verificar a relação existente entre a verdade e o Direito,

no sentido de atestar e comprovar a ocorrência que encontra-se descrita em um fato jurídico

tributário. Tal tema assume mais ênfase quando o objeto ora investigado é a relevância da

teoria das provas para o reconhecimento do fato jurídico tributário, já que são as provas que

irão demonstrar a “verdade” da ocorrência do fato jurídico tributário.

Ora, mas o que é a verdade? Como ela caracteriza-se? Vejamos preciosas lições acerca

da “verdade”.

Como bem explica Aurora Tomazini de Carvalho, em brilhante estudo acerca do

constructivismo lógico-semântico:

A verdade é o valor atribuído a uma proposição quando ela se encontra em consonância a certo modelo. Seguindo a linha das considerações feitas acima, aquilo que chamamos de “modelo” não passa de um conjunto estruturado de formulações lingüísticas. Por esta razão, podemos dizer que a verdade se dá pela relação entre linguagens. É pelo vínculo estabelecido entre uma proposição e as linguagens de determinado sistema que podemos aferir sua veracidade ou falsidade. Considera-se verdadeira a proposição condizente com o sentido comum, instituído dentro de um modelo. Destaca-se, assim, a importância da noção de sistema de referência para atribuição do valor verdade a qualquer afirmação.60

Do mesmo modo, Fabiana Del Padre Tomé, ao lecionar acerca da prova no direito

tributário, afirma:

O objeto do conhecimento são proposições, a estas se atribuindo os valores verdade e falsidade. (...) Adotamos a concepção segundo a qual a verdade não se dá pela relação entre a palavra e a coisa, mas entre as próprias palavras, ou seja, entre linguagens. Daí por que, sendo relação entre enunciados construídos pelo homem, podemos dizer que a verdade não é simplesmente descoberta, mas criada pelo ser humano no interior de determinado sistema. (...) Tomamos a verdade como o valor em nome do qual se fala, caracterizando necessidade lógica do discurso. Sempre que alguém transmite uma mensagem de

59 FERRAGUT, M. R. Presunções no Direito Tributário..., 2005. pp. 64-65. 60 CARVALHO, A. T. de. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-semântico..., 2009. p. 25.

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teor descritivo, o faz em nome de uma “verdade”, que pretende seja aceita. Sem essa pretensão veritativa, a informação não tem sentido.61

Desse modo, podemos verificar que a verdade deve ser vista como uma questão

lingüística e, ademais, deve ser vista como uma característica inerente à proposição, enquanto

conteúdo do enunciado. Sendo, então, a proposição verdadeira, logo, o enunciado também

será.

É o que conclui Maria do Rosário Esteves, ao dizer que “a verdade está no plano

lingüístico e as proposições são classificadas em verdadeiras ou falsas mediante um critério

de adequação entre ela proposição e uma pré-interpretação do fato, entendida esta como o

conjunto de pressupostos sobre os quais se apóia a vida e a comunicação em uma sociedade.

(...) Sendo a verdade uma criação da realidade pela linguagem, não há uma verdade

universal e objetiva”.62

Ainda, a verdade deve ser construída em conformidade às regras impostas pelo

sistema ao qual ela pertence, como campo delimitado da realidade, de modo que, somente

dessa forma, poderá ocorrer uma aproximação de verossimilhança com a realidade do evento.

No nosso objeto de investigação, o sistema que estamos abordando é o sistema

jurídico positivo.

Conforme será visto adiante, o fato jurídico tributário somente irá caracterizar-se como

tal quando ocorrido no mundo real e concreto, mediante a observância dos critérios material,

temporal e espacial previstos no antecedente normativo e desde que expresso pela linguagem

competente e descrito conforme as provas admitidas em Direito, permitindo, assim, o

nascimento a obrigação tributária

Sendo assim, para que ocorra a caracterização do fato jurídico tributário, “a

ocorrência da vida real, descrita no suposto da norma individual e concreta expedida pelo

61 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. pp. 15-16. 62 ESTEVES, M. do R. A prova do fato jurídico no processo administrativo tributário..., 2005. p. 43.

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órgão competente, tem de satisfazer a todos os critérios identificadores tipificados na

hipótese da norma geral e abstrata”.63

Uma determinada proposição descritiva da realidade somente poderá ser considerada

verdadeira caso seja possível crer na sua veracidade, bem como caso existam provas que

fundamentem a crença em sua veracidade, e, assim, um determinado fato somente será

verdadeiro se for passível de comprovação, que ateste a certeza de sua ocorrência.

São as provas que constituem os fatos jurídicos, bem como atestam a verdade jurídica

sobre os eventos.

Para Fabiana Del Padre Tomé, “(...) tendo em vista a necessidade de essa espécie de

enunciado ser proferida em consonância com eventos supostamente verificados, é

imprescindível sua articulação com a teoria das provas, mediante as quais é apreciada a

veracidade de determinado fato jurídico, influenciando a construção da norma concreta”.64

Ainda, cabe destacarmos que a verdade, tal como o conhecimento, enquanto resultados de

construções lingüísticas, são passíveis não somente de comprovações, mas também de

refutação por outras proposições.

Desse modo, observamos que a verdade não deve caracterizar-se mediante a relação

entre a palavra e a coisa, mas sim a verdade deve se dar mediante as próprias palavras, e,

assim, entre linguagens.65

Encontra-se, assim, a relação existente entre a verdade e o Direito, pois o sistema do

Direito Positivo estabelece em quais momentos os fatos devem ser constituídos através das

provas, e logo, da linguagem, de modo que sejam considerados verdadeiros, já que é a

linguagem que constitui os objetos.66

63 CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário..., 2009. p. 280. 64 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 28. 65 Ibidem., p. 15. 66 Fabiana Del Padre Tomé afirma ainda: “O sistema do direito positivo indica os momentos em que os fatos podem ser constituídos mediante produção probatória, impõe prazos para a apresentação de defesas e recursos (tempestividade), além de estabelecer o instante em que as decisões se tornam imutáveis (coisa julgada). Com

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Ressaltamos, sendo o Direito um conjunto de normas jurídicas válidas em um

determinado país, é ele quem constrói a sua própria realidade, por intermédio da linguagem e

da comunicação. O aplicador do Direito reconhece um determinado fato ou um mero evento

através do seu relato em linguagem competente, ou seja, quando elaborado na linguagem

jurídica, mediante a produção e a documentação através de provas jurídicas. A verdade no

Direito somente deve caracterizar-se quando houver a constituição do fato jurídico mediante o

relato na linguagem jurídica.67

Nesse sentido, cabe a preciosa lição de Eurico Marcos Diniz De Santi:

Toda verdade no direito é uma mera ficção jurídica. O Direito reconstrói a verdade através de sua forma de conhecimento que é a prova. O direito não incide sobre fatos, incide sobre a prova dos fatos, ou dizendo de outra forma: fato jurídico é fato juridicamente provado.68

No processo tributário, seja ele administrativo ou judicial, deve-se primar pela busca

da verdade lógica, que é a verdade em nome da qual se fala. Essa verdade é passível de ser

alcançada mediante a constituição de fatos jurídicos, e, em conformidade ao ordenamento

jurídico, sendo assim denominada também como verdade jurídica.69

Desse modo, a verdade jurídica somente é passível de ser alcançada quando há o

abandono da linguagem ordinária, mediante a observação de uma forma especial, ou seja, a

determinações desse jaez, fornece os limites dentro dos quais a verdade será produzida, prescrevendo sejam tomadas como verídicas as situações verificadas no átimo e forma legais, independentemente de sua relação com o mundo das coisas”. (TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 15) 67 Cabe analisarmos a afirmação de Maria do Rosário Esteves: “o direito está situado dentro de um discurso, o discurso jurídico. Somente existe enquanto discurso e comunicação, portanto, linguagem. A verdade no direito será, pois, a constituição do fato jurídico conforme relato na linguagem jurídica. O fato social ou evento provado em linguagem competente será reconhecido pelo ordenamento jurídico, dentro dos limites aceitos pelo próprio sistema”. (ESTEVES, M. do R. A prova do fato jurídico no processo administrativo tributário..., 2005. p. 48) 68 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Prescrição e Decadência. São Paulo: Max Limonad, 2000. pp. 42-43. 69 Afirma, ainda, Fabiana Del Padre Tomé: “Observamos, nos processos jurídicos, que o advogado do autor fala em nome da verdade; o advogado do réu também argumenta em nome da verdade; o juiz, por sua vez, decide em nome da verdade; a parte vencida recorre em nome da verdade; os julgadores ad quem reformam a decisão monocrática em nome da verdade; e assim por diante. Nesse sentido, a verdade apresenta-se como elemento a priori da argumentação, pressuposto lógico do discurso comunicativo: ao realizar afirmações, o sujeito o faz com o objetivo de que o fato alegado seja reconhecido como verdadeiro. Por isso, diante das diversas verdades argüidas, o direito estabelece formas que permitem chegar a um final, mediante decisões que fixam qual é a verdade que há de prevalecer no sistema jurídico”. (TOMÉ, F. D. P. op. cit., p. 25)

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construção em linguagem própria, mediante a observância de um procedimento específico

para a constituição do fato jurídico, tal como o Direito preceitua. Somente mediante tal forma

é que um determinado fato pode ser considerado juridicamente verificado, e, logo,

verdadeiro.70

1.5.2 A Verdade e a Teoria das Provas no Direito Tributário

A realidade jurídica é constituída por intermédio da linguagem competente, sendo que

no âmbito do sistema jurídico positivo, a linguagem competente apta a constituir a realidade é

a linguagem das provas.

No Direito, a verdade é alcançada mediante as provas, bem como com a contraposição

das provas, sendo, então, indispensáveis ao ordenamento jurídico. Nesse sentido, afirma

Maria Rita Ferragut que “ao direito somente é possível conhecer a verdade por meio das

provas”.71

A prova, bem como a contraprova72, tem o condão de demonstrar a verdade ou a

falsidade do significado de um determinado enunciado, de modo que toda verdade deve

resistir à sua refutação.

Desse modo, o aplicador do Direito somente irá reconhecer um fato ou um mero

evento quando encontrarem-se descritos na linguagem jurídica, que seja reconhecida pelo

próprio sistema jurídico como a linguagem competente para tal reconhecimento. Tal relato em

70 CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário..., 2004. p. 357. 71 FERRAGUT, M. R. Presunções no Direito Tributário..., 2005. p. 51. 72 Ressalta Maria Rita Ferragut: “Por contraposição entende-se a comparação do dado que se quer provar com outros que confirmem ou infirmem sua exatidão. A prova resultará da confirmação ou da concordância dos dados confrontados”. (Ibidem., p. 78)

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linguagem competente, no âmbito do sistema jurídico positivo, deve ser produzido e

documentado por intermédio das provas jurídicas.73

Nas palavras de Maria do Rosário Esteves, a prova dos fatos jurídicos permite que o

direito crie a sua própria realidade:

Desse modo, as ocorrências do mundo fenomênico, em concreto, para serem conhecidas juridicamente, devem ser provadas e, por sua vez, realizada a subsunção do fato jurídico à norma. O aplicador do direito realiza a incidência da norma levando em consideração se o fato está juridicamente provado, de acordo com a forma específica exigida pelo ordenamento. Nessa linha de raciocínio, a verdade do fato para o direito é única, ou seja, é aquela que for constituída segundo o ordenamento jurídico e conhecida pelo menos por ele estatuídos. A verdade dos fatos será reconhecida pelo direito somente se demonstrada mediante a prova realizada de acordo com as normas jurídicas postas pelo sistema. Já dissemos o direito constrói a sua própria realidade, ou seja, o Direito constrói a sua própria verdade por meio das provas dos fatos jurídicos elaboradas conforme as estipulações do sistema jurídico.74

O fato jurídico é aquele, e somente aquele que puder ser expresso em linguagem

competente, em conformidade às normas do direito positivo, e logo, mediante a linguagem

das provas.

Extraímos, assim, a relação existente entre a verdade e a teoria das provas no direito

tributário.

Conforme premissas firmadas anteriormente, a realidade somente passa a possuir

relevância a partir do momento em que é constituída pela linguagem. Antes mesmo que a

realidade seja vertida em linguagem, o fato não existe, mas sim meros eventos, já que dele

não podemos possuir conhecimento.

Não basta que, simplesmente, o fato descrito hipoteticamente no antecedente da regra-

matriz de incidência tributária venha a ocorrer no mundo concreto, mas, entendemos que 73 Leciona, ainda, Maria do Rosário Esteves acerca da prova do fato jurídico: “Desse modo, reconhecemos que se o direito estabelece o que deve ser provado e como pode ser provado um fato, Ito é, de forma é possível a produção e apresentação das provas, o próprio direito estabelece os limites do que será por ele conhecido. O fato social ou evento será ‘conhecido’ pelo aplicador do direito na extensão delimitada pelo conjunto de normas jurídicas válidas do pais. Nesse sentido, é o próprio direito que estabelece a verdade do fato jurídico”.(ESTEVES, M. do R. A prova do fato jurídico no processo administrativo tributário..., 2005. p. 47) 74 Ibidem., p. 52.

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também se perfaz necessário que tal ocorrência do evento descrito no fato seja descrita por

intermédio da linguagem própria, bem como que seja comprovada mediante a utilização de

provas admitidas pelo Direito, pois, somente desse modo será possível conhecermos a

verdade dos fatos.

É o que leciona Maria Rita Ferragut, ao tratar da necessidade de comprovação da

verdadeira concretização do fato jurídico tributário:

Ao referir-se a fatos, a prova deverá evidenciar a correspondência entre a proposição e a manifestação do evento. Por isso, não necessita corresponder aos eventos fenomênicos em si, mas à linguagem que se tem sobre eles. Atingir o evento, que é passado, é impossível, bastando para o mundo jurídico construí-lo de forma a provar sua existência ou inexistência. Quando se afirma que a realidade descrita no fato não necessita corresponder à realidade social efetivamente ocorrida, isso não significa que o objetivo máximo da prova não seja a de uma perfeita correspondência entre essas duas realidades. Considerando tudo o que foi dito até aqui, o que se afirma é que como o evento não é apreensível, a averiguação e a comprovação de sua versão é o fim último da prova.75

É por intermédio das provas que é possível afirmar a veracidade sobre algo, bem como

certificar a exatidão jurídica sobre algo. No contexto ora analisado, é por intermédio das

provas, e em conformidade às regras existentes no sistema, que se é possível construir, manter

e atestar a veracidade dos enunciados declaratórios do fato jurídico, que traduz a manifestação

do evento.76

Nesse mesmo sentido, é a posição de Eurico Marcos Diniz de Santi, ao afirmar acerca

da verdade no Direito e sua relação com a teoria das provas, afirmando que “toda verdade no

direito é uma ficção jurídica. O Direito reconstrói a verdade através de sua forma de

conhecimento que é a prova. O Direito não incide sobre fatos, incide sobre a prova dos fatos,

ou dizendo de outra forma: fato jurídico é fato juridicamente provado”.77

75 FERRAGUT, M. R. Presunções no Direito Tributário..., 2005. pp. 51-52. 77 SANTI, E. M. D. de. Prescrição e Decadência..., 2000. pp. 42-43.

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58

As ocorrências do mundo fenomênico, para serem reconhecidas de forma jurídica,

deve ser realizada a subsunção do fato jurídico à norma, bem como, ser demonstrada a prova,

pois o aplicador do Direito somente realizará a incidência da norma se o fato encontrar-se

juridicamente provado. Nessa linha de raciocínio, concordamos, por todas as premissas

firmadas anteriormente, que “a verdade do fato para o direito é única, ou seja, é aquela que

for constituída segundo o ordenamento jurídico e conhecida pelos meios por ele estatuídos. A

verdade dos fatos será reconhecida pelo direito somente se demonstrada mediante a prova

realizada de acordo com as normas jurídicas postas pelo sistema. (...) O direito constrói a

sua própria realidade, ou seja, o Direito constrói a sua própria verdade por meio das provas

dos fatos jurídicos elaboradas conforme as estipulações do sistema jurídico”.78

Essa comprovação assume fundamental importância no contexto do direito tributário,

tendo em vista a necessidade de certificação de que a concretização fenomênica do evento que

encontra-se descrita no fato jurídico é, de fato, verdadeira, para, somente assim, realizar a

imputação devida das consequências legais.

78 ESTEVES, M. do R. A prova do fato jurídico no processo administrativo tributário..., 2005. pp. 51-52.

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2. A INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA

Em conformidade à teoria constructivista ou constitutiva, que contrapõe-se à teoria

declaratória ou determinista79, a incidência jurídica não se dá de modo automático e infalível

quanto ao evento, mas sim se faz necessário que o evento do mundo fenomênico seja relatado

em linguagem competente, caracterizando o fato, e logo, propiciando a realização da

incidência jurídica. Somente mediante a realização da incidência, e logo, da aplicação,

podemos criar a realidade jurídica, e logo, o fato jurídico.

Vejamos, assim, como se dá operatividade da incidência jurídica, tendo como

premissa a linguagem do direito positivo projetando-se sobre o campo material das condutas

intersubjetivas, visando organizá-las deonticamente.

2.1 Evento, Fato e Fato Jurídico

Na incidência jurídica, há a percussão da norma jurídica sobre os fatos jurídicos, e não

sobre os meros eventos. Nesse sentido, faz se de fundamental importância atentarmos para a

diferenciação entre evento, fato e fato jurídico, mediante análise do papel da linguagem

jurídica nesse contexto, tendo em mente que os acontecimentos, por si só, não falam, mas sim

é a linguagem que os constitui e os destrói. Ainda, os eventos não provam nada mas sim uma

linguagem deve resgatá-los para que eles efetivamente possam existir no universo humano.

79 Cabe assinalarmos que a teoria constitutiva ou constructivista contrapõe-se à teoria declaratória ou determinista que, também denominada teoria tradicional da incidência da norma jurídica, afirma que a incidência se dá de modo automático e infalível, no plano factual, não distinguindo, assim, o plano do direito positivo e a realidade social. Discorre de forma brilhante acerca do tema a professora Clarice von Oertzen de Araujo (ARAUJO, Clarice von Oertzen de. Incidência Jurídica: teoria e crítica. São Paulo: Noeses, 2011) e Giovani Hermínio Tomé (TOMÉ, Giovani Hermínio. Planejamento Tributário: um estudo pela perspectiva do constructivismo lógico-semântico 2011. 162 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Direito, Direito Tributário, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011)

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60

2.1.1 Distinção entre evento e fato: o relato lingüístico

Conforme as premissas que firmamos anteriormente, é a linguagem que constitui os

acontecimentos e a realidade, de modo que o conhecimento somente é possível quando o

homem constrói algo por meio de sua linguagem. Desse modo, é possível afirmar que as

coisas somente passam a existir para o homem quando encontram-se constituídas por

intermédio da linguagem.

Seguindo a linha de pensamento de Paulo de Barros De Carvalho80 e de Tércio

Sampaio Ferraz Junior81, é possível afirmarmos que o conceito de evento e de fato não

confundem-se, tendo em vista que diferenciam-se quanto à existência de relato lingüístico.

Tal diferença é ressaltada pela lição do ilustre Tércio Sampaio Ferraz Júnior em torno

do assunto, nos seguintes termos:

É preciso distinguir entre fato e evento. A travessia de Rubicão por César é um evento. Mas “César atravessou o Rubicão” é um fato. Quando, pois, dizemos que “é um fato que César atravessou o Rubicão”, conferimos realidade ao evento. “Fato” não é pois algo concreto, sensível, mas um elemento lingüístico capaz de organizar uma situação existencial como realidade.82

Assim sendo, diferenciando evento de fato, pode-se dizer que o mero evento refere-se

à realidade, sem, no entanto, o revestimento lingüístico, ou seja, “chamamos de evento o

acontecimento do mundo fenomênico despido de qualquer relato lingüístico”83.

Diversamente, fato refere-se ao elemento lingüístico que constitui como realidade uma

determinada situação existencial, um evento que afirma ter ocorrido, ou ainda, “o fato, por

80 CARVALHO, P. de B. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência..., 2007. p. 99 e ss. 81 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução do Estudo do Direito. São Paulo: Atlas, 1991. p. 253 e ss. 82 Ibidem., p. 253. 83 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 32.

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sua vez, é tomado como enunciado denotativo de uma situação, delimitada no tempo e no

espaço”84.

Portanto, nota-se que a diferenciação entre ambos se dá em decorrência do uso

competente da língua, sendo que a linguagem, ao constituir em realidade um determinado

evento que atesta ter ocorrido, possibilita que assuma as proporções de um enunciado

verdadeiro. O fato somente integrará o sistema de direito positivo e desencadeará os seus

efeitos correspondentes caso seja relatado mediante a linguagem normativa.

A constituição do evento em fato, por intermédio da linguagem, é possível em

qualquer contexto, seja ele social, político, e, entre outros, até mesmo no contexto jurídico.

Somente por intermédio da linguagem se possibilita que se tenha comunicação, e logo, a

existência da sociedade pois o processo comunicativo é essencial no mundo social, sendo que

a linguagem permite que ocorra o entendimento entre homens, mediante a existência de uma

linguagem comum que permita a comunicação.85

Entendemos, então, que a linguagem é de suma importância para permitir a ocorrência

da comunicação, bem como para juridicizar um fato qualquer, possibilitando que venha a

existir no Direito. Notadamente, tendo em vista que os fatos são construções em linguagens, e

logo, representações metafóricas do próprio evento.86

Tárek Moysés Moussallem bem explicita o assunto dizendo que “Os eventos não

provam nada, simplesmente porque não se expressam no mundo da linguagem. Sempre uma

linguagem deverá resgatá-los para que eles efetivamente existam no universo humano”.87

84 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 32. 85 Oportuno é o ensinamento de Fabiana Del Padre Tomé: “Para que se tenha comunicação, uma das condições necessárias é a existência de linguagem, idiomática ou não. Tal é a indissociabilidade entre comunicação e linguagem que esta tem sido entendida não apenas como código mediante o qual se realiza o ato comunicativo, mas também, em sentido lato, como a própria comunicação. A presença inarredável da linguagem no processo comunicativo e o fato de a comunicação ser elemento integrante do sistema social implicam a inexistência de sociedade sem linguagem, confirmando nossa assertiva de que o fato social é constituído por relato lingüístico, segundo as regras previstas pelo próprio sistema”. (Ibidem., p. 40.) 86 CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário..., 2009. p. 269. 87 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2006. p. 27.

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Os eventos são, por assim dizer, meras ocorrências materiais que são passíveis de

verificação no mundo da experiência. Já os fatos caracterizam-se como enunciados

lingüísticos que relatam, descrevem e constituem os acontecimentos perante a realidade

social. Desse modo, é possível afirmarmos que a realidade somente passa a ter relevância a

partir do momento em que é vertida em linguagem.

Em conformidade a Maria Rita Ferragut, “(...) o que realmente sabemos sobre os

eventos são suas versões, concretizadas por meio de linguagens que os descrevem e que os

transformam em fatos”.88

Portanto, o fato constitui em realidade o evento que ele afirma ter ocorrido e, desse

modo, assume o status de um enunciado verdadeiro, devido ao uso competente da língua. 89

Temos, então que o evento é a própria realidade sem revestimento lingüístico,

enquanto que fato é um enunciado lingüístico de uma dada realidade, seja ela no campo

social, histórico, político e, até mesmo, jurídico.

2.1.2 Distinção entre evento, fato e fato jurídico

Ao ocorrer um determinado acontecimento natural, ele somente fará parte de um

determinado sistema, seja jurídico ou social, ou até mesmo qualquer outro, quando for

constituído por intermédio da linguagem própria do sistema a que faz parte. Ou seja, caso o

acontecimento seja relatado pela linguagem social, logo, ele virá a caracterizar-se como um

fato social, e, de modo diverso, caso o evento venha a ser relatado na linguagem jurídica,

ensejará a caracterização de um fato jurídico.

Nesse sentido, é a lição de Fabiana Del Padre Tomé:

88 FERRAGUT, M. R. Presunções no Direito Tributário..., 2005. p. 53. Afirma, ainda, a autora: “E se é assim, a realidade só passa a ter relevância no momento em que for vertida em linguagem; até então, pode-se dizer que o fato não existe, pois dele não se tem conhecimento (...)”. (Ibidem., p. 02) 89 ESTEVES, M. do R. A prova do fato jurídico no processo administrativo tributário..., 2005. p. 55.

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O acontecimento natural, pertencente ao mundo da experiência, não integra o sistema jurídico ou sequer o social. Como já mencionado, as coisas só existem para o homem quando constituídas pela linguagem. Assim, qualquer que seja o sistema que se examine, nele ingressa apenas os enunciados compostos pela forma lingüística própria daquele sistema. Relatado o acontecimento em linguagem social, teremos fato social; este, vertido em linguagem jurídica, dará nascimento ao fato jurídico. Os fatos da chamada realidade social, enquanto não constituídos mediante linguagem jurídica própria, qualificam-se como eventos em relação ao mundo do direito.90

Partindo, então, da premissa de que os eventos somente são transmitidos por

intermédio da linguagem, pois é ela que os constitui, quando vier a ocorrer um determinado

fato no mundo natural, ele somente será considerado jurídico caso seja vertido em linguagem

própria, ou seja, na linguagem jurídica.

Para Clarice von Oertzen De Araujo, “os sistemas jurídicos utilizam a linguagem

natural (língua vernáculo) como verdadeira substância de sua constituição. Para qualquer

fenômeno ingressar dentro do sistema normativo ele deve estar expresso em algum tipo de

linguagem”.91

Cabe destacarmos que sendo o fato jurídico constituído pela linguagem do Direito, é

tal circunstância que o distingue dos demais fatos - social, econômico, político, entre outros.

De outro modo, tudo o que não encontrar-se relatado na linguagem admitida pelo Direito, não

será reconhecido por ele.

Mas o que é o fato jurídico?

Paulo de Barros Carvalho define fato jurídico como o “enunciado protocolar,

denotativo, posto na posição sintática de antecedente de uma norma individual e concreta,

emitido, portanto, com função prescritiva, num determinado ponto do processo de

positivação do direito”.92

90 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. pp. 32-33. 91 ARAUJO, C. v. O. Semiótica do Direito..., 2005. p. 19. 92 CARVALHO, P. de B. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência..., 2007. p. 105.

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Assim, um fato tornar-se-á jurídico quando possuir o condão de irradiar efeitos

jurídicos.93

Esse é o posicionamento do professor Paulo de Barros Carvalho, ao expor que

“ instaura-se o vínculo abstrato, que une as pessoas, exatamente no instante em que aparece a

linguagem competente que relata o evento descrito pelo legislador. Em um só tempo,

constroem-se fato e relação jurídica, bem como ocorre incidência e aplicação no

ordenamento posto”.94

Daí a conclusão de que para que um determinado acontecimento venha a ingressar no

mundo da facticidade jurídica, faz-se necessário que seja convertido na linguagem própria do

Direito. Tal como afirma André Felipe Saide Martins, “é por meio de linguagem competente

que a realidade jurídica se constitui”.95

Distinguimos, então, eventos como meros acontecimentos da realidade social,

enquanto ainda não forem constituídos em linguagem jurídica própria, de fato jurídico,

enquanto enunciados denotativos que encontram-se no antecedente da norma individual e

concreta, já relatados em linguagem própria do Direito Positivo, com função prescritiva.

Nesse mesmo sentido, Paulo de Barros Carvalho atesta que determinado fato somente

se dará juridicamente verificado e, por conseguinte, podendo ser considerado verdadeiro,

quando ocorrer o relato do acontecimento em linguagem própria, nos ensinando que “para o

alcance da verdade jurídica, necessário se faz o abandono da linguagem ordinária e a

93 Cimentando tal assertiva, André Felipe Saide Martins exemplifica: “A comete homicídio contra B no deserto do Sahara. Esse homicídio, per se, é um evento desprovido de qualquer juridicidade, ou seja, absolutamente desconhecido e inexistente para o direito. Mas, se for possível reportá-lo em linguagem própria, isto é, em linguagem aceita pelo direito, e descrevê-lo conforme as provas legalmente admitidas, esse simples fato passa a ser capaz de desencadear efeitos jurídicos e de converter-se em fato jurídico. Obviamente, no processo de juridicização, o fato deverá ser subsumido à norma penal correspondente prevendo que matar alguém seja crime. (...) é bem possível que o crime nem sequer tenha ocorrido. Mesmo assim, se as provas requeridas o indicarem, para o direito ele estará constituído, porque para o reconhecimento jurídico basta que a linguagem certifique o evento.” (MARTINS, A. F. S. A prova do fato jurídico tributário..., 2007. p. 16) 94 CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário..., 2009. pp. 281-282. 95 MARTINS, A. F. S. op. cit., p. 37. Nesse mesmo sentido, Paulo de Barros Carvalho ressalta que “O direito, portanto, é linguagem própria compositiva de uma realidade jurídica”. (CARVALHO, Paulo de Barros. op. cit., p. 270)

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observância de uma forma especial. Impõe-se a utilização de um procedimento específico

para a constituição do fato jurídico (...)”.96

Assim sendo, os fatos de uma realidade social que ainda não encontrarem-se

constituídos por intermédio da linguagem jurídica própria, devem ser considerados como

meros eventos em relação ao mundo do Direito. Um determinado fato do mundo social, ou

evento, somente será considerado como fato jurídico quando for introduzido no Direito

Positivo, sendo que, somente ao fato jurídico devem ser atribuídas as consequências previstas

no ordenamento jurídico. Somente quando o fato for considerado jurídico, ele passará a

integrar o universo jurídico, não sendo cabível ao fato social ingressar o universo jurídico.97

Leonardo Furtado Loubet e Charles William Mcnaughton abonam esse entendimento,

afirmando:

Nesse passo é importante registrar que o fato jurídico, enquanto construção lingüística, não se confunde com a ocorrência fenomênica que lhe serve de fundamento. Uma coisa é o evento, a situação concreta ocorrida no mundo real, que se perde no tempo e no espaço – pois o real é irrepetível; coisa diversa é o enunciado lingüístico que relata esse evento. A ocorrência fática é o que capta pelos órgão sensoriais no domínio da experiência, ao passo que o fato jurídico é o revestimento lingüístico dessa circunstância fenomênica. Seguindo o léxico do movimento do Círculo de Viena, enunciado com a característica de colher um acontecimento real na sua coordenada espaço-temporal devidamente individualizada é denominado enunciado protocolar – próprio dos fatos jurídicos. A distinção é salutar: enquanto o enunciado das normas gerais e abstratas é composto por uma estrutura hipotética, conotativa, o enunciado das normas individuais e concretas é marcado pela concretude espaço-temporal, pela individualização, o que lhe confere tons de denotatividade.98

Cabe ressaltarmos que, mesmo que um fato não tenha efetivamente ocorrido, mas,

caso seja possível demonstrá-lo legalmente, por intermédio de provas admitidas em direito,

enquanto linguagem competente, ele encontrará-se juridicamente constituído. De modo

96 CARVALHO, P. de B. apud TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 25. 97 Diz ainda o ilustre professor Paulo de Barros Carvalho, “a respeito do fato que realmente sucede no quadro do relacionamento social, dentro de específicas condições de espaço e de tempo, que podemos captar por meio de nossos órgãos sensoriais, e até dele participar fisicamente, preferimos denominar evento jurídico tributário, reservando a locução fato jurídico tributário para o relato linguístico desse acontecimento”. (CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário..., 2009. pp. 278-279). 98 LOUBET, L. F.; MCNAUGHTON, C. W. ; SALOMÃO, M. V.(org.); PAULA JUNIOR, A. de (org.). A prova na percussão tributária..., 2005. p. 269.

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contrário, caso tal demonstração legal não seja possível, logo, o evento não produzirá os

efeitos jurídicos necessários, por mais inequívoco que seja o evento.

Por sua vez, Joana Lins e Silva adverte:

Sem a linguagem, que confere realidade aos eventos, um acontecimento não relatado não traz nenhuma consequência para o mundo. Caso haja o relato do evento por uma linguagem natural, poderá falar-se em fato social, revelando para o mundo as características daquele acontecimento. Mas, ainda assim, tal relato não trará nenhuma repercussão para o mundo jurídico. A linguagem natural não se mostra suficiente para fazer ingressar no mundo jurídico algum dado novo, nem muito menos para desencadear consequências jurídicas.99

Assim, distingue-se um mero fato simples, que se referem àqueles fatos cuja

constatação não produz qualquer conseqüência relevante ao Direito, sendo fatos indiferentes

ao Direito, dos fatos jurídicos, que se refere a um ato humano ou um acontecimento natural

que se torna juridicamente relevante, por está apto a produzir efeitos ou consequências

jurídicas.100

André Felipe Said Martins aponta a seguinte distinção:

Fatos simples são aqueles dos quais a constatação não produz nenhuma conseqüência relevante para o Direito, p. ex: o convite para um passeio, uma visita de cortesia, o uso de calça de certa cor etc. (...) Fato jurídico, assim definido, compreende o ato humano ou o acontecimento natural juridicamente relevante. Essa relevância jurídica, no alvitre de Carlos

99 SILVA, Joana Lins e. Fundamentos da norma tributária. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 56. 100 André Felipe Saide Martins exemplifica: “Tomemos como exemplo um acontecimento recente – o desabamento na linha IV, do metro de São Paulo. Se for possível demonstrar, consoante as provas juridicamente aceitas, que o desabamento ocorreu e que as estruturas das casas adjacentes ruíram em decorrência disso, então as empresas responsáveis pela obra deverão ser responsabilizadas perante os respectivos proprietários. Porém, se não pudermos fazê-lo, ou seja, se não pudermos relatar o fato em linguagem competente, por mais evidente que tenha sido o desabamento e a conseqüente destruição das residências vizinhas, ele não desencadeará os efeitos jurídicos a ele atribuídos e não se poderá falar em dano nenhum”. (MARTINS, A. F. S. A prova do fato jurídico tributário..., 2007. p. 37). Sob o tema, assevera Fabiana Del Padre Tomé: “Assim, qualquer que seja o sistema que se examine, nele ingressam apenas os enunciados compostos pela forma lingüística própria daquele sistema. Relatado o acontecimento em linguagem social, teremos fato social; este, vertido em linguagem jurídica, dará nascimento ao fato jurídico. Os fatos da chamada realidade social, enquanto não constituídos mediante linguagem jurídica própria, qualificam-se como meros eventos em relação ao mundo do direito. O mesmo se dá com o fato político, econômico, biológico, psicológico, histórico, etc; quaisquer desses, enquanto não traduzidos em linguagem jurídica, permanecem fora do campo de abrangência do sistema do direito posto, na qualidade de meros eventos”. (TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 33).

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Alberto da Mota Pinto, significa produção de efeitos ou de consequências jurídicas.101

Tal distinção é muito bem apontada também pelo mestre Lourival Vilanova:

Uma tormenta em alto-mar, que não atinja coisa (um navio) ou pessoa, é fato natural juridicamente irrelevante, quer dizer, nenhuma relação mediata ou imediata tem com condutas humanas, e, por isso, nenhuma conseqüência jurídica traz. Mas, se atinge navio, com carga e pessoas, e o fato foi tido, em contrato de seguro, como sinistro, como evento futuro e incerto, a mesma tormenta reveste-se da qualidade de fato jurídico, trazendo consequências como a indenização de vidas e cargas pelo segurador em favor do segurado.102

Analisando sob a ótica do processo de positivação do Direito e da constituição da

norma jurídica pela bimembridade antecedente/conseqüente, a norma geral abstrata, em seu

antecedente, descreve um evento de possível ocorrência no mundo físico, concreto, e, se

ocorrido, será meramente denominado como um fato social, que ainda não ingressou no

mundo jurídico. Mas, após o ato de aplicação realizado pelo homem, e a constituição desse

fato em linguagem jurídica, ensejará o surgimento do fato jurídico, compondo o antecedente

da norma individual e concreta. É o fato social o suporte do fato jurídico que encontra-se

previsto na norma jurídica.

Nesse contexto, sendo o fato uma alteração individualizada do mundo fenomênico,

mediante a determinação das condições de tempo e de espaço em que se deu a sua ocorrência,

logo, no Direito Positivo, tal individualização corresponde ao antecedente das normas

individuais e concretas.

Ressaltamos, o evento ocorrido no mundo social não será reconhecido no mundo

jurídico enquanto não for relatado em linguagem própria do direito, não gerando qualquer

conseqüência no mundo jurídico. É o que ressalta Maria do Rosário Esteves:

101 MARTINS, A. F. S. A prova do fato jurídico tributário..., 2007. p. 40. 102 VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 135.

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Porém, o enunciado lingüístico de uma dada realidade só se torna relevante juridicamente se, uma vez previsto em norma jurídica geral e abstrata, for produto de um ato de aplicação. Em outras palavras, o enunciado não será reconhecido no campo jurídico enquanto não for relatado em linguagem própria do direito. É o relato em linguagem própria do direito que dá ao fato o status de jurídico. Fato jurídico será, portanto, o enunciado lingüístico produto de um ato de aplicação do processo de positivação do direito.103

É a incidência da regra jurídica sobre o suporte fático que torna jurídico o fato. O

fenômeno da incidência jurídica somente irá caracterizar-se quando o mero evento descrito na

hipótese de incidência da regra tributária adquire expressão em linguagem competente

transformando-se em fato. Somente o fato jurídico pertence ao mundo jurídico, de modo que

isso ocorre mediante a incidência da regra jurídica sobre o suporte fático.

Assinala Joana Lins e Silva:

(...) no antecedente das normas jurídicas há a descrição hipotética de um fato, com a indicação das notas que certos fatos do mundo devem apresentar para que possam ser considerados fatos jurídicos. Por isso, o antecedente serve de porta de entrada da realidade factual para o mundo do direito positivo.104

Portanto, o que torna jurídico o fato é a incidência da regra jurídica sobre o suporte

fático, mediante o relato em linguagem competente, tornando-os apto a ingressarem no

mundo jurídico e a irradiar efeitos de direito, mediante a instauração de vínculo jurídico entre

os sujeitos de direito, caracterizando o fato jurídico, enquanto elemento fundamental de toda a

juridicidade.

2.2 O fenômeno da incidência da norma jurídica tributária

A incidência da norma jurídica é o modo como nasce o fato jurídico. Nessa esteira, na

fenomenologia da incidência jurídica, com o intuito de aproximar-se ao máximo das condutas

103 ESTEVES, M. do R. A prova do fato jurídico no processo administrativo tributário..., 2005. p. 56. 104 SILVA, J. L.. Fundamentos da norma tributária..., 2001. p. 119.

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intersubjetivas que serão reguladas, parte-se de normas gerais e abstratas, até o alcance das

normas individuais e concretas, já que o nascimento do fato jurídico refere-se à norma

individual e concreta. Somente analisando o fenômeno normativo e a sua constituição em

linguagem própria é que se é possível, posteriormente, analisarmos o fato jurídico tributário.

O Direito Positivo é composto por diferentes espécies de normas jurídicas, em

conformidade ao conteúdo do antecedente e do conseqüente normativo. Ou seja, as normas

jurídicas compõe-se por uma hipótese, que são representativas de uma determinada situação

fática, representando um fato abstratamente ou concretamente, e que implicam em uma

conseqüência, que estabelece uma relação jurídica entre um sujeito ativo e um sujeito passivo,

indicando uma relação de caráter geral ou individual.

Nessa esteira, há, então, em conformidade aos caracteres que marcam o antecedente e

o conseqüente normativo, duas normas que devem adaptar-se aos fenômenos da incidência

jurídica, quais sejam, as normas gerais e abstratas e as normas individuais e concretas. Cabe

destacarmos que são essas as duas normas que interessam para fins de análise da incidência

jurídica, embora possam haver também a normas gerais e concretas e as normas individuais e

abstratas.

Relativamente ao descritor da norma jurídica, ela pode ser classificada como

“abstrata”, quando fornece critérios aptos a identificar fatos futuros, de possível ocorrência,

mediante forma conotativa, ou “concreta”, que remetem a acontecimentos já ocorridos,

passados, mediante forma denotativa.

Já quanto ao prescritor da norma jurídica, ela pode ser “geral”, quando o conseqüente

encontra-se voltado a um número indeterminado de pessoas, sem individualizar os sujeitos da

relação, ou “individual”, quando há a especificação e identificação dos sujeitos da relação.

Desse modo, com o intuito de regular as condutas intersubjetivas, mediante a

fenomenologia da incidência jurídico-normativa, deve o intérprete partir da análise de normas

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gerais e abstratas, efetuando operações lógicas de subsunção e implicação, narrando o evento

em linguagem competente, até o alcance e emissão das normas individuais e concretas.

Passamos, adiante, à análise do fenômeno da incidência da norma jurídica tributária,

em conformidade aos conceitos firmados acima.

2.2.1 Incidência jurídico-tributária

Através da incidência jurídico-tributária, há a linguagem do direito positivo

projetando-se sobre o campo material das condutas intersubjetivas, de modo a organizá-las

deonticamente, mediante a operatividade do direito positivo.

São as normas jurídicas do direito positivo que, dotadas de linguagem própria que lhes

sirva de veículo expressão, é que constitui a realidade jurídica.

É no contexto da análise da operatividade da incidência jurídica que observamos a

importância na diferenciação das diferentes unidades normativas. Ou seja, para o

disciplinamento das condutas intersubjetivas, deve haver uma norma geral e abstrata, que

estabeleça tanto os critérios identificadores de um fato de possível ocorrência, bem como os

elementos do vínculo que irá se estabelecer mediante a ocorrência do referido fato.

Ou seja, as normas jurídicas gerais e abstratas, enquanto proposições prescritivas

prevêem determinadas ocorrências do mundo social, atrelando a elas a instauração de uma

conseqüente relação jurídica entre dois ou mais sujeitos de direito, mediante uma estrutura

hipotético-condicional.

Mas, não basta apenas a previsão normativa geral e abstrata, mas sim tal previsão deve

adquirir individualização e concretude, através das normas individuais e concretas, pois,

somente de tal modo haverá a regulação das condutas humanas intersubjetivas.

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Desse modo, efetivando-se um determinado fato social previsto no antecedente,

subsume-se à hipótese normativa tributária, projetando-se os efeitos jurídicos prescritos no

conseqüente, implicando no surgimento do vínculo obrigacional. No entanto, o fato deve

guardar absoluta identidade com o desenho normativo previsto à hipótese tributária para que

venha a ocorrer efetivamente a subsunção.

Sendo assim, para que uma norma jurídica incida, deve, necessariamente, ocorrer o

fato jurídico que se encontra descrito em sua hipótese, em consonância aos critérios

identificadores, implicando uma determinada conseqüência jurídica.

Cabe destacarmos que a hipótese da norma individual e concreta, com natureza

descritiva, relata um fato de possível ocorrência, enquanto que o conseqüente, de natureza

prescritiva, determina uma permissão, uma proibição ou uma obrigação.

A norma individual e concreta prevê, então, um fato jurídico. Mas, conforme vimos

anteriormente, somente haverá um fato jurídico quando uma determinada ocorrência do

mundo social, ou fato social, for relatado em linguagem competente do direito positivo por

uma autoridade competente (ato do ser-humano).

Havendo a linguagem relatando o evento ocorrido, bem como estabelecendo o vínculo

jurídico entre os sujeitos de direito, já no âmbito da norma individual e concreta, incorrerá na

caracterização do fato jurídico e na relação entre o sujeito ativo e o sujeito passivo, mediante

o seguinte esquema implicacional:

D [F (As R Sp) Cabe ressaltarmos que o fato jurídico, enquanto relato do fato social, e a relação

jurídica que se estabelece entre dois sujeitos são interligados pelo functor deôntico neutro (D).

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Mas, somente devem ser considerados fatos jurídicos aptos a ensejar direitos e deveres

àqueles fatos ocorridos no mundo social que encontram-se presentes na norma individual e

concreta.

Nesse contexto, vejamos a lição de Clarice von Oertzen de Araujo:

A dinâmica da geração do fato jurídico corresponde exatamente ao processo semiótico de representação do objeto dinâmico pelo objeto imediato do signo. Isso porque as normas legais adotam a natureza de signos simbólicos, em virtude ao seu caráter condicional. As normas, em sua abstração e generalidade, possuem um caráter icônico, na medida em que as hipóteses são descritivas, declaram as qualidades cuja suficiência determina a incidência. A regulação também será geral, na medida em que vinculam as classes dos sujeitos de direito implicados na situação hipoteticamente descrita. Assim, para que ocorra a incidência, é necessário que haja alguma atração ou afinidade entre as características do suporte fáctico e os predicados que, na hipótese da regra jurídica, refletem a eleição do legislador para qualificar a conduta e regulamentar as relações. Esta busca, segundo Peirce, começa na percepção.105

O professor Paulo de Barros Carvalho também leciona acerca da hipótese de

incidência:

Há de significar, sempre, a descrição normativa de um evento que, concretizado no nível das realidades materiais e relatado no antecedente de norma individual e concreta, fará irromper o vínculo abstrato que o legislador estipulou na conseqüência.106

No entanto, para que as estipulações abstratas e gerais adquiram concretude e

individualidade, deve haver um fato que subsuma-se à hipótese normativa, implicando o

correspondente vínculo obrigacional.

Nesse sentido, concorda Clarice von Oertzen De Araujo, ao afirmar que uma

norma incide somente se ocorrer o fato jurídico descrito na hipótese. Afirma a autora:

Para que uma norma incida, deve ocorrer o fato jurídico descrito em sua hipótese. Quando este fato ocorre, sendo ele de natureza semiótica (e lingüística, desde que verbalmente configurado) e estando documentado de forma aceita e prescrita pelo

105 ARAUJO, C. v. O. Incidência Jurídica: teoria e crítica..., 2011. p. 114. 106 CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário..., 2009. p. 278.

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próprio sistema, uma norma incide, por se verificar a similitude entre as características do fato ocorrido e os predicados selecionados pelo editor normativo ao elaborar a hipótese da norma. Desde que a lei que prescreve a norma já esteja em vigor, e verificando-se esta ocorrência entre os aspectos do fato e da descrição hipotética, ocorre a subsunção.107

Temos assim que a incidência jurídica se reduz a duas operações formais, quais sejam:

à operação de subsunção, mediante o reconhecimento de um determinado acontecimento

concreto do mundo social, localizada no espaço social e em um determinado momento de

tempo, se encaixa à classe dos fatos previstos a uma previsão hipotética prevista na norma

geral e abstrata, e à operação de implicação, ou incidência, em que do fato concreto previsto

no antecedente faz surgir uma relação jurídica determinada entre dois ou mais sujeitos.

Nessa esteira, nas palavras de André Felipe Saide Martins, a incidência deve ocorrer

da seguinte forma:

Ao tomar conhecimento de um fato qualquer, realizado no mundo empírico, o aplicador do Direito vai submetê-lo aos critérios de identificação do fato jurídico correlato, previstos no antecedente de uma norma geral e abstrata (subsunção). Se houver identidade entre o fato ocorrido e o fato hipotético, o aplicador emite um comunicado descrevendo o “fato”. Com a descrição do fato em linguagem jurídica, articulada em consonância com a teoria das provas, ocorre a sua juridicização, ou a incidência da norma jurídica sobre ele, tornando-o fato jurídico.108

Característica muito importante permeia a incidência jurídica, de modo que tanto a

operação de subsunção quanto a incidência, ou aplicação, de uma norma somente ocorre

quando há a completa similitude entre o real e a representação que encontra-se contida na

hipótese normativa, destacando a importância da linguagem na atividade realizada pelo

intérprete e aplicador do direito, pois, não é possível haver incidência sem manifestação

linguística, já que e linguagem cria e propaga a realidade.109

Nesse sentido, cabe citarmos as considerações de Clarice von Oertzen De Araujo, que,

ao lecionar acerca da incidência jurídica, afirma: 107 ARAUJO, C. v. O. Semiótica do Direito..., 2005. p. 30. 108 MARTINS, A. F. S. A prova do fato jurídico tributário..., p. 75. 109 FLUSSER, Vilém. Língua e realidade. 2. Ed. São Paulo: Annablume, 2004.

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Certamente a incidência é um processo que ocorre na esfera do pensamento, uma vez que envolve a interpretação das leis gerais e a apreciação sobre a adequação ou inadequação de um preceito legal para a regulação de um caso concreto. A incidência, sendo um processo que envolve subsunções, inclusões, predicações e implicações, necessariamente envolverá o pensamento. Mas, no pensamento “as palavras são o material semiótico”.110

Segundo o professor Paulo de Barros Carvalho, formalizando, então, a incidência

jurídica em linguagem, ela poderia assim ser representada: “(F ϵ Hn) → RJ” e, ser

interpretada da seguinte forma: “se o fato F pertence ao conjunto da hipótese normativa (Hn),

então deve ser a conseqüência também prevista na norma (RJ)”.111 Ainda, são as palavras do

autor:

(...) as unidades normativas descrevem ocorrências, colhidas no ambiente social, e atrelam ao acontecimento efetivo desses eventos o nascimento de uma relação jurídica entre dois ou mais sujeitos de direito. Na instância normativa, tratando-se de regras gerais e abstratas, temos a previsão hipotética implicando a prescrição de um vinculum júris; no plano da realidade, um enunciado factual que se subsume à classe da hipótese e o surgimento de um liame com a especificação das pessoas e da conduta regulada, bem como do objeto dessa conduta. No caso de normas individuais e concretas, o juízo mantém-se em condicional e também hipotético, a despeito de o antecedente estar apontando para um acontecimento que já se consumara no tempo.112

Cabe lembrarmos que o vínculo de implicação segundo o qual prevê que, ocorrendo o

relato do evento no antecedente da norma, mediante a ocorrência do fato jurídico implica na

instalação da relação jurídica, caracteriza a chamada causalidade jurídica.113

Portanto, acerca da incidência da regra jurídica, André Felipe Saide Martins conclui:

110 ARAUJO, C. v. O. Incidência Jurídica: teoria e crítica..., 2011. p. 98. 111 Ou, ainda, conforme Lourival Vilanova, que faz uso da seguinte linguagem formalizada: “D[F →C(As,Sp)], ou seja, ‘se se dá um fato F qualquer, então o sujeito As deve fazer ou deve omitir ou pode fazer ou omitir conduta C ante outro sujeito Sp – assim deve ser”.(VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1977. p. 51) 112 Carvalho, P. de B. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência..., 2007. pp. 10-11. Destaca-se a lição de Celso Ribeiro Bastos: “Como parte inicial do processo interpretativo tem-se a seleção da norma aplicável à hipótese de que se cogita. Assim, frente a determinado caso concreto, ter-se-á de procurar, na vastidão do ordenamento jurídico, a norma aplicável, que regula a espécie submetida à apreciação. Poder-se-ia denominar este processo de subsunção da norma, porquanto é na verdade mais voltado para o caso concreto”. (BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor. 1997. p. 33.) 113 CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário..., 2009. p. 83.

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Ao tomar conhecimento do fato, realizado no mundo empírico, o aplicador do Direito vai submetê-lo aos critérios de identificação do fato jurídico correlato, previstos no antecedente de uma norma geral e abstrata (subsunção). Havendo identidade entre o fato (ocorrido) e o fato (hipotético), o aplicador emite um comunicado descrevendo o fato. Com a descrição do fato em linguagem jurídica, articulada em consonância com a teoria das provas, ocorre a sua juridicização, ou a incidência da norma jurídica sobre ele, tornando-o jurídico.114

No entanto, as normas jurídicas não incidem sozinhas, de forma espontânea, com a

ocorrência do evento. A incidência jurídica, e a conseqüente subsunção do fato à norma,

somente ocorre mediante a presença do homem realizando a subsunção e promovendo a

implicação determinada pelo preceito da norma geral e abstrata, mediante a expressão do

mero evento em linguagem competente, transformando-se em fato.115

Somente mediante o ato do agente competente (ser-humano), mediante o relato do

evento em linguagem competente, é que se dá a ocorrência da incidência jurídica, e

conseguinte eficácia jurídica e instauração do vínculo obrigacional, tal como exemplo, no

lançamento tributário. Anteriormente a tal relato, não há que se falar em existência de fato

jurídico, mas tão somente de fato social, enquanto mero evento ainda não constituído em

linguagem competente.

É através da observação que o agente competente deve identificar a absoluta

identidade com o que está previsto na hipótese da regra, permitindo, assim, o

desencadeamento do efeito implicacional, mediante a propagação dos efeitos jurídicos

prescritos na consequência normativa.

114 MARTINS, A. F. S. A prova do fato jurídico tributário..., 2007. p. 02. 115 Nesse sentido, afirma Gabriel Ivo: “Separar os dois momentos como se um, o da incidência, fosse algo mecânico ou mesmo divino que nunca erra ou falha, e o outro, o da aplicação, como algo humano, vil, sujeito ao erro, é inadequado. É pensar que nada precisa de interpretação. E mais, a incidência automática e infalível reforça a idéia de neutralidade do aplicador. Assim, a incidência terá sempre o sentido que o homem lhe der. Melhor: a incidência é realizada pelo homem. A norma não incide por força própria: é incidida”.(IVO, Gabriel. Norma Jurídica: Produção e controle. São Paulo: Noeses, 2006. p. 62.)

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Como ensina Paulo de Barros Carvalho, “(...) é importante dizer que não se dará a

incidência se não houver um ser humano fazendo a subsunção e promovendo a implicação

que o preceito normativo determina. As normas não incidem por força própria (...)”.116

As normas jurídicas não têm o condão de incidirem sozinhas e produzir conseqüentes

efeitos jurídicos. Sendo assim, compartilhamos do entendimento de que a incidência não se dá

automática e infalivelmente com o acontecimento do evento ou fato social, sendo necessário,

em conformidade às premissas firmadas anteriormente, de que o mero evento social venha a

adquirir expressão em linguagem competente, transformando-se em fato jurídico tributário.

Desse modo, confunde-se com o próprio ato de aplicação, necessitando de atos

humanos, que são realizados pelos aplicadores do direito, para realizar a subsunção do fato à

norma e estabelecer a conseqüente relação jurídica.117

O aplicador do direito é quem realiza a ligação entre a norma e a realidade de modo

que, ao tomar conhecimento, mediante a apreensão pelos sentidos, do fato realizado no

mundo empírico, ao interpretá-lo, verifica o seu enquadramento e o submete aos critérios para

a identificação do fato jurídico correlato e que encontram-se previstos na hipótese da regra

jurídica, promovendo a subsunção. Somente de tal modo se é possível permitir que sejam

propalados os efeitos previstos na consequência da regra jurídica, instaurando a relação

jurídica prevista.

116 CARVALHO, P. de B. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência..., 1998. p. 11. Nesse sentido, também é o posicionamento de Fabiana Del Padre Tome, que aduz: “É a fenomenologia da incidência. Referida operação, todavia, não se realiza sozinha: é preciso que um ser humano promova a subsunção e a implicação que o preceito da norma geral e abstrata determina. Na qualidade de operações lógicas, subsunção e implicação exigem a presença humana. Daí a visão antropocêntrica, requerendo o homem como elemento intercalar, construindo, a partir das normas gerais e abstratas, outras normas, gerais ou individuais, abstratas ou concretas”. (TOMÉ, F. D. P. A Prova no Direito Tributário..., 2005. p. XXI) 117 Cumpre ressaltar que a doutrina divide-se relativamente ao fenômeno da incidência jurídica. Enquanto alguns autores defendem que a incidência e a aplicação da norma jurídica não confundem-se, ocorrendo em momentos distintos (cf. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. ; MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado.3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970. Tomo I; MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1999), para outros autores, a incidência não se dá de forma automática e infalível com o acontecimento do fato jurídico tributário, pois confunde-se com o próprio ato de aplicação (cf. CARVALHO, P. de C. op. cit; SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento Tributário.2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1999; CARVALHO, Cristiano. Teoria do sistema jurídico: direito, economia, tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2005.)

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Posteriormente, havendo uma identidade entre o fato já ocorrido e o fato hipotético

previsto, o aplicador do Direito deve emitir um comunicado, descrevendo o fato em

linguagem jurídica com o intuito de promover a sua juridicização, de modo que seja

articulado em consonância à teoria das provas. Logo, mediante a incidência da norma jurídica

sobre o fato, ele passa a tornar-se jurídico.

É o ato humano que extrai de normas gerais e abstratas outras normas, sejam gerais e

abstratas ou individuais e concretas, para atingir e regular as condutas humanas nas relações

sociais. Segundo Maria Rita Ferragut, “(...) ocorrido o evento (que corresponde ao que a

grande parte da doutrina entende por fato), a incidência não é ‘automática e infalível’. A

participação do homem é fundamental não só para a produção das normas gerais e

abstratas, mas também para o processo de positivação do direito, que tem o condão de

chegar o mais próximo possível da conduta humana, expedindo novos comandos normativos,

ao certificar a ocorrência de acontecimentos factuais”. 118

Com base nesse pressuposto, André Felipe Saide Martins discorre que “Com a

previsão normativa, ou seja, com a descrição hipotética de um fato no antecedente de uma

norma geral e abstrata, o fato poderá ser vertido em linguagem jurídica própria e, deste

modo, ser considerado fato jurídico. Constituído o fato jurídico estará constituída a relação

jurídica prevista no conseqüente da norma geral e abstrata”.119

Portanto, o relato, através do emprego de linguagem competente, dos eventos do

mundo real-social, que encontram-se descritos no antecedente das normas gerais e abstratas,

assim como as relações jurídicas, que encontram-se prescritas no conseqüentes das normas

gerais e abstratas, caracteriza a aplicação das normas jurídicas, e logo, assemelha-se à

118 FERRAGUT, M. R. Presunções no Direito Tributário..., 2005 .p. 02. 119 MARTINS, A. F. S. A prova do fato jurídico tributário..., 2007. p. 71. Diz ainda o referido autor: “Contanto que o acontecimento do mundo físico, dotados dos elementos temporal, material e espacial, corresponda, semânticamente, à concretização das notas abstratas catalogadas nos critérios temporal, material e espacial do antecedente normativo, e desde que esse fato seja vertido em linguagem formalmente estipulada pelo direito, estará constituído o fato jurídico, e com ele a relação jurídica suposta no conseqüente da norma geral e abstrata”. (Ibidem., p. 81)

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incidência. Somente se dá mediante a expedição da norma individual e concreta, em que,

mediante a aplicação normativa, se dá a constituição do fato e da relação jurídica pela

linguagem do Direito Positivo.

Cabe a conclusão do professor Paulo de Barros Carvalho, ao afirmar que “isso

significa equiparar, em tudo e por tudo, aplicação a incidência, de tal modo que aplicar uma

norma é fazê-la incidir na situação por ela juridicizada. E saliente-se, neste passo, que utilizo

‘linguagem competente’ como aquela exigida, coercitivamente, pelo direito posto”.120

Por fim, cabe destacarmos, também, a conclusão de Fabiana Del Padre Tomé acerca

da aplicação do direito e a forma em como se efetiva a incidência tributária, ao afirmar que:

É pelo ato de aplicação do direito que se tem o processo de positivação (...). Convém esclarecer que a aplicação do direito não dista da própria produção normativa. “A aplicação do Direito é simultaneamente produção do Direito”. Trata-se e ato mediante o qual se extrai de regras superiores o fundamento de validade para a edição de outras regras, cada vez mais individualizadas. E é somente por meio dessa ação humana que se opera o fenômeno da incidência normativa em geral, assim como da incidência tributária, em particular. Sem que um sujeito realize a subsunção e promova a implicação, expedindo novos comandos normativos, não há que falar em incidência jurídica.121

Portanto, relativamente à incidência jurídica, é ela quem cria a realidade jurídica, cria

o fato jurídico, bem como a relação jurídica. Se dá mediante uma seqüência de processos em

que se dá a percussão da norma jurídica sobre os fatos jurídicos, e não sobre os meros

eventos, mediante a subsunção dos fatos, devidamente relatados em linguagem jurídica, à

norma, desencadeando os efeitos obrigacionais.No entanto, ela não se dá de modo automático

e infalível mediante a ocorrência do evento, mas requer que o fato social seja relatado em

linguagem competente e transformando em fato jurídico, pois, somente de tal modo tem se a

incidência e o surgimento da obrigação correspondente (fato jurídico tributário).122

120 CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário..., 2009. p. 90. 121 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 32. 122 Cabe assinalarmos que a teoria constitutiva ou constructivista contrapõe-se à teoria declaratória ou determinista que, também denominada teoria tradicional da incidência da norma jurídica, afirma que a incidência se dá de modo automático e infalível, no plano factual, não distinguindo, assim, o plano do direito positivo e a realidade social. Discorre de forma brilhante acerca do tema a professora Clarice von Oertzen de Araujo

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3. A CARACTERIZAÇÃO DO FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO

A análise do fato jurídico tributário pressupõe a verificação da relação entre o que

encontra-se descrito na norma geral e abstrata e o que foi enunciado na norma individual e

concreta relativas ao tributo.

De antemão, podemos destacar que o fato jurídico tributário é constituído pelo ato

administrativo de lançamento tributário, de modo que o fato somente torna-se jurídico quando

encontra-se reportado em linguagem competente. Mas, somente se reconhece juridicamente

um fato a partir da prova, tendo em vista que prova é linguagem apta a constituir o fato

jurídico tributário.

Assim, o fato jurídico tributário, quando constituído, detém como função permitir o

estudo da fenomenologia da incidência tributária; inaugurar a relação jurídica tributária, já

que descreve o evento em linguagem, permitindo o estabelecimento do vínculo jurídico entre

os sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária, individualizando tais sujeitos; identifica o

exato momento em que nasce a obrigação tributária, bem como fixa o quantum devido.123

Com o intuito de complementar o tema abordado anteriormente, e permitir a

compreensão completa acerca da operatividade da incidência jurídica, se perfaz necessário

analisarmos como se dá a constituição do fato jurídico tributário, caminho que

empreenderemos adiante.

(ARAUJO, C. v. O. de. Incidência Jurídica: teoria e crítica..., 2011) e Giovani Hermínio Tomé (TOMÉ, G. H. Planejamento Tributário: um estudo pela perspectiva do constructivismo lógico-semântico..., 2011). 123 PINHO, Alessandra Gondim. Fato Jurídico Tributário. 1998. 94 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Direito, Direito do Estado, Direito Tributário. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1998.

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3.1 A importância da linguagem na constituição do fato jurídico tributário

O fato jurídico tributário, antes de ser tributário, é um fato jurídico como qualquer

outro. Assim, cumpre ressaltarmos, conforme visto anteriormente, que a linguagem cumpre

importante papel na constituição do fato jurídico tributário.

Uma determinada ocorrência que se passa no universo fenomênico somente ingressa

no sistema do Direito Positivo, quando encontrar-se com formação linguística, ou seja,

somente quando encontrar-se narrada em enunciados linguísticos, mediante a forma e sujeitos

competentes indicados pelo próprio ordenamento jurídico, e somente de tal modo, produzirá

efeitos na seara jurídica.

Assim, apenas relembrando, conforme demonstramos anteriormente, uma determinada

ocorrência do mundo dos fenômenos (evento), quando relatada em linguagem competente,

por um ser-humano, e descrito como uma hipótese de uma norma individual e concreta,

permitirá o seu conhecimento e denotará a sua ocorrência no tempo e no espaço,

caracterizando-se como um fato jurídico. Tomamos, então, fato como o relato linguístico do

evento. Mas, para caracterizar-se como mero fato, deve encontrar-se descrito em linguagem

natural, utilizada ordinariamente na sociedade. De outra forma, tomaremos como evento a

ocorrência que se passar no mundo dos fenômenos e que encontrar-se despida de qualquer

enunciado linguístico.

Nesse contexto, será fato jurídico o relato do evento em linguagem competente para o

Direito, em que, para caracterizar-se como jurídico, deverá ser prescrita pelo Direito Positivo,

ou seja, pela linguagem jurídica, que é a linguagem que detém força suficiente para, por

intermédio da incidência, tornar o fato jurídico.

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Assim, o fato jurídico somente constituir-se-á quando houver a descrição do fato

expedida pela autoridade competente, mediante a linguagem jurídica, caracterizando a

incidência jurídico-normativa.

Cabe destacarmos, por fim, que o fato jurídico é também um fato social, tendo em

vista que o ordenamento jurídico é um subsistema que pertence ao sistema social.

3.2 Ambiguidades acerca da expressão “fato jurídico”

A expressão “fato jurídico” comporta diferentes usos e ambiguidades. No entanto,

devemos atentar que no discurso jurídico não deve persistir ambiguidades, o que nos induz a

manifestar a qual opção faremos uso.

Relativamente ao uso da expressão na doutrina, na legislação e na jurisprudência, “fato

jurídico” assume três modos distintos de uso,124 quais sejam:

(i) a descrição hipotética presente nos texto jurídicos;

(ii) a verificação concreta do acontecimento a que se refere tal hipótese;

(iii) o relato em linguagem jurídica de tal ocorrência.

Afirmamos, anteriormente, que fato jurídico é a descrição e o relato expedido pela

autoridade competente, através da linguagem e do procedimento previsto no ordenamento

jurídico. Ressaltamos também que se perfaz de extrema importância o relato linguístico,

pois, somente mediante a constituição de uma situação ocorrida no tempo e no espaço em

enunciados linguísticos é que haverá a caracterização de fatos, e, na linguagem competente

do Direito, de fatos jurídicos.

Desse modo, em conformidade à ambiguidade predominante na doutrina, na legislação

e na jurisprudência, atentamos que o significado mais apto a ser dispensado a fato jurídico é

124 Cf. CARVALHO, A. T. de. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-semântico..., 2009. p. 506.

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de que expressa um relato em linguagem jurídica de tal ocorrência do evento ocorrido no

mundo dos fenômenos e que encontra-se apto a produzir efeitos jurídicos.

Ainda, outra ambigüidade que persiste relativamente à expressão “fato jurídico” é a

que subdivide, metodologicamente, fato jurídico em fato jurídico em sentido amplo e fato

jurídico em sentido estrito.

Acerca do tema, Fabiana Del Padre Tomé bem explicita:

Fato jurídico em sentido amplo: i: fato, por relatar acontecimento pretérito; ii) jurídico, por integrar o sistema do direito; e iii) em sentido amplo, por ser apenas um dos elementos de convicção que, conjugado a outros, propiciará a constituição do fato jurídico em sentido estrito, constante do antecedente da norma individual e concreta veiculada pelo ato de lançamento, de aplicação ou de decisão administrativa ou judicial.(grifos no original)125

Assim sendo, fato jurídico em sentido estrito refere-se ao enunciado denotativo que

refere-se a um evento já ocorrido em conformidade a uma hipótese normativa, passível de ser

encontrado no antecedente da norma individual e concreta, e veiculado pelo ato de

lançamento, pelo ato de aplicação ou por decisão administrativa ou judicial

De outro modo, fato jurídico em sentido amplo refere-se a um relato de um

acontecimento pretérito, integrante do sistema jurídico, e que servirá como elemento de

convicção para a constituição do fato jurídico em sentido estrito. Dito por outras palavras,

“vem a ser qualquer enunciado jurídico que relate a ocorrência do evento, mas que produza

efeitos no âmbito do direito, não sendo necessária a instituição de deveres correlatos

individuais, quer dizer, não se verificando no bojo de estrutura normativa hipotético-

condicional”.126

Seguindo esta linha de raciocínio, Aurora Tomazini de Carvalho bem explicita:

125 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2008. p. 71. 126 TOMÉ, G. H. Planejamento Tributário: um estudo pela perspectiva do constructivismo lógico-semântico..., 2011. p. 110.

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Caracteriza-se o fato jurídico em sentido estrito, como o enunciado um enunciado denotativo que ocupa posição sintática de antecedente de normas concretas, que se refere a uma ocorrência passada, verificada nos moldes de uma hipótese normativa (ex.: a paternidade constituída numa “sentença declaratória”, o homicídio relatado numa “sentença penal condenatória”; o “ser proprietário de bem imóvel”informado na guia de constituição do IPTU, etc). Já o fato em sentido amplo é qualquer enunciado jurídico que relate a ocorrência de um evento e que produza efeitos na ordem jurídica, mas não necessariamente instituindo direitos e deveres correlatos individualizados (ex: as provas, os fatos alegados em petição inicial ou contestação). A diferença resulta na circunstância de que o fato jurídico em sentido estrito é mais que o relato em linguagem competente de um acontecimento passado capaz de produzir efeitos na ordem jurídica, ele é tomado como antecedente de uma norma jurídica concreta, cujo conseqüente institui uma relação jurídica (individualizada) entre dois ou mais sujeitos.127

Relativamente à teoria das provas na constituição do fato jurídico, temos que o fato

jurídico em sentido amplo corresponde ao fato alegado, ou notícia do evento materializado

juridicamente. Ele serve como motivação para a constituição de outro fato jurídico, ou seja, o

fato jurídico em sentido estrito, sendo o motivo do ato de aplicação que obriga o agente

competente a realizar o procedimento previsto pelo sistema jurídico, culminando no ato de

aplicação, veiculador do fato jurídico, bem como na correspondente relação instituidora de

direitos e deveres correlatos na ordem jurídica. Nesse procedimento, o pressuposto lógico será

saber se ocorreu, ou não, o fato alegado, o que é possível mediante o recurso técnico das

provas.

De qualquer modo, ressaltamos, novamente, a importância de que o relato do evento

esteja contido na linguagem competente do Direito, tal como afirmam em ambos os casos,

enfatizando, então, que fato jurídico deve remeter ao relato linguístico, que seja feito pela

autoridade competente e mediante linguagem do Direito Positivo, e em conformidade aos

preceitos do ordenamento jurídico, enfatizando, assim, a imprescindibilidade do relato do

evento em linguagem competente.

127 CARVALHO, A. T. de. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-semântico..., 2009. p. 507.

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3.3 Definição de Fato Jurídico Tributário

Inicialmente, cumpre adotarmos uma definição de fato jurídico tributário, após todo

o exposto, para, posteriormente, analisarmos a sua constituição.

Conforme professor Paulo de Barros Carvalho, ao discorrer acerca do fato jurídico

tributário, afirma que “o fato jurídico tributário será tomado como um enunciado protocolar,

denotativo, posto na posição sintática de antecedente de uma norma individual e concreta,

emitindo, portanto, com função prescritiva, num determinado ponto do processo de

positivação do direito”.128

Assim sendo, o fato jurídico tributário deve ser considerado fato jurídico pois tem o

condão de irradiar efeitos jurídico, e tributário pois sua eficácia encontra-se em consonância à

criação do tributo.129

Consideramos, então, que fato jurídico tributário é o fato, cuja ocorrência se deu no

mundo concreto e real, dotado dos critérios material, temporal e espacial, que por

corresponder rigorosamente aos critérios material, temporal e espacial previstos no

antecedente normativo e desde que expresso pela linguagem competente e descrito conforme

as provas admitidas em Direito, enseja o nascimento da obrigação tributária.

Mas, partido da definição exposta acima, cumpre analisarmos como se dá a

constituição do fato jurídico tributário e sua correta caracterização para se demonstrar,

adiante, a relevância da teoria das provas para a caracterização e reconhecimento do fato

jurídico tributário.

128 CARVALHO, P. de B. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência..., 2010. p. 39. 129 CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário..., 2009. p. 279.

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3.4 Constituição do Fato Jurídico Tributário

É certo que o Direito Positivo é composto por diferentes normas jurídicas, como as

normas gerais e abstratas e as normas individuais e concretas. Somente por intermédio do

processo de positivação do direito, partindo de normas gerais e abstratas até se chegar às

normas individuais e concretas é que se é possível ao Direito identificar determinadas

ocorrências no domínio do mundo real-social e colher indivíduos especificados, com o intuito

de ordenar o convívio social.

Ou seja, no contexto do sistema do Direito Positivo, as normas gerais e abstratas,

cujo exemplo típico são as regras-matrizes de incidência tributária, por serem voltadas a um

conjunto indeterminado de indivíduos, têm o intuito de não atuar diretamente sobre as

condutas intersubjetivas, mas sim estabelecem critérios aptos para a identificação e tipificação

de fatos de possível ocorrência.

São as regras-matrizes de incidência tributária, enquanto normas gerais e abstratas,

que têm o condão de instituir o tributo, estatuindo situações hipotéticas hábeis a gerar

consequências jurídicas, ao descrever, conotativamente, em sua hipótese, um determinado

fato de possível ocorrência, e prescrever, no conseqüente a instalação da relação jurídica,

mediante a determinação de seus critérios.

Nesse sentido, a hipótese das normas gerais e abstratas não contém o fato

propriamente dito, mas sim contém notas sobre ou fato. Ou seja, a hipótese das normas gerais

e abstratas contém apenas as características acerca de um determinado acontecimento de

possível ocorrência no mundo real-social como suficientes para a propagação de efeitos de

Direito. Mas, esse fato somente será considerado jurídico caso apresente todas as

características e os critérios previstos hipoteticamente pelo direito.

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Posteriormente, no processo de positivação do direito130, devem ser emitidas as

normas individuais e concretas, cujo exemplo típico é o lançamento tributário, que,

diferentemente das normas gerais e abstratas, realiza a individualização dos sujeitos de direito

para os quais se volta, bem como remete a acontecimentos passados e concretos. Ou seja,

estabelecem que, devido à ocorrência de um determinado fato jurídico, dá ensejo ao

nascimento de uma relação em que um sujeito de direito detém uma obrigação em relação a

um outro sujeito de direito.

Leonardo Furtado Loubet e Charles William Mcnaughton, com devida acuidade,

consignam que o processo de positivação do direito pode ser descrito da seguinte forma:

Em contrapartida, as normas gerais e abstratas acabam por se ressentir de elevado grau de abstração e indeterminação, porquanto, ao prever situações hipotéticas, não atuam em ocorrências concretas. Para atender à expectativa social, que é de organizar a vida coletiva através da prescrição de condutas, o Direito não poderia compadecer com tamanha vaguidade. Seria o reino da absoluta ausência de eficácia imaginar um sistema coberto somente de normas gerais e abstratas, que se limitariam a gravitar no plano da generalidade sem atuar no campo das experiências reais. Daí a necessidade das normas individuais e concretas. Com efeito, pelo estabelecimento dessas normas o sistema atinge maior grau eficacial, tendo em vista que, ao relatar (constituir) em linguagem competente a ocorrência de um fato jurídico identificado num certo trato de tempo e num dado ponto do espaço e, por corolário, ao prescrever no conseqüente uma relação jurídica em que um sujeito fica investido de um direito subjetivo de exigir de outro determinada conduta, a ordem jurídica atinge seus propósitos teleológicos. Diferentemente das normas gerais e abstratas, as normas individuais e concretas não trabalham com indefinição, mas com a precisão de certo fato jurídico que gera (imputação normativa) uma relação jurídica individualizada – eis porque, em vez de chamar de hipótese, inclina-se em denominar de antecedente o suposto dessas normas.131

Mas, nesse contexto, somente se é possível transitar das normas gerais e abstratas às

normas individuais e concretas mediante a presença humana realizando o respectivo ato de

aplicação, promovendo a subsunção e fazendo a implicação que o preceito normativo

determina, mediante a realização da incidência jurídica.

130 Entende-se por processo de positivação do direito o processo através do qual o aplicador parte de normas jurídicas de hierarquia superior, de forte grau de abstração, para produzir novas regras e alcançar uma maior individualização e concretude, em direção à disciplina dos comportamentos intersubjetivos. 131 LOUBET, L.; MCNAUGHTON, C. W. A prova na percussão tributária. Processo Administrativo Tributário..., 2005. pp. 268-269.

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É, assim, a norma individual e concreta que relata o evento ocorrido e, ato contínuo,

constitui o fato jurídico tributário, bem como estabelece a conseqüente obrigação, mediante o

relato e constituição em linguagem competente da ocorrência de um fato jurídico identificado

em um determinado período de tempo e em um dado ponto do espaço, e, prescrevendo no

conseqüente uma relação jurídica em que um sujeito fica investido de um direito subjetivo de

exigir de outro sujeito o cumprimento de determinada conduta.

Acerca da relação jurídica que se instaura mediante a norma individual e concreta,

Paulo de Barros Carvalho nos ensina:

A relação jurídica se instaura por virtude de um enunciado fáctico, posto pelo conseqüente de norma individual e concreta, uma vez que, na regra geral e abstrata, aquilo que encontramos são classes de predicados que um acontecimento deve reunir para tornar-se fato concreto, na plenitude de sua determinação empírica. Enquanto na norma geral e abstrata o enunciado referencial se arma para o futuro, se programa para frente, a norma individual e concreta vai fazer irromper um liame jurídico específico mediante enunciado de índole relacional, perfeitamente individualizado quanto aos termos , sujeitos (ativo e passivo) e quanto à conduta-prestação, que é seu objeto. Subordinado o ato ou negócio jurídico a evento futuro e incerto, seus efeitos normais ficarão inibidos e somente por ocasião do acontecimento previsto como condição-suspensiva, vertida em linguagem, é que nascerá, com todo o vigor característico, o vínculo obrigacional tributário.132

Desse modo, a norma individual e concreta deve estabelecer em seu antecedente

àquele fato que foi tipificado pela norma geral e abstrata, prevendo os critérios material,

espacial e temporal, bem como em seu conseqüente deve especificar os sujeitos integrantes do

vínculo obrigacional e indicar a base de cálculo e a alíquota que devem compor o quantum

devido.

É, assim, o fato jurídico enunciado representativo de determinada ocorrência do

mundo dos fenômenos, enunciado em conformidade ao antecedente normativo da norma

individual e concreta, no entanto, limitado, semanticamente, pelo exposto na hipótese da

norma geral e abstrata.

132 CARVALHO, P. de B. Direito Tributário. Linguagem e Método..., 2008. pp. 831-832.

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Para tanto, em conformidade às premissas firmadas anteriormente, para que ocorra a

caracterização do fato jurídico tributário, “a ocorrência da vida real, descrita no suposto da

norma individual e concreta expedida pelo órgão competente, tem de satisfazer a todos os

critérios identificadores tipificados na hipótese da norma geral e abstrata”.133

Observa-se, assim, que mediante a ocorrência de um fato previsto no antecedente de

uma norma tributária geral e abstrata, e ocorrida a subsunção, a norma individual e concreta

deve incidir para compor e constituir o fato jurídico tributário. Ressaltamos, assim, a

insuficiência da norma geral e abstrata, sendo imprescindível o relato do evento através da

subsunção do fato à lei, mediante a produção da norma individual e concreta.

Mas, cabe destacarmos que o fato jurídico, conforme já afirmamos anteriormente,

não se confunde com o evento ou a ocorrência fenomênica que lhe serve de fundamento.

O evento refere-se à ocorrência concreta ocorrida no mundo real, sem delimitação de

tempo e de espaço, despido de formação linguística. Já o fato jurídico é o enunciado

lingüístico que relata esse evento fenomênico.

Ainda, a constituição do fato jurídico tributário deve ser pautada em provas

admitidas pelo direito, pois somente através da linguagem competente se é possível atestar a

veracidade e ocorrência do perfeito enquadramento do fato à previsão normativa.

Como bem leciona Fabiana Del Padre Tomé:

E, para que a identificação desses fatos seja efetuada em conformidade com as prescrições do sistema jurídico, deve pautar-se na linguagem das provas. É por meio das provas que se certifica a ocorrência do fato e seu perfeito quadramento aos traços tipificadores veiculados pela norma geral e abstrata, permitindo falar em subsunção do fato à norma e em implicação entre antecedente e conseqüente, operações lógicas que caracterizam o fenômeno da incidência normativa. Podemos dizer, em síntese, que a linguagem das provas é da ordem da aplicação do direito.134

133 CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário..., 2009. p. 280. 134 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 31.

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Cabe destacarmos que o fato jurídico tributário é fato, pois o evento encontra-se

relatado em linguagem competente, é, pois, jurídico, já que tem o condão de irradiar efeitos

jurídicos, bem como é tributário, já que, como bem explicita o professor Paulo de Barros

Carvalho, conforme demonstrado acima, a sua eficácia encontra-se em consonância à criação

do tributo.

No entanto, não devemos confundir o marco inicial de constituição do fato jurídico

tributário com o momento de ocorrência do evento no mundo fenomênico e que o fato

jurídico se refere.

A constituição do fato jurídico tributário ocorre no preciso momento em que a

norma individual e concreta ingressa no ordenamento jurídico. Esse é o marco inicial de

constituição do fato jurídico tributário.

Mas, apesar do tempo de constituição do fato jurídico tributário não confundir-se

com o momento em que se dá a ocorrência do evento no universo fenomênico, o momento de

ocorrência do evento se perfaz importante para se determinar as alterações de condutas que

encontram-se relatadas no conseqüente da norma individual e concreta.

Ao discorrer acerca do planejamento tributário sob a perspectiva do constructivismo

lógico-semântico, Giovani Hermínio Tomé elucida sobre a separação entre o tempo e o

espaço em que se deu o acontecimento que encontra-se relatado no fato, bem como quanto ao

tempo e o espaço em que o fato veio a ser produzido (do fato). Vejamos:

Tempo do fato é o momento em que o fato jurídico se constitui juridicamente. Geralmente, se concretiza com a notificação das partes. Tempo no fato é o instante da ocorrência do evento, mas que ingressa no ordenamento jurídico porque referido no bojo de um fato. Local do fato ver a ser a referência ao lugar onde o fato foi constituído, como é o caso do local em que se verificou a autuação fiscal. Local no fato seria o lugar, propriamente dito, em que o evento ocorreu, descrito pelo fato jurídico. Essa distinção é de extrema relevância, especialmente para determinação da legislação aplicável. A título ilustrativo, cabe mencionar que, com relação ao fato jurídico tributário, o sistema jurídico brasileiro exige dois procedimentos, sendo um de direito material, para a determinação do evento para se saber qual a lei vigente no momento da ocorrência do evento e outro para se constituir o fato jurídico

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tributário, ou seja, a especificação do agente competente, dos atos administrativos que serão praticados, o tipo de linguagem a ser empregada no momento em que a norma individual for editada, que são regras de estrutura. Assim, as normas que regularão o ato de jurisdicização do evento serão as do momento da celebração do ato de lançamento, enquanto o ordenamento que regulará o evento será o vigente no instante em que ele se deu, conforme relatado no fato. Mas não podemos nos olvidar que os efeitos serão sempre para o futuro. Os pontos de sequência temporal referente ao passado e ao presente servem apenas para a demonstração de quais normas serão aplicáveis.135 (grifos no original)

Desse modo, a caracterização do fato jurídico tributário, por tudo o que foi exposto

acima, merece especial atenção já que no campo tributário, mediante a ocorrência da

incidência e a composição do fato jurídico tributário, há a imputação a determinadas pessoas

do dever de pagar ao Estado uma determinada soma em dinheiro, a título de tributo.

É nesse contexto que as provas assumem fundamental importância no âmbito da

tributação, pois, constituída a obrigação tributária, a sua materialidade deve estar pautada em

provas admitidas pelo direito, que atestem a veracidade e existência do fato sobre o qual se

fundam as normas que constituem as relações jurídicas tributárias, tendo em vista que os

efeitos jurídicos somente devem se produzidos e propagados após o relato do evento em

linguagem competente, pois, tal como afirma Maria Rita Ferragut, “a existência do fato

jurídico é pressuposto necessário da própria existência da obrigação”.136

135 TOMÉ, G. H. Planejamento Tributário: um estudo pela perspectiva do constructivismo lógico-semântico..., 2011. p. 112-113. 136 FERRAGUT, M. R. Presunções no Direito Tributário..., 2005. p. 24.

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SEGUNDA PARTE – TEORIA DAS PROVAS EM FACE DOS PRINCÍPIOS

CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS

4. NOÇÕES GERAIS SOBRE A PROVA

O termo prova admite diferentes significados. No entanto, cumpre inicialmente

ressaltarmos que, tendo em vista o objeto de estudo do trabalho ora apresentado, atentaremos

nossa atenção para o gênero prova jurídica, do qual a prova judiciária é espécie, e que

caracteriza-se como a prova construída no interior do sistema positivo, segundo as regras de

direito, independentemente da instauração de processo judicial. E, ainda, nossa atenção será

dirigida às provas que motivam os atos administrativos de lançamento tributário que, mesmo

integrantes da dinâmica de positivação de normas jurídicas, não se formam no corpo de

processo judicial.

Nesse sentido, concordamos com Fabiana Del Padre Tomé acerca da relevância em se

realizar uma análise das provas, pois, conforme afirma a professora, “o corte epistemológico

realizado implica, ainda, exame das provas levadas à apreciação do julgador quando

instaurado o processo administrativo, as quais, embora não apresentem caráter judicial, são

de indiscutível juridicidade, devendo ser constituídas mediante específicos métodos

probatórios e linguagem prescrita pelo ordenamento”.137

Destacamos que o intuito não é esgotar o tema acerca da Teoria das Provas, tal como

foi brilhantemente realizado pela Professora Fabiana Del Padre Tomé em sua obra “A prova

no direito tributário”, o que importaria em disponibilizar um trabalho integral para

desenvolver tal tema, mas sim compreender as noções gerais em torno das provas, com o

intuito de, ao aplicar ao objeto de investigação ora proposto, demonstrar que o ato de

137 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. pp. 64-65.

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lançamento tributário deve estar fundado pelo fato efetivamente ocorrido, de modo que

somente haverá de se atestar a veracidade do respeito fato através de farta produção

probatória.

4.1 A linguagem jurídica das provas

As provas encontram-se relacionadas à constituição do fato jurídico tributário,

enquanto criado pelo Fisco com o intuito de embasar o direito subjetivo ao tributo. A

constituição dos fatos jurídicos se dá mediante a utilização da linguagem jurídico-prescritiva,

que também se faz necessária para modificá-los ou desconstituí-los. Conforme já afirmamos

anteriormente, a dinâmica das provas deve ser observada no contexto do fato comunicacional.

Fato jurídico é àquele evento que possa ser expresso em linguagem competente, em

conformidade às qualificações estipuladas pelas normas de Direito Positivo. Conforme Paulo

de Barros Carvalho, “fato jurídico é a parte do suporte fáctico que o legislador, mediante a

expedição de juízos valorativos, recortou do universo social para introduzir no mundo

jurídico”.138

Para tanto, a constituição do fato jurídico requer a linguagem competente, ou seja, a

linguagem das provas, pois, somente de tal modo é que a mutação ocorrida na vida real é

contada fielmente, em conformidade aos meios de prova admitidos pelo sistema do Direito

Positivo, consubstanciando-se em fatos jurídicos, e irradiando efeitos. De outro modo, tal

ocorrência será considerada tão somente um evento.

Ou seja, retomando à fenomenologia da incidência tributária, realizado o

acontecimento da hipótese de incidência prevista no ordenamento jurídico tributário, se dá a

constituição do fato mediante a linguagem competente. Conseqüentemente, subsumindo-se tal

138 CARVALHO, P. de B. Direito Tributário. Linguagem e Método..., 2008. p. 825.

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fato à hipótese normativa tributária, há a propagação do efeito jurídico próprio, mediante a

instalação da relação jurídica tributária, ou seja, o vínculo obrigacional mediante o qual uma

pessoa, denominada sujeito ativo, detém o direito subjetivo de exigir de outra, denominada

sujeito passivo, o cumprimento de determinada prestação pecuniária. No entanto, apenas para

relembrar, referida operação não concretiza-se sozinha, mas requer a presença humana que

constrói, a partir das normas gerais e abstratas, outras normas, sejam gerais ou individuais,

sejam abstratas ou concretas.

Temos, então, que fatos jurídicos sãos enunciados passíveis de sustentarem-se em face

da linguagem das provas em direito admitidas. Somente de tal modo há a caracterização do

fato jurídico tributário, ensejando o nascimento da obrigação tributária.

Para que o relato ingresse no universo do Direito, constituindo o fato jurídico

tributário, a incidência jurídico-tributária requer, então, a existência de uma norma jurídica

válida e vigente, bem como que o evento seja vertido e enunciado em linguagem competente,

àquele em que o sistema indica como própria e adequada, pois, somente de tal modo, há a

linguagem do Direito Positivo projetando-se sobre o campo material das condutas

intersubjetivas, de modo a organizá-las deonticamente. Somente quando os acontecimentos do

mundo real puderem ser relatados em linguagem competente para constituí-los, é que eles

passam a ingressar nos domínios do jurídico.

E, nesse contexto, o evento que vier a constituir o fato jurídico tributário deve ser

enunciado em linguagem competente, em conformidade às provas admitidas em Direito. Os

instrumentos aptos à certificação dos fatos jurídicos são as provas em Direito admitidas, aptas

a demonstrar o reconhecimento dos fatos da vida social juridicizados pelo direito.

A prova consistirá, assim, em uma construção lingüística que tem por fundamento as

marcas deixadas pela ocorrência fenomênica, enquanto fato que faz presumir a ocorrência de

um determinado evento. É um enunciado lingüístico factual, ou linguagem, que tem por

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objeto construir um fato, que é outro enunciado lingüístico, que ocorreu no passado, situado

no tempo e no espaço. Ou, ainda, “prova é um fato, portanto, uma enunciação lingüística,

para demonstrar a ocorrência de outro fato, o fato jurídico tributário”.139

Destacamos, então, a importância da função da linguagem das provas no sistema do

Direito Tributário e, notadamente, na construção do fato jurídico. É, então, a prova, a

linguagem jurídica, ou a linguagem competente que certifica a ocorrência do fato

conotativamente previsto na hipótese na norma que se pretende aplicar mediante enunciados

probatórios.

4.2 Definição do conceito de prova

O termo “prova”, em seu sentido etimológico, origina-se do latim probo, probare,

probatum, que significa provar, ou, mais especificamente, demonstrar ou acreditar na verdade

ou na certeza de um fato. Portanto, em seu sentido etimológico, provar é demonstrar a

verdade de uma proposição, independentemente de sua natureza, de modo a denotar algo que

possa servir ao convencimento de outrem.

O termo “prova” admite diferentes acepções, padecendo, assim, de vício de

ambigüidade. Tanto é que a professora Fabiana Del Padre Tomé, em sua excelente tese de

doutoramento, encontrou diversas significações possíveis para o termo “prova”, em virtude do

momento em que a prova é considerada, entre outras razões, sendo desaconselhável, em

conformidade à autora, pretender atribuir-lhe um único sentido.140

139 ESTEVES, M. do R. A prova do fato jurídico no processo administrativo tributário..., 2005. p. 129. 140 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. pp. 65-66.

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No entanto, tendo em vista o tema ora em análise, seguindo o entendimento da referida

professora, entendemos que “prova é a linguagem escolhida pelo direito que vai não apenas

dizer que um evento ocorreu, mas atuar na própria construção do fato jurídico”.141

Afirma, ainda, a autora que, sendo plurissignificante, o vocábulo prova pode ser

empregada para referir-se:

i. à atividade probatória (enunicação)

ii. ao meio de prova (veículo introdutor)

iii. ao resultado do processo de produção de prova (enunciado)

iv. ao efeito desse resultado na convicção do julgador.

No entanto, dentre os diversos significados apresentados, concordamos que o vocábulo

“prova” refere-se ao resultado do processo de produção de prova, enquanto enunciado

protocolar, também denominado fato, que é utilizado como instrumento de convicção do

julgador.

Para fins deste trabalho, adotamos, pois, a definição de prova como fato, ou seja, “um

fato jurídico (em sentido amplo), cuja função consiste em convencer o destinatário acerca da

veracidade da argumentação de determinado sujeito, levando à composição do fato jurídico

em sentido estrito”.142

Identificada a prova como fato, seguindo a doutrina, podemos afirmar, ainda, que,

sendo a prova o enunciado lingüístico descritivo de um evento, mas não um enunciado

qualquer, e sim um enunciado normativo, tendo em vista que caracteriza-se como uma

proposição que atesta e intervém na constituição do fato jurídico tributário, que encontra-se

no antecedente da norma individual e concreta.

141 TOMÉ, Fabiana Del Padre; SANTI, Eurico Marcos Diniz (coord.). A prova no processo administrativo fiscal. Curso de Especialização em direito tributário: estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Rio de Janeiro, Forense, 2005. p. 565. 142 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 71.

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É, então, denominada como fato jurídico em sentido amplo, sendo que, é fato pois

relata um acontecimento pretérito, já ocorrido; é jurídico pois integra o sistema do

ordenamento jurídico, e, pois, é em sentido amplo pois é um dos elementos de convicção que,

ao ser conjugado com outros elementos, propiciam a constituição do fato jurídico em sentido

estrito, em que este fato jurídico em sentido estrito é que será enunciado no antecedente da

norma individual e concreta veiculada pelo ato de lançamento.

Nesse contexto, a prova é sempre um fato, que afirma ou infirma outro fato. Na

terminologia utilizada pela professora Fabiana Del Padre Tomé, é um metafato, ou seja, um

enunciado factual (em sentido amplo) que tem como objeto outro enunciado factual (fato

alegado).

Ainda, cabe lembrarmos que a prova, quando considerada isoladamente, não deve ser

confundida com o fato jurídico tributário, tendo em vista que sendo a prova um fato jurídico

em sentido amplo, para se chegar ao fato jurídico em sentido estrito e propagar o efeito

jurídico tributário, permitindo a instalação do vínculo obrigacional tributário, ela requer que

seja relatada em linguagem competente no corpo da norma em sentido estrito, ou seja, da

norma individual e concreta, mediante o pronunciamento do destinatário, sendo a prova

imprescindível à constituição do fato jurídico que fundamenta a pretensão de um sujeito.

As provas caracterizam-se por serem indiretas, já que jamais alcançam o fato que se

pretendem provar, são pessoais, pois decorrem de produção humana, e bem como são

documentais, já que exteriorizam-se em um suporte físico permanente.143

No entanto, vejamos alguns significados acerca de “prova”.

Moacyr Amaral Santos afirma que prova possui diferentes significados. Para tanto,

segundo o autor, “significa a produção dos atos ou dos meios com os quais as partes ou o juiz

entendem afirmar a verdade dos fatos alegados (actus probandi); significa ação de provar,

143 TOMÉ, Fabiana Del Padre; SALOMÃO, Marcelo Viana (org.); PAULA JUNIOR, Aldo de (org.). Defesa e Provas no Processo Administrativo Tributário Federal: momento para a sua produção, espécies probatórias possíveis e exame de sua admissibilidade. Processo Administrativo Tributário. São Paulo: MP Editora, 2005.

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de fazer a prova. Nessa acepção, se diz: a quem alega cabe fazer prova do alegado, isto é,

cabe fornecer os meios afirmativos de sua alegação. Significa o meio de prova considerado

em si mesmo”.144

Veja-se, ainda, o entendimento de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, ao afirmar que “a

prova jurídica traz consigo, inevitavelmente, o seu caráter ético. No sentido etimológico do

termo – probatio advém de probus que deu, em português, prova e probo – provar significa

não apenas uma constatação demonstrada de um fato ocorrido – sentido objetivo – mas

também aprovar ou fazer aprovar – sentido subjetivo”. 145

Atentaremos, no presente trabalho, que um determinado lançamento tributário

somente será provado, bem como demonstrará e confirmará a verdade, quando demonstrar

amplamente o fato atestando a sua veracidade ou falsidade, tendo em vista que provar alg não

é tão somente juntar documentos, mas sim também estabelecer a relação de implicação

necessária entre o documento e o fato que se pretende provar, fazendo-o com animus de

convencimento.

Desse modo, iremos considerar o entendimento de prova, enquanto o enunciado

lingüístico factual, que serve como instrumento para a constituição do fato jurídico, deve ser

construída em conformidade às regras prescritas pelo sistema jurídico, e, por fim, detém a

finalidade de subsumir o fato à norma, mediante a expedição da norma individual e concreta

que concretiza o processo de positivação.

4.3 A função persuasiva das provas

As provas assumem fundamental função persuasiva, pois, a prova é um fato jurídico

em sentido amplo que visa demonstrar a veracidade da argumentação de uma das partes,

144 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. Parte Geral. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1952. pp. 11-12. 145 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1990. p. 291.

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enquanto linguagem escolhida pelo Direito para dizer que o evento ocorreu, bem como atuar

na construção do fato jurídico.146

Persuadir, em conformidade à professora Fabiana Del Padre Tomé, “consiste em

contrapor opções, tratando de criar a convicção da verdade de uma opção perante a outra.

Nisso consiste criar a certeza do julgador, não servido a prova, como pontua Francesco

Carnelutti, para conhecer os acontecimentos, mas para conseguir uma determinação formal

dos fatos”.147

Assim sendo, em conformidade à função persuasiva das provas, a prova não deve se

voltar para o objeto em si ou para o seu fenômeno, mas tão somente para o seu relato em

linguagem competente (constructivismo), sendo que, no percurso das provas, um conjunto de

diversos fatos (fatos jurídicos em sentido amplo) implica no fato em que se pretende provar

(fato jurídico em sentido estrito).

Ou seja, utilizando da lição da professora Fabiana Del Padre Tomé, “quem pretende

ver constituído determinado fato jurídico em sentido estrito, precisa, em primeiro lugar,

afirmar um fato F, para, sem seguida, prová-lo”.148

Na fase do procedimento administrativo tributário, anterior à fase litigiosa, deve o

agente competente, mediante a realização de atos de fiscalização, colher as provas que

atestem a existência do evento tributário, bem como que permitam a constituição do fato

jurídico tributário, iniciando a fase do procedimento administrativo tributário. Nesse contexto,

146 Cumpre destacarmos a observação feita pela Professora Fabiana Del Padre Tomé acerca da função da prova. Leciona a professora: “A atividade probatória das partes tende à constituição ou desconstituição dos fatos, mediante convencimento do julgador. Em razão dessa dualidade, bifurcam-se as seguintes corresntes acerca da função da prova: (i) corrente cognoscitiva, segundo a qual a prova é essencialmente um instrumento de conhecimento, adotada por Michele Taruffo, para quem a função da prova é oferecer ao julgador elementos para estabelecer se determinado enunciado é verdadeiro ou falso, mediante conhecimento da realidade; e (ii) concepção persuasiva, entendendo servir a prova como meio de persuassão, nada tendo que ver com o conhecimento dos fatos, não se prestando para reconhecer sua verdade ou falsidade. Essa bipartição decorre da verdade por correspondência. Partindo, entretanto, da premissa de que não há ligação entre a verdade e os eventos, sendo a realidade constituída pela linguagem, essa contraposição de posicionamentos não tem sentido. Daí por que, ao entender ser persuasiva a função da prova, isso não significa desprezo pela verdade ou falsidade de um fato, o que se dá com o conhecimento dos elementos trazidos ao processo”. (TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 175) 147 Ibidem., p. 176. 148 Ibidem., p. 320.

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o agente competente, na realização do ato de fiscalização, deve analisar provas que, enquanto

linguagem, demonstrem a ocorrência de determinado evento e venham a convencer acerca da

ocorrência, ou não, dos fatos alegados, tendo em vista que a função das provas é a função

persuasiva, no sentido de demonstrar a veracidade dos fatos alegados, constituindo ou

desconstituindo um fato jurídico em sentido estrito.

4.4 Finalidade da prova

Apresentando as provas uma função persuasiva, no sentido de convencer acerca da

ocorrência, ou não, de determinado fato, a prova apresenta a finalidade de constituir ou

desconstituir um fato jurídico em sentido estrito, fixando os fatos no mundo jurídico, e, logo,

caracterizando-se como um instrumento para construir a verdade no processo.

A finalidade das provas é constituir ou desconstituir (afirmando a sua inexistência) um

fato jurídico em sentido estrito, mediante o estabelecimento de fatos representativos de

acontecimentos pretéritos. Nas palavras de Fabiana Del Padre Tomé, “a tarefa daquele que

produz a prova jurídica é semelhante à do historiador: ambos se propõem a estabelecer fatos

representativos de acontecimentos pretéritos, por meio dos rastros, vestígios ou sinais

deixados por referidos eventos e utilizando-se de processos lógico-presuntivos que permitam

a constituição ou desconstituição de determinado fato. Esse é o fim da prova: a fixação dos

fatos no mundo jurídico”.149

Portanto, a função e a finalidade das provas complementam-se, tendo em vista, para se

constituir um fato, a partir da atividade probatória, ele deve ser investigado e construído no

processo, pois, somente de tal modo se poderá convencer o julgador a constituir o fato

jurídico. Ou seja, “é por meio do caráter instrumental da função persuasiva da prova que

149 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 177.

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esta atinge seu objetivo de fixar determinados fatos no universo do direito. Mediante a

atividade probatória compõe-se a prova, entendida como fato jurídico em sentido amplo, que

é o relato em linguagem competente de evento supostamente acontecido no passado, para

que, mediante a decisão do julgador, constitua-se o fato jurídico em sentido estrito,

desencadeando os correspondentes efeitos”.150

Entendemos, então, que a prova apresenta uma função persuasiva, pois é voltada a

formar a convicção acerca da existência ou inexistência de fatos alegados ela apresenta,

complementarmente a finalidade de constituir ou desconstituir o fato jurídico em sentido

estrito.

4.5 Objeto da prova: um fato jurídico tributário

O objeto da prova são os fatos alegados, o fato que se pretende provar e não os

eventos, tendo em vista que a prova deve ser feita do fato que se afirma ou nega, e nunca do

evento, sendo que, se não houver um fato alegado, não há o que se provar.

Nesse sentido, Aurora Tomazini de Carvalho expõe que “a verdade do fato alegado

não corresponde à identidade entre o enunciado que o materializa e o acontecimento

percebido no mundo da experiência, mas à compatibilidade entre tal enunciado e aqueles

denominados de prova”.151

Seguindo essa linha de pensamento, Maria do Rosário Esteves afirma que “a prova é

um fato para provar outro fato, o fato jurídico tributário”.152

Por sua vez, Fabiana Del Padre Tomé leciona:

150 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., p. 177. 151 CARVALHO, A. T. de. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-semântico..., 2009. p. 528. 152 ESTEVES, M. do R. A prova do fato jurídico no processo administrativo tributário..., 2005. p. 128.

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Esse posicionamento sobre o que caracterize o objeto da prova decorre da observação daquilo que acontece no trâmite processual. No processo, seja ele judicial ou administrativo, uma das partes articula um fato (enunciado lingüístico), cujo reconhecimento desencadeia direitos e obrigações. A parte adversa, ao defender-se, produz nova articulação lingüística, solicitando que prevalesça o fato por ela enunciado. Em momento algum o acontecimento concreto é levado ao processo: o que se prova, portanto, são as afirmações relativas aos eventos. Sobre o assunto, discorre Paulo de Barros Carvalho: Ö acontecimento concreto, na sua interminável multiplicidade de aspectos (afinal de contas, o real é infinito e irrepetível), não ingressa nos autos. Tão-só os enunciados a ele referidos.” O objeto das provas são os fatos, entendidos como proposições formuladas pelas aprtes. O argumento da parte (alegação que se pretende provar) é o fato que figura como linguagem-objeto da prova, por seu turno, apresenta-se na qualidade de letalinguagem em relação àquela.153

Temos, assim, que o objeto da prova é um fato jurídico tributário, ou de modo mais

específico, um fato por provar, ou fato probando, ou proposições formuladas pelas partes,

assim entendido os enunciados protocolares. Sendo assim, o conteúdo da prova é o fato

veiculado no suporte documental probatório.

Relacionando ao tema ora em estudo, temos que tanto no curso do procedimento

administrativo quanto no processo administrativo fiscal o que se busca é a sustentação do

lançamento, mediante a busca da verdade. A busca da verdade se dará através dos

procedimentos de fiscalização em busca de provas pela Administração Pública, mediante a

correta e legítima investigação dos fatos.

Assim sendo, a produção ampla de provas, no âmbito aqui delimitado visa a

comprovação bem como a formalização do fato imponível, ou fato jurídico tributário, que

permitirá o nascimento da obrigação tributária, para que dê, assim, sustentabilidade ao

lançamento tributário, bem como mantenha-se a tributação.

Somente de tal modo, mediante a ampla produção de provas que sustente o fato

jurídico tributário, é que permitirá ao contribuinte resistir à pretensão fiscal e formalizar a

inocorrência do fato jurídico tributário.

153 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. pp. 156-157.

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4.6 Espécies de meios de prova

Há diferentes modalidades de provas, em conformidade ao modo pelo qual são

produzidas, levando em consideração que as provas são indiretas, pessoais e documentais.

Elas distinguem-se quanto ao modo pelo qual são produzidas

Acerca dos meios de prova, Maria Rita Ferragut afirma que “meio de prova é o

enunciado passível de ser produzido pelas partes, que tem por conteúdo a ocorrência ou

inocorrência de um determinado acontecimento. É o instrumento material de comprovação

da existência de algo, como, por exemplo, a verificação judicial, a perícia, a confissão, a

prova testemunhal, a documental e a indiciária. É, em última análise, a representação, em

linguagem competente, dos eventos ocorridos no mundo fenomênico”.154

Portanto, sendo a prova um relato lingüístico produzido em conformidade às normas

que disciplinam o procedimento probatório e que visa o convencimento de outrem, o meio de

prova é o resultado de uma atividade que é exercida em conformidade às regras probatórias

competentes e que encontra-se relatada na linguagem prescrita pelo direito, e que constitui-se

como o instrumento que visa transportar os fatos ao processo, constituindo as provas.

O artigo 332, do Código de Processo Civil, estabelece que “todos os meios legais, bem

como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, São hábeis para

provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa”.

Por sua vez, o artigo 38, da Lei n. 9.784/1999, ao regular o processo administrativo no

âmbito da Administração Pública Federal, estabelece em seu parágrafo 2º que todas as

modalidade probatórias devem ser admitidas, sendo que “somente poderão ser recusadas,

mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando seja ilícitas,

impertinentes, desnecessárias ou protelatórias”.

154 FERRAGUT, M. R. Presunções no Direito Tributário..., 2005. p. 45.

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Já o Decreto n. 70.235/1972, ao disciplinar o processo administrativo no âmbito

federal, também abrange todos os meios de provas realizados licitamente, e autoriza não

somente a juntada de documentos, bem como também a realização de diligências e perícias

No entanto, apesar de a doutrina elencar uma série de classificações das provas, em

virtude de diversidade de critérios adotados155, pretendemos, no presente trabalho, realizar

uma abordagem das características inerentes aos meios de prova, sem nos aprofundarmos, no

entanto, nas referidas classificações.

Mas, para darmos prosseguimento à pesquisa ora empreendida, cumpre destacarmos

que o meio de prova é o instrumento utilizado para transportar os fatos ao processo,

possibilitando a construção dos fatos jurídicos em sentido amplo, mediante o estabelecimento

de implicação entre o meio de prova e o fato que se pretende provar. É o que pondera Fabiana

Del Padre Tomé, para quem “os fatos só apresentarão o caráter de provas se houver um ser

humano utilizando-os para deduzir a veracidade de outro fato”.156

Vejamos, a seguir, de forma sucinta, os meios de provas típicos, bem como suas

particularidades e utilização no campo do Direito Tributário.

4.6.1 Confissão

A confissão caracteriza-se mediante a declaração voluntária realizada pelo indivíduo,

em que ele admite como verdadeiro um determinado fato que lhe é considerado prejudicial,

alegado pela parte adversa, em conformidade ao disposto no artigo 348, do Código de

Processo Civil. Para tanto, pode ser considerada a confissão como meio de prova pois objetiva

o convencimento do destinatário, mediante a constituição ou desconstituição dos fatos

jurídicos em sentido estrito.

155 Acerca da classificação dos meios de prova, consultar TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p.89. 156 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 179.

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A confissão, anteriormente, era considerada como a rainha das provas, sendo que,

atualmente, ela não é qualificada pela doutrina como um meio de prova.157 No entanto, no

campo do direito tributário, tendo em vista a observância ao princípio da tipicidade, se a

confissão estiver juntada aos documentos comprobatórios, juntamente com as demais provas

produzidas, logo, ela deve ser valorada pelo julgador, com vista a certificar, modificar ou

extinguir o fato jurídico tributário, devendo ser sopesada juntamente com as demais provas

que forem apresentadas.

No contexto do processo administrativo fiscal, a confissão do contribuinte caracteriza-

se quando ele próprio emite a norma individual e concreta, na hipótese de um tributo sujeito a

lançamento por homologação, e, assim, constitui o crédito tributário. Ou, ainda, quando

celebra o termo de parcelamento, mediante o acompanhamento do documento denominado

confissão irrevogável e irretratável dos débitos tributários.

Nesse sentido, nas palavras de Fabiana Del Padre Tomé, “a confissão em matéria

tributária, portanto, nada tem de irretratável. Por outro lado, enquanto não contestada pelo

contribuinte mediante a produção de provas que infirmem a assertiva enunciada naquele ato,

permanece no ordenamento com força probatória relativamente aos fatos que reconhece

como verdadeiros”.158

Sendo assim, caso o indivíduo constate que nas declarações por ele prestadas há

incorreções, lhe é cabível solicitar a revisão pelo órgão administrativo, bem como pelo órgão

judicial. Ou, ainda, se a Administração Pública verificar que a inocorrência do fato

confessado, logo, deve tomar a iniciativa de rever o ato constitutivo do fato jurídico tributário

e da correspondente obrigação. Tal afirmação baseia-se na disposição dos princípios da

157 LOPES, João Batista. A Prova no Direito Processual Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 98. Conforme o autor, a confissão, enquanto admissão da veracidade do fato, dispensa a produção probatória, e, desse modo, não deve ser considerada como um meio de prova. 158 TOMÉ, F. D. P.; SANTI, E. M. D. (coord.). A prova no processo administrativo fiscal..., 2005. p. 567.

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tipicidade tributária e da estrita legalidade, em que determinado tributo somente deve ser

devido quando verificada a ocorrência do fato previsto na hipótese da norma geral e abstrata.

4.6.2 Documento

A prova documental caracteriza-se mediante um conjunto sígnico que representa um

determinado fato, e, para tanto, pode ser público, privado, escritos, gráficos, entre

outros.Através da via documental, são constituídos os fatos jurídicos em sentido amplo, e.

com base neles, serão determinado os fatos jurídicos em sentido estrito.

Acerca da definição de prova documental, vejamos a lição de Maria do Rosário

Esteves:

(...) documento é um produto da criação de um ato humano perceptível pelos sentido e representativo de um anunciado factual. Podendo ser, em sentido amplo, um papel qualquer, escritos gráficos, fotografias, quadros, arquivos magnéticos, etc. No campo jurídico, a prova documental possui uma função representativa que independe da forma como se apresenta. É o suporte físico representativo de um enunciado factual, com o qual se estabelece um vínculo implicacional. Admitida no processo administrativo fiscal, podemos dizer que é o resultado da criação humana, produzida de acordo com a forma e o modo previsto pelo sistema, uma vez que assumiriam características próprias ante a exigência da legislação específica de cada tributo.159

A prova documental ocupa destaque, dentre as demais provas, no interior do processo

administrativo tributário. Constitui-se como o instrumento probatório de maior importância e

de maior utilização.

No entanto, conforme ressalta Fabiana Del Padre Tomé, “caracteriza prova

documental, portanto, apenas o suporte físico de enunciados que seja reconhecido pelo

direito, tanto no que diz respeito ao seu conteúdo como ao modo de sua formação”.160

159 ESTEVES, Maria do Rosário; SANTI, Eurico Marcos Diniz de (coord.). Os meios de prova no processo administrativo tributário in Segurança Jurídica na Tributação e Estado de direito. São Paulo: Noeses, 2005. p. 150. 160 TOMÉ, F. D. P.; SANTI, E. M. D. (coord.). A prova no processo administrativo fiscal..., 2005. p. 569.

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Exemplificando, os documentos fiscais, que direcionam para um evento ocorrido no

passado, caracterizam-se como fatos materialmente apreenssíveis, que permitem concluir pela

constituição do fato jurídico tributário. Ou, ainda, uma nota fiscal preenchida é relevante no

que tange à hipótese de incidência da regra-matriz instituidora do ICMS, de modo que esse

documento permite, no que tange ao âmbito tributário, acerca da ocorrência de uma circulação

de mercadorias que se situa no passado, demarcada no tempo e no espaço, sendo que,

constituído o fato jurídico, será instaurada a obrigação de pagar o imposto.

Acerca da prova documental, valemos-nos das lições de Fabiana Del Padre Tomé:

A prova documental ocupa lugar de destaque nos processos tributários, tendo em vista que os fatos desencadeadores de vínculos obrigacionais consistem em atividades que, por suas peculiaridades, originam uma documentação própria, tal como a realização de registros contábeis. Além disso, todo suporte físico que contenha informações referentes aos negócios praticados pelo contribuinte caracteriza prova documental, desde que obtido de forma lícita e realizados procedimentos que assegurem sua fidelidade e autenticidade. Esses são requisitos para que se possam empregar, como prova, registros constantes de mídia magnética ou eletrônica.161

Desse modo, destacam-se, no campo do processo administrativo tributário, como

principal meio de prova documental do fato jurídico no direito tributário os registros

contábeis, enquanto documentos escritos elaborados mediante procedimentos específicos, em

conformidade à ciência contábil.

4.6.3 Depoimento Testemunhal

O depoimento testemunhal caracteriza-se como a prova que é produzida através da

inquirição de pessoas, não participantes ao processo mas que, por possuírem conhecimento

dos fatos cuja veracidade está sendo discutida, podem contribuir para a sua solução, mediante

161 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 316.

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a declaração, perante outrem, do conhecimento de determinados fatos que presenciaram ou a

respeito dos quais tiveram conhecimento. Alcança tanto o depoimento realizado pela parte, ou

seja, o depoimento pessoal, bem como o de terceiro, ou testemunho.

O depoimento testemunhal é pouco utilizado, não sendo especificamente contemplada

pela legislação processual administrativa tributária, mas sim no processo civil (artigos 400 a

419).

No entanto, pode assumir extrema importância no sentido de certificar determinados

acontecimentos. Sendo assim, quando o administrado solicita a sua produção, deve,

necessariamente, justificar, evidenciando a sua necessidade. Notadamente no âmbito

tributário, quando a defesa do contribuinte fundar-se em atitudes abusivas da fiscalização,

uma das formas de se demonstrar tal atitude se dá mediante o depoimento testemunhal.

Em conformidade à lição de Fabiana Del Padre Tomé:

Nada impede que no âmbito tributário faça-se uso de depoimentos testemunhais. A pouca utilização desse meio de prova decorre dos tipos de fatos colocados em discussão, que, normalmente, são demonstráveis por outras formas. Juridicamente, nenhum empecilho há à sua adoção. Ainda que a legislação disciplinadora dos processos administrativos tributários não as refira expressamente, a possibilidade de seu emprego fundamenta-se nos dispositivos que autorizam a realização de diligência e o recurso a todos os meios de prova em direito admitidos, além, é claro, do direito à ampla defesa, constitucionalmente assegurado.162

Em determinados casos, a prova testemunhal pode ser de grande valia, notadamente

para corroborar a veracidade de documentos que embasarão a constituição do fato jurídico

tributário. Exemplificando, quando a Fazenda Pública desejar comprovar a ocorrência de

circulação de mercadorias, por um valor diverso daquele declarado para fins de ICMS,

mediante a caracterização de subfaturamento (emissão de notas fiscais com valores inferiores

aos valores de venda efetivamente praticados), pode a Administração Pública solicitar o

162 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 317.

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comparecimento do comprador da mercadoria para que, mediante prova testemunhal, declare

o valor da compra realizada, confirmando, ou não, o subfaturamento.

4.6.4 Prova Pericial

A prova pericial caracteriza-se quando há a necessidade de realização de perícia,

mediante o exame da matéria, por intermédio de pessoas especializadas, devido à sua

complexidade. Quem realiza e produz a prova pericial é o Perito, enquanto autoridade

conhecedora do assunto examinado, sendo que, posteriormente, permite ao julgador o acesso

ao fato jurídico em sentido amplo, por intermédio das declarações do perito.

Em conformidade a Maria do Rosário Esteves, “consiste em um relato (testemunho)

de pessoa detentora de conhecimento técnico especializado. É a prova pericial um enunciado

factual, emitido por uma pessoa expert no assunto”.163

Por sua vez, Fabiana Del Padre Tomé afirma que “para que se faça exame pericial, é

indispensável que o fato em discussão demande o emprego de conhecimentos técnicos ou

científicos. Apenas se não preenchido tal requisito, ou se a efetivação da perícia for

prescindível ou impraticável, é que se autoriza o indeferimento do pedido de realização de

análise pericial”.164

No processo administrativo tributário, a perícia assume fundamental importância,

sendo expressamente prevista no Decreto n. 70.235/1972, e deve ser elaborada em

conformidade ao procedimento estipulado na legislação tributária pertinente, podendo ser

produzida tanto por iniciativa do particular quanto de ofício pelo órgão julgador. Ela é

admitida tanto na esfera administrativa federal quanto na estadual uma vez que, todos os

163 ESTEVES, M. do R; SANTI, E. M. D. de (coord.) Os meios de prova no processo administrativo tributário..., p. 165. 164 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 317.

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meios de prova, desde que não obtidos de forma ilícita, são reconhecidos pelo Direito

Positivo.

4.6.5 Prova Direta e Prova Indireta

No processo administrativo tributário há, ainda, a dicotomia prova direta/indireta.

Nesse contexto, as provas diretas são àquelas que representam o evento, de forma

imediata, caracterizando seu relato lingüístico. Já as provas indiretas, apesar de referir-se a

fatos diversos daqueles que se pretende provar (fato provado), acabam confirmando ou

informando o fato probando (fato principal), podendo o julgador inferir, a partir de outros

fatos, o fato jurídico tributário, tal como os indícios e as presunções.165

Conforme Paulo de Barros Carvalho, “as provas são consideradas diretas quando

fornecem ao julgador idéia concreta do fato a ser provado; são indiretas quando se referem a

outro acontecimento, que não propriamente aquele objetivado pela prova, mas que com ele

se relacionam, chegando-se ao conhecimento do fato a provar mediante raciocínio dedutivo,

que toma por base o evento conhecido”.166

Referem-se aos indícios e presunções. Nesse sentido, para Maria Rita Ferragut,

indício, ou prova indiciária, caracteriza-se da seguinte forma:

A prova indiciária é uma espécie de prova indireta que visa demonstrar, a partir da comprovação da ocorrência de fatos secundários, indiciários, a existência ou a inexistência do fato principal. Para que ela exista, faz-se necessária a presença de indícios, a combinação dos mesmos, a realização de inferências indiciárias e, finalmente, a conclusão dessas inferências. Indício é todo vestígio, indicação, sinal, circunstância e fato conhecido apto a nos levar, por meio do raciocínio indutivo, ao conhecimento de outro fato, não conhecido diretamente.167

165 TOMÉ, F. D. P.; SANTI, E. M. D. (coord.). A prova no processo administrativo fiscal..., 2005. p. 569. 166 CARVALHO, Paulo de Barros. A prova no procedimento administrativo tributário. Revista Dialética de Direito Tributário. n. 34. São Paulo: Dialética, 1998. pp. 109. 167 FERRAGUT, M. R. Presunções no Direito Tributário..., 2005. p. 92.

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Por sua vez, a presunção, em conformidade a Paulo de Barros Carvalho, pode ser vista

como:

(...) a presunção é o resultado lógico, mediante o qual do fato conhecido, cuja existência é certa, infere-se o fato desconhecido ou duvidoso, cuja existência é, simplesmeste, provável.168

Portanto, presunções e indícios não caracterizam-se como espécies distintas de provas,

mas sim como dois elementos necessários à produção do fato jurídico em sentido amplo. Por

isso, seguindo o raciocínio de Fabiana Del Padre Tomé, podemos depreender o seguinte

entendimento:

(...) indícios e presunções não são espécies distintas de provas, mas dois elementos necessários à produção do fato jurídico em sentido amplo: indício é um fato (F’), caracterizando, por conseguinte, a prova de um evento (E’) que, conquanto não seja imediatamente referido pela proposição que se pretende comprovar (F’’), a ela nos remete por meio de uma operação mental presuntiva.169

Ou seja, a prova é um indício, tendo em vista que caracteriza-se como marcas

apreendidas do evento, a partir dos quais se chegará ao fato jurídico tributário. Assim, as

provas têm como objeto os fatos, que irão provar outros fatos. Se temos conhecimento dos

fatos F1, F2 e F3, logo, mediante uma operação lógica, chega-se à conclusão de que o fato

jurídico tributário F ocorreu. Seriam, assim, nesse contexto, as presunções a operação lógica,

e que estará sempre presente na prova de um fato ou evento que constituirá outro fato. Maria

do Rosário Esteves afirma, nesse sentido, que tal operação pode ser representada da seguinte

forma: “(F1 . F2. F3) → F. Onde houver prova haverá um vínculo de implicação entre um ou

mais enunciados e outro enunciado. Esta implicação é o que se denomina presunções”.170

168 CARVALHO, P. de B. A prova no procedimento administrativo tributário..., 1998. p. 109. 169 TOMÉ, F. D. P.; SANTI, E. M. D.(coord.). A prova no processo administrativo fiscal..., 2005. p. 570. 170 ESTEVES, M. do R; SANTI, E. M. D. de (coord.) Os meios de prova no processo administrativo tributário..., p. 176.

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É através do indício, enquanto fato conhecido, cuja existência é certa, que por

intermédio de raciocínio e de resultado lógico, que se pode chegar ao fato desconhecido, ou

seja, as presunções, cuja existência é duvidosa ou provável.

As presunções podem ser consideradas presunções hominis/comuns ou legais

(absolutas ou relativas). Acerca de tais presunções, vejamos:

As presunções hominis são aquelas implicações que ocorrem no próprio raciocínio humano, por uma inferência natural do ser humano que, no momento da aplicação do direito, conclui o fato. Porém, apenas se tornam relevantes para o direito quando o aplicador emitir a norma individual e concreta que a introduza no universo jurídico. Já as presunções legais são aquelas implicações que, apesar de também terem sido construídas por inferência do raciocínio do homem, possuem o seu resultado antecipadamente previsto em lei, denominando-se absolutas aquelas que, sendo tidas como verdades, não admitem prova em contrário. Por outro lado, as presunções legais relativas, que também possuem o resultado do raciocínio humano previsto na lei, são as que admitem prova em contrário. Para a expedição do lançamento tributário, sempre o administrador deve basear-se nas provas. No caso das presunções legais, a prova será do fato do qual se infere o fato jurídico tributário.171

Temos que a utilização de presunções no campo do direito tributário deve ser feita

com parcimônia, no sentido de que a Fazenda Pública não deve considerar que um

determinado fato ajusta-se a uma hipótese de incidência tributária por mera presunção,

independentemente da efetiva verificação, no mundo concreto, dos fatos abstratamente

descritos na hipótese de incidência tributária. Mesmo que o Direito Tributário venha a admitir

as presunções e os indícios, deve-se ter em mente que os princípios constitucionais não devem

ser ignorados, notadamente os princípios da segurança jurídica, da estrita legalidade, da

tipicidade, entre outros.

A presunção é tão somente a suposição de um fato desconhecido, por conseqüência

indireta e provável de outro conhecido, não coadunando-se com as provas, pois não produzem

certeza, e sim meras probabilidade. Supor que um fato tenha acontecido ou supor que sua

171 ESTEVES, M. do R; SANTI, E. M. D. de (coord.) Os meios de prova no processo administrativo tributário..., p. 177.

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materialidade tenha sido efetivada não assemelha-se a exibir a concretude de sua existência,

mediante provas, conferindo-lhes segurança e certeza.

A pretexto de agilizar a arrecadação, ou até mesmo combater a fraude, não deve a

Fazenda Pública presumir fatos apenas com o intuito de fazer com que os contribuintes

paguem os tributos ou suportem multas fiscais.

Para a configuração do fato jurídico tributário, o evento, enquanto ocorrência da vida

concreta, deve satisfazer a todos os critérios identificadores tipificados na hipótese de

incidência tributária, de modo que, se houver a falta de apenas um dos critérios, não deve

incorrer na constituição do fato jurídico tributário.

Leciona Maria do Rosário Esteves acerca do assunto:

(...) no campo do direito tributário, as presunções absolutas são inadmissíveis para determinar a ocorrência de fato jurídico tributário e constituir a relação jurídica que a partir dele se instaura. Se assim não fosse, estariam sendo violados os princípios constitucionais tributários, especialmente da tipicidade e da estrita legalidade., da ampla defesa e do contraditório, que devem ser acima de tudo preservados. O princípio da tipicidade requer a constituição do fato jurídico tributário com todos os elementos do tipo, tal qual previsto em lei. Nesse sentido, o fato jurídico tributário é um fato típico, o qual, para produzir seus efeitos, deve corresponder, em todos os seus elementos ao tipo abstrato previsto na lei. 172

Por fim, as presunções, assim como o indício, devem ser utilizados com cautela no

campo tributário, restritamente aos casos estipulados expressamente em lei, de modo que, na

realização do ato administrativo de lançamento tributário, o agente fiscal deve pautar-se na

observância dos princípios constitucionais, de modo que não suscitem dubiedade, imprecisão

e incertezas, mas sim atentar para os valores máximos albergados pelo Texto Constitucional,

quais sejam, a segurança, a certeza, a legalidade e a tipicidade.

172 ESTEVES, M. do R; SANTI, E. M. D. de (coord.) Os meios de prova no processo administrativo tributário..., p. 178.

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4.6.6 Prova obtida por meio ilícito

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LVI, nega reconhecimento às provas

obtidas ilicitamente, ou seja, não referindo-se ao conteúdo veiculado no documento

comprobatório, mas sim ao meio pelo qual ela foi produzida.

O Código Tributário Nacional, em seu artigo 195, prevê ao Fisco a possibilidade,

durante o procedimento fiscalizatório, de realizar o exame de mercadorias, livros, arquivos e

documentos contábeis, com o intuito de controlar o cumprimento da legislação tributária, bem

como impedir a sonegação fiscal. No entanto, é um poder limitado, no sentido de que devem

ser respeitados os direitos individuais dos cidadãos contribuintes, notadamente quando tratar-

se de produção e obtenção de prova, coadunando-se com a inviolabilidade domiciliar, da

intimidade e de dados.

Visualizando tal afirmação no objeto de estudo ora analisado, vejamos a

impossibilidade de provas obtidas, de modo ilícito, em matéria tributária, por exemplo, em

conflito ao sigilo bancário, devido ao direito de inviolabilidade da vida privada e ao sigilo de

dados, garantidos pelo artigo 5º, incisos X e XII, da Constituição Federal, e que não podem

ser ignorados pela fiscalização tributária.

Em se tratando da verificação da ocorrência do fato jurídico tributário, e logo, do ato

administrativo de lançamento tributário, deve a Administração Pública buscar, durante o

procedimento fiscalizatório do processo administrativo fiscal, por meio de todos os meios

lícitos, a prova de ocorrência do evento que dará ensejo ao fato jurídico tributário, sendo

inadmissível a prova ilícita.

Ainda, a proibição da prova obtida ilicitamente complementa a garantia do princípio

da segurança jurídica, de modo que a única verdade a ser buscada no processo administrativo

tributário é a verdade lógica, ou seja, àquela alcançada mediante a linguagem das provas, em

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que, um evento, para ser verdadeiro, não basta que o relato corresponda fielmente ao evento,

mas sim que o enunciado descritivo foi elaborado em conformidade às regras do sistema do

direito positivo, submete às provas e resistiu à refutação.

Portanto, as provas obtidas ilicitamente não devem ser utilizadas com vistas à

constituição do fato jurídico tributário.

4.7 Ônus da prova

Na esfera tributária, regida por princípios constitucionais próprios, notadamente o

princípio da tipicidade tributária, compete à autoridade administrativa produzir e apresentar

provas do fato previsto na hipótese da norma geral e abstrata, de modo a atestar a sua

ocorrência e permitir a conclusão pela ocorrência do referido fato.

Essa é a disposição da legislação pátria173, ao prever que no processo administrativo

tributário, o ônus da prova pertence a quem alega o fato, e logo, à Administração Pública, que

deve provar os acontecimentos que enunciou terem existido no momento da constituição do

fato jurídico tributário.

Ainda, o ato administrativo de lançamento é vinculado e obrigatório, o que importa

dizer que o Fisco não possui a livre disponibilidade em praticá-lo, ou não.

Mais uma vez, valemo-nos das lições de Fabiana Del Padre Tomé para ressaltar o obus

da prova enquanto dever inerente à Administração Pública:

A existência do ônus pressupõe um direito subjetivo disponível, razão pela qual não se pode falar que a autoridade administrariva tributária tenha o ônus da prova. Os atos de lançamento e de aplicação de penalidade pelo descumprimento de obrigação tributária ou de dever instrumental competem ao Poder Público, de modo privativo e obrigatório, tendo de fazê-lo com base nos elementos comprobatórios do fato jurídico e do ilícito tributário. Tem a Administração, por conseguinte, dever de

173 Conforme artigo 36, da Lei n. 9784/99 que rege o processo administrativo federal, in verbis: Art. 36. Cabe ao interessado a prova dos fatos que tenha alegado, sem prejuízo do dever atribuído ao órgão competente para a instrução e do disposto no art. 37 desta Lei.

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provar. A circunstância de os atos administrativos tributários desfrutarem de presunção de legitimidade não dispensa a produção probatória que o fundamente, pois, sendo esses atos regidos pelos princípios da estrita legalidade e da tipicidade, tais expedientes dependem da cabal demonstração da ocorrência dos motivos que os ensejaram.174

Portanto, relativamente ao objeto de estudo do presente trabalho, devemos atentar que

o Fisco possui o ônus da prova do fato jurídico tributário ao expedir o lançamento tributário,

devendo demonstrar a ocorrência do fato jurídico que instaura a relação jurídica, bem como o

dever de constituí-lo por intermédio de provas admitidas no sistema jurídico.

No entanto, destaque-se, em conformidade ao artigo 20, da Lei n. 10.941/2001, do

Estado de São Paulo, as provas devem ser apresentadas tanto na expedição do lançamento

tributário, mediante provas do fato jurídico tributário, bem como com a defesa, mediante

provas que demonstrem os fatos alegados na defesa.

Nesse sentido, concordamos com a lição de Paulo de Barros Carvalho:

Na própria configuração oficial do lançamento, a lei institui a necessidade de que o ato jurídico administrativo seja devidamente fundamentado, o que significa dizer que o fisco tem que oferecer prova contundente de que o evento ocorreu na estrita conformidade da previsão genérica da hipótese normativa. Seguindo adiante, vindo o sujeito passivo a contestar a fundamentação do ato aplicativo lavrado pelo Fisco, o ônus de exibir a improcedência dessa iniciativa impugnatória volta a ser novamente da Fazenda, a quem quadrará provar o descabimento jurídico da impugnação fazendo remanescer a exigência.175

Temos, então, que o ônus da prova do fato jurídico tributário é da Fazenda Pública,

que deve provar a ocorrência do fato jurídico tributário, e, em contrapartida, o ônus de provar

que o fato jurídico não se constituiu é do contribuinte, mediante apresentação na impugnação

de provas que atestem a inexistência do fato jurídico tributário, a fim de desconstituí-lo.

174 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 323. 175 CARVALHO, P. de B. A prova no procedimento administrativo tributário..., 1998. p. 108.

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5. ALGUNS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS IN FORMADORES

DO TEMA

5.1 Breve Introdução

No ordenamento jurídico, a Constituição Federal posiciona-se no patamar mais

elevado, dando fundamento de validade às demais normas jurídicas. Pode ser considerada

como lei máxima ou lei fundamental do Estado, que submete todos os cidadãos, bem como os

próprios Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

Ela é composta por normas constitucionais, sendo que todas elas não apresentam a

mesma relevância, pois algumas veiculam simples regras e outras verdadeiros princípios.

O vocábulo princípio deriva do latim princpium (principii), e significa origem,

começo, base, alicerce, raiz.

Nesse sentido, assevera Paulo de Barros Carvalho que “princípios são normas

jurídicas carregadas de forte conotação axiológica. É o nome que se dá a regras do direito

positivo que introduzem valores relevantes para o sistema, influindo vigorosamente sobre a

orientação de setores da ordem jurídica”.176

Nesse contexto, os princípios são as diretrizes do ordenamento jurídico. O professor

Roque Antônio Carrazza afirma que “princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou

explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos

quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a

aplicação das normas jurídicas que com eles se conectam”.177Assim, a Constituição Federal,

composta por princípios, mantém o Estado de Direito.

176 CARVALHO, Paulo de Barros. Sobre os princípios constitucionais tributários. Revista de Direito Tributário. São Paulo. n. 55. jan/mar 1991. p. 143. 177 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. .27. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 39.

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De modo a destacar a importância dos princípios jurídicos, pode-se comparar o

sistema jurídico a um vasto edifício, composto por alicerces e vigas mestras, que

caracterizam-se como mais importantes que as portas e janelas, que são facilmente

substituíveis, sem ocasionar qualquer dano estrutural ao edifício. No entanto, caso sejam

retirados os alicerces e as vigas mestras, esse edifício pode ruir. Desse modo, dentro do

ordenamento jurídico, os princípios assemelham-se às vigas mestras e aos alicerces.

Os princípios podem ser encontrados em todo o ordenamento jurídico, podendo ser

constitucionais, legais ou infralegais. Dentre estes, os princípios constitucionais são os mais

importantes, pois dirigem a atuação de todas as normas jurídicas bem como sobrepairam

sobre os demais princípios e regras, interferindo, inclusive, no exercício das competências

constitucionalmente previstas.

Há tanto os princípios constitucionais gerais, previstos pela Constituição Federal

para reger todo o ordenamento jurídico, quanto os princípios constitucionais voltados, de

modo específico, à matéria tributária, e que regem, especificamente, o desempenho da função

impositiva de tributos pelas pessoas políticas.

Notadamente no campo tributário, pode-se afirmar que os princípios constitucionais

irradiam vários efeitos sobre a tributação, tal como podemos observar na análise do princípio

da segurança jurídica e no princípio da anterioridade. Desse modo, sabemos que o fenômeno

tributário não pode ser analisado apenas com respaldo na legislação infraconstitucional, mas

deve-se atentar, também, para a observância dos princípios constitucionais tributários, que

regem a atuação do Poder Público, notadamente quanto à instituição, administração,

fiscalização e cobrança de tributos, sendo que tal análise assume expressividade quando o

assunto refere-se ao processo administrativo fiscal, pois delimitam o campo de tributação,

erigindo um feixe de princípios constitucionais com o fim de proteger os cidadãos de abusos

do Estado na instituição e exigência de tributos.

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Nessa linha de raciocínio, é o entendimento do professor Paulo de Barros Carvalho:

É noção acolhida pela unanimidade de nossos melhores autores que, além dos princípios constitucionais gerais, irradiados por todos os segmentos do sistema do direito positivo, o exercício do poder impositivo-fiscal, no Brasil, se encontra jungido por uma série de diretrizes, especialmente dirigidas a esse setor. São os chamados “princípios constitucionais tributários”, na maioria explícitos, e a quem deve submeter-se a legislação infra-constitucional, sempre que o tema da elaboração normativa seja a instituição, administração e cobrança de tributos.178

Nesse passo, tudo que diz respeito à atividade de tributação encontra-se dentro da

Constituição Federal, bem como a Constituição Federal traça essa rígida delimitação das

competências tributárias e princípios que o legislador deve adotar, que impedem abusos e

arbitrariedades por parte do Estado, no exercício da atividade administrativo-tributária,

limitando a pretensão impositiva do Estado para coibir atos discricionários, abusivos ou

arbitrários por parte dos agentes públicos, e conferindo direitos fundamentais ao contribuinte

no processo administrativo fiscal. Não restam dúvidas, assim, de que a tributação, no sistema

brasileiro, encontra-se delimitada aos magnos contornos constitucionais.179

Não poderia ser diferente em relação às provas do fato jurídico no processo

administrativo tributário, tendo em vista que são as provas que atestam a veracidade do fato

jurídico tributário e permitem que seja lançada a norma individual e concreta que embasará a

obrigação tributária. Por isso, se faz importante analisarmos os princípios constitucionais sob

essa ótica.

Ainda, sabemos que todos os princípios constitucionais tributários relacionam-se e

se interpenetram, de modo que, ao se obedecer ao disposto por um princípio, deve-se,

também, obedecer ao disposto pelos demais. Os princípios jurídicos devem sempre, serem

interpretados e relacionados com outros princípios e normas.

178 CARVALHO, P. de B. A prova no procedimento administrativo tributário..., 1998. p. 105. 179 Cf. ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968.

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Portanto, sob a ótica do tema ora objeto de estudo, faz-se de fundamental

importância analisarmos os princípios constitucionais. No entanto, ressaltamos que a análise

de tais princípios não será realizada de forma geral e ampla, com o intuito de esgotar o tema,

mas apenas e tão-somente, com o intuito de complementar o trabalho, será realizada uma

análise de alguns princípios que assumem especial relevo quanto ao tema das provas sob a

ótica da imposição tributária no processo administrativo tributário.

O objetivo é demonstrar que, para que haja a produção de normas individuais e

concretas a partir das normas gerais e abstratas, faz-se necessária a existência de provas que

sirvam de suporte ao fato jurídico constituído, de modo que no processo administrativo

tributário devem ser propiciados todos os argumentos de defesa, sendo que a pertinência deve

ser analisada no momento de julgamento, bem como a apresentação de todas as provas em

direito admitidas, desde que não sejam com o intuito protelatório.

Acerca dos princípios do procedimento e do processo tributário, James Marins

expõe:

O Processo Administrativo Tributário refere-se ao conjunto de normas que disciplina o regime jurídico processual administrativo aplicável às lides tributárias deduzidas perante a administração pública. O procedimento fiscal tem caráter ‘fiscalizatório’ ou ‘apuratório’ e tem por finalidade preparar o ato de lançamento. Já o procedimento de lançamento, bem como o ato de lançamento, compõe a dimensão dinâmica da tributação e tem por objetivo dar aplicação in concreto às normas e garantias de direito tributário material que representam a dimensão estática da tributação.180

Sobre os princípios que devem ser observados tanto no procedimento quanto no

processo administrativo tributário, Paulo de Barros Carvalho cita: caráter oficioso

180 MARINS, James in DABUL, Alessandra. Da Prova no Processo Administrativo Tributário. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2010. p. 49.

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(inquisitivo), busca da verdade material, participação do interessado, contraditório e

imparcialidade.181

Por sua vez, Paulo Celso B. Bonilha menciona os seguintes princípios, quais sejam:

legalidade objetiva, oficialidade, informalismo e a busca da verdade material.182

E, por fim, James Marins considera os seguintes princípios comuns tanto ao

procedimento quanto ao processo tributário: princípio da legalidade objetiva, princípio da

vinculação, princípio da verdade material, princípio da oficialidade, princípio do dever de

colaboração, princípio do dever de investigação. Para o referido autor, ao procedimento fiscal

somente devem ser observados os seguintes princípios: princípio da inquisitoriedade,

princípio da cientificação, princípio do formalismo moderado, princípio da fundamentação,

princípio da acessibilidade, princípio da celeridade e princípio da gratuidade. De outro modo,

cita ainda que relativamente ao processo administrativo tributário devem ser aplicados os

seguintes princípios: princípio do devido processo legal, princípio do contraditório princípio

da ampla defesa, princípio da ampla instrução probatória, princípio do duplo grau de

congnição, princípio do julgador competente e princípio da ampla competência decisória.183

Tendo em vista, então, que o procedimento administrativo caracteriza o conjunto de

atos que antecedem o lançamento tributário, com o intuito direcionar para a formalização do

lançamento tributário, o qual pode ser refutado quanto à sua veracidade, iniciando o processo

administrativo tributário, vejamos, então, alguns princípios que norteiam tanto o

procedimento quanto o processo administrativo tributário, e, mais especificamente,

direcionando ao tema ora objeto de investigação.

Alguns princípios apresentam importantes desdobramentos relativamente à produção

probatória no âmbito administrativo tributário. Dentre outros, podemos considerar o princípio

181 CARVALHO, Paulo de Barros. Processo Administrativo Tributário. Revista de Direito Tributário. São Paulo. Ano 3. n. 9-10. jul/dez. 1979. p. 282. 182 BONILHA, Paulo Celso B. Da prova no processo administrativo tributário. 2. ed. São Paulo: LTr, 1997. p. 127. 183 MARINS, James in DABUL, A. Da Prova no Processo Administrativo Tributário..., 2010. pp. 49-50.

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inquisitório, que dispõe que o julgador, na condução do processo, pode realizar as

providências necessárias para o conhecimento dos fatos e o princípio da imediatidade, que

dispõe que deve haver a maior proximidade possível entre o julgador e a produção das provas.

Vejamos, de forma específica, a título de complementação, alguns princípios que

apresentam aplicação ao tema ora objeto de estudo:

5.2 Princípio da Estrita Legalidade Tributária

O primeiro princípio constitucional tributário a ser analisado não poderia deixar de ser

o princípio da legalidade, notadamente por tal estudo referir-se ao âmbito da Administração

Pública. É um princípio que nasceu com o estado Democrático de Direito e constitui-se como

uma das principais garantias de obediência aos direitos individuais, inclusive o dos cidadãos

contribuintes.

Em conformidade ao modelo tripartite separação dos Poderes, adotado na ordem

jurídica brasileira, tem-se a atuação do Estado, enquanto uno e indivisível, mediante três

poderes, independentes e harmônicos, com o intuito de proteger as pessoas de eventual

arbítrio dos governantes, quais sejam: a função legislativa, que detêm a função de produzir as

regras aplicáveis em sociedade, a função jurisdicional, que cinge aos julgamentos dos

conflitos instaurados no corpo social bem como a aplicação de tais leis, e, por fim, a função

executiva, que restringe-se à função administrativa, e, para tanto, deve respeitar bem como

aplicar as leis de ofício, sendo que cada um com atribuições e competências bem demarcadas

na Constituição Federal.

Segundo o princípio da legalidade, a Administração Pública está adstrita e vinculada à

Constituição Federal e às leis, de modo que somente pode fazer o que a lei permite.

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Tal princípio é aplicável para as relações jurídicas em geral, em conformidade ao

disposto nos artigos 5º, inciso II; 37 e 150, I da Constituição Federal, bem como para as

relações tributárias em especial, em conformidade ao disposto no artigo 97, do Código

Tributário Nacional.

Assim sendo, a atividade fiscal deve ser regida pela lei, no contexto do Estado

Democrático do Direito, pois, tal como afirmam Leonardo Furtado Loubet e Charles William

Mcnaughton, “desde a criação, passando pela arrecadação e, sobretudo, pela fiscalização o

manto da legalidade haverá de estar sempre presente”. 184

Ou seja, o primeiro contorno que se tem a partir da análise do referido princípio é de

que a função de criar ou aumentar tributos é privativa do Poder Legislativo, sendo

imprescindível a criação de leis para se criar ou aumentar tributos, assim como a instituição e

a cobrança de tributos encontram-se limitadas pelo Princípio da Legalidade.

Logo, nenhum indivíduo pode ser obrigado a pagar um determinado tributo ou a

cumprir um dever instrumental tributário que não tenham sido criados por meio de lei,

cabendo à lei definir, de forma minunciosa, os tipos tributários, bem como mediante a edição,

pormenorizada, da norma jurídica tributária, mediante descrição abstrata de sua hipótese de

incidência, seu sujeito ativo, seu sujeito passivo, sua base de cálculo e sua alíquota. É a lei

quem deve indicar todos os elementos da norma jurídica tributária, sendo o princípio da

legalidade um limite intransponível à atuação do fisco.

Nesse sentido, interessante trazermos à balha a lição de Fabiana Del Padre Tomé

acerca do assunto, ao afirmar que ”para a instituição de qualquer tributo, é preciso que a lei

(ordinária ou complementar, conforme o caso) traga em seu bojo todos os critérios

184 LOUBET, L. F.; MCNAUGHTON, C. W.; SALOMÃO, M. (org.); PAULO JUNIOR, A. de (org.). A prova na percussão tributária..., 2005. p. 272.

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identificadores do fato jurídico tributário e da relação jurídica tributária, não podendo

qualquer dos aspectos da regra-matriz de incidência ser introduzido por veículo diverso”.185

Com efeito, exercida a competência legislativa, mediante o estabelecimento de normas

gerais e abstratas, é possível, posteriormente, efetivar a aplicação de tais normas, promovendo

a sua incidência ao caso concreto, sendo que tal competência é atribuída aos agentes públicos,

que detém a prerrogativa de traduzir para a linguagem do Direito Positivo os acontecimentos

que estejam em conformidade ao que prevê a hipótese das normas, e, consequentemente,

imputar os efeitos jurídicos previstos. A incidência das normas tributária pode ser promovida

por intermédio de duas modalidades previstas no Código Tributário Nacional, quais sejam, o

lançamento de ofício e o auto de infração, sendo que tais instrumentos relatam a ocorrência d

eum fato e imputam uma conseqüência, ou seja, a relação jurídica tributária relativa ao

pagamento de tributo. A esse respeito, Tácio Lacerda Gama afirma:

A obrigação tributária não depende da vontade. Deriva da lei, compulsoriamente. Daí ser relevante pesquisar a legitimidade do querer expresso pelo sujeito ao praticar o fato jurídico tributário. O seu dever de pagar tributo não deriva da sua vontade, tampouco pode ser oposto ao Fisco qualquer ajuste de vontades entre as partes com o propósito de ilidir a percussão tributária. Noutras palavras, a vontade não importa para a incidência de normas que prescrevem o dever de pagar tributo. Apenas na aplicação de normas sancionatórias se cogita da intenção do agente de se evadir da percussão tributária como forma de agravar ou não a aplicação de sanções. Com esses fundamentos, podemos concluir que a realização do fato jurídico tributário, sendo fato que deriva da lei e independe da vontade, pode ser praticado por qualquer sujeito, maior ou menor, capaz ou incapaz, de posse ou não de suas plenas faculdades mentais.186

E, ainda, a legalidade tributária não restringe-se tão somente à criação do tributo, mas,

também à sua fiscalização. Esse pensamento é corroborado pelo professor Roque Antônio

Carrazza, ao afirmar que “a conduta da Fazenda Pública, ao cobrar um tributo (atividade

185 TOMÉ, Fabiana Del Padre. Estrita Legalidade e a importância das provas na aplicação das normas jurídicas tributárias. Revista de Direito Tributário. Cadernos de Direito Tributário. São Paulo. n. 109/110. p. 73. 186 GAMA, T. L. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade..., pp. 215-216.

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124

administrativa plenamente vinculada) deve vir disciplinada numa lei ordinária, que

minudencie os casos e o modo como deve ser aplicada”.187

Assim sendo, como a tributação é regida pelo princípio da legalidade, não se admite

qualquer margem de discricionariedade do agente público na aplicação da lei em um

determinado caso concreto. Sem que haja o devido enquadramento do fato ou evento à lei, e

logo, à norma tributária geral e abstrata, não devem ser produzidos os efeitos jurídicos

desejados, e, entre eles, principalmente, o fato jurídico tributário.

5.3 Princípio da Segurança Jurídica

A segurança jurídica, assim como a igualdade e a liberdade, são os pilares que

sustentam o Estado Democrático de Direito. E, ainda, é o princípio essencial à proteção do

contribuinte, mesmo que não encontre-se expresso na Constituição Federal, sendo um

princípio implícito.

O princípio da segurança jurídica visa preservar que atos ou situações jurídicas já

estabelecidas venham a ser alcançadas por alterações decorrentes de novas disposições legais,

imobilizando a situação dos administrados.188

Notadamente ao campo tributário, podemos encontrar, por exemplo, tal princípio

disposto no artigo 146, do Código Tributário nacional, in verbis:

Artigo 146. A modificação introduzida de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente a sua introdução.

187 CARRAZZA, R. A. Curso de Direito Constitucional Tributário..., 2002. p. 222. 188 MARTINS, A. F. S. A prova do fato jurídico tributário..., 2007. p. 208.

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Portanto, basicamente, podemos afirmar que o princípio da segurança jurídica

disciplina que a Administração Pública deve agir com lealdade em relação aos administrados,

notadamente ao poder de tributar. E, ainda, tal princípio, assim como os demais, devem ser

observados desde a edição das leis tributárias até, de modo mais específico, à atuação dos

agentes do Fisco, tanto no procedimento fiscal quanto no processo administrativo tributário,

orientando tanto os atos de fiscalização, apuração e lançamento bem como de decisão e

julgamento, sob pena de ilegalidade e ilegitimidade dos atos administrativos, e de insegurança

na relação entre o Fisco e o contribuinte.189

Portanto, entre diversos outros dispositivos que atestam e assegurem a observância do

princípio da segurança jurídica, podemos afirmar que o referido princípio é de grande

importância para o sistema tributário, notadamente para a constituição do fato jurídico

tributário, conforme veremos de modo mais específico adiante.

5.4 Princípio da Tipicidade da Tributação

O princípio da tipicidade se perfaz como uma conseqüência imediata do princípio da

legalidade. Tendo em vista que à lei compete a instituição do tributo, mediante o

estabelecimento dos atos de aplicação, a norma geral e abstrata por ela veiculada não pode

deixar caminho aberto para a analogia ou à integração por parte das autoridades fazendárias.

Desse modo, a lei que cria um tributo ou um dever instrumental, na atividade

impositiva do sistema brasileiro, deve estabelecer todas as condutas humanas subsumíveis à

sua disciplina, mediante o desenho de suas hipóteses normativas. Deve a norma geral e

abstrata indicar todos os critérios, notas, características dos fatos-tipo que a ela serão

subsumidos.

189 MAIA, Mary Elbe Queiroz. Princípios que norteiam a constituição e o controle administrativo do crédito tributário. In: TÔRRES, Heleno Taveira (coord.) Teoria Geral da Obrigação Tributária: estudos em homenagem ao Professor José Souto Maior Borges. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 498.

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Sob essa ótica, é o raciocínio de Fabiana Del Padre Tome:

(...) para a instituição de qualquer tributo, é preciso que a lei (ordinária ou complementar, conforme o caso) traga em seu bojo todos os critérios identificadores do fato jurídico tributário e da relação jurídica tributária, não podendo qualquer dos aspectos da regra-matriz de incidência ser introduzido por veículo diverso. É o que costuma denominar princípio da tipicidade tributária. (...) O princípio da tipicidade tributária exige a perfeita adequação do fato à norma para que surja a obrigação tributária. Por isso mesmo, o surgimento do vínculo obrigacional está condicionado ao fenômeno da subsunção, que é a plena correspondência entre o fato jurídico tributário e a previsão normativa veiculada na hipótese de incidência, fazendo surgir a obrigação correspondente, nos exatos termos previstos em lei.190

Ainda, como bem leciona Paulo de Barros Carvalho, deve-se atentar para duas

dimensões acerca do princípio da tipicidade tributária, ou seja, para o plano legislativo e o

plano da facticidade. Assim sendo, no plano legislativo contém a necessidade de que a norma

geral e abstrata traga em seu bojo todos os elementos descritores do fato jurídico tributário e

os dados prescritores da relação obrigacional, enquanto que o plano da facticidade jurídica

contém a exigência da estrita subsunção do fato à previsão genérica da norma geral e abstrata,

a regra-matriz de incidência, vinculando-se à correspondente obrigação.191

Analisando, então, o princípio da tipicidade tributária sob a ótica do tema em exame,

verificamos a importância das provas enquanto suporte ao fato jurídico constituído, tendo em

vista que é através dos elementos de provas colhidos é que será possível verificar a

semelhança entre o arquétipo da norma geral e abstrata relativamente à prescrição da norma

individual e concreta.

Ou seja, o Fisco, no exercício das funções de gestão tributária, deve indicar, de forma

pormenorizada, não somente a semelhança entre os elementos do tipo normativo

relativamente ao fato concretizado que se pretende tributar, bem como também os traços

jurídicos que caracterizam tal conduta como ilícita.

190 TOME, F. D. P. Estrita Legalidade e a importância das provas na aplicação das normas jurídicas tributárias..., p. 73. 191 CARVALHO, P. de B. A prova no procedimento administrativo tributário..., 1998. p. 105.

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Nesse sentido, a administração tributária, no exercício de seus atos, encontra-se tolhida

em agir em conformidade ao exposto pela lei, não podendo realizar qualquer ato subjetivo

mediante competência discricionária. É o que nos ensina Paulo de Barros Carvalho, que, ao

discorrer acerca do princípio constitucional da tipicidade tributária, afirma que “no

procedimento administrativo de gestão tributária não se permite ao funcionário da Fazenda o

emprego de recursos imaginativos, por mais evidente que pareça ser o comportamento

delituoso do sujeito passivo”.192

Portanto, o princípio da tipicidade tributária exige, para o surgimento da obrigação

tributária, a perfeita adequação do fato à norma, sendo que o surgimento do vínculo

obrigacional, mediante o surgimento da obrigação correspondente, nos exatos termos

previstos em lei, encontra-se condicionado ao fenômeno da subsunção, ou seja, mediante a

plena correspondência entre a previsão normativa veiculada na hipótese de incidência e o fato

jurídico tributário,

5.5 Princípio do Devido Processo Legal, Contraditório e Ampla Defesa

Ladeando a imposição tributária, também se faz necessário observar o princípio do

devido processo legal. O referido princípio constitucional, previsto no artigo 5º, inciso LIV,

da Constituição Federal, prevê que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem

o devido processo legal”, impondo, assim, a observância ao procedimento prescrito em lei.

Em conformidade ao princípio do devido processo legal, tanto o administrado quanto

o jurisdicionado devem conhecer, de antemão, quais são os caminhos permitidos ao Estado

percorrer para privar-lhes a liberdade ou a propriedade, com o intuito de eliminar

arbitrariedades, bem como, relativamente à prova no processo administrativo fiscal, a lei deve

192 CARVALHO, P. de B. A prova no procedimento administrativo tributário..., 1998. p. 105.

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prever quem, como e quando devem produzir as respectivas provas, bem como tais provas

foram produzidas.

Nesse sentido, o princípio do devido processo legal desdobra-se em:

a. no direito do contribuinte de ser ouvido

b. no direito do contribuinte de oferecer e produzir a prova adequada à defesa de suas

pretensões.

Seguindo semelhante linha de raciocínio, concluem Leonardo Furtado Loubet e

Charles William Mcnaughton:

De fato, o princípio do devido processo legal não se resume apenas a uma mera formalidade, bastando que a lei indique ferramentas processuais abstratamente colocadas ao alcance do administrado; muito mais do que isso, trata-se de mandamento constitucional que, como todo princípio, é dotado de forte carga axiológica e que determina que esses desígnios sejam efetivamente observados na praxe fiscal.193

Em conformidade a James Marins194, em decorrência do princípio do devido processo

legal, as garantias constitucionais individuais do cidadão-contribuinte se constituem no núcleo

do processo administrativo. O autor cita quais são:

a. direito à autoridade julgadora competente (artigo 5º , LIII)

b. direito de impugnação administrativa à pretensão fiscal (artigo 5º , LIV)

c. direito ao contraditório (artigo 5º , LV)

d. direito à cognição material e formal ampla (artigo 5º , LV)

e. direito à produção de provas (artigo 5º , LV)

f. direito ao recurso hierárquico (artigo 5º , LV)

193 LOUBET, L. F.; MCNAUGHTON, C. W.; SALOMÃO, M. V. (org.); PAULO JUNIOR, A. de (org.). A prova na percussão tributária..., 2005. p. 276. 194 MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro: administrativo e judicial. 3. ed. São Paulo: Dialética, 2003. p. 191.

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Ainda, o princípio do devido processo legal encontra-se relacionado ao princípio do

contraditório, ao princípio da ampla defesa e à publicidade, conforme exposto pelo artigo 5º,

inciso LV, da Constituição Federal, ao estabelecer que “aos litigantes, em processo judicial

ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla

defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Ora, na medida em que propicia o direito do contribuinte de ser ouvido, bem como o

direito do contribuinte de oferecer e produzir prova adequada à sua defesa, ou seja, o direito

ao devido processo legal, logo, há a garantia de sua ampla defesa, bem como de seu

contraditório. Tanto que podemos afirmar que o devido processo legal é uma garantia, sendo

que é instrumentalizada através do contraditório e da ampla defesa.

Sob a ótica do tema ora em análise, podemos observar que tais princípios devem ser

aplicados no processo administrativo tributário, pois, quando imputado ao contribuinte um

determinado débito tributário ou uma penalidade, a ele é cabível o exercício de sua ampla

defesa, mediante a possibilidade de insurgência no âmbito administrativo, assegurando ao

contribuinte todos os meios e recursos inerentes à sua defesa, e logo à impugnação ao

lançamento tributário.

Nesse contexto, Celso Antônio Bandeira De Mello afirma que o princípio do

contraditório prevê “não apenas o direito de oferecer e produzir provas, mas, também, o de,

muitas vezes, fiscalizar a produção das provas da Administração, isto é, o de estar presente,

se necessário, a fim de verificar se efetivamente se efetuaram com correção ou adequação

técnicas devidas”.195

Ainda, afirmamos anteriormente que o objeto da prova são os fatos alegados. E, nesse

contexto, notadamente o do procedimento administrativo tributário, no processo de aplicação

do direito, uma das partes produz uma determinada alegação, ou fato jurídico, cujo o seu

195 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 20. ed. são Paulo: Malheiros, 2006. p. 471.

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reconhecimento produz o efeito de motivar o procedimento da positivação, a fim de constituir

o fato jurídico tributário. Posteriormente, é cabível a outra parte componente de tal

procedimento o direito de defender-se, mediante a produção de outra alegação, instaurando-

se, assim, o contraditório, requerendo a efetiva demonstração, por intermédio das provas, dos

fatos alegados.

Portanto, ao contribuinte é cabível o direito de impugnar o lançamento tributário,

mediante a comprovação de inexistência dos pressupostos do fato jurídico tributário, No

entanto, o contribuinte somente poderá exercer o seu direito constitucional à ampla defesa se a

Fazenda Pública expor, de forma clara e precisa, acerca dos fundamentos em que se apoiou

para lavrar o auto de infração ou editar o ato de lançamento tributário, dando ao contribuinte a

oportunidade de provar a inocorrência do fato jurídico tributário.

5.6 Princípio da Oficialidade (princípio do impulso oficial)

Relativamente ao princípio da oficialidade e a sua relação direta com as provas do fato

jurídico tributário, devemos observar o disposto no artigo 36, da Lei n. 9.784/99, ao preceituar

que ”cabe ao interessado a prova dos fatos que tenha alegado, sem prejuízo do dever

atribuído a órgão competente para a instrução (...)”.

Diferentemente do que ocorre no processo judicial, em que o impulso oficial somente

passa a ser um ônus do julgador após instaurada a relação jurídica processual, no âmbito do

processo administrativo, é dever da Administração Pública executar, ex officio, todos os atos

necessários à instauração e ao impulso do processo, independentemente da provocação do

sujeito passivo ou de qualquer outro ato de ordem superior, sob pena de responsabilização de

seus agentes.

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A título de complementação, a Lei n. 9.784/99 prevê, ainda, que o impulso oficial é

um dos parâmetros que devem ser observados no processo administrativo, de modo que em

seu artigo 2º, inciso XII, prescreve “a impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem

prejuízo da atuação dos interessados”. E, ainda, em seu artigo 29, prevê que “as atividades

de instrução realizam-se de ofício ou por impulso do órgão responsável pelo processo, sem

prejuízo do direito dos interessados de propor atuações probatórias”.

5.7 Princípio da “Verdade Material”

O princípio que diz respeito à “verdade material” orienta os atos administrativos

típicos, tais como de fiscalização, apuração e lançamento, bem como os atos administrativos

atípicos, tais como de decisão e julgamento.

Conforme afirma André Felipe Saide Martins, “a verdade material está

intrinsecamente relacionada com a prova do fato jurídico tributário”.196

Em conformidade à busca da “verdade material”, a instrução probatória do

procedimento possui o intuito de se alcançar a verdade material quanto ao seu objeto, de

modo que a lei fiscal concede meios e recursos aos seus órgãos de aplicação no intuito de

permitir a formação de convicção acerca da existência do conteúdo bem como da existência

do fato jurídico tributário.

Assim sendo, a fiscalização pode dispor de todas as prerrogativas previstas em lei

quanto à produção de provas com o objetivo de se chegar à verdade material tanto no

procedimento quanto no processo administrativo tributário. Nesse sentido, cabe

considerarmos a disposição dos artigos 195 e 200, do Código Tributário Nacional:

196 MARTINS, A. F. S. A prova do fato jurídico tributário..., 2007. p. 210.

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Artigo 195. Para os efeitos da legislação tributária, não tem aplicação quaisquer disposições legais excludentes ou limitativas do direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais dos comerciantes, industriais ou produtores, ou da obrigação deste de exibi-los. Artigo 200. As autoridades administrativas federais poderão requisitar o auxílio da força pública federal, estadual ou municipal, e reciprocamente, quando vítimas de embaraço ou desacato no exercício de suas funções, ou quando necessário à efetivação de medida prevista na legislação tributária, ainda que nãos e configure fato definido em lei como crime e contravenção.

Portanto, em conformidade ao referido princípio, deve a Administração fazer uso de

qualquer prova, desde que lícita, tanto no procedimento quanto no processo administrativo

tributário, com a finalidade de atestar, ou não, a existência e o conteúdo do fato jurídico

tributário.

Ainda, cabe destacarmos que a busca da verdade é princípio específico do

procedimento e do processo administrativo, de modo que o Fisco tem a necessidade de provar

a ocorrência do fato jurídico tributário, através do seu poder de investigação.

Vejamos a lição de André Felipe Saide Martins acerca do assunto, em alentado estudo

sobre a prova do fato jurídico tributário, ao afirmar que “essa fase investigatória se processa

sob o manto da inquisitoriedade, isto é, confere ao administrador tributário amplos poderes

para realizar as investigações necessárias, como, por exemplo, o livre acesso aos livros e

documentos (art. 195 da CF) bem como a entrada de agentes nas dependências internas do

contribuinte (art. 200 do CTN), a retenção de livros e documentos (art. 35 da Lei 9.430/96), a

lacração de arquivos (art. 36 da Lei 9.430/96), o acesso a documentos e informações

mantidas em arquivos magnéticos (art. 34 da Lei 9430/96), etc, isso sem falar no dever de

colaboração do particular”.197

No entanto, devemos atentar que, enquanto na teoria fala-se na busca da “verdade

material”, tendo em vista as diferenciadas classificações da verdade (formal x material;

objetiva x subjetiva; absoluta x relativa, entre outras), o nosso objetivo é atestar que a

197 MARTINS, A. F. S. A prova do fato jurídico tributário..., 2007. pp. 240-241

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Administração Pública detém a obrigação de aproximar a atividade formalizadora do

lançamento tributário da realidade dos fatos, em conformidade às provas que produzir,

independentemente de tais fatos prejudicarem ou beneficiarem o sujeito passivo da obrigação

tributária.

5.8 Princípio da Proibição da Prova Ilícita

Anteriormente, quando tratamos, de modo mais específico, acerca da teoria das

provas, vimos no item 4.8.5 que não se admitem no processo as provas obtidas de modo

ilícito, em conformidade ao disposto no artigo 5º, LVI, da Constituição Federal. No entanto, o

direito à prova encontra-se inserido entre as garantias do devido processo legal, assim como

todos os meios de provas são admitidos no processo para se provar a verdade dos fatos.

Acerca do tema, o artigo 30, da Lei n. 9.784/1999 declara inadmissíveis no processo

administrativo as provas obtidas por meios ilícitos.198

Da mesma forma, é o entendimento proferido no Acórdão n. 108-08.784, de

26.04.2006:

PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL – NULIDADE – PROVA ILÍCITA. Comprovada a obtenção de forma ilícita de elementos subsidiários ao lançamento, há que se declarar a nulidade do Auto de Infração, em razão do princípio da estrita legalidade sob o qual estão sujeitos o Agente Fiscal e o Lançamento.

Portanto, relativamente à produção probatória no âmbito administrativo tributário, há a

proibição da prova obtida ilicitamente.

198 Art. 30. São inadmissíveis no processo administrativo as provas obtidas por meios ilícitos.

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5.9 Conclusão Parcial

Portanto, os princípios constitucionais tributários ora analisados encontram-se

relacionados ao ato de tributar, à atividade impositiva do Estado e ao procedimento e processo

administrativo tributário. Acaso tais princípios sejam inobservados, deve ser declarada a

invalidade de tais atos, seja pela Administração Pública ou seja pelo Poder Judiciário.

E, ainda, observando a teoria das provas em face dos princípios constitucionais

tributários, temos que, notadamente em relação ao princípio da estrita legalidade e do

princípio da tipicidade, a obrigação de pagar um determinado tributo somente deve ser dar

quando for verificada a ocorrência concreta do fato previsto na hipótese da norma geral e

abstrata, sendo que a exação deve ser calculada com base na medida monetária de fato.

Torna-se inconcebível imaginar que um determinado fato venha a ser considerado

ocorrido se as provas venham a demonstrar o contrário, sendo que tal orientação viola os

princípios constitucionais que orientam o sistema tributário, sendo admitido, ainda, a dilação

probatória para desconstituir um determinado fato presumido.

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TERCEIRA PARTE - BREVE PANORAMA SOBRE O PROCESSO

ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO

6. PROCEDIMENTO E PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRI O

6.1 Considerações Introdutórias

No tema ora proposto, a análise da relevância das provas para a constituição do fato

jurídico tributário se dá sob a ótica da imposição tributária no âmbito do processo

administrativo fiscal.

Mas, cabe atentarmos para a diferenciação existente entre o processo e o

procedimento. Vimos que o ato jurídico de lançamento tributário é a norma individual e

concreta que constitui o fato jurídico tributário. Nesse contexto, anteriormente à lavratura do

ato de lançamento tributário, tem-se caracterizado o procedimento administrativo¸ que não é

litigioso. O processo administrativo fiscal somente iniciar-se-á mediante a lavratura do ato

jurídico de lançamento tributário.

Conforme Fabiana Del Padre Tomé:

A análise do ciclo de positivação na esfera administrativa tributária revela a existência de dualidade terminológica: procedimento/processo. O procedimento consiste na forma de organização lógica e cronológica de determinados atos, necessária à consecução de outro ato, caracterizador do objetivo último do aplicador do direito. O processo, por sua vez, é verificado na ordenação de atos estatais para a solução de uma controvérsia. Firmadas essas premissas, concluímos tratar-se de procedimento o caminho perseguido para a realização do ato de lançamento ou de aplicação de penalidade pelo descumprimento da obrigação tributária ou de dever instrumental configurando processo, por sua vez, a composição administrativa dos conflitos fiscais.199

199 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 326.

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No entanto, ressaltamos que o objetivo do trabalho é falar, de modo mais específico,

da linguagem constitutiva do “conflito tributário”, ou seja, a linguagem que constitui o

conflito de uma relação jurídica tributária instaurada no âmbito administrativo. Conforme

ressaltado no decorrer de todo o trabalho ora proposto, o enfoque a ser dado é sobre a

linguagem produzida a fim de constituir a prova do fato jurídico tributário, que,

conseqüentemente, instaura a obrigação de pagar o tributo. Por tal motivo, se perfaz

necessário, então, realizarmos uma breve análise acerca do processo administrativo tributário.

Para tanto, compartilhamos do entendimento de Maria do Rosário Esteves acerca do

assunto:

É mister distinguirmos: a) a atividade da Administração Pública para a verificação e caracterização de um evento ou fato social, que, previsto no tipo tributário, subsumir-se-á à norma jurídica tributária segundo uma forma procedimental, e que tem como resultado final a expedição do lançamento tributário; da b) atividade da Administração Pública que, segundo uma série de atos processuais, tem a função atípica de julgar um conflito. Uma autônoma e individualizada em relação à outra. A primeira, a atividade realizada sob a forma de procedimento para a verificação da ocorrência do evento típico que permitirá a expedição do ato administrativo de lançamento tributário, a segunda, atividade processual, que contém um procedimento a fim de decidir “o conflito”.200

Assim sendo, a prova do fato jurídico tributário deve ser apresentada juntamente com

o auto de infração, enquanto veículo introdutor da norma individual e concreta do lançamento

tributário. Essa prova, que pode ser um conjunto de provas, visa fundamentar a expedição do

ato de lançamento tributário, mas, podendo ser retomada e discutida no contencioso

administrativo tributário, quando há a impugnação do contribuinte.

200 ESTEVES, M. do R. A prova do fato jurídico no processo administrativo tributário..., 2005. pp. 90 – 91.

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6.2 Processo ou Procedimento?

O ato jurídico de lançamento tributário é a norma individual e concreta que constitui o

fato jurídico tributário.

Nesse contexto, anteriormente à lavratura do ato de lançamento tributário, tem-se

caracterizado o procedimento administrativo¸ que não é litigioso, pois somente tem por

objetivo apurar os fatos passíveis de sofrerem imposição da norma tributária. O processo

administrativo fiscal somente iniciar-se-á mediante a lavratura do ato jurídico de lançamento

tributário.

Nesse sentido, Leonardo Loubet e Charles William Mcnaughton esclarecem que “é

com a promoção do lançamento ou com a aplicação da penalidade que se dá o início do

processo administrativo, ou seja, o lançamento é o divisor de águas entre procedimento e

processo administrativo: antes dele, o que há é um conjunto de atos a cargo do poder

fiscalizador no intuito de perquirir se houve o chamado “fato gerador” (evento tributário);

após o lançamento – e desde que haja impugnação do contribuinte – instaura-se a fase

litigiosa da percussão tributária”.201

Portanto, o processo administrativo tributário caracteriza-se como uma sucessão

ordenada de atos com o intuito de se atingir um ato final, que venha a representar a solução da

controvérsia instaurada perante o Estado.

Desse modo, no caso do contencioso tributário, há a formação de um processo

administrativo tributário, e não de um procedimento, pois requer a atividade julgadora da

Administração Pública com o intuito de solucionar um “conflito”.

201 LOUBET, L. F.; MCNAUGHTON, C. W.; SALOMÃO, M. V. (org.); PAULO JUNIOR, A. de (org.). A prova na percussão tributária..., 2005. p. 277.

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Para a caracterização do processo administrativo tributário, no âmbito administrativo

do contencioso tributário, Paulo César Conrado202 elenca as seguintes peculiaridades:

i. como na generalidade dos processos, encontra no fato jurídico conflito seu antecedente

lógico.

ii. seu nascimento está atrelado à provocação do contribuinte.

iii. o instrumento de linguagem que o deflagra, constituindo o suposto do conflito

compete àquele específico sujeito (impugnação ou sujeito).

iv. demanda a prévia constituição da obrigação tributária, ostentando função repreensiva.

Entendemos, então, que, no contencioso tributário, há a formação de um processo

administrativo tributário, pois a atividade julgadora da Administração Pública visa a solução

do conflito. Anteriormente à fase do contencioso tributário, há a caracterização do

procedimento, ou seja, a ocorrência de uma sucessão ordenada de atos, no próprio processo

administrativo tributário bem como na sucessão de atos fiscalizatórios com o intuito de

verificar a ocorrência de um fato jurídico tributário.

Nesse sentido, James Marins assevera que no Direito Tributário “deve-se enfrentar o

dualismo procedimento/processo em três diferentes regimes jurídicos: 1º procedimento

enquanto caminho para consecução do ato de lançamento (inclusive fiscalização tributária e

imposição de penalidades); 2º processo como meio de solução administrativa dos conflitos

fiscais; e 3º processo como meio de solução judicial dos conflitos fiscais”.203

6.3 O Procedimento Administrativo Tributário

O Procedimento Administrativo Tributário caracteriza-se quando há a atividade do

Fisco em realizar verificações acerca da caracterização de um evento ou fato social, que, ao

202 CONRADO, Paulo César. Processo tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 197. 203 MARINS, J. Direito processual tributário brasileiro: administrativo e judicial..., 2003. p. 162.

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ser previsto no tipo tributário, irá se subsumir à norma jurídica tributária, em conformidade a

uma forma procedimental, e cujo resultado final será a expedição do lançamento tributário.

Então, é apenas uma atividade, realizada sob a forma de procedimento, com o intuito

de verificar a ocorrência do evento típico que permitirá a expedição do ato administrativo de

lançamento tributário. É, pois, a sucessão ordenada de atos, mediante a sucessão de atos

fiscalizatórios e apuratórios para a verificação do fato jurídico tributário e para que seja

consumado o lançamento tributário.

Para Alessandra Dabul, “entende-se que o procedimento administrativo, no que diz

respeito à matéria tributária, se constitui na sequência lógica de atos que culminam com a

emissão do lançamento”.204

Portanto, o procedimento administrativo tributário dar-se-á mediante o conjunto de

atos que será percorrido para que seja consumado o lançamento tributário. Até a formalização

da pretensão fiscal, não há a resistência do contribuinte. Nessa fase do procedimento, pode o

contribuinte participar do procedimento de fiscalização, mediante a apresentação de

documentos comprobatórios e elucidativos à atividade formalizadora do crédito tributário, e,

ainda, deve acessar todos os atos praticados durante a ação fiscal, em conformidade ao

princípio da publicidade.

Nas palavras de Fabiana Del Padre Tomé, “o procedimento administrativo

fiscalizador não representa materialização conflitiva, configurando sequência de atos

unilaterais com vista a verificar a ocorrência ou não do fato jurídico ou do ilícito tributário,

inviabilizando, por conseguinte, questionamentos e oposição por parte do contribuinte”.205

Somente após firmada a pretensão, poderá o contribuinte entender como indevida a

pretensão e insurgir-se contra a exigência tributária, havendo uma contraposição de interesses

204 DABUL, A. Da prova no processo administrativo tributário..., 2010. p. 46. 205 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 292.

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140

(conflitos), e logo, originando a fase do processo tributário, em que irá se desenvolver a

solução dos litígios.

É no âmbito do procedimento administrativo que se dá a produção de provas pela

Administração. No curso do procedimento administrativo tributário, podem ser realizadas

pelo Fisco atividades de fiscalização e diligências, através de vistoria e verificações, por

agentes fiscais, mediante procedimentos que antecedem o lançamento tributário, com o intuito

de produção de provas. São documentos perícias, laudos, entre outros instrumentos

probatórios produzidos durante o curso da fiscalização.

Ainda, destacamos que o ato de lançamento deve ser procedido por um procedimento

preparatório de modo a determinar o ato jurídico, enquanto conjunto ordenado de atos que

evoluem para a sua finalidade, que é a consecução de um ato específico, tendente a ser

constituído por intermédio da linguagem das provas. Assim sendo, haja vista a inexist6encia

de litígio instaurado, tendo-se apenas procedimento, e não processo, os princípios à ele

aplicáveis não são os mesmo aplicáveis ao processo administrativo tributário, sendo certo

apenas que a ambos são aplicáveis os princípios da legalidade, do procedimento regular, da

finalidade, da motivação, da razoabilidade, da moralidade, do interesse público, da eficiência

e da segurança jurídica. A garantia da ampla defesa deve ser observada no âmbito do processo

administrativo tributário.

6.4 O Processo Administrativo Tributário

O Processo Administrativo Tributário contencioso é o sistema de prestação

jurisdicional que destina-se a resolver, dentro do âmbito da Administração Pública, os

conflitos oriundos da relação entre o contribuinte e o Fisco.

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141

No âmbito federal, o processo administrativo tributário encontra-se regulado pelo

Decreto n. 70.235/1972, e, subsidiariamente, lhe é aplicável, também os termos da Lei n.

9.784/1999.

Para tanto, o processo administrativo tributário somente iniciar-se-á mediante a

impugnação do sujeito passivo ao lançamento contra ele efetuado, através do qual se requer a

manifestação jurisdicional do Estado. Nesse sentido, Fabiana Del Padre Tomé leciona que “o

processo administrativo tributário não se instaura com a lavratura do lançamento ou do auto

de infração, pois nesse momento ainda não se tem a resistência do contribuinte,

caracterizadora do conflito. Pode ocorrer que o particular permaneça inerte ou concorde

com a exigência, efetuando o seu pagamento, situações em que inocorre a formalização de

processo”.206

O litígio administrativo se instaurará mediante a apresentação da contestação, ou

impugnação por escrito do sujeito passivo ao lançamento contra ele efetuado, instruída com

todos os documentos em que estiver fundamentada. É nesse instante que se tem instaurado o

conflito, e, logo, o contencioso administrativo tributário.

O processo administrativo tributário é composto por diferentes fases, ou etapas, que

usualmente são denominadas como fases do processo, consistentes na realização de ato

decisório resolutivo do conflito emergente da relação entre Fisco e o contribuinte, dentro do

próprio âmbito da Administração Pública.

206 TOME, Fabiana Del Padre; SALOMÃO, Marcelo Viana (org.); PAULA JUNIOR, Aldo de (org.). Defesa e Provas no Processo Administrativo Tributário Federal: momento para a sua produção, espécies probatórias possíveis e exame de sua admissibilidade in Processo Administrativo Tributário. São Paulo: MP Editora, 2005. p. 148. Nesse sentido, é também o entendimento de FÁBIO FANUCCHI: “Na esfera federal, para a maioria de seus tributos (todos cuja receita se destine aos cofres centrais da União), o litígio administrativo se instaurará, em efetivo, com a contestação do sujeito passivo ao lançamento contra ele efetuado . (...) A impugnação é ato escrito, a exemplo da petição inicial do processo judiciário, e será instruída com todos os documentos em que estiver fundamentada (art. 15 do Decreto n. 70.235/72)”. (FANUCCHI, Fábio. Processo Administrativo Tributário in Novo processo Tributário. São Paulo: Resenha Tributária, 1975. p. 53)

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No âmbito tributário federal, a doutrina207 divide em quatro as fases do processo

administrativo, quais sejam:

i. fase introdutória (ou de instauração): é a fase que inicia o processo administrativo,

mediante a iniciativa do particular, através da impugnação (contestação).

ii. fase instrutória: é a fase destinada à produção probatória, destinadas a convencer o

destinatário.

iii. fase decisória (ou de julgamento): é a fase de emissão de norma individual e concreta,

em que o julgador reconhece ou a veracidade ou a falsidade dos fatos alegados,

constituindo o fato jurídico em sentido estrito.

iv. fase recursal: fase em que ocorre a manifestação de inconformidade da parte vencida,

através de requerimento de nova apreciação do tema por um órgão julgador diverso

(agente administrativo julgador ou Conselho Administrativo de Recursos Fiscais).

No entanto, apesar da doutrina dominante adotar as respectivas fases no processo

administrativo, o Decreto n. 70.235/1972, que disciplina o processo administrativo tributário

federal estabelece em seu artigo 15, caput, que “A impugnação, formalizada por escrito e

instruída com os documentos em que se fundamentar, será apresentada ao órgão preparador

no prazo de trinta dias, contados da data em que for feita a intimação da exigência”,

prevendo, assim, a inexistência de distinção entre a fase de instauração e de instrução, tendo

em vista que a impugnação deve ser instruída com os documentos em que vier a se

fundamentar.

207 FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 91. MARINS, J. Direito Processual Tributário Brasileiro (administrativo e judicial)..., 2002. p. 63.

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6.5 Momento de produção probatória no processo administrativo tributário

Na esfera tributária, compete ao Fisco, de modo privativo e obrigatório, o dever de

lavar o ato de lançamento, assim como o ato de aplicação de penalidade pelo descumprimento

de obrigações tributárias ou de deveres instrumentais, devendo apresentar, em tal momento,

os elementos comprobatórios do fato jurídico e do ilícito tributário.

Em conformidade aos artigos 9º, caput, do Decreto n. 70.235.72, a autoridade

administrativa bem como o contribuinte encontram-se sujeitos à limitações procedimentais

quanto à instrução probatória.

Relativamente ao lançamento tributário, assim como o ato de aplicação de penalidade,

devem ser acompanhados por todas as provas documentais correspondentes, e, relativamente

ao contribuinte, deve apresentar a sua defesa acompanhada de todos os documentos

comprobatórios de sua defesa.

Preceitua os artigos 9º, caput, do Decreto n. 70.235.72, in verbis:

Artigo 9º. A exigência de crédito tributário, a retificação de prejuízo fiscal e a aplicação de penalidade isolada serão formalizadas em autos de infração ou notificação de lançamento, distintos para cada imposto, contribuição ou penalidade, os quais deverão ser instruídos com todos os termos, depoimentos, laudos e demais elementos de prova indispensáveis à comprovação do ilícito.

Não é demais destacarmos, também, a disposição do artigo 20 da Lei n. 10.941/2001,

do Estado de São Paulo:

Artigo 20 - As provas deverão ser apresentadas juntamente com o auto de infração e com a defesa, salvo por motivo de força maior ou ocorrência de fato superveniente.

Por sua vez, a Lei n. 2.315/2001, que regula o processo administrativo fiscal no âmbito

do Estado do Mato Grosso do Sul preceitua:

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Artigo 39 - O lançamento de tributo, penalidade pecuniária ou encargo pecuniário decorrente de ato específico de fiscalização, que deve ser realizado de ofício (CTN, art. 149) pelas autoridades referidas no art. 2º, III e V, observada a regra do seu § 2º, deve ser formalizado no documento denominado Auto de Lançamento e de Imposição de Multa. § 1º O Auto de Lançamento e de Imposição de Multa deve conter: I - a identificação da matéria tributável, a norma legal que a tipifica e as provas em que está fundada a exigência fiscal; (...)

Desse modo, relativamente a exigência de apresentação de provas pela Administração

Pública, somente é admissível a emissão de norma individual e concreta constituidora de

obrigação tributária ou de relação jurídica sancionatória mediante a demonstração dos

elementos tipificadores do fato que desencadeia a emissão de tais normas, não se admitindo

exceções na legislação pertinente quanto à tal exigência.

Nesse sentido, se faz pertinente a lição da professora Fabiana Del Padre Tomé:

(...) por meio de atos fiscalizatórios, a autoridade administrativa tem acesso às mercadorias, livros, arquivos e demais documentos relacionados com as atividades comerciais e industriais do contribuinte, estando habilitada a proceder às diligências que entenda necessárias. Nada justifica, portanto, a juntada posterior de provas imprescindíveis à motivação do ato de lançamento ou de aplicação de penalidade. Entendemos que apenas o reforço da prova pode operar-se no curso do processo administrativo, de modo que, tendo o contribuinte produzido elementos probatórios destinados a ilidir a pretensão fiscal, é cabível a apresentação de dados confirmadores daqueles constantes da exigência tributária, infirmando os argumentos do sujeito passivo.208

Por isso, podemos afirmar que a autoridade administrativa detém não o ônus, mas o

dever de provar o fato jurídico ou o ilícito tributário que dá suporte aos seus atos. Por isso

que, nas palavras de José Souto Maior Borges, “O Fisco, entretanto, tem o dever – não o

ônus – de verificar a ocorrência da situação jurídica tributária conforme ela se desdobra no

mundo fáctico, (...)”.209

Portanto, o lançamento tributário deve ser efetuado mediante a fundamentação na

linguagem das provas e em conformidade aos moldes prescritos pelo ordenamento jurídico,

sendo que a construção do fato, por intermédio das provas, no antecedente da norma 208 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 197. 209 BORGES, José Souto Maior. Lançamento Tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 121.

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administrativo-tributária individual e concreta constitui a motivação do ato administrativo de

lançamento tributário, sendo que, sem esse elemento (motivação) o ato não subsiste. Na

constituição do fato jurídico tributário, sendo um lançamento realizado pela autoridade

administrativa, ela precisa motivar o seu ato mediante o emprego da linguagem das provas.

De modo contrário, caso o ato de lançamento não se encontre fundamentado em provas,

encontrará irremediavelmente maculado, devendo, para tanto, ser retirado do ordenamento

jurídico.210

Ainda, destacamos que o ato de lançamento deve ser procedido por um procedimento

preparatório de modo a determinar o ato jurídico, enquanto conjunto ordenado de atos que

6.6 O Contraditório e a Ampla Defesa no Processo Administrativo Tributário

O processo administrativo, assim como o processo judicial, possui as suas raízes

fincadas na Constituição Federal, notadamente no artigo 5º, inciso LV, que dispõe: “aos

litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o

contraditório e ampla defesa, com os meios recursos a ela inerentes”.

Mediante a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, ao

contribuinte é lícito, em observância ao seu direito constitucional à ampla defesa, impugnar o

lançamento tributário, pois é ele que documenta o fato jurídico tributário. Para tanto, na

impugnação, ele deve procurar comprovar a inexistência dos pressupostos do fato jurídico

tributário, de modo que, até esse momento, o Fisco já deveria ter provado a existência do fato

jurídico tributário.

210 Destacamos, aqui, que não estamos nos referido ao denominado lançamento por homologação, pois, nesse caso, a norma individual e concreta, constituidora do fato jurídico tributário e do correspondente liame obrigacional é expedida pelo particular, cabendo a ele demonstrar a veracidade dos fatos alegados.

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Mas, para permitir o exercício do direito de ampla defesa e contraditório ao

contribuinte, deve a Fazenda Pública expor, de forma clara e precisa, todos os fundamentos

em que se apoiou para lavrar o auto de infração e/ou editar o lançamento.211

6.7 Defesa e Instrução Probatória no Processo Administrativo Tributário

O ordenamento jurídico brasileiro prevê o direito ao contribuinte de contrapor-se à

exigência fiscal a ele imposta, mediante a produção de provas de seus argumentos. Para tanto,

o Decreto n. 70.235/1972 prevê os termos de ocorrência da instrução probatória.

Ou seja, efetuada a intimação do contribuinte quanto à exigência tributária, ele detém

o prazo de trinta dias para insurgir-se contra a exigência tributária, mediante a apresentação de

impugnação.212Na apresentação de impugnação pelo contribuinte, inicia-se a fase de instrução

processual.

Na impugnação, entre outros requisitos, o contribuinte deve apresentar os motivos de

fato e de direito em que se fundamenta, bem como os pontos de discordância. E, desde já,

deve também apresentar as razões e as provas que possuir, mediante a apresentação de

documentos em que se baseia e comprovem os seus argumentos, anexando-os.213

211 Cabe destacarmos que, por mais que o auto de infração e o lançamento tributário estejam entrelaçados, eles apresentam características próprias. Ou seja, o lançamento tributário fundamenta o fato jurídico tributário, e o auto de infração descreve a prática de ilícito fiscal, no qual a ordem jurídica impõe uma determinada sanção jurídica. 212 Artigo 15, caput, do Decreto n. 70.235/1972. A impugnação, formalizada por escrito e instruída com os documentos em que se fundamentar, será apresentada ao órgão preparador no prazo de trinta dias, contados da data em que for feita a intimação da exigência. 213 Artigo 16, do Decreto n. 70.235/1972. A impugnação mencionará: I - a autoridade julgadora a quem é dirigida; II - a qualificação do impugnante; III - os motivos de fato e de direito em que se fundamenta, os pontos de discordância e as razões e provas que possuir; IV - as diligências, ou perícias que o impugnante pretenda sejam efetuadas, expostos os motivos que as justifiquem, com a formulação dos quesitos referentes aos exames desejados, assim como, no caso de perícia, o nome, o endereço e a qualificação profissional do seu perito. V - se a matéria impugnada foi submetida à apreciação judicial, devendo ser juntada cópia da petição.

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Essa regra é excepcionada caso a prova não tenha sido juntada devido a motivo de

força maior, devendo a apresentação da prova ser acompanhada da justificativa que ateste a

ocorrência de uma condição excepcional, tal como preceitua os artigos 16, parágrafo 4º, do

Decerto n. 70.235/72 e 20, caput, parte final da Lei n. 10/941/2001, do Estado de São Paulo.

6.8 Revisibilidade dos Atos Administrativos

No contexto ora analisado, se perfaz de extrema importância realizarmos um breve

panorama acerca do processo administrativo tributário tendo em vista que, sendo nessa fase

permitida a revisibilidade dos atos jurídico de lançamento tributário.

No processo administrativo fiscal, é possível a realização da revisibilidade dos atos

administrativos, notadamente quando a Administração Pública não prezar pela legalidade de

seus atos, produzindo normas infralegais inválidas.

Nesse sentido, é a disposição da Súmula n. 473, do Supremo Tribunal Federal, que

expõe que a Administração Pública pode anular seus atos quando eivados de ilegalidade, ou

simplesmente revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, prevendo a

possibilidade de revisão dos atos administrativos por parte do próprio ente que o editou.

No âmbito do processo administrativo tributário, é permitido que o lançamento

tributário seja revisto no interior do próprio órgão que o prolatou.

Trilhando a mesma vereda, após deixarem consignado que o ato administrativo no

âmbito do processo administrativo tributário é passível de revisão, Leonardo Loubet e Charles

Mcnaughton afirmam:

O pano de fundo do tema está apoiado naquilo que a doutrina costumou denominar de autotutela administrativa, que se baseia exatamente na possibilidade de o Poder Público praticar o ato, retirá-lo ou emendá-lo, tudo em nome da legalidade de suas práticas. Logo, o processo administrativo não consiste num favor, numa benesse outorgada ao cidadão ao bel-prazer da Administração Pública; longe disso, cuida-se

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de verdadeira imposição do estado Democrático de Direito, para a preservação do primado da legalidade. Essa feição é sobremaneira importante, na medida em que busca chamar a atenção para que a atividade tributária não saia das pistas da lei – o que o processo administrativo visa a controlar.214

214 LOUBET, L. F.; MCNAUGHTON, C. W.; SALOMÃO, M. V. (org.); PAULO JUNIOR, A. de (org.). A prova na percussão tributária..., 2005. p. 278.

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7. LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO

O nosso intuito é destacarmos a imprescindibilidade da teoria das provas para a

constituição do fato jurídico tributário, enquanto condição de sustentabilidade no

ordenamento jurídico do ato administrativo de lançamento.

Desse modo, seguindo a linha de raciocínio exposta, com o objetivo de analisarmos

todos os pontos em torno do objeto de investigação ora proposto, faz-se mister analisarmos o

lançamento tributário, enquanto ato administrativo de constituição do crédito tributário.

7.1 O papel da norma individual e concreta na formação do fato jurídico tributário

O intuito do Direito, enquanto conjunto de normas jurídicas válidas, é disciplinar as

condutas humanas no plano das relações intersubjetivas. Para tanto, parte das concepções

abrangentes com o intuito de se aproximar da região material, concreta das condutas

intersubjetivas.

Acerca do disciplinamento de condutas, leciona Maria Rita Ferragut:

Na hierarquia dos enunciados prescritivos, as normas gerais e abstratas concentram-se em posição mais elevada, surgindo as demais em virtude do processo de positivação. As normas gerais e abstratas, dada a generalidade e abstração que lhe são próprias, não têm condições efetivas de atuar num caso materialmente definido. Projetam-se em direção à conduta intersubjetiva, desencadeando regras que objetivam atingir o caso específico. E nessa sucessão de normas, denominada processo de positivação do direito, entre duas unidades, estará sempre o ser humano praticando aqueles fatos conhecidos como fontes de produção normativa.215

Assim, temos que o Direito estrutura-se em uma ordem escalonada de normas

jurídicas, de modo que, situam-se em uma posição mais elevada as normas gerais e abstratas,

que caracterizam-se pela generalidade e um forte grau de abstração. Mas, para que uma norma

215 FERRAGUT, M. R. Presunções no Direito Tributário..., 2005. p. 19.

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do Direito discipline as relações humanas, no plano das relações intersubjetivas, faz-se

necessário que a norma detenha um maior grau de eficácia e concretude.

São as normas individuais e concretas que têm o condão de identificar determinadas

situações no tempo e no espaço, individualizando determinadas pessoas ou uma classe delas.

Desse percurso necessário não pode prescindir o Direito, com o intuito de aproximar

do mundo fenomênico, identificar determinadas ocorrências no domínio do mundo real-social

e regular o convívio social, sendo denominado como processo de positivação do direito. Ou

seja, das normas gerais e abstratas derivam as normas individuais e concretas.

Assim, no processo de positivação, parte-se das normas jurídicas gerais e abstratas

para, posteriormente, aproximar-se das normas individuais e concretas, conforme estabelece

Fabiana Del Padre Tomé:

Denominamos positivação do direito o processo mediante o qual o aplicador, partindo de normas jurídicas de hierarquia superior, produz novas regras, objetivando maior individualização e concretude. Os preceitos de mais elevada hierarquia e, portanto, ponto de partida para o ciclo de positivação, encontram-se na Constituição da República: são as competências tributárias. Com base nesse fundamento de validade, o legislador produz normas gerais e abstratas, instituidoras dos tributos: são as regras-matrizes de incidência tributária, descrevendo conotativamente, em sua hipótese, fato de possível ocorrência, e prescrevendo, no conseqüente, a instalação de relação jurídica, cujos traços relaciona. Avançando cada vez mais em direção à disciplina dos comportamentos intersubjetivos, o aplicador do direito veicula norma individual e concreta, relatando o evento ocorrido e, por conseguinte, constituindo o fato jurídico tributário e a correspondente obrigação.216

216 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 269. Sob o olhar de Paulo de Barros Carvalho, “esse caminho, em que o direito parte de concepções abrangentes, mas distantes, para se aproximar da região material das condutas intersubjetivas, ou, na terminologia própria, iniciando-se por normas jurídicas gerais e abstratas, para chegar às individuais e concretas, e que é conhecido por “processo de positivação”, deve ser necessariamente percorrido, a fim de que o sistema alimente suas expectativas de regulação efetiva dos comportamentos sociais”. (CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário..., 2009. p. 404). Nesse mesmo sentido, é também o posicionamento de Fabiana Del Padre Tome acerca do processo de positivação, afirmando que “É pelo ato de aplicação do direito que se tem o processo de positivação.(...). Convém esclarecer que a aplicação do direito não dista da própria produção normativa. (...) Trata-se de ato mediante o qual se extrai de regras superiores o fundamento de validade para a edição de outras regras, cada vez mais individualizadas. E é somente por meio dessa ação humana que se opera o fenômeno da incidência normativa em geral, assim como da incidência tributária, em particular. Sem que um sujeito realize a subsunção e promova a implicação, expedindo novos comandos normativos, não há que se falar em incidência jurídica”. (TOMÉ, F. D. P. op. cit., pp. 31-32)

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O sistema de direito positivo contém diferentes espécies de normas jurídicas,

diferenciando quanto aos destinatários aos quais a norma se refere (qualificativos geral e

individual) bem como quanto à descrição do fato contida no antecedente normativo

(qualificativos abstrato e concreto). Sendo assim, as normas podem ser geral ou individual,

ou, ainda, abstratas ou concretas.

Relativamente aos destinatários a que a norma refere-se, a norma geral é àquele em

que o conseqüente normativo visa regular o comportamento de um conjunto indeterminado de

destinatários, enquanto que na norma individual o conseqüente normativo está voltado a

regular certos sujeitos de direito já individualizados e determinados.

Relativamente à descrição contida na hipótese normativa, na norma abstrata, o

antecedente normativo descreve critérios aptos a identificar uma classe de eventos de possível

ocorrência, enquanto que na norma concreta, o fato descrito no antecedente normativo já

ocorreu, em tempo e espaço determinados, sendo um fato passado, de existência concreta.

Prosseguindo, Fabiana Del Padre Tomé esclarece, ainda, que “esses caracteres

podem ser combinados de modo que constituam normas (i) gerais e abstratas, (ii) gerais e

concretas, (iii) individuais e abstratas e (iv) individuais e concretas”.217

Nesse contexto, para se analisar a imprescindibilidade da teoria das provas para a

constituição do fato jurídico tributário, tanto no âmbito do procedimento quanto no âmbito do

processo administrativo tributário, faz –se mister analisar acerca do papel da norma individual

e concreta na formação do fato jurídico tributário.

217 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 29. Cabe destacarmos a lição de Norberto Bobbio, referenciada por Maria Rita Ferragut: “Norberto Bobbio, por sua vez, aprofunda-se nessa análise e propõe o rompimento do entendimento de que é sempre necessária a presença dos binômios ‘geral e abstrata’ e ‘individual e concreta’, ao assinalar que esses conceitos são independentes e que, portanto, as normas jurídicas podem ser de quatro tipos. São as seguintes, segundo ele: ‘normas generales y abstractas (de este tipo son la mayor parte de las leyes, por ejemplo, las leyes penales); normas generales y concretas (uma ley que declara la mobilización general se dirige a uma clase de cuidadanos y al mismo tiempo prescribe uma acción particular que, uma vez cumplida, , extingue la eficácia de la norma); normas particulares y abstractas (uma lei que atribuya a determinada persona uma función, por ejemplo la de juez de la corte constitucional, se dirige a um solo individuo y le prescribe no uma acción, sino toda aquellas acciones que son inherentes al ejercicio del cargo); normas particulares y concretas (el ejemplo más característico ell de la sentencia del juez”. (FERRAGUT, M. R. Presunções no Direito Tributário..., 2005. p. 39)

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Desse modo, no processo de positivação do direito, as normas gerais e abstratas e

seus enunciados conotativos, tais como as regras-matrizes de incidência tributária, e que são

veiculadas no corpo da lei, devido à sua generalidade, indeterminação e abstração, não atuam,

de forma direta, sob as condutas humanas intersubjetivas, mas sim, com a intenção de atingir,

de forma mais individual e concreta sob os comportamentos das pessoas, são emitidas as

normas individuais e concretas e seus enunciados denotativos.

As normas individuais e concretas, tais como o lançamento tributário, são

construídas e emitidas com fundamento nas normas gerais e abstratas. Para tanto estabelecem

que, em virtude da ocorrência de um determinado fato jurídico, deve, conseqüentemente,

fazer nascer uma relação entre um sujeito de direito que detém uma obrigação, permissão ou

proibição relativamente a um outro sujeito de direito.218

É por intermédio da norma individual e concreta que é possível ao aplicador

aproximar-se da disciplina dos comportamentos intersubjetivos, de modo que, ao relatar o

evento ocorrido, por conseguinte, constituir o fato jurídico tributário e a correspondente

obrigação.

Desse modo, observa-se que, para a caracterização da obrigação tributária e seus

efeitos legais, deve ocorrer, primeiramente, a prescrição geral e abstrata, o que se dá por

intermédio da lei. Tal norma geral e abstrata descreve um fato hipotético que, se vier a

ocorrer, implica no nascimento do respectivo vínculo obrigacional, mediante a instituição do

tributo. No entanto, tal ocorrência é apenas um liame previsto abstratamente, de modo que

não basta apenas a existência da regra-matriz de incidência tributária instituindo um tributo.

218 Cabe a ressalva feita por Maria Rita Ferragut: “(...) insistimos que as normas jurídicas não são somente as gerais e abstratas, veiculadas por meio de leis ordinárias, complementares, delegadas, decretos, etc. As individuais e concretas, bem como as gerais e concretas e individuais e abstratas, por integrarem a ordem jurídica, também são normas jurídicas. Portanto, não deve surpreender a afirmação de que a sentença judicial, o lançamento, ou mesmo o ato do contribuinte que declare a ocorrência do fato, e consitua a relação jurídica tributária, sejam veículos introdutores no sistema de normas individuais e concretas, sendo, por força disso, direito positivo”. (FERRAGUT, M. R. Presunções no Direito Tributário..., 2005. pp. 41-42)

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153

Para que ocorra o surgimento concreto de tal liame previsto, se perfaz necessário que

ocorra a materialização do fato jurídico, o que se dá mediante o relato no antecedente de uma

norma individual e concreta, que seja resultado da aplicação do direito.

Paulo de Barros Carvalho, ao fazer referência à instauração da relação jurídica,

pontifica:

Neste sentido, tomando-se a norma individual e concreta, todos os elementos utilizados para a composição do enunciado relacional serão formados a partir do fato e não do evento, que já se consumiu. No processo de positivação da obrigação tributária, identificamos as seguintes etapas: (i) existindo uma regra-matriz de incidência tributária e (ii) verificando-se o acontecimento do evento previsto na hipótese da norma geral e abstrata, (iii) com a correspondente produção da linguagem competente que constrói a norma individual e concreta, (iv) devidamente comunicada ao outro sujeito da relação jurídica, (v) dar-se-á o aparecimento formal do débito tributário.219

Somente por intermédio do disciplinamento de uma conduta por intermédio da

norma individual e concreta é que um indivíduo pode tornar-se obrigado a pagar o tributo se

praticar o evento descrito no fato jurídico tributário.

Cabe aqui a lição de André Felipe Saide Martins, que nos ministra o seguinte

ensinamento acerca do papel da norma individual e concreta na formação do fato jurídico

tributário:

O papel da norma tributária individual e concreta é registrar a incidência e constituir o fato jurídico tributário. O fato jurídico tributário é constituído pelo ato de lançamento executado tanto pelo agente administrativo (art. 142 do CTN) quanto pelo contribuinte (art. 150 do CTN) – “lançamento por homologação”. O lançamento é a própria norma jurídica individual e concreta, ou, como propõe Eurico de Santi, o ato-norma administrativo. Seja qual for o conceito aferido, está patenteado na doutrina que o lançamento faz irromper a relação jurídica tributária entre o fisco e o sujeito passivo.220

Desse modo, a produção da norma individual e concreta é representada através dos

atos de lançamento, de aplicação de penalidade e de decisão administrativa.

219 CARVALHO, P. de B. Direito Tributário. Linguagem e Método..., 2008.p. 832. 220 MARTINS, A. F. S. A prova do fato jurídico tributário..., 2007. p. 82.

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Nesse contexto, para a correta constituição do fato e o correto surgimento da

obrigação, deve, necessariamente, ocorrer o perfeito enquadramento do fato ao que encontra-

se previsto na norma, sendo que tal constituição deve ser embasada mediante a linguagem das

provas, já que, é através da demonstração mediante a linguagem das provas que será possível

certificar acerca da veracidade do enunciado subsumido, sendo então, de extrema importância

a fundamentação das normas individuais e concretas por intermédio da linguagem das

provas.221

Fabiana Del Padre Tomé, ao tratar da fenomenologia da incidência tributária e o

necessário quadramento do fato à norma, assevera:

Obviamente, para que essa positivação seja realizada de modo apropriado, é imprescindível o perfeito quadramento do fato à previsão normativa. Esse fato, por sua vez, deve ser constituído segundo a linguagem das provas, com vistas a certificar a veracidade do enunciado subsumido. Observa-se a importância capital que apresenta a prova no ordenamento jurídico, inclusive no âmbito da tributação: ao constituir a obrigação tributária e aplicar sanções nessa esfera do direito, não basta a observância às regras formais que disciplinam a emissão de tais atos; a materialidade deve estar demonstrada, mediante a produção de provas da existência do fato sobre o qual se fundam as normas constituidoras das relações jurídicas tributárias.222

Portanto, notamos a imprescindibilidade da norma individual e concreta na

constituição fato jurídico tributário, tal como o lançamento tributário, tendo em vista que

relata e constitui em linguagem competente uma determinada ocorrência de um fato jurídico,

determinado em um certo tempo e em uma delimitação de espaço, e prescreve no conseqüente

uma relação jurídica em que um sujeito fica investido de um direito subjetivo de exigir de

outro sujeito determinada conduta, instituindo, assim, a relação jurídica, e logo, a obrigação

tributária.

Nesse contexto, convém apenas lembrarmos que, para que haja a produção de normas

individuais e concretas, a partir de normas gerais e abstratas, é necessário que existam provas

221 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 30. 222 Ibidem., p. 30.

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que sirvam de suporte ao fato jurídico constituído, sendo a prova o respaldo à produção de

normas individuais e concretas, e logo, à constituição do fato jurídico tributário.

7.2 Lançamento Tributário

7.2.1 Definição

O artigo 142, do Código Tributário Nacional refere-se ao lançamento dizendo que

“Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo

lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência

do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o

montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da

penalidade cabível”.

Caracteriza-se como um ato privativo da autoridade administrativa, vinculado e

obrigatório, sob pena de responsabilidade funcional, e que detém como objetivo a verificação

da ocorrência do fato jurídico e a determinação da matéria tributável.

Paulo De Barros Carvalho define o lançamento tributário como “(...) o ato jurídico

administrativo, da categoria dos simples, constitutivos e vinculados, mediante o qual se

insere na ordem jurídica brasileira uma norma individual e concreta, que tem como

antecedente o fato jurídico tributário e, como conseqüente, a formalização do vínculo

obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da

prestação, formado pela base de cálculo e correspondente alíquota, bem como pelo

estabelecimento dos termos espaço-temporais em que o crédito há de ser exigido”.223É

possível observar que na definição do autor, o lançamento assume caráter de ato

223 CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário..., 2009. p. 426.

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administrativo, enquanto norma individual e concreta, demonstrando, ainda, quais são os

critérios determinantes para a sua caracterização.

Por sua vez, Eurico Marcos Diniz de Santi define lançamento como “(..) o ato-

norma administrativo que apresenta estrutura hipotética-condicional, associando à

ocorrência do fato jurídico tributário (hipótese) uma relação jurídica intranormativa

(conseqüência) que tem por termo o sujeito ativo e o sujeito passivo, e por objeto a obrigação

deste em prestar a conduta de pagar quantia determinada pelo produto matemático da base

de cálculo pela alíquota”.224

Já Lucia Valle Figueiredo define lançamento como “ato administrativo resultante

de procedimento que se preordena a dar à Administração possibilidade de exigência do

crédito tributário. Na realidade, constitui-o formalmente, ou, por outra, aparelha o crédito à

sua exigibilidade. Definimos o lançamento, pois, como ato constitutivo formal, resultante de

procedimento administrativo, que, declarando o quantum debeatur, habilita a Administração

a poder exigir a importância devida”.225

E, por sua vez, Hugo de Brito Machado diz: “o lançamento tributário é o

procedimento administrativo de acertamento da relação jurídica obrigacional, da qual

resulta o crédito tributário, que é liquido e certo por definição. Nem a autoridade

administrativa, fora do lançamento, pode modificar o valor do crédito tributário, que há de

resultar sempre da aplicação da lei aos fatos que, nos termos da lei, produzem o efeito de

tornar devido o tributo. Os fatos fazem nascer a relação obrigacional tributária cujo

acertamento se faz com o lançamento. E este há de ser feito com estrita obediência ao devido

processo legal, porque implica incursão do Estado no patrimônio do contribuinte”.226

224 SANTI, E. M. D. de. Lançamento Tributário..., 1996. p. 133. 225 FIGUEIREDO, Lucia Valle. A inscrição da dívida como ato de controle do lançamento. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo. n.36. p.83. set. 1998. 226 MACHADO, Hugo de Brito. Lançamento e execução fiscal. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo. n.33. p. 47. jun. 1998.

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A regulação efetiva dos comportamentos sociais somente se dá através da concreção

de uma norma geral e abstrata em uma norma individual e concreta. Desse modo, o

lançamento tributário caracteriza o ato de aplicação da lei ao particular, mediante a expedição

e introdução de uma norma individual e concreta que, guardando subsunção à regra-matriz de

incidência tributária, ou seja, à norma geral e abstrata, institui o fato jurídico tributário.

O lançamento tributário é um ato jurídico administrativo que insere no ordenamento

positivo uma norma individual e concreta, que deve estar em consonância à regra matriz de

incidência tributária, que é uma norma geral e abstrata, objetivando regular as condutas

intersubjetivas, mediante a identificação dos elementos componentes da relação jurídica,

indicando, assim, os termos componentes da obrigação tributária que devem ser satisfeitos

pelo sujeito passivo.

Se perfaz, assim, como uma norma introdutora, pois “é o conjunto de marcas,

identificáveis no texto, que remetem à enunciação. Indica o sujeito competente e o

procedimento produtor do enunciado (...)” e uma norma introduzida, pois “lançamento é

norma individual e concreta decorrente da aplicação da geral e abstrata que a prevê e

autoriza. É composta por um antecedente, que descreve o fato jurídico tributário, e por um

conseqüente, composto pelos sujeitos ativo e passivo e pelo objeto da prestação, de pagar

quantia identificável pela conjugação da base de cálculo e da alíquota mediante operação

aritmética de multiplicação”.227

Para tanto, o lançamento tributário, enquanto ato jurídico administrativo que insere

no ordenamento uma norma individual e concreta, deve aludir a um fato, devidamente

individualizado no tempo e no espaço, sendo que em seu antecedente deve remeter a um fato

jurídico tributário, que afirma o direito subjetivo à percepção do tributo e que ensejou o

nascimento no nexo jurídico tributário, mediante o relato do evento tributário, e em seu

227 FERRAGUT, Maria Rita; SANTI, Eurico Marcos Diniz de (coord.). Crédito Tributário, Lançamento e Espécies de Lançamento. Curso de Especialização em direito tributário: estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 318.

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conseqüente deve demonstrar a formalização do vínculo obrigacional, mediante a

individualização dos sujeitos ativo e passivo e a determinação do objeto da prestação

pecuniária, ensejando, assim, o aparecimento da obrigação tributária.

Nesse contexto, para a delimitação do lançamento tributário, assume fundamental

importância que o vínculo obrigacional se encontre objetivado, mediante a linguagem

competente. É através da linguagem competente que ocorre a instauração da relação jurídica

do tributo, mediante a indicação dos sujeitos componentes do vínculo obrigacional e a

determinação da base de cálculo e da alíquota. É somente mediante a formalização em

linguagem competente que o titular do direito subjetivo poderá exercitar o seu direito,

delimitado no conseqüente da norma individual e concreta, perante o sujeito passivo,

requerendo o cumprimento do dever jurídico correspondente,

7.2.2 Vocábulo “lançamento: plurivocidade

Na doutrina, observamos que o termo “lançamento” possui diferentes possibilidades

de sentido, caracterizando-se pelo problema semântico, tal como demonstra Eurico Marcos

Diniz de Santi:

Em seu desenvolvimento, a legislação e a técnica dogmática incorporaram aos textos legais e à doutrina o termo lançamento, acrescentando, com estas novas aplicações, novo matiz de significados à plurivocidade de sentidos de que já gozava o vocábulo, empregando-o assim: (v) como procedimento administrativo da autoridade competente (art. 142 do CTN), processo, com o fim de constituir o crédito tributário mediante a postura de (vi) um ato-norma administrativo, norma individual e concreta (art. 145 do CTN, caput), produto daquele processo ; (vii) como procedimento administrativo que se integra com o ato-norma administrativo de inscrição da dívida ativa; (viii) lançamento tributário como o ato-fato administrativo derradeiro da série em que se desenvolve um procedimento com escopo de formalizar o crédito tributário; (ix) como atividade material do sujeito passivo de calcular o montante do tributo devido, juridicizada pela legislação tributária, da qual resulta uma (x) norma individual e concreta expedida pelo particular que constitui o crédito tributário no caso dos chamados lançamentos por homologação (art. 150 do CTN e pars).228

228 SANTI, E. M. D. de. Lançamento Tributário..., 1996. pp. 124-126.

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Como o próprio autor afirma, o Código Tributário Nacional, em seu artigo 142,

optou pelo emprego do vocábulo “lançamento” conferindo-lhe o sentido de um procedimento

administrativo, proveniente de uma atividade administrativa vinculada e obrigatória, ao dispor

“(...) pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a

ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável,

calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a

aplicação da penalidade cabível”.

No entanto, não é o que se observa na doutrina, que faz uso do vocábulo

“lançamento” para designar tanto um procedimento administrativo quanto um ato

administrativo, quanto ambos, divergindo, assim, quanto à sua natureza jurídica.229

7.2.2.1 Ato ou Procedimento Administrativo: lançamento e a teoria dos atos

administrativos

Na definição de lançamento exposta no artigo 142, do Código Tributário Nacional,

ao referir-se a um procedimento administrativo tendente à aplicação das normas jurídicas

tributárias, referindo-se ao “(...) procedimento administrativo tendente a verificar a

ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável,

calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo (...)”, resta caracterizada a

ambiguidade relativamente à definição de lançamento, tendo em vista que o termo refere-se

tanto a “procedimento administrativo de lançamento”, pois elenca as etapas procedimentais

229 Paulo de Barros Carvalho, ao lecionar acerca do tema, expõe que Rubens Gomes de Souza faz uso do vocábulo lançamento para designar um “ato administrativo”, sendo que, posteriormente, passou a admitir que poderia ser representado tanto por um “ato administrativo”quanto por um conjunto de atos, ou seja, “procedimento administrativo”. Afirma que Gilberto de Ulhôa Canto e Aliomar Baleeiro empregaram o uso do termo “lançamento” para significar “ato administrativo”, sendo que assim também entendiam Amílcar de Araújo Falcão, Geraldo Ataliba, José Souto Maior Borges e Alberto Xavier. O autor demonstra ainda que, em sentido contrário, entendem tratar o lançamento de um “procedimento” os autores Alfredo Augusto Becker, Ruy Barbosa Nogueira, Emílio Betti, José Frederico Marques e Antônio Roberto Sampaio Dória. (CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário..., 2009. pp.412-420)

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necessárias para a ocorrência da subsunção, referindo-se à seqüência procedimental que visa

determinar o sujeito passivo e realizar a apuração da dívida tributária, bem como a “ato

jurídico administrativo de lançamento” consistente em finalizar esse procedimento, remetendo

ao resultado do procedimento, referindo-se ao ato conclusivo, demonstrando que a seqüência

procedimental atingiu o seu objetivo, referindo-se à norma individual e concreta inserida no

sistema mediante a expedição do ato de lançamento.

No entanto, tendo em vista a citada ambigüidade, temos que o lançamento, enquanto

norma individual e concreta, possui caráter de ato administrativo pois é de competência

privativa da autoridade administrativa, o que evidencia a sua natureza de ato administrativo,

bem como por possuir caráter constitutivo do crédito tributário.

Caso fosse aceito o termo lançamento como “procedimento administrativo”, este

poderia referir-se tanto ao conjunto ordenado de atos administrativos que visam a consecução

de sua finalidade mediante um ato específico quanto a qualquer atividade física ou intelectual

necessária à produção do ato jurídico administrativo.

No entanto, não se faz necessário que seja visto o “procedimento” enquanto um

conjunto de atos e termos necessários para a celebração do lançamento, mas sim basta que

seja compreendido o lançamento enquanto “ato administrativo” que engloba as providências,

tanto físicas quanto mentais, da autoridade competente, no entanto, sem que seja necessário o

concurso de qualquer outro ato administrativo.

Desse modo, basta compreender a atividade de preparação do lançamento como

“procedimento”, e o produto final, que se caracteriza como um documento composto por

enunciados de teor prescritivo, ou seja, a norma individual e concreta que documenta o

lançamento tributário e passa a integrar o sistema de direito positivo como “ato

administrativo”, sendo portador de uma mensagem deôntica que demonstra a adequação de

uma determinada situação efetiva do mundo social à regra-matriz de incidência tributária,

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composta pelo antecedente e conseqüente e seus elementos constitutivos. É somente

mediante o produto que se tem a norma individual e concreta que constitui o fato e a

correspondente relação jurídica tributária.

Esse é o entendimento de Paulo de Barros Carvalho, ao ressaltar que o lançamento

trata-se de um ato administrativo, elencando as suas características, explicitando:

Lançamento tributário é o ato jurídico administrativo, da categoria dos simples, constitutivos e vinculados, mediante o qual se insere na ordem jurídica brasileira uma norma individual e concreta, que tem como antecedente o fato jurídico tributário e, como conseqüente, a formalização do vínculo obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da prestação, formado pela base de cálculo e correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento dos termos espaço-temporais em que o crédito há de ser exigido.230

Cabe citarmos, ainda, as considerações de Fabiana Del Padre Tomé acerca do tema,

que, do mesmo modo, opta pelo emprego da locução lançamento tributário para a designação

de um ato administrativo, afirmando:

Todas essas categorias conceituais aplicam-se, integralmente, à figura do lançamento tributário, auxiliando-nos na sua compreensão. A norma geral e abstrata que determina a sequência de atos a serem desenvolvidos pela autoridade administrativa no curso da fiscalização identifica-se com ação genérica ou procedimento genérico do lançamento. A concretização da atividade nela prevista corresponde à ação concreta observada pela perspectiva dinâmica, isto é, ao procedimento concreto do lançamento (ato de enunciação, cujas marcas são deixadas na enunciação-enunciada). Por fim, o ato surgido em razão do procedimento concreto, consistente na constituição do fato jurídico tributário e do correspondente vínculo obrigacional, caracteriza a ação concreta estática, denominada ato de lançamento tributário (enunciado). Não obstante todas essas significações estejam em perfeita correspondência com a locução lançamento tributário, cada qual considerando uma perspectiva daquela realidade jurídica, optamos por empregá-la para designar o ato, ação concreta estática, por consistir no enunciado normativo mediante o qual se realiza a incidência tributária, fazendo nascer o fato jurídico e a obrigação de pagar tributo. É em relação a ele que se faz o controle de legalidade, implementado mediante processo administrativo tributário.231

230 CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário..., 2009. p. 426. 231 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 277.

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Nesse sentido, o ato jurídico administrativo, como se acolhe o lançamento tributário,

caracteriza-se como o ato praticado pelas pessoas pertencentes à Administração Pública, no

exercício da função administrativa.

Por último, cabe, então, o destaque de Lucia Valle Figueiredo, que define o ato

jurídico administrativo como “a norma concreta, emanada pelo Estado, ou por quem no

exercício da função administrativa, que tem por finalidade criar, modificar, extinguir ou

declarar relações jurídicas entre este (o Estado) e o administrado, suscetível de ser

contrastada pelo Poder Judiciário”.232

Desse modo, temos que o lançamento tributário é o ato administrativo, que visa

declarar o acontecimento do fato jurídico tributário, mediante a identificação dos

componentes da relação jurídica e a formalização do crédito tributário. Ou seja, constitui-se

na norma individual e concreta expedida pela Administração Pública, em que o antecedente

irá enunciar o fato jurídico tributário que deve adequar-se ao suposto da norma geral e

abstrata que estabeleceu a hipótese tributária, de modo a estabelecer a relação obrigacional

tributária, mediante a determinação dos sujeitos dessa relação, especificando os valores a

serem pagos, discriminando a base de cálculo e estabelecendo os termos da exigibilidade do

crédito tributário.

Cabe lembrarmos aqui, conforme será visto adiante, que o lançamento tributário pode

ocorrer em duas situações diferentes: primeira, quando a norma que instituir o tributo

estabelece que a enunciação da norma individual e concreta que documenta a incidência

tributária deve ser feita pela Administração Pública; segunda, quando a norma que institui o

tributo estabelece que a enunciação da norma individual e concreta que documenta a

incidência tributária deve ser realizada pelo sujeito, e, assim, caberá à Administração Pública

o dever de proceder à fiscalização de tais atos. Mas, caso em tal verificação se verifique que o

232 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 162.

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sujeito passivo não realizou a correta emissão da norma individual e concreta, o agente fiscal

tem poderes para enunciar outra norma individual e concreta para documentar a incidência

tributária que não foi relatada e documentada pelo sujeito passivo.

7.2.3 Estrutura do ato administrativo

O ato administrativo é composto tanto por elementos internos à sua estrutura quanto

por pressupostos externos que antecedem a sua formação, sendo essenciais à existência, bem

como à regular produção do ato administrativo.

Desse modo, sendo o ato administrativo uma norma individual e concreta, é a partir

do exame da proposição prescritiva que os seus elementos internos são passíveis de

identificação. No entanto, os elementos externos, ou seja, os pressupostos, resultam da

enunciação normativa, e são passíveis de identificação pois deixam marcas na enunciação-

enunciada, ou seja, no relato do evento em linguagem, na constituição do fato, localizado no

antecedente da norma geral e concreta do veículo introdutor.

Os requisitos intrínsecos essenciais ao ato administrativo são três, quais sejam, i)

forma, ii) motivação e iii) conteúdo, enquanto que os pressupostos são cinco e consistem em

i) competência, ii) motivo, iii) formalidades legais, iv) finalidade e v) causa.

Eles são definidos da seguinte forma:

Elementos: (i) forma: modo pelo qual o ato se revela (suporte físico); (ii) motivação: descrição dos motivos de fato que ensejaram a produção do ato

(antecedente da norma individual e concreta) (iii) conteúdo: prescrição normativa constante do ato (conseqüente da norma

individual e concreta) Pressupostos: (i) competência: diz respeito ao sujeito produtor do ato, devendo ser agente

público investido de poderes para fazê-lo; (ii) motivo: acontecimento no mundo fenomênico que exige ou possibilita a

prática do ato; (iii) formalidades legais: requisitos procedimentais a ser observados pelo

sujeito produtor do ato;

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(iv) finalidade: objetivo pretendido com a prática do expediente normativo; (v) causa: nexo lógico entre o motivo do ato e seu conteúdo.233

Relativamente ao ato administrativo de lançamento tributário, se perfaz importante a

análise do motivo e da motivação, tendo em vista que a motivação compõe o próprio ato

administrativo, e, ao situar-se no antecedente da norma individual e concreta, caracteriza-se

como a descrição do motivo do ato, ou seja, o pressuposto fático que satisfaz aos critérios

elencados na hipótese tributária. É possível encontrá-los no lançamento tributário, tendo em

vista que o motivo caracteriza-se mediante o evento tributário, enquanto que a motivação

caracteriza-se mediante o fato jurídico correspondente.

Da mesma forma, observa-se que o lançamento tributário preenche os elementos

extrínsecos do ato jurídico administrativo, da seguinte forma:

i) motivo ou pressuposto: é o mero evento, devidamente demarcado no tempo e no

espaço, que ainda não se constitui como fato jurídico tributário, por não encontrar-se, ainda,

vertido em linguagem competente, mas que encaixa no antecedente da norma individual e

concreta e permite a prática do ato administrativo.

ii) agente competente: agente público indicado pela lei e que deve ser o sujeito

produtor do ato administrativo ;

iii) forma prescrita em lei: é a organização da linguagem vista pela lei como correta

para o tributo;

iv) objeto ou conteúdo: é a norma individual e concreta inserida pelo lançamento

tributário no ordenamento jurídico; e

v) finalidade: é a introdução da norma individual e concreta no ordenamento jurídico,

objetivando satisfazer o exercício do direito subjetivo à prestação pecuniária. Portanto, é o

objetivo pretendido mediante a prática do expediente administrativo.

233 TOME, F. D. P.; SANTI, E. M. D. (coord.). A prova no processo administrativo fiscal..., 2005. p. 561

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Por fim, o lançamento tributário caracteriza-se como um ato administrativo,

enquanto norma individual e concreta, sendo que o sujeito produtor do ato deve observar

determinadas formalidades procedimentais em sua elaboração. Nesse contexto, a verificação

acerca do cumprimento ou não dos requisitos procedimentais previstos em lei se dá mediante

o exame das provas.

7.2.4 Os sujeitos credenciados a emitir a norma individual e concreta que documenta a

incidência tributária

A emissão da norma jurídica individual e concreta apta a documentar a incidência

tributária pode se emitida tanto pela autoridade administrativa quanto pelo contribuinte.

É previsto pela lei que a emissão da norma individual e concreta no ordenamento do

direito positivo, relativa à percussão tributária, visando a constituição da obrigação tributária,

é cabível à autoridade administrativa, tanto em modo originário quanto em substituição, caso

não tenha sido feita em tempo hábil pelo contribuinte, sendo denominado, desse modo, de

“lançamento tributário”.

Em outros casos a expedição da norma individual e concreta é outorgada ao sujeito

passivo da obrigação tributária, ao qual, além de apurar o débito tributário, mediante o

cumprimento de deveres instrumentais ou formais, estabelecendo os eventos tributados em

fatos e relatando os dados componentes da relação jurídica, cumprindo ele próprio a sua

obrigação tributária, deve também o particular cumprir com a prestação pecuniária, mediante

o controle da entidade tributante, sendo denominado como “autolançamento” ou “lançamento

por homologação”.

No entanto, conforme ressalta Paulo de Barros Carvalho, a emissão da norma

individual e concreta relativa à percussão tributária pelo Poder Público ou pelo sujeito

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passivo, embora sejam ambos ponentes de normas individuais e concretas no ordenamento de

direito positivo, caracterizam-se como atos diversos, vez que praticados por sujeitos

diferentes, e, desse modo, sujeitos a diferentes normas competenciais, bem como a distintos

regimes jurídicos.234

7.2.5 O conteúdo do ato de lançamento

O ato jurídico administrativo de lançamento caracteriza-se como um veículo

introdutor de uma norma, tendo em vista que introduz uma norma individual e concreta no

sistema de direito positivo, de modo que o seu conteúdo é essa norma individual e concreta

inserida no ordenamento jurídico.

A norma individual e concreta inserida e que caracteriza-se como o conteúdo do ato

de lançamento tem como objetivo indicar o fato jurídico tributário, mediante a identificação

dos critérios componentes da regra-matriz de incidência tributária, instituindo, assim, a

obrigação tributária, e logo, a relação jurídica de caráter patrimonial.

Nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho afirma que “o conteúdo do lançamento é a

norma individual e concreta que ele introduz no sistema, significa afirmar, o enunciado

factual (“fato gerador”), no tópico de antecedente, e a relação jurídica tributária, com seus

sujeitos e seu objeto (base de cálculo e alíquota), na posição sintática de conseqüente”.235

No entanto, cabe destacarmos que a norma jurídica do ato de lançamento não

confunde-se com a norma por ele inserida no ordenamento positivo e que é tida por seu

objeto. Enquanto o ato de lançamento caracteriza-se como uma norma concreta e geral, já que

em sua hipótese é descrito um acontecimento demarcado no tempo e no espaço, mediante a

identificação da autoridade que o expediu, aludindo a um fato efetivamente acontecido e no

234 CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário..., 2009. p. 406. 235 Ibidem., p. 438.

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167

seu conseqüente remete ao exercício de uma conduta autorizada a certos e determinados

números de sujeitos, devendo ser observada pela sociedade, já a norma por ele inserida

caracteriza-se como uma norma individual e concreta, que refere-se ao que a conduta

autorizada do sujeito ativo da primeira norma produziu, sendo inserida no ordenamento

mediante a força de juridicidade da regra introdutora.

7.2.6 Os atributos do ato jurídico administrativo de lançamento

Paulo de Barros Carvalho236, Hely Lopes Meirelles237 e Marçal Justem Filho238

destacam que os atributos do ato jurídico administrativo tradicionalmente considerados são:

presunção de legitimidade, exigibilidade, imperatividade e executoridade.

Nesse sentido, Fabiana Del Padre Tomé, ao relatar o entendimento de Celso Antônio

Bandeira de Mello, ressalta que os atos administrativos detém características que visam

conferir garantias aos administrados (ausência de autonomia da vontade, busca do interesse

público, tipicidade e formalismos) e prerrogativas à administração pública (imperatividade,

presunção de legitimidade e exigibilidade).239

No entanto, relativamente ao ato de lançamento tributário, somente devem ser

considerados como seus atributos a presunção de legitimidade bem como a exigibilidade,

conforme exposto a seguir.

236 CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário..., 2009. p. 446. 237 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 1990. p. 140. 238 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 202. 239 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 280.

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7.2.6.1 Presunção de legitimidade

A presunção de legitimidade qualifica os atos praticados pela Administração

Pública, assim como o ato de lançamento tributário, caracterizando-os de presunção juris

tantum, ou seja, considerando-os como válidos, quando regularmente praticados, até que outra

linguagem jurídico-prescritiva os invalidem.

Em conformidade a Paulo de Barros Carvalho, a presunção de legitimidade pode ser

exposta da seguinte forma:

A presunção de legitimidade está presente em todos os atos praticados pela Administração e, certamente, também qualifica o lançamento. Dado a conhecer ao sujeito passivo, será tido como autêntico e válido, até que se prove o contrário, operando em seu benefício a presunção júris tantum. Por mais absurda que se apresente a pretensão tributária nele contida, o ato se sustenta, esperando que outra decisão da própria autoridade ou de hierarquia superior o desconstitua, quer por iniciativa do sujeito passivo, quer por providência de ofício, nos sucessivos controles de legalidade a que os atos administrativos estão subordinados.240

A presunção de legitimidade é a qualidade que caracteriza os atos administrativos

em geral, de modo que são presumivelmente verdadeiros até que sejam questionados e haja

provas em contrário, havendo, em favor deles, uma presunção juris tantum de legitimidade.

No mesmo sentido, Fabiana Del Padre Tomé afirma que “presunção de

legitimidade: presunção juris tantum de validade, da qual decorre que o ato seja considerado

regularmente praticado, até que outra linguagem jurídico-prescritiva determine o contrário,

invalidando-o”.241

240 CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário..., 2009. pp. 446-447. 241 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 280.

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7.2.6.2 Exigibilidade

A exigibilidade também se perfaz como um atributo inerente aos atos

administrativos, bem como do lançamento tributário, de modo que pressupõe o poder

atribuído à autoridade administrativa para realizar a cobrança, relativamente ao contribuinte,

para que este observe a prescrição que é introduzida no ordenamento mediante o ato

administrativo.

Nesse sentido, Marçal Justen Filho discorre acerca da exigibilidade, dizendo que

A exigibilidade tem que ver com os graus de eficácia dos atos jurídicos (...). Mas a Administração Pública é investida, nos limites da lei, da competência para produzir, unilateralmente, a transformação do grau de eficácia. Isso significa que os direitos e deveres contemplados no ato administrativo podem tornar-se exigíveis, atuantes concretamente. Em termos práticos, significa que a Administração Pública pode promover a instauração de uma relação jurídica e estabelecer que os direitos e deveres dele derivados deverão ser cumpridos concretamente.242

Desse modo, o lançamento tributário desfruta da prerrogativa de exigibilidade tendo

em vista que o contribuinte, ao ser intimado e informado acerca do teor do lançamento

tributário, tomando conhecimento do crédito nele formalizado, este passa a ser exigível. No

entanto, caso o contribuinte não venha a satisfazer a prestação pecuniária nele imposta, nos

limites e nas condições impostas no ato administrativo, é cabível à entidade tributante de

competência para lavrar outro ato jurídico administrativo, contendo um teor sancionatório.

7.2.7 Distinção entre o lançamento e o auto de infração

O artigo 142, do Código Tributário Nacional, dispõe que, entre as atribuições

atinentes ao lançamento tributário, compete também a “propositura da aplicação da

penalidade cabível”. No entanto, essa afirmação equipara o ato de aplicação da regra-matriz

242 JUSTEN FILHO, M. Curso de Direito Administrativo..., 2005. p. 206.

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de incidência tributária, mediante a realização do lançamento, às normas sancionatórias que

devem ser aplicadas devido à ausência de pagamento do tributo e devido ao descumprimento

dos deveres instrumentais. Porém, o lançamento tributário distingue-se do auto de infração,

possuindo essas duas espécies de atos administrativos naturezas diversas.

Sob essa esteira, o referido dispositivo, ao dispor como um dos objetos do

lançamento a “propositura da aplicação de penalidade cabível”, incorreu em englobar, sob

um mesmo nome, dois atos administrativos, que são distintos e inconfundíveis, tal como

assevera Estevão Horvath, pois, mesmo que encontrem-se sob um mesmo documento, tanto o

ato de lançamento propriamente dito quanto o ato de aplicação de sanção – o auto de infração,

caracterizam-se como realidades jurídicas diversas, havendo uma distinção entre o

lançamento tributário e o auto de infração.243

O auto de infração caracteriza-se como um ato administrativo que visa aplicar uma

providência sancionatória, de modo a punir àquele que violou e deixou de cumprir um

preceito de conduta obrigatória, incidindo na ocorrência de um ilícito tributário. Desse modo,

sendo uma norma individual e concreta, em seu antecedente há a descrição de um fato ilícito,

sendo que é a prática desse ilícito, consistente no descumprimento de uma obrigação tributária

ou de um dever instrumental estabelecido no conseqüente da norma tributária, que enseja a

aplicação da penalidade.

Acerca do auto de infração, Paulo de Barros Carvalho leciona que:

(...) por ‘auto de infração’ se entende também um ato administrativo que consubstancia a aplicação de uma providência sancionatória a quem, tendo violado preceito de conduta obrigatória, realizou evento inscrito na lei como ilícito tributário. Trata-se, igualmente, de uma norma individual e concreta em que o antecedente constitui o fato de uma infração, pelo relato do evento em que certa conduta, exigida pelo sujeito pretensor, não foi satisfeita segundo as exigências normativas. Por força da eficácia jurídica, que é propriedade de fatos, o conseqüente dessa norma, que poderemos nominar de ‘sancionatória’, estabelecerá uma relação jurídica em que o sujeito ativo é a entidade tributante, o sujeito passivo

243 HORVATH, Estevão. Lançamento tributário e “autolançamento”. São Paulo: Dialética, 1997. p. 60.

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é o autor do ilícito, e a prestação, digamos, o pagamento de uma quantia em dinheiro, a título de penalidade.244

Já o antecedente da norma individual e concreta do lançamento tributário consiste na

descrição de um fato lícito, em conformidade ao disposto no artigo 3º, do Código Tributário

Nacional, que não refere-se à violação de um preceito.

Acerca da distinção entre ambos, Maria Rita Ferragut, ao lecionar acerca de crédito

tributário e lançamento tributário, enfatiza: “Como ato, também, o lançamento é muitas vezes

designado de auto de infração. Embora os dois atos jurídicos possam constar do mesmo

suporte físico, o certo é que o primeiro constitui o crédito tributário, ao passo que o auto de

infração constitui a sanção decorrente da prática de um ato ilícito por parte do contribuinte,

que pode tanto ser o descumprimento da obrigação principal (...) como de deveres

instrumentais (...)”.245

Portanto, tanto o ato de lançamento quanto o auto de infração consistem em atos

administrativos que introduzem normas individuais e concretas no ordenamento positivo,

sendo que, embora estejam reunidos em um mesmo suporte físico, caracterizam-se como duas

normas jurídicas distintas, em que, enquanto o ato de lançamento produz uma norma

individual e concreta cujo antecedente relata a realização de um fato lícito e o conseqüente a

instauração de uma relação jurídica de tributo, mediante a exigência de um tributo devido, já o

auto de infração vincula uma norma individual e concreta em que no antecedente há o relato

de um fato ilícito, devido ao sujeito passivo não ter recolhido em tempo hábil a quantia

pretendida pelo fisco, e no conseqüente a instauração de um liame jurídico sancionatório,

mediante a aplicação de uma penalidade.

244 CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário..., 2009. p. 451. 245 FERRAGUT, M. R.; SANTI, E. M. D. de (coord.). Crédito Tributário, Lançamento e Espécies de Lançamento..., 2007. p. 318.

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7.2.8 Espécies de Lançamento Tributário

Conforme visto anteriormente, para a constituição do fato jurídico tributário, deve-se

partir de normas gerais e abstratas, instituidoras de tributos, tais como as regras-matrizes de

incidência tributária, e aproximar-se dos comportamentos intersubjetivos, mediante a

veiculação de normas individuais e concretas, tal como o lançamento tributário, realizando o

relato do evento ocorrido e constituindo o fato jurídico tributário e a correspondente

obrigação.

A aplicação da norma geral e tributária pode ser realizada tanto pela autoridade

administrativa quanto pelo contribuinte, caracterizando diferentes espécies de lançamento

tributário.

Caso a realização da aplicação da norma geral e abstrata seja efetuada pelo

contribuinte, caracterizar-se-á o lançamento por homologação, “em que o particular emite a

norma individual e concreta, constituindo, ele próprio, sua obrigação tributária,

dispensando, portanto, abertura de processo administrativo para fins de legitimação da

exigência”.246

Assim, em muitos casos, a lei confere ao particular a competência para declarar a

ocorrência do fato jurídico em linguagem competente e constituir a relação jurídica tributária.

Maria Rita Ferragut afirma que “nesse sentido, não há como deixar de reconhecer

na atividade deste último um ato de aplicação da norma geral e abstrata para o caso

concreto. O enunciado expedido pelo particular, conforme aqui tratado, é denominado ora

lançamento por homologação, ora tributo sem lançamento, ora autolançamento”.247

246 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 270. 247 FERRAGUT, M. R. Presunções no Direito Tributário..., 2005. 43.

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Mas, de outro modo, caso a realização da aplicação da norma geral e abstrata seja

efetuada pela autoridade administrativa, mediante ato administrativo, caracterizar-se-á o

lançamento tributário, disposto pelo artigo 142, do Código Tributário Nacional.248

Nesse caso, a norma individual e concreta é expedida pela autoridade administrativa,

mediante ato administrativo de lançamento.

Susy Gomes Hoffmann leciona acerca do tema:

Em razão da classificação do lançamento tributário exposta no Código Tributário Nacional, parte da doutrina segue essa linha para especificar três tipos de lançamento tributário: a) lançamento tributário direto ou de ofício; b) lançamento tributário misto ou por declaração; e c) autolançamento ou lançamento por homologação. No primeiro tipo, teríamos a enunciação da norma individual e concreta que relata a ocorrência do fato jurídico tributário e institui a relação obrigacional tributária feita pela Administração Pública sem qualquer contribuição do sujeito passivo; já, no segundo tipo, a referida norma é expedida pelo agente administrativo com base nas declarações feitas pelo sujeito passivo, e, no terceiro caso, o sujeito passivo cumpre todos os deveres formais relativos à enunciação do acontecimento típico e da relação obrigacional, antecipa o pagamento e a relação jurídica somente se reveste de caráter de lançamento tributário com a homologação tácita ou expressa do agente administrativo.249

Também cabe destacarmos a lição de Maria Rita Ferragut, que, ao lecionar acerca do

tema, afirma:

Tanto o lançamento quanto a sentença e a norma individual e concreta expedida pelo particular apresentam idêntica estrutura sintática. Se a norma jurídica é tida como a significação construída a partir da leitura dos textos do direito positivo, organizada numa estrutura hipotética-condicional, e, se o particular, cumprindo os enunciados que prescrevem deveres instrumentais, constitui um enunciado que, por exemplo, descreve no antecedente que dado o fato de ter sido industrializado produto em determinado local e data, então deve-ser no conseqüente o pagamento de determinado valor a título de tributo ao sujeito ativo, o dever instrumental praticado pelo particular é fonte injetora de norma no sistema.250

248 Cabe destacarmos que a legislação tributária prevê diferentes formas de constituição do crédito tributário, e, entre elas, podemos citar: por intermédio do particular, em que o próprio contribuinte constitui seu crédito tributário, ficando este sujeito a ulterior fiscalização, sendo denominado como auto-formalização, e por intermédio da administração, que denomina-se lançamento. 249 HOFFMANN, Susy Gomes. Teoria da Prova no Direito Tributário. 1998. 178 f. Tese (Doutorado em Direito) – Direito, Direito do Estado, Direito Tributário. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1998. 250 FERRAGUT, M. R. Presunções no Direito Tributário..., 2005. p. 44.

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Dessa feita, o lançamento tributário pode ocorrer em duas situações diferentes:

primeira, quando a norma que instituir o tributo estabelece que a enunciação da norma

individual e concreta que documenta a incidência tributária deve ser feita pela Administração

Pública; segunda, quando a norma que institui o tributo estabelece que a enunciação da norma

individual e concreta que documenta a incidência tributária deve ser realizada pelo sujeito, e,

assim, caberá à Administração Pública o dever de proceder à fiscalização de tais atos. Mas,

caso em tal verificação se verifique que o sujeito passivo não realizou a correta emissão da

norma individual e concreta, o agente fiscal tem poderes para enunciar outra norma individual

e concreta para documentar a incidência tributária que não foi relatada e documentada pelo

sujeito passivo.

7.2.9 Presunção de legitimidade ou validade, presunção de veracidade ou presunção de

legalidade do ato administrativo?

Cabe ressaltarmos, inicialmente, que tanto na doutrina quanto na jurisprudência se

perfaz a utilização dos seguintes termos: “presunção de veracidade do ato administrativo”,

“presunção de legalidade do ato administrativo” e “presunção de legitimidade ou de

validade do ato administrativo”.

Tais termos, mesmo que pretendam referir-se ao mesmo objetivo, qual seja, analisar

o ato administrativo e as afirmações nele contidas, não se confundem entre si, tal como

leciona Raquel Cavalcanti Ramos Machado, ao diferenciá-los, dizendo que:

(...) veracidade não é qualidade que se possa atribuir a um ato, pois um ato não é ou deixa de ser verdadeiro, um ato simplesmente ocorre ou não ocorre, não sendo correta a expressão ‘presunção de veracidade do ato administrativo’. Já a legalidade pode ser qualidade atribuída a um ato administrativo, e significa que o mesmo foi praticado nos termos da lei. Ocorre que validade ou a legitimidade, além de poder ser atributo de um ato administrativo, equivale a afirmar que este ato foi praticado

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nos termos em que permitido pelo ordenamento jurídico, que tem como norma fundamental a Constituição Federal.251

Tendo em vista, conforme leciona a autora, que o termo “presunção de validade ou

de legitimidade do ato administrativo” engloba os outros dois, logo, se perfaz como o mais

recomendável a ser utilizado para se analisar a regularidade jurídica do lançamento tributário,

e logo, a sua autenticidade e validade, até que seja demonstrada prova em contrário,

caracterizando-se como um atributo inerente à expedição dos atos administrativos pelo Poder

Público, bem como ao ato de lançamento tributário, que desfruta, assim, da prerrogativa de

presunção de legitimidade.

É o que afirma Paulo de Barros Carvalho, ao expor que a presunção de legitimidade

caracteriza-se como um atributo inerente ao lançamento tributário, expondo que “a presunção

de legitimidade está presente em todos os atos praticados pela Administração e, certamente,

também qualifica o lançamento”.252

7.2.10 A presunção de legitimidade do lançamento tributário

O lançamento tributário, enquanto ato administrativo, reveste-se de presunção de

legitimidade, tal como todos os atos praticados pela Administração Pública, ou seja, são

válidos, verdadeiros e aptos à produzirem efeitos até que sejam questionados em juízo e seja

provado o contrário, caracterizando uma presunção juris tantum de legitimidade.

Desse modo, o ato de lançamento tributário deve ser considerado regularmente

praticado até que outra linguagem jurídico-prescritiva determine o contrário e invalide o ato.

Em conformidade a Paulo de Barros Carvalho, a presunção de legitimidade pode ser

exposta da seguinte forma:

251 MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos. A prova no processo tributário: presunção de validade do ato administrativo e ônus da prova. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo. n. 96. p.77. set. 2003. 252 CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário..., 2009. p. 446.

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a presunção de legitimidade está presente em todos os atos praticados pela Administração e, certamente, também qualifica o lançamento. Dado a conhecer ao sujeito passivo, será tido como autêntico e válido, até que se prove o contrário, operando em seu benefício a presunção júris tantum. Por mais absurda que se apresente a pretensão tributária nele contida, o ato se sustenta, esperando que outra decisão da própria autoridade ou de hierarquia superior o desconstitua, quer por iniciativa do sujeito passivo, quer por providência de ofício, nos sucessivos controles de legalidade a que os atos administrativos estão subordinados.253

A presunção de legitimidade é a qualidade que caracteriza os atos administrativos

em geral, de modo que são presumivelmente verdadeiros até que sejam questionados e haja

provas em contrário, havendo, em favor deles, uma presunção juris tantum de legitimidade.

No mesmo sentido, Fabiana Del Padre Tomé afirma que “presunção de

legitimidade: presunção juris tantum de validade, da qual decorre que o ato seja considerado

regularmente praticado, até que outra linguagem jurídico-prescritiva determine o contrário,

invalidando-o”.254

Isso, pois, o lançamento tributário é inserido no ordenamento jurídico após o

cumprimento dos requisitos exigidos pela legislação, mediante a correspondência a um

enunciado fático que se enquadra a uma hipótese legal, de modo que passa a ser válido e

existente, e logo, entrando em vigor, encontrando-se apto a disciplinar os comportamentos dos

contribuintes bem como a produzir conseqüências jurídicas.

Nesse sentido, Susy Gomes Hoffmann afirma que “a presunção de legitimidade não

vigora sobre o conteúdo do ato administrativo, mas sobre a sua existência válida no mundo

jurídico. Em vista de tal afirmação, podemos concluir que ele é legítimo até que seja

impugnado e posto fora do sistema se assim for decidido; mas, ao ser impugnado caberá a

verificação sobre o seu conteúdo, não lhe sendo imputada qualquer presunção em seu

favor”.255

253 CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário..., 2009. pp. 446-447. 254 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 280. 255 HOFFMANN, Susy Gomes. A presunção de legitimidade do lançamento tributário e a legitimidade do lançamento tributário em face das provas. Revista Jurídica. Campinas. v. 13. pp. 150-151. 1997.

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O lançamento tributário caracteriza-se como um ato administrativo, o que significa

dizer que, entre outros atributos, detém presunção de legitimidade juris tantum, ou seja, se

pressupõe que os dados que apresenta são verdadeiros e comprováveis, e logo, que é

regularmente praticado, até que haja outra linguagem jurídico-prescritiva determinando o

contrário e o invalidando.

Tal característica é de suma importância pois essa presunção não retira da

Administração Pública o seu dever de comprovar a ocorrência do fato jurídico que embasa o

lançamento tributário, bem como as circunstâncias em que ocorreu, devendo haver a cabal

demonstração da ocorrência dos motivos que ensejaram o ato de lançamento.

A motivação que sustenta o lançamento tributário deve, então, ser sustentada em

provas, para que ela seja amplamente fundamentada, e assim, para a expedição do lançamento

tributário e cobrança da prestação pecuniária do contribuinte, é dever do fisco oferecer prova

concludente acerca da ocorrência do evento, em estrita conformidade à previsão genérica

contida na hipótese normativa.

Destaca-se a importância do atributo de presunção de legitimidade que caracteriza os

atos administrativos, e desse modo, o lançamento tributário, já que ela exige que o lançamento

tributário seja válido, ou seja, fundamentado mediante a demonstração da ocorrência concreta

e individualizada do fato jurídico tributário que embasa o lançamento tributário, bem como

permite ao administrado o exercício do seu direito defesa diante dos fatos que lhe estão sendo

imputados, das normas que estão sendo aplicadas e diante do tributo que lhe está sendo

cobrado.

Desse modo, sendo imputada a presunção de legitimidade ao lançamento tributário,

este poderá ser modificado mediante autoridade administrativa competente, bem como em

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conformidade ao procedimento determinado na legislação, mediante a ocorrência de

impugnação, cabendo tanto ao contribuinte quanto à administração pública provar o alegado.

7.2.10.1 A presunção de legitimidade do lançamento e o relato constante do antecedente

da norma individual e concreta do lançamento tributário

A presunção de legitimidade do lançamento tributário encontra-se caracterizada

mediante a correspondência que deve haver entre o enunciado fáctico e o contido na hipótese

legal, sendo que o relato constante no antecedente da norma individual e concreta inserida

pelo ato administrativo de lançamento deve estar em perfeita consonância com o relato acerca

dos fatos jurídico tributários.

O lançamento tributário, ao ser enunciado, ensejará uma norma individual e concreta

em que, em seu antecedente, irá relatar a ocorrência de um determinado fato, especificando

esse acontecimento com o intuito de caracterizá-lo nos critérios estabelecidos pela hipótese,

para que seja pertencente à classe de fatos hipoteticamente previstos na hipótese da norma

geral e abstrata da regra matriz de incidência tributária.

Para que um indivíduo seja obrigado a pagar determinado tributo, não basta a mera

existência da regra-matriz de incidência tributária que venha a instituí-lo, mas se perfaz

necessário que o indivíduo realmente tenha praticado o evento que encontra-se descrito no

fato jurídico tributário, bem como que haja o disciplinamento dessa conduta por intermédio de

uma norma individual e concreta, denominada como lançamento tributário, que deve conter

em seu antecedente a descrição do fato, e em seu conseqüente deve estabelecer os sujeitos da

relação, bem como o objeto da prestação pecuniária.

É o que podemos extrair da lição de Paulo de Barros Carvalho:

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A relação jurídica se instaura por virtude de um enunciado fáctico, posto pelo conseqüente da norma individual e concreta, uma vez que, na regra geral e abstrata, aquilo que encontramos são classes de predicados que um acontecimento deve reunir para torna-se fato concreto, na plenitude de sua determinação empírica. Enquanto na norma geral e abstrata o enunciado referencial se arma para o futuro, se programa para frente, a norma individual e concreta vai fazer irromper um liame jurídico específico mediante enunciado de índole relacional, perfeitamente individualizado quanto aos termos sujeitos (ativo e passivo) e quanto à conduta-prestação, que é seu objeto. Subordinado o ato ou negócio jurídico a evento futuro e incerto, seus efeitos normais ficarão inibidos e somente por ocasião do acontecimento previsto como condição suspensiva, vertida em linguagem, é que nascerá, com todo o vigor característico, o vínculo obrigacional tributário. Nesse sentido, tomando-se a norma individual e concreta, todos os elementos utilizados para a composição do enunciado relacional serão formados a partir do fato e não do evento, que já se consumiu. No processo de positivação da obrigação tributária, identificamos as seguintes etapas: (i) existindo uma regra-matriz de incidência tributária e (ii) verificando-se o acontecimento do evento previsto na hipótese da norma geral e abstrata, (iii) com correspondente produção da linguagem competente que constrói a norma individual e concreta, (iv) devidamente comunicada ao outro sujeito da relação jurídica, (v) dar-se-á o aparecimento formal do débito tributário. Somente quando efetivados os procedimentos acima especificados, sem a subtração de nenhuma etapa, é que estaremos diante da existência formal da relação jurídica (obrigação tributária). (...) O instante em que nasce a obrigação tributária é exatamente aquele em que a norma individual e concreta – produzida pelo particular ou pela Administração, neste último caso por meio de lançamento – ingressar no sistema do direito positivo, o que implica reconhecer que a relação se dá juntamente com a ocorrência do fato jurídico. Daí falar em instauração automática e infalível do vínculo obrigacional, ao ensejo do acontecimento do “fato gerador”. A contar desse ponto na escala do tempo, existirá um enunciado lingüístico, formulado em consonância com os preceitos da ordem jurídica (linguagem competente), e que somente poderá ser modificado por outros enunciados especialmente proferidos para esse fim, segundo a orientação do sistema.256

Nota-se que o fato jurídico tributário é imprescindível ao lançamento tributário, de

modo que o lançamento tributário, enquanto norma individual e concreta, somente ingressa no

sistema de direito positivo quando os eventos, previstos em seu antecedente, encontram-se

relatados na linguagem competente, ensejando, assim, em decorrência, a produção dos efeitos

que lhe são próprios, ou seja, a instauração da relação jurídica, estabelecendo um vínculo

entre um contribuinte e o fisco, em que o primeiro encontra-se obrigado a pagar determinada

quantia em dinheiro ao segundo.

Desse modo, em conformidade aos princípios da legalidade e da tipicidade, a

obrigação tributária e a conseqüente relação obrigacional somente devem ser desencadeados

256 CARVALHO, P. de B. Direito tributário, linguagem e método..., pp. 831-833.

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se ocorrer a materialização do fato jurídico tributário, que encontra-se relatado no antecedente

da norma individual e concreta, e caso seja efetivamente verificada a sua ocorrência,

tornando, assim, imprescindível que o ato administrativo de lançamento tributário encontre-se

pautado na linguagem das provas.

A importância da materialização do fato jurídico tributário relatado no antecedente

de uma norma individual e concreta foi cuidadosamente exposta por Fabiana Del Padre Tomé,

que leciona:

É certo que a obrigação tributária e seus consectários dependem de prévia instituição em lei, mediante prescrição geral e abstrata. Com a edição de norma, descrevendo hipoteticamente o fato cuja ocorrência desencadeia o nascimento do vínculo obrigacional, tem-se instituído o tributo. Isso, porém, não basta para o surgimento concreto daquele liame abstratamente previsto. É preciso que se materialize o fato jurídico tributário, mediante relato no antecedente de uma norma individual e concreta, resultado da aplicação do direito. Obviamente, a enunciação do fato jurídico posto no antecedente da norma individual e concreta precisa realizar-se em conformidade com as regras do sistema, observando formas e conteúdos normativamente prescritos. Os princípios da legalidade e da tipicidade na esfera da tributação, por exemplo, exigem que a relação obrigacional seja desencadeada apenas se efetivamente verificado o fato conotativamente descrito na hipótese de incidência tributária, razão pela qual faz-se imprescindível que tanto os atos de lançamento e de aplicação de penalidades como as decisões proferidas no curso do processo administrativo tributário sejam pautados em provas.257

Destaca-se, assim, a relevância que o atributo de presunção de legitimidade do

lançamento tributário assume em face das provas, já que, o lançamento tributário, para

encontrar-se em consonância às regras do sistema do direito positivo e nele ser incluso, deve

não somente enunciar um determinado fato, bem como também possuir provas, mediante a

linguagem admitida em direito, que sustentem a ocorrência e a veracidade do relato desse

fato. No entanto, caso não haja provas acerca do enunciado contido no lançamento tributário,

e que sustente a sua presunção de legitimidade, logo, ele deverá ser retirado do sistema, não

ensejando, assim, a instauração da obrigação tributária, e logo, a cobrança do tributo

relativamente ao contribuinte.

257 TOME, F. D. P.; SANTI, E. M. D. (coord.). A prova no processo administrativo fiscal...2005. p. 559.

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181

Para tanto, deve ser oportunizado o conhecimento de seu inteiro teor ao sujeito

passivo, de modo que, sendo admitido como verdadeiro o enunciado e reconhecida a

imposição a ele imputada, deve cumprir com a prestação pecuniária, efetivando o pagamento

do tributo.

Porém, caso não o reconheça como verdadeiro, é cabível ao contribuinte impugnar a

imposição tributária a ele imposta, mediante apresentação de provas em contrário.

Nesse sentido, cabe a exposição da lição de Susy Gomes Hoffmann, que afirma:

Ao ser enunciado o lançamento tributário teremos uma norma individual e concreta que irá, no antecedente, relatar a ocorrência de um fato, especificando esse acontecimento a fim de caracterizá-lo como pertencente à classe de fatos hipoteticamente prevista na hipótese da norma geral e abstrata, no caso norma enunciadora da regra-matriz de incidência tributária. Ao especificar esse fato, será necessário apresentar todos os elementos que o constituem, sempre por meio de uma linguagem admitida pelo direito. E tal conclusão decorre da análise das normas constitucionais que são tidas como princípios de nosso sistema positivo. A primeira delas que pode ser mencionada está contida no artigo 5, LV da Constituição Federal que determina “que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Então, se o lançamento tributário é passível de impugnação, é necessário que em vista do direito constitucional à ampla defesa, o sujeito passivo tenha acesso não só ao enunciado fáctico constante da norma individual e concreta do lançamento tributário, mas também que lhe seja dado acesso às provas que levaram o agente administrativo a enunciar tal norma, imputando-lhe a ocorrência de um fato jurídico tributário e determinando a obrigação de pagar um determinado valor a título de tributo. É imperioso destacar que as provas devem ser apresentadas ao sujeito passivo juntamente com a notificação do lançamento tributário, fazendo parte integrante do mesmo. Então, para nós, a legitimidade do lançamento tributário – entendendo legítimo como o que é realizado de acordo com as regras do sistema e que portanto deverá prevalecer – será reconhecida pela verificação de que o acontecimento fáctico narrado e a relação jurídica instaurada estão relacionados com as provas – que se apresentam por meio de uma forma e linguagem imposta pelo direito.258

Desse modo, a presunção de legitimidade dos atos administrativos pressupõem que

estes sejam devidamente fundamentados, mediante a demonstração de que o ato jurídico

258 HOFFMANN, S. G. A presunção de legitimidade do lançamento tributário e a legitimidade do lançamento tributário em face das provas..., pp. 154-155.

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182

administrativo ocorreu em consonância à previsão genérica que encontra-se na hipótese

normativa da norma individual e concreta.

No entanto, caso existam dúvidas, a presunção de legitimidade não exime a

administração pública do dever de comprovar, mediante a demonstração da ocorrência dos

motivos, a ocorrência do fato jurídico, assim como as circunstâncias em que se deu, devendo,

desse modo, serem respaldados em provas.

7.2.11 As provas em face da presunção de legitimidade do lançamento tributário

As provas apresentam fundamental importância em face da legitimidade do

lançamento tributário, tendo em vista, ao prezar pelo direito de defesa do contribuinte,

permitem que este possa contestar a ocorrência de um determinado fato e a alegação do Fisco,

e logo, a exigência de um determinado tributo, mediante a produção de provas.

É através da presunção de validade do ato administrativo que é permitido ao

contribuinte que apresente a sua defesa, pois essa presunção de validade exige que o ato

administrativo, e logo, o lançamento tributário, seja fundamentado para que seja válido, o que

significa dizer que explicite as razões pelas quais o ato administrativo foi praticado,

permitindo ao contribuinte que detenha o conhecimento dos fatos que lhe estão sendo

imputados e das normas que estão sendo aplicadas e deles possa se defender, mediante a

apresentação de uma prova negativa.

Nesse sentido, manifestou-se o Superior Tribunal de Justiça:

TRIBUTÁRIO – LANÇAMENTO FISCAL – REQUISITOS DE AUTO DE INFRAÇÃO E ÔNUS DA PROVA. O lançamento fiscal, espécie de ato administrativo, goza da presunção de legitimidade; essa circunstância, todavia, não dispensa a Fazenda Pública de demonstrar, no correspondente auto de infração, a metodologia seguida para o arbitramento do imposto – exigência que nada tem a ver com a inversão do ônus da

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prova, resultado da natureza do lançamento fiscal, que deve ser motivado. Recurso especial não conhecido.259

Não é cabível à Administração Pública apenas afirmar que um determinado fato

ocorreu, mas sim deve, também, indicar o dado fático, concreto e individualizado,

devidamente comprovado, mediante a linguagem admitida em direito, que motivou a

imputação ao contribuinte, e assim, para que o lançamento tributário, enquanto ato

administrativo, goze de presunção de legitimidade.

Em conformidade ao disposto no artigo 142, do Código Tributário Nacional, o

lançamento tributário, enquanto atividade privativa da Administração, deve compreender “o

procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador

correspondente”, englobando, assim, a verificação efetiva da ocorrência do fato jurídico,

mediante a investigação de todos os aspectos necessários a constatar se deu a sua ocorrência

ou não.

Paulo de Barros Carvalho, nesse sentido, afirma que “(...) na própria configuração

oficial do lançamento, a lei institui a necessidade de que o ato jurídico administrativo seja

devidamente fundamentado, o que significa dizer que o fisco tem que oferecer prova

concludente de que o evento ocorreu na estrita conformidade da previsão genérica da

hipótese normativa”.260

Desse modo, o lançamento tributário constitui-se como uma norma individual e

concreta em que no antecedente, deve conter o relato de um fato que especifique a ocorrência

de um determinado acontecimento, mediante a apresentação de todos os elementos que o

constituem, através da linguagem jurídica, caracterizando-o como pertencente aos fatos

hipoteticamente previstos na hipótese da norma geral e abstrata, ou seja, na norma que

enuncia a regra-matriz de incidência tributária.

259 Acórdão unânime da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial n. 48.516-SP, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 13.10.1997. 260 CARVALHO, P. de B. A prova no procedimento administrativo tributário..., 1998. p. 107 – 108.

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Cabe destacarmos a lição de Fabiana Del Padre Tomé:

A fundamentação das normas individuais e concretas na linguagem das provas decorre da necessária observância aos princípios da estrita legalidade e da tipicidade tributária, limites objetivos que buscam implementar o sobreprincípio da segurança jurídica, garantindo que os indivíduos estarão sujeitos à tributação somente se for praticado o fato conotativamente descrito na hipótese normativa tributária. Como bem ensina Paulo de Barros Carvalho, o princípio da tipicidade tributária se define em duas dimensões, quais seja, o plano legislativo e o da facticidade. No primeiro está a necessidade de que a norma geral e abstrata traga todos os elementos descritores do fato jurídico tributário e os dados prescritores da relação obrigacional, ao passo que no segundo tem-se a exigência da estrita subsunção do fato à previsão genérica da norma geral e abstrata, vinculando-se à correspondente obrigação. Por esse motivo, a norma individual e concreta que constitui o fato jurídico tributário e a correspondente obrigação deve trazer, no antecedente, o fato tipificado pela norma geral e abstrata, com as respectivas coordenadas temporais e espaciais, indicando, no conseqüente, o fato da base de cálculo, juntamente da alíquota, especificando o quantum devido, bem como os sujeitos integrantes do vínculo obrigacional. E, para que a identificação desses fatos seja efetuada em conformidade com as prescrições do sistema jurídico, deve pautar-se na linguagem das provas. É por meio das provas que se certifica a ocorrência do fato e seu perfeito enquadramento aos traços tipificadores veiculados pela norma geral e abstrata, permitindo falar em subsunção do fato à norma e em implicação entre antecedente e conseqüente, operações lógicas que caracterizam o fenômeno da incidência normativa. 261

A presunção de legitimidade do lançamento tributário requer, portanto, a

fundamentação concreta e comprovada acerca da ocorrência de determinado fato jurídico

tributário, mediante o acesso às provas que ensejaram o agente administrativo a enunciar a

norma individual e concreta do lançamento tributário, tendo em vista ser uma exigência que

decorre, necessariamente, da fundamentação do ato administrativo, e logo, da natureza do

lançamento tributário, enquanto atividade privativa da administração, bem como dos

elementos necessários ao exercício do direito de defesa do contribuinte. A veracidade do

relato, contido no lançamento tributário, deve ser passível de verificação mediante

correspondência à linguagem das provas acerca do fato enunciado.

É o que afirma Raquel Cavalcanti Ramos Machado, que, ato contínuo, diz ainda:

Isso porque o fato meramente alegado, ou cuja ocorrência não é demonstrada, simplesmente não tem o condão de obrigar o contribuinte. Nesses casos, para não

261 TOMÉ, Fabiana Del Padre. Conhecimento, verdade e direito tributário. Revista de Direito Tributário. Cadernos de Direito Tributário. São Paulo. n. 106. p. 113. 2009.

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se submeter à exigência, em vez de tentar produzir prova muitas vezes de difícil realização, deve o contribuinte, em verdade, demonstrar o vício na formação do ato administrativo. Essa é a lição de Marco Aurélio Greco, ao afirmar que, nesses casos, o ônus do contribuinte: “não é o de produzir prova negativa ou prova impossível, mas sim o de demonstrar que a exigência feita padece de vícios, dentre os quais pode se encontrar o de não ter a Administração realizado prova suficiente da ocorrência do fato gerador do tributo. (...) Não cabe ao contribuinte provar a inocorrência do fato gerador, incube ao fisco, isto sim, demonstrar sua ocorrência”. Tanto o ato administrativo de lançamento deve fundar-se em afirmações sobre fatos devidamente comprovadas, que o art, 9 do Decreto n. 70.235/72 reconhece que: “Art. 9. A exigência de crédito tributário, a retificação de prejuízo fiscal e a aplicação de penalidade isolada serão formalizadas em autos de infração ou notificações de lançamento, distintos para cada imposto, contribuição ou penalidade, os quais deverão estar instruídos com todos os termos, depoimentos, laudos, e demais elementos de prova indispensáveis à comprovação do ilícito”.262

No entanto, caso a presunção de legitimidade do lançamento tributário não se

encontre devidamente comprovada, mediante a devida demonstração de fundamentação de

dados individualizados e concretos, através de provas apresentadas pelo Fisco que ensejem a

demonstração da ocorrência do fato jurídico, é possível ao contribuinte produzir provas em

contrário, objetivando não se submeter à obrigação imposta através do lançamento tributário,

por entender que as provas contidas no ato administrativo não se encontram suficientes. Para

tanto, deve impugnar o lançamento tributário, mediante a apresentação de defesa

administrativa, visando questionar a validade do ato, desconstituindo, assim, a sua presunção

de legitimidade, requerendo, ainda, a produção de provas. Cabe ressaltar que, em

conformidade ao disposto nos artigos 145 e 149, do Código Tributário Nacional, o

lançamento tributário, quando regularmente notificado ao sujeito passivo, somente admite

alteração em casos de apresentação de impugnação pelo sujeito passivo ou através de

apresentação de recurso de ofício pela autoridade administrativa.

É o que ensina Susy Gomes Hoffmann:

Então, se o lançamento tributário é passível de impugnação, é necessário que em vista do direito constitucional à ampla defesa, o sujeito passivo tenha acesso não só

262 MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos. A prova no processo tributário: presunção de validade do ato administrativo e ônus da prova. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo. n.96. p.81. set. 2003.

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ao enunciado fáctico constante da norma individual e concreta do lançamento tributário, mas também que lhe seja dado acesso às provas que levaram o agente administrativo a enunciar tal norma, imputando-lhe a ocorrência de um fato jurídico tributário e determinando a obrigação de pagar um determinado valor a título de tributo. É imperioso destacar que as provas devem ser apresentadas ao sujeito passivo juntamente com a notificação do lançamento tributário, fazendo parte integrante do mesmo. Então, para nós, a legitimidade do lançamento tributário – entendendo legítimo como o que é realizado de acordo com as regras do sistema e que portanto deverá prevalecer – será reconhecida pela verificação de que o acontecimento fáctico narrado e a relação jurídica instaurada estão relacionados com as provas – que se apresentam por meio de uma forma e linguagem imposta pelo direito.263

Portanto, as provas assumem fundamental importância em face da legitimidade do

lançamento tributário tendo em vista que, caso seja verificável que não existem provas

suficientes e aptas a sustentarem o relato contido no enunciado de uma norma individual e

concreta de lançamento tributário, logo, este pode ser anulável ou alterável, mediante a

expedição de uma norma individual e concreta que seja emanada por um agente competente e

de hierarquia superior àquele que expediu a norma que deve ser alterada.264

Nesse sentido, Fabiana Del Padre Tomé afirma:

É insustentável o lançamento ou ato de aplicação de penalidade que não tenha suporte em provas suficientes da ocorrência do evento, como se observa da seguinte decisão proferida pelo Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo: PROVAS – FALTA DE APRESENTAÇÃO PELO FISCO – APELO PROVIDO. O duelo de provas é facilmente vencido pela recorrente. A própria afirmação do Agente Fiscal de Rendas de que “infelizmente nem tudo que apuramos em nossas investigações pôde ser provado e levado ao AIIM” enfraquece bastante o trabalho fiscal. O Julgador deve ater-se ao que consta do processo e aos elementos existentes nele, e nuca às afirmações que as partes façam e não comprovem. Convém, nesta oportunidade, advertir: a Administração não detém o ônus da prova, mas o dever de provar.265

Então, a maioria dos motivos que ensejam a anulação ou a alteração do lançamento

tributário, afetando, assim, a sua legitimidade, encontram-se relacionados às provas: por não

haver equivalência entre a linguagem que relata o fato jurídico tributário exposto na norma

263 HOFFMANN, S. G. A presunção de legitimidade do lançamento tributário e a legitimidade do lançamento tributário em face das provas.., p. 154. 264 Destacamos que a validade do lançamento tributário também depende da observância de outros requisitos, tais como a competência da autoridade e a regular notificação ao sujeito passivo. No entanto, tendo em vista o objetivo de estudo do presente trabalho, importa, tão somente, enfatizar a relevância de motivação acerca do conteúdo do lançamento tributário, enfatizando a importância da presunção de legitimidade em face das provas. 265 TOME, F. D. P.; SANTI, E. M. D. (coord.). A prova no processo administrativo fiscal..., p. 563.

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individual e concreta do lançamento tributário e a linguagem das provas, devido ao fato das

provas que sustentam o lançamento tributário não se afirmarem em face de novas provas

apresentadas, por constatar a ocorrência de fato distinto ao relatado devido a análise e

produção e de novas provas, por constatar a ocorrência de dolo, fraude ou erro na elaboração

de provas que sustentam o fato jurídico tributário que embasa o lançamento tributário, entre

outros.266

Por fim, cabe concluirmos com a lição de Fabiana Del Padre Tomé acerca do

assunto, que sustenta:

A produção de prova pela Administração (...) não caracteriza mero ônus, entendido como encargo necessário para se atingir uma pretensão. Mais que isso, configura um verdadeiro dever. Tendo em vista o caráter vinculado do lançamento e do ato de aplicação de penalidade tributária, é dever da autoridade administrativa certificar-se da ocorrência ou não do fato jurídico desencadeador do liame obrigacional, o que só é possível mediante linguagem das provas. Nesse sentido, inclusive, é a determinação do art. 9, caput, do Decreto n. 70.235/72, que ordena sejam a exigência do crédito tributário e a aplicação da penalidade instruídos com os termos, depoimentos , laudos e demais elementos de prova. (...) O atributo da presunção de legitimidade, inerente aos atos administrativos, não dispensa a construção probatória por parte do agente fiscal. Essa figura presuntiva é júris tantum, significando a possibilidade de ser ilidida por prova que a contrarie, o que reforça nosso posicionamento no sentido de que os atos de lançamento e de aplicação de penalidade dependem da cabal demonstração da ocorrência dos motivos que o ensejaram. 267

É, desse modo, um dever da Administração Pública provar que o evento ocorreu em

conformidade à previsão genérica da hipótese normativa, provando, assim, a ocorrência do

fato jurídico tributário e as circunstâncias em que este se verificou, permitindo a aplicação

normativa, mediante a constituição do fato jurídico tributário e do respectivo laço

266 Paulo de Barros Carvalho enfatiza: “Cumpre advertir que o conhecido ‘atributo’, conhecido como pressuposto de legitimidade dos atos administrativos, aqui tomado com o nome de ‘lançamento tributário’, vem sendo submetido a duros questionamentos. Indaga-se: uma vez que todo ato jurídico, produzido pelo particular ou pelo órgão público, vale até prova em contrário, que juridicamente o desconstitua, por que só os atos administrativos gozariam da presunção de legitimidade? Não seria esse um traço presente em todos os atos jurídicos? Dúvidas como essas foram enfraquecendo o teor de “ïmperatividade” (não em termos jurídicos) que os atos emanados do Poder Público sempre ostentaram. Seja qual for a fonte ejetora do ato, valerá até prova em contrário, o que significa reafirmar a necessidade premente de observar-se a linguagem estipulada pelo direito objetivo, como linguagem competente, nos vários campos de incidência das normas jurídicas”. (CARVALHO, P. de B. A prova no procedimento administrativo tributário..., 1998. p. 108.) 267 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 293.

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obrigacional, de modo que Paulo Cesar Bonilha afirma que “a presunção de legitimidade do

ato administrativo confere à Administração uma ‘relevatio ab onere agendi’e não uma

‘relevatio ab onere probandi’, isto é, a presumida legitimidade do ato permite à

Administração aparelhar e exercitar, diretamente, sua pretensão e de forma executória, mas

este atributo não a exime de provar o fundamento e a legitimidade de sua pretensão”.268

7.2.12 A causa (motivo, motivação e o conteúdo) que enseja a existência e a regular

produção do ato administrativo e as provas

Tendo em vista a necessidade da regular constituição do ato administrativo de

lançamento tributário, é imprescindível que haja conexão entre o motivo, a motivação bem

como o conteúdo que ensejaram a sua constituição.

Nesse contexto, a causa, entendida como a relação que se perfaz entre o motivo, a

sua constituição em linguagem através das provas e o conteúdo, caracteriza-se como um dos

pressupostos essenciais à existência e à regular produção do ato administrativo, e logo, à

constituição do fato jurídico tributário, juntamente com os demais elementos (motivo ou

pressuposto, agente competente, forma prescrita em lei, objeto ou conteúdo e finalidade).

Cabe destacarmos, conforme já exposto anteriormente, que o motivo refere-se ao

pressuposto fático do ato, e caracteriza-se mediante a ocorrência do evento que satisfaz aos

critérios identificadores que encontram-se tipificados na hipótese tributária, enquanto que a

motivação, que consiste na descrição do motivo do ato, compõe o próprio ato administrativo,

e localiza-se no antecedente da norma individual e concreta. Um encontra-se relacionado ao

outro, de modo que somente haverá motivo se houver a motivação, posto que caracteriza a

268 BONILHA, Paulo Cesar Bergstrom. Da prova no processo administrativo tributário. 2. ed. São Paulo: Dialética, 1997. p. 75.

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linguagem normativa que visa constituir o fato jurídico e que desencadeará o liame

obrigacional.

É a partir das provas que é possível se reconstruir os eventos já ocorridos, tendo em

vista que a realidade é inacessível, pois se consome no espaço e no tempo em que se deu a sua

realização. É somente quando relatado na forma competente que o evento torna-se

juridicamente relevante, e somente assim, é possível remeter ao ato administrativo e se falar

em motivo deste.

Desse modo, para que um evento torne-se um fato jurídico capaz de ser tomado

como pressuposto ou motivo do ato administrativo de lançamento tributário, deve ser

comprovando mediante provas de sua ocorrência, construídas a partir das regras prescritas no

sistema do direito positivo.

É o que afirma Eurico Marcos Diniz de Santi, para quem “(...) não é o motivo do ato

sozinho o fato jurídico criador do ato-norma administrativo, nem é o motivo do ato o suposto

normativo do ato-norma. O motivo do ato é pressuposto fáctico e por tratar-se de fato não

pode compor estrutura normativa proposicional. O que ingressa na estrutura normativa do

ato-norma é a sua descrição: a enunciação lingüística do motivo do ato. (...) A motivação é o

antecedente suficiente do conseqüente do ato-norma administrativo”.269

Um evento somente torna-se fato jurídico, e desse modo, o fato jurídico torna-se

motivo do ato administrativo de lançamento tributário quando remete a uma ocorrência da

realidade que guarda consonância com os critérios elencados na hipótese tributária,

caracterizando-se, assim, como o evento que deve ser tributado.

Nesse sentido, cabe a lição de Fabiana Del Padre Tomé acerca do tema:

Um evento qualquer, se não relatado na forma prevista pelo ordenamento, é juridicamente irrelevante, não se podendo falar em ato, nem em motivo deste. (...) Para que a motivação se aperfeiçoe, entretanto, não basta o relato do motivo, requer algo mais que um simples enunciado que se subsuma à hipótese normativa.

269 SANTI, E. M. D. de. Lançamento Tributário..., 1996. p. 165.

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É necessário que sua enunciação seja efetuada com fundamento em outra linguagem : a linguagem das provas.270

A motivação aperfeiçoa-se não somente mediante o relato do motivo, com a simples

descrição do evento que subsumiu-se à hipótese normativa, mas sim mediante a enunciação

sendo efetuada com fundamento na linguagem das provas. Determinando evento somente

torna-se um fato jurídico e é suscetível de ser tomado como pressuposto ou motivo do ato

administrativo de lançamento tributário caso hajam provas de sua ocorrência, constituídas

mediante as regras prescritas no direito positivo.

Tendo em vista, assim, a importância que a causa, que enseja a existência e a regular

produção do ato administrativo, detém, logo, os motivos, o conteúdo e a motivação que a

embasam devem ser passíveis de relatos, de forma clara, mediante as provas em direito

admitidas, para que assim sustentem a ocorrência da incidência, e ensejem a constituição do

vínculo obrigacional, mediante a relação jurídica estabelecida entre o contribuinte e o fisco,

em torno da satisfação de uma prestação pecuniária.

Fabiana Del Padre Tomé, ao lecionar acerca da presunção de legitimidade dos atos

administrativos e o ônus da prova em matéria tributária, ressalta a importância da

demonstração da motivação que ensejam a realização do lançamento tributário, expondo que

“essa presunção, entretanto, não exime a Administração do dever de comprovar a ocorrência

do fato jurídico, bem como das circunstâncias em que este se verificou. É que sendo os atos

de lançamento e de aplicação de penalidade vinculados e regido, dentre outros, pelos

princípios da estrita legalidade e da tipicidade, tais expedientes dependem, necessariamente,

da cabal demonstração da ocorrência dos motivos que os ensejaram. A motivação deve ser,

portanto, respaldada em provas”.271

270 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. pp. 284-285. 271 TOME, F. D. P.; SANTI, E. M. D.(coord.). A prova no processo administrativo fiscal..., pp. 562-563.

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No entanto, caso um lançamento tributário seja embasado em fatos jurídicos que não

encontrem-se devidamente comprovados, mediante a linguagem das provas, nota-se que a sua

motivação, enquanto elemento intrínseco ao ato administrativo, encontrará viciada, já que

não encontrará respaldo em provas, sendo insustentável o ato de lançamento que não tenha

suporte em provas suficientes da ocorrência do evento, devendo ocorrer a sua retirada do

ordenamento jurídico mediante a autoridade competente.272

O ato de lançamento, em respeito ao princípio da estrita legalidade e da tipicidade,

requer, necessariamente, a cabal demonstração dos motivos que o ensejou, devendo tal

motivação ser respaldada em provas, cabendo o dever à Administração Pública, em

conformidade à presunção de legitimidade dos atos administrativos, comprovar a ocorrência

do fato jurídico e as circunstâncias em que este se verificou, devendo o ato jurídico

administrativo ser amplamente fundamentado.

272 Nesse sentido, é a decisão proferida pelo Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo: “PROVAS – FALTA DE APRESENTAÇÃO PELO FISCO – APELO PROVIDO. O duelo de provas é facilmente vencido pela recorrente. A própria afirmação do Agente Fiscal de Rendas de que ‘infelizmente nem tudo que apuramos em nossas investigações pôde ser provado e levado ao AIIM’ enfraquece bastante o trabalho fiscal. O Julgador deve ater-se ao que consta do processo e os elementos existentes nele, e nunca às afirmações que as partes façam e não comprovem”. ( Processo DRT-7 n. 2147/84, 6ª Câm., Rel. Tabajara Acácio de Carvalho).

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QUARTA PARTE – A RELEVÂNCIA DA TEORIA DAS PROVAS PA RA O

RECONHECIMENTO DO FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO, CONFORM E O

PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA

8. A PROVA DO FATO JURÍDICO NO PROCESSO ADMINISTRAT IVO

TRIBUTARIO

Feitos os esclarecimentos que consideramos imprescindíveis ao deslinde da questão,

vejamos, adiante, o objeto de investigação ora proposto, ou seja, a relevância que a teoria das

provas apresenta para o reconhecimento e a constituição do fato jurídico tributário, no âmbito

administrativo, em conformidade ao princípio da segurança jurídica.

O processo administrativo fiscal é composto pela fase denominada procedimento,

em que são realizados os atos inerentes ao poder fiscalizatório da autoridade administrativa,

com o intuito de verificar o cumprimento dos deveres tributários por partes dos contribuintes

(por exemplo, examinando registros contábeis, pagamentos e retenções na fonte, entre outras)

e que culmina com o lançamento tributário. É no lançamento tributário que é reconhecida a

existência da obrigação tributária e a constituição do respectivo crédito tributário.

Mas, conforme aduzimos anteriormente,

Nesse contexto, vejamos qual a importância das provas para o reconhecimento do

fato jurídico tributário na atividade administrativa tributária, bem como para sustentar a

pretensão arrecadatória.

Ressaltamos, no entanto, que o foco é uma fase anterior à fase litigiosa, momento no

qual o agente competente realiza o colhimento de provas para se convencer, ou não, acerca da

ocorrência do evento tributário, com o intuito de constituir o fato jurídico tributário, ou seja, o

procedimento tributário.

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Destacamos, ainda, que a legislação, no âmbito municipal, estadual e federal,

compreende um conjunto de dispositivos com o intuito de prescrever o procedimento

probatório, determinando os prazos, os meios de apresentação dos fatos-prova, bem como

estes devem ser produzidos, a partir do estabelecimento de litígio entre as partes componentes

do processo administrativo, que inicia-se mediante a impugnação do contribuinte. No entanto,

o presente trabalho volta-se a demonstrar que, apesar da pretensão da Fazenda Pública seja a

de arrecadar o tributo, para isso ela deve provar a ocorrência do fato jurídico gerador da

obrigação tributário, sendo que nos situamos em uma fase anterior à composição do litígio

entre o contribuinte e Fisco.

Resumindo: se ocorrido, no mundo fenomênico, o fato previsto no antecedente da

regra tributária geral e abstrata, a Administração Pública deverá, bem como o contribuinte

“poderá”, descrevê-lo e formalizá-lo em linguagem competente, formalizando a obrigação

jurídica tributária, valendo-se dos meios probatórios disponíveis no sistema do Direito

Positivo, e identificando o sujeito passivo que deverá suportar as consequências advindas de

tal formalização e já delineadas na norma. Nesse contexto, a Administração Pública deve

utilizar todos os meios e recursos disponíveis para permitir uma “correta” construção do fato

jurídico tributário, mediante utilização de provas a respeito do fato.

8.1 Teoria das Provas: o papel da linguagem competente no Direito

A realidade, de uma forma geral, conforme apresentada aos seres humanos, é “um

sistema articulado de símbolos num contexto existencial” 273, mas, que ainda não encontra-se

constituída em linguagem.

273 TOME, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2005. p.. 33.

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Posteriormente, dependendo da intenção de cada sistema, seja ele social, político,

jurídico, entre outros, constitui a sua própria realidade, mediante a constituição de meros

eventos em enunciados lingüísticos próprios.

A realidade, então, somente passa a ser relevante no momento em que é vertida em

linguagem, enquanto capacidade do ser humano de se comunicar, sendo que, somente através

da linguagem se é possível transmitir conhecimento. O fato somente existe e é passível de

conhecimento a partir do momento em que for vertido em linguagem.

Novamente, cabe lembrarmos da proposição 5.6 do Tratactus Lógico Philosophicus,

de Ludwig Wittgenstein, ao afirmar que “os limites da minha linguagem significam os limites

do meu mundo”.274

Em tratando-se da realidade jurídica, o ordenamento jurídico delimita a sua própria

realidade jurídica com o intuito de regulá-la, determinando o que nele existe ou não, mediante

uma linguagem específica. É o que afirma Gregório Robles, ao dizer que “o que o

ordenamento faz é delimitar sua própria realidade, que é a realidade do direito. Essa

delimitação artificial consiste em constituir tal realidade jurídica e, simultanemanente, em

regulá-la.”.275

Assim, a forma específica lingüística pela qual a realidade jurídica constitui-se é a

linguagem competente, de modo que, somente através da constituição da realidade em

linguagem competente, que é a linguagem específica do sistema de direito, que se é possível

constituir os eventos em linguagem competente, e logo, na realidade jurídica.

Tendo em vista que os meros eventos, enquanto acontecimentos físicos naturais,

exaurem-se no tempo e no espaço, e, desse modo, nada provam, somente através da utilização

274 WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Lógico-philosophicus. Tradução de José Artur Giannotti. São Paulo: Nacional, 1968. p. 111 apud FERRAGUT, M. R. Presunções no Direito Tributário..., p. 02. 275 ROBLE MORCHON, Gregório. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito. Tradução de Roberto Barbosa Alves. Barueri: Manole, 2005. p.13.

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de enunciados lingüísticos, é possível entrar em contato com um fato, realizando o relato do

mero evento em linguagem competente.

Em conformidade ao magistério de Fabiana Del Padre Tomé:

(...) Qualquer que seja o sistema que se examine, nele ingressam apenas os enunciados compostos pela forma lingüística própria daquele sistema. Relatado o acontecimento em linguagem social, teremos fato social; este, vertido em linguagem jurídica, dará nascimento ao fato jurídico. Os fatos da chama realidade social, enquanto não constituídos mediante linguagem jurídica própria, qualificam-se como eventos em relação ao mundo do direito.276

O fato somente adquire o condão de irradiar efeitos jurídicos a partir do momento

em que é vertido em linguagem jurídica, ou linguagem competente, que é a linguagem própria

prescrita pelo direito positivo, pois, somente de tal modo se dá a formalização dos eventos

ocorridos no mundo existencial, mediante a construção lingüística do fato jurídico.

Nessa esteira, os eventos ocorrem fora do território do Direito, o que importa dizer

que não estão constituídos em linguagem jurídica.

Como bem explica Aurora Tomazini de Carvalho, “os acontecimentos nada dizem

para o sistema do direito positivo, é a linguagem própria deste sistema que os constitui e os

desconstitui como fatos jurídicos”.277

Utilizemos-nos também das preciosas palavras do professor Paulo de Barros

Carvalho, para quem “fato jurídico é a parte do suporte fáctico que o legislador, mediante a

expedição de juízos valorativos, recortou do universo social para introduzir no mundo

jurídico”. 278

Sendo o intuito do Direito a disciplina de condutas intersubjetivas, para a

concretização de tal objetivo, deve ocorrer a certificação de ocorrência e de veracidade do fato

que encontra-se previsto na hipótese da norma que se pretende aplicar. Para isso, não basta,

276 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. pp. 32-33. 277 CARVALHO, A. T. de. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-semântico..., 2009. p. 536. 278 CARVALHO, P. de B. Direito Tributário. Linguagem e Método..., 2008. p. 825.

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então, apenas a utilização de meros eventos, já que este, enquanto ainda não constituídos em

linguagem competente, não provam nada.

Para ingressar no mundo do Direito, o mero evento deve ser constituído em fato

mediante a utilização de enunciados lingüísticos, e logo, mediante o relato em linguagem

competente, ou seja, a linguagem jurídica, e, de modo específico, na esfera tributária,

caracterizando-se como um fato jurídico tributário, observando as regras a que o sistema

determina para sua produção, tal como a necessidade de provas lícitas no processo judicial ou

administrativo, como sublinha Aurora Tomazini de Carvalho, “os fatos jurídicos serão

aqueles enunciados produzidos mediante procedimento próprio, realizado por agente

competente e que podem sustentar-se em face das provas em direito admitidas”.279

Desse modo, o fato jurídico somente irradia os seus efeitos quando encontrar-se

relatado em linguagem competente, que é a linguagem eleita pelo sistema jurídico para

traduzir os eventos do mundo em concreto.280

Nesse sentido, bem leciona Fabiana Del Padre Tomé:

Como os acontecimentos físicos naturais exaurem-se no tempo e no espaço, são eles de impossível acesso, sendo necessário, ao homem, utilizar enunciados lingüísticos para constituir os fatos com que pretenda entrar em contato. Um evento não prova nada, simplesmente porque os eventos não falam. Somos nós quem, valendo-nos de relatos e de sua interpretação, provamos. Daí porque os eventos não integram o universo jurídico. O que integra o processo são sempre fatos: enunciados que declaram ter ocorrido uma alteração no plano físico-social, constituindo a facticidade jurídica.281

279 CARVALHO, A. T. de. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-semântico..., 2009. p. 526. 280 Nesse sentido, exemplifica Aurora Tomazini de Carvalho: “Para que um sujeito, por exemplo, tenha direito à indenização em razão de um acidente de trânsito, primeiramente ele deve alegar a ocorrência deste acidente. Não basta, para tanto, porém, que se dirija ao fórum da cidade e relate o acontecido ao juiz. Tal fato, ainda que alegado, não se reveste de linguagem competente capaz de ensejar o efeito motivador do processo de aplicação da norma de indenização. É preciso que ele seja produzido nos termos do direito, ou seja, por petição inicial, redigida por advogado e protocolada junto ao cartório distribuidor. A produção da petição inicial, ato motivador, que insere no sistema o fato alegado, também deve obedecer a certos requisitos fixados pelo direito (art. 282, CPC), sob pena de a alegação por ela vinculada não prosperar juridicamente”. (Ibidem., p. 527) 281 TOMÉ, F. D. P. A prova no Direito Tributário..., 2005. p. 34.

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Mas, será somente por intermédio das provas jurídicas que será possível atestar se o

fato jurídico foi produzido em consonância com o ordenamento jurídico, e em conformidade à

procedimento próprio, por agente competente e nos moldes prescritos pelo sistema.

Por isso, Paulo de Barros Carvalho, discorrendo sobre o tema, assevera:

Sempre é bom lembrar que o processo de positivação do direito inaugura-se com os preceitos competenciais cravados no Texto Supremo e avança, gradativamente, em direção aos comportamentos inter-humanos para discipliná-los e tornar possível a convivência social. Ora, tais providências são obtidas por intermédio da linguagem das provas, de tal modo que vale a afirmação categórica segundo a qual fato jurídico é aquele, e somente aquele, que puder expressar-se em linguagem competente, isto é, segundo as qualificações estipuladas pelas normas do direito positivo.282

Portanto, exige-se a certificação da ocorrência do fato que encontra-se previsto,

conotativamente, na hipótese da norma que se pretende aplicar. No entanto, esse relato

somente ingressará no universo do Direito, constituindo o fato jurídico, quando for enunciado

em linguagem competente, ou seja, quando for descrito consoante as provas em direito

admitidas, ressaltando a importante função da linguagem das provas no sistema de direito

tributário.

Nessa orientação, Maria do Rosário Esteves também leciona:

Os fatos jurídicos, acontecimentos do universo do direito, para irradiarem seus efeitos, devem ser relatados na linguagem competente, àquela eleita pelo sistema jurídico para traduzir os eventos do mundo em concreto. Assim, é segundo a teoria das provas jurídicas que se aferirá se o enunciado (EI) foi produzido em consonância com o ordenamento jurídico. Caso tenha sido produzido em desacordo com o sistema do direito positivo, poderá ser realizada a expulsão do enunciado (EI) com a expedição de outro enunciado (E2).283

É nesse contexto que é possível observar a imprescindibilidade da teoria das provas

para o reconhecimento e a composição do fato jurídico tributário em todos os seus aspectos,

tendo em vista que a constituição do fato jurídico tributário deve ocorrer mediante a sua

282 CARVALHO, P. de B. Direito Tributário. Linguagem e Método..., 2008. p. 824. 283 ESTEVES, M. do R. A prova do fato jurídico no processo administrativo tributário..., 2005. p. 77.

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enunciação em linguagem competente, ou seja, ser descrito em conformidade às provas em

Direito admitidas, pois, sendo a linguagem constitutiva da realidade, somente através das

provas é que é possível realizar o reconhecimento do fato jurídico tributário, fazer a sua

composição em todos os aspectos (conduta nuclear, tempo e espaço) relatá-lo, interpretá-lo e

prová-lo, bem como identificar o sujeito que o praticou e a sua medida.

O aplicador do Direito não mantém contato com a realidade do evento, mas somente

com a linguagem jurídica, e, nesse contexto, somente com base nela é que o processo de

positivação se realiza. Conforme Aurora Tomazini de Carvalho, “não há que se falar na

existência de uma relação de veridicidade entre o fato jurídico e o evento, mas unicamente

entre o fato jurídico e as provas admitidas”.284

Tal como afirma Maria Rita Ferragut, o fato juridicizado deve ser provado, sendo

que, àquele que não tem como provar o seu direito, é, para o mundo jurídico, como se não o

tivesse.285 Na dinâmica do processo de aplicação do direito, um fato alegado deve ser

afirmado pelas provas, sendo que, somente de tal modo deve se dar a constituição do fato

jurídico. Ou, em representação em termos formais:

[Fa. (F1. F2. F3...Fn)] → Fj286

Dito com as palavras de Fabiana Del Padre Tomé:

A tarefa daquele que produz a prova jurídica é semelhante à do historiador: ambos se propõem a estabelecer fatos representativos de acontecimentos pretéritos, por meio de rastros, vestígios ou sinais deixados por referidos eventos e utilizando-se de processo lógico-presuntivo que permitam a constituição ou desconstituição de determinado fato. Esse é o fim da prova: a fixação dos fatos no mundo jurídico.287

284 CARVALHO, A. T. de. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-semântico..., 2009. p. 531. 285 FERRAGUT, M. R. Presunções no direito tributário..., 2005. p. 45. 286 Nessa representação formal, tem-se: Fa indica o fato alegado; (F1.F2.F3... . Fn) representam um número finito de fatos (provas); e Fj é o fato que se pretende constituir por meio das provas; (.) é o conectivo conjuntor; e (→) o implicacional. (TOMÉ, F. D. P. A prova no Direito Tributário..., 2005. p. 183) 287 Ibidem., p. 177.

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É através do recurso técnico das provas, enquanto meio de linguagem, que será

possível atestar se um determinado fato jurídico alegado ocorreu ou não, pois no Direito,

somente é possível se reconhecer a verdade de um determinado fato alegado por intermédio

das provas.

Mais adiante, prossegue a autora, e atenta para a importância da teoria das provas

para o reconhecimento do fato jurídico tributário e a sua localização no Direito, bem como o

papel da linguagem competente nesse contexto, explanando:

Essa movimentação das estruturas do direito em direção à maior proximidade das condutas intersubjetivas exige a certificação da ocorrência do fato conotativamente previsto na hipótese da norma que se pretende aplicar. Mas, para que o relato ingresse no universo do direito, constituindo fato jurídico tributário, é preciso que seja enunciado em linguagem competente, quer dizer, descrito consoante as provas em direito admitidas. Observa-se, aí, importante função da linguagem das provas no sistema do direito tributário. É por meio delas que se compõe o fato jurídico tributário, em todos os seus aspectos (conduta nuclear, tempo e espaço), bem como o sujeito que o praticou e sua medida. O mesmo se pode dizer do ilícito tributário: somente com o emprego da linguagem competente, isto é, por meio de enunciados probatórios, configura-se o descumprimento de obrigação tributária ou de dever instrumental, desencadeando a relação jurídica sancionatória. Por essas razões, consideramos a teoria da prova um dos pontos centrais do direito, em especial, do direito tributário.288

Os fatos são, então, em conformidade à posição cognoscitiva apresentada

anteriormente, a enunciação dos eventos em linguagem competente, mediante as provas em

Direito admitidas, podendo, assim, observar a importante função da linguagem das provas no

sistema do direito tributário, sendo o suporte necessário para a constituição do fato jurídico

tributário.

Nessa mesma linha, Maria do Rosário Esteves preleciona a imprescindibilidade da

linguagem jurídica das provas para a constituição do fato jurídico tributário:

A teoria das provas é imprescindível para o reconhecimento dos fatos jurídicos, mais especificamente, dos fatos jurídicos tributários. Não basta que ocorra, no mundo concreto, o fato descrito hipoteticamente no antecedente da regra-matriz de

288 TOME F. D. P. A prova no Direito Tributário..., 2005. p. XXI

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incidência tributária. Para o desencadeamento do conseqüente normativo, e a correspondente instauração da relação jurídica tributária, a ocorrência do evento descrito no fato deve ser demonstrada por meio dos recursos estabelecidos pelo próprio sistema, ou seja, mediante a utilização das provas. Em outros termos, o fato jurídico tributário tem que ser constituído pela linguagem jurídica das provas. 289

Ressaltamos, no entanto, que no sistema jurídico, para relatar os acontecimentos do

mundo social e produzir os efeitos jurídicos, não é qualquer linguagem que encontra-se

habilitada, mas sim devem ser indicados os instrumentos hábeis, e logo, qual é a linguagem

competente para a constituição dos meros eventos, e, conseqüentemente, para a construção do

fato jurídico.

Logo, para a instauração do vínculo jurídico tributário entre sujeitos de direito que

decorre do fato jurídico tributário e sua exigibilidade, deve, necessariamente, ocorrer o relato

do evento acontecido no mundo da experiência mediante a linguagem competente, ou a

linguagem própria prescrita pelo direito posto. Somente de tal modo é passível a ocorrência de

formalização do evento ocorrido no mundo da experiência.

Mas, como se dá tal formalização e relato em linguagem competente? Nesse sentido,

utilizamo-nos das preciosas palavras de Paulo de Barros Carvalho, que esclarece que “essa

atividade de formalização dos eventos e das relações em linguagem é confiada, algumas

vezes, à autoridade fiscal, e outras, ao próprio particular (sujeito passivo). Formalizar

significa construir as normas individuais e concretas, que apresentam em seu conseqüente o

vínculo obrigacional, ora atribuído ao contribuinte, ora ao Fisco”.290

Vejamos a lição de Christine Mendonça acerca do assunto:

(...) o sistema jurídico, diverso do que ocorre no mundo social, indicará os instrumentos credenciados para constituir tais eventos em linguagem competente. (...) a escritura é indicada como instrumento para ‘dizer que ocorreu’ o evento de uma venda de um imóvel; a certidão de nascimento é indicada como instrumento

289 ESTEVES, M. do R. A prova do fato jurídico no processo administrativo tributário..., 2005. p. 60. 290 CARVALHO, P. de B. Direito Tributário. Linguagem e Método..., 2008. p. 828.

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para ‘dizer que ocorreu’ o nascimento de uma pessoa; a nota fiscal é indicada como instrumento para ‘dizer que ocorreu’ o evento de uma venda de um produto.291

Faz-se mister ressaltarmos, então, que o fato jurídico tributário requer linguagem

competente, isto é, tem que ser constituído mediante a linguagem jurídica das provas.

Ultrapassadas as questões teóricas, vejamos um exemplo prático acerca da

importância da linguagem das provas para a constituição do fato jurídico, com vistas a

certificar a veracidade dos fatos subsumidos:

EMENTA: IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – IPI. Período de apuração: 02/08/1999 a 30/11/2001. ZONA FRANCA DE MANAUS. PROCESSO PRODUTIVO BÁSICO. CARÊNCIA DE PROVA DO DESCUMPRIMENTO. Uma vez que a imputação de descumprimento do processo produtivo básico não foi devidamente lastreada em provas contundentes, e a defesa apresentada foi proficiente em provar o cumprimento do PPB no período apontado pela auditoria fiscal, as conclusões substanciais do acórdão recorrido merecem ser ratificadas, porquanto compete ao Fisco investigar, diligenciar, demonstrar e provar a ocorrência do fato jurídico tributário ou da prática de infração.292

Assim sendo, observamos que a linguagem das provas se perfaz de extrema relevância

para certificar a ocorrência de um determinado fato e seu perfeito enquadramento aos traços

tipificadores veiculados pela norma geral e abstrata, mediante a subsunção do fato à normae

em implicação entre antecedente e conseqüente, caracterizando o fenômeno da incidência

normativa. Sem a linguagem das provas, não há fundamento para a aplicação normativa e

nem mesmo para a conseqüente constituição do fato jurídico tributário e do respectivo laço

obrigacional.

Portanto, observa-se a relevância da linguagem das provas para a constituição do fato

jurídico, tendo em vista que o Direito exige a prova obtida por meios lícitos para servir como

291 MENDONÇA, Christine. A não-cumulatividade do ICMS. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 22. 292 Carf/SP. Acórdão n. 3101-001.024. Recurso n. 502371. Processo n. 10283.002672/2003-35. Recurso de Ofício. Órgão Julgador: Primeira Câmara. Contribuinte: B.M.A Indústria e Comércio Ltda. Data da sessão: 13.02.2012. Relator: Cons. Corintho Oliveira Machado.

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suporte à constituição do fato jurídico, e, mais especificamente, para a constituição do fato

jurídico tributário, e, ainda, para se estabelecer a verdade, e, por conseguinte, o conhecimento.

8.1.1 Finalidade das provas no processo administrativo tributário

No processo de positivação, as provas são os instrumentos de que dispõe o direito para

constituir a verdade. Nas palavras de Fabiana Del Padre Tomé, “não obstante sua função seja

persuasiva com relação ao fato alegado, a tarefa de convencer o julgador visa a atingir

determinada finalidade, orientada à constituição ou desconstituição do fato jurídico em

sentido estrito”.293

No processo administrativo tributário, as provas, mediante linguagem jurídica,

assumem o papel de embasar a certeza ou o convencimento da existência ou inexistência dos

fatos. Cumpre lembrarmos que, de forma mais precisa, a produção de provas pela

Administração Pública se dá no âmbito de um procedimento administrativo.

São, assim, conforme Maria do Rosário Esteves, “os instrumentos ou veículos de

produção de atos probatórios que, previstos no direito positivo, serão utilizados pelas partes

com a finalidade de relatar em linguagem jurídica o fato social ou evento para

convencimento do julgador”.294

No entanto, levando-se em conta que devem ser utilizadas as provas admitidas pelo

Direito, enquanto enunciados lingüísticos, todos os meios de prova são admitidos no processo

administrativo tributário, excetuando-se as provas obtidas por intermédio de meios ilícitos.

Notadamente, tendo em vista que o Código Tributário Nacional não estabelece regras

específicas para regular os meios de provas cabíveis para a demonstração da existência do

fato jurídico tributário.

293 TOME, F. D. P. A prova no Direito Tributário..., 2005. p. 264. 294 ESTEVES, M. do R. A prova do fato jurídico no processo administrativo tributário..., 2005.p. 143.

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Nesse sentido, no âmbito do processo administrativo tributário, as provas devem ser

feitas mediante observância das regras rígidas de aplicação das regras atinentes, de modo que

ao contribuinte brasileiro seja assegurado todas as prerrogativas constitucionais, notadamente

a de ser gravado somente nos exatos termos em que a lei tributária especificar.

A título exemplificativo, no procedimento administrativo, devido às suas

peculiaridades, são pouco utilizadas as provas testemunhais e a inspeção judicial, assim como

o depoimento pessoal. No entanto, o instrumento probatório de maior importância e maior

utilização no âmbito administrativo tributário é a prova documental, que é capaz de

representar um fato, e não compreende somente os escrito, bem como, também, qualquer

outro modo que venha a transmitir o registro físico acerca da ocorrência do mundo

fenomênico, como desenhos, fotografias, gravações sonoras, entre outros. Mas, sempre

atentando que no procedimento administrativo, somente devem ser admitidos os meios de

prova tidos como idôneos no processo comum.

Portanto, mesmo que os eventos possam ser expressos por intermédio de diversas

formas de linguagem, para a afirmação ou negação do fato alegado somente devem ser

utilizadas as versões produzidas na forma imposta pelo ordenamento, e logo, através da

linguagem das provas admitidas no Direito.

Assim sendo, a legislação pertinente ao procedimento e ao processo administrativo

prescreve como deve ocorrer o procedimento probatório, ou seja, determinam os prazos, os

meios de apresentação dos fatos-prova e como estes devem ser produzidos. No entanto,

devemos atentar que o objeto do trabalho ora em estudo é analisar a relevância das provas

para a constituição do fato jurídico tributário, anteriormente à iniciação da fase litigiosa.

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8.1.2 Objeto da prova: um fato jurídico tributário

Conforme ressaltamos anteriormente, a função da linguagem das provas no sistema do

direito tributário é compor o fato jurídico em todos os seus aspectos (conduta nuclear, tempo e

espaço), bem como o sujeito que o praticou e a sua medida.

Maria do Rosário Esteves afirma que “a prova é um fato para provar outro fato, o

fato jurídico tributário”.295 Temos, assim, que o objeto da prova é um fato jurídico tributário,

ou de modo mais específico, um fato por provar, enquanto enunciado protocolar que instaura

a relação jurídica tributária.

As provas não vão apenas dizer que um determinado evento ocorreu, mas sim,

também, atuar na própria construção do fato jurídico, e, mais especialmente aqui no tema ora

tratado, do fato jurídico tributário, enquanto enunciado protocolar que preenche os critérios

constantes da hipótese da regra-matriz de incid6encia tributária. Somente presente as provas

em direito admitidas é que se tem por ocorrido o fato jurídico tributário.

Necessariamente, deve o Fisco comprovar a constituição do fato jurídico tributário,

sendo que, posteriormente, ao particular, é cabível impugnar o ato administrativo emitido pelo

Fisco de modo a provar que o fato tributário não se constituiu.

As provas devem, então, se direcionar para o antecedente das normas individuais e

concretas, sendo que é no antecedente da norma individual e concreta que fato jurídico

tributário encontra-se relatado, e que deve se enquadrar na classe de eventos previstos no

antecedente das normas gerais e abstratas.

295 ESTEVES, M. do R. A prova do fato jurídico no processo administrativo tributário.., 2005. p. 128.

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8.2 A expedição do lançamento tributário e a constituição do fato jurídico tributário em

conformidade à teoria das provas

Seguindo a linha de raciocínio adotada, sendo a linguagem importante à constituição

do fato jurídico tributário, no processo administrativo tributário é o lançamento tributário o

ato administrativo de constituição do crédito tributário.

Discorremos, anteriormente, acerca do processo de positivação do Direito, em que,

parte-se de normas gerais e abstratas, dotadas de forte grau de abstração, em que sua hipótese

esboça traços de determinado acontecimento de possível ocorrência no mundo fenomênico,

mediante enunciados conotativos.

Nesse contexto, no âmbito da percussão tributária, referimo-nos às regras-matrizes

de incidência tributária, que são veiculadas no corpo da lei, e, devido à sua generalidade,

indeterminação e abstração, não atuam, de forma direta, sob as condutas humanas

intersubjetivas, mas sim, com a intenção de atingir, de forma mais individual e concreta sob

os comportamentos das pessoas, são emitidas as normas individuais e concretas e seus

enunciados denotativos.

As normas individuais e concretas, tais como o lançamento tributário, são

construídas e emitidas com fundamento nas normas gerais e abstratas. Para tanto, estabelecem

que, em virtude da ocorrência de um determinado fato jurídico, deve, conseqüentemente,

fazer nascer uma relação entre um sujeito de direito que detém uma obrigação, permissão ou

proibição relativamente a um outro sujeito de direito.296

296 Cabe a ressalva feita por Maria Rita Ferragut: “(...) insistimos que as normas jurídicas não são somente as gerais e abstratas, veiculadas por meio de leis ordinárias, complementares, delegadas, decretos, etc. As individuais e concretas, bem como as gerais e concretas e individuais e abstratas, por integrarem a ordem jurídica, também são normas jurídicas. Portanto, não deve surpreender a afirmação de que a sentença judicial, o lançamento, ou mesmo o ato do contribuinte que declare a ocorrência do fato, e constitua a relação jurídica tributária, sejam veículos introdutores no sistema de normas individuais e concretas, sendo, por força disso, direito positivo”. (FERRAGUT, M. R. Presunções no Direito Tributário..., 2005. pp. 41-42)

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206

É por intermédio da norma individual e concreta que é possível ao aplicador

aproximar-se da disciplina dos comportamentos intersubjetivos, de modo que, ao relatar o

evento ocorrido, por conseguinte, constituir o fato jurídico tributário e a correspondente

obrigação.

Desse modo, observa-se que, para a caracterização da obrigação tributária e seus

efeitos legais, deve ocorrer, primeiramente, a prescrição geral e abstrata, o que se dá por

intermédio da lei. Tal norma geral e abstrata descreve um fato hipotético que, se vier a

ocorrer, implica no nascimento do respectivo vínculo obrigacional, mediante a instituição do

tributo. No entanto, tal ocorrência é apenas um liame previsto abstratamente, de modo que

não basta apenas a existência da regra-matriz de incidência tributária instituindo um tributo.

Para que ocorra o surgimento concreto de tal liame previsto, se perfaz necessário que

ocorra a materialização do fato jurídico, o que se dá mediante o relato no antecedente de uma

norma individual e concreta, que seja resultado da aplicação do direito.

Somente por intermédio do disciplinamento de uma conduta por intermédio da

norma individual e concreta é que um indivíduo pode tornar-se obrigado a pagar o tributo se

praticar o evento descrito no fato jurídico tributário.

Por isso, podemos afirmar que o fato jurídico tributário, ao ensejar o nascimento da

obrigação tributária, nada mais é do que a fenomenologia da incidência tributária, ou seja, a

linguagem do Direito Positivo projetando-se sobre o campo material das condutas

intersubjetivas, visando organizá-las deonticamente.

Nesse passo, no âmbito da percussão tributária, é o lançamento tributário que veicula

a norma individual e concreta que constitui o crédito tributário, mediante o relato em

linguagem competente da ocorrência do fato jurídico tributário, permitindo, assim, a

instauração da relação jurídica tributária.

Nesse sentido, é fulgurante a lição do Emérito Professor Paulo de Barros Carvalho:

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207

Lançamento tributário é o ato jurídico administrativo, da categoria dos simples, constitutivos e vinculados, mediante o qual se insere na ordem jurídica brasileira uma norma individual e concreta, que tem como antecedente o fato jurídico tributário e, como conseqüente, a formalização do vínculo obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da prestação, formado pela base de cálculo e correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento dos termos espaço-temporais em que o crédito há de ser exigido.297

Assim, o lançamento tributário, enquanto ato administrativo que veicula a norma

individual e concreta expedida pela Administração Pública, que constitui o crédito tributário,

mediante o relato em linguagem competente da ocorrência do fato jurídico tributário,

ensejando a instauração da relação jurídica tributária, deve ser constituído mediante as provas

admitidas pelo sistema jurídico

Célio Armando Janczeski aduz que “há no processo administrativo o dever legal do

Estado colher as provas necessárias para dar sustentação à pretensão arrecadatória e dar

azo à produção do título executivo extrajudicial, o qual quando concretizado não reclama

que a Fazenda Pública produza prova ou demonstre seu direito, face à presunção que se

originou nos termos da lei (art. 585, VI, do CPC)”.298

Por sua vez, Edvaldo Brito, ao tratar da importância do lançamento tributário para a

exigência do tributo, assevera que “nenhuma pessoa pode ter o ‘dever jurídico’de pagar um

tributo se não tiverem ocorrido duas circunstâncias: 1.ª) um fato descrito em uma norma

legal como sendo aquele capaz de ‘gerar’ a obrigação, da qual decorre esse dever e, 2.ª) o

desempenho de uma ‘atividade administrativa’ objetivando investigar a ocorrência desse fato

da qual, por isso, resulte o nascimento do ‘direito de exigir’ o cumprimento desse dever”.299

Mas, como se dá a relação entre o lançamento tributário, o fato jurídico tributário e as

provas?

297 CARVALHO, P. de B. Direito Tributário. Linguagem e Método..., 2008. p. 432. 298 JANCZESKI, Célio Armando; SALOMÃO, Marcelo Viana (org.); PAULA JUNIOR, Aldo (org.). O princípio da verdade real no processo administrativo: momento para produção de provas e apreciação de defesa intempestiva. São Paulo: MP Editora, 2005. p. 76. 299 BRITO, Edvaldo. Lançamento. Revista de Direito Tributário. São Paulo. v.11. n.42. out./dez. 1987. p. 186.

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Conforme visto anteriormente, o lançamento tributário, enquanto norma individual e

concreta, em seu antecedente apresenta um relato acerca da ocorrência do evento, sendo que,

esse relato em linguagem admitida pelo Direito, ou seja, a linguagem das provas, transforma o

mero evento em fato jurídico tributário.

Utilizemo-nos das palavras do professor Paulo de Barros Carvalho, que traz os

contornos do tema com propriedade:

Estou convencido, aliás, de que em nenhum outro domínio do universo jurídico, a dualidade fato/evento manifesta sua presença com tanta nitidez e vigor. Ou a mutação ocorrida na vida real é contada, fielmente, de acordo com os meios de prova admitidos pelo sistema positivo, consubstanciando a categoria dos fatos jurídicos (lícitos ou ilícitos, pouco importa) e da eficácia que deles se irradia; ou nada terá acontecido de relevante para o direito, em termos de propagação de efeitos disciplinadores da conduta. Transmitido de maneira mais direta: fato jurídico requer linguagem competente, isto é, linguagem das provas, sem o que será mero evento, a despeito do interesse que possa suscitar no contexto da instável e turbulenta vida social.300

Ressaltamos, o evento somente tornará-se fato jurídico tributário quando for

constituído em linguagem competente, qual seja, a linguagem das provas. Caracterizar-se-ão

como fatos jurídicos somente os enunciados constituídos pela linguagem competente que

puderem se sustentar em face das provas em Direito admitidas.

Desse modo, ocorrendo a constituição do fato jurídico tributário, para que se dê a

correta formação do lançamento tributário, instaura-se a relação jurídica entre um sujeito ativo

e um sujeito passivo e que encontra-se prevista em seu conseqüente.301

Nesse contexto, as provas objetivam demonstrar qual o motivo e a motivação para a

constituição do ato administrativo de lançamento tributário, mediante a demonstração de

provas que objetivam investigar quanto à ocorrência do evento/fato, e logo, o relato da

300 CARVALHO, P. de B. Direito Tributário. Linguagem e Método..., 2008.p. 824. 301 Nesse contexto, partimos dos ensinamentos do professor Paulo de Barros Carvalho, ao lecionar que “Realizado o acontecimento da hipótese de incidência prevista no ordenamento jurídico tributário e constituído o fato pela linguagem competente, propaga-se o efeito jurídico próprio, instalando-se o liame mediante o qual uma pessoa, sujeito ativo, terá o direito subjetivo de exigir de outra, sujeito passivo, o cumprimento de determinada prestação pecuniária”. (Ibidem., p. 825)

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ocorrência do fato jurídico tributário, e que resulte o nascimento do direito de exigir o

cumprimento de um dever.

Acerca do motivo e motivação para a constituição do lançamento tributário, Maria do

Rosário Esteves afirma:

Motivo não é o mesmo que motivação, embora exista um entrelaçamento lógico entre ambos. A motivação é (...) a descrição dos motivos, que está localizada no antecedente da norma individual e concreta, enquanto que o motivo é o evento que fundamenta a celebração do ato. É, portanto, uma situação objetiva, pressuposto material, que serve de suporte para a prática do ato.302

Ressaltamos, as provas têm o intuito de verificar a ocorrência do fato jurídico, com o

objetivo de demonstrar e provar o fato jurídico suficiente.303 Desse modo, se a motivação do

ato-administrativo de lançamento tributário encontra-se no antecedente da norma individual e

concreta de lançamento tributário, que enseja a instauração da relação jurídica tributária e o

motivo é o evento que fundamenta a celebração do ato, podemos notar que, no âmbito do

direito tributário, o motivo do ato administrativo de lançamento tributário é o evento que

encontra-se descrito hipoteticamente na norma jurídica tributária, que deve ser provado,

mediante as provas admitidas pelo sistema jurídico, enquanto que a motivação é, por

conseguinte, a descrição em linguagem jurídica do evento provado, e que constitui o fato

jurídico tributário.

Ainda, “o motivo do ato-fato (administrativo de lançamento tributário) é o evento e

a motivação, fato-evento (motivação), é a descrição do fato jurídico tributário provado. São

precisas as lições de Eurico de Santi, ao afirmar que o fato-evento ‘no processo de

positivação do direito, é o elo jurídico que liga a norma individual e concreta à regra-matriz

302 ESTEVES, M. do R. A prova do fato jurídico no processo administrativo tributário..., 2005. p. 73. 303 Ibidem., p. 66.

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de incidência tributária, estabelecendo, nessa interação os referenciais de espaço e tempo

imprescindíveis ao controle da legalidade do ato-norma administrativo”.304

O intuito, nesse contexto, é, então, que a autoridade administrativa verifique a

constituição efetiva do fato jurídico tributário, para, se positivo, efetuar a constituição do

crédito tributário através da expedição do lançamento tributário. Somente desse modo deve-se

ocorrer o desencadeamento da causalidade jurídica (imputação), mediante a instauração da

relação jurídica entre a Administração, que detém o direito subjetivo do sujeito ativo de exigir

o cumprimento da prestação de pagar o tributo, e o contribuinte, em virtude da ocorrência do

fato jurídico tributário provado.

O lançamento tributário somente deve ser lavrado, em conformidade à segurança

jurídica e à certeza do direito, caso seja confirmada a constituição do fato jurídico tributário,

mediante a utilização de provas de ocorrência do fato jurídico tributário:

O motivo do ato se verifica pela prova da ocorrência do evento. A motivação deve, necessariamente, por uma coordenação lógica, estar em conformidade com o motivo. Se houver uma dissonância entre ambos – motivo e motivação – o lançamento tributário será passível de invalidação. “A motivação é o antecedente suficiente do conseqüente do ato-norma administrativo”. Nesse sentido, terá que se provado o motivo do ato administrativo de lançamento e, consequentemente, será provada a enunciação do motivo, denominada motivação, que se faz presente no antecedente da norma individual e concreta (ato-norma) de lançamento que instaura a relação jurídica tributária. E mediante o recurso técnico das provas que torna-se factível a decisão da autoridade administrativa de saber se está constituído ou não o fato jurídico tributário, obrigando, se a verificação for positiva, o agente a praticar o lançamento. “’É a ocorrência do motivo do ato que obriga o agente a praticar o lançamento”.305

Ressaltamos, a prova visa, então, demonstrar a ocorrência do fato jurídico tributário, e

logo, o motivo e a motivação para a prática do lançamento tributário. Somente após

evidenciada a prova da efetiva ocorrência do fato jurídico tributário, a lavratura do

lançamento tributário encontra-se autorizada, estabelecendo, assim, a relação jurídica entre a

Administração Pública e o particular.

304 ESTEVES, M. do R. A prova do fato jurídico no processo administrativo tributário..., 2005.p. 74. 305 Ibidem., p. 76.

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Analisando os julgados do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF, é

possível atentarmos para a importância da demonstração dos motivos e motivação que

ensejaram a lavratura do lançamento:

Contribuições Sociais Previdenciárias Período de apuração: 01/02/2003 a 31/07/2003 Ementa: CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. RELATÓRIO FISCAL MOTIVADO. O lançamento foi realizado com base em documentação da própria recorrente, conforme relatório fiscal. O relatório indicou os motivos do lançamento; os fatos geradores estão devidamente descritos bem como a forma para se apurar o quantum devido Os relatórios juntados pela fiscalização favorecem a ampla defesa e o contraditório, possibilitando ao notificado o pleno conhecimento acerca dos motivos que ensejaram o lançamento. Desse modo, não assiste razão à recorrente de que houve omissão na motivação do lançamento.306

Destacamos, também, a título exemplificativo, a posição proferida pela Secretaria de

Estado de Fazenda de Mato Grosso do Sul – Sefaz/MS, acerca do assunto:

EMENTA: – ATO DE IMPOSIÇÃO DE MULTA – DEFICIÊNCIA NA DESCRIÇÃO DA ACUSAÇÃO FISCAL – AUTUAÇÃO INCONSISTENTE – NULIDADE RECONHECIDA. RECURSO VOLUNTÁRIO PROVIDO. REEXAME NECESSÁRIO PREJUDICADO. A descrição clara e exata da acusação fiscal é medida que garante a defesa do contribuinte. A descrição da infração não condizente com conduta tida por infringida, impossibilita o seu perfeito entendimento e causa cerceamento de defesa. A inadequação na motivação, que deve atender ao princípio da tipicidade, leva à nulidade do lançamento tributário. Declarada a nulidade do ato de imposição de multa em decorrência do recurso voluntário o reexame necessário fica prejudicado.307 EMENTA: PROCESSUAL – NULIDADE – ATOS DE LANÇAMENTO E DE IMPOSIÇÃO DE MULTA – MOTIVAÇÃO IMPRECISA – CARACTERIZAÇÃO – DECLARAÇÃO DE OFÍCIO. RECURSO VOLUNTÁRIO PREJUDICADO. É nulo, por vício na motivação, o ato de lançamento em que não se identifica, com precisão e clareza, a matéria tributável, bem como o ato de imposição de multa em que não se identifica, da mesma forma, a respectiva infração.308

306 Terceira Câmara do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, Recurso 259127, Acórdão 2302-001.094, Relator Marco André Ramos Vieira, de 07.06.2011. 307 Sefaz/MS. Acórdão n. 7/2008. Processo n. 11/078351/2005. Recurso Reexame Necessário e Recurso Voluntário n. 13/2007. Interessados: Fazenda Pública Estadual e Neva Com. Import. e Export. Produtos Alimentícios Ltda. Campo Grande-MS. Relator Cons. Marcelo Barbosa Alves Vieira. 308 Sefaz/MS. Acórdão n. 64/2008. Processo n. 11/007009/2006. Recurso Voluntário n. 127/2007. Recorrente: Cerealista Agro Rio Ltda. Rio Brilhante-MS. Recorrida: Fazenda Pública Estadual. Relator Cons. Flávio Nogueira Cavalcanti.

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Nesse contexto, para demonstrar a efetiva ocorrência do fato jurídico tributário, bem

como autorizar a lavratura do lançamento tributário, devem ser identificados os critérios que

compõem a norma individual e concreta para a identificação do fato jurídico, ou seja, os

critérios material, espacial e temporal.

Com efeito, é a Constituição Federal que comporta as normas jurídicas que dispõem

acerca da competência das pessoas políticas para legislar acerca de matéria tributária,

permitindo ao legislador ordinário que crie os respectivos tributos de sua competência.

Nesse sentido, o legislador determina algumas situações hipotéticas abstratas que irão

compor as hipóteses normativas, e que serão hábeis a gerar consequências jurídicas, no

âmbito das normas gerais e abstratas. Ou seja, vindo a ocorrer no mundo empírico os eventos

tipificados nas normas gerais e abstratas, se devidamente amparados por elementos de prova,

somente assim a autoridade competente deve proceder à incidência jurídica dessa norma e

produzir a norma individual e concreta.

No âmbito da percussão tributária, a norma individual e concreta, ou seja, o

lançamento tributário, irá conter no antecedente o respectivo fato jurídico, e irá prescrever no

conseqüente a relação jurídica individualizada entre o praticante do fato imponível e uma

entidade tributante, tendo como objeto uma determinada quantia em dinheiro devido a título

de tributo.

Deve, então, sob a ótica da imposição tributária, a produção da norma individual e

concreta, caracterizada no lançamento tributário, estar pautada e devidamente amparada por

elementos de provas, para se permitir a caracterização do fato jurídico tributário, e logo, a

instauração da relação entre o contribuinte e o Estado e a constituição do crédito tributário.

Leonardo Furtado Loubet e Charles William Mcnaughton são incisivos quanto ao

tema:

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(...) cumpre esclarecer que para que haja produção de normas individuais e concretas a partir das normas gerais e abstratas faz-se necessária a existência de provas que sirvam de suporte ao fato jurídico constituído. Buscando a síntese, a Constituição Federal traça o plexo competencial das pessoas políticas; dentro desse campo, os sujeitos federados irão criar, pela via legislativa, seus respectivos tributos, descrevendo conotativamente os fatos-tipo subsumíveis às hipóteses normativas (descrição in abstracto); ocorrendo no mundo empírico os eventos tipificados nas normas gerais e abstratas, eventos esses devidamente amparados por elementos de prova, a autoridade competente promoverá a incidência dessa norma, produzindo norma individual e concreta, que conterá, no antecedente, o respectivo fato jurídico e prescreverá, no consequente, uma relação jurídica individualizada entre aquele que praticou o fato imponível e a entidade tributante pertinente, tendo por objeto uma determinada quantia em dinheiro a título de tributo. Vale lembrar, outrossim, que esse mesmo raciocínio pode ser aplicado às normas sancionatórias e correspondentes penalidades. Para que o direito atinja seus propósitos é inarredável o manejo desse mecanismo; e para que essa estrutura seja posta em movimento, como se viu, a prova assume um papel importantíssimo, vez que é em decorrência da existência de provas que se revela possível a criação de normas individuais e concretas válidas (...).309

Acerca da relevância de que o fato constituído seja pautado em provas para a lavratura

do lançamento tributário, oportuno se faz a posição do legislador disposta no artigo 9º, caput,

do Decreto Federal n. 70.235/72, que dispõe acerca da necessidade de demonstração do fato

constituído bem como das razões que embasaram a lavratura do lançamento ou da atuação

fiscal, através da descrição dos fatos alegados e mediante a utilização de provas

correspondentes, no momento da lavratura da exigência fiscal.

Preceitua o referido artigo:

Artigo 9. A exigência de crédito tributário, a retificação de prejuízo fiscal e a aplicação de penalidade isolada serão formalizadas em auto de infração ou notificação de lançamento, distintos para cada imposto, contribuição ou penalidade, os quais deverão estar instruídos com todos os termos, depoimentos, laudos e demais elementos de prova indispensáveis à comprovação do ilícito.

Alessandra Dabul tece o seguinte comentário acerca da referida disposição:

(...) não há lançamento válido que não se sustente em fatos efetivamente ocorridos e nos moldes, como pretendido pela Administração Pública. Assim, todo o rol de documentos e demais provas que venham a ser produzidas no curso do

309 LOUBET, L. F.; MCNAUGHTON, C. W.; SALOMÃO, M. V. (org.); PAULO JUNIOR, A. de (org.). A prova na percussão tributária..., 2005. p. 271.

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procedimento de fiscalização são primordiais à sustentação do lançamento válido, desde que, obviamente, constituam espelho da verdade dos fatos.310

Nessa esteira, entendemos, então, que um determinado lançamento tributário somente

será considerado válido se encontrar-se sustentado em fatos que tenham efetivamente

ocorridos, descritos na linguagem competente, e passíveis de demonstração e refutação

mediante produção probatória, por intermédio de apresentação de documentos, entre outras

provas, que tenham sido colhidas no âmbito do procedimento fiscalizatório, exibindo a

concretude de existência de um determinado fato, ao invés de tão meramente supor que tenha

acontecido ou supor que provavelmente a sua materialidade tenha sido efetivada, conferindo,

assim, segurança e certeza.

Desse modo, o lançamento tributário, tal como o auto de infração, para que seja

considerado válido, deve estar amparado em todos os elementos de prova possíveis e

indispensáveis à comprovação da ocorrência do fato jurídico.

A seguir, apresentamos exemplos práticos do exposto acima:

EMENTA: MULTA (ICMS). FALTA DE REGISTRO DE DOCUMENTOS RELATIVOS À ENTRADA – FATO CONSTATADO POR MEIO DO CONFRONTO DAS NOTAS FISCAIS E DOS RELATÓRIOS ANALÍTICOS DOS DOCUMENTOS FISCAIS COM A ESCRITA FISCAL – CONFIGURAÇAO. RECURSO VOLUNTÁRIO DESPROVIDO. A demonstração, mediante o confronto das notas fiscais de aquisição das mercadorias e dos relatórios analíticos de tais documentos com a escrita fiscal, de que o sujeito passivo deixou de registrar, no livro Registro de Entradas, as aquisições por ele realizadas, legitima a exigência fiscal correspondente.311 EMENTA: ICMS – GADO BOVINO – OMISSÃO DE ENTRADAS E DE SAÍDAS – FATOS PRESUMIDOS COM BASE EM RESULTADO DE LEVANTAMENTO FISCAL ESPECÍFICO – DECLARAÇÃO ANUAL DO PRODUTOR RURAL (DAP) - ESTOQUE INICIAL DIFERENTE DO ESTOQUE FINAL RELATIVO AO ANO-BASE IMEDIATAMENTE ANTERIOR – INADMISSIBILIDADE – LEGITIMIDADE DA EXIGÊNCIA FISCAL. REEXAME NECESSÁRIO PROVIDO. Tratando-se de levantamento fiscal efetivado com base nas declarações prestadas na DAP e nos documentos do próprio contribuinte, notas fiscais de entrada e de saída de bovinos, em que não se logrou demonstrar a existência de erro, seu

310 DABUL, A. Da prova no processo administrativo tributário.., 2010. p. 104. 311 Sefaz/MS. Acórdão n. 43/2012. Processo n. 11/021242/2009. Recurso Voluntário n. 163/2009. Recorrente: Fria & Cia Ltda. Coxim-MS. Recorrida: Fazenda Pública Estadual. Relatora Cons. Marilda Rodrigues dos Santos. Publicado no D.O.E. 8.173, em 17.04.2012, pág. 2.

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resultado é de ser tomado como válido e, conseqüentemente, procedente a exigência fiscal nele alicerçada. A simples informação, na Declaração Anual do Produtor Rural (DAP), de estoque inicial diferente do estoque final relativo ao ano-base imediatamente anterior, sem previsão legal, é ineficaz, quando não se comprova por meios inequívocos o suposto erro cometido na DAP.312

Nesse sentido, também é a disposição da Lei do Estado de São Paulo n. 10.941/2001,

que rege o processo administrativo no Estado de São Paulo, que dispõe acerca da

imprescindibilidade de o fato constituído pautar-se em provas, mediante a demonstração dos

motivos que ensejaram o ato administrativo de lançamento, para a expedição da norma

individual e concreta. Vejamos:

Artigo 19 - Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos obtidos de forma lícita, são hábeis para provar a verdade dos fatos controvertidos. Artigo 20 - As provas deverão ser apresentadas juntamente com o auto de infração e com a defesa, salvo por motivo de força maior ou ocorrência de fato superveniente. § 1º - Nas situações excepcionadas no "caput", que devem ser cabalmente demonstradas, será ouvida a parte contrária. § 2º - Proferida decisão de primeira instância, só será admitido o exame de novas provas em fase de recurso, voluntário ou ordinário.

Essa também é a disposição do artigo 27, parágrafo 1º, do mencionado diploma legal:

Artigo 27 - O auto de infração conterá, obrigatoriamente: (...) § 1º - O auto de infração deve ser instruído com documentos, demonstrativos e demais elementos materiais comprobatórios da infração.

Esse mesmo dispositivo estabelece, ainda, acerca da necessidade de demonstração de

motivação do ato administrativo de lançamento tributário, enquanto enunciação do motivo,

em seus incisos III e V:

312 Sefaz/MS. Acórdão n. 103/2008. Processo n. 11/068364/2005. Recurso Reexame Necessário n. 39/2007. Recorrente: Órgão Julgador de 1ª Instância. Recorrido: Edgar Frascino e Outros. Água Clara-MS. Relator Cons. Roberto Tarashigue Oshiro Júnior.

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Artigo 27 - O auto de infração conterá, obrigatoriamente: I – (...); II – (...); III - a descrição do fato gerador da obrigação correspondente e das circunstâncias em que ocorreu; IV – (...); V - a indicação dos dispositivos normativos infringidos e dos relativos às penalidades cabíveis;

Portanto, o lançamento tributário, enquanto ato administrativo apto a constituir o

crédito tributário, deve estar pautado em provas que atestem a veracidade e a ocorrência do

evento que enseja o fato jurídico tributário, pois somente dessa forma é possível formalizar o

suporte fático, bem como o vínculo jurídico tributário que surge a partir da incidência

tributária.

É, assim, o lançamento tributário, o documento fundamental para atestar a exatidão de

um determinado fato jurídico tributário, mediante a utilização das provas admitidas em

Direito, e, sem ele, no contexto do processo administrativo tributário, não há como a

administração tributária efetuar o direito subjetivo que se acha investida, enquanto sujeito

ativo, para exigir o cumprimento da prestação de pagar o tributo.313

Exemplificando, “quando um agente administrativo da Receita Estadual pronuncia a

expressão ‘Dado que ocorreu a operação de circulação de mercadoria, a empresa X deve

pagar o valor de R$ 5.000,00 ao Estado de São Paulo, a título de ICMS’, está realizando um

ato de fala denominado lançamento tributário, que já é a própria ação de constituição do

crédito, prevista na regra-matriz de incidência tributária que institui o tributo e dá ensejo ao

ato-norma individual e concreto que individualiza o crédito tributário”.314 Mas, não basta tão

somente tal afirmação. Ressaltamos novamente, a exação tributária somente deve ser exigida

quando o lançamento tributário realizado pelo agente público estar embasado em provas 313 Devemos ressaltar que a constituição do crédito tributário ocorre somente por ato da Administração Pública, sendo possível, também, ao contribuinte ou responsável tributário expedir a norma individual e concreta com o intuito de constituir o crédito tributário. No entanto, no presente trabalho, não abordaremos a norma individual e concreta expedida pelo sujeito passivo, enquanto contribuinte, com o intuito de constituir o crédito tributário, mediante o denominado “autolançamento”. 314 ESTEVES, M. do R. A prova do fato jurídico no processo administrativo tributário..., 2005. p. 67.

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jurídicas que atestem a ocorrência e constituição do fato jurídico tributário, e, logo, a

constituição do crédito tributário.

Essa atenção exigida para a edição do lançamento tributário é de extrema relevância

com o intuito de efetuar a proteção dos contribuintes contra abusos, bem como contra

eventuais excessos que esse tipo de atividade normalmente suscita, tal como preceituado pela

Constituição Federal.

Com o intuito de referenciarmos a prática do objeto de investigação ora proposto, e

alcançarmos um resultado plausível, iremos considerar como norte temático o planejamento

tributário.

Já afirmamos que na fenomenologia da incidência tributária, os componentes da

hipótese normativa devem compor o possível, não sendo aceito, nesse caso, um fato de

impossível ocorrência ou de necessária realização. Mas, no caso do planejamento tributário, é

possível ao particular fazer uso de caminhos diversos àqueles descritos na hipótese normativa,

com o intuito de realizar uma organização preventiva de negócios, visando uma legítima

economia de tributos, e assim, tornar menos onerosa as atividades realizadas no âmbito

privado.

Mas, nesse contexto, somente por intermédio de ampla produção probatória é que será

possível verificar se as partes realizaram um negócio jurídico válido, e que acarretou na

redução ou na eliminação de carga tributária (elisão fiscal), mediante a observância de

permissivos legais à sua prática, realizando um planejamento tributário eficaz e lícito por

parte dos contribuintes, ou se foi feito o uso de ilicitudes, mediante a utilização de atos

dissimulados, com o intuito de tornar imperceptível a ocorrência de um fato jurídico tributário

(evasão fiscal), tal como no caso da sonegação fiscal.

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Ao efetivar importante estudo acerca do Planejamento Tributário sob a perspectiva do

constructivismo lógico-semântico, Giovani Hermínio Tomé diferencia elisão fiscal da evasão

fiscal da seguinte forma:

Evasão é a conduta omissiva ou ativa do contribuinte que, dotado de má-fé, descumpre, total ou parcialmente, os deveres a ele inerentes na seara tributária. Essa conduta não pode ser atribuída a terceiros, ou seja, tem que ser realizada pelo próprio contribuinte, ou por seu representante, não sendo necessária a comprovação dos motivos ou as causas de tal descumprimento. Porém, detectar se houve ou não dolo na realização da conduta é indispensável para determinar a ocorrência de crime tributário. Elisão é a conduta do contribuinte visando a diminuir o ônus fiscal a ele imposto. É planejamento lícito, não indo de encontro a qualquer dos princípios constitucionais reguladores dos negócios jurídicos tributários, como o da livre concorrência, pois tem o condão de reduzir o impacto fiscal em virtude da prática de fato sujeito a tributação menos onerosa.315

Com o intuito de exemplificarmos mediante casos práticos, vejamos exemplos de

Jurisprudências Administrativas acerca do Planejamento Tributário, em que se faz necessário,

em consonância à adoção do princípio da tipicidade e do princípio da estrita legalidade, a

observância da subsunção do fato à norma, mediante a verificação do cumprimento dos

requisitos formais e materiais para a caracterização do negócio declarado. Tais exemplos

demonstram, também, a análise prática acerca da existência ou da ausência de provas

fundamentando a alegação da autoridade administrativa para que o ato de lançamento seja

considerado válido ou inválido:

Exemplo 1: GANHOS DE CAPITAL DE RESIDENTES OU DOMICILIADOS NO EXTERIOR. Existem duas incidências distintas do imposto de renda: uma sobre ganhos de capital relativos a investimentos em moeda estrangeira, outra sobre ganhos de capital auferidos na alienação de bens e direitos; na primeira espécie, a base de cálculo corresponde à diferença entre os valores em moeda estrangeira, de alienação e de aquisição convertidos para reais pela taxa de câmbio na data de alienação, sendo que o valor de aquisição será o registrado no Banco Central do Brasil. MULTA AGRAVADA.Os elementos de prova de simulação trazidos no auto de infração são os admitidos pela doutrina e não restaram infirmados pela autuada.

315 TOMÉ, G. H. Planejamento Tributário: um estudo pela perspectiva do constructivismo lógico-semântico..., 2011. p. 77.

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219

MULTA AGRAVADA. Nos termos do art. 149, inciso VII, do Código Tributário Nacional, a simulação, a fraude e a sonegação em negócios jurídicos praticados pelo contribuinte, devem ser comprovadas pelas autoridades administrativas, lastreadas com provas incontroversas da existência material do delito, sob pena de se imputar ao contribuinte uma penalidade mais gravosa, sem estar presente a caracterização do delito.” (Ac. 106-13.552) Exemplo2: DESCONSIDERAÇÃO DO ATO JURÍDICO. Não basta a simples suspeita de fraude, conluio ou simulação para que o negócio jurídico realizado seja desconsiderado pela autoridade administrativa, mister se faz provar que o ato negocial praticado deu-se em direção contrária à norma legal, com o intuito doloso de excluir ou modificar as características essenciais do fato gerador (...). SIMULAÇÃO. Configura-se como simulação o comportamento do contribuinte em que se detecta uma inadequação ou inequivalência entre a forma jurídica sob a qual o negócio se apresenta e a substância ou natureza do fato gerador efetivamente realizado, ou seja, dá-se pela discrepância entre a vontade querida pelo agente e o ato por ele praticado para exteriorização dessa vontade. NEGÓCIO JURÍDICO INDIRETO. Configura-se negócio jurídico indireto quando um contribuinte se utiliza de um determinado negócio, típico ou atípico, para obtenção de uma finalidade diversa daquela que constitui a sua própria causa (...). Exemplo3: IRPJ – ERRO DE IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO PASSIVO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA – O erro de identificação do sujeito passivo representa vício insanável, quanto à existência do Ato Administrativo de Lançamento.” (Ac. 101-95.018) Exemplo 4: IRPJ/CSLL - PARTICIPAÇÕES DE DEBÊNTURES - DEDUTIBILIDADE - ANOS-CALENDÁRIO DE 1998 E 1999 - Não estando provado nos autos que o negócio jurídico foi simulado ou engendrado com fraude à lei e, principalmente, não restando claro que os recursos ingressados na sociedade pertenciam aos sócios, as participações de debêntures, regularmente registradas e emitidas, reduzem o lucro líquido do exercício, por expressa previsão legal. Sendo capital financeiro, a remuneração das debêntures participativas não gozam do status de lucro distribuídos a que se refere o art. 10 da Lei nº 9.249/95. (Ac. 107-08.029) Exemplo5: IOF. ABUSO DE FORMA. Se a entidade financeira concede empréstimo, representado por Cédula de Crédito Comercial, a concessionárias de veículos, mas de fato o que houve foi financiamento para compra de veículo por pessoa física, resta caracterizado o abuso de forma com o fito de pagar menos tributo. Provado o abuso, deve o Fisco desqualificar o negócio jurídico original, exclusivamente para efeitos fiscais, requalificando-o segundo a descrição normativo-tributária pertinente à situação que foi encoberta pelo desnaturamento da função objetiva do ato. (Ac. 202-15.765) Exemplo 6: IOF. OPERAÇÃO DE CRÉDITO. Mesmo diante de negócio jurídico indireto, que utiliza um tipo contratual para alcançar os efeitos práticos de um tipo diverso, o conjunto probatório dos autos permite o convencimento do julgador no sentido de que o mutuário da operação de crédito, a que se refere a norma, é a pessoa física. Aplicação do Ato Declaratório nº 03/98. Cabível a exigência do imposto que deixou de ser recolhido pela instituição financeira, em razão da interpretação equivocada da norma.” (Ac. 202-13.072).316

316 Jurisprudências Administrativas citadas na apresentação da palestra proferida pelo Dr. Mario Franco, sob o tema “Planejamento Tributário”, em 28 de março de 2006.

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Em se tratando do planejamento tributário, somente há a sua caracterização quando há

a semelhança entre o negócio jurídico declarado e o negócio efetivamente praticado, sendo

que, se houver divergências, incorre na caracterização da evasão fiscal. Sendo assim, somente

é possível analisarmos se as partes efetivamente realizaram um negócio válido, que incorreu

na redução ou na eliminação da carga tributária, e logo, em um planejamento fiscal lícito

oriundo de um ato jurídico válido ou se foi feito o uso de ilicitudes, por intermédios de atos

dissimulados para tornar imperceptível a verificação de ocorrência de um determinado fato

jurídico tributário (dissimulação) mediante a realização de ampla atividade probatória.

Nesse sentido, deve a Administração Pública fazer uso de procedimentos

fiscalizatórios e probatórios com o intuito de configurar os fatos jurídicos tributários,

notadamente quanto à prova da simulação e da dissimulação, tendo em vista que será por

intermédio da linguagem jurídica empregada pelo agente que o pratica que será possível a

caracterização, ou não, de um fato jurídico tributário.

E, ainda, o fundamento constitucional do planejamento tributário lícito (evasão fiscal)

é justamente o princípio da tipicidade e da legalidade, de modo que se os fatos praticados pelo

particular, nesse contexto, não enquadram-se nos moldes da norma jurídica tributária apta a

ensejar a constituição do fato jurídico tributário, logo, não gera efeitos tributários. Ou seja,

tendo o contribuinte praticado um determinado fato que não é previsto em hipótese de

incidência tributária, em conformidade aos princípios constitucionais, e a tudo o que foi

exposto anteriormente, não há que se falar na possibilidade de exigência de um tributo, pois

não há fato subsumindo-se à hipótese normativa.

Sendo assim, o planejamento tributário lícito é realizado quando o contribuinte efetiva,

mediante a observância da legislação fiscal pertinente, determinados atos com o fim de

reduzir a sua carga tributária, mas, não há a ocorrência de incidência jurídica pois o ato

praticado é diverso daquele previsto na regra-matriz de incidência tributária. De outro modo,

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na elisão fiscal, mediante a prática de atos simulatórios, há o descumprimento direto das

normas tributárias, caracterizando a sua ilicitude e ensejando o enquadramento aos critérios da

norma tributária. Mas, ressaltamos, na ausência de qualquer dos elementos da estrutura

negocial do ato ilícito, conseqüentemente, inexistirá o negócio jurídico, e logo não permitirá a

subsunção do fato à hipótese normativa, nem mesmo a realização do lançamento tributário.

Coadunamos, assim com o posicionamento de Giovani Hermínio Tomé acerca do

planejamento tributário e que vai e encontro às premissas firmadas no presente trabalho.

Vejamos:

A legislação complementar inovou ao conferir às pessoas políticas de direito público competência para a criação de lei ordinária que contemple o procedimento a ser adotado para desconsiderar os atos jurídicos dissimulados. Porém, ao nosso ver, o sistema jurídico brasileiro, especialmente a Constituição da República já prescrevia sobre a possibilidade de desconsiderar atos ou negócios, quando demonstrado categoricamente que o fato efetivamente praticado não corresponde àquele informado pelo contribuinte. Não o bastasse isso, a legislação em tela prescreveu a necessidade de se observar todo o procedimento previsto em lei ordinária para realizar o controle acerca da legalidade dos atos desconstitutivos era, basicamente, princípios constitucionais e regras gerais que versassem sobre o procedimento fiscalizatório. Acreditamos não haver que se falar em inconstitucionalidade na desconsideração dos atos jurídicos geradores de evasão fiscal. Assim, fazer uso de procedimentos fiscalizatórios e probatórios para configurar fatos jurídicos tributários, para permitir o disciplinamento das consequências jurídicas oriundas da realização, por parte dos contribuintes, de atos jurídicos dissimulados é plenamente compatível com as regras jurídicas de superior hierarquia.317

A ampla produção probatória será fundamental nessas hipóteses, tal como a análise de

falsificação de registros, livros, documentos, dados, operações, balanços, despesas, receitas,

entre outros, de modo a ensejar, ou não, a convicção acerca da existência ou inexistência do

fato descritor do evento fenomenicamente previsto pela regra-matriz de incidência tributária.

Logo, “é mediante a prática de atos dissimulados, com a finalidade de disfarçar, ocultar,

fraudar a ocorrência do fato jurídico tributário, tem-se ilicitude, autorizando a

317 TOMÉ, G. H. Planejamento Tributário: um estudo pela perspectiva do constructivismo lógico-semântico..., 2011. p. 80.

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desconsideração do negócio simulado para fins de fazer recair a incidência sobre o fato que

se pretendeu ocultar”.318

Assim, não restará caracterizado o planejamento tributário quando o negócio jurídico

declarado divergir do negócio efetivamente praticado, de modo que restará caracterizada a

evasão fiscal, cabendo à autoridade administrativa, mediante a utilização de farta produção

probatória e baseada na linguagem das provas, desconsiderar o mascaramento realizado pelo

particular.

Para se demonstrar a efetiva ocorrência do fato jurídico tributário, devem ser

identificados os critérios que compõem a norma individual e concreta para a identificação do

fato jurídico, ou seja, os critérios material, espacial e temporal, pois, para fins de aplicação

direito, deve incorrer na efetiva correlação entre o negócio jurídico que foi previsto pelo

legislador, mediante critérios expostos na hipótese de incidência, e o negócio jurídico

concretizado pelo particular e, somente de tal modo incorrerá na subsunção.319

Portanto, atentamos para a relevância que as provas assumem no contexto do processo

de positivação do Direito, pois, somente mediante a presença de provas jurídicas, o direito

consegue atingir a sua finalidade, ou seja, regular as condutas subjetivas. E, mais

especificamente, no âmbito do direito tributário, as provas assumem fundamental relevância

pois, somente através delas é que permite a ocorrência da subsunção do fato previsto na

norma geral e abstrata, constituindo o fato jurídico tributário, bem como a expedição da

norma individual e concreta e a lavratura válida do lançamento tributário.

318 TOMÉ, G. H. Planejamento Tributário: um estudo pela perspectiva do constructivismo lógico-semântico..., 2011. p. 81. 319 Confira-se ainda: “Por isso, a incidência tributária ocorrerá, ou não, em virtude dos atos praticados pelos contribuintes, a partir da subsunção deles à norma. Assim, uma elisão tributária eficaz é aquela que resulta do não enquadramento dos fatos realizados pelo particular às hipotéticas previsões normativas. Ou seja, não há que se falar em ilegalidade nas hipóteses em que o particular, no pleno gozo de sua liberdade de escolha, opte por realizar condutas que desencadeiem incidências tributárias menos gravosas ou que sequer acarretem incidência. Por outro lado, também não existe ilegalidade se o particular concretizar fatos passíveis de subsunção normativa, terminando por desencadear ônus de maior monta. Em suma, é lícita ao particular a escolha por qual dos caminhos, previstos ou não vedados em lei, ele prefere seguir para a realização de seus negócios jurídicos. Feita a opção e concretizado o negócio eleito, a aplicação normativa há de considerar a definição e os caracteres de tal fato para fins de percussão de efeitos tributários”. (Ibidem., p. 142)

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8.3 A teoria das provas na constituição e no reconhecimento do fato jurídico tributário

Conforme visto anteriormente, para o surgimento concreto da relação abstrata prevista

na norma geral e tributária que institui o tributo, se perfaz necessário que ocorra a

materialização do fato jurídico tributário, mediante o relato no antecedente de uma norma

individual e concreta, através do ato de lançamento.

No entanto, a enunciação do fato jurídico relatado no antecedente da norma individual

e concreta, bem como o nascimento da obrigação tributária, deve ocorrer somente se for

efetivamente verificada a ocorrência do fato descrito conotativamente no antecedente da

regra-matriz de incidência, mediante as provas em Direito admitidas.

Nesse contexto, para se demonstrar a efetiva ocorrência do fato jurídico tributário,

devem ser identificados os critérios que compõem a norma individual e concreta para a

identificação do fato jurídico, ou seja, os critérios material, espacial e temporal.

Tal como leciona o emérito professor Paulo de Barros Carvalho, “para que se

configure o fato jurídico tributário, a ocorrência da vida real tem de satisfazer a todos os

critérios identificadores tipificados na hipótese. Que apenas um não se verifique, e a

dinâmica que descrevemos ficará inteiramente comprometida”.320

É nesse ínterim que situa-se a imprescindibilidade da teoria das provas para a

constituição e o reconhecimento do fato jurídico tributário, e, logo, do lançamento tributário.

Nesse sentido, ensina Fabiana Del Padre Tomé:

(...) a norma individual e concreta que constitui o fato jurídico tributário e a correspondente obrigação deve trazer, no antecedente, o fato tipificado pela norma geral e abstrata, com as respectivas coordenadas temporais e espaciais, indicando no consequente, o fato da base de cálculo, que, juntamente com a alíquota, especificam o quantum devido, bem como os sujeitos integrantes do vínculo obrigacional. E, para que a identificação desses fatos seja efetuada em conformidade com as prescrições do sistema jurídico, deve pautar-se na linguagem das provas. É por meio das provas que se certifica a ocorrência do fato e seu

320 CARVALHO, P. de B. A prova no procedimento administrativo tributário...,1998. pp. 111.

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perfeito quadramento aos traços tipificadores veiculados pela norma geral e abstrata, permitindo falar em subsunção do fato à norma e em implicação entre antecedente e conseqüente, operações lógicas que caracterizam o fenômeno da incidência normativa. Podemos dizer, em síntese que a linguagem das provas é da ordem da aplicação do direito.321

Não basta a mera ocorrência, no mundo concreto, real, do fato que encontra-se

descrito hipoteticamente no antecedente da regra-matriz de incidência tributária. Por tudo o

que foi exposto no presente trabalho, faz-se necessário que a ocorrência do evento descrito no

fato seja demonstrada por intermédio de recursos estabelecidos no próprio sistema jurídico,

pois, somente dessa forma pode se concretizar o desencadeamento do conseqüente normativo,

bem como a instauração da correspondente relação jurídica tributária.

Os recursos estabelecidos pelo sistema para a demonstração efetiva do evento descrito

no fato são as provas jurídicas. Tanto é assim que Fabiana Del Padre Tome afirma que “prova

é a linguagem escolhida pelo direito que vai não apenas dizer que um evento ocorreu, mas

atuar na própria construção do fato jurídico”.322

Exemplificando, no caso do ICMS, em que as normas individuais e concretas

enunciadoras da ocorrência do fato e instituidoras da relação jurídica obrigacional são, em

regra, expedidas pelo sujeito passivo de acordo com as prescrições legais, tem-se que, se o

agente administrativo proceder a uma fiscalização e entender que o sujeito passivo deixou de

apresentar e expedir todas as normas individuais e concretas concernente aos fatos jurídicos

tributários ocorridos e, em conseqüência, tenha deixado de pagar os tributos devidos, e,

portanto, resolver expedir uma norma individual e concreta relativa a esses fatos que

deixaram de ser relatados pelo contribuinte, não poderá tão–somente expedir essa norma

individual e concreta, mas, em consonância a tudo que afirmamos anteriormente, deverá

321 TOME, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 31. 322 TOME, F. D. P.; SANTI, E. M. D. (coord.) A prova no processo administrativo fiscal.., 2005. p. 565.

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apresentar as provas que o levaram a esta conclusão, indicar tais provas em seu relato e anexá-

las ao mesmo.323

Ressaltamos, o fato jurídico tributário deve, necessariamente ser constituído por

intermédio da linguagem jurídica das provas. Mas, não basta a mera alegação de ocorrência

do fato e expedição da norma individual e concreta, sendo também necessário que as provas

que embasam tal conclusão sejam indicadas, apresentadas e anexadas ao lançamento

tributário lavrado.

Por isso, nota-se a imprescindibilidade das provas para a constituição do fato

jurídico tributário, pois, “sem ela não existe fundamento para a aplicação normativa e

conseqüente constituição do fato jurídico tributário e do respectivo laço obrigacional”.324 É

nesse sentido, que afirmamos a extrema relevância das provas nesse contexto.

O mero evento, sem que se encontre enunciado em linguagem competente, não tem o

condão de constituir a realidade, e nem mesmo o fato. O mero evento não tem a aptidão de

provar nada, mas sim, somente o homem, mediante relatos em linguagem competente e com a

realização da interpretação, pode provar os fatos, pois somente constituído o evento em

linguagem competente é que se é enunciado o que declara ter ocorrido, bem como constitui a

facticidade jurídica.

É na fase do procedimento administrativo tributário, anterior à fase litigiosa, que deve

o agente competente, mediante a realização de atos de fiscalização, colher as provas que

atestem a existência do evento tributário, bem como que permitam a constituição do fato

jurídico tributário, iniciando a fase do procedimento administrativo.

Nesse contexto, o agente competente, na realização do ato de fiscalização, deve

analisar provas que, enquanto linguagem, demonstrem a ocorrência de determinado evento.

Em conformidade à ampla permissão disposta pelo artigo 145, parágrafo 1º, da Constituição

323 HOFFMANN, S. G. Teoria da prova no direito tributário..., 1999. pp. 158-159 324 TOME, F. D. P. A prova no Direito Tributário.., 2005. p. 33.

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Federal, bem como em conformidade ao artigo 195, do Código Tributário Nacional, é

permitido ao agente competente analisar declarações dos contribuintes, notas fiscais, livros

contábeis, entre outros diversos documentos, já que, somente será objeto do direito o evento

que encontrar-se convertido em linguagem. No entanto, desde que sejam provas produzidas

forma lícitas.

Nesse sentido, concordamos com a preciosa lição exposta por Maria do Rosário

Esteves que, ao discorrer acerca da imprescindibilidade da teoria das provas para a

constituição do fato jurídico tributário, afirma:

A teoria das provas é imprescindível para o reconhecimento dos fatos jurídicos, mais especificamente, dos fatos jurídicos tributários. Não basta que ocorra, no mundo em concreto, o fato descrito hipoteticamente no antecedente da regra-atriz de incidência tributária. Para o desencadeamento do conseqüente normativo, e a correspondente instauração da relação jurídica tributária, a ocorrência do evento descrito no fato deve ser demonstrada por meio dos recursos estabelecidos pelo próprio sistema, ou seja, mediante a utilização das provas. Em outros termos, o fato jurídico tributário tem que ser constituído pela linguagem jurídica das provas.325

Temos, então, que as provas são imprescindíveis à sustentação de normas

individuais e concretas por parte da Administração Pública a partir de elementos colhidos em

procedimentos fiscalizatórios, bem como o suporte necessário e apto à constituição do fato

jurídico, pois se perfaz como um elemento indispensável ao processamento comunicacional

do direito.

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF já manifestou esse

entendimento:

IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA FÍSICA IRPF Exercício: 2000AUTUAÇÃO. DADOS NA ADMINISTRAÇÃO FISCAL SUFICIENTES PARA CONCRETIZAR O LANÇAMENTO. DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DO SUJEITO PASSIVO DO INÍCIO DO PROCEDIMENTO FISCAL, COMO MEDIDA PREPARATÓRIA AO LANÇAMENTO. Desde que a autoridade fiscal tenha todos os dados para concretizar o procedimento fiscal, não há qualquer nulidade em autuar diretamente o contribuinte, sem qualquer termo de

325 ESTEVES, M. do R. A prova do fato jurídico no processo administrativo tributário..., 2005. p. 60.

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início da ação fiscal. Esse entendimento encontra-se pacificado no âmbito do contencioso administrativo fiscal, cristalizado com a publicação do verbete CARF nº 46: O lançamento de ofício pode ser realizado sem prévia intimação ao sujeito passivo, nos casos em que o Fisco dispuser de elementos suficientes à constituição do crédito tributário.326

De modo mais específico, no campo do direito tributário, o intuito das provas é

servir de veículo para que o mero evento ocorrido no mundo concreto seja constituído como

fato jurídico tributário, já que, conforme atestamos acima, o fato jurídico tributário deve ser

constituído pela linguagem jurídica das provas.

Desse modo, “faz-se necessário um ato humano que produza a linguagem jurídica,

a fim de que seja disparado o vínculo implicacional entre os fatos sociais e o fato jurídico

tributário. Dado que ocorreram os FATOS F1, F2 E F3 então (constitui-se o vínculo

implicacional) dá-se por ocorrido F (o fato jurídico tributário). Formalizando:

(F1,F2,F3)→F”.327

Desse modo, a previsão hipotética descrita no antecedente da norma geral e abstrata

da regra-matriz de incidência tributária é comprovada, e, posteriormente, com o relato jurídico

próprio, através do ato de lançamento tributário, é possível constituir o fato jurídico tributário.

Firmadas tais premissas, é o lançamento tributário, enquanto ato administrativo

expedido pela Administração Pública com o intuito de constituir o crédito tributário, a norma

individual e concreta apta a constituir o fato jurídico tributário, e, para tanto, possui em seu

antecedente o relato da ocorrência do evento, mediante a linguagem admitida pelo direito por

intermédio da teoria das provas, transformando-o em fato jurídico tributário, e, em seu

conseqüente, prevê a relação jurídica que será desencadeada entre o sujeito ativo que detém o

direito de exigir o cumprimento do dever de cumprimento de uma prestação do sujeito

passivo.

326 Primeira Câmara do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, segunda turma, Recurso 171721, Acórdão 2102-001.093, Relator Giovanni Christian Nunes Campos, de 11.02.2011. 327 ESTEVES, M. do R. A prova do fato jurídico no processo administrativo tributário..., 2005. p. 79.

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Cabe lembrarmos que a relação jurídica nesse contexto, ou obrigação tributária,

enquanto vínculo abstrato que une as pessoas, instaura-se no momento em que aparece a

linguagem competente relatando o evento descrito pelo legislador.

Ressaltamos, para que o fato jurídico tributário tenha a sua ocorrência efetiva

relatada e seja devidamente constituído, faz-se necessária a utilização da teoria das provas

para comprovar e atestar a ocorrência do evento descrito nos critérios material, temporal e

espacial da regra-matriz de incidência tributária, pois, somente desse modo caracteriza-se o

dever de exigir o crédito tributário constituído pelo lançamento tributário, bem como há a

caracterização da causalidade jurídica.

Concordamos com Fabiana Del Padre Tomé, ao afirmar que “se faz imprescindível

que tanto os atos de lançamento e de aplicação de penalidades como as decisões proferidas

no curso de processos administrativos tributários sejam pautados em provas”.328

Firmadas essas premissas, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF,

em recente decisão, manifestou-se acerca da necessidade de que o lançamento tributário, ao

ser lavrado, descreva de forma detalhada, clara e precisa acerca das informações que o

embasam, bem como que sejam apresentadas as provas que lhe dão amparo jurídico.

Vejamos:

CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS PREVIDENCIÁRIAS Período de apuração: 01/03/2002 a 31/05/2005 CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. CERCEAMENTO DE DEFESA. RELATÓRIO FISCAL, INEXISTÊNCIA. Não incorre em cerceamento do direito de defesa o lançamento tributário cujos relatórios típicos, incluindo o Relatório Fiscal e seus anexos, descreverem de forma clara, discriminada e detalhada a natureza e origem de todos os fatos geradores lançados, suas bases de cálculo, alíquotas aplicadas, montantes devidos, as deduções e créditos considerados em favor do contribuinte, assim como, os fundamentos legais que lhe dão amparo jurídico, permitindo dessarte a perfeita identificação dos tributos lançados na notificação fiscal.329

328 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 286. 329 Terceira Câmara do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, Recurso 501722, Acórdão 2302-001.162, Relator Arlindo da Costa e Silva, de 27.07.2011. Nesse mesmo sentido: “PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL Ano-calendário: 2003,2004.NULIDADES DA AUTUAÇÃO.Não se verifica nulidade do procedimento fiscal, tampouco resta caracterizado cerceamento do direito de defesa, quando se encontra acostada aos autos farta documentação produzida pelo Fisco comprovando a prática do ilícito tributário, sobre a qual o sujeito

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Nesse mesmo sentido, o Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo

afirma a necessidade da prova do fato jurídico tributário para que seja realizada a expedição

do lançamento tributário, veiculado no auto de infração:

PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO. NULIDADE. CERCEAMEN- TO DE DEFESA. I - A via do Auto de Infração e Imposição de Multa que é entregue ao contribuinte deve estar acompanhada de cópias dos documentos apreendidos pela Fiscalização e que serviram para embasar sua acusação. A inobservância desse preceito dá origem a cerceamento de defesa. II – Recurso provido. Recurso de contribuinte. III – Decisão unânime.330

Oportuno destacarmos a conclusão de Fabiana Del Padre Tomé, que, ao discorrer

acerca da importância das provas no âmbito da imposição tributária, afirma:

Observa-se a importância capital que apresenta a prova no ordenamento jurídico, inclusive no âmbito da tributação: ao constituir a obrigação tributária e aplicar sanções nessa esfera do direito, não basta a observância às regras formais que disciplinam a emissão de tais atos; a materialidade deve estar demonstrada, mediante a produção de prova da existência do fato sobre o qual se fundam as normas constituidoras das relações jurídicas tributárias.331

Adotando esse raciocínio, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF

confirma a importância da fiscalização embasar o lançamento tributário com provas que

demonstram a materialidade do fato:

PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCALAno-calendário: 2001. OMISSÃO DE RECEITAS. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. Cumpre a Fiscalização Instruir o

passivo teve a oportunidade de se manifestar e apresentar suas contraprovas, durante o procedimento fiscal e após a instauração do contencioso administrativo.NULIDADE DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA.A validação, pela autoridade julgadora a quo, dos elementos de prova angariados pela fiscalização e, como conseqüência, das próprias exigências formalizadas faz parte do campo do livre convencimento do julgador e, como tais, não podem ser motivo para anulação de decisão.Tendo sido a decisão da autoridade julgadora de 1a. Instância proferida com observância dos pressupostos legais e não havendo prova da violação das disposições contidas no artigo 59 do Decreto no. 70.235, de 1972, não há que se falar em nulidade da decisão” (Terceira Turma Especial do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais , Recurso 174227, Acórdão 1801-000.535, Relatora Maria de Lourdes Ramirez, de 30.03.2011.) 330 Processo DRT – 12-3573/93 – Pedido de Revisão – Câmaras Reunidas – Rel. Juíza Antonia Emilia Pires Sacarrão – j. 24/4/2001. 331 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 30.

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processo com provas da efetivas da infração atribuída ao contribuinte. O fato de constar em registros aprendidos junto a terceiros que o contribuinte seria responsável por remessas de recursos ao exterior, à margem de sua contabilidade, não autoriza, por si só, a conclusão de que os pagamentos ou remessas tenham sido realizados pela autuada.Recurso Provido.Vistos, relatados e discutidos os presentes autos.332)

Desse modo, é imprescindível que a constituição do fato jurídico, e, mais

especificamente, do fato jurídico tributário, enquanto o enunciado protocolar que atende aos

critérios descritos na hipótese da regra-matriz de incidência tributária se dê mediante a

presença de provas em direito admitidas. Somente se encontrarem presentes as provas em

direito admitidas é que se pode afirmar a ocorrência do fato jurídico tributário, bem como

atestar a sua veracidade, em conformidade à verdade lógica.333

A ocorrência fenomênica do evento descrito no fato somente existirá juridicamente

caso seja suficientemente provada, pois, “são as provas jurídicas, e tão-somente elas, que

propiciam o conhecimento dos acontecimentos relevantes para o mundo jurídico”.334

Cabe destacarmos, também, que, em conformidade ao princípio do devido processo

legal, a prova apta a embasar a constituição do fato jurídico, e, mais especificamente, do fato

jurídico tributário, é a prova obtida de modo lícito.

É o que esclarece Susy Gomes Hoffmann:

A Justiça jurídica ocorrerá quando forem atendidos os princípios de nossa ordem. Essa justiça poderá, por sua vez, traduzir uma sensação de injustiça social, se adotar esse segundo sentido de justiça como o sentimento de uma sociedade e que não está, necessariamente, atrelado aos ditames da ordem jurídica. Assim, por exemplo, quando uma pessoa deixa de ser condenada porque a única prova de sua conduta criminosa foi obtida por meio ilícito, traduz-se, socialmente, a sensação de injustiça: um criminoso não foi preso. Porém, nos valores da ordem jurídica, a licitude da prova é requisito do princípio do devido processo legal. Portanto, pela ótica jurídica, houve justiça, e pela ótica social, a conclusão pode ser diversa.

332 Quarta Câmara do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, Recurso 161378, Acórdão 1402-000.546, Relator Antonio José Praga de Souza, de 25.05.2011. 333 Sobre esse assunto, precisa é a conclusão de Fabiana Del Padre Tomé, ao expor que “ Provado o fato, tem-se o reconhecimento de sua veracidade. Somente se, questionado ou não, o enunciado pautar-se nas provas em direito admitidas o fato é juridicamente verdadeiro (verdade lógica)”. (TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 35) 334 FERRAGUT, M. R. Presunções no Direito Tributário..., 2005. p. 82.

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231

Não é demais destacarmos, então, que, sendo de extrema relevância a observância

das provas para a constituição do fato jurídico tributário, deve tal prova ser obtida por meios

lícitos para ser apta a servir como suporte para a caracterização do fato jurídico tributário.

Já demonstramos, acima, os argumentos favoráveis a tal imprescindibilidade, de

modo que os pressupostos para a incidência e materialização do fato jurídico devem ser

relatados “de maneira transparente e cristalina, revestido com os meios de prova admissíveis

nesse setor do direito, para que possa prevalecer surtindo os efeitos de estilo, quais sejam os

de constituir o vínculo obrigacional, atrelando o particular ao Fisco, em termos da satisfação

do objeto prestacional”.335

O professor Paulo de Barros Carvalho conclui ainda que “na própria configuração

oficial do lançamento, a lei institui a necessidade de que o ato jurídico administrativo seja

devidamente fundamentado, o que significa dizer que o fisco tem que oferecer prova

concludente de que o evento ocorreu na estrita conformidade da previsão genérica da

hipótese normativa”.336

Essa linha de pensamento é corroborada por diversos estudiosos, tais como Fabiana

Del Padre Tomé, Paulo César Bonilha, Eurico Marcos Diniz de Santi, Maria Rita Ferragut,

Aurora Tomazini de Carvalho, Susy Gomes Hoffmann, Leonardo Furtado Loubet, entre

diversos outros.

8.4 Os deveres instrumentais como meio de constituição de prova de fatos jurídicos

tributários

Com o intuito de disponibilizar ao Fisco instrumentos que assegurem e facilitem a

verificação, bem como a demonstração dos fatos jurídicos tributários, a legislação tributária

335 CARVALHO, P. de B. A prova no procedimento administrativo tributário..., 1998. p. 108. 336 Ibidem., pp. 107-108.

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exige dos administrados o cumprimento de alguns deveres instrumentais, sendo que a maioria

das provas que constituirão os fatos jurídicos tributários advém do cumprimento de tais

instrumentos.

Oportuno destacarmos a lição de Maria do Rosário Esteves acerca do assunto:

Os deveres instrumentais estão previstos em normas jurídicas gerais e abstratas com a mesma estrutura normativa das normas que prescrevem a obrigação de pagar um tributo. Consistem em deveres de fazer ou não-fazer, por exemplo prestar declarações, preencher formulários, emitir notas fiscais, escriturar livros, etc. Porém, se cumpridos no mundo em concreto pelos seus destinatários, extingue-se a relação jurídica prevista.337

Portanto, os deveres instrumentais constituem-se instrumentos aptos a permitir a

constituição de provas de fatos jurídicos tributários, manifestados em forma de linguagem, e

caracterizarão como verdadeiras provas documentais, já que o registro de tais deveres são

mantidos ou transmitidos por intermédio de documentos na forma escrita.

No entanto, caso o contribuinte deixe de cumprir os deveres instrumentais,

inviabilizando a quantificação do fato jurídico tributário que ele praticou, deve a autoridade

administrativa mensurá-lo por intermédio da medida excepcional denominada arbitramento.338

8.5 Ônus da prova em matéria fiscal

Devido à presunção de legitimidade dos atos administrativos, o ônus da prova, em

matéria fiscal, é incumbência do Fisco, que deve provar as ocorrências que afirma terem

existido.

337 ESTEVES, M. do R. Os meios de prova no processo administrativo tributário..., 2005. p. 147. 338 Nesse sentido, Fabiana Del Padre Tomé elenca as hipóteses em que será cabível o arbitramento:”(i) o contribuinte tenha deixado de prestar declarações ou esclarecimentos, não tenha expedido os documentos a que esteja obrigado, ou quando, não obstante tenha realizado declarações ou esclarecimentos e expedidos os documentos exigidos em lei, estes não mereçam fé; e (ii) tal inobservância ao dever de colaboração do contribuinte implique total impossibilidade de mensuração do fato jurídico tributário. Por isso, nas hipóteses de arbitramento, a produção probatória pela Administração é indeclinável, sendo necessária a demonstração do preenchimento dos mencionados requisitos”. (TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 328)

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Acerca do ônus probatório, Paulo César Bonilha ensina:

O vocábulo ônus provém do latim (ônus) e conserva o significado de fardo, carga, peso, ou imposição. Nessa acepção, o ônus de provar (ônus probandi) consiste na necessidade de prover os elementos probatórios suficientes para a formação do convencimento da autoridade julgadora. Bem se vê que a idéia de ônus da prova não significa a de obrigação, no sentido da existência de dever jurídico de provar. Trata-se da necessidade ou risco de prova, sem a qual não é possível obter êxito na causa.339

A legislação fiscal, na configuração do lançamento tributário, exige que o ato jurídico

administrativo seja devidamente fundamentado, cabendo ao Fisco o dever de oferecer provas

contundentes de que o evento ocorreu na estrita conformidade da previsão genérica da

hipótese normativa. Nesse sentido, a prova no procedimento administrativo torna sustentável

o fato constituído pelo lançamento tributário.

Coadunamos, assim, com a lição do professor Paulo de Barros Carvalho:

Vê-se, no fundo, que é função precípua do Estado-Administração, empregar a linguagem jurídica competente na produção dos atos de gestão tributária. O pressuposto de fato da incidência há que ser relatado de maneira transparente e cristalina, revestido com os meios de prova admissíveis nesse setor do direito, para que possam prevalecer, surtindo os efeitos de estilo, quais sejam o de constituir o vínculo obrigacional, atrelando o particular ao Fisco, em termo da satisfação do objeto prestacional.340

Esse também é o entendimento do antigo 1º Conselho de Contribuintes, hoje

denominado Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF, que manifestou-se da

seguinte forma no julgado abaixo:

Processo Administrativo Tributário. Ônus da prova. Compete ao Fisco, como regra geral, comprovar a ocorrência do fato gerador tributário.341

339 BONILHA, P. C. Da prova no processo administrativo tributário..., 1997. p. 72. 340 CARVALHO, P. de B. A prova no procedimento administrativo tributário..., 1998. p. 108. 341 Acórdão 103.21-878, j. 25.2.2005.

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Portanto, sendo o lançamento tributário vinculado e obrigatório, que enseja a

responsabilidade funcional da autoridade administrativa caso não seja adequadamente

formalizado, e, conformidade à disposição do artigo 142, caput e parágrafo 1º, deve a

autoridade administrativa produzir o lançamento tributário de forma zelosa, bem como em

conformidade com a lei. E, ainda, como depende a sua existência do suporte em provas, a

autoridade administrativa possui verdadeiro dever de provar, e não ônus.

Exemplificando, vejamos a posição do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais

- CARF, que manifestou-se da seguinte forma no julgado abaixo:

EMENTA: IMPOSTO SOBRE A IMPORTAÇÃO II Data do fato gerador: 31/12/2007 LANÇAMENTO. ÔNUS DA PROVA. Na relação jurídico tributária o ônus probandi incumbi ei qui decit (a quem afirma). Cabe ao Fisco provar a ocorrência do fato jurídico tributário imputado ao contribuinte. À mingua de prova de sua ocorrência, não há como prosperar a exigência tributária. No caso, a multa regulamentar. Recurso de Ofício Negado.342

Posteriormente, caso o sujeito passivo venha a contestar a fundamentação daquele ato

lavrado pelo Fisco, mediante a apresentação de Impugnação, novamente a Fazenda Pública

detém o ônus de provar a improcedência da impugnação do contribuinte, de modo a fazer

remanescer a exigência.

E, ainda, mesmo que esteja diante de hipóteses presuntivas, a Administração Pública

continua sendo detentora de produzir provas, sendo que, se tratar de presunção legal relativa,

deve demonstrar a ocorrência do fato que desencadeia a relação inferencial presuntiva, e em

se tratando de presunção hominis, deve comprovar de forma veemente os indícios, assim

como o nexo causal entre tais indícios e o fato presumido, mediante um grau máximo de

probabilidade e certeza.

342 Carf/SP. Acórdão n. 3302-001.407. Recurso n. 907812. Processo n. 10314.012230/2010-11. Recurso de Ofício. Órgão Julgador: Terceira Câmara. Contribuinte: Megadata Distribuidora de Produtos de Informática Ltda. Data da sessão: 24.01.2012. Relator: Cons. Walber José da Silva.

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8.6 A presunção de legitimidade e a legalidade do lançamento tributário

Conforme tratamos anteriormente, o lançamento tributário caracteriza-se como um ato

administrativo, o que significa dizer que, entre outros atributos, detém presunção de

legitimidade juris tantum, ou seja, se pressupõe que os dados que apresenta são verdadeiros e

comprováveis, e logo, que é regularmente praticado, até que haja outra linguagem jurídico-

prescritiva determinando o contrário e o invalidando.

Tal característica é de suma importância pois essa presunção não retira da

Administração Pública o seu dever de comprovar a ocorrência do fato jurídico que embasa o

lançamento tributário, bem como as circunstâncias em que ocorreu, devendo haver a cabal

demonstração da ocorrência dos motivos que ensejaram o ato de lançamento.

A motivação que sustenta o lançamento tributário deve, então, ser sustentada em

provas, para que ela seja amplamente fundamentada, e assim, para a expedição do lançamento

tributário e cobrança da prestação pecuniária do contribuinte, é dever do fisco oferecer prova

concludente acerca da ocorrência do evento, em estrita conformidade à previsão genérica

contida na hipótese normativa.

Importa dizer, então, que, como há uma presunção de legitimidade dos atos

administrativos, o ato jurídico de lançamento tributário é válido até que essa validade seja

questionada, sendo inerente ao contribuinte infirmar a lavratura do lançamento desprovido de

qualquer elemento de prova.

Conforme vimos anteriormente, as normas gerais e abstratas prescrevem condutas

que devem ser cumpridas pelos destinatários, e, notadamente ao âmbito tributário, tais

condutas encontram-se relacionadas à atividade de recolher certas quantias pecuniárias ao

Estado. No entanto, as normas jurídicas orientam o comportamento da autoridade

administrativa, regulando como os agentes estatais devem desenvolver a atividade de cobrar o

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tributo, sabendo o que cobrar e como cobrar, bem como a imposição de sanções devido às

infrações à legislação tributária.343

Nesse sentido, o artigo 142, do Código Tributário Nacional, estabelece como deve

ser feito o lançamento. Para tanto, dispõe que “compete privativamente à autoridade

administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o

procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação

correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido,

identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível”.

Sendo assim, o lançamento tributário, além de outros princípios constitucionais,

também é regulado pelo princípio da legalidade e pelo princípio da publicidade dos atos

administrativos. Importa dizer que, somente mediante a publicidade, e logo, a transparência,

ao contribuinte é passível controlar a legalidade do ato administrativo e exercer o seu direito à

ampla defesa e não ser compelido a submeter-se a um ato ilegal.

Temos, então, que a autoridade administrativa é obrigada a lavrar o lançamento.

Mas, em contrapartida, temos, também, que ao contribuinte é cabível o direito de conhecer

quais fatores levaram à autoridade administrativa a lavrar o lançamento tributário.

Nesse sentido, o contribuinte tem o direito de saber, entre outros:

i. como a autoridade administrativa verificou a ocorrência do fato gerador

ii. como determinou a matéria tributável

iii. como calculou o montante do tributo devido

iv. como identificou o sujeito passivo, entre outras informações.344

Tais itens devem ser apurados pela autoridade fiscal, e, devem ser explicitados por

intermédio de linguagem competente, indicando em quais provas se baseou para realizar a

lavratura do lançamento tributário, reportando-se a eventos, mediante linguagens que

343 LOUBET, L. F.; MCNAUGHTON, C. W.; SALOMÃO, M. V.(org.); PAULO JUNIOR, A. de (org.). A prova na percussão tributária. Processo Administrativo Tributário..., 2005. p. 283. 344 Ibidem., p. 285.

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denunciam as ocorrências, ou seja, mediante as provas, já que, conforme expusemos

anteriormente, não se é possível apurar o fato jurídico tributário a partir somente da análise do

evento dissociado da linguagem.

Nesse sentido, Leonardo Furtado Loubet e Charles Wulliam Mcnaughton ensinam:

Daí porque tem que ser explicitada, por meio de linguagem competente, quais os fatores que levaram a autoridade fiscal a apurar todos os itens anteriormente expostos. Negar tal assertiva seria o mesmo que admitir que: (i) o administrado não tem o direito de saber qual o procedimento adotado pela Fazenda (ou seja, infirmar o princípio da publicidade); (iii) não há direito à ampla-defesa (na medida em que o contribuinte poderá de se defender apenas do que¸ mas não do como); iii) o procedimento administrativo está isento de controle de legalidade (isso ao se imaginar que o controle só pode ser feito a partir da objetivação em linguagem competente do procedimento).345

Temos, então, que a apuração do “fato gerador” somente será possível mediante a

indicação das provas nas quais a autoridade competente baseou-se para a lavratura do

lançamento, tendo em vista que as provas caracterizam-se como a linguagem que não apenas

diz como o evento ocorreu mas também atua na construção do fato jurídico.

É através da fiscalização que o agente competente depara com linguagens que lhe

demonstrem a ocorrência, ou não, dos eventos. Tal como afirma o artigo 145, parágrafo 1º, da

Constituição Federal, e o artigo 195, do Código Tributário Nacional, tal fiscalização poderá se

dar, por exemplo, mediante a avaliação de declarações dos contribuintes, de notas fiscais de

livros contábeis, entre outros documentos.

No entanto, não devemos nos esquecer que estamos nos referindo à fase anterior à fase

litigiosa, ou seja, à fase em que o agente competente está a acolher provas para se convencer

da ocorrência do evento, com o intuito de fundamentar a constituição do fato jurídico

tributário. Permite, então, ao ser relatado em linguagem esse procedimento, que o contribuinte

possa resgatar toda a atividade realizada pela autoridade administrativa, de modo a exarar

345 LOUBET, L. F.; MCNAUGHTON, C. W.; SALOMÃO, M. V.(org.); PAULO JUNIOR, A. de (org.). A prova na percussão tributária. Processo Administrativo Tributário..., 2005. p. 285.

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uma nova linguagem contra ela, bem como defender-se mediante a sua impugnação ao débito

que lhe é cobrado, ou seja, a impugnação ao lançamento tributário, impugnando o lançamento

tributário lavrado pelo Poder Público, mediante a produção de outras provas a fim de

contestar àquelas produzidas pela autoridade administrativa. Inicia-se, pois, a fase litigiosa,

após a manifestação de ambas as partes, em que a autoridade julgadora estará apta a analisar

tanto o discurso fazendário quanto do impugnante para formar a sua convicção.

8.7 Falta de provas para o embasamento do fato jurídico tributário

Ressaltamos que o fato jurídico é aquele, e somente àquele, que puder ser expresso

em linguagem competente, bem como que possa se sustentar em face das provas em direito

admitidas.

Nesse sentido, encontra-se também o professor Paulo de Barros Carvalho, para

quem “os fatos jurídicos serão àqueles enunciados que puderem se sustentar-se em face de

provas em direito admitidas. Daí ocorre o fato jurídico tributário, dando ensejo ao

nascimento da obrigação (...)”.346

Discorremos, anteriormente, da necessidade de produção de provas pelo agente fiscal,

na emissão do lançamento tributário, no curso do procedimento administrativo, para que,

desse modo, possa sustentar o lançamento tributário emitido, bem como possa permitir a

defesa do contribuinte no processo, assim como facilitar, também, o exercício da atividade

julgadora quando ocorrer a impugnação do contribuinte ao lançamento tributário lavrado pelo

Poder Público, mediante a produção de outras provas que contestem àquelas produzidas pela

autoridade administrativa. A prova é um dos requisitos que condicionam a própria legalidade

do lançamento tributário.

346 CARVALHO, P. de B. Direito Tributário. Linguagem e Método..., 2008.p. 826.

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Nesse sentido, destacamos a lição de James Marins, ao lecionar que “enquanto no

processo judicial de caráter civil ao magistrado não é lícito tomar frente ao processo e

determinar ex officio a produção de provas que entender indispensáveis, no procedimento e

no processo administrativo a autoridade administrativa pode e deve promover as diligências

averiguatórias e probatórias que contribuam para a aproximação com a verdade objetiva ou

material”.347

Mas, podem ocorrer hipóteses em que seja expedido o ato de lançamento sem que os

fatos jurídicos relatados sejam embasados na linguagem das provas, de modo que afete e vicie

o elemento intrínseco da motivação, enquanto componente do ato administrativo tributário e

elemento indispensável à sua subsistência. Assim sendo, a autoridade competente não efetua o

lançamento tributário amparado por provas e enunciados probatórios, não observando o

aspecto procedimental acolhido pelo Direito Positivo.

Nesse sentido, coadunamos com o posicionamento de Fabiana Del Padre Tomé, ao

demonstrar a seguinte conclusão:

Do exposto decorre a conclusão de que, sendo o lançamento ou o ato administrativo de aplicação de penalidade realizados sem respaldo em provas, estando, portanto, viciados na motivação, é imperativa sua retirada do ordenamento jurídico pela autoridade competente. Ainda que depois de instalado o processo administrativo tributário venham a ser colacionadas provas capazes de constituir o fato jurídico ou o ilícito tributário, tal procedimento não supre a invalidade que afeta o ato, pois , como anotamos, trata-se de vício na estrutura interna, de natureza não convalidável. A instrução, realizada no corpo do processo instaurado por ocasião da impugnação do contribuinte, volta-se tão-somente ao convencimento do julgador sobre pontos contraditados pelo particular, não servindo para preencher eventual ausência de comprovação do fato que serve de suporte à exigência ou autuação fiscal.348

Cabe relembrarmos que a emissão do ato administrativo de lançamento depende da

existência de determinados pressupostos, bem como para que sejam regularmente

constituídos, deve, necessariamente, se observar a exigência de determinado elementos, e

entre eles, como visto anteriormente, há o motivo e a motivação, que encontram-se

347 MARINS, J. Direito Processual Tributário brasileiro: administrativo e judicial.., 2003. pp. 180-181. 348 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 290.

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relacionado à produção probatória, pois, o motivo é pressuposto fáctico do ato e é

representado pelo evento ao preencher os requisitos da hipótese normativa tributária,

enquanto que a motivação corresponde ao relato que constitui o fato jurídico, introduzindo-o

no ordenamento, mediante fundamentação na linguagem das provas.

Portanto, sendo os enunciados probatórios elementos indispensáveis à subsistência

da motivação do ato de lançamento tributário, na sua ausência, caracteriza um defeito na

estrutura interna do ato, sendo, então, inadmissível a sua convalidação pela posterior juntada

de provas.

Concluímos, assim, acerca da imprescindibilidade da teoria das provas para a

constituição do fato jurídico tributário, pois são as provas que permitem o relato, bem como a

efetiva comprovação de ocorrência do fato jurídico tributário, permitindo a constituição do

crédito tributário por intermédio do lançamento tributário, permitindo o desencadeamento da

relação jurídica e o direito subjetivo do sujeito ativo de exigir o cumprimento da prestação de

pagar o tributo.

Por fim, destacamos novamente que a prova assume a função de demonstrar a

ocorrência do evento, enquanto motivo do ato de lançamento, de modo que, sem a existência

de provas aptas a demonstrar a constituição do fato jurídico e constituição da obrigação

tributária, ou não havendo a devida correspondência com a motivação do ato de lançamento,

poderá dar ensejo à invalidação do ato de lançamento.

Nesse sentido, exemplificando, vejamos o entendimento proferido pela Secretaria de

Estado de Fazenda de Mato Grosso do Sul acerca do assunto:

EMENTA: AUTO DE LANÇAMENTO E DE IMPOSIÇÃO DE MULTA. NULIDADE – INSUFICIÊNCIA DOS ELEMENTOS INFORMATIVOS PARA DETERMINAR A MATÉRIA TRIBUTÁVEL – VÍCIO FORMAL INSANÁVEL. REEXAME NECESSÁRIO DESPROVIDO. A descrição da matéria tributável é elemento essencial do Auto de Lançamento e de Imposição de Multa devendo traduzir de forma inequívoca o fato jurídico tributário que se subsume à regra matriz de incidência prevista na norma.

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Ante a insuficiência dos elementos informativos que impede a precisa identificação da matéria tributável e, em conseqüência, a compreensão da exigência fiscal e o exercício pleno da defesa, há de se reconhecer a nulidade formal do lançamento.349

De modo contrário vejamos também a posição da Secretaria de Estado de Fazenda de

Mato Grosso do Sul acerca da não caracterização de invalidade do ato administrativo de

lançamento tributário:

EMENTA: ICMS – NULIDADE DO ALIM – AUSÊNCIA DE ELEMENTOS INFORMATIVOS PARA DETERMINAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL – NÃO CARACTERIZADA. REEXAME NECESSÁRIO PROVIDO. A falta de indicação da base de cálculo e da alíquota no corpo do ALIM não constitui vício capaz de acarretar a nulidade da autuação quando esses elementos estão clara e precisamente indicados em Demonstrativo Fiscal anexo ao lançamento, que permita ao sujeito passivo conhecer exatamente a origem do valor exigido, assim como aferir a existência ou não do fato gerador, além de que, por ocasião do agravamento da exigência fiscal é efetuada a retificação do ALIM para inclusão do aspecto quantitativo no seu corpo, afastando qualquer alegação de nulidade, ainda mais quando não se verifica prejuízo ao contraditório e a ampla defesa do contribuinte. A suposta coincidência dos lançamentos efetuados nas guias de informação e apuração do ICMS com os valores consignados no livro de apuração não enseja a nulidade do ALIM por equivocada descrição da matéria tributável, podendo, quando muito, levar à improcedência da exigência fiscal. O enquadramento incorreto da infração não contamina o Auto de Lançamento e de Imposição de Multa quando o fato apurado está adequadamente descrito, possibilitando o exercício do direito de defesa.350 EMENTA: PROCESSUAL. TERMO DE INÍCIO DE FISCALIZAÇÃO – DESNECESSIDADE – ILEGIBILIDADE DE PARTE DAS CÓPIAS DAS NOTAS FISCAIS – CERCEAMENTO DE DEFESA – NÃO CONFIGURAÇÃO – NULIDADES AFASTADAS. MULTA (ICMS). FALTA DE REGISTRO DE NOTAS FISCAIS DE AQUISIÇÃO DE MERCADORIAS DESTINADAS A CONSUMO PRÓPRIO - FATO APURADO MEDIANTE CONFRONTO DOS REGISTROS DO SINTEGRA COM A ESCRITA FISCAL – POSSIBILIDADE – ALEGAÇÃO DE NÃO OCORRÊNCIA DA AQUISIÇÃO – NÃO COMPROVAÇÃO. LEGITIMIDADE DA EXIGÊNCIA FISCAL. RECURSO VOLUNTÁRIO DESPROVIDO. A ausência de emissão do Termo de Início de Fiscalização não gera a nulidade da imposição de multa, pois não constitui elemento formal do ato (Súmula n. 12). Em que pese o fato de que algumas cópias das notas fiscais contêm informações parcialmente ilegíveis, não se configura o cerceamento de defesa quando os demais elementos informativos nos autos permitem o pleno exercício de defesa.

349 Sefaz/MS. Acórdão n. 061/2012. Processo n. 11/047210/2008. Reexame Necessário n. 72/2009. Recorrente: Órgão Julgador de 1ª Instância. Recorrida: Reviva Indústria de Tintas Ltda. Campo Grande-MS. Relator Cons. Julio Cesar Borges. Publicado no D.O.E 8.195 em 21.05.2012, pág. 7. 350 Sefaz/MS. Acórdão n. 29/2008. Processo n. 11/018743/2006. Recurso Reexame Necessário n. 27/2007. Recorrente: Órgão Julgador de 1ª Instância. Recorrida: Qualidade Comércio, Importação e Exportação Ltda. Campo Grande-MS. Relator Cons. Flávio Nogueira Cavalcanti.

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242

Para os efeitos fiscais, as informações contidas no Sintegra são consideradas registro fiscal e provam, também, de forma relativa, conforme os seus arquivos, os dados constantes dos documentos fiscais correspondentes, por força do que dispõem as Cláusulas décima sétima e décima nona do Convênio ICMS n. 57, de 28 de junho de 1995. Mera alegação de não aquisição das mercadorias constantes das notas fiscais relacionadas no ALIM, desacompanhada de prova ou indício consistente, é insuficiente para desconstituir as informações constantes do Sintegra.351

351 Sefaz/MS. Acórdão n. 065/2012. Processo n. 11/040650/2008 Recurso Voluntário n. 17/2009. Recorrente: Comércio Portoalegrensse Alimentos Ltda. Campo Grande-MS. Recorrida: Fazenda Pública Estadual. Relator Cons. Daniel Castro Gomes da Costa. Publicado no D.O.E. 8.195, em 21.05.2012, págs. 7/8. Nesse mesmo sentido, vejamos: EMENTA: ITCD. NULIDADE DO ALIM – AUSÊNCIA DE TERMO DE INÍCIO DE FISCALIZAÇÃO – FALTA DE MOTIVAÇÃO DO ATO – PRELIMINARES REJEITADAS. DECADÊNCIA – LANÇAMENTO REALIZADO NO PRAZO LEGAL – NÃO-OCORRÊNCIA. OMISSÃO OU INEXATIDÃO NA DECLARAÇÃO – COMPROVAÇÃO – EXIGÊNCIA FISCAL COMPLEMENTAR – REDUÇÃO DA EXIGÊNCIA FISCAL RELATIVA À PARTE NÃO COMPROVADA - LEGITIMIDADE. MULTA – REAVALIAÇÃO ADMINISTRATIVA – EXIGÊNCIA COMPLEMENTAR DO IMPOSTO – INEXISTÊNCIA DE INFRAÇÃO POR FALTA DE PAGAMENTO ANTES DE DECORRIDOS TRINTA DIAS DA NOTIFICAÇÃO DO LANÇAMENTO. REEXAME NECESSÁRIO IMPROVIDO E RECURSO VOLUNTÁRIO PARCIALMENTE PROVIDO. A falta de comunicação do início da ação fiscal não implica nulidade dos atos de lançamento e de imposição de multa, por não constituir requisito formal desses atos, podendo, entretanto, prejudicar a atuação do fisco, ante a possibilidade de o sujeito passivo valer-se da denúncia espontânea, com os seus respectivos efeitos. Estando a matéria tributável e a conduta infracional suficientemente descritas no Auto de Lançamento e de Imposição de Multa, não prevalece a argüição de nulidade do mesmo sob a alegação de ausência de motivação legal. No caso de exigência complementar do ITCD, não tendo havido lançamento por homologação, relativamente à parte paga, o prazo decadencial conta-se com base no art. 173, I, do CTN. Demonstrado que o valor venal do imóvel doado era superior ao considerado como base de cálculo do imposto, consoante declaração prestada por responsável tributário ao Fisco Federal, legítima é a exigência da diferença de imposto. Deve ser mantida a decisão pela qual se julgou parcialmente procedente o ALIM lavrado para constituir crédito tributário relativo à diferença de ITCD não recolhida no prazo regulamentar em virtude de reavaliação administrativa, na qual não ficou comprovado integralmente o valor venal do imóvel consignado no ALIM. Tratando-se de reavaliação administrativa dos bens ou direitos objeto de pagamento anterior de ITCD, o prazo para o pagamento do imposto, na hipótese de exigência complementar, é de trinta dias, ante a ausência de previsão legal, aplicando-se a regra do art. 162, caput, do CTN, não se caracterizando, antes desse prazo, a infração por falta de pagamento do imposto. (Sefaz/MS. Acórdão n. 30/2008. Processo n. 11/059533/2006. Recurso Reexame Necessário e Recurso Voluntário n. 11/2007. Interessados: Fazenda Pública Estadual e Lúcia Helena Olegário Corrêa. Maracaju-MS. Relator Cons. Valbério Nobre de Carvalho). EMENTA: PROCESSUAL. ATO DE LANÇAMENTO – FALTA DE MOTIVAÇÃO – NÃO CONFIGURAÇÃO - ALTERAÇÃO DO LANÇAMENTO – INCOMPETÊNCIA DO JULGADOR – NÃO CONFIGURAÇÃO - APLICAÇÃO RETROATIVA DO ART. 117-A DA LEI 1.810/1997 – IMPOSSIBILIDADE. ICMS. OMISSÃO DE SAÍDA PRESUMIDA EM FACE DA FALTA DE REGISTRO DE DOCUMENTOS FISCAIS DE ENTRADA – FATO APURADO COM BASE EM INFORMAÇÕES DO SINTEGRA E EM DOCUMENTOS FISCAIS – LEGITIMIDADE - MARGEM DE VALOR AGREGADO – IMPUGNAÇÃO ADMINISTRATIVA - REVISÃO – POSSIBILIDADE – PRODUTOS SUJEITOS À SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA COM IMPOSTO JÁ RECOLHIDO E PRODUTOS DESTINADOS A USO E CONSUMO – EXCLUSÃO DA EXIGÊNCIA FISCAL – REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO – DIREITO AO BENEFÍCIO QUANDO INCONDICIONADO. RECURSO VOLUNTÁRIO PARCIALMENTE PROVIDO. REEXAME NECESSÁRIO DESPROVIDO. Descrita suficientemente a matéria tributável, não procede a alegação de nulidade do lançamento por falta de motivação. É legítimo o arbitramento da base de cálculo efetuado nas hipóteses previstas e nos termos de prescrição legal.

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243

Nesse contexto, a invalidade do lançamento tributário, quando não seja produzido em

consonância com a teoria das provas, sustenta-se em três princípios fundamentais352, quais

sejam:

i. princípio da motivação: é imprescindível ao ato de lançamento tributário, conforme

visto anteriormente, a realização de motivação detalhada.

ii. princípio da publicidade: tendo a autoridade administrativa constituindo o fato jurídico

tributário baseando-se em elementos, logo, todo o procedimento por ela realizado deve

ser de conhecimento do contribuinte, mediante transparência. E, ainda, ”quando o

contribuinte for intimado do lançamento, não basta que tenha acesso aos enunciados

do ato-norma, mas lhe deve ser proporcionada a possibilidade de resgatar todos os

elementos do ato-fato que tenham relevância à legalidade da cobrança”.

iii. princípio da ampla defesa: somente mediante a demonstração pelo Fisco dos

elementos de prova que sustentam o lançamento tributário é que ao contribuinte é

permitido questionar como foi constituído o fato jurídico tributário, e, assim, “se se

admitisse que o Fisco não precisa articular elementos de prova para sustentar o

lançamento, então o contribuinte ficaria impedido de questionar como foi constituído

É legítima a alteração do lançamento na decisão em face de razões da impugnação, não caracterizando erro de direito, mas cumprimento de dever, a aplicação, pela autoridade julgadora, de norma não observada na autuação. A aplicação retroativa do art. 117-A da Lei 1.810/1997 não é possível por não se amoldar às hipóteses previstas no art. 106 do CTN. É válida a adoção do método de fiscalização, consistente no confronto de informações prestadas por meio do SINTEGRA, para se concluir pela falta de registro de aquisições e, em face disso, presumir a ocorrência de operações de saída à margem de efeitos fiscais. O arbitramento da base de cálculo do imposto, com a aplicação de MVA (margem de valor agregado) de 60%, é legítimo por ter previsão legal, podendo, entretanto, ser revisto em virtude de impugnação, sendo válida a aplicação de MVA média verificada no Estado para o setor. Tratando-se de operações com produtos sujeitos à substituição tributária, com o imposto já recolhido pelo substituto tributário, e com produtos adquiridos para uso e consumo do estabelecimento, é legítima a exclusão da parte correspondente da exigência fiscal. Na determinação do montante do tributo a ser pago, devem ser considerados os benefícios de redução de base de cálculo quando a lei não impõe condição a sua fruição. (Sefaz/MS. Acórdão n. 007/2012. Processo n. 11/008952/2006. Reexame Necessário e Recurso Voluntário n. 4/2008. Interessados: Fazenda Pública Estadual e Ruy Rodrigues Paniago. Água Clara-MS. Relator Cons. Gérson Mardine Fraulob. Publicado no D.O.E. em 12.03.2012, págs. 3/4) 352 Conforme afirmam LEONARDO FURTADO LOUBET e CHARLES WILLIAM MCNAUGHTON (LOUBET, L. F.; MCNAUGHTON, C. W.; SALOMÃO, M.V.(org.); PAULO JUNIOR, A. de (org.). A prova na percussão tributária..., 2005. p. 292).

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o fato, ou seja, quais critérios foram adotados pela fiscalização para supor a

ocorrência do evento, se há plausibilidade, razoabilidade, enfim, ficaria mitigado seu

direito de averiguar e demonstrar a ilegalidade do ato”.

Ressaltamos, em conformidade à disposição do artigo 145, do Código Tributário

Nacional, que “o lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo somente pode ser

alterado em virtude de: I – impugnação do sujeito passivo; II – recurso de ofício; III –

iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no artigo 149”. Assim

sendo, o lançamento tributário, assim como o auto de infração, devem ser expulsos do

ordenamento por outras normas que os declarem inválidos, de modo que, caso o sujeito

passivo se mantenha inerte e não aponte o vício quanto à ausência de produção de provas, o

lançamento tributário mantém-se intacto, sendo passível de inscrição em dívida ativa em

conformidade ao artigo 201, do Código Tributário Nacional. Se, posteriormente, nenhuma

atitude for providenciada pelo devedor, a Certidão de Dívida Ativa deve ser encaminhada à

Execução Fiscal, conforme artigo 1º, da Lei n. 6.830/1980, sendo que, se não embargada a

execução, deve o processo prosseguir em todos os seus trâmites previstos na legislação

processual cabível.

Nesse sentido, oportuna as considerações de Leonardo Furtado Loubet e Charles

William Mcnaughton:

Portanto, o lançamento ou o auto de infração que não são sustentados pro provas podem ser perfeitamente invalidados mediante os mecanismos dispostos no sistema, desde que alguma autoridade de ofício movimente as estruturas do direito positivo ou o próprio contribuinte provoque essa engrenagem, postulando a expulsão da norma viciada. O que importa destacar é que a linguagem das provas é essencial à sustentabilidade do lançamento ou auto de infração no ordenamento jurídico.353

353 LOUBET, L. F.; MCNAUGHTON, C. W.; SALOMÃO, M. V.(org.); PAULO JUNIOR, A. de (org.). A prova na percussão tributária. Processo Administrativo Tributário..., 2005. p. 297..

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Finalmente cabe, ainda, destacarmos o teor do artigo 17, do Decreto n. 70.235/72, ao

preceituar que “considerar-se-á não impugnada a matéria que não tenha sido expressamente

contestada pelo contribuinte”.

Desse modo, para que a produção da norma individual e concreta esteja em

conformidade aos princípios constitucionais do sistema constitucional tributário, devem,

necessariamente, estar embasada na linguagem das provas, sendo condição de

sustentabilidade do ato administrativo no ordenamento jurídico. Caso não esteja

fundamentado na linguagem das provas, logo, o lançamento tributário deve ser invalidado,

mediante impulso de ofício da autoridade administrativa ou por provocação do contribuinte

8.8 Provas e a Verdade Jurídica no Processo Administrativo Fiscal

A imprescindibilidade de que o fato jurídico tributário constituído seja pautado em

provas se dá devido ao fato de que é por intermédio da linguagem das provas que é possível

alcançar a verdade lógica, ou seja, não se perfaz necessário que o relato corresponda fielmente

ao evento para que seja considerado verdadeiro o fato jurídico tributário, mas sim é necessário

que o fato jurídico seja submetido às provas e resistido a elas.354

Para tanto, partimos do pressuposto de que o exame do conteúdo é relevante para se

determinar a verdade ou a falsidade de determinado enunciado, bem como o mundo das coisas

(realidade) e a linguagem não se tocam.

Assim sendo, busca-se a verdade em nome da qual se fala, e que é alcançada mediante

a constituição de fatos jurídicos, relatados em linguagem competente e nos exatos termos

prescritos pelo ordenamento, remetendo, assim, à verdade jurídica. Nessa esteira, pouco

354 Nesse contexto, cabe considerarmos a lição de Maria Rita Ferragut, ao afirmar que “(...) para que o fato jurídico tributário seja considerado verdadeiro para o direito, não se requer a certeza de que o relato corresponda fielmente ao evento, mas a certeza de que o enunciado descritivo foi elaborado de acordo com as regras do sistema, submeteu-se às provas e resistiu à refutação”, (FERRAGUT, M. R. Presunções no Direito Tributário.., 2001. p. 43.)

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importa se o acontecimento efetivamente ocorreu ou não, pois, caso seja construído em

linguagem própria, na forma como o direito preceitua, o fato deve ser considerado

juridicamente verificado, e logo verdadeiro.

Preceituamos, assim, que no processo administrativo fiscal, deve-se primar pela busca

da verdade jurídica, ou seja, a verdade que é construída em conformidade aos preceitos

jurídicos impostos pelo ordenamento, bem como em conformidade à linguagem jurídica.

Nas palavras de Paulo de Barros de Carvalho, “para o alcance da verdade jurídica,

necessário se faz o abandono da linguagem ordinária e a observância de uma forma especial.

Impõe-se a utilização de um procedimento específico para a constituição do fato jurídico

(...)” .355

Conforme as premissas adotadas anteriormente, o evento somente transmuda-se em

fato mediante o relato do evento em linguagem competente. Necessita-se, assim, da

linguagem jurídica adequada para a caracterização do fato jurídico, e, nesse contexto, é a

prova que perfaz a função de instrumento para a conversão do evento em fato.

Nessa esteira, a verdade somente será alcançada mediante a ampla produção de

provas, já que são as provas que comprovam e formalizam o fato que embasará o lançamento

tributário. Sendo assim, o lançamento somente estará bem realizado quando sustentar-se na

verdade que foi perquirida durante o curso do processo administrativo.

É o que leciona Alberto Macedo, ao afirmar que no processo administrativo tributário

deve prevalecer a verdade jurídica, ou seja, a verdade produzida conforme os meios e os

procedimentos legitimados pelo ordenamento. E continua o autor:

Há que se registrar que não se pode conceber a busca de uma verdade sem prevermos em que referência essa busca se dá. E essa referência se trata do sistema que adotamos para fazer essa busca, ou seja, da linguagem que esse sistema adota, por meio da qual, as verdades desse sistema serão construídas. Por isso que a busca de uma verdade material, no sentido de se proceder à revelia dos modos e

355 CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário..., 2004. p. 357.

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procedimentos legalmente previstos, apresenta-se como inadmissível no nosso ordenamento. Só há que se falar em busca de uma verdade jurídica, na medida em que produzida conforme os preceitos jurídicos que o ordenamento impõe, conforme a sua linguagem, linguagem jurídica. Exemplo da impossibilidade de estabelecimento de uma verdade não jurídica no sistema do direito é a própria vedação, no processo, às provas obtidas por meio ilícito (art. 5º, LVI, da Constituição de 1988), uma limitação à produção probatória.356

Desse modo, no âmbito do processo administrativo fiscal, em busca da verdade, é

dever da autoridade utilizar de todas as provas lícitas e circunstância que tenha conhecimento

para embasar a constituição do fato jurídico tributário, bem como os fatos constantes do

lançamento tributário.

Vejamos, de modo a exemplificar mediante casos práticos, a existência ou inexistência

de provas aptas a ensejar a caracterização do fato jurídico tributário, através de

jurisprudências administrativas emitidas pela Secretaria de Estado de Fazenda de Mato

Grosso do Sul acerca do ICMS:

Exemplo 1: EMENTA: ICMS. PROCESSUAL. ATO DE IMPOSIÇÃO DE MULTA - MOTIVAÇÃO INADEQUADA – CARACTERIZAÇÃO – NULIDADE – DECLARAÇÃO DE OFÍCIO. DECISÃO QUE EXCEDE OS LIMITES DA ATIVIDADE JUDICANTE – ORDEM PÚBLICA – NULIDADE DECLARADA DE OFÍCIO. RECURSO VOLUNTÁRIO PREJUDICADO. É nulo o ato de imposição de multa cuja motivação não represente, adequadamente, a infração a que corresponde a penalidade aplicada, como no caso, em que se descreve infração que se caracteriza pelo descumprimento de obrigação acessória e se aplica multa por infração que se configura pelo descumprimento de obrigação principal, em razão do comando jurídico emanado do art. 28, I, b, da Lei n. 2.315, de 25 de outubro de 2001. No processo administrativo tributário a discussão limita-se à legitimidade da exigência fiscal objeto da autuação, não se apreciando nele questão relacionada com a compensação dos respectivos valores com eventual crédito do sujeito passivo contra o Estado, no caso sequer reivindicado, carecendo a matéria de processo específico de repetição de indébito endereçado ao titular da administração tributária. Não estando a compensação na esfera de competência dos órgãos julgadores, a decisão proferida nesse sentido caracteriza excesso do julgador nos seus limites de atuação, impondo-se, por questão de ordem pública, declarar, de ofício, a nulidade da decisão, com base no art. 28, I, a, da Lei n. 2.315, de 25 de outubro de 2001.357

356 MACEDO, Alberto. “Verdade Material” versus Preclusão: traçando limites. Cadernos de Direito Tributário. Revista de Direito Tributário. n. 109/110. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 146. 357 Sefaz/MS. Acórdão n. 060/2012. Processo n. 11/051206/2009. Recurso Voluntário n. 141/2010. Recorrente: JOÃO ALVES MEIRA. Bela Vista-MS. Recorrida: Fazenda Pública Estadual. Relator Cons. Josafá José Ferreira do Carmo. Publicado no D.O.E. 8.203, em 31.05.2012, pág. 2.

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Exemplo2: EMENTA: ICMS. NULIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA - EQUIVOCADA DESCRIÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL - NÃO CARACTERIZAÇÃO. FATO APURADO COM BASE EM INFORMAÇÕES DO SINTEGRA E EM DOCUMENTOS FISCAIS – LEGITIMIDADE – APLICAÇÃO DA MULTA EM DESACORDO COM A LEGISLAÇÃO – NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO VOLUNTÁRIO DESPROVIDO. Descrita suficientemente a matéria tributável, não procede a alegação de nulidade do lançamento por falta de motivação. As informações constantes dos sistemas Sintegra e Fronteira são dotadas de força probante da efetiva realização das operações neles registradas e, consequentemente, da caracterização das infrações respectivas, quando não desconstituídas por meio de prova a cargo do sujeito passivo. Ajustada a multa em consonância com a legislação tributária estadual, não há de se falar de erro em sua aplicação.358 Exemplo 3: EMENTA: ICMS-MÍNIMO – NULIDADE DO LANÇAMENTO E DA DECISÃO –ILEGALIDADE DA COBRANÇA – NÃO CONFIGURADAS. ENQUADRAMENTO PELA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA – LEGITIMIDADE. MICROEMPRESA – ISENÇÃO NÃO CARACTERIZADA. RECURSO VOLUNTÁRIO IMPROVIDO. Estando corretamente descrita a matéria tributável e os dispositivos legais violados, não deve ser acolhida preliminar de nulidade do lançamento e da decisão, sob o argumento de ilegalidade da cobrança. O enquadramento no ICMS-Mínimo é faculdade da Administração Tributária, quando presente um dos requisitos estabelecidos no Decreto n. 8.986/97, como nesse caso. Comprovada a ocorrência do fato gerador, é legítima a exigência fiscal, não prevalecendo, no caso, a alegação de isenção prevista na Lei n. 541/85, porquanto não mais vigente a partir da fluência do prazo estabelecido no art. 41, § 1º, dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal/88.359 Exemplo 4: EMENTA: MULTA (ICMS) – NULIDADE DO ATO DE IMPOSIÇÃO DE MULTA – AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS – NÃO CONFIGURADA – PRELIMINAR REJEITADA. FORMULÁRIO ELETRÔNICO PARA POSTO REVENDEDOR (FEP) – ENTREGA OBRIGATÓRIA MESMO NA AUSÊNCIA DE MOVIMENTO – NÃO OBRIGATORIEDADE DA ENTREGA APÓS O ENCERRAMENTO DA ATIVIDADE – NÃO APRESENTAÇÃO EM PERÍODO SUJEITO A ENTREGA – COMPROVAÇÃO – EXIGÊNCIA FISCAL PARCIALMENTE PROCEDENTE. RECURSO VOLUNTÁRIO PARCIALMENTE PROVIDO. Presentes os requisitos previstos no artigo 39, § 1º, da Lei n. 2.315/2001, não há que se falar na existência de vícios que ensejem a nulidade do lançamento. É obrigatória a apresentação do Formulário Eletrônico para Posto Revendedor (FEP) pelos postos revendedores de combustíveis, mesmo quando não há movimento de entrada ou de saída. Comprovado o descumprimento dessa obrigação, é legítima a imposição da multa correspondente.

358 Sefaz/MS. Acórdão n. 46/2012. Processo n. 11/035812/2009. Recurso Voluntário n. 66/2010. Recorrente: Irmãos GP Comércio e Representações Ltda. Coxim-MS. Recorrida: Fazenda Pública Estadual. Relator Cons. Daniel Castro Gomes da Costa. Publicado no D.O.E. 8.173, em 17.04.2012, pág. 3. 359 Sefaz/MS. Acórdão n. 16/2008. Processo n. 11/008672/2006-SERC. Recurso Voluntário n. 87/2007. Recorrente: Benedicto Dalton Ferraz Prates. Três Lagoas-MS. Recorrida: Fazenda Pública Estadual. Relator Cons. Marcelo Barbosa Alves Vieira.

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A obrigatoriedade da entrega do Formulário Eletrônico para Posto Revendedor (FEP) cessa quando comprovado que o contribuinte deixou de exercer a atividade econômica de posto revendedor de combustíveis.360

Exemplo 5: EMENTA: ICMS – NULIDADE DO ALIM – AUSÊNCIA DE ELEMENTOS INFORMATIVOS PARA DETERMINAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL – NÃO CARACTERIZADA. REEXAME NECESSÁRIO PROVIDO. A falta de indicação da base de cálculo e da alíquota no corpo do ALIM não constitui vício capaz de acarretar a nulidade da autuação quando esses elementos estão clara e precisamente indicados em Demonstrativo Fiscal anexo ao lançamento, que permita ao sujeito passivo conhecer exatamente a origem do valor exigido, assim como aferir a existência ou não do fato gerador, além de que, por ocasião do agravamento da exigência fiscal é efetuada a retificação do ALIM para inclusão do aspecto quantitativo no seu corpo, afastando qualquer alegação de nulidade, ainda mais quando não se verifica prejuízo ao contraditório e a ampla defesa do contribuinte. A suposta coincidência dos lançamentos efetuados nas guias de informação e apuração do ICMS com os valores consignados no livro de apuração não enseja a nulidade do ALIM por equivocada descrição da matéria tributável, podendo, quando muito, levar à improcedência da exigência fiscal. O enquadramento incorreto da infração não contamina o Auto de Lançamento e de Imposição de Multa quando o fato apurado está adequadamente descrito, possibilitando o exercício do direito de defesa.361

A doutrina acolhe que o exercício do sistema impositivo-fiscal encontra-se jungido

tanto pelos princípios constitucionais gerais quanto pelos princípios constitucionais

tributários, notadamente quando a elaboração normativa tratar-se de da instituição,

administração e cobrança de tributos. E, dentre tais comandos, não podemos deixar de

ressaltar, como já exposto anteriormente, o princípio da tipicidade tributária, que estabelece

que a lei deve trazer em seu bojo, de modo expresso e inequívoco, os elementos descritores do

fato jurídico e os dados prescritores da relação obrigacional; bem como a exigência da estrita

subsunção do evento aos preceitos estabelecidos na regra tributária que o prevê.

Ainda, tal como elencamos nos exemplos acima, tratando de forma mais específica do

ICMS, faz-se necessário que a Administração, durante o exercício das funções de gestão

360 Sefaz/MS. Acórdão n. 27/2008. Processo n. 11/066471/2005-SERC. Recurso Voluntário n. 86/2007. Recorrente: Comercial J.A. Ltda. (Comercial Droga Vida Ltda). Santa Rita do Pardo-MS. Recorrida: Fazenda Pública Estadual. Relator Cons. Valbério Nobre de Carvalho. 361 Sefaz/MS. Acórdão n. 29/2008. Processo n. 11/018743/2006. Recurso Reexame Necessário n. 27/2007. Recorrente: Órgão Julgador de 1ª Instância. Recorrida: Qualidade Comércio, Importação e Exportação Ltda. Campo Grande-MS. Relator Cons. Flávio Nogueira Cavalcanti.

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tributária, indique, pormenorizadamente todos os elementos do tipo normativo que

encontram-se caracterizados na concreção do fato que irá se tributar.

Com efeito, também se faz necessário observarmos o princípio da vinculabilidade da

tributação, conforme já citamos anteriormente, e expostos no artigo 142, do Código Tributário

Nacional, efetivando-se em uma segurança aos contribuintes administrados.

Nos exemplos elencados acima, não poderíamos deixar de olvidar o respeito a tais

preceitos, notadamente na caracterização do lançamento tributário.

Vejamos a posição do eminente professor Paulo de Barros Carvalho acerca da prova

no procedimento administrativo em que, ao apreciar determinado caso jurídico-tributário

submetido por uma empresa, em que o Estado lavrou notificações fiscais exigindo ICMS

acrescido de juros e multa sob a imputação de ter a contribuinte realizado operações

tributadas sem os competentes registros. Afirma o autor em sua resposta à Consulta:

O fato imponível desse tributo, para que se dê por ocorrido, no plano da realidade físico-social, há de estar plenamente identificado segundo a linguagem competente, condição em que fará irromper o vínculo obrigacional, passando a ser devido o tributo correspondente. Verificado o fato e instalado o laço da obrigação, ficaremos autorizados a falar em operação relativa à circulação de mercadorias e em ICMS devido. Tal conclusão, nos termos de lei, é representada por operações relativas à circulação de mercadorias ou pelo fornecimento de mercadorias ou serviços em certos locais. Acontecimento dessa ordem deve ser conhecido pelo Fisco, se é que pretende exercitar seu direito subjetivo ao recebimento da prestação. Em determinadas circunstância, porém, não tendo havido recolhimento do tributo devido pelo sujeito passivo teremos configurada uma infração à legislação tributária, sujeitando-se o infrator às penalidades previstas no estatuto que criou a exação. Agora, como procurei salientar, insistentemente, não se pode presumir a saída de mercadorias, por força de operações jurídicas de circulação, meramente em virtude da existência de um relatório, cuja elaboração, conquanto atribuída ao próprio contribuinte, os funcionários fiscais não lograram revestir dos requisitos imprescindíveis de legitimidade. 362

Nesse sentido, Alessandra Dabul traduz tal pensamento com muita propriedade,

afirmando:

362 CARVALHO, P. B. A prova no procedimento administrativo tributário..., 2008. p. 114.

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Quando se menciona a verdade, está-se referindo ao resultado da produção, ampla, de provas. É importante salientar que a obrigação tributária nasce a partir da ocorrência do fato imponível. Ocorrido o mesmo, ainda que não formalizado, ali estará, e, sabe-se, surgirá o dever de recolher o tributo sobre tal fato incidente. A produção de prova visa a comprovação, a formalização daquele fato para que se dê sustentabilidade ao lançamento e, via de conseqüência, mantenha-se a tributação. Sob outro prisma, também pretende o contribuinte, pela produção de provas e caso resista à pretensão fiscal, também formalizar a inocorrência do fato imponível, ou, pelo menos, esclarecer que o mesmo não ocorreu nos moldes demonstrados (pretendidos) pelo Fisco.363

O dever da Administração, bem como dos agentes administrativos, na justificação do

ato de lançamento tributário, não é de criar uma verdade favorável ao fisco e prejudicial aos

contribuintes, mas sim deve ser de buscar, por intermédio dos meios legais, as condições para

poder imputar a ocorrência de um determinado fato jurídico tributário no mundo fenomênico,

mediante a busca de uma verdade jurídica, construída no interior do sistema do direito.364

8.9 Conclusão Parcial: a importância das provas no processo de aplicação do direito

tributário

Portanto, com base em todo o exposto anteriormente, temos que, para que se dê a

aplicação do direito de modo apropriado, se perfaz imprescindível o perfeito enquadramento

do fato à previsão normativa, mediante a constituição em conformidade à linguagem das

provas, com o objetivo primordial de acertar e certificar a veracidade dos fatos subsumidos.

É fundamentando nos princípios constitucionais, notadamente em observância aos

princípios da estrita legalidade e da tipicidade tributária, bem como ao princípio da segurança

jurídica, que afirmamos que na constituição da obrigação tributária, não basta tão somente a

observância às regras formais que disciplinam a emissão de atos constitutivos da obrigação

tributária, mas sim a materialidade deve, também, estar fundamentada e demonstrada, através

363 DABUL, A. Da prova no processo administrativo tributário..., 2010. p. 96. 364 BERNARDINI NETO, Alfredo. Teoria da prova no processo administrativo tributário: limitação à presunção. Revista de Direito Tributário da APET. Ano II. n. 5. Sâo Paulo: MP Editora, 2005. p. 21.

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de produção de provas que atestem a existência do fato sobre o qual se fundam as normas

constituidoras das relações jurídicas tributárias, garantindo que os indivíduos somente estarão

sujeitos à tributação se efetivamente for praticado o fato conotativamente descrito na hipótese

normativa.365

Sendo assim, o ato de lançamento tributário, assim como o ato de aplicação de

penalidade, dependem, necessariamente, da cabal demonstração acerca da ocorrência dos

motivos que os ensejaram, devendo, para tanto, a motivação ser respaldada em provas. Nesse

contexto, coadunamos com o entendimento do professor Paulo de Barros Carvalho, para

quem ”na própria configuração oficial do lançamento, a lei institui a necessidade de que o

ato jurídico administrativo seja devidamente fundamentado, o que significa dizer que o fisco

tem que oferecer prova concludente de que o evento ocorreu na estrita conformidade da

previsão genérica da hipótese normativa”.366

Por esses motivos, é através das provas que é possível identificar o fato alegado, e

logo, o fato jurídico tributário, em conformidade às prescrições do sistema jurídico, bem

como certificar a ocorrência de determinado fato, mediante a efetivação do perfeito

quadramento aos traços veiculados pela norma geral e abstrata, através da ocorrência da

subsunção do fato à norma, e em implicação entre antecedente e conseqüente, operações

lógicas que permitem a ocorrência da incidência jurídica. De tal modo, a obrigação de pagar

tributos somente se instalará quando for verificada a ocorrência do fato previsto na hipótese

da norma geral e abstrata.

365 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. 366 CARVALHO, P. de B. A prova no procedimento administrativo tributário..., 1998. pp. 107-108.

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8.10 Segurança Jurídica na constituição do fato jurídico tributário

8.10.1 Princípio da segurança jurídica

A Constituição Federal, mediante os seus princípios, visa manter o Estado de

Direito. Tudo o que diz respeito ao poder de tributar, encontra-se traçado na Constituição

Federal, de modo que elenca os princípios constitucionais que devem ser observados pelo

legislador, com o intuito de impedir abusos e arbitrariedades por parte do Estado, em vista da

preservação dos direitos fundamentais dos contribuintes.

Nessa esteira, a Constituição Federal disciplinou rigorosamente o ato de tributar,

tendo em vista que o tributo é exigido em decorrência de lei, independente da vontade do

contribuinte, fundando-se no poder de império do Estado.

É através da rigidez na disciplina do ato de tributar que a Constituição Federal preza

pela segurança jurídica, promovendo os valores supremos da sociedade, encontrando-se

relacionado aos demais princípios constitucionais.

O princípio da segurança jurídica é o princípio-mor da Constituição Federal, em que

a ele se convergem todos os demais princípios, com o intuito de garanti-lo.

Basicamente, o princípio da segurança jurídica preconiza a edição e a boa aplicação

das leis, dos decretos, das portarias, dos atos administrativos, entre outros, e no que interessa

ao objeto de investigação do presente trabalho, também preza pelo ato administrativo de

lançamento tributário.

Preconiza ainda a observância dos princípios da certeza e da igualdade, o que

importa dizer que retira do campo de atuação do Estado e dos particulares qualquer resquício

de arbítrio, equivalendo à confiança que as pessoas devem ter no direito, e possibilitando que

os contribuintes venham a conhecer, antecipadamente, as consequências de seus atos.

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Posto isso, objetiva proibir o livre arbítrio fazendário, bem como o emprego da

analogia para fins de exigência tributária, impedindo que tanto o aplicador do direito quanto o

intérprete acabem indo além do conteúdo propriamente dito das leis tributárias.

É o que leciona Clélio Chiesa:

A Constituição disciplinou de modo minucioso e exaustivo não só os fatos que podem ser eleitos como hipótese de incidência de impostos, como uma série de diretrizes e garantias asseguradas aos contribuintes que não podem ser mitigadas pelo legislador ordinário, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade. Nessa senda, não pode o legislador ordinário desprezar princípios e garantias constitucionais em nome de criar mecanismos destinados a tornar a Administração mais eficaz na arrecadação de tributos. Há limites que precisam ser respeitados. O legislador não pode ignorar os parâmetros estabelecidos constitucionalmente. Por outro giro, os agentes da Administração Tributária não podem valer-se de expediente repudiados pelo sistema com propósitos meramente arrecadatórios, violando direitos e garantias fundamentais dos contribuintes. A ação dos agentes da Administração deve pautar-se, entre outros, pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência administrativa. Portanto, há que se existir um equilíbrio entre o direito de fiscalizar conferido aos agentes da Administração Tributária e os direitos e garantias assegurados aos contribuintes.367

Sob o âmbito das provas e da constituição do fato jurídico tributário, entendemos que

qualquer tributo somente pode ser validamente exigido quando o fato ajustar-se exatamente

nos moldes da hipótese de incidência tributária, mediante a subsunção do fato praticado à

norma hipotético-condicional, que encontra-se prevista no ordenamento jurídico.

Vige, assim, o princípio da estrita legalidade, segundo o qual o legislador deve traçar

uma ação-tipo (abstrata) descritora do fato, em que, ocorrido no mundo fenomênico, resultará

no nascimento do tributo, conforme expressa disposição do artigo 105, inço I, da Constituição

Federal.

O fato imponível apto a ensejar a constituição do crédito tributário somente deve

ocorrer quando há a efetiva verificação do evento no mundo real, e logo, dos fatos descritos

de forma abstrata na hipótese de incidência jurídica tributária.

367 CHIESA, Clélio; SALOMÃO, Marcelo Viana (org.); PAULO JUNIOR, Aldo de (org.). Processo Administrativo: sanções políticas e penais de perdimento de bens e mercadorias. Processo Administrativo Tributário. São Paulo: MP Editora, 2005. pp. 87-88.

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Ainda, diz respeito à segurança jurídica o princípio da tipicidade tributária, segundo o

qual, a lei que cria o tributo deve descrever todos os elementos essenciais da norma jurídica

tributária, de modo que, encontrando-se ausente qualquer um dos elementos componente da

regra-matriz de incidência tributária, não há que se falar em tributo.

E, relacionando-se a tais princípios, devemos considerar, também, o princípio da

legalidade tributária, em que preconiza que a Administração Pública deve agir, tão somente,

nos estritos limites que a lei autorizou.

Nessa esteira, Tácio Lacerda Gama, ao lecionar acerca da competência tributária e

os princípios, assevera que princípio é “(...) enunciado normativo que integra a estrutura de

uma norma de competência, compondo-lhe o sentido, seja no antecedente, seja no

conseqüente, veiculando valores ou limites objetivos, ampliando ou restringindo os seus

6ambitos de validade”.368

Portanto, o princípio da segurança jurídica, enquanto princípio-mor da Constituição

Federal, relaciona-se com os demais princípios, notadamente na imposição tributária aos

contribuintes, de modo que, com objetivo de proteção à confiança, atesta o princípio da

tipicidade fechada em matéria tributária, bem como proíbe o livre arbítrio fazendário e seus

abusos, bem como o emprego de analogia para o fim de exigências tributárias.

8.10.2 Limitações ao emprego de presunções e ficções em matéria tributária

Como anotamos anteriormente, é necessária a fundamentação das normas individuais

e concretas na linguagem das provas, em consonância ao que estabelece os princípios

constitucionais tributários, tais como os princípios da estrita legalidade e da tipicidade

tributária, bem como o princípio da segurança jurídica. Nesse contexto, a obrigação de pagar

368 GAMA, T. L. Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico..., 2003. p. 142.

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tributos somente deve instalar-se mediante efetiva verificação de ocorrência do fato previsto

na hipótese da norma geral e abstrata.

Não podemos admitir, assim, que um determinado fato tenha acontecido se as provas

venham a demonstrar o contrário, pois, do contrário, incidiria em violação aos preceitos

constitucionais que orientam o sistema tributário.

Mas, e relativamente ao emprego das presunções em matéria tributária?

Em conformidade a Fabiana Del Padre Tomé, a presunção caracteriza-se como “a

operação intelectual que estabelece relação de causalidade entre o fato indiciário e o fato

probando”.369

Logo, podemos afirmar que as presunções emergem do pensamento humano, em que

se parte de um mero evento do cotidiano até se chegar a outro, de existência meramente

provável, de modo que haja uma correlação lógica entre ambos, bem como não venha a

extrapolar os limites da razoabilidade.

A operação lógica que se faz a partir do indício pode assumir a qualidade de (i)

presunção simples ou hominis, sendo construída pelo aplicador do direito, segundo sua

própria convicção; ou de (ii) presunção legal ou legis , elaborada também pelo ser-humano,

mas expressamente determinada em lei”.

As denominadas “presunções legais” podem ser classificadas como relativas e

absolutas, em conformidade à admissão de prova em contrário, ou não. As presunções

absolutas, em que a relação e sua conseqüência encontram-se previstas na lei, estabelecem a

existência de fatos, mas não admitem provas em contrário. Por isso, são denominadas como

disposição legal de ordem substantiva, e, com conformidade a Fabiana Del Padre Tomé, não

caracterizam presunção. Portanto, é inadmissível o seu uso para a determinação de ocorrência

369 TOMÉ, F. D. P. Estrita Legalidade e a importância das provas na aplicação das normas jurídicas tributárias..., p. 75.

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do fato jurídico tributário, bem como dos elementos definidores da correspondente

obrigação.370

Essa disposição também aplica-se às ficções. Em conformidade à autora, “na ficção o

enunciado normativo constrói o próprio fato jurídico, independente de relações de causa e

efeito, ainda que artificiais, como ocorre na presunção absoluta”.371

Por esses motivos, as presunções absolutas e ficções não encontram aplicação na

esfera tributária, tal como afirma Paulo Ayres Barreto, “considerando ser inaceitável recorrer

a presunções absolutas e ficções para erigir hipótese de incidência tributária, conotar-se o

fato jurídico tributário ou a relação obrigacional dele decorrente”.372

Portanto, não há que se afirmar a existência de criação válida de presunções absolutas

e ficções em matéria tributária, pois não é possível, por exemplo, a imputação de dos efeitos

do fato imponível a um evento fenomênico que não venha a caracterizar-se como tal, pois, de

tal modo, acabaria contrariando os princípios da estrita legalidade, da tipicidade da tributação

e da segurança jurídica.

Coadunando com a lição de Fabiana Del Padre Tomé, devem ser aceitas e validamente

utilizadas no direito tributário as presunções relativas, que, ao seu ver, “seja compatíveis com

os pilares do ordenamento pátrio, possibilitando o exercício da ampla defesa, com todos os

meios e recursos a ela inerentes, o que inclui a produção probatória objetivando

desconstituir o fato presumido”.373

370 TOMÉ, F. D. P. Estrita Legalidade e a importância das provas na aplicação das normas jurídicas tributárias..., p. 75. 371 Ibidem., p. 75. 372 BARRETO, Paulo Ayres apud TOMÉ, Fabiana Del Padre. Ibidem. p. 76. 373 Ibidem., p. 76. Nesse sentido, a autora ainda exemplifica: “Exemplo dessa espécie de presunção pode ser observado no art. 42 da Lei n. 9430/1996. que dispões estar caracterizada ‘omissão de receita ou de rendimentos ou valores creditados em conta de depósito ou investimento mantida junto a instituição financeira, em relação aos quais o titular, pessoa física ou jurídica, regularmente intimado, não comprove , mediante documentação hábil e idônea, a origem dos recursos utilizados nessas operações. Trata-se de presunção relativa, perfeitamente admissível no ordenamento brasileiro. A título ilustrativo, é interessante fazer referência, também, ao art. 60 do Decreto-lei n. 1.598/1977, reproduzido no art. 464 do Decreto n. 3.000/1999 (RIR/1999). Referidos diplomas prescrevem presumir-se distribuição disfarçada de lucros nos negócios em que a pessoa jurídica pratica operações em valores notoriamente diversos dos de mercado. Tal presunção é desconstituída por prova em contrário, determinado o § 3º do art. 60 do Decreto-lei n. 1.598/1977 que a ‘prova de que o

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Portanto, as presunções relativas podem ser utilizadas no direito tributário, desde que

admitam a prova em contrário e o contraditório. No entanto, se perfaz imprescindível que a

autoridade administrativa prove o fato que desencadeia a operação presuntiva e que irá

viabilizar a instalação da relação jurídica correspondente, devendo a fiscalização, mesmo

diante de norma presuntiva, efetivar a produção probatória. Conseqüentemente, deve ser

reconhecida a inviabilidade da atuação fiscal caso o fato que venha a figurar na hipótese da

norma presuntiva não for demonstrado por meio da linguagem das provas.

Nesse sentido manifestou-se o Ministro do Supremo Tribunal Federal Moreira Alves

que, em sua conferência para o IX Simpósio Nacional de Direito Tributário, realizado em São

Paulo em outubro de 1995, sob a coordenação de Ives Gandra da Silva Martins:

Indício em si mesmo não é prova. É um fato cuja certeza depende de uma prova (documento, testemunha, etc) para provar que um fato é verdadeiro. Vezes há em que apenas um indício, desde que veemente, pode levar à conclusão da ocorrência de um fato. Indício veemente é igual à presunção legal relativa (o Estado dele se serve, o contribuinte pode provar o contrário; e o juiz dirá se caracteriza ou não o fato gerador). No Direito Civil temos as presunções relativas e absolutas, enquanto no Direito Tributário a presunção de fato assemelha à presunção relativa.374

Devemos considerar que um determinado tributo somente deve ser validamente

exigido quando o fato ajustar-se exatamente nos moldes da hipótese de incidência tributária,

de modo que devemos consideras que nem a lei e nem mesmo a Fazenda Pública detém o

dever de considerar ocorrido e devido um determinado fato imponível somente considerado

mera presunção, ficção e indício. Mas sim, se faz necessário que haja a efetiva subsunção do

fato praticado à norma hipotético-condicional, prevista no ordenamento jurídico, de modo que

se tenha a efetiva comprovação de ocorrência do evento no mundo real, e logo, dos fatos

descritos de forma abstrata na hipótese de incidência jurídica tributária.

negócio foi realizado no interesse da pessoa jurídica e em condições estritamente comutativas, ou em que a pessoa jurídica contrataria com terceiros, exclui a presunção de distribuição disfarçada de lucros”. 374 ALVES, Moreira. Caderno de Pesquisas Tributárias. São Paulo: Centro de Extensão Universitária; resenha Tributária, 1996. pp. 351-352.

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Nesse sentido, é o entendimento do antigo Conselho de Contribuintes, hoje

denominado Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF, que manifestou-se da

seguinte forma no julgado abaixo:

IRPJ. Omissão de receitas. Passivo fictício. Não comprovado que o passivo era fictício, afasta-se a presunção de omissão de receitas. Não fica, todavia, o Fisco dispensado de provar a ocorrência do fato base que autoriza a presunção. Lançamentos decorrentes. Aplicam-se aos lançamentos decorrentes as razões de decidir e conclusão adotadas no lançamento matriz. Recurso provido.375

No entanto, no âmbito tributário, devemos destacar que as presunções exercem

importantes funções, tais como:

(i) para suprir deficiências probatórias, devendo ser utilizadas quando o Fisco se vê

impossibilitado de provar certos atos;

(ii) para garantir eficácia à arrecadação;

(iii) para preservar a estabilidade social

(iv) para dificultar a evasão fiscal e propiciar maior eficiência na arrecadação de

tributos; entre outras.376

No emprego de ficções e presunções em matéria tributária, é imprescindível que a

autoridade administrativa venha a provar o fato que desencadeia a instalação da relação

jurídica correspondente, não dispensando a produção probatória por parte da Administração, 375 1º Conselho de Contribuintes. 1ª Câmara. AC. 101-93730, Rel. Cons. Sandra Maria Faroni, sessão de 24.01.2002. 376 TOMÉ, F. D. P. Estrita Legalidade e a importância das provas na aplicação das normas jurídicas tributárias..., p. 76. Nesse sentido, vejamos: EMENTA: ICMS. OMISSÃO DE SAÍDAS TRIBUTADAS – FATO PRESUMIDO COM BASE EM SALDO CREDOR NA CONTA CAIXA – AUTUAÇÃO PROCEDENTE. RECURSO VOLUNTÁRIO DESPROVIDO. A constatação da existência de saldo credor na conta caixa autoriza o Fisco a presumir ocorrência de vendas de mercadorias tributadas, como origem do ingresso de receita à margem de registros fiscais e contábeis, legitimando a exigência fiscal. (Sefaz/MS. Acórdão n. 015/2012. Processo n. 11/003449/2006. Recurso Voluntário n. 47/2007. Recorrente: Miramóveis Comércio Móveis Ltda. Miranda-MS. Recorrida: Fazenda Pública Estadual. Relatora Cons. Marilda Rodrigues dos Santos. Publicado no D.O.E. 8.150, em 13.03.2012, pág. 2)

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devendo ser observados os direitos constitucionalmente assegurados aos contribuintes, tais

como os princípios da legalidade, da tipicidade, da rígida discriminação constitucional das

competências impositivas, da capacidade contributiva e da segurança jurídica, devendo a

adoção das presunções ser realizada com observância dos preceitos constitucionais.

E, ainda, devemos considerar que a Constituição Federal estabelece que não é possível

às pessoas políticas exigir ou aumentar tributos sem lei que o estabeleça, vedando, assim, ao

ente fiscal a utilização de instrumentos ardilosos e artifícios exegéticos para autuar o

contribuinte, fazendo-se subsumir qualquer situação fática ao preceito normativo tributário,

v.g., presunções, ficções e indícios. Tanto é que o sistema tributário admite as presunções,

ficções e indícios, mas, o faz mediante limitações, pois, ao legislador não convém ignorar os

princípios constitucionais, tal como o princípio da tipicidade fechada.377

Nesse sentido, o professor Roque Antônio Carrazza leciona que não podem os tipos

tributários serem interpretados de forma ampliativa, no sentido de extrapolar os limites

estabelecidos pelo legislador no ordenamento jurídico-tributário pátrio em busca de erradicar

possíveis manobras tributárias evasivas, sendo que, conforme o professor, a não observância

estrita dos limites fronteiriços da legislação constitucional tributária incorre em inobservância

ao princípio da tipicidade fechada bem como ao princípio da segurança jurídica. É o

posicionamento do autor:

Os tipos tributários com que fecham a realidade tributária, não podendo ser alargados por meio de presunções, ficções ou mero indícios. É inadmissível que agente fiscal abra aquilo que o legislador, atento aos ditames constitucionais, cuidadosamente fechou. O afâ de evitar que os mais espertos se furtem ao pagamento dos tributos absolutamente não autoriza a utilização do arbítrio. Em suma, a busca da justiça não prevalece sobre a segurança jurídica, que o princípio da tipicidade fechada confere aos contribuintes. Ademais, enquanto lança ou lavra o auto de infração, o Fisco tem o dever de imparcialidade, limitando-se a sopesar o ato ou fato que vai declarar oficialmente subsumido, respectivamente, à hipótese de incidência do tributo ou o ato penal tributário.

377 HARET, F. C. Presunções Tributárias: teoria e prática. São Paulo: Noeses, 2010.

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Logo, o lançamento e o auto de infração também estão sob a égide da segurança jurídica, com os seus consectários (estrita legalidade, tipicidade fechada, ampla defesa, etc). Enquanto edita estes atos administrativos, o Fisco não pode, sob pena de nulidade, adotar critérios própios (subjetivos), no lugar dos legais.378

Desse modo, mister concluirmos que a determinação do fato jurídico tributário, e logo,

exigência tributária deve ser operada dentro dos estritos limites da legalidade e da tipicidade,

bem como em consonância à segurança jurídica, devendo, para tanto, decorrer não de uma

mera probabilidade mas sim de um juízo de certeza, sendo, assim, descabida o emprego de

recursos imaginativos, presuntivos e ficcionais.

A competência impositiva fiscal, e logo, a tributação de um fato, deve ser exaustiva,

em conformidade ao disposto nos princípios constitucionais, notadamente da tipicidade, da

legalidade e da segurança jurídica, de modo a permitir a identificação dos critérios necessários

à descrição tanto do fato tributável quanto da relação jurídico-tributária, não comportando

dúvidas e infidelidades nos lançamentos fiscais.379

8.10.3 Segurança Jurídica na constituição do fato jurídico tributário

Os princípios constitucionais visam preservar os direitos e as garantias fundamentais

do cidadão contribuinte.

Foi visto anteriormente que a norma individual e concreta é de fundamental

importância para a fenomenologia da incidência tributária, tendo em vista que é através dela

que se constitui o fato jurídico tributário, bem como a conseqüente obrigação, pois, um tributo

378 CARRAZZA, R. A. Curso de Direito Constitucional Tributário..., 2010, pp. 482-483. 379 Nesse sentido, vejamos o posicionamento da Terceira Câmara do extinto Primeiro Conselho de Contribuintes, e hoje Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, que, no Acórdão n. 103-20.485 posicionou-se da seguinte forma: “O princípio da tipicidade revela que o instituto da competência impositiva fiscal deve ser exaustiva. Todos os critérios necessários à descrição tanto do fato tributável como da relação jurídico-tributária reclamam uma manifesta e própria dúvida. A certeza e segurança jurídicas envoltas no princípio da reserva legal (CTN arts. 3º e 142 )não comportam infidelidades nos lançamentos fiscais. ”

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somente pode ser validamente exigido quando um fato ajusta-se, rigorosamente, à hipótese de

incidência tributária.

E, ainda, para que se dê a correta constituição dos fatos, o emissor deve pautar os

enunciados na linguagem admitida pelo Direito.

Apenas retomando as premissas firmadas anteriormente, os eventos não são

enunciados lingüísticos, mas sim meras ocorrências materiais e que podem ser verificadas no

mundo da experiência. Para que sejam considerados como fatos, tais eventos devem ser

relatados em enunciados lingüísticos, com o intuito de relatar e constituir os eventos como

acontecimentos perante a realidade social.

Mas, para que um fato venha a pertencer a um determinado sistema, esse fato deve ser

relatado em conformidade às regras impostas por esse sistema. Ou seja, um determinado

evento somente será considerado integrante do mundo do Direito caso venha a ser produzido

pela forma prescrita por ele, ou seja, em linguagem competente, em conformidade à

segurança jurídica.

Leciona Fabiana Del Padre Tomé:

Não é qualquer espécie lingüística, porém, capaz de produzir tais efeitos. Para que se tenha um fato pertencente a determinado sistema, necessário se faz que seja relatado segundo as regra por ele impostas. Não obstante os eventos possam ser expressos por diversos tipos de linguagem, estes só pertencerão ao mundo do direito se produzidos na forma por ele prescrita. Isso confere segurança jurídica ao ordenamento, pois dá a certeza de que ingressará no sistema do direito positivo apenas aquilo que for vertido na linguagem competente, segundo o código lícito/ílícito.380

É certo que somente por intermédio das provas admitidas em Direito se é possível

certificar a ocorrência de um determinado fato, bem como atestar a sua veracidade.

É nesse contexto que se insere a necessária observância ao princípio da segurança

jurídica pois, é fundamental, para a observância da segurança jurídica, que os fatos

constituídos sejam pautados em provas, sendo imprescindível a linguagem das provas para o

380 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 56.

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alcance da verdade lógica, de modo que, somente se presentes as provas em Direito admitidas,

é que um determinado fato jurídico poderá ser dado como ocorrido.

Nesse sentido, acerca da importância em se observar o princípio da segurança

jurídica, Fabiana Del Padre Tomé bem explicita:

A fundamentação das normas individuais e concretas na linguagem das provas decorre da necessária observância aos princípios da estrita legalidade e da tipicidade tributária, limites objetivos que buscam implementar o sobreprincípio da segurança jurídica, garantindo que os indivíduos estarão sujeitos à tributação somente se for praticado o fato conotativamente descrito na hipótese normativa. Como bem ensina Paulo de Barros Carvalho, o princípio da tipicidade tributária define-se em duas dimensões, quais sejam o plano legislativo e o da facticidade. No primeiro está a necessidade de que a norma geral e abstrata traga todos os elementos descritores do fato jurídico tributário e os dados prescritores da relação obrigacional, ao passo que no segundo tem-se a exigência da estrita subsunção do fato à previsão genérica da norma geral e abstrata, vinculando-se à correspondente obrigação.

Para tanto, partimos da premissa, vista anteriormente, de que a norma individual e

concreta que constitui o fato jurídico tributário e a correspondente obrigação deve estar

fundamentada na linguagem das provas, em observância ao princípio da segurança jurídica, já

que, é por intermédio das provas que é possível certificar a ocorrência do fato, bem como o

seu perfeito enquadramento à previsão da norma geral e abstrata.

Nesse sentido, é o entendimento do antigo Conselho de Contribuintes, hoje

denominado Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF, que manifestou-se da

seguinte forma no julgado abaixo:

IRPJ – FALTA DE CARACTERIZAÇÃO DA INFRAÇÃO. Em respeito à legalidade, verdade material e segurança jurídica não pode subsistir lançamento de crédito tributário quando não estiver devidamente demonstrada e provada a efetiva subsunção da realidade factual à hipótese descrita na lei como infração à legislação tributária.381

381 AC. 103-20.594, 3ª Câm., Rel. Cons. Mary Elbe Gomes Queiroz, j. 2205-2001.

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Elucidativo, também, o posicionamento atual do Conselho Administrativo de Recursos

Fiscais – CARF, ao atestar que não devem ser válidos os lançamentos tributários que não

apresentam elementos de segurança necessários para a demonstração e a sustentação do fato

presumido pelo fisco:

(...) nas presunções simples é necessário que o fisco esgote o campo probatório. A atividade de lançamento tributário é plenamente vinculada e não comporta incertezas. Havendo dúvida sobre a exatidão dos elementos em que se baseou o lançamento, a exigência não pode prosperar por força do disposto no art. 122, do CTN.382

A imputação de direitos, deveres e obrigações aos sujeitos somente deve ocorrer

após a efetiva ocorrência dos fatos jurídicos, que devem, para tanto, serem considerados

verdadeiros, por tudo o que já foi exposto acima. Caso contrário, não sendo passível de

verificar a ocorrência concreta do fato, ocorrer-se-á a imputação indevida de consequências

legais, e logo, caracterizando a inobservância do princípio da segurança jurídica.

Nesse contexto, Maria Rita Ferragut nos ensina que há a caracterização da segurança

jurídica quando há a certificação acerca da concretização dos fenômenos, evitando, assim, aos

contribuintes, a imputação indevida de deveres e obrigações a partir da ocorrência de fatos

jurídicos :

O sistema jurídico, ao imputar aos sujeitos direitos, deveres e obrigações a partir da ocorrência dos fatos jurídicos (fatos sociais juridicizados por uma norma que descreve os critérios necessários para a identificação da situação fática juridicamente relevante), deve necessariamente procurar certificar-se de que a concretização fenomênica dos eventos descritos nesses fatos é verdadeira, evitando-se imputar indevidamente consequências legais, em flagrante insegurança jurídica.383

Desse modo, em conformidade ao princípio da segurança jurídica, para que a

exigência tributária se dê em conformidade aos ditames constitucionais, deve,

382 Acórdão 107-06.229, Relator Conselheiro Luiz Martins Valero, de 22.03.2001. 383 FERRAGUT, M. R. Presunções no Direito Tributário.., 2005. p. 64.

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265

necessariamente o fato jurídico tributário decorrer de um juízo de certeza, não comportando

infidelidade nos lançamentos tributários.

8.10.4 A prova no procedimento administrativo tributário e a segurança jurídica

Um tributo somente passa a ser exigível quando o fato a que refere-se ajusta-se, de

formas rigorosa, à hipótese de incidência tributária, caracterizando, assim, o fato imponível.

Para tanto, o fato imponível deve efetivamente ter ocorrido, sendo, assim, passível de

verificação no mundo concreto os fatos abstratamente descritos na hipótese de incidência

tributária.

Acerca da importância das provas no processo administrativo tributário, Maria do

Rosário Esteves afirma que:

A prova é um fato para provar outro fato, o fato jurídico tributário. Os fatos jurídicos são os enunciados proferidos na linguagem competente do direito positivo, articulados em consonância com a teoria das provas, devendo pois, ser constituído pela linguagem jurídica das provas. Se tivermos uma linguagem jurídica que descreva o evento, como se o mesmo tivesse ocorrido, para o mundo jurídico ele estará constituído, a não ser que, outra linguagem, também jurídica, venha a desconstituí-lo. Especificamente, no campo tributário, o objeto da prova é o fato jurídico tributário, ou seja, o enunciado protocolar que instaura a relação jurídica tributária. Desse modo, o Fisco deve provar a constituição do fato jurídico tributário e, por sua vez, o particular, ao impugnar o ato administrativo emitido pelo Fisco, deve provar que o fato tributário não se constituiu.384

Nesse contexto, prezando pela segurança jurídica no processo administrativo

tributário, a Fazenda Pública não pode considerar ocorrido um fato imponível apenas

baseando-se em meras ficções, presunções e indícios. Apesar de o sistema tributário pátrio

admitir as presunções, ficções e indícios com limitações385, não podemos deixar de observar

os princípios constitucionais tributários, notadamente o princípio da segurança jurídica e o

princípio da tipicidade fechada. 384 ESTEVES, M. R. Os meios de prova no processo administrativo tributário..., 2005. pp. 506-507. 385 HARET, Florence Cronemberger. Presunções Tributárias: teoria e prática. São Paulo: Noeses, 2010.

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É a lição do professor Roque Antônio Carrazza acerca do tema:

(...) colige-se que a segurança jurídica só permite que o agente fiscal efetue o lançamento se tiver efetivo conhecimento da ocorrência do fato imponível. Também só lhe é dado lavrar ao auto de infração tendo real ciência de determinados fatos que, em tese, tipificam ilícitos tributários. E, ao lançar ou lavrar o auto de infração, deve observar os procedimentos formais, previstos em lei, para provar que tais fatos ocorreram. O agente fiscal não pode, pois, valer-se de presunções, ficções ou indícios para suprir lacunas da realidade que se lhe apresenta. Não devemos nos esquecer de que os agentes fiscais, como, de resto, todos os funcionários públicos, têm o dever de resolver motivadamente os casos que lhe são afetos, observados os direitos e garantias individuais. (...) Conjecturas, indícios, intuições, positivamente não são meios de prova. São, quando muito, pressupostos de meios de prova, que absolutamente ao podem levar a lançamentos tributários ou à imposição de sanções fiscais.386

O lançamento tributário encontra-se sob a égide do princípio da segurança jurídica,

de modo que, quando a Fazenda Pública, no processo administrativo tributário, edita tais atos

administrativos, deve observar os critérios estabelecidos na lei, e não adotar critérios próprios

ou subjetivos, sob pena de nulidade.

O agente fiscal somente deve efetuar o lançamento tributário após observar os

procedimentos formais previstos na lei, bem como após possuir efetivo conhecimento da

ocorrência do fato imponível. Deve ser possível a ele comprovar a culpabilidade do

contribuinte, que inicialmente é detentor de presunção juris tantum, ou seja, o contribuinte

deve ser presumido inocente, que somente pode ser desconstituída mediante um mínimo de

provas produzidas na esfera administrativa, através da observância do devido processo legal,

da tipicidade, da estrita legalidade e com a garantia da ampla defesa.

É nessa linha de raciocínio que a Terceira Câmara do extinto Primeiro Conselho de

Contribuintes, hoje denominado Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, afasta

a tributação que não tenha, de forma exaustiva, sido demonstrada a aplicabilidade:

386 CARRAZZA, R. A.. Curso de Direito Constitucional Tributário..., 2011. pp. 510-511.

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O princípio da tipicidade revela que o instituto da competência impositiva fiscal deve ser exaustiva. Todos os critérios necessários á descrição tanto do fato tributável como da relação jurídico-tributária reclamam uma manifesta e própria dúvida. A certeza e segurança jurídicas envoltas no princípio da reserva legal (CTN, arts. 3º e 142) não comportam infidelidades nos lançamentos fiscais.387

Nesse sentido, concordamos com o professor Roque Antônio Carrazza, ao afirmar que

o lançamento fiscal somente deve ser efetivado quando o agente fiscal possuir efetivo

conhecimento da ocorrência do fato jurídico. Vejamos:

a segurança jurídica só permite que o agente fiscal efetue os lançamentos se tiver efetivo conhecimento da ocorrência do fato imponível. Também só lhe é dado lavrar o auto de infração tendo real ciência de determinados fatos que, em tese, tipificam ilícitos tributários. E, ao lançar ou lavrar o auto de infração, deve observar os procedimentos formais, previstos em lei, para provar que tais fatos ocorreram. O agente fiscal não pode, pois, valer-se de presunções, ficções ou indícios para suprir lacunas da realidade que se lhe apresenta. Não devemos nos esquecer de que os agentes fiscais, como, de resto, todos os funcionários públicos, têm o dever de resolver motivadamente os casos que lhe são afetos, observados os direitos e garantias individuais”.388

Essa presunção juris tantum de validade, ou presunção de legitimidade, pressupõe

que a Administração detém o dever de comprovar a ocorrência do fato jurídico tributário,

assim como as circunstâncias de sua ocorrência, de modo que haja a demonstração dos

motivos que ensejaram o ato de lançamento, devendo tal motivação ser respaldada em provas,

até mesmo com o intuito de permitir a defesa do contribuinte.

É nesse sentido também o posicionamento do Tribunal de Impostos e Taxas do

Estado de São Paulo acerca da necessidade da prova do fato jurídico tributário para a

expedição do lançamento tributário:

PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO. NULIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. I. A via do Auto de Infração e Imposição de Multa que é entregue ao contribuinte deve estar acompanhada de cópias dos documentos apreendidos pela Fiscalização e que serviram para embasar sua acusação. A inobservância desse preceito dá origem a cerceamento de defesa.

387 Terceira Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes, Acórdão 103-20.485, de 29.01.2001. 388 CARRAZZA, R. A. Curso de Direito Constitucional Tributário..., 2011. p. 417.

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II. Recurso provido. Recurso de contribuinte. III. Processo DRT – 12 – 3573/93 – Pedido de Revisão – Câmaras Reunidas – Rel. Juíza Antonia Emilia Pires Sacarrão – j. 24/4/2001. Decisão unânime.389

Ao discorrer sobre o tema, o eminente professor Paulo de Barros Carvalho leciona

que “na própria configuração oficial do lançamento, a lei institui a necessidade de que o ato

jurídico administrativo seja devidamente fundamentado, o que significa dizer que o fisco tem

que oferecer prova contudente de que o evento ocorreu na estrita conformidade da previsão

genérica da hipótese normativa”.390

Esse ônus de provar o fato jurídico que incube à Fazenda Pública, no processo

administrativo tributário, caracteriza-se como um dever de verificar e demonstrar a ocorrência

efetiva da situação jurídica tributária. Nesse sentido, Fabiana Del Padre Tomé explicita:

(...) A existência do ônus pressupõe um direito subjetivo disponível, que pode ou não ser exercido, situação que não se verifica na esfera tributária, tendo em vista que os atos de lançamento e de aplicação de penalidades pelo descumprimento de obrigações tributárias ou de deveres instrumentais competem ao Poder Público, de modo privativo e obrigatório, tendo de fazê-lo com base nos elementos comprobatórios do fato jurídico e do ilícito tributário. Daí por que não tem a autoridade administrativa mero ônus de provar o fato jurídico ou ilícito tributário que dá suporte a seus atos, mas verdadeiro dever, como manifestado por José Souto Maior Borges: “O Fisco, entretanto, tem o dever – não o ônus – de verificar a ocorrência da situação jurídica tributária conforme ela se desdobra no mundo fáctico, com independência das chamadas provas pré-constituídas ou presunções de qualquer gênero. (...) Se o procedimento administrativo tributário é, em princípio, indisponível, nele não cabe a inserção da categoria jurídica em que o ônus consiste”. A construção do fato no antecedente da norma administrativo-tributária individual e concreta, por meio das provas admitidas, constitui-se na própria motivação do ato administrativo, elemento sem o qual este não subsiste.391

Caso o ato de lançamento não encontre-se fundamentado em provas, em

conformidade ao princípio da segurança jurídica, ele encontrar-se-á maculado, devendo ser

retirado do ordenamento, sendo, assim, extremamente necessário que sejam apresentados os

documentos comprobatórios do fato enunciado no antecedente da norma individual e concreta

emitida. Seguindo semelhante linha de raciocínio, conclui Fabiana Del Padre Tomé que “é

389 Conforme Ementário do Tribunal de Impostos e Taxas do estado de São Paulo, 2003. p. 19 in ESTEVES, M. do R. A prova do fato jurídico no processo administrativo tributário..., 2005. p. 80. 390 CARVALHO, P. de B.A prova no procedimento administrativo tributário..., 1998. pp. 107-108. 391 TOMÉ, F. D.P. A prova no direito tributário..,2005. p. 152.

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insustentável o lançamento ou o ato de aplicação de penalidade que não tenha suporte em

provas suficientes da ocorrência do evento”.392

Desse modo, afirmamos que, em conformidade ao que preconiza o princípio da

segurança jurídica, que interpenetra-se com os demais princípios constitucionais, è dever

inerente à Fazenda Pública demonstrar, mediante provas concretas, acerca da

responsabilidade do contribuinte, principalmente na realização do lançamento tributário,

sendo que o agente fiscal somente deve efetuar o lançamento se possuir efetivo conhecimento

de sua ocorrência, sendo bem fundamentado. Será através das provas que um determinado

fato ocorre no mundo jurídico, possibilitando que a verdade material ingresse no mundo

jurídico, transformando-se em verdade jurídica.

Em nenhum momento a Constituição Federal autoriza a tributação de um fato

presumido, de provável ocorrência, de ocorrência incerta. Só se refere a fatos concretamente

já ocorridos, justamente para obedecer o maior dos princípios constitucionais, que é o da

segurança jurídica, bem como proteger o conjunto de direitos e garantias que a Constituição

Federal confere aos contribuintes. Essa “provável ocorrência” gera insegurança jurídica ao

contribuinte.

Também em observância à segurança jurídica, deve o contribuinte ter conhecimento

dos motivos que ocasionaram a realização do ato de lançamento, de modo a permitir que

possa impugná-lo, mediante o respeito ao seu direito ao contraditório e à ampla defesa.

Nesse sentido, vejamos:

EMENTA: PROCESSUAL. TERMO DE INÍCIO DE FISCALIZAÇÃO – DESNECESSIDADE – ILEGIBILIDADE DE PARTE DAS CÓPIAS DAS NOTAS FISCAIS – CERCEAMENTO DE DEFESA – NÃO CONFIGURAÇÃO – NULIDADES AFASTADAS. MULTA (ICMS). FALTA DE REGISTRO DE NOTAS FISCAIS DE AQUISIÇÃO DE MERCADORIAS DESTINADAS A CONSUMO PRÓPRIO - FATO APURADO MEDIANTE CONFRONTO DOS REGISTROS DO SINTEGRA COM A ESCRITA FISCAL – POSSIBILIDADE – ALEGAÇÃO DE NÃO OCORRÊNCIA DA AQUISIÇÃO – NÃO

392 TOMÉ, F. D. P. O ônus/dever da prova no processo administrativo..., 2005. p.156.

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270

COMPROVAÇÃO. LEGITIMIDADE DA EXIGÊNCIA FISCAL. RECURSO VOLUNTÁRIO DESPROVIDO. A ausência de emissão do Termo de Início de Fiscalização não gera a nulidade da imposição de multa, pois não constitui elemento formal do ato (Súmula n. 12). Em que pese o fato de que algumas cópias das notas fiscais contêm informações parcialmente ilegíveis, não se configura o cerceamento de defesa quando os demais elementos informativos nos autos permitem o pleno exercício de defesa. Para os efeitos fiscais, as informações contidas no Sintegra são consideradas registro fiscal e provam, também, de forma relativa, conforme os seus arquivos, os dados constantes dos documentos fiscais correspondentes, por força do que dispõem as Cláusulas décima sétima e décima nona do Convênio ICMS n. 57, de 28 de junho de 1995. Mera alegação de não aquisição das mercadorias constantes das notas fiscais relacionadas no ALIM, desacompanhada de prova ou indício consistente, é insuficiente para desconstituir as informações constantes do Sintegra.393 EMENTA: ICMS – GADO BOVINO – 1) CONVERSÃO DO JULGAMENTO EM DILIGÊNCIA – PRELIMINAR REJEITADA POR FALTA DE AMPARO LEGAL – 2) OMISSÃO DE VENDAS – REBANHO FINAL DECLARADO NA DAP – INEXISTÊNCIA COMPROVADA – CARACTERIZAÇÃO – DOCUMENTO PARTICULAR NÃO IMPUGNADO NO PRAZO LEGAL – PRESUNÇÃO DE VERACIDADE. RECURSO IMPROVIDO. A instrução do Processo, com as provas cabíveis, compete exclusivamente às partes, não cabendo à instância superior nenhuma diligência a este respeito. Ao contribuinte compete o ônus da prova quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da Fazenda Pública Estadual exigir a cobrança do tributo, quando verificar o descumprimento de obrigação acessória relevante, nos termos do artigo 333, I, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao Processo Administrativo Fiscal. A teor do artigo 372 do supra citado "Codex", declaração constante de documento particular, escrito e assinado, inclusive por duas testemunhas, presume-se verdadeiro, no silêncio da parte contra a qual foi produzido. "In casu", o recorrente não se desincumbiu do ônus da prova que lhe competia e nem, tampouco, contestou a veracidade e a autenticidade da declaração constante dos autos, dando azo à manutenção do lançamento efetuado pelos Fiscais de Rendas.394 EMENTA: ICMS – SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA – IRREGULARIDADE NO ENQUADRAMENTO LEGAL E CERCEAMENTO DE DEFESA – PRELIMINARES REJEITADAS. RECOLHIMENTO INSUFICIENTE DO IMPOSTO – CARACTERIZAÇÃO – AUTUAÇÃO PROCEDENTE. MULTA – PRINCÍPIO DO NÃO-CONFISCO – INAPLICABILIDADE. REEXAME NECESSÁRIO E RECURSO VOLUNTÁRIO IMPROVIDOS. A irregularidade no enquadramento legal da matéria tributável, passível de saneamento, não implica nulidade do lançamento, no pressuposto de que o sujeito passivo se defende dos fatos que lhe foram imputados e não da capitulação legal. Não há que se falar em cerceamento de defesa quando o autuado demonstra perfeito entendimento da acusação fiscal e dela se defende. Comprovado que o contribuinte na condição de substituto tributário não recolheu o imposto retido, legítima é sua exigibilidade. O princípio do não-confisco, previsto para os tributos, não se aplica às multas, não prevalecendo, fundamentada nesse princípio, a alegação de inconstitucionalidade da multa aplicada, além de ser defeso aos órgãos de julgamento administrativo

393 Sefaz/MS. Acórdão n. 065/2012. Processo n. 11/040650/2008 Recurso Voluntário n. 17/2009. Recorrente: Comércio Portoalegrensse Alimentos Ltda. Campo Grande-MS. Recorrida: Fazenda Pública Estadual. Relator Cons. Daniel Castro Gomes da Costa. Publicado no D.O.E. 8.195, em 21.05.2012, págs. 7/8. 394 Sefaz/MS. Processo n. 03/007544/93-SEFOP. AI n. 2897. Recurso Voluntário n. 33/94. Recorrente: Paulo Hideki Yonegura. CCE n. 28.548.024-3. Naviraí-MS. Recorrida: Fazenda Pública Estadual. Relator Cons. Frederico Luiz de Freitas. Acórdão n. 47/96.

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versarem sobre a inconstitucionalidade de normas nas hipóteses não contempladas pelo art. 102 da Lei n. 2.315/2001.395

Nesse sentido, cabe ressaltarmos a preciosa lição do professor Roque Antônio

Carrazza, ao lecionar que “os atos administrativo-tributários devem, sem exceção, ser

motivados. O contribuinte tem o direito subjetivo de saber – ainda que isto não venha

expressamente previsto em lei – por que foram praticados, isto é, quais motivos os ensejaram.

Demais disso, é mister que tal motivação seja verdadeira, vale dizer, corresponda à

realidade. Do contrário, o ato será nulo de pleno direito, até porque não permitirá que o

contribuinte exercite, como a ordem jurídica lhe faculta, seu direito à ampla defesa”.396

Portanto, sob o interesse maior de preservar os direitos constitucionais dos

contribuintes, deve a segurança jurídica ser observada, sendo possibilitado aos contribuintes o

direito de não pagar tributos criados ou lançados em desconformidade aos ditames

constitucionais, mediante a proteção contra a arbitrariedade tributária.

Por fim, cabe citarmos a lição de Djalma Bittar, que, ao discorrer acerca da

segurança jurídica no processo, afirma:

Torna-se, pois, fundamental, o respeito aos princípios norteadores da matéria relativa ao processo administrativo, especialmente o que diz respeito à segurança jurídica , sem o qual, impossível se falar em um Estado de Direito pleno, face à incerteza das relações que se instauram entre os litigantes. (...) o processo administrativo tributário, que objetiva instrumentalizar o direito material, não admite a exclusão da segurança jurídica que é parte integrante do seu mecanismo e se constitui em seu elemento indecomponível.397

Portanto, temos que um tributo somente deve ser validamente exigido quando o fato

à que refere-se encontra-se devidamente e rigorosamente ajustado à hipótese da incidência

tributária, de modo que o lançamento tributário, assim como o auto de infração, devem

395 (Sefaz/MS. Acórdão n. 13/2008. Processo n. 11/026073/2005. Recurso: Reexame Necessário e Recurso Voluntário n. 18/2007. Interessados: Fazenda Pública Estadual e BCR Materiais de Construção Ltda. Campo Grande-MS. Relator Cons. Jânio Heder Secco.) 396 CARRAZZA, R. A. Curso de Direito Constitucional Tributário..., 2011. p. 511. 397 BITTAR, Djalma. Processo e Segurança Jurídica in SANTI, Eurico Marcos Diniz de (coord.). Segurança Jurídica na Tributação e estado de direito. São Paulo: Noeses, 2005. p.125.

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respeitar o princípio da segurança jurídica e todos os outros demais que a ele encontram-se

relacionados.

Nesse contexto abordado, elucidativo é posicionamento do Conselho Administrativo

de Recursos Fiscais – CARF, ao reconhecer a imprestabilidade de lançamento que não

apresente os elementos de segurança necessários para demonstrar e dar o embasamento

necessário ao fato que encontra-se presumido pelo Fisco. Vejamos:

(...) nas presunções simples é necessário que o fisco esgote o campo probatório.A atividade do lançamento tributário é plenamente vinculada e não comporta incertezas. Havendo dúvida sobre a exatidão dos elementos em que se baseou o lançamento, a exigência não pode prosperar por força do disposto no art. 122 do CTN.398

Também podemos considerar a posição a Terceira Câmara do extinto Primeiro

Conselho de Contribuintes, atualmente Conselho Administrativo de Recursos Fiscais –

CARF, que, aoconsiderar a importância da observância dos princípios da tipicidade,

legalidade e segurança jurídica na realização da tributação, ressalta no Acórdão n. 103-

20.485, de 29.01.2001, o necessário afastamento da tributação o fato em que os

procedimentos fiscalizatórios para a sua demonstração não se deram de forma exaustiva:

O princípio da tipicidade revela que o instituto da competência impositiva fiscal deve ser exaustiva. Todos os critérios necessários à descrição tanto do fato tributável como da relação jurídico-tributária reclamam uma manifesta e própria dúvida. A certeza e seguranças jurídicas envoltas no princípio da reserva legal (CTN, arts. 3º e 142) não comportam infidelidades nos lançamentos fiscais.

398 Acórdão n. 107-06.229, de 22.03.2001. Relator Conselheiro Luiz Martins Valero.

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QUINTA PARTE – ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA

9. LEGISLAÇÃO ACERCA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRI BUTÁRIO

9.1 Breve Introdução

Tenso sido analisado o objeto de investigação proposto no presente trabalho, adiante,

pretendemos fazer uma análise acerca da legislação específica do processo administrativo

tributário, tanto no âmbito federal, quanto no âmbito estadual e municipal, especificamente

nos Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, bem como nos Municípios de São Paulo e

Campo Grande.

O intuito não é esgotar a análise da legislação específica, mas sim de verificarmos os

contornos em torno das provas e da produção probatória nessas legislações, atentando para as

principais diferenças expostas por elas, bem como para os seus procedimentos e prazos

específicos, tendo em vista que cada ente político detém a competência para legislar sobre seu

próprio processo administrativo.

Para tanto, partimos do pressuposto de que no campo tributário, temos as provas

produzidas com o intuito de fundamentar um ato de aplicação do agente fiscal, que foi objeto

de estudo no presente trabalho, bem como tem-se a prova produzida no processo judicial ou

administrativo para fundamentar as decisões dos órgão julgadores.

9.2 Decreto Federal n. 70.235/1972

O Decreto Federal n. 7235/1972 dispõe acerca do processo administrativo fiscal no

âmbito federal, e foi, posteriormente, alterado pela Lei n. 9.532/1997.

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Para tanto, o respectivo Decreto, ao dispor acerca do processo administrativo

tributário, e, mais especificamente das provas, estabelece, em seu artigo 9º 399, que a exigência

do crédito tributário e a aplicação de penalidade isolada serão formalizados em autos de

infração ou notificações de lançamento, distintos para cada tributo ou penalidade, os quais

deverão estar instruídos com todos os termos, depoimentos, laudos e demais elementos de

prova indispensáveis à comprovação do ilícito.

Posteriormente, o respectivo artigo 9º, do Decreto n. 70.235/72 foi alterado pelo artigo

35 da Lei n. 11.941/09, de modo que estabelece que é necessário que se tenha a instrução do

auto de infração ou da notificação de lançamento com todos os elementos necessários à prova.

Seguindo, em seu artigo 10400, dispõe que o lançamento tributário, lavrado pelo

servidor competente no local da verificação da falta, deve necessariamente conter a descrição

do fato, a determinação da exigência e a intimação para cumpri-la, ou impugná-la no prazo de

trinta dias, entre outros requisitos, garantindo ao contribuinte o direito de defender-se, por

intermédio da impugnação.

Por fim, a legislação ora analisada traz muitas outras disposições acerca do processo

administrativo fiscal no âmbito federal, sendo que os artigos citados é que são pertinentes ao

tema ora investigado.

399 Artigo 9. A exigência do crédito tributário e a aplicação de penalidade isolada serão formalizados em autos de infração ou notificações de lançamento, distintos para cada tributo ou penalidade, os quais deverão estar instruídos com todos os termos, depoimentos, laudos e demais elementos de prova indispensáveis à comprovação do ilícito. 400 Artigo 10. O auto de infração será lavrado por servidor competente, no local da verificação da falta, e conterá obrigatoriamente: I - a qualificação do autuado; II - o local, a data e a hora da lavratura; III - a descrição do fato; IV - a disposição legal infringida e a penalidade aplicável; V - a determinação da exigência e a intimação para cumpri-la ou impugná-la no prazo de trinta dias; VI - a assinatura do autuante e a indicação de seu cargo ou função e o número de matrícula.

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9.3 Lei n. 10.941/2001

A Lei n. 11.941/2009 objetiva regular o processo administrativo fiscal do Estado de

São Paulo.

Para tanto, a lei tributária paulista, ao dispor acerca do processo administrativo

tributário paulista, e, mais especificamente das provas, estabelece em seu artigo 27401,

parágrafo 1º, que o auto de infração deve ser instruído com os documentos, demonstrativos,

bem como os elementos materiais comprobatórios da infração.

Em seu parágrafo 2º, prevê que o agente administrativo autuante deve entregar ao

autuado uma via do auto de infração, mediante o recibo, que passa a valer como uma

notificação, e, ainda, deve juntamente, entregar com cópias dos demonstrativos, bem como

dos demais documentos que o instruem, salvo daqueles que os originais estejam em sua posse.

Ainda, os referidos incisos do respectivo artigo estabelecem a necessidade de

motivação do ato de lançamento tributário, notadamente quando dispõe em seu inciso III que

o Auto de Infração deve conter, obrigatoriamente, a descrição do fato gerador da obrigação

correspondente, bem como das circunstâncias em que ocorreu, assim como em seu inciso V, a

indicação dos dispositivos normativos infringidos.

Portanto, observa-se que deve, necessariamente, tanto o lançamento tributário quanto

o auto de infração expedidos pelo agente fiscal virem acompanhados das provas que o

401 Artigo 27 - O auto de infração conterá, obrigatoriamente: I - a identificação da repartição fiscal competente e o registro do dia, hora e local da lavratura; II - a identificação do autuado; III - a descrição do fato gerador da obrigação correspondente e das circunstâncias em que ocorreu; IV - a determinação da matéria tributável e o cálculo do montante do tributo devido e da penalidade cabível; V - a indicação dos dispositivos normativos infringidos e dos relativos às penalidades cabíveis; VI - a indicação do prazo para cumprimento da exigência fiscal ou para apresentação da defesa; VII - o nome legível e a assinatura do Agente Fiscal de Rendas autuante, dispensada esta quando grafada por meio eletrônico, nas situações expressamente previstas pela Secretaria da Fazenda. § 1º - O auto de infração deve ser instruído com documentos, demonstrativos e demais elementos materiais comprobatórios da infração. § 2º - Ao autuado será entregue uma via do auto de infração, mediante recibo, valendo como notificação, juntamente com cópia dos demonstrativos e demais documentos que o instruem, salvo daqueles cujos originais estejam em sua posse.

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embasaram, com o intuito de demonstrar a constituição do fato jurídico, bem como a

constituição da obrigação tributária, de modo que a motivação que os embasam devem ser

comprovadas e instruídas com provas lícitas que a embasam.

Portanto, a prova deve, necessariamente, conforme a disposição da lei paulista,

acompanhar o auto de infração e o lançamento tributário quando expedidos pelo agente fiscal,

de modo a permitir a identificação dos critérios material, espacial e temporal de constituição

do fato jurídico tributário para a lavratura do lançamento tributário e constituir a

correspondente obrigação tributária.

A prova assume a função de demonstrar a ocorrência do evento, e logo, ocorrência do

fato jurídico tributário, enquanto motivo do ato de lançamento.

Ainda, a referida lei em seu artigo 19402 estabelece que para se comprovar a verdade

dos fatos controvertidos, são todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos

obtidos de forma lícita.

Nota-se que a referida lei não estabelece regras específicas que tratem dos meios e

prova cabíveis para a demonstração da existência do fato jurídico tributário. Prevê, apenas,

que são admissíveis no processo administrativo tributário todos os meios legais, previstos e

admitidos e reconhecidos pelo sistema jurídico positivo, bem como os moralmente legítimos.

Ainda, devemos observar, em se tratando do tema ora em estudo, a disposição do

artigo 20403, que estabelece a exigência de provas do motivo que embasa o lançamento

tributário para a expedição da norma individual e concreta que instaura a obrigação de pagar o

tributo.

402 Artigo 19 - Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos obtidos de forma lícita, são hábeis para provar a verdade dos fatos controvertidos. 403 Artigo 20 - As provas deverão ser apresentadas juntamente com o auto de infração e com a defesa, salvo por motivo de força maior ou ocorrência de fato superveniente. § 1º - Nas situações excepcionadas no "caput", que devem ser cabalmente demonstradas, será ouvida a parte contrária. § 2º - Proferida decisão de primeira instância, só será admitido o exame de novas provas em fase de recurso, voluntário ou ordinário.

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Ou seja, as provas devem ser apresentadas com o auto de infração e lançamento

tributário, bem como com a defesa. O auto de infração e o lançamento tributário devem ser

apresentados juntamente com a prova do fato jurídico tributário, enquanto que a defesa do

contribuinte deve ser apresentada com as provas que demonstram os fatos por ele alegados.

Sempre levando em consideração que o ônus da prova do fato jurídico tributário é da Fazenda

Pública e, posteriormente, o ônus da prova de que o fato jurídico tributário não se constituiu é

do contribuinte, que deve apresentá-las juntamente com a impugnação.

E, não poderíamos deixar de atentar que a Lei Paulista também prevê, em seus artigos

28 e 30404, a faculdade ao particular para apresentar a sua defesa no prazo de trinta dias a

partir da notificação do lançamento tributário, sendo que a defesa do contribuinte também

deverá ser instruída com as provas que demonstrem as alegações feitas pelo administrado, tais

como laudos, documentos, pareceres técnicos, entre outros.

9.4 Lei n. 2.315/2001

A Lei n. 2.315/2001 visa regular o processo administrativo fiscal no âmbito do Estado

do Mato Grosso do Sul.

Analisando sob o aspecto probatório, destacamos, primeiramente, que em seu artigo

3º405, prevê que ao processo administrativo tributário devem ser aplicados os princípios

404 Artigo 28 - Lavrado o auto de infração, o autuado deve ser notificado a pagar o débito fiscal, com o desconto de lei, quando houver, ou a apresentar defesa por escrito, no prazo de 30 (trinta) dias. Artigo 30 - A defesa será apresentada na repartição pública competente, nela devendo constar: I - a autoridade a quem é dirigida; II - a qualificação do autuado e a identificação do signatário; III - as razões de fato e de direito sobre as quais se fundamenta. Parágrafo único - A defesa deverá ser instruída com os documentos, demonstrativos e demais elementos materiais destinados a comprovar as alegações feitas, inclusive laudos e pareceres técnicos que o autuado entender necessários para o pleno esclarecimento da matéria controvertida. 405 Art. 3º. Ao processo administrativo tributário devem ser aplicadas as seguintes regras: (...) III - observância rigorosa dos preceitos constitucionais e legais (CF, arts. 5º, II, e 37, caput) e, no que couber, das prescrições jurídico-regulamentares de caráter geral e abstrato; IV - adoção dos princípios jurídicos de:

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constitucionais e legais, notadamente os princípios da segurança jurídica, legalidade, entre

outros.

O referido dispositivo prevê, ainda, que deve ser disponibilizada a motivação do ato,

de maneira que fiquem claramente indicados os fundamentos de fato e de direito que

justifiquem, entre outros, na busca da verdade material dos eventos ou dos fatos jurídico-

tributários pela autoridade administrativa, devendo ser adotadas as medidas probatórias

pertinentes, ainda que não propostas pelo interessado.

Em seu artigo 5º 406, prevê as garantias inerentes aos contribuintes, dentre as quais,

destacamos o direito ao o contraditório e a ampla defesa, nestes compreendidos a impugnação

à exigência tributária ou instrumental do Fisco, a igualdade de tratamento, no curso do

processo administrativo tributário, entre outros.

Posteriormente, em seu artigo 6º 407, assegura ao contribuinte o direito de petição na

busca de informação tributária de seu interesse, em defesa de seus direitos ou contra

a) eficiência, impessoalidade, legalidade, moralidade, publicidade (CF, arts. 5º, II, e 37, caput), segurança jurídica e supremacia do interesse público, observada a regra do § 1º; b) finalidade e razoabilidade, com a adequação de meios e fins, vedada a imposição administrativa de deveres, restrições e sanções em medida superior àqueles estritamente necessários a viabilizar juridicamente a solução de processo ou, em sendo o caso, o recebimento do crédito tributário; c) celeridade, economia e simplicidade processuais, proibida a exigência ou realização de atos, providências ou trâmites desnecessários ou não prescritos em lei ou regulamento de caráter geral e abstrato; d) motivação do ato, de maneira que fiquem claramente indicados os fundamentos de fato e de direito (art. 66, II, e § 1º) que justifiquem: 1. a decisão tomada para a solução dos litígios regulados nesta Lei; 2. a solução de petições em geral, ou de consulta tributária (arts. 7º, caput, I, e 136); 3. a validade do não-recebimento de documentos que o interessado pretenda entregar para a apreciação da autoridade competente (art. 7º, caput, II); 4. a prática de qualquer ato perante quaisquer outras situações, ou a abstenção do agente do Fisco em praticá-lo; V - busca da verdade material dos eventos ou dos fatos jurídico-tributários pela autoridade administrativa, devendo ser adotadas as medidas probatórias pertinentes, ainda que não propostas pelo interessado; (...). 406 Artigo 5º - Ao sujeito passivo são assegurados, dentre outros direitos: I - o contraditório e a ampla defesa, nestes compreendidos a impugnação à exigência tributária ou instrumental do Fisco, bem como a interposição dos recursos (...); II - a igualdade de tratamento, no curso do processo administrativo tributário; III - a imparcialidade; IV - o sigilo sobre sua situação econômica, financeira ou tributária, bem como a preservação de sua privacidade, honra ou imagem, observado o disposto no art. 118; V - a recusa em prestar informação, ou a apresentar ou entregar bens ou mercadorias, coisas, documentos ou livros fiscais ou extrafiscais, mediante simples requisição verbal do agente do Fisco, (...). 407 Artigo 6º - É assegurado ao administrado o direito de petição na busca de informação tributária de seu interesse, em defesa de seus direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder (CF, art. 5º, XXXIV, a), respeitado

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ilegalidade ou abuso de poder, respeitado o limite do sigilo tributário e observadas as

prescrições relativas à consulta sobre a aplicação das regras veiculadas na legislação

tributária.

Ainda, sem eu artigo 28 408, considera nulo, entre outros, os lançamentos cujos

elementos informativos não sejam suficientes para determinar a matéria tributável e o

respectivo sujeito passivo.

E, de modo mais específico ao lançamento tributário, prevê, em seu artigo 39409, que o

lançamento de tributo, penalidade pecuniária ou encargo pecuniário decorrente de ato

específico de fiscalização, que deve ser realizado de ofício pelas autoridades, deve ser

formalizado no documento denominado Auto de Lançamento e de Imposição de Multa, sendo

que este deve conter:

I - a identificação da matéria tributável, a norma legal que a tipifica e as provas em que está

fundada a exigência fiscal;

II - as circunstâncias de tempo e lugar da ocorrência dos eventos;

o limite do sigilo tributário (art. 118) e observadas as prescrições relativas à consulta sobre a aplicação das regras veiculadas na legislação tributária (arts. 3º, VII, a, e § 3º, e 136 a 149). 408 Artigo 28 - São nulos: (...) II - os lançamentos cujos elementos informativos não sejam suficientes para determinar a matéria tributável e o respectivo sujeito passivo (art. 39, § 1º); (...). 409 Artigo 39 - O lançamento de tributo, penalidade pecuniária ou encargo pecuniário decorrente de ato específico de fiscalização, que deve ser realizado de ofício (CTN, art. 149) pelas autoridades referidas no art. 2º, III e V, observada a regra do seu § 2º, deve ser formalizado no documento denominado Auto de Lançamento e de Imposição de Multa. § 1º O Auto de Lançamento e de Imposição de Multa deve conter: I - a identificação da matéria tributável, a norma legal que a tipifica e as provas em que está fundada a exigência fiscal; II - as circunstâncias de tempo e lugar da ocorrência dos eventos; III - a identificação do sujeito passivo e, em sendo o caso, dos co-responsáveis; IV - a quantificação da matéria tributável e o cálculo do valor do tributo; V - a penalidade pecuniária e os encargos pecuniários acaso incidentes, com as suas fundamentações legais e a indicação das reduções aplicáveis no tempo destinado ao pagamento ou parcelamento dos valores pecuniários então exigidos, observado o disposto no § 2º; VI - a indicação das normas sobre a atualização monetária, em sendo o caso; VII - a notificação e a intimação (art. 20) ao sujeito passivo, estabelecendo o prazo de vinte dias para o recolhimento dos valores pecuniários exigidos ou para a impugnação da exigência fiscal (art. 27, III, d e e); VIII - a data de sua formalização e, tratando-se de intimação pessoal do ato, a data da ciência dada ao sujeito passivo, ao seu representante legal ou ao preposto de qualquer um deles (arts. 21, I, e 22, I); IX - a identificação e a assinatura da autoridade fiscal autuante (art. 14, II, b).

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III - a identificação do sujeito passivo e, em sendo o caso, dos co-responsáveis;

IV - a quantificação da matéria tributável e o cálculo do valor do tributo;

V - a penalidade pecuniária e os encargos pecuniários acaso incidentes, com as suas

fundamentações legais e a indicação das reduções aplicáveis no tempo destinado ao

pagamento ou parcelamento dos valores pecuniários então exigidos;

VI - a indicação das normas sobre a atualização monetária, em sendo o caso;

VII - a notificação e a intimação (art. 20) ao sujeito passivo, estabelecendo o prazo de vinte

dias para o recolhimento dos valores pecuniários exigidos ou para a impugnação da exigência

fiscal ;

VIII - a data de sua formalização e, tratando-se de intimação pessoal do ato, a data da ciência

dada ao sujeito passivo, ao seu representante legal ou ao preposto de qualquer um deles.

IX - a identificação e a assinatura da autoridade fiscal autuante (art. 14, II, b).

E, por fim, relativamente às provas, estabelece, em seu artigo 55410, que são admitidos no

410 Artigo 55 - São admitidos no processo administrativo tributário todos os meios legais de prova, bem como os moralmente legítimos, obtidos por meios lícitos (CF, art. 5º, LVI). § 1º Devem ser produzidas somente as provas pertinentes à matéria objeto do litígio e desprezadas, mediante despacho fundamentado (art. 3º, IV, d, 3 e 4), além das provas obtidas por meios ilícitos, também as impertinentes, as desnecessárias e as protelatórias. § 2º O ônus da prova compete a quem esta aproveita, sem prejuízo da investigação dos eventos ou fatos pelos agentes do Fisco. § 3º Independem de prova os eventos ou fatos: I - notórios; II - que, afirmados pelo agente do Fisco ou pelo sujeito passivo, sem a contestação de um ou de outro, sejam verossímeis e compatíveis com a realidade conhecida; III - admitidos, no processo, como incontroversos; IV - em cujo favor milite a presunção de existência ou veracidade. § 4º Cabe ao sujeito passivo prover tempestivamente os meios, inclusive os financeiros, para custear as despesas ou propiciar a realização de diligências ou perícias por ele requeridas em seu interesse, após a regular intimação. § 5º Na hipótese em que o administrado declare que dados ou documentos estão registrados em órgão ou repartição da Administração Tributária, ou em poder desta, o agente do Fisco a quem incumbe o ato deve providenciar a apresentação e a juntada daqueles aos autos do processo respectivo (§ 2º, parte final). Artigo 56 - No ato formal da impugnação devem ser mencionadas e a ele juntadas as provas documentais, e requeridas as demais, precluindo o direito de o sujeito passivo fazê-lo em outro momento processual, exceto se: I - demonstrada cabalmente a inviabilidade de seu oportuno requerimento ou apresentação, nos casos fortuitos ou de força maior (C. Civil, art. 1.058, parágrafo único); II - relativas a evento, fato ou direito supervenientes; III - destinadas a contrapor, fatos ou razões posteriormente trazidos aos autos; IV - tratar-se de pedido de produção de prova indeferido pelo julgador de primeira instância, quando admitido aquele pela autoridade julgadora de instância superior.

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processo administrativo tributário todos os meios legais de prova, bem como os moralmente

legítimos, obtidos por meios lícitos. Para tanto, devem ser produzidas somente as provas

pertinentes à matéria objeto do litígio e desprezadas, mediante despacho fundamentado (art.

3º, IV, d, 3 e 4), além das provas obtidas por meios ilícitos, também as impertinentes, as

desnecessárias e as protelatórias. Prevê que o ônus da prova compete a quem esta aproveita,

sem prejuízo da investigação dos eventos ou fatos pelos agentes do Fisco.

Independem de prova os eventos ou fatos:

I - notórios;

II - que, afirmados pelo agente do Fisco ou pelo sujeito passivo, sem a contestação de

um ou de outro, sejam verossímeis e compatíveis com a realidade conhecida;

III - admitidos, no processo, como incontroversos;

IV - em cujo favor milite a presunção de existência ou veracidade.

9.5 Lei Complementar n. 939/2003

A Lei Complementar n. 939/3002 do Estado de São Paulo, criou o Código de direitos,

garantias e obrigações do contribuinte no Processo Administrativo Tributário de São Paulo,

§ 1º A produção de prova e a juntada de documentos após a impugnação devem ser requeridas mediante petição fundamentada do interessado à autoridade julgadora, acompanhadas da comprovação de uma das condições previstas neste artigo. § 2º No caso de decisão já proferida, os documentos a que se refere o parágrafo precedente devem permanecer nos autos do processo para que, em havendo interposição de recurso, sejam eles apreciados na instância administrativa superior. Artigo 57 - Nos casos de atos jurídicos simulados, as provas indiretas, constituídas de indícios e presunções, são meios suficientes para comprovar a divergência entre a vontade real e a vontade declarada. Parágrafo único. As provas indiretas podem ser utilizadas, ainda, para a apuração de eventos tributáveis, nos casos em que: I - o sujeito passivo tenha se negado a prestar as informações a ele solicitadas regularmente (art. 13), observadas especialmente as prescrições dos arts. 114; 115, I a V e VII; 220 e 222 da Lei nº 1.810/97, no que couber; II - tenha ocorrido a desobediência, o embaraço ou a resistência às atividades de fiscalização (art. 38); III - ocorra a desconsideração da personalidade jurídica, desde que autorizada por lei.

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prevendo, entre outros, mecanismos de defesas aos contribuintes contra atos administrativos

praticados indevidamente.

Entre os preceitos do referido Código, encontramos, em seu artigo 2º 411, a proteção do

contribuinte contra o exercício abusivo do poder de fiscalizar, de lançar e de cobrar tributo

instituído em lei, a garantia da ampla defesa dos direitos do contribuinte no âmbito do

processo administrativo-fiscal, bem como visa prevenir e reparar os danos decorrentes de

abuso de poder por parte do Estado na fiscalização, no lançamento e na cobrança de tributos

de sua competência e assegurar uma forma lícita de apuração, declaração e recolhimento de

tributos previstos em lei, assim como a manutenção e apresentação de bens, mercadorias,

livros, documentos, impressos, papéis, programas de computador ou arquivos eletrônicos a

eles relativos.

Ainda, o artigo 4º 412, do mesmo diploma, prevê, como um direito ao contribuinte, a

possibilidade de impugnar o lançamento tributário. E, em seu artigo 5º 413, destaca-se a

garantia da obediência ao princípio do contraditório e da ampla-defesa ao contribuinte.

411 Artigo 2º - São objetivos do Código: I - promover o bom relacionamento entre o fisco e o contribuinte, baseado na cooperação, no respeito mútuo e na parceria, visando a fornecer ao Estado os recursos necessários ao cumprimento de suas atribuições; II - proteger o contribuinte contra o exercício abusivo do poder de fiscalizar, de lançar e de cobrar tributo instituído em lei; III - assegurar a ampla defesa dos direitos do contribuinte no âmbito do processo administrativo -fiscal em que tiver legítimo interesse; IV - prevenir e reparar os danos decorrentes de abuso de poder por parte do Estado na fiscalização, no lançamento e na cobrança de tributos de sua competência; V - assegurar a adequada e eficaz prestação de serviços gratuitos de orientação aos contribuintes; VI - assegurar uma forma lícita de apuração, declaração e recolhimento de tributos previstos em lei, bem como a manutenção e apresentação de bens, mercadorias, livros, documentos, impressos, papéis, programas de computador ou arquivos eletrônicos a eles relativos; VII - assegurar o regular exercício da fiscalização. 412 Artigo 4 - São direitos do contribuinte: (...) XIX - o encaminhamento, sem qualquer ônus, de petição contra ilegalidade ou abuso de poder ou para defesa de seus direitos; 413 Artigo 5 - São garantias do contribuinte: (...) II - a faculdade de corrigir obrigação tributária, antes de iniciado o procedimento fiscal, mediante prévia autorização do fisco e observada a legislação aplicável, em prazo compatível e razoável; (...) IV - a obediência aos princípios do contraditório, da ampla defesa e da duplicidade de instância no contencioso administrativo -tributário, assegurada, ainda, a participação paritária dos contribuintes no julgamento do processo na instância colegiada;

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CONCLUSÕES

Após as investigações enfocadas à disciplina da prova do fato jurídico tributário no

processo administrativo fiscal, notadamente baseando-se na análise da teoria das provas e do

fato jurídico no processo administrativo tributário, concluímos acerca do relevante papel que

as provas exercem nas relações entre o Estado e os contribuintes, notadamente para o

reconhecimento do fato jurídico tributário, nos atos de lançamento, para a constituição do

crédito tributário.

Para tanto, fizemos questão de recuperar determinados conceitos fundamentais à

compreensão do assunto, com a intenção de delimitar o que caracteriza-se como prova, bem

como ressaltar a sua importância para a percussão tributária, demonstrando a sua

imprescindibilidade para o embasamento e sustentação das normas individuais e concretas por

parte da Administração Pública a partir de elementos colhidos por intermédio de

procedimentos fiscalizatórios.

Partimos da premissa inicial de que no Direito Tributário, um determinado fato

somente deve ser considerado fato jurídico quando for relatado em linguagem competente, e

descrito em conformidade às provas admitidas em Direito.

Em vista disso, um determinado acontecimento do mundo concreto somente ingressa

no mundo da facticidade jurídica quando encontra-se relatado na linguagem competente, ou

seja, na linguagem própria do Direito. Somente o que é passível de ser relatado em linguagem

competente é que torna-se relevante ao Direito.

Nesse sentido, demonstramos que a fenomenologia da incidência da norma jurídico-

tributária assume fundamental importância pois, é através da incidência da regra jurídica

sobre o suporte fático que os fatos jurídicos ingressam no ordenamento jurídico.

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Ou seja, com a previsão normativa, mediante a descrição hipotética de um fato no

antecedente de uma norma geral e abstrata, o fato pode ser vertido em linguagem jurídica

própria e ser considerado fato jurídico, em que, após constituído o fato, se constituirá,

também, a relação jurídica prevista no conseqüente da norma geral e abstrata. Ocorrido, então,

o fato descrito no antecedente da norma geral e abstrata tributária, e devidamente ocorrida a

subsunção, a referida norma incide visando a composição do fato jurídico tributário.

Conforme demonstramos, os segmentos de linguagem indicados pelo Direito para a

constituição do fato jurídico são as provas. É através das provas admitidas pelo Direito, e sua

demonstração legal, que o fato é constituído juridicamente. As provas, enquanto linguagem,

tem o condão de atestar a ocorrência do evento, bem como atuar na construção do fato

jurídico.

No âmbito tributário, afirmamos que a demonstração da ocorrência do fato jurídico

tributário é de suma importância pois, a incidência objetiva imputar a determinadas pessoas,

denominadas contribuintes, o dever de pagar somas de dinheiro ao Estado, a título de tributos.

Em vista disso, denominamos “fato jurídico tributário” como sendo o fato que ocorreu

no mundo real e concreto, detentor de critérios material, temporal e espacial em consonância

àqueles previstos no antecedente normativo, e que encontra-se descrito em linguagem

competente, em consonância às provas admitidas em Direito, e que, desse modo, é apto à

ensejar o nascimento da obrigação tributária.

Nessa esteira, o ato apto a registrar a incidência e constituir o fato jurídico tributário é

o ato jurídico de lançamento que, enquanto norma tributária individual e concreta, tem a

aptidão para constituir o fato jurídico tributário, formalizando a obrigação tributária e

aplicando a conseqüência prevista na norma geral e abstrata, fazendo irromper a relação

jurídica tributária entre o fisco e o sujeito passivo.

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Afirmamos no decorrer do trabalho que a constituição do fato jurídico tributário deve

ocorrer em consonância às provas admitidas em Direito, enquanto segmentos de linguagem

aptos a se demonstrar a verdade dos fatos. É através das provas carreadas pelas partes no

processo administrativo fiscal que se é possível obter a verdade dos fatos, sendo, então, os

fatos o objeto das provas.

Além disso, demonstramos que a verdade a ser alcançada no processo administrativo é

a verdade lógica, ou seja, como sendo àquela alcançada mediante a constituição de fatos

jurídicos em linguagem própria, na forma como o Direito preceitua, sendo que, somente desse

modo, um determinado fato dar-se-á por juridicamente verificado, e, logo, será considerado

verdadeiro.

Aplicando tais pontos fundamentais ao tema proposto, evidenciamos a importância das

provas para não somente proceder à verificação da verdade dos fatos, bem como para embasar

o convencimento das partes no processo administrativo fiscal acerca da ocorrência das

circunstâncias ensejadoras do fato jurídico tributário, com base nos diversos elementos

probatórios aduzidos no processo, de modo que o fisco proceda à realização da prova da

ocorrência do fato jurídico tributário.

Nesse sentido, cabe relembrarmos que, em conformidade ao artigo 29, da Lei n.

9.784/99 e ao artigo 142, do Código Tributário Nacional, o ônus da prova do fato jurídico

tributário é da Fazenda Pública, ressalvado o dever de colaboração do contribuinte, em

conformidade ao disposto no artigo 4º, da Lei n. 9.784/99. Nesse sentido, concluímos que é

dever do fisco, sob o âmbito do processo administrativo, proceder à prova dos pressupostos de

ocorrência do fato que constituirá o fato jurídico tributário, de modo a garantir a legalidade da

apuração do crédito tributário, cabendo ao fisco, sob a égide do processo administrativo fiscal,

investigar exaustivamente se, de fato, ocorreu a hipótese abstratamente prevista na norma

individual e concreta.

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Para ensejar a constituição do crédito tributário, deve o ato de lançamento encontrar-se

devidamente fundamentado e explicitado, por intermédio de linguagem competente, quais os

fatores que levaram a autoridade fiscal a apurar a imposição tributária, sendo permitido ao

contribuinte o direito de saber como a autoridade administrativa verificou a ocorrência do fato

jurídico tributário, como foi determinada a matéria tributável, como efetuou o cálculo do

montante devido, assim como identificou o sujeito passivo, mediante a indicação de provas

em que se baseou a autoridade competente para a lavratura do lançamento.

Reconhecemos a necessidade de produção de provas pelo agente fiscal, de modo a

possibilitar tanto a atividade da autoridade julgadora bem como uma eventual defesa do

contribuinte no processo. Nesse contexto, se não houver a impugnação ou defesa por parte do

contribuinte, mediante a apresentação de provas que fundamentem e justifiquem a

impugnação ou defesa, é certo que o ato administrativo de lançamento tributário será tido

como existente ou válido, e capaz de ensejar a pretensão tributária, de modo que prevaleça a

sua presunção juris tantum de legitimidade

Como se vê, é direito do contribuinte, bem como obrigação inerente ao fisco, de que a

cobrança de tributos somente seja realizada mediante a realização de produção de provas que

ateste e sustente o fato constituído pelo lançamento tributário.

Nesse contexto, não poderíamos deixar de analisar alguns princípios constitucionais

tributários que permeiam o tema, e concluímos que se perfaz necessário a observância dos

princípios que circundam o exercício da atividade administrativo-tributária, notadamente o

princípio da segurança jurídica, bem como da tipicidade e da legalidade, necessários à

coibição de atos discricionários, abusivos ou arbitrários por parte da administração pública.

Em vista disso, temos que um determinado tributo somente deve ser devido mediante a

ocorrência de um fato que, ao ser juridicizado mediante a linguagem competente, cria a

obrigação tributária correspondente, sendo que a pretensão da Fazenda Pública, para ser

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oponível ao sujeito passivo, deve estar embasada no fato jurídico tributário que encontre-se

atestado mediante as provas admitidas pelo sistema do direito positivo, sendo a linguagem das

provas essencial à sustentabilidade do lançamento tributário, e logo, à constituição do fato

jurídico tributário.

Em suma, ressaltamos a importante função da linguagem das provas no sistema de

direito tributário, pois, para que seja produzida a norma individual e concreta e efetuado o

lançamento tributário, faz-se necessário que esteja presente a linguagem das provas, em

consonância aos preceitos constitucionais, e em conformidade as normas que regulam a

produção probatória. O relato que embasará a constituição do fato jurídico tributário somente

ingressará no universo do direito caso seja enunciado em linguagem competente e descrito em

conformidade às provas admitidas em direito.

Como se vê, são as provas uma condição de sustentabilidade do ato administrativo no

ordenamento jurídico, bem como para o reconhecimento e a constituição do fato jurídico

tributário, cabendo ao fisco provar suas alegações no âmbito do processo administrativo fiscal

e possibilitando, assim, ao contribuinte o direito de exercer a sua defesa.

E, por fim, com o intuito de demonstrar a aplicabilidade prática do tema, procedemos

à análise da legislação específica do processo administrativo tributário, tanto no âmbito

federal, quanto no âmbito estadual, especificamente nos Estados de São Paulo e Mato Grosso

do Sul, em que o intuito não foi de esgotar a análise da legislação específica, mas sim de

verificarmos os contornos em torno das provas e da produção probatórias nessas legislações,

atentando para as principais diferenças expostas por elas, bem como para os seus

procedimentos e prazos específicos, bem como demonstrando a aplicabilidade prática desses

dispositivos legais e da teoria demonstrada mediante a análise de principais julgados e

decisões administrativas, tanto no âmbito federal, bem como no âmbito estadual e municipal.

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O intuito na elaboração do presente trabalho não foi de esgotar o tema ora proposto,

mas tão somente que, de alguma forma, seja útil aos estudos científicos de tão interessante

tema.

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BIBLIOGRAFIA

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