Teoria da complexidade

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PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ CENTRO DE TEOLOGIA E CIENCIAS HUMANAS FILOSOFIA SIMONE CRISTINA MACHADO A TEORIA DA COMPLEXIDADE DE EDGAR MORIN E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A EPISTEMOLOGIA DA EDUCAÇAO CURITIBA 2011

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Trabalho de conclusão de curso: A teoria da complexidade de Edgar Morin e suas contribuições para a epistemologia da educação. - Pesquisa realizada por Ir. Simone Cristina Machado, ascj. Ela é graduada em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica.

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PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

CENTRO DE TEOLOGIA E CIENCIAS HUMANAS

FILOSOFIA

SIMONE CRISTINA MACHADO

A TEORIA DA COMPLEXIDADE DE EDGAR MORIN E SUAS

CONTRIBUIÇÕES PARA A EPISTEMOLOGIA DA EDUCAÇAO

CURITIBA

2011

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SIMONE CRISTINA MACHADO

A TEORIA DA COMPLEXIDADE DE EDGAR MORIN E SUAS

CONTRIBUIÇÕES PARA A EPISTEMOLOGIA DA EDUCAÇAO

Trabalho apresentado como conclusão do curso de licenciatura em filosofia, na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito parcial para a obtenção de título licenciado em filosofia. Orientador: Prof. Dr. Kleber Bez Candiotto

CURITIBA

2011

Page 3: Teoria da complexidade

A TEORIA DA COMPLEXIDADE DE EDGAR MORIN E SUAS

CONTRIBUIÇÕES PARA A EPISTEMOLOGIA DA EDUCAÇAO

BANCA EXAMINADORA

Prof

Profª

Profª

Curitiba, ____ de __________de 2011.

Page 4: Teoria da complexidade

Este trabalho é dedicado aos meus

familiares, amigos, ao Instituto das

Apóstolas do Sagrado Coração de

Jesus, nas pessoas de Ir. Maria de

Lourdes Castanha, superiora

provincial e Ir. Lucila Cella, que tanto

me apoiaram durante a realização

deste curso.

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Agradecimentos sinceros:

Primeiramente a Deus, pelos dons

que me deste seguidos das

oportunidades a mim concedidos

através do Instituto das Apóstolas do

Sagrado Coração de Jesus;

Ao Instituto das Apóstolas do

Sagrado Coração de Jesus, ao qual

faço parte, especialmente a cada

Irmã que me apoiou e incentivou

para o desenvolvimento e realização

deste trabalho;

A Ir. Maria de Lourdes Castanha e

Ir. Lucila Cella, que me

acompanharam durante a realização

deste curso e me incentivaram e

motivaram em todos os momentos;

Ao Professor Kleber Candiotto

que orientou esta pesquisa com a

delicadeza e seriedade necessárias.

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―Pense numa tapeçaria contemporânea. Ela comporta fios de linho, de seda, de algodão e de lã, com cores variadas. Para

conhecê-la, seria interessante conhecer as leis e os princípios de cada um desses tipos de fios. Entretanto, a soma dos

conhecimentos sobre cada um desses tipos de fios da tapeçaria é insuficiente para conhecer não somente essa nova

realidade já tecida, ou seja, as qualidades e propriedades próprias a esta textura, mas também é incapaz de nos ajudar a

conhecer sua forma e configuração‖. Morin

Page 7: Teoria da complexidade

RESUMO

A presente pesquisa tem como objeto analisar a contribuição da teoria da complexidade apresentada por Edgar Morin e suas possíveis repercussões no campo educacional. A questão central é: identificar de que forma teoria da complexidade de Edgar Morin procura superar o problema da fragmentação do saber promovido pelo modelo educacional vigente. E para o desenvolvimento da presente pesquisa, procurará valer-se dos referenciais teóricos traçados por Morin, em seus escritos, fazendo um contraponto com a reflexão trazida pela ciência moderna apresentada no pensamento de Descartes e Bacon, de modo a, verificar as conseqüências desta concepção na educação. Os dados obtidos, analisados à luz do referencial teórico apontam para a necessidade de uma reforma de pensamento que só é possível a partir da educação. Contudo esta deve ser livre de qualquer parâmetro mutilador. É necessário superar o sistema atual em que divide o conhecimento em um currículo fragmentado, para possibilitar a construção de uma consciência planetária, onde o ser humano se perceba como parte do mundo e não como seu senhor absoluto.Os fundamentos da teoria da complexidade apontam para a necessidade de mudança em relação às estruturas da sociedade, que não podem mais ser concebidas apenas de forma piramidal ou hierárquica, mas que como parte de um sistema vivo que é ao mesmo tempo interdependente e flexível na medida em que amplia suas relações. Para isto é necessário formar professores preparados tanto humanamente, como profissionalmente para promover o desenvolvimento de seus alunos, independente da fase onde estejam. Sendo este um grande desafio para a educação na atualidade.

Palavras-chave: Complexidade. Educação. Saberes.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1 DNA HUMANO.............................................................................. 34

FIGURA 2 TETRAGRAMA ORGANIZACIONAL............................................ 36

FIGURA 3 CIRCUITO TETRALÓGICO.......................................................... 36

Page 9: Teoria da complexidade

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO....................................................................................... 10

2. AS PRINCIPAIS CRITICAS DE MORIN SOBRE A CONCEPÇÃO

MODERNA DE CONHECIMENTO........................................................

12

2.1 CONSIDERAÇÕES EM RELAÇÃO À CONCEPÇÃO DE HOMEM E

SUA RELAÇÃO COM O CONHECIMENTO..........................................

13

2.2 CRITICAS DE MORIN AOS MÉTODOS DE BUSCA DE

CONHECIMENTO APRESENTADO POR DESCARTES E BACON....

18

3. FUNDAMENTOS DA TEORIA DA COMPLEXIDADE PROPOSTA

POR EDGAR MORIN............................................................................

25

3.1 DESAFIOS E AVENIDAS PARA CHEGAR À COMPLEXIDADE.......... 25

3.2 REORGANIZAÇÕES GENÉTICAS....................................................... 28

3.3 COMO A COMPLEXIDADE É COMCEBIDA POR MORIN................... 31

3.4 OPERADORES DA COMPLEXIDADE.................................................. 33

3.5 TETRAGRAMA ORGANIZACIONAL..................................................... 35

4. CONSEQUENCIAS DA TEORIA DA COMPLEXIDADE NO CAMPO

EDUCACIONAL.....................................................................................

39

4.1 A CABEÇA BEM FEITA E A REFORMA DA EDUCAÇÃO E DO

ENSINO..................................................................................................

40

4.2 OS SETE SABERES.............................................................................. 43

4.2.1 As cegueiras do conhecimento.......................................................... 43

Page 10: Teoria da complexidade

4.2.2 Os princípios do conhecimento.......................................................... 44

4.2.3 Ensinar a condição humana................................................................ 45

4.2.4 Ensinar a Identidade terrena............................................................... 46

4.2.5 Enfrentar as incertezas........................................................................ 47

4.2.6 Ensinar a compreensão....................................................................... 48

4.2.7 A ética do gênero humano.................................................................. 49

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................... 51

REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO........................................................ 53

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10

1. INTRODUÇÃO

O contexto educacional desde sempre foi alvo de pesquisa, críticas e

discursos para muitos pensadores de diferentes áreas. Na constituição inicial da

filosofia, a preocupação em ensinar os jovens a pensar foi ponto fundamental para o

desenvolvimento da sociedade, a instituição das academias e a própria organização

de currículos.

O período medieval foi o ponto forte para instituição das universidades e a

sistematização dos conteúdos que contribuíam para o fortalecimento do pensamento

cristão e a defesa da fé. Contudo, é do período moderno que a educação herdou a

sistematização e a hierarquização dos conteúdos que temos até os dias atuais.

Com intuito de buscar o ―verdadeiro conhecimento‖, a ciência moderna

fragmentou os saberes em forma de disciplinas e os dividiu por área de

conhecimento, dando destaque as especializações e esquecendo-se da realidade

global e sistêmica em que este saber está inserido.

Com o advento da tecnologia, as novas descobertas no campo da biologia e o

desenvolvimento na área da comunicação, percebe-se a necessidade de abrir-se a

realidade complexa em que se está inserido, e a educação é o caminho que

possibilita esta mudança de mentalidade, em relação ao mundo e a vida.

A presente pesquisa tem como objetivo analisar a contribuição da teoria da

complexidade apresentada por Edgar Morin na construção de uma nova

mentalidade em relação à educação, na busca de identificar o meio pelo qual esta

teoria procura superar o problema da fragmentação do saber promovido pelo modelo

educacional vigente.

Para compreender a influência e as possíveis consequências do pensamento

complexo no discurso educacional, contrapondo o modelo atual de educação que

está pautado na ciência moderna, tem-se como fundamentação as obras de

Descartes (O discurso do Método) e Bacon (Novum Organum), que são uns dos

pioneiros das duas linhas de construção de pensamento da ciência moderna. No

que diz respeito à teoria da complexidade, nosso texto procura analisar alguns dos

escritos de Morin em relação à estrutura do pensamento complexo, dando destaque

a Introdução do pensamento complexo (1990), Ciência com consciência (1982). Já

no que diz respeito a seus escritos direcionados à educação foram consideradas as

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11

seguintes obras: A cabeça bem feita (2000) e Os sete saberes necessários à

educação do futuro (2000).

O desenvolvimento da presente pesquisa pauta-se na análise das principais

críticas levantadas por Morin em relação à ciência moderna que tem influência na

atual estrutura educacional. Para isto, o primeiro capítulo resgata um breve estudo

referente à concepção de homem, seguida das críticas apontadas por Morin em

base à busca de conhecimento apresentados por Descartes e Bacon em suas obras:

Discurso do Método e Novum Organum.

O segundo capítulo mostra os conceitos fundamentais dos nos quais está

alicerçada a teoria da complexidade de Morin. E o terceiro capítulo apresenta a

aplicação desta teoria no pensar a educação destacando as obras que são muito

utilizadas hoje em seminários, estudos e aprofundamentos de professores e

pesquisadores do campo da Educação.

Há atualmente inúmeras iniciativas e diferentes grupos de pesquisa

espalhados pelo mundo, que tentam compreender a teoria da complexidade, ou

mesmo aplicar alguns de seus conceitos em suas áreas de pesquisa para assim

oportunizar não só o aprofundamento intelectual, mas um conhecimento que

proporcione a compreensão do ser humano no mundo em que vive.

A importância que se dá a esta teoria nas reflexões atuais da educação

justifica a realização da presente pesquisa na busca de identificar as contribuições

do pensamento complexo de Edgar Morin, para a construção de um novo modo de

pensar e construir a educação.

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12

2. AS PRINCIPAIS CRÍTICAS DE MORIN SOBRE A CONCEPÇÃO MODERNA DE

CONHECIMENTO

O pensamento moderno esta marcado por duas linhas filosóficas constituídas

por René Descartes e Francis Bacon, ambos alimentados pelo mesmo objetivo:

apresentar um método para a ciência, capaz de conduzi-la à certeza e segurança

das verdades científicas universais.

Tal objetivo, elucidado no pensamento cientifico do século XVI, não nasceu

por acaso, mas é resultado dos conflitos existentes em sua época, sobretudo,

alimentado pela filosofia renascentista expressada em sua recusa ao pensamento

escolástico que se postulava como fundamentos seguros para a verdade. Como os

renascentistas não tinham algo concreto para colocar no lugar dos fundamentos

metafísicos, o tema da filosofia do pensamento renascentista é a dúvida, assim, o

pensamento renascentista é um pensamento cético, é um ceticismo que encontra-se

mais explicitamente no pensamento de Michel de la Montaigne (a apologia), fonte

que alimentará sobretudo o pensamento de Descartes em sua dúvida hiperbólica.

Neste período específico da modernidade, em que Descartes e Bacon estão

inseridos, a figura do homem nasce como um meio de superação da dúvida. O

homem faz seu aparecimento na história, se torna um problema para si mesmo e

começa a ter um lugar de destaque, com a exaltação da razão.

Esta razão vai ter duas conotações na filosofia moderna, uma de origem

francesa, representada por Descartes e caracterizada pelo método da dedução; e

outra de origem Inglesa, apresentada neste trabalho pelo pensamento de Francis

Bacon, que aposta nos sentidos e usa como critério a experiência. Segundo os

ingleses as fontes do conhecimento são os sentidos.

Francis Bacon escreveu o Novum Organum com o intuito de banir todo tipo de

silogismo verdadeiro que não fizesse referencia à realidade. Passa-se a viver a

verdade não dos enunciados, mas a verdade do mundo. Assim sendo, Bacon

propoe o método da indução. Esta é a garantia de que todos devem realizar a

mesma estrutura de raciocínio – a partir da observação de casos particulares que se

repetem na realidade cria-se o universal. Para os ingleses, o conhecimento depende

prioritariamente do objeto.

Page 14: Teoria da complexidade

13

Morin não vive em um período muito diferente deste que caracteriza o início

da modernidade, marcado pela dúvida, pelas incertezas e pela busca do

conhecimento. Para compreender as críticas que faz aos ―métodos‖ de busca de

conhecimento, que tiveram início na modernidade e que estão presentes ainda hoje,

é importante identificar a concepção de homem e suas relações com a realidade a

qual pertence, uma vez que é esta percepção que está de suporte em cada uma

das forma de se buscar a verdade: seja ela por meio da dedução, da indução ou

mesmo da complexidade.

2.1 CONSIDERAÇÕES EM RELAÇÃO À CONCEPÇÃO DE HOMEM E SUA

RELAÇÃO COM O CONHECIMENTO

Segundo Morin (1973, p. 15-19), desde Descartes o homem pensa contra a

natureza devido a certeza de que sua tarefa no mundo é de dominá-la, subjugá-la e

conquistá-la, ignorando a realidade de que ele próprio seja parte desta natureza que

integra os diferentes ramos da ciência como antropologia, biologia e própria relação

com a sociedade. Nesta concepção tradicional, esses ramos eram concebidos de

forma separada um do outro, o que permitia a criação de uma visão insular do

homem, onde se ignorava os diferentes aspectos que constituem a vida, causando

o desligamento das ciências naturais (biologia, física, química) da ciência do

homem (antropologia) e o ―mundo parecia estar constituído por três extratos

sobrepostos, mas não comunicantes: Homem-cultura, Vida-natureza e Física-

química‖ (MORIN,1973, p. 19).

O projeto da modernidade é um projeto que separou o homem da natureza.

Esta relação de divisão e fragmentação vai interferir diretamente na forma do

homem conceber a si mesmo, a natureza e os demais objetos existentes no mundo.

A preocupação cartesiana é uma só: justificar racionalmente o mundo que

existe. Desta forma, quando ele se preocupa com o problema da explicação do

mundo, parte de sua formação de geômetra-matemática, o que o faz tentar entender

as coisas do mundo não mais sobre o signo da religião de uma metafísica dualista

como a de Platão, mas percebe que o mundo é composto de corpos. Todas as

coisas que tem no mundo têm um corpo, que ocupa espaço e apresentam-se no

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tempo, assim a explicação para o corpo advém única e exclusivamente do substrato

que a garante, que é um substrato matemático.

Contudo, ao olhar o mundo, Descartes percebe que há coisas que não se

identificam nem espaço e nem tempo. Desta forma, não possuem um corpo e

consequentemente não podem submeter-se às leis da matemática, como é o caso

do pensamento. Desta constatação, formula sua visão de homem como sendo

composto por um corpo, o qual denomina res extenta, que é regido, portanto por leis

matemáticas. Além do corpo existe uma outra coisa que não é corpo, que é o

pensamento o qual denomina de res cogitas e portanto esta res cogitas não está

sujeita às leis da matemática.

Descartes refundou o dualismo psico-físico, já presentes, ainda que de forma

sucinta, em Platão e no pensamento Agostiniano, mas agora em termos científicos e

não propriamente religioso ou metafísico.

No Discurso do Método, Descartes preocupa-se em explicar a origem desta

razão, deste cogito e assim, escreve as meditações que não são senão uma

reflexão a cerca da origem ou dos fundamentos da razão pensante.

É possível concluir que para Descartes, o pensar e o existir estão

entrelaçados, no entanto, sua concepção de homem é dualista , uma vez que o

concebe como um ser composto de corpo (res extensa) e mente (res cogitans),

como é apresentado no Discurso do Método, onde, define a estrutura fundamental

de seu projeto antropológico racionalista que prevê: de um lado o 'espírito' cujo

existir se manifesta na evidência do Cogito; de outro, o 'corpo' obedecendo aos

movimentos e às leis que o impelem entende assim o homem como uma máquina

habitada pelo espírito.

Os séculos XVII e XVIII repercutem de alguma forma a visão cartesiana, ou

seja: o homem é composto por duas realidades, uma corporal e outra mental, sem

nenhuma preocupação ou dúvida em relação a esta verdade. Contudo ,as coisas

começam a ficar diferentes no século XIX e XX, onde se coloca em cheque a visão

antropológica do dualismo psicofísico cartesiano.

Segundo Morin (2007, p.12) esta concepção dualista de homem, apresentada

por Descartes é uma das causas dos princípios de disjunção, de redução e de

abstração em que vivemos que pode ser conhecido como paradigma da

simplificação.

Page 16: Teoria da complexidade

15

Morin (2008b, p. 92-95) considera a existência de duas realidades sendo uma

corporal, no caso o cérebro (bios) e outra realidade que é a espiritual. Contudo para

ele estas não devem ser pensadas separadamente, mas são uma unidade -

espírito/cérebro, que constituem um ser individual dotado da qualidade de sujeito, o

que o permite reintegrar-se na sociedade que por sua vez possibilita o

desenvolvimento de seu cérebro pela linguagem, assim ―temos um complexo

inseparável, na qual cada instância à sua maneira, contém as outras‖ (MORIN,

2008b, p.95).

A mesma dualidade cartesiana é percebida no pensamento de Bacon,

quando considera a necessidade de separação do sujeito em relação ao objeto para

melhor compreendê-lo e assim chegar à verdade do mesmo. Para ele, o homem é

um ser sujeito ao erro devido a existência de um intelecto comum a todos os

homens que estão suscetíveis mais aos erros que aos acertos. Acredita ser

necessário corrigir o intelecto e propõe um novo método que o auxilie o a interpretar

a natureza de modo que esta esteja a seu serviço.

Com o intuito de estabelecer o progresso das ciências, Bacon propõe que

seja necessário primeiro destruir os ídolos, ou seja, as falsas noções ou erros que

tomaram conta do intelecto humano, impedindo que este tenha acesso a verdade.

Um ídolo é um retrato considerado como se fosse uma realidade, um pensamento

confundido com a coisa; uma deturpação, um erro, que está arraigado na mente e

nas atitudes humanas. Bacon elabora a teoria dos ídolos1, na qual nomeia quatro

ídolos: ídolos da tribo, ídolos da caverna, ídolos do foro e ídolos do teatro.

Os Ídolos da Tribo são as limitações naturais das, uma vez que erramos em

função da nossa própria natureza humana, uma vez que esta está sujeita a

percepções recebidas pelos sentidos que são parciais. Para Bacon ― o intelecto

humano é semelhante a um espelho que refllete desigualmente os raios das coisas

e, desta forma, as distorce e corrompe.‖ (BACON, 2000, p.40)

Aos Ídolos da Caverna destina os erros oriundos da singularidade do intelecto

de cada indivíduo e de sua forma de estruturar o pensamento, mas este também

recebe influência da educação ou conversações com os outros, da leitura de livros

ou pela autoridade daqueles que se respeitam e se admiram.

1 Teoria dos ídolos – Novum Organum , 2000, Ed. Nova Cultura Ltda, p. 44-54.

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16

Os Ídolos do Foro dizem respeito ao problema da linguagem que dificulta

encontrar a precisão do verdadeiro. Bacon acreditava que as palavras,

frequentemente, são usadas de tal modo que impedem o entendimento. Segundo

ele, existe a possibilidade de fugir dos erros comuns através de uma linguagem

objetiva e universal, que seja capaz de significar o mundo, para isto é necessário

suprir a linguagem vulgar com uma linguagem científica.

Há por fim os Ídolos do Teatro relacionado aos dogmas da filosofia ou da

religião, aceitas pelo indivíduo de forma passiva e que o impedem de ver a verdade

em outras teorias. São opiniões aceitas passivamente alimentadas pelo poder da

autoridade.

Morin, (2011, p.11) aceita a teoria dos ídolos apresentada por Bacon, e como

ele, acredita que seja necessário emancipar-se destes ídolos para se chegar a

ciência, contudo, considera que somente no início do séc. XIX foi possível refletir

sobre as condições sociológicas de emancipação do conhecimento, e somente no

fim deste mesmo século descobriu-se que a própria ciência podia

inconscientemente obedecer aos ídolos.

Os ídolos para Bacon, eram os principais responsáveis pelo não progresso da

ciência, devido a forma pela qual o homem construía seu conhecimento do mundo e

como era educado, resultando em uma tipologia de homem, distanciado da

realidade. Por isso propõe que o caminho correto para encontrar a verdade contida

no livro da natureza está materializado no método indutivo – que consistia na

observação e experiências com fenômenos particulares para se chegar a

conhecimentos e causas mais gerais.

Morin (2007, p. 9) considera que ―a causa profunda do erro não está no erro

de fato, mas na forma de organização de nosso saber‖. Segundo ele (2007, p.39) a

ciência ocidental está fundamentada na eliminação do sujeito, uma vez que

compreende a existência dos objetos de modo independente do sujeito com o intuito

de observá-los e explicá-los enquanto tais, como acontece no método experimental

com seus procedimentos de verificação.

Morin ( 2007, p. 40-42) afirma que tanto a dualidade apresenta por Descartes,

como aquela existente no pensamento de Bacon, com a separação do sujeito e

objeto, são questionáveis, uma vez que também a consciência, de uma maneira

incerta reflete o mundo como o sujeito o faz, assim pode-se considerar que o mundo

reflete o sujeito, sendo impossível concebê-los separadamente. Para ele, esse

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17

humanismo manipulador apresentado pela modernidade deve ser rejeitado, uma vez

que o homem que conquistou a natureza está em vias de se auto-destruir, já que

não se percebe a ela harmonicamente integrado. A tal visão instrumental do papel

do homem no mundo, opõe-se a cultura da universalidade dos direitos do homem.

O homem no conceito de Edgar Morin (1973, 95-111) é um ser complexo que

não pode ser reduzido nem à compreensão técnica do empirismo de homo faber,

nem à racionalidade de homo sapiens. A antropologia de Morin está marcada pela

certeza de que a natureza humana é resultado do processo biocultural em que o

cérebro foi formado, dando origem ao homo sapiens/demens que pode ser descrita

na imagem do homem genérico2 que é ao mesmo tempo, unidade e diversidade.

O homem formado pela dialética do homo sapiens-demens possui uma dupla

natureza com seu lado poético, mítico, religioso, marcado pela desordem, e pela

afetividade que está em intrínseca relação dialógica e complementar com o lado

racional, técnico e econômico, oriundos da sua experiência sócio-cultural.

O homem complexo é um todo formado por uma estrutura hologramática3, em

que cada parte está presente no todo ao mesmo tempo em que o todo está nas

partes, podendo o todo ser maior que as partes, igual e menor que elas.

Tendo como pano de fundo a imagem de homem traçado pelo Cristianismo e

pelo humanismo do século XIX que o coloca como um sujeito superior que tem a

missão de dominar e explorar o espaço natural que esta subjugado a seu poder,

Morin propõe:

A reintegração do homem entre os seres naturais para distingui-lo neste meio, mas não para reduzi-lo a este meio. Trata-se, por conseqüência, ao mesmo tempo de desenvolver uma teoria, uma lógica, uma epistemologia da complexidade que possa convir ao conhecimento do homem. (MORIN, 2007, p.17).

O homem complexo de Morin é capaz de se auto-organizar e de estabelecer

relações de alteridade pela al encontra a autotranscendência que o faz superar-se.

2 Homem genérico: esta é uma ideia adotada por Morin do pensamento marxista que compreende o

homem genérico como aquele que não separa a natureza da cultura. 3 Operador hologramático ou princípio hologrâmico é utilizado na teoria da complexidade como

uma metáfora do holograma, onde na fotografia obtida cada parte contém o todo do objeto reproduzido assim como no todo está também na parte. O holograma a princípio é uma imagem em 3três dimensões, com possibilidades sonoras, assim, pode ser entendido como um ponto único que possui em si a totalidade, ou seja, ― cada célula é uma parte um todo, mas também o todo está na parte: a totalidade do patrimônio genético está presente em cada indivíduo, enquanto todo, através de sua linguagem, sua cultura, suas normas.‖ (MORIN,2004, p. 94).

Page 19: Teoria da complexidade

18

O homem concebido por Morin (2007, p.43-44) é um sujeito auto-eco-organizador,

capaz de pensar as relações sujeito-objeto sem ignorar a realidade da sociedade,da

história desta sociedade na evolução da humanidade. Assim, sujeito e objeto são

constitutivos um do outro numa relação que nem sempre é harmoniosa, mas que se

sustenta numa atitude de abertura do sujeito para com o objeto e do objeto para com

o sujeito e de ambos para com o meio onde estão inseridos mantendo sempre uma

abertura para além dos limites do entendimento.

2.2 CRÍTICAS DE MORIN AOS MÉTODOS DE BUSCA DO CONHECIMENTO

APRESENTADO POR DESCARTES E BACON

Descartes (1999, p.36), ao escrever o Discurso do Método, objetiva

conseguir aumentar de forma gradativa seu conhecimento de modo a elevá-lo pouco

a pouco ao mais auto nível. Contudo, não tem a intenção de criar uma fórmula

mágica que seja aplicada a todos, mas procura demonstrar um caminho seguro

percorrido por ele próprio para alcançar seu objetivo.

O que levou Descartes ao escrever o Discurso do Método foi sua insatisfação

em relação aos conteúdos de ensino que recebera, o qual considerava ser

―resultado de uma cultura desprovida de fundamentos racionalmente satisfatório e

vazia de interesse para a vida‖ (1999, p.11). Acreditava ter a missão de ―unificar

todos os conhecimentos humanos a partir de bases seguras, construindo um edifício

plenamente iluminado pela verdade [...] feito de certezas racionais [...] a ele cabia a

tarefa de inaugurar, desde os fundamentos, o luminoso reino da certeza‖

(DESCARTES, 1999, p.5-7)

A este respeito, Morin considera que o conhecimento não é construído

apenas por meio de certezas acabadas e seguras, mas afirma que ―por todo lado,

erro, ignorância e cegueira progridem ao mesmo tempo que os nossos

conhecimentos.‖ (MORIN, 2007, p.9)

O pensamento cartesiano e o projeto da filosofia moderna é eliminar

contingência, visando critérios de necessidade e universalidade ao conhecimento.

Os principais filósofos da modernidade estão se perguntando pelo limites de nosso

conhecimento, a fronteira de nosso entendimento. Assim, Descartes não está

Page 20: Teoria da complexidade

19

procurando a verdade e sim um método para se atingir a verdade. Desta forma

pretendia:

Unificar, com o auxílio do instrumental matemático, todo vasto campo dos conhecimentos, até então dispersos em débeis construções isoladas. Mas para isso, era necessário que, antes, o terreno fosse preparado de modo a que nele não medrasse qualquer dúvida. Só então a árvore da sabedoria poderia expandir-se com o pleno viço da certeza. (DESCARTES, 1999, p.17-18)

Para eliminar as possíveis dúvidas e incertezas que poderiam impedir o

acesso ao verdadeiro conhecimento, Descartes optou pelo caminho de radicalização

da dúvida, ou seja, a chamada dúvida hiperbólica. Com isto pretendia eliminar

qualquer possibilidade de erro e engano, existente mesmo nas ideias que

pudessem apresentar-se de maneira clara e distinta. Para ele isto fundamentaria a

certeza científica.

Segundo Descartes (1999, p.18), as ideias claras e distintas são concebidas

igualmente por todos, o que quer dizer que são inatas e não dependem da

experiência e do contexto, isso alimentará sua intenção de construir uma

matemática universal, capaz de indicar o caminho do conhecimento, ou da verdade

eliminando qualquer possibilidade de erro. Em contraponto a esta visão, Morin

apresenta o erro não como um empecilho para se chegar a verdade do real, mas

sim como uma possibilidade de acesso ao conhecimento que deve ser aproveitada.

Em seu livro Os Sete Saberes Necessários para a Educação do Futuro, Morin

versa sobre ―as cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão‖. O filósofo destaca

que desde o período do ―Homo Sapiens”, o erro e a ilusão estão presentes no saber

humano. Isso acontece pelo fato do homem produzir ―falsas concepções de si

próprios, do que fazem, do que devem fazer, do mundo onde vivem‖ (MORIN,

2004b, p. 19). Segundo ele, existe uma preocupação em transmitir saberes, mas

não há uma reflexão sobre o que é o conhecimento.

Para Morin, todo conhecimento está sujeito ao erro e a ilusão, por se tratar do

resultado de representações subjetivas de uma visão de mundo particular, de

ideologias e até mesmo de emoções, que podem tanto ofuscar como fortalecer o

conhecimento. Segundo ele, a ―educação deve dedicar-se a identificação da origem

de erros, ilusões e cegueiras.‖ (MORIN, 2004b, p. 21)

Page 21: Teoria da complexidade

20

Destaca a existência dos erros mentais, intelectuais e os erros da razão,

enfatizando, neste último item, a diferença entre racionalização e racionalidade.

Considera a racionalidade a melhor proteção contra o erro e a ilusão e, segundo ele,

quando a racionalidade se perverte em racionalização, torna-se um perigo pelo seu

dogmatismo , o que pode ser percebido em sua consideração:

A racionalização se crê racional porque constitui um sistema lógico perfeito, fundamentado na dedução ou na indução, mas fundamenta-se em bases mutiladas ou falsas e nega-se à contestação de argumentos e à verificação empírica. A racionalização é fechada, a racionalidade é aberta. A racionalização nutre-se nas mesmas fontes que a racionalidade, mas constitui uma das fontes mais poderosas de erros e ilusões. Dessa maneira, uma doutrina que obedece a um modelo mecanicista e determinista para considerar o mundo não é racional, mas racionalizadora. (MORIN, 2004, p.23)

Para Morin, a verdadeira racionalidade deve reconhecer suas próprias

limitações e, por conseguinte, é impossível fazê-lo amparado pelo caminho adotado

no método cartesiano que procura a busca da verdade partindo de ideias claras e

distintas e elimina a possibilidade de erro.

Segundo Descartes a razão é a única forma de se chegar a verdade, uma vez

que esta possui um caráter objetivo que não varia de sujeito para sujeito. Assim,

organiza seu pensamento traçando um caminho de busca do conhecimento

alicerçado em quatro preceitos, que podem ser consideradas as regras básicas de

seu método e que o levariam a alcançar tal objetividade. São eles: evidência,

análise, síntese e revisão.

Contrariamente a Descartes, que tem como primeiro princípio de verdade a

evidência, ou seja, ideias claras e distintas, Morin propõe um método que parte da

complexidade do ser. Segundo este:

O «cavaleiro francês» começou rápido demais. Hoje só se pode partir da incerteza, inclusive a incerteza sobre a dúvida. Hoje, o próprio princípio do método cartesiano deve ser metodicamente posto em dúvida, além da disjunção dos objetos entre si, das noções entre elas ( as idéias claras e distintas) e da disjunção absoluta do objeto e do sujeito. Hoje, a nossa necessidade histórica é encontrar um método que detecte e não que oculte as ligações, as articulações, as solidariedades, as implicações, as imbricações, as interdependências, as complexidades ...Temos de partir da extinção das falsas clarezas. Não do claro e do distinto, mas do obscuro e do incerto; não do conhecimento seguro, mas da crítica da certeza. (MORIN, 2008a, p. 29)

Page 22: Teoria da complexidade

21

O segundo principio apresentado por Descartes é o da análise, ou seja,

―repartir cada uma das dificuldades que analisasse em tantas parcelas quantas

fossem possíveis e necessárias, a fim de melhor solucioná-las‖ (DESCARTES, 1999,

p.49). Para Morin, este é o principio da fragmentação do conhecimento, que pode

ser conhecido também como paradigma simplificador, o qual é criticado por ele pela

sua incapacidade de ―ver que o uno pode ser ao mesmo tempo múltiplo... O princípio

da simplicidade separa o que está ligado (disjunção) ou unifica o que é diverso

(redução)‖ (MORIN, 2007,p.59).

O terceiro princípio do método cartesiano é o da síntese pelo qual objetiva

organizar o pensamento iniciando pelo que é mais simples e fácil de conhecer para

pouco a pouco chegar aos conhecimentos mais compostos ―presumindo uma ordem

entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros‖ (DESCARTES, 1999,

p.50).

Contrariamente a esta posição, Morin defende que existe uma necessidade

de enfrentar os paradoxos da ordem/desordem, da parte/todo, do singular/geral; de

modo a incorporar o acaso e o particular como componentes da análise científica

colocando-se diante do tempo e do fenômeno, integrando a natureza singular e

evolutiva do mundo é necessário desenvolver o diálogo entre ordem, desordem e

organização, para conceber, na sua especificidade, em cada um dos seus níveis, os

fenômenos físicos, biológicos e humanos. Para ele, ―o simples não passa de um

momento, um aspecto entre várias complexidades – microfísica, macrofísica,

biologia, psíquica, social‖ (MORIN, 2007, p.36-37).

O quarto e último princípio do método cartesiano prevê revisões tão gerais e

tão específicas que garantiria a certeza de que não estaria omitindo nada.

Descartes acreditava que seguindo estes princípios poderia chegar a ordem

necessária para deduzir conhecimentos verdadeiros ou não e assim chegar

conhecimento. Isto levaria a um conhecimento especializado, onde se extrai o objeto

de seu contexto para nele descobrir as suas verdades. Morin condena este caminho

epstemológico, considerando ser uma estrutura fechada simplificadora que

fragmenta o saber. Para ele, (MORIN, 2004, p. 44-46) esta forma de racionalidade

abstrata e unidimensional reina sobre a terra, causando uma atrofia da

compreensão, reflexão e visão a longo prazo, produzindo novas cegueiras em

relação a problemas fundamentais e complexos, afirma que ―o parcelamento e a

Page 23: Teoria da complexidade

22

compartimentação dos saberes impedem apreender o que está ‗tecido junto‘‖.

(MORIN, 2004, p.45)

O método indutivo apresentado por Bacon tem como objetivo propor um modo

seguro de aplicar o pensamento lógico aos dados oferecidos pelo conhecimento

sensível, sendo um auxílio seguro para conduzir corretamente as idéias. A aplicação

deste método parte de dois princípios.

O primeiro consiste em saltar-se das sensações e das coisas particulares aos

axiomas4, entendido por Bacon como um empirismo Aristotélico. O segundo,

recolher os axiomas dos dados dos sentidos e particulares, ascendendo contínua e

gradualmente até alcançar, em último lugar em princípios das massas.

O procedimento empírico de Bacon apresenta-se como uma forma de

investigar a natureza minuciosamente com o intuito de produzir um retrato fiel da

mesma em aspecto quantitativo e qualitativo. Para ele ―Saber é poder‖. Poder é ter

meios de domínio da natureza e só é possível chegar a este entendimento através

da observação.

O verdadeiro conhecimento se alcança pela variação dos fenômenos que

devidamente observados, apresentam sua causa real. Para alcançar este fim, na

concepção de Bacon, é necessário descrever minuciosamente os fatos observados

para, em seguida, confrontá-los com três tábuas de investigação que disciplinarão o

método indutivo. Estas tábuas são conhecidas como: tábua da presença ou

essência, tábua da ausência ou negação e tábua das graduações ou comparações.

Segundo Bacon (2000, p.108), tendo em fenômeno ou um problema de

estudo é necessário fazer um levantamento de todos os casos em que este aparece,

o que ele denomina tábua de essência e de presença.

A segunda tábua, denominada tábua de ausência sendo necessário ―que se

limite o recolhimento das instancias negativas em correspondência com as positivas,

considerando as privações apenas nos objetos muitos semelhantes.‖ (BACON,

2000, p.111)

Por fim a terceira tábua diz respeito a tábua de graus ou comparação que

para Bacon (2000, p.119-120) diz respeito as anotações dos diferentes graus de

4 Axiomas –Bacon julgava possível obter axiomas por via de dedução ou de indução, e para ele os

axiomas são verdades imutáveis. (Dicionário de Filosofia. Nicola Abbagnano. Tradução da 1ª edição brasileira coordenada e revisada por Alfredo Bosi; revisão da tradução dos novos textos Ivone Castilho Benedetti- 4ª edição- São Paulo:Martins Fontes,2000)

Page 24: Teoria da complexidade

23

variações ocorridos antes ou depois do experimento, de modo a perceber as

correlações entre as modificações ocorridas ou não.

Bacon acreditava que o avanço do conhecimento e das técnicas possibilitaria

a reforma do conhecimento humano. Para ele o método era a condição para o

avanço do saber e a natureza seria a fonte do conhecimento sendo assim a

observação e o entendimento da natureza a chave para a constituição de sua

filosofia. Este modo de pensar o conhecimento e a ação do homem sobre a natureza

demonstra uma atitude permite a sensação de domínio sobre a natureza.

Morin (2004a, p.39-40) ao contrário de Bacon aposta em uma proposta de

hominização do ser humano, de modo a contribuir para que este não tenha uma

atitude de dominação em relação a natureza, mas tenha ―uma consciência

humanística e ética de pertencer à espécie humana, que só pode ser

completa com a consciência do caráter matricial da Terra para a vida.‖ (MORIN,

2004a, p.39)

Para ele, esta atitude de respeito e a consciência de que o homem é parte de

um organismo complexo que contempla também a natureza contribuirá para o

abandono do sonho de dominação na natureza formulado por Bacon, Descartes e

outros, que incentivaram a aventura conquistadora da técnica ocidental.

Afirma ainda que:

A relação do homem com a natureza não pode ser concebida de forma reducionista, nem de forma disjuntiva. A humanidade é uma entidade planetária e biosférica. O ser humano, ao mesmo tempo natural e supranatural, deve ser pesquisado na natureza viva e física, mas emerge e distingue-se dela pela cultura, pensamento e consciência. Tudo isso nos coloca diante do caráter duplo e complexo do que é humano: a humanidade não se reduz absolutamente à animalidade, mas, sem animalidade, não há humanidade. (MORIN, 2004a, 40)

Morin não nega por completo a simplificação acreditando apenas em

esquemas gerais que não consideram o particular, mas ele acredita que a

simplificação é necessária, mas deve ser relativizada. Aceita a redução desde que

esta esteja consciente de que é redução e não tenha uma atitude arrogante que

acredita possuir a verdade.

Segundo Morin (2004b,102-103) a complexidade é a união dos processos de

simplificação com os outros contra processos que são a comunicação, a articulação

do que foi dissociado e distinguido, de modo a, escapar tanto ao pensamento

Page 25: Teoria da complexidade

24

redutor que só vê os elementos como do pensamento globalizado que vê apenas o

todo.

Morin acredita que a complexidade esteja no coração da relação existente

entre o simples e o complexo uma vez que esta relação se dá no antagonismo e na

complementaridade.

Page 26: Teoria da complexidade

25

3. FUNDAMENTOS DA TEORIA DA COMPLEXIDADE PROPOSTA POR EDGAR

MORIN

A complexidade do universo pós-moderno apresenta a perda do sentimento

de certeza e a instabilidade de todo o conhecimento, fazendo com que o homem

abdique da rigidez das idéias, atitudes e tipos de comportamentos fundamentados

no sistema de valores tradicionais.

Pensar complexidade neste contexto é uma realidade necessária, uma vez

que, o mundo e tudo o que o compõem é formado por estruturas complexas que se

interligam e se re-significam constantemente. Morin considera a complexidade como

uma realidade que nos coloca diante do paradoxo do uno e do múltiplo e ao mesmo

tempo como uma forma de organização do pensamento que considera as diferentes

influencias recebidas, como um sistema interligado.

Para uma melhor compreensão dos pontos fundamentais da teoria da

complexidade os mesmos serão tratados nos seguintes aspectos que a compõem:

desafios e avenidas para chegar à complexidade, reorganizações genéticas,

conceito de complexidade para Morin, operadores da complexidade e tetragrama

organizacional.

3.1 DESAFIOS E AVENIDAS PARA CHEGAR À COMPLEXIDADE

Para Morin (1996, p.175), um dos primeiros desafios é a consideração de que

a complexidade ainda é tratada como algo marginal no pensamento científico,

epistemológico e filosófico. Considera Gaston Bachelard como uma exceção no

campo da epistemologia, uma vez que este contemplou a importância da

complexidade, embora não a tenha desenvolvido como fonte de pesquisa,

permanecendo como uma ideia isolada. Para ele a complexidade foi tratada

somente de forma marginal nos campos da engineering5 e a ciência, na cibernética e

5 Engineering - Termo inglês que traduzido significa engenharia. É utilizado no campo da

engenharia dos sistemas de informação e foi apropriado também pelo ramo das ciências sociais, como organização de empresas, escolas, sociedade.

Page 27: Teoria da complexidade

26

na teoria dos sistemas. Somente mais tarde o primeiro texto sobre complexidade é

escrito por Waver, afirmando que o século XIX é o período da complexidade

desorganizada. Devido a este pouco interesse de pesquisa em relação a

complexidade, Morin admite a existência de mal entendidos fundamentais, sendo

eles: a compreensão da complexidade como receita pronta e acabada ignorando

seu caráter de desafio e motivação do pensamento. O segundo mal entendido diz

respeito à ação de confundir complexidade com completude, uma vez que a

complexidade estuda o problema da incompletude do conhecimento, tendendo ao

conhecimento multidimensional. O pensamento complexo procura responder as

questões que não são contempladas no pensamento mutilante e simplificador, o que

o leva ao princípio da incompletude e de incerteza.

Ponderando a realidade incerta, plural e contraditória na qual estão inseridos

os diferentes ramos científicos, Morin (1996, p.177-185), propõe oito avenidas ou

caminhos que levam a complexidade.

A primeira avenida, diz respeito à irredutibilidade do acaso e da desordem6.

Para ele é necessário considerar que a desordem e o acaso estão presentes no

universo e se manifestam em sua evolução, contudo o problema incerteza

provocada por estas noções não podem ser resolvidas uma vez que ―o próprio

acaso não está certo de ser acaso‖ (MORIN, 1996, p.178)

Morin determina a segunda avenida7 como sendo a transgressão dos limites

de abstração universalista que eliminam a singularidade, a localidade e a

temporalidade. Para ele é necessário unir as características singulares e locais com

o universal de modo que uma não exclua a outra.

6 A ideia de acaso e desordem tem início no universo das ciências físicas em primeiro lugar, com a

irrupção do calor, que é agitação-colisão-dispersão dos átomos ou moléculas, e depois com a irrupção das indeterminações microfísicas, e, enfim, na explosão originária e na dispersão atual do cosmo (MORIN, 1996, p.178). 7 Esta avenida está ligada às ciências naturais. Para Morin, a biologia atual não concebe a espécie

como um quadro geral do qual o indivíduo é um caso singular, mas a possui como uma singularidade que produz singularidades. A própria vida é uma organização singular entre os tipos de organização físico-química existentes. E, além disso, as descobertas de Hubble sobre a dispersão das galáxias e a descoberta do raio isótropo que vem de todos os horizontes do universo trouxeram a ressurreição de um cosmo singular que teria uma história singular na qual surgiria nossa própria história singular. Do mesmo modo, a localidade se torna uma noção física determinante: a idéia de localidade está necessariamente introduzida na física einsteiniana pelo fato de que as medidas só podem ser feitas num certo lugar e são relativas à própria situação em que são feitas. O desenvolvimento da disciplina ecológica nas ciências biológicas mostra que é no quadro localizado dos ecossistemas que os indivíduos singulares se desenvolvem e vivem (MORIN, 1996, p.178).

Page 28: Teoria da complexidade

27

A terceira avenida8 é o problema da complicação constatado pela

identificação das inúmeras interações e interretroações existentes nos fenômenos

biológicos e sociais.

A relação misteriosa, complementar e antagonista existente entre a noção de

ordem, desordem e organização, que mais tarde formará o tetragrama da

complexidade, é a abertura para a quarta avenida. Nesta estrutura conceitual está

localizado o princípio de order from noise9.

A quinta avenida diz respeito à ao conceito de organização encontrado na

formação do sistema que ao mesmo tempo uno e múltiplo. Para Morin, (1996, p.180)

―o todo organizado é alguma coisa a mais do que a soma das partes, porque faz

surgir qualidades que não existiriam nesta organização.‖ Tais qualidades estimulam

as partes para o processo de expressão e desenvolvimento de suas potencialidades

o que resulta em uma operação em que o todo pode ser maior do que as soma das

partes. Este conceito será expresso mais tarde tanto no tetragrama organizacional,

como no operador hologramático.

A sexta avenida pode-se dizer que é o principio da organização recursiva,

onde se considera situações em que o produto passa ser ao mesmo tempo efeito de

produção. Para isto Morin (1996, p.182-183), exemplifica com a imagem da

reprodução humana em que se utilizam da relação entre duas pessoas para produzir

uma outra, que mais tarde estabelecerá relações que produzirão outros, formando

assim o ciclo de reprodução.

Considera-se a sétima avenida em direção a complexidade como sendo a

avenida da crise dos conceitos delimitados e claros. No conceito de Morin (2007, p.

12) ―o pensamento simplificador é incapaz de conceber a conjunção do uno e do

múltiplo‖, desta forma há a necessidade de romper com o pensamento cartesiano,

da ambição bela busca de verdades claras e distintas.

8 Desta ideia de interação e retroação vem o paradoxo de Niels Bohr que diz: ―As interações que

mantém vivo o organismo de um cachorro são impossíveis de ser estudada in vivo. Para estudá-las corretamente, seria necessário matar o cão.‖ (In: MORIN, 1996, P.179) 9 O princípio de order from noise foi formulado por Heinz von Foerster, em 1959 e se opunha ao

princípio clássico order from order (a ordem natural obedecendo às leis naturais) e ao princípio estatístico order from disorder (no qual uma ordem estatística no nível das populações nasce de fenômenos desordenados-aleatórios no nível dos indivíduos). O princípio order from noise significa que os fenômenos ordenados (eu diria organizados) podem nascer de uma agitação ou de uma turbulência desordenada Os trabalhos de Prigogine mostraram que estruturas turbilhonárias coerentes podiam nascer de perturbações que aparentemente deveriam ser resolvidas com turbulência. (In: MORIN, 1996, p.179)

Page 29: Teoria da complexidade

28

Por fim, a oitava e última avenida apresentada por Morin é o prenúncio da

volta do observador na sua observação, quebrando assim outro critério da ciência

clássica moderna que buscava separar o sujeito do objeto observado. Morin afirma

que:

O observador-conceptor deve se integrar na sua observação e na sua concepção. Ele deve tentar conceber seu hic et nunc sociocultural. Tudo isso não é só uma volta à modéstia intelectual, também é volta a uma aspiração autêntica da verdade (MORIN, 1996, p. 187).

Considerando esta oitava avenida, vê-se a necessidade de destacar a ideia

de reorganização genética, que está diretamente relacionada ao sujeito observador

o qual possui uma história construída ao longo de sua experiência social e ao

mesmo tempo transforma esta sociedade.

3.2 REORGANIZAÇÕES GENÉTICAS

Morin, montou sua estrutura de pensamento em base a própria experiência,

denominada por ele como reorganizações genéticas.

As reorganizações genéticas não estão ligadas diretamente à concepção

biológica de genética, mas sim aos momentos importantes da vida de Morin que

possibilitaram a formação de suas ideias e marcaram seu estilo de pensamento.

Segundo Morin (1997, p.190), a primeira reorganização genética aconteceu

entre os anos de 1941-1943, período no qual teve a oportunidade de aprender que

―as ideias sempre avançam no antagonismo e nas contradições com isto inicia seus

estudos sobre Hegel e Marx‖. Suas conversas com seu amigo Geoges Szekeres10

auxiliou a formar suas ideias fundamentais deste período, referente à: integração

das verdades isoladas, integração das contradições e integração da dúvida.

No que diz respeito a integração das verdades isoladas, Morin aprendeu de

Hegel a reunir e interligar os diferentes tipos de saber de modo articulado com

outras verdades. Esta ação lhe levou a descoberta dos limites do conhecimento

10

Filósofo húngaro que havia sofrido a influência de Lukács, e que levou Morin aos estudos de Hegel (MORIN, 1997, p.190).

Page 30: Teoria da complexidade

29

isolados que não levam a descoberta do todo de que fazem parte, assim, buscou

estabelecer relações entre o que estava separado.

Em Hegel ainda, aprendeu que o pensamento se desenvolve mediante um

ciclo de contradições e antagonismos, o que chamou de integração das

contradições.

E por fim, a integração da dúvida. Momento em que descobriu que a dúvida

poderia ser considerada como a própria energia do espírito que tinha em si mesmo a

possibilidade de negar a negação e ultrapassar o ceticismo sem perder sua

característica de negação. Isto possibilitou, mais tarde a Morin, integrar à dialética

hegeliana11 sua dialógica espontânea, ao mesmo tempo em que, integrava a

antropologia marxista em seu conceito de humanidade, o que contribuiu na

construção do núcleo paradigmático que construía e controlava seu pensamento.

O período em que Morin determina como segunda reorganização genética,

caracteriza-se pelo seu rompimento com o marxismo, questionando sua forma de

expressão ideológica que se fundamenta na promessa de uma nova sociedade, que

seria melhor do que a já existente.

Da tradição marxista assimilou outro conceito de dialética12 diferente daquele

de Hegel, que foi transformado por Morin por dialógica devido a sua compreensão

de que o conhecimento não se constrói apenas pela luta de contrários, mas esta luta

possibilita a construção de um novo saber. O conceito de dialógica é considerado

por Morin da seguinte forma:

A palavra dialógica não é uma palavra que permite evitar os constrangimentos lógicos e empíricos como a palavra dialética Ela não é uma palavra-chave que faz com que as dificuldades desapareçam, como fizeram, durante anos, os que usavam o método dialético. O princípio dialógico, ao contrário, é a eliminação da dificuldade do combate com o real. (Morin, 1996, p.190)

11

Dialética Hegeliana- Para Hegel a dialética. é "a própria natureza do pensamento" . Visto ser a

resolução das contradições em que se enreda a realidade finita, que como tal é objeto do intelecto. A Dialética. é "a resolução imanente na qual a unilateralidade e a limitação das determinações intelectuais se expressam como são, ou seja, como sua negação...a filosofia hegeliana vê em toda parte tríades de teses, antítese e sínteses, nas quais a antítese representa a ―negação", "o oposto" ou "outro" da tese, e a síntese constitui a unidade e, ao mesmo tempo, a certificação de ambas (ABBAGNANO, 2000, p. 172-174). 12

Dialética Marxista- Marx censurava no conceito hegeliano de dialética. Segundo Marx toda a

filosofia hegeliana vive na "abstraçâo" e por isso não descreve a realidade ou a história, mas só uma imagem abstrata desta que, por fim, é colocada como suprema verdade no "Espírito absoluto" (Manuscritos econômico-filosóficos, III; trad. it., pp. 168 ss.). Marx afirmava, portanto, a exigência de fazer a dialética passar da abstração à realidade, do mundo fechado da "consciência" ao mundo aberto da natureza e da história. (ABBAGNANO, 2000, p. 172-174)

Page 31: Teoria da complexidade

30

Esta segunda reorganização é marcada não só pele mudança de sua visão

hegeliana-marxista, mas também pelos contatos que Morin teve com outros autores

como: Georges Bataille, com a valorização da filosofia existência e Adorno e

Heidegger que trouxeram novos elementos que vieram a contribuir em sua

reestruturação de pensamento.

Este período marcado por grandes mudanças sociais com o comunismo

stalinista, a revolução húngara, o relatório de Kruchev e questionamento sobre o

marxismo, trouxe novas atitudes e conceitos, que devem ser levados em conta,

devido a sua forte presença na estrutura do pensamento complexo e na filosofia que

esta sendo concebida por Morin.

A noção de totalidade13 teve de integrar em si o seu contrário. Morin não

deixou de considerar um certo anseio pessoal por um anseio por um saber global,

mas por meio da dialogia tentou aproximar o que era fragmentado e inacabado do

conhecimento humano.

Percebe a necessidade da racionalidade reconhecer a insuperabilidade das

contradições e é neste momento em que a dialógica começa a preencher o lugar da

dialética.

A reativação da dúvida no pensamento interrogativo possibilitou o trabalho de

decomposição e recomposição de suas ideias, o que foi de fundamental importância

para este segundo momento da reorganização genética. O abandono das astúcias

da razão e a consolidação de uma ética de resistência, contra as barbáries

ocorridas em seu tempo como forma de enfrentamento as dificuldades

apresentadas, mas também como busca de transformação dos problemas referente

aos compromissos vitais.

Esta atitude leva a uma antropologia mais ampla, onde o homem não é mais

definido pela técnica e pela razão mas pelo seu ser complexus, constituído também

pela afetividade e pelo imaginário.

A realidade moderna e pós moderna, marcada pelas grandes guerras e

revolução, marcam a constituição de um pensamento planetário, já introduzida no

13

As palavras aqui apresentadas em itálico, são ressaltadas pelo próprio Morin em seu livro: Meus

demônios de 1997 como passos desta segunda reorganização genética. Para não perder a importância dada a elas, serão apresentadas também neste texto em itálico.

Page 32: Teoria da complexidade

31

pensamento hegeliano. Segundo Morin (1996) ―estamos ainda na idade de ferro

planetária e na pré-história do espírito humano‖.

A primeira emergência de um diagnóstico de civilização, é de que o mal da

sociedade está no que chama de subdesenvolvimento da civilização desenvolvida.

Esta constatação faz com que Morin conteste a provincialização de Marx rejeitando

sua doutrina por considerá-la uma ―utopia reacionária‖.14 O que lhe dará maior

autonomia para caminhar rumo a complexidade.

Na década de 60, Morin é convidado a fazer uma permanência nos EUA.

Período oportuno em que teve acesso a outras áreas do conhecimento que o

marcaram de modo decisivo. Iniciou-se nos estudo no ramo da biologia, como os

estudos sobre a revolução biológica e depois simultaneamente ampliou seus

conhecimentos, referente às áreas de: informação, teoria dos sistemas e cibernética,

o que foi de fundamental importância para a construção estrutural do pensamento

que fora posteriormente apresentada em sua obra “o método”. Pode-se afirmar que

esta é a terceira reestruturação genética. O conjunto destas três reorganizações

forma a base de onde origina a teoria da complexidade.

3.3 COMO A COMPLEXIDADE É CONCEBIDA POR MORIN

A complexidade para Morin, não pode ser confundida com relativismo

absoluto e muito menos com o oposto de simples, como muitos a definem quando

falam que algo difícil é complexo.

A complexidade para Morin (2007, p. 102), em um primeiro momento tem a

ver com desafio, com a incerteza, a não resposta mediante as muitas facetas das

diferentes realidades em que o ser está inserido. Contudo a medida em que se vai

avançando pelas avenidas da complexidade15, é possível encontrar dois núcleos

que estão intrinsecamente ligados entre si.

O primeiro diz respeito ao núcleo empírico, caracterizado de um lado pela

desordem e eventualidades e de outro lado pelas complicações, confusões e

multiplicações reproduzidas.

14

―Todas as tentativas de restabelecer a doutrina marxista como um todo e na sua função original de teoria da revolução social são hoje utopias reacionárias‖ (Dix théses sur lê marxisme‖, 1950, publicadas em Arguments, nº16, p. 26-28. In: MORIN, 1996). 15

Avenida da complexidade- Tem relação com as oito avenidas da complexidade, tratadas anteriormente neste trabalho.

Page 33: Teoria da complexidade

32

O segundo é o núcleo lógico, formado pelas contradições que devem ser

enfrentadas em paralelo as indecibilidades16 inerentes à lógica. Neste sentido, Morin

(1996, p. 188), a complexidade passa a ser a ―reintrodução da incerteza‖ num

contexto em que a ciência havia buscado de todas formas a conquista da certeza

absoluta, alimentada pela ambição da necessidade de se possuir ideias ―claras‖ e

“distintas‖. Com esta nova roupagem, que supera este ideal da ciência clássica, a

complexidade passa a ser o ponto de partida para um pensamento multidimensional.

A complexidade segundo Morin (2007, p. 13), é ―o tecido de acontecimentos,

ações e interações, retroações, determinações, acasos, que constituem nosso

mundo fenomênico‖ o que corresponde com os sentido etimológico da palavra

complexus, entendido como: aquilo que é tecido junto.

Na imagem análoga da peça de tecido, considera-se os diferentes fios que o

compõem sem perder a sua identidade individual. Esta característica é marcada pelo

entrelaçamento que forma a própria unidade do complexo onde, ao mesmo tempo

que é uno é múltiplo pelas complexidades que o compõem.

Para Morin (2007, p.35) a complexidade compreende não só quantidades de

unidades e interações que desafiam a possibilidade de cálculo, mas também,

incertezas, indeterminações, fenômenos aleatórios e por isto num certo sentido

sempre tem relação com o acaso.

É importante destacar que embora a complexidade tenha relação com a

incerteza, ela não se reduz a ela, mas pode ser considerada como a incerteza que

inserida no seio de sistemas ricamente organizados, por isso ao mesmo tempo que

é ordem, é desordem e organização.

Na dimensão da complexidade, ―o simples não passa de um momento, um

aspecto entre várias complexidades microfísica, macrofísica, biológica, psíquica e

social‖ (MORIN, 2007, p.36-37). O que não representa necessariamente um

pensamento globalizante, mas sim uma forma de ver o mundo em seus diferentes

aspectos, com isto o pensar complexo necessariamente deve passar pelas fases de

ordem, desordem e organização, para que possa desenvolver um processo de auto-

eco-organização de todos sistemas vivos.

16

Indecibilidade- tem relação com o teorema da incompletude de Godel. ―O teorema de Godel e a lógica de Tarski mostravam que nenhum sistema explicativo pode se explicar totalmente a si mesmo (Tarski) e que nenhum sistema formalizado complexo pode encontrar em si mesmo sua própria prova. (In.: MORIN,1996, p. 187)

Page 34: Teoria da complexidade

33

3.4 OPERADORES DA COMPLEXIDADE

Os operadores ou princípios da complexidade são instrumentos cognitivos

que servem como guia de integração entre a lógica clássica, sem ignorar seus

limites, e a nova forma de pensar complexo. Contrariamente a visão cartesiana que

considerava a clareza e a distinção, como requisitos de verdade de uma ideia, para

Morin (2005, p. 72) ―as coisas mais importantes se definem a partir de seu núcleo e

não por suas fronteiras‖. Este núcleo central pode ser estabelecido a partir de

princípios que são ao mesmo tempo complementares um do outro, como também

interdependente. Em alguns textos como: ―O pensamento complexo, um

pensamento que pensa”, do livro A Inteligência da complexidade (MORIN, 2004, p.

209-213) e no livro ―A cabeça bem feita” (MORIN, p,93- 97), Morin, apresenta sete

princípios guias. Já no livro ―Introdução ao pensamento complexo‖ (2005, p. 73-77)

são apresentados apenas três, considerados por muitos de seus tradutores, como é

o caso de Edgar de Assis Carvalho17, que denomina como sendo três os operadores

da complexidade, são eles: a dialogia, a recursividade e o holograma.

O operador dialógico é o primeiro macro-conceito que consiste na união de

duas lógicas diferentes, ou duas realidades opostas que se completam uma a outra

sem que a dualidade se perca nessa unidade. Morin (2004a, p.96) considera que ―a

dialogia é a união de dois princípios que deveriam excluir-se reciprocamente, mas

são indissociáveis em uma mesma realidade.‖ Afirma ainda a existência de uma

dialógica ordem/desordem/organização presente desde o início da formação do

universo.

Esta concepção de dialogia como sendo a unidade inseparável de duas

realidades contrárias, mas necessária uma a outra, pode ser aplicada a diferentes

contextos da realidade e permite construir pontos de apoio, ou nucleares entre

diferentes saberes e até mesmo de saberes opostos.

17

Edgard De Assis Carvalho é doutor em Antropologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras

de Rio Claro (atual UNESP), tendo realizado o Pós-Doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales. É Professor Titular de Antropologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Professor Livre Docente da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP. A partir de 1989 até 1994, foi Coordenador do Programa de Doutorado em Antropologia (PUC-SP). É Coordenador do Núcleo de Estudos da Complexidade da PUCSP, desde 1997, além de atuar com Professor visitante recorrente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, desde 1996. Tradutor de alguns livros e textos de Edgar Morin.

Page 35: Teoria da complexidade

34

O operador recursivo ou de recursividade que significa que algo pode produzir

uma causa, bem como pode ser a própria causa que produz algo, como um anel

recursivo. Morin (2007, p.74) exemplifica esta relação com o seguinte fato: ―a

sociedade é produzida pelas interações entre indivíduos, mas a sociedade uma vez

produzida retroage sobre os indivíduos e os produz.‖ Esta ideia de recursividade

como um anel, possibilita a compreensão de auto-organização inerente à teoria da

complexidade, como poderá ser observado no tetragrama organizacional.

Operador hologramático ou holograma organizacional tem origem na física e

simboliza a imagem pela qual permite ter a ideia do todo sem dissociá-lo das partes.

Para Morin (2008a, p.113-114) o holograma pode ser considerado da seguinte

forma:

Diz respeito a complexidade da organização viva, à complexidade da organização cerebral e à complexidade socioantropológica. Pode-se apresentá-lo assim: o todo está de certa maneira incluído na parte que está incluído no todo. A organização complexa de todo (holos) necessita da inscrição (gravação) do todo (holograma) em cada uma de suas partes contudo singulares; assim a complexidade das partes, a qual necessita retroativamente da complexidade organizacional do todo. (MORIN, 2008a, p.114)

O princípio hologramático pode ser ilustrado na imagem que segue,

simbolizando a possibilidade de conhecimento de algo a partir de um ponto

determinado que permite a visualização da totalidade.

Figura 1: DNA HUMANO Fonte:http://averdadeaqui.files.wordpress.com/2011/06/dna2bmente2blinguagem2bfrequencias.jpg?w=199 : acesso em agosto de 2011.

Page 36: Teoria da complexidade

35

A imagem da cadeia cromossômica é símbolo da constituição humana, que

está presente no DNA, por sua vez é análogo ao princípio hologramático, uma vez

que cada parte contém a informação do todo. Este exemplo é manifestado por

Morin, quando afirma:

O princípio hologramático é o princípio essencial das organizações policelulares, vegetais e animais; cada célula contém a marca genética de todo ser; cada célula permanece singular, justamente porque, controlada pela organização do todo (ela mesma produzida pela interação entre células), uma pequena parte da informação genética nela contida se exprime; mas ela permanece ao mesmo tempo portadora de virtualidades do todo, o qual poderia, eventualmente, atualizar-se a partir delas; assim, seria possível reproduzir por clonagem o ser inteiro a partir de uma célula mesmo extremamente especializada ou periférica do organismo. (MORIN, 2008b, p. 114)

Para Morin (2008b, p.114), existem quatro motivos que fazem das

organizações hologramáticas uma riqueza. O primeiro deles, devido à possibilidade

das partes não perderem sua originalidade, mesmo contendo aspectos do todo. O

segundo diz respeito à possibilidade das partes serem dotadas de autonomia

relativa. O terceiro está relacionado às comunicações que estas partes estabelecem

umas com as outras e que oportunizam trocas organizadoras. Por fim a eventual

capacidade que possui de regeneração do todo.

Estes três operadores estão ligados entre si e recorrem um ao outro num

certo nível de complexidade. A união do processo dialógico, recursivo e

hologramático permitem a construção da ideia de totalidade, contida no pensamento

complexo.

3.5 TETRAGRAMA ORGANIZACIONAL

Juntamente com os operadores da complexidade, o tetragrama

organizacional forma a base da teoria da complexidade. Chama-se tetragrama

devido a sua representação que estabelece a interrelação existente entre a ordem,

desordem, interação e reorganização.

A integração entre estes elementos representa o núcleo do pensamento

complexo, pois para Morin (1996, p.196-197), o desenvolvimento de todas as

ciências naturais está ligado à quebra dos antigos determinismos, na busca de

Page 37: Teoria da complexidade

36

estabelecer uma relação dialógica entre a ordem e a desordem, o que possibilita

pensar a complexidade da realidade física, biológica e humana. Considera que

existe diferentes ideias em relação à noção de ordem que pode ser compreendida

não só como uma noção determinista, mas também como estabilidade,

determinação, constância, regularidade, repetição e estrutura. Esta abertura em

relação à compreensão da ordem faz com que a mesma supere e ultrapasse o

antigo conceito de lei, o que significa que a ordem se complexificou e já não é mais

a representação de algo claro e distinto como era considerada pela ciência clássica,

sobretudo a de Descartes.

A ideia da ordem supõe a ideia de organização, o que não indica que uma se

reduz à outra. A organização neste sentido constitui o conjunto do todo, com sua

própria constância e regulação, o que permite produzir ordem sendo ao mesmo

tempo co-produzida por princípios de ordem, em um processo de recursividade. A

este respeito Morin faz a seguinte consideração:

A complexidade da relação ordem/desordem/organização surge pois, quando se constata empiricamente que fenômenos desordenados são necessários em certas condições, em certos casos, para a produção de fenômenos organizados, os quais contribuem para o crescimento da ordem. (MORIN, 2005, p.63)

No sentido da afirmação acima, a desordem passa a ser uma cooperadora ao

desenvolvimento da ordem organizacional, ao mesmo tempo em que a ameaça com

a desintegração que pode eclodir tanto de um processo interno como externo, o que

permite afirmar que o processo de auto-organização é próprio dos fenômenos vivos

e só podem existir nestas condições.

No circuito tetralógico, a desordem é de fundamental importância, pois sem

ela não acontece o processo de interações que provocam os encontros. Contudo, a

ordem e a desordem são inconcebíveis sem as interações, que por sua vez permite

a realimentação de todo sistema, nunca está pronto, mas cria-se aí a necessidade

de um contínuo movimento que nasce da incerteza e não mais do paradigma

cartesiano que prevê como ponto de partida a certezas clara e distinta.

No paradigma da complexidade, a incerteza é a força motriz que possibilita o

avanço da cultura e consequentemente da sociedade. Tudo está submetido ao

constante processo cíclico da ordem, desordem e reorganização, assim para se

compreender a complexidade é necessário tanto a compreensão do tetragrama

Page 38: Teoria da complexidade

37

organizacional (Figura 2), que pode ser representado também na ideia de circuito

(Figura 3), acompanhado pelos operadores da complexidade, que já foram tratados

anteriormente. (MORIN, 1996, p. 2003-2004).

Figura 2 - Tetragrama Organizacional do Pensamento Complexo Fonte: MORIN, 1996, p.2004

Figura 3: Circuito tetralógico Fonte: MORIN, 2008a, P.78

O tetragrama apresentado por Morin permite a percepção de que a ordem/

desordem/organização e a interação são intrinsecamente necessárias uma a outra

no processo de desenvolvimento do universo e de tudo o que o compõem

Transpondo esta ideia base para a relação de desenvolvimento humano e

social, como é a proposta de Morin, pode-se afirmar que é necessário oportunizar

meios de mudança de paradigma, para que o homem possa lidar com as questões

de incerteza. Segundo ele:

O trabalho com a incerteza incita ao pensamento complexo: a compressibilidade paradigmática de meu tetragrama (ordem/desordem/interação/organização) mostra-nos que nunca haverá uma palavra-chave — uma fórmula chave, uma idéia-chave — que comande o universo. E a complexidade não é só pensar o uno e o múltiplo conjuntamente; é também pensar conjuntamente o incerto e o certo, o lógico e o contraditório, e é a inclusão do observador na observação. (MORIN, 1996, p. 206)

Page 39: Teoria da complexidade

38

Esta nova estrutura de pensamento, capaz de trabalhar com a incerteza,

acontecerá somente quando conseguir quebrar com o paradigma cartesiano,

marcado pelo processo de divisão e mutilação do conhecimento, amparado em

certezas absolutas. Para isto, Morin propõe uma reforma do pensamento, que só

acontecerá com uma reforma da educação.

O pensamento complexo de Morin pretende enfatizar a humanidade do

conhecimento em sua radicalidade de reaprender a aprender com a plena

consciência de que todo conhecimento traz em si a marca da incerteza e, por sua

vez, trava uma luta contra o absolutismo e o dogmatismo da ciência clássica,

necessitando de uma nova educação que responda as necessidades atuais, de um

mundo incerto e múltiplo.

Page 40: Teoria da complexidade

39

4. CONSEQUÊNCIAS DA TEORIA DA COMPLEXIDADE NO CAMPO

EDUCACIONAL

A atualidade é caracterizada pelas profundas transformações desenvolvidas

com o processo de globalização, e com o acelerado desenvolvimento tecnológico,

sobretudo no setor da comunicação, fazendo com que todas as áreas da sociedade

busquem meios para se adequar a esta nova realidade.

No campo educacional, a fragmentação dos saberes, que tem como

fundamento o modelo do paradigma newtoniano-cartesiano, passou a não

corresponder às exigências da sociedade contemporânea na sua totalidade. Espera-

se uma nova forma de pensar a educação que se permita a re-avaliação das

práticas pedagógicas de modo que esta possa responder a totalidade dos desafios

e incertezas apresentadas no mundo hodierno.

Petraglia (1995, p.40-41) considera que a teoria da complexidade

apresentada por Morin fundamenta-se na sistematização da crítica aos princípios,

objetivos, hipóteses e conclusões de um ser fragmentado, desta forma busca um

conhecimento multidimensional, que supera o pensamento simplista, disjuntivo e

reducionista, e que por isto pode contribuir para a construção de um novo modo de

pensar a educação.

Morin por sua vez, concebe a educação como uma possibilidade de união

entre os diferentes saberes que se encontram mutilados pela fragmentação

disciplinar aos quais estão submetidos os currículos escolares. Apresenta a como

caminho essencial para o desenvolvimento de seu pensamento, a essência de sua

teoria e concebe a sala de aula como um fenômeno complexo, que abriga uma

diversidade de ânimos, culturas, classes sociais e econômicas, um espaço

heterogêneo e, por isso, o lugar ideal para iniciar a reforma da mentalidade.

Em seus escritos, Morin oferece como que um itinerário necessário para se

chegar à transformação na educação e na sociedade. Isso consta, sobretudo, nas

seguintes obras A cabeça bem feita (2000) e Os sete saberes necessários à

educação do futuro (2000).

Para uma melhor compreensão de seu modo de pensar a educação será

apresentado uma breve análise destas obras, com o intuito de se chegar a

Page 41: Teoria da complexidade

40

possibilidade de apontar as possíveis influencias deste pensamento no pensar a

educação.

4.1 A CABEÇA BEM FEITA E A REFORMA DA EDUCAÇÃO E DO ENSINO

Morin, em seu livro A Cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o

pensamento , busca apresentar a necessidade real da reforma de pensamento e as

indicações positivas desta para a educação e para construção da nova civilização a

partir de um novo homem que seja capaz de construir uma nova humanidade.

O sistema de educação vigente, baseado na separação do conhecimento em

disciplinas, impede a comunicação destas entre si. Isto acontece devido a herança

cartesiana, na qual está alicerçada a ciência moderna, e que ensina as crianças

desde muito pequenas a necessidade de analisar e separar, ignorando a habilidade

de estabelecer relações, que oportuniza a comunicação destes conhecimentos que

formam um único tecido unido pelos diferentes aspectos existentes em cada

disciplina.

Tudo está conectado não apenas na realidade humana, como também na

realidade planetária, o que permite diagnosticar a inadequação existente no sistema

educacional e sua incapacidade para conceber a complexidade,e as numerosas

ligações existentes entre os diferentes aspectos do conhecimento, o que é um grave

erro, segundo Morin.

A realidade em que a educação está inserida é marcada pelo contexto

planetário que se manifesta através de uma extrema interação entre toda sorte de

fatores: econômicos, religiosos, políticos, éticos, demográficos, etc.

É necessário conhecer as características desta era planetária iniciada no

período da descoberta das Américas e das grandes navegações, visando

compreender para onde vai o mundo e a humanidade. Para tanto, supõe-se um

questionamento das relações existentes entre os seres humanos e o conhecimento,

isto porque curiosamente se ensina o conhecimento, mas nunca o que é o

conhecimento.

Sempre há no conhecimento o risco de erro e ilusão, muitos dos

conhecimentos que foram considerados certos no passado hoje são admitidos como

erros ilusórios. Muitas ideias que no século xx pareciam justas, foram abandonadas,

Page 42: Teoria da complexidade

41

portanto há sempre uma margem de erro e ilusão induzida pela própria natureza do

conhecimento, isto porque a percepção que temos do mundo exterior, as idéias e

conceitos teóricos não passam de uma tradução, de uma reconstrução realizada

pelo nosso cérebro.

Morin (2004a, p. 13-20) aponta alguns desafios que dificultam a reforma do

pensamento acadêmico e atrofiam as capacidades de compreensão e reflexão.

Estão estes divididos em três grandes fontes que se ramificam em outros aspectos.

A primeira delas diz respeito a hiperespecialização do saber que leva a

fragmentação e impede a compreensão do global, o segundo desafio da

complexidade, sendo o terceiro a expansão descontrolada do saber.

Para Morin, alguns fatores podem contribuir para a formação de uma cabeça

bem feita, como é o caso da revolução científica do século XX, que possibilitou a

apreensão de um ser global envolvendo o cosmos e as ciências poli e

transdisciplinares, bem como, permitiu que os diferentes campos científicos se

entrelaçassem. Contudo, para que isto se torne realidade na escola é preciso

mobilizar tanto a cultura das humanidades como a cultura científica em um ―longo e

contínuo processo dos diversos níveis de ensino‖ (MORIN, 2004a, p.33)

Para ele, no primário, poder-se-ia trabalhar a partir das interrogações

primeiras inerentes ao ser humano: ―O que é o ser humano? A vida? A sociedade?

O mundo? A verdade?‖ (MORIN, 2004a, p.75).

Estas interrogações seriam o instrumento que possibilitaria a descoberta do

ser humano em sua totalidade considerando as diferentes dimensões que o compõe,

e permitindo que desde cedo não haja separação entre ciências e disciplinas mas

estejam de tal forma ramificadas que oportunizem ao ensino ser um veículo de

transição entre os conhecimentos parciais e o conhecimento global.

Morin, não defende a exclusão das disciplinas por absoluto, mas considera a

necessidade de que estas sejam apresentadas não separadamente, mas como

parte de um sistema interligado e isto só é possível com o conhecimento do

contexto, ou seja, do ambiente em que este sistema está inserido.

É preciso superar a lógica da causalidade e compreender os processos

retroativos e recursivos, bem como as incertezas existentes na própria causalidade,

possibilitando uma aprendizagem construída pelo caminho da interioridade, por ele

denominada como via interna, com a promoção de momentos de auto-análise que

oportuniza a valoração dos processos que estruturam a forma de pensamento e da

Page 43: Teoria da complexidade

42

via externa, com a utilização dos meios midiáticos e outros recursos que

possibilitem à criança conhecer, investigar e simbolizar aspectos referentes à

cultura.

O professor, neste processo, tem o papel de orientar, fomentar e oportunizar

a pesquisa, bem como apontar reflexões que ampliem o horizonte de conhecimento

que a criança possui. É importante também compreendê-la dentro de um sistema e

permitir que ela também experencie estas relações e isto é possível por meio de

jogos e outras atividades extra-classe, o que não eliminaria do currículo o ensino da

língua, da ortografia da história e do cálculo.

O ensino secundário é o momento oportuno de construção da verdadeira

cultura através do ―diálogo entre cultura das humanidades e cultura científica‖

(MORIN, 2004a, p.78), dando à história e a literatura um importante papel de

possibilitar àquele que aprende, percorrer a história da humanidade e a sua história

pessoal desenvolvendo em si um conhecimento multidimensional.

Para Morin, isto seria possível não mais pela utilização de disciplinas

separadas entre si, mas de guias de orientação que permitisse ao professor situar

estas disciplinas em seu contexto de universal e antropológico, partindo de linhas

guias como: ― o Universo, a Terra, a Vida, o Homem.‖ (MORIN, 2004a, p. 78)

As matemáticas neste contexto seriam ensinadas como forma de pensamento

lógico e as matérias ligadas à humanidade seriam otimizadas, desta forma, o

professor do ensino secundário necessitaria ser aberto à pesquisa, às descobertas,

à sua própria realidade, educar-se em relação à realidade e a cultura dos

adolescentes.

A universidade por sua vez, deve ser o espaço de problematização, mas não

apenas com o foco da profissionalização e da hiperespecialização. Ela deve buscar

ao mesmo tempo uma educação multidisciplinar e humanizadora, que adapte-se às

necessidades da sociedade contemporânea mas também promova a organização

sistêmica do conhecimento. A reforma de pensamento anunciada por Morin só será

possível com a reforma de ensino, a começar pela universidade que é a formadora

dos novos mestres.

A educação não deve ser fragmentada e mutilada, mas precisa ilustrar o

princípio de unidade e de diversidade existente no conhecimento e no processo do

conhecer considerando todos os seus domínios.

Page 44: Teoria da complexidade

43

4.2 OS SETE SABERES

Morin, em sua obra Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro18,

apresenta sete saberes que, segundo ele, são essenciais para responder à nova

forma de educação que se anuncia. Seu texto é dirigido sobretudo aos educadores e

a todos os que estão comprometidos com o processo educacional, visando

promover a educação e conseqüentemente formar uma cultura de solidariedade

planetária. Para se chegar a esta meta Morin (2004b, 13-18) afirma a necessidade

dos seguintes saberes: As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão; Os

princípios do conhecimento pertinente; Ensinar a condição humana; Ensinar a

identidade terrena; Enfrentar as incertezas; Ensinar a Compreensão; e A ética do

gênero humano. Passemos agora para a compreensão de cada um destes:

4.2.1 As cegueiras do conhecimento

Para Morin (2004b, p.19), desde período do ―Homo Sapiens”, o erro e a ilusão

estão presentes no saber humano, isto acontece pelo fato do homem produzir

―falsas concepções de si próprios, do que fazem, do que devem fazer, do mundo

onde vivem‖ (2004b.,p. 19). Há uma preocupação em transmitir saberes, mas não há

uma reflexão sobre o que é o conhecimento.

Compreende que todo conhecimento está sujeito ao erro e a ilusão, por se

tratar do resultado de representações subjetivas, reconstruídas pelo cérebro com

base nos sinais captados pelos sentidos. Tal afirmação não nega a importância dos

sentidos na construção do saber, pois se assim o fosse estaria retornando a visão

cartesiana que acredita na necessidade de suprimir todo sentido para se chegar ao

verdadeiro conhecimento, claro e distinto.

Morin acredita na existência de uma estreita relação entre afetividade e

inteligência. Uma vez que ―a faculdade de raciocinar pode ser diminuída, ou mesmo

destruída, pelo déficit de emoção; o enfraquecimento da capacidade de reagir

emocionalmente pode mesmo estar na raiz de comportamentos irracionais‖ (MORIN,

2004b, p. 20). Com isto estabelece um eixo de unidade entre intelecto e afeto, onde

18

O livro Sete saberes necessários a educação do Futuro fora escrito para atender a solicitação do presidente da UNESCO – no período de 1999 - o Sr. Frederico Mayor, com o intuito de apontar uma forma de sistematização da educação.

Page 45: Teoria da complexidade

44

uma não é superior a outra mas são ambas indispensáveis para o estabelecimento

de comportamentos racionais.

Neste sentido o conhecimento científico na busca de eliminar os erros e

ilusões do conhecimento, esqueceu-se de seus próprios erros e ilusões, uma vez

que não há imunidade contra eles. Para Morin: ―o conhecimento científico não pode

tratar sozinho dos problemas epistemológicos, filosóficos e éticos... cabe a educação

dedicar-se a identificação da origem de erros, ilusões e cegueiras.‖ (MORIN, 2004b,

p. 21)

Para distinguir tais erros e ilusões, é necessário considerar a existência de

erros mentais, produzidos pela própria mente; erros intelectuais, criados pelas

nossas crenças, ideias e teorias e erros da razão que apela para a necessidade do

controle. Segundo ele, a racionalidade embora esteja também sujeita ao erro e a

ilusão, é a melhor proteção contra estes, pois à medida que o racionalismo mantém-

se fechado no paradigma do controle, a verdadeira racionalidade permite a

autocrítica.

O ato de conhecer é complexo, uma vez que o conhecimento se formula em

base a diferentes e fontes provindos dos sentidos, das ideias, das condições

bioantropológicas e culturais que devem ser levadas em conta. O que exige que a

educação tenha como prioridade integrar o conhecedor em seu conhecimento de

modo que este possa construir metapontos de vista que permitam ao seu humano

realizar ações lúcidas consigo mesmo e com a sociedade as qual faz parte.

4.2.2 Os princípios do conhecimento

Para Morin, ―conhecer o mundo como mundo é uma necessidade ao mesmo

tempo intelectual e vital‖ (MORIN, 2004b, p.35), e para se chegar a isto precisa-se

de uma reforma de pensamento, mudando-se o paradigma e não apenas as ações,

o que só é possível pela educação, uma vez que esta é a principal organizadora do

conhecimento.

Morin apresenta a necessidade de se trabalhar o contexto, o global, o

multidimensional, o complexo, mostrando que o conhecimento dividido em

disciplinas muitas vezes impede a visualização da totalidade. Para o autor, em um

mundo complexo do qual todos nós fazemos parte, é importante que se consiga

estabelecer as relações entre as partes e o todo. A educação deve promover a

Page 46: Teoria da complexidade

45

inteligência geral apta a referir-se ao complexo, ao contexto, de modo

multidimensional e dentro da concepção global.

Quanto mais poderosa é a inteligência geral, maior é sua faculdade de tratar

de problemas especiais. A compreensão dos dados particulares também necessita

da ativação da inteligência geral, que opera e organiza a mobilização dos

conhecimentos de conjunto em cada caso particular.

Para Morin, o enfraquecimento do conhecimento está na fragmentação dos

saberes, onde cada especialização busca caminhar por lados opostos, sendo que

para haver um melhor aproveitamento do conhecimento deveríamos uni-los. Esta

realidade pode ser percebida em muitos ramos da sociedade, desde a busca de um

especialista para curar um problema de saúde até mesmo na escolha de um curso

universitário. Atualmente sabe-se muito do micro e deixa-se despercebido a

realidade do macro contexto, é necessário perceber que tanto uma realidade como a

outra são essenciais para desenvolvimento humano.

4.2.3 Ensinar a condição humana

A educação deve centrar-se no ensino da condição humana, de modo que

possa se perceber que existe no mundo global uma humanidade comum a todos e

uma diversidade cultural inerente a esta humanidade. Não basta conhecer apenas

os aspectos globais das quais a humanidade faz parte, é necessário também

considerar o ser humano e toda sua complexidade: sua condição física, biológica,

psíquica, cultural, social, histórica.

Para Morin (2004b, p. 52), ―a mente humana é uma criação que emerge e se

afirma na relação cérebro-cultura‖ e um não existe sem o outro. Desta forma, a

educação do futuro deverá ser universal dentro do limite da humanidade, cabendo-

lhe também: conhecer melhor o ser humano e antes de qualquer coisa, situá-lo no

universo sem separá-lo do mesmo; promover o conhecimento referente às ciências

naturais de modo a reintegrá-los aos conhecimentos derivados das ciências

humanas o que lhe permitirá ―mostrar e ilustrar o destino multifacetado do humano: o

destino da espécie humana, o destino individual, o destino social, o destino histórico,

todos entrelaçados e inseparáveis‖ (MORIN, 2004b, p.61).

Page 47: Teoria da complexidade

46

É tarefa da educação do futuro o estudo da complexidade, que permite o

conhecimento sobre a riqueza da diversidade humana e faz deste um ser planetário,

comprometido com mundo onde vive.

4.2.4 Ensinar a identidade terrena

Morin aponta para o fato de que o destino planetário do gênero humano é

uma realidade até agora ignorada pela educação, adverte para a necessidade de

buscar compreender não só a ―condição humana do mundo, mas a condição do

mundo humano‖ (MORIN, 2004b, p.63), o que não é tão fácil devido a complexidade

que o compõem e que se contrapõe com a debilidade do pensamento que impede

as relações entre o todo e as partes e assim se chegar a complexidade.

Compreender o mundo humano é perceber-se como sujeito agente da ação, é

colocar-se numa relação de autopoiese, onde o ser mesmo é participe das

realidades de sua sociedade e de sua cultura é perceber-se como parte do todo ao

mesmo tempo identificar o todo em si. Este modo de pensar permite o

desenvolvimento de uma consciência planetária, e responsável, onde se cuida do

sistema vivo porque percebe-se incluso nele. Morin, afirma esta realidade da

seguinte forma:

O mundo torna-se cada vez mais um todo. Cada parte do mundo faz, mais e mais, parte do mundo e o mundo, como um todo, está cada vez mais presente em cada uma de suas partes. Isto se verifica não apenas para as nações e povos, mas para os indivíduos. Assim como cada ponto de um holograma contém a informação do todo do qual faz parte, também, doravante, cada indivíduo recebe ou consome informações e substâncias oriundas de todo universo. (MORIN, 2004b, p.67)

É necessário termos a consciência de que estamos incluídos em uma era

planetária, já iniciada no século XVI, com o processo de conquistas e colonizações

Européias e que se torna cada vez mais intensa por meio do desenvolvimento

industrial, científico e tecnológico.

Num mundo devastado pelas indiferenças, pela incompreensão, onde a

ciência se mostrou incapaz de alcançar certezas absolutas, onde a técnica e o

progresso levaram a destruição e a guerras, cabe a educação ensinar a ética da

compreensão planetária, de modo que o homem possa se humanizar ao mesmo

Page 48: Teoria da complexidade

47

tempo que humaniza o mundo. Isto será possível através de uma mudança de

pensamento não só dos novos aprendizes, mas daqueles que ensinam e sobretudo,

do próprio sistema educacional.

Educar para o pensamento, que unifica ao mesmo tempo em que valoriza as

diferenças, é a finalidade da educação, que deve trabalhar para a formação da

identidade e da consciência terrena.

4.2.5 Enfrentar as incertezas

O século XX fez com que o homem descobrisse de verdade a

imprevisibilidade do futuro, levando-o a abandonar as antigas percepções

deterministas que acreditavam poder predizer e assegurar não só o futuro mas o

progresso e o desenvolvimento.

Morin pretende demonstrar a necessidade de incluir na educação o ensino

das incertezas oriundas das ciências físicas, biológicas e históricas, uma vez que o

universo é constituído de incertezas desde a sua formação, num grande processo

dialógico de ordem-desordem-reorganização.

Morin destaca a necessidade de a educação voltar-se para incertezas ligadas

ao conhecimento, para isto apresenta alguns princípios:

Princípio de incerteza cérebro-mental, que decorre do processo de tradução/reconstrução próprio a todo conhecimento; Princípio de incerteza lógica: como dizia Pascal muito claramente, ―Nem a contradição é sinal de falsidade, nem a não-contradição é sinal de verdade.‖; Princípio da incerteza racional, já que a racionalidade, se não mantém autocrítica vigilante, cai na racionalização; Princípio da incerteza psicológica: existe a impossibilidade de ser totalmente consciente do que se passa na maquinaria de nossa mente, que conserva sempre algo de fundamentalmente inconsciente. Existe, portanto, a dificuldade do auto exame crítico, para o qual nossa sinceridade não é garantia de certeza, e existem limites para qualquer autoconhecimento (MORIN, 2004b, p.84).

É preciso ensinar estratégias que permitiriam enfrentar os imprevistos e agir

usando as informações adquiridas ao longo do tempo de modo a permitir a

aprendizagem da consciência do risco e da chance. Tanto aprendiz como aquele

que ensina devem adquirir a habilidade de lidar com o incerto e adaptar-se as

realidades que se apresentam durante o processo de aprendizagem, que não acaba

na escola mas dura toda a vida.

Page 49: Teoria da complexidade

48

A incerteza é algo especial para ser trabalhado na humanidade, pois ela está

muito próxima da certeza, assim nem sempre o que é certo para um é certo para

outro.

4.2.6 Ensinar a compreensão

A sociedade da comunicação globalizada, em que a humanidade está imersa,

é marcada pelos seus diferentes meios de comunicação, mas ao mesmo tempo, não

consegue ainda garantir a qualidade de compreensão entre as pessoas. É

necessário ensinar a compreender não somente fórmulas e teorias, mas é preciso

ensinar a compreensão entre as pessoas, os povos e culturas e desta forma

possibilitar a formação de uma solidariedade intelectual e moral da humanidade,

nisto consiste a missão espiritual da educação.

Para Morin (2004b, p.94), o problema da compreensão é duplamente

polarizado. De um lado, tem-se o pólo planetário caracterizado pelas compreensões

humanas e pelas relações entre pessoas, culturas e povos. No outro pólo,

encontram-se as relações particulares, sendo este o pólo individual.

Na concepção de Morin (2004b., p.94-96) existe duas formas de

compreensão uma intelectual e outra humana, afirmando que enquanto a

compreensão intelectual passa pela inteligibilidade e pela explicação, a

compreensão humana vai além da explicação, comportando um conhecimento

sujeito a sujeito. Para ele, o egocentrismo, o etnocentrismo, o sociocentrismo são

obstáculos estas duas compreensões.

É imprescindível que a educação trabalhe a questão da compreensão, em

todas as idades e em todos os níveis de educação de modo que possa desenvolver

nas pessoas a ética da compreensão que exige ao mesmo tempo de cada pessoa a

capacidade de compreender a incompreensão. A compreensão é a capacidade de

estabelecer empatia, sem acusações ou discussões, somente assim chega-se a

―humanização das relações humanas” (MORIN, 2004b.,p.100)

A compreensão pede abertura, simpatia e generosidade e a compreensão

das próprias fraquezas é um dos caminhos que possibilita a abertura da

compreender o outro, o diferente. Segundo Morin,

Page 50: Teoria da complexidade

49

a compreensão é ao mesmo tempo meio e fim da comunicação humana. O planeta necessita, em todos os sentidos, de compreensões mútuas. Dada a importância da educação para a compreensão, em todos os níveis educativos e em todas as idades, o desenvolvimento da compreensão necessita da reforma planetária das mentalidades, esta deve ser a tarefa da educação. (MORIN, 2004b., p.104)

É importante ressaltar que o ensino da compreensão não se dá através de

conteúdos sistematizados, mas é preciso investir na formação humana dos

professores e educadores para que estes através de suas ações possam com seu

testemunho possibilitar através das relações o aprendizado da compreensão.

4.2.7 A ética do gênero humano

Para ensinar e aprender a ética do gênero humano é necessário admitir a

condição complexa do ser humano formada pela tríade indivíduo/sociedade/espécie,

alcançar a humanidade na consciência pessoal e assumir o destino humano em

suas contradições e plenitude.

Segundo Morin (2004b, p.106) é necessário reintroduzir o ensino da

antropoética escolas e esta deve estar ancorada na tríade

individuo/sociedade/espécie, de modo que possa estabelecer uma intrínseca relação

entre elas.

Para Morin, é possível ver na antropoética a esperança para a completude da

humanidade como forma de desenvolver consciência e a cidadania planetária.

Desenvolver a cidadania, implica em realizar ações responsáveis e solidárias.

Morin reforça a importância da democracia para a educação, uma vez que

esta ao mesmo tempo que constitui um sistema complexo, no sendo que vive da

pluralidade, concorrência e antagonismos ao mesmo tempo que permanece como

comunidade. No sistema democrático a individualidade se afirma em seus direitos

enquanto homem e enquanto cidadão sendo livre para realizar suas escolhas

existenciais.

A solidariedade é o elo que aproxima as relações de pertença entre o

indivíduo e a espécie, somente assim o indivíduo poderá desenvolver uma

humanidade planetário, neste sentido a principal tarefa da educação em relação a

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ética do gênero humano, é a busca da ―hominização na humanização, pelo acesso

à cidadania terrena‖. (MORIN, 2004b., p. 115)

Nos escritos de Morin é possível observar sua observação de que a

educação, ao mesmo tempo em que deve ser universal, necessita estar no limite da

humanidade deve conhecer melhor o ser humano e antes de qualquer coisa, situá-lo

no universo, e não separá-lo dele.

Seus escritos permitem perceber a educação como um todo na sociedade,

que ao mesmo tempo é uma das partes, das células que são capazes de dar uma

nova vida ao contexto social e humano do planeta, por isto a importância de

compreender seus conceitos de modo a propiciar a reforma não só do ensino mas

da forma de concebê-lo e construí-lo, o que é um grande desafio, pois para se

chegar a reforma do sistema educacional é necessário possibilitar e motivar a

reforma do pensamento em relação à educação e à relação com o mundo.

Percebem-se inúmeras iniciativas em busca de uma educação que responda

as necessidades atuais, contudo esta mudança só acontecerá quando se quebrar os

muros étnicos que ainda separam aqueles que têm o poder de formar mentes, de

investir em desenvolvimento e de manipular a informação daqueles que não a

possuem ou que de uma forma ou outra não tem poder de decisão em relação às

grandes questões sociais.

A educação é o principal meio de elaboração e construção de conhecimento,

mas é também criadora de consciência e por isto um campo político que deve ser

contemplada e valorizada neste contexto complexo para que oportunize a mudança

e o crescimento não só do indivíduo, mas da própria sociedade, uma vez que o ato

de conhecer não tem valor em si mesmo se não proporciona um bem comum.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa busca identificar e reconhecer no contexto atual, os

desafios e os apelos a uma nova forma de pensar a educação, tendo como fonte

teórica a epistemologia de Edgar Morin, sobre o pensamento complexo e a

necessidade de uma reforma de pensamento. Esta investigação, mais

especificamente, debruça-se sobre o objeto da educação, com o intuito de ilustrar

suas principais características na atualidade.

Com a análise dos principais escritos de Morin, Descartes e Bacon em

relação à construção do conhecimento buscou-se responder ao problema central

desta pesquisa que visa identificar a forma pela qual a teoria da complexidade de

Edgar Morin procura superar o problema da fragmentação do saber promovido pelo

modelo educacional vigente.

Os dados obtidos e analisados à luz do referencial teórico, apontam para a

necessidade de uma reforma de pensamento que só é possível a partir da

educação. Contudo esta deve ser livre de qualquer parâmetro mutilador. É

necessário superar o sistema atual em que divide o conhecimento em um currículo

fragmentado, para possibilitar a construção de uma consciência planetária, onde o

ser humano se perceba como parte do mundo e não como seu senhor absoluto.

Os fundamentos da teoria da complexidade apontam para a necessidade de

mudança em relação às estruturas da sociedade, que não podem mais ser

concebidas apenas de forma piramidal ou hierárquica, mas que como parte de um

sistema vivo que é ao mesmo tempo interdependente e flexível na medida em que

amplia suas relações.

Esta realidade exige uma educação que aceite e trabalhe com a incerteza e

com as mudanças constantes ocorridas durante o processo de ensino e

aprendizagem, portanto não deve considerar-se acabada, e nem fechar-se em si

mesma, mas necessita de professores atualizados e pesquisadores que

oportunizem as crianças desde a mais tenra idade a conhecer o mundo como um

sistema complexo formado por elementos físicos, químicos, biológicos que se

interagem recursivamente em sua construção e reconstrução.

A educação não deve conceber o ser humano apenas em sua característica

de sapiens sapiens, mas também em sua demensialidade, ou seja, em suas

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fantasias, sentimentos, criações e crenças, pois cada indivíduo é composto por

estas ambigüidades que se interagem em seu interior e que ao mesmo tempo

constroem uma forma de conhecimento e de relação com o mundo em que vive.

É necessário também que a educação pergunte-se sobre o que é o

conhecimento, uma vez que estamos em processo de mudanças significativas em

relação ao conhecimento do cérebro, das estruturas mentais e da própria

compreensão em relação ao ato de conhecer.

As reflexões e análises levantadas na presente pesquisa são apenas pontos

que podem ser aprofundados futuramente em paralelo a estudos realizados o campo

da filosofia da mente, em relação ao conhecimento ou mesmo no campo da

antropologia quando se pergunta sobre quem é este ser que conhece e que está no

mundo fazendo história ao mesmo tempo em que é moldado pela história atual.

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REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

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