Tendências Da Metaética

Click here to load reader

description

Tendências da Metaética

Transcript of Tendências Da Metaética

Tendncias da Metatica

Stephen Darwall, Allan Gibbard, e Peter Railton

1. Montando o cenrio

A vingana do Principia

A revista Philosophical Review j tem por completo um sculo de existncia; assim como tambm h pouco uma certa controvrsia da filosofia moral iniciada com o livro Principia Ethica de G. E. Moore. Estas obras centenrias continuam ambas, porm, cheias de vida. No caso da Philosophical Review, ns celebramos este fato sem reserva alguma; mas ser que devemos nos sentir to igualmente felizes em relao contnua vitalidade da outra obra?

Afinal, esta controvrsia teve por incio a acusao de Moore de que toda a filosofia moral precedente havia sido desfigurada por uma falcia a falcia de definir o Bem [Good] em termos ou naturalistas ou metafsicos. H j cinquenta anos, no entanto, que sabemos que Moore no descobriu falcia alguma. Alm disso, a aplicao desastrada do seu famoso argumento da questo aberta, feita em defesa de suas afirmaes, apelava para um agora j defunto platonismo intuicionista, e envolvia ainda certas suposies a respeito da transparncia dos conceitos e da evidncia da verdade analtica as quais levavam inescapavelmente ao paradoxo da anlise (algo que, no final das contas, era visto por Moore ele mesmo). Bastaria conceder a Moore todos os recursos por ele empregados ou pressupostos na apresentao oficial de seu argumento da questo aberta para levar todo o seu projeto de anlise conceitual paralisia e nada mostrar a respeito do Bem em particular. Foi assim que um certo filsofo contemporneo concluiu que, na forma como est, o argumento da questo aberta invlido, j que almeja refutar toda anlise definicional de 'bom' [good] tendo como base, porm, uma concepo arbitrariamente limitada de definio filosfica ou cientfica.

Mas por que o argumento de Moore no ento considerado como uma mera pea de poca? Na verdade, por mais prontamente que possamos hoje rejeitar como antiquadas as suas ideias a respeito da semntica e da epistemologia, parece ser impossvel negar que Moore tivesse mesmo algo a dizer.

O apogeu da metatica analtica

O que Moore descobriu no foi a prova de uma falcia, mas antes um expediente argumentativo que traz implicitamente, embora efetivamente, tona certos traos caractersticos de 'bom' e de outras palavras do vocabulrio normativo os quais parecem obstruir a nossa aceitao de qualquer definio sabidamente naturalista ou metafsica como sendo inquestionavelmente correta tal como as definies, pelo menos quando completamente compreendidas, aparentemente deveriam ser. Dissociado dos experimentos mooreanos de pensamento os quais trazem mente os conceitos platnicos, o argumento da questo aberta cumpre a sua tarefa caso a caso. Podemos perguntar de qualquer suposta abordagem que identifique uma propriedade ou um estado descritivo P como o significado de 'bom' se sob uma reflexo cuidadosa de fato no pensamos compreender a questo P realmente bom? Se esta questo inteligvel mesmo, ao que parece, para aqueles que sustentam que ter ou ser P algo bom (e talvez a nica coisa boa) e que so levados a oferecer razes no-lingusticas em defesa de uma resposta positiva questo ento, excetuando-se alguns detalhes adicionais, P no poderia ser apenas aquilo que queremos significar com 'bom'. Para que este expediente argumentativo funcione de maneira conclusiva, devemos ento estar absolutamente convencidos de que a inteligibilidade desta questo no surge do fato de ignorarmos a implicao lgica ou informaes factuais ou lingusticas. aqui onde entra em jogo a qualificao feita acima 'excetuando-se alguns detalhes adicionais': Como algum poderia reivindicar uma convico absoluta de que nenhuma falha lgica, factual ou lingustica est a envolvida, sem com isso incorrer em uma petio de princpio?

A melhor resposta est dividida em duas partes. Em primeiro lugar, ns no deveramos reivindicar uma convico absoluta, mas simplesmente observar que o argumento da questo aberta convincente para falantes competentes e ponderados do portugus, os quais parecem no ter dificuldades em imaginar o que significa questionar se P bom.

Em segundo lugar, ns deveramos poder articular uma explicao filosfica da razo pela qual isto pode ser assim. E uma tal explicao poderia ento ser a seguinte. Atribuies de bondade parecem estar conceitualmente relacionadas orientao de uma ao, elo o qual utilizado toda vez que pensamos a questo aberta ' P realmente bom?' em termos da questo 'Estar claro que, em igualdade de circunstncias, ns realmente devemos ou temos que nos empenhar em realizar P?' A confiana que temos de que a abertura da questo aberta no depende de erro ou de falha alguma, pode provir de nossa aparente habilidade em imaginar, para qualquer propriedade naturalista R, seres perspicazes que no seriam porm capazes de encontrar razes apropriadas ou motivos para a ao no simples fato de que R acontece (ou de que ele possa acontecer). Dada esta possibilidade imaginativa, no nos logicamente assegurado que P seja um guia de ao (mesmo que todos possamos efetivamente considerar R como psicologicamente convincente). E esta ausncia de um elo lgico ou conceitual com a ao nos mostra exatamente o ponto onde podemos nos perguntar, de maneira inteligvel, se R realmente bom.

Esta explicao nos permitiria ver porqu o argumento da questo aberta, que teve tamanha importncia para a tica, teve explicitamente pouca ou nenhuma reconhecida influncia em outras reas da filosofia nas quais tambm foram propostas abordagens naturalistas reducionistas por se considerar (talvez erroneamente) que estas reas no possuam este lao conceitual com a qualidade de um guia de ao. Alm disso, esta explicao nos permitiria compreender como o argumento pde chegar a ser visto como sendo convincente contra toda a gama de naturalismos reducionistas, e no apenas aqueles at agora considerados ou aqueles que so estritamente definicionais . Finalmente, esta explicao nos possibilitaria tambm compreender como o argumento veio a morder a mo daquele que primeiro o alimentou, e, ao fim e ao cabo, fazer contar o intuicionismo entre as suas vtimas. J que no parece ser mais fcil ver como uma relao apropriada motivao ou ao poderia estar logicamente assegurada com a substituio na condicional considerada no pargrafo precedente de 'uma propriedade sui generis, simples, no-natural Q' por 'uma propriedade naturalista R'. A resposta de Prichard, a saber, que ver a propriedade no-natural relevante j ver uma obrigao categrica a agir, sem outras explicaes ou incentivos, apenas aprofunda o mistrio a respeito da natureza desta alegada propriedade e o que vem a ser v-la claramente ou consider-la como normativa.

Wittgenstein, por exemplo, pde ver a outra coisa de maneira bastante clara como se fosse em um raio de luz, diz ele a saber, que nenhuma descrio que eu pudesse pensar seria capaz de descrever o que eu quero dizer por valor absoluto, [e] eu rejeitaria ab initio toda descrio significativa que algum pudesse sugerir, exatamente devido sua significao. A descrio, conclui ele, no pode ser o papel semntico essencial de um vocabulrio cuja qualidade de guia da ao est logicamente construda dentro dele.

E, no entanto, o discurso moral possui inquestionavelmente a forma superficial de uma linguagem descritiva cuja funo atribuir propriedades. Poderamos neste ponto estar tentados a concluir que o discurso moral , por conseguinte, sistematicamente enganoso. Mas uma alternativa potencialmente mais iluminadora e menos revisionista poderia ser sugerida. Se interpretarmos a aceitao sincera de um juzo moral como a expresso (no-cognitiva) de uma atitude de anuncia categrica, podemos prescindir da necessidade de encontrar alguma propriedade indescritvel a ser desvendada pelos juzos morais. A anuncia categrica est logicamente ligada s tendncias prticas ou postura normativa da pessoa que expressa o juzo sendo aquela uma pr-atitude em relao ao objeto de apreciao. Esta explicao daquilo que ocorre quando de um juzo moral no , portanto, vulnervel ao argumento da questo aberta tal como dado acima e pode, de fato, beneficiar-se de toda a fora que este argumento possa ter para ajudar a eliminar os competidores.

Desta maneira, somos levados a ver o no-cognitivismo como o real beneficirio histrico do argumento da questo aberta. claro que ele ser plenamente capaz de desfrutar deste benefcio somente se uma reconstruo no-cognitivista de aspectos aparentemente cognitivos do discurso moral for possvel, incluindo-se a os fenmenos ligados ao desacordo moral, tarefa que no tem se mostrado de fcil realizao. Se uma tal reconstruo for possvel, ento o no-cognitivismo saber nos fornecer uma explicao concisa de por qu tal desacordo aparentemente cognitivo na verdade se mostra to resistente (em casos bsicos) a uma resoluo cognitiva ou seja, dedutiva ou indutiva. Neste sentido, um no-cognitivismo apropriadamente desenvolvido poder igualmente nos fornecer um considervel entendimento [insight] a respeito do carter social dinmico do discurso moral. Em um cenrio social, ns nos deparamos com diferenas de interesse e de opinio, mas tambm com a necessidade de princpios e de prticas comuns. Assim, em questes de sentimento e conduta, necessrio que nossas expresses subjetivas tenham uma significao objetiva, de maneira tal que possam ser usadas para exercer certa presso sobre os outros (ou sobre ns mesmos) em vista de consenso e obedincia mesmo quando na presena de interesses conflituosos.

A capacidade do no-cognitivismo em usar o argumento da questo aberta a seu favor, enquanto prometendo tornar a moralidade inteligvel e defensvel, veio a ser mais bem compreendida e tambm mais bvia a partir do seu desenvolvimento nos anos 1930 e 1940. Ao final, o no-cognitivismo conseguiu bater a competio e dominar a cena no campo da metatica analtica; at mesmo Moore pareceu estar inclinado a admitir a sua derrota. E, ento, uma certa estagnao os menos caridosos na verdade diriam rigor mortis acabou por se instalar. Mas por que, neste caso, insistimos no fato de que a controvrsia iniciada por Moore est viva ainda hoje?

A grande expanso

Os anos 1950 testemunharam desafios crescentes adequao ou inevitabilidade do no-cognitivismo. Na Inglaterra, alguns filsofos passaram a argumentar que deveramos questionar, por razes majoritariamente wittgensteinianas, a concepo de linguagem tomada como subjacente verso no-cognitivista da distino fatos/valores. Elisabeth Anscombe e Philippa Foot comearam por exigir a reconsiderao da ideia de que o contedo substantivo, e mesmo naturalista, pudesse estar conceitualmente ligado avaliao moral. Ao mesmo tempo, Peter Geach argumentou que os fenmenos linguisticos tais como aqueles que incorporam expresses morais dentro de condicionais no poderiam ser tratados pelas abordagens no-cognitivistas existentes, intensificando assim as dvidas a respeito da possibilidade de uma reconstruo no-cognitivista da gramtica cognitiva do discurso moral.

Nos Estados Unidos, foi W.V. Quine quem minou a confiana depositada na distino analtico/sinttico exigindo, juntamente com Nelson Goodman, uma concepo da tarefa da filosofia para a qual no fossem nitidamente distinguidas teoria, metateoria, evidncia e norma inferencial, ou, alternativamente, contedo e estrutura. Isso teve por efeito diminuir parte da exigncia em se identificar ou bem o contedo prescritivo ou bem o contedo descritivo como primrio, permitindo que a relao entre estes viesse a depender de circunstncias e de traos gerais do nosso esquema atual, muito mais do que da insistncia em uma suposta verdade conceitual sustentada sabe-se l como em cada uma das esquinas do espao lgico. J as teorias do observador ideal e da atitude qualificada de Roderick Firth e Richard Brandt exploraram meios de capturar a normatividade dentro de uma abordagem cognitivista atravs da idealizao das disposies para responder; de modo algo similar, John Rawls veio ento a sugerir um procedimento de deciso para a tica. William Frankena, por sua vez, identificou a centralidade do internalismo para os debates da metatica, perguntando-se, porm, se os fenmenos do discurso e da experincia moral de fato sustentavam o tipo de internalismo que parecia endossar a mudana para o no-cognitivismo. Finalmente, Kurt Baier, Stephen Toulmin e G.H. Von Wright, entre outros, fizeram reviver uma concepo da objetividade na tica com base em princpios da razo prtica. Lentamente, ento, a paisagem da filosofia moral, a qual durante os ltimos anos do reino da metatica analtica havia se tornado austera, e at mesmo ressequida, estava sendo povoada por uma rica variedade de vises, muitas das quais trazendo tona questes normativas e substantivas.

Foi particularmente nos Estados Unidos onde uma destas vises tornou-se o ponto de referncia para todas as outras, graas em parte ao seu carter sistemtico e sua atratividade normativa: Uma Teoria da Justia de John Rawls e seu mtodo do equilbrio reflexivo. A agenda da metatica analtica, voltada estritamente linguagem, estaria assim totalmente deslocada, no tanto devido uma refutao, digamos, do no-cognitivismo, mas devido a um certo desconforto em relao s noes de significado ou de verdade analtica, e porque os argumentos do equilbrio reflexivo, os quais tendiam a deixar de lado as questes metaticas, prometiam jogar muito mais luz sobre questes morais substantivas e, em muitos casos, socialmente urgentes. Havia comeado, assim, um perodo que poderia ser chamado de a Grande Expanso.

Na Grande Expanso, um sentimento de libertao chegou tica. Os filsofos morais abandonaram as suas obsesses a respeito da metatica analtica e viram ou pensaram que viram outras maneiras de explorar a moralidade normativa enquanto domnio cognitivo, sem carregar uma m conscincia filosfica. O resultado foi uma onda sem precedentes de esforo filosfico e de pessoal no campo da tica, o qual estendeu-se, por sua vez, aos mais diversos tpicos e aplicaes. No teremos aqui a possibilidade de resumir tais eventos, e sequer haveria sentido em tentar faz-lo. Do ponto de vista do presente ensaio, o que mais nos interessa o modo como a Grande Expanso veio parcialmente contribuir para a revitalizao contempornea da metatica.

Durante a Grande Expanso, as intuies morais (contudo, no as intuies mooreanas s Formas, mas as respostas morais substantivas que se nos mostravam como convincentes) fluram abundantemente ocasionalmente defendidas com um certo entusiasmo. Teorias normativas adversrias eram testadas dialeticamente contra estas intuies atravs de um procedimento que parecia estar autorizado pelo equilbrio reflexivo. Com o tempo, este ltimo expandiu-se de tal forma a incluir uma ampla gama de questes empricas e filosficas. E os filsofos morais e seus crticos tornaram-se ento progressivamente mais conscientes de que um grande nmero de questes a respeito do status semntico, epistmico, metafsico ou prtico da moralidade impunha-se com toda a fora em relao s novas teorias e mtodos normativos. Trabalhando de maneiras um pouco diferentes, Gilbert Harman e John Mackie fizeram com que tais questes no pudessem ser ignoradas.

A metatica voltou ento vida, embora os termos atravs dos quais as suas questes possam ser colocadas ou respondidas tenham sido modificados pela filosofia que se sucedeu desde o apogeu da metatica analtica. Novas formas de naturalismo e de no-naturalismo tornaram-se mais uma vez capazes de competir com o no-cognitivismo, o qual foi ele mesmo significativamente redimensionado para, por exemplo, englobar a racionalidade tanto quanto a tica. E as obras do ps-guerra ligadas teoria dos jogos e teoria da escolha racional abriram o caminho para que se repensasse e para que se desenvolvesse questes de justificao prtica, trazendo-as assim para um lugar de proeminncia que elas jamais haviam ocupado sob a metatica analtica. Finalmente, conforme nos aproximamos do fin de sicle, a auto-conscincia deixa muito pouca coisa realmente intacta; a filosofia, incluindo-se a a metatica, torna-se reflexiva tanto a respeito das limitaes da noo de significado quanto a respeito do objetivo ou das perspectivas da investigao filosfica ela mesma.

Caveat Lector

Desta maneira, tal como o vemos, o cenrio estava montado para o desenrolar da cena contempornea em filosofia moral. Esta cena admiravelmente rica e diversa e o retrato que oferecemos dela , portanto, necessariamente seletivo toda nfase foi posta a fim de se criar uma certa coerncia. No que se segue, nos ocuparemos sobretudo (com o que costumava ser desavergonhadamente chamado) de questes metaticas, esboando a maneira como estas so vistas agora desde as nossas trs perspectivas filosficas separadas mas mutualmente relacionadas., Tentamos nos ater a questes que consideramos importantes, mas no pudemos nos ater a todas as questes importantes. O nosso esboo crtico em outros sentidos igualmente. Sem juzo, no haveria nem enredo nem moral; mas os esboos crticos e os cartoons so um outro exemplo apresentam os seus argumentos em parte justamente ao exagerar ou simplificar demais.

2. A revitalizao da metatica

De volta ao bsico

O mtodo do equilbrio reflexivo conferiu um status cognitivo e comprobatrio s intuies morais ou juzos morais ponderados, tanto particulares quanto gerais. Conforme a Grande Expanso seguia o seu curso, porm, os filsofos passaram a questionar de um modo crescente o mrito real de um tal status. Ao mesmo tempo, novas concepes (e novas crticas) de objetividade e de valor emergiam em ambos os lados do Atlntico, parcialmente em resposta aos desenvolvimentos feitos na filosofia da linguagem, da cincia e da matemtica. Tais agitaes estimularam uma resposta filosfica generalizada e marcaram o incio de um perodo genuinamente novo para a tica do sculo XX: a vigorosa revitalizao da metatica coincidindo com a emergncia, em muitas frentes, de um criticismo empreitada da teoria moral ela mesma.

Mas adiemos por ora a discusso concernente crtica teoria moral (ver a seo 3 abaixo), e voltemo-nos antes revitalizao da metatica. Usamos este termo de maneira ampla, sem pressupor que se possa evitar a os comprometimentos normativos e sem restringir a metatica anlise da linguagem moral; inclumos ainda sob este termo os estudos sobre a justificao e sobre a justificabilidade das afirmaes ticas tanto quanto sobre o seu significado, e tambm os estudos sobre a metafsica e a epistemologia da moral e outros tpicos semelhantes. De fato, seria errneo tentar traar uma distino clara entre a recente revitalizao da metatica e aquilo que se sucedia durante a Grande Expanso com relao ao equilbrio reflexivo amplo. Porque, afinal, o que mais exige este ltimo seno que nos seja possvel trazer a moralidade para alguma congruncia com aquilo mesmo que sustentamos em nossa viso atual do mundo?

Mas qual a nossa viso atual do mundo? A maioria dos filsofos contemporneos talvez concordasse com o fato de que a nossa viso atual trata a cincia emprica como o paradigma do conhecimento sinttico, e que uma abordagem aceitvel da tica deveria ento acomod-la [place] em relao a este paradigma, seja efetuando algum tipo de assimilao metodolgica (e talvez tambm substantiva), (a qual pode incluir a correo de alguns esteretipos da cincia emprica), seja estabelecendo um contraste convincente. Tal acomodao [placement] nos permitiria ver o quanto da moralidade permanece realmente em ordem. E sem uma acomodao deste tipo, poderamos muito bem nos perguntar porqu ento os filsofos trataram de pronunciar ou de sistematizar os juzos morais normativos como se estivessem operando em uma rea do conhecimento objetivo. Mesmo aqueles filsofos que insistiram em que a tica no tem necessidade de fundamentos para que possa ser considerada uma rea do conhecimento objetivo, tenderam a explicar essa possibilidade atravs de uma abordagem teortica do que a moralidade, mostrando como esta pode ser comparada ou contrastada com outras reas do pensamento e da prtica.

A tarefa atribuda revitalizao da metatica conta assim com dois elementos. Colocado da maneira mais simples, podemos distinguir, em primeiro lugar, a necessidade de uma abordagem que nos mostre exatamente aquilo a que nos compromete o discurso e a prtica moral existentes e, em segundo lugar, a necessidade de responder o quo bem sucedidos podem ento ser tais comprometimentos. A segunda questo envolve implicitamente uma terceira, a saber, caso os comprometimentos possam ser apenas aproximadamente bem sucedidos, quo satisfatria deve ser esta aproximao para justificar o discurso e a prtica moral (ou algum seu sucessor reconhecvel)? Compreender os comprometimentos do discurso e da prtica moral existentes significa, ento, separar os comprometimentos reais dos aparentes (tal como o faz o no-cognitivista, por exemplo, ao distinguir a forma superficialmente cognitiva do discurso moral do seu carter expressivista subjacente; ou como o faz o externalista, ao negar que o dar razes intrnsecas seja um trao genuno da experincia moral), e determinar quais dentre os comprometimentos reais so realmente centrais para a natureza e para a funo da moralidade (como o fazem certos revisionistas, por exemplo, ao afirmar que a sua abordagem reformista nos permite lidar com todas as questes prticas significativas tal como costumeiramente colocadas pela moralidade pr-revista).

Compreender os comprometimentos da prtica e do discurso valorativo ou moral ordinrio pareceria assim envolver a considerao, pelo menos, dos seguintes pontos: da semntica da linguagem da moral e do valor; do status metafsico aparente das propriedades morais ou dos valores; da epistemologia putativa da moralidade ou teoria do valor; e da relao da moralidade ou dos valores com a razo prtica. Tais questes esto todas interligadas, j que a questo, por exemplo, sobre o que os valores podem ser, parece ser inseparvel da questo sobre como os valores nos fornecem razes prticas ou nos engajam afetiva ou conativamente. Nenhuma abordagem da semntica ou da ontologia do discurso moral poderia justificar a objetividade da moralidade sem mostrar que uma relao adequada pode ser sustentada entre a avaliao moral e a ao, ou bem que a aparncia de uma tal relao especial pode ser explicada sem demasiado revisionismo. De modo semelhante, toda abordagem a respeito da epistemologia da atribuio e da compreenso moral deve contar com o carter prtico da moralidade ao mostrar, por exemplo, que o conhecimento moral tal como a explicado no entra em conflito com as restries moralidade esotrica, ou que razes de princpio podem ser dadas para enfraquecer ou repudiar tais restries.

Podemos distinguir duas grandes tendncias na teoria moral contempornea de acordo com o modo como identificado e confrontado o problema de se acomodar a tica e as implicaes que esto a envolvidas. A primeira surge da ideia segundo a qual este problema um produto no da tica, mas do obstinado desgnio de se procurar compreender a objetividade dos juzos morais de acordo com o modelo de objetividade proveniente da cincia emprica. Esta abordagem depende da possibilidade de encontrarmos uma descontinuidade ou um contraste substancial entre fatos (ou, pelo menos, fatos do tipo paradigmtico tais como tratados pelas cincias naturais) e normas ou valores. A maioria dos filsofos talvez considere um tal contraste como sendo prima facie plausvel; no entanto, mais controversa, e portanto o foco da tarefa dialtica a mais urgente em relao a esta primeira tendncia, a afirmao segundo a qual uma forma de objetividade bona fide pode ser elaborada e defendida para o lado tico deste contraste. Como veremos, os filsofos que argumentaram pela descontinuidade tentaram levar esta tarefa adiante de diversas maneiras, em relao s quais a distino principal gire talvez em torno de saber se os juzos morais devem ser tomados como cognitivos (apesar da descontinuidade para com um certo paradigma de juzo factual) ou no-cognitivos (e objetivos, portanto, em um sentido que no envolve a aptido para a avaliao literal da verdade).

A segunda grande tendncia que procura responder ao problema de se acomodar a tica, aceita o desafio de mostrar que os juzos morais so factuais no sentido paradigmtico pretendido pelos juzos empricos ou teorticos das cincias naturais. As diferentes perspectivas desta segunda tendncia podem, em princpio, ser igualmente subdivididas em cognitivistas e no-cognitivistas. Porm, apesar da prontido com que se pode admitir que o discurso cientfico assertrico envolve de maneira tpica alguns elementos que so no-cognitivos, poucos filsofos parecem realmente defender a posio segundo a qual os juzos factuais paradigmticos so primariamente no-cognitivos. Aparentemente, a principal tarefa dialtica desta segunda tendncia ento mostrar como uma rea do discurso factual paradigmtico poderia ter ou poderia convincentemente aparentar ter as caractersticas peculiares do discurso referente ao valor ou moralidade tais como, por exemplo, a normatividade e a contestabilidade.

Comecemos a nossa investigao comparativa com a primeira das mencionadas tendncias, a qual tambm de longe a mais bem representada: a viso de que h uma descontinuidade entre a tica e a cincia. Por razes de brevidade, chamemos esta viso de Descontinuidade; e a sua oposta de Continuidade.

Descontinuidade

Intuicionistas no-naturalistas tais como Moore, notoriamente insistiram no fato de que a moralidade uma rea objetiva e genuna de investigao, mas que ela descontnua em relao cincia emprica em um sentido bastante importante. Na cena contempornea, as quatro formas mais ativas de descontinuidade so as teorias da razo prtica (tais como representadas, por exemplo, por Thomas Nagel, Alan Donagan, Alan Gewirth, Stephen Darwall, e outros); o construtivismo (com John Rawls, por exemplo); o no-cognitivismo (Simon Blackburn e Allan Gibbard); e (o que chamaremos de) teorias da sensibilidade (com John McDowell e David Wiggins, por exemplo). Vrias outras formas de descontinuidade contam com os seus respectivos partidrios, mas limitaremos um tanto quanto arbitrariamente a nossa discusso a estes quatro grupos, discutindo-os na ordem acima apresentada. Alm disso, alguns daqueles que defendem a descontinuidade negam talvez em parte devido descontinuidade mesma que a tica seja em algum sentido especial uma rea objetiva e genuna de investigao; no que se segue, tambm estas perspectivas sero em grande parte deixadas de lado. Enquanto discutiremos algumas vantagens e desvantagens particulares das vrias abordagens referentes questo da objetividade, deve ficar imediatamente claro aqui que a plausibilidade de cada uma destas posies melhor apreciada de maneira comparativa, luz do poder filosfico ou explanatrio de seus competidores. Dentro dos limites do presente projeto, o que ns podemos almejar pouco mais do que identificar estas reas de fora e fraqueza comparativas, e pouco diremos, portanto, sobre a sua plausibilidade mais geral.

Teorias da Razo Prtica

Uma maneira de se tentar obter uma viso cognitivista ampla da tica, enfatizando ao mesmo tempo as suas descontinuidades com a cincia, tem sido a de argumentar que o que necessrio aqui a ideia de uma razo vlida para agir, oposta quela de uma razo para crer tal como ela opera em disciplinas tericas. Ao contrrio dos intuicionismos da Seo 1, os racionalismos que assumiram uma vida nova tm sido aqueles da razo prtica. Para esta viso, a objetividade consiste no em uma representao acurada de uma ordem metafsica independente, mas em exigncias universais impostas desde o interior da razo prtica de um agente. Ao insistir, por um lado, que a moralidade deve ser fundada sobre a razo prtica e no sobre a razo terica, estas perspectivas enfatizaram a sua descontinuidade com a cincia. Assim, o carter intrinsecamente prtico da tica, o seu domnio sobre ns enquanto agentes, que explica a questo aberta e, dizem eles, o que permite distinguir a tica da cincia. Ao argumentar, por outro lado, que h tal coisa como uma razo prtica, sobre a qual a tica pode ser fundada, eles tentaram igualmente assegurar a sua objetividade. Verses recentes desta abordagem podem ser distinguidas entre aquelas com afinidades hobbesianas e aquelas que so, de modo geral, kantianas. O primeiro grupo representado por Baier e Gauthier, o segundo por Nagel, Korsgaard, Donagan, Darwall e Gewirth.

Perspectivas hobbesianas tomam os interesses ou os objetivos do agente como a medida das razes prticas, tentando ento argumentar que o estatuto da moral pode ser assegurado pelo fato de que as razes morais podem, por sua vez, ser adequadamente baseadas naqueles. Para a maioria dos hobbesianos recentes, a ideia no a de que as razes morais sejam um tipo de razo prudencial. A moralidade como um sistema da razo prtica reside antes no interesse de cada pessoa; todos se beneficiam ao fazer uso dela, uma vez que isso necessrio para uma cooperao mutualmente vantajosa.

Verses recentes desta perspectiva tm as suas origens nas ideias propostas por Kurt Baier no final dos anos 1950, e tentam lidar com um problema significativo enfrentado pela posio precedente do mesmo autor. Enquanto pode ser do interesse de cada um que todos aceitem razes morais baseadas em interesse, muito mais do que enfrentar uma guerra de interesses mutualmente desvantajosa como o resultado de uma prudncia livre universal, ainda assim no fica claro porqu todo agente individual deve raciocinar moralmente mais do que prudentemente. J que para cada agente, ainda ser de seu maior interesse que a sua ao seja contrria s razes morais quando a moralidade e o interesse prprio entrarem em conflito.

Um modo de lidar com este problema tem sido argumentar, como o fez Baier recentemente, que em qualquer teoria das razes prticas h uma restrio independente de aceitabilidade universal. Nenhuma teoria deste tipo pode ser correta se as razes para sustent-la forem solapadas pelo fato de que ela aceita por todos. J que as consequncias envolvidas em que todos sejam guiados por um interesse prprio ilimitado dificilmente podem ser aceitas, a teoria que afirma que a prudncia esgota todas as razes prticas viola esta condio. Mas qual exatamente o argumento em prol da ideia segundo a qual uma teoria correta de razes prticas no pode levar coletivamente auto-derrota [self-deafeting]?

Uma segunda perspectiva hobbesiana, tal como a tomada por Gauthier, sustenta que no a auto-derrota [self-defeat] coletiva que exclui uma teoria das razes prticas, mas sim a auto-derrota [self-defeat] individual. Razes prticas consistem em quaisquer consideraes que informem a razo prtica de um agente idealmente racional, que o assim apenas caso reflita sobre a maneira a mais provvel de alcanar os seus interesses. Desde que os agentes tenham evidncias suficientes sobre as motivaes uns dos outros, e sejam relutantes em cooperar com aqueles os quais eles acreditam estar dispostos, quando isto for necessrio em vista de vantagens mtuas, a no restringir o interesse prprio, ser no interesse de cada agente que ele deliberar atravs de razes morais baseadas em interesse.

O fato de haver a um trao de auto-derrota [self-defeatingness] individual ou coletiva poderia ser motivo suficiente para duvidarmos da convenincia em aceitarmos ou agirmos, em certos contextos prticos, de acordo com uma teoria, mas ser que no podemos aqui distinguir entre, por um lado, a convenincia prtica em se usar ou aceitar uma teoria e, por outro lado, as suas condies de verdade ou de credibilidade epistmica? Presumivelmente, qualquer tentativa cognitivista de defender uma destas condies deve mostrar porque esta distino, que to central para as nossas consideraes sobre a razo terica, no se mantm quando se trata de teorias da razo prtica. Tericos da razo prtica insistiro no fato de que isto exatamente o que se deveria esperar, e de que podemos ver a refletida a diferena entre a objetividade e o conhecimento na cincia e a objetividade e o conhecimento na tica.

Mas mesmo que este desafio possa ser respondido, as teorias de Gauthier e de Baier podem enfrentar outros problemas, j que elas parecem combinar uma condio material (a conexo com os interesses do agente) com uma condio formal para a racionalidade (o desempenhar o papel correto nas deliberaes do agente ou de todos os agentes). As razes dadas para estas condies tm diferentes afinidades filosficas hobbesianas versus kantianas, respectivamente e isto, talvez, por um bom motivo. E conquanto combin-las possa nos sugerir uma poderosa teoria sinttica, isto acabaria tambm por sobrecarregar a racionalidade com condies que parecem estar, exceto por alguma demonstrao do contrrio, potencialmente em conflito. O que nos garante haver nossa disposio uma diretriz qualquer para a vida que venha a satisfazer ambas as condies ao mesmo tempo? Se no o h, ento talvez uma ou outra destas condies seja posta em questo enquanto parte constituinte de nossa noo de racionalidade, ou ento, talvez a nossa noo mesma de racionalidade acabe por nos levar por duas direes incompatveis, dando assim um fundamento instvel moralidade.

Isso nos leva outra grande perspectiva da razo prtica: o racionalismo kantiano. Nos ltimos anos, os primeiros passos nesta direo foram dados por Nagel com o livro The Possibility of Altruism. Esta obra pode ser (e foi) lida como tendo tanto uma pauta mais modesta como outra mais ambiciosa. O objetivo mais modesto de Nagel, sugerido por seu ttulo, era o de mostrar como tais consideraes objetivas (ou, como ele as chamou mais tarde, neutras-relativamente-ao-agente), do tipo agir aliviaria a dor de algum, podem constituir razes genunas para agir. Uma considerao pode ser racionalmente motivadora, argumenta o autor, mesmo que o agente no tenha nenhum desejo no-motivado para explicar a sua ao tal como a razo o recomenda. O nico desejo presente a implicado pode ser atribudo como uma consequncia da motivao, e desnecessrio, portanto, para explicar o fato de o agente ser motivado pela considerao ela mesma. Uma pessoa pode ser movida desta maneira, continua ele, ao considerar interesses de longo prazo. E se a motivao a uma certa distncia possvel relativamente prudncia, no h razo para que isso no possa acontecer tambm com o altrusmo. Consideraes altrustas (e outras consideraes neutras-relativamente-ao-agente) podem ser, da mesma forma, racionalmente motivadoras.

A pauta mais ambiciosa de Nagel, por sua vez, era a de mostrar que a razo prtica est sujeita a uma restrio formal a qual requer efetivamente que toda razo genuna para agir seja neutra-relativamente-ao-agente. Salientando o que ele chamou de contedo motivacional dos juzos prticos genunos, o autor argumentou que um certo tipo de solipsismo s pode ser evitado se um agente for capaz de fazer o mesmo juzo prtico a respeito de si mesmo de um ponto de vista impessoal tal como ele o faz tambm de um ponto de vista egocntrico. J que a aceitao dos juzos prticos feitos a partir do seu prprio ponto de vista normalmente motiva ao, da mesma forma, sustentou Nagel, fazer o mesmo tipo de juzo sobre si mesmo de um ponto de vista impessoal normalmente deveria tambm poder faz-lo. E isso s pode ser assim se as razes que fundamentam o juzo prtico forem neutras-relativamente-ao-agente, formulveis sem a varivel do agente-livre. Segue-se da, que consideraes tais como a de que um ato promover os seus prprios interesses (ou os do agente), no podem constituir razes decisivas para agir; elas so, na melhor das hipteses, especificaes incompletas de alguma razo subjacente neutra-relativamente-ao-agente, tal como, por exemplo, a de que o ato promover o interesse de algum.

Sendo este argumento vlido, ele estabeleceria uma concluso puramente formal: nenhuma razo decisiva para agir pode ter a varivel do agente-livre. Atravs deste teste, poderamos dizer que algumas consideraes morais centrais possuem a forma correta para constituir razes genunas, enquanto muitas daquelas que foram tradicionalmente opostas moralidade, como o interesse prprio e a racionalidade instrumental, no o possuem. Estas ltimas consideraes s podem constituir razes quando subsumidas pelas primeiras. Por outro lado, como talvez somente mais tarde tornou-se evidente, grande parte da moralidade do senso comum tambm no possui a forma adequada. E consideraes relativas-ao-agente tais como a de que um ato poderia manter a prpria promessa ou de que poderia fornecer suporte a seu filho, tambm no poderiam constituir razes genunas.

Ao final, Nagel rejeitou a sua pauta a mais ambiciosa como tambm o argumento projetado para assegur-la. No entanto, o seu objetivo o mais modesto continuou exercendo uma certa influncia. Em seus escritos mais recentes, Nagel desenvolveu ainda mais este ponto ao salientar tanto a fenomenologia da experincia moral e deliberativa quanto a necessidade de um agente autnomo de endossar a sua vida de perspectivas mais objetivas do que a sua prpria.

Embora a pauta mais ambiciosa de Nagel tenha em alguns sentidos revocado o valor intrnseco (se no no-natural) mooreano, ela igualmente inspirou-se, e foi identificada, com o programa da tica kantiana. Alguns outros filsofos foram igualmente buscar os seus recursos nas ideias de Kant afim de elaborar argumentos com ambies similares (alguns diriam exageradas). Como Nagel, cada um deles afirmou que a moralidade pode ser fundada na razo prtica na razo tal como ela empregada pela capacidade ativa de agir [agency]. Gewirth sustentou, por exemplo, que uma reivindicao a um direito a bens que so essenciais para a realizao de seus fins intrnseca perspectiva racional do agente ao agir, e que obrigaes morais fundamentais seguem-se desta reivindicao. Para alm destes esforos em trazer explicitamente ao debate contemporneo os temas racionalistas kantianos, uma florescente literatura acadmica a respeito dos escritos do prprio Kant, veio tambm contribuir de maneira substancial para a nossa compreenso dos recursos disponveis a um racionalismo da razo prtica.

Sem dvida, o que nos atrai nas teorias kantianas que elas pretendem dar uma explicao da maneira pela qual a moralidade parece confrontar os agentes com exigncias objetivas e categricas que provm fundamentalmente, no entanto, de dentro do prprio agente moral. Enquanto teorias da descontinuidade, os racionalismos kantianos insistem no fato de que a apreenso normativa da moralidade deve ser entendida praticamente, tal como imposta pela razo prtica dos agentes morais. E enquanto uma verso do cognitivismo, eles pretendem fundamentar a noo de validade sobre a ideia de normas universais que a razo prtica prescreve. Contudo, estes dois objetivos tornam o racionalismo kantiano vulnervel sob dois aspectos. Os tericos no-cognitivistas da descontinuidade concordam com o fato de que toda abordagem adequada da moralidade deva salientar a apreenso normativa, mas insistem em que, exatamente por esta razo, os objetivos cognitivistas devam ser abandonados. J os cognitivistas apiam o intento racionalista kantiano de garantir verdade e conhecimento genunos para a moralidade, mas afirmam que para que se possa realmente acomod-la desta maneira o que se requer continuidade, e no descontinuidade. Se o racionalismo kantiano atrativo porque pelo menos tenta combinar dois aspectos de uma viso bastante comum da moralidade, ele pode tambm ser instvel precisamente porqu estes dois aspectos resistem a ser combinados.

Construtivismo

As perspectivas que estivemos discutindo tratam a moralidade como uma exigncia da racionalidade prtica enquanto tal. As razes morais so razes seja quais forem nossos interesses e desejos, e este resultado destaca-se de uma teoria da razo prtica a qual no pressupe a moralidade ou assim afirmam tais racionalistas. Recentemente, uma outra tendncia em teoria moral tem igualmente reivindicado razes kantianas: a famlia de programas que John Rawls chamou de construtivismo. O construtivismo assemelha-se ao racionalismo kantiano em um determinado nmero de aspectos: ele reivindica um certo tipo de objetividade para a moralidade e sustenta, ao mesmo tempo, que esta objetividade nitidamente diferente da objetividade dos juzos empricos. Ele considera tambm a natureza da escolha prtica como uma base para os juzos morais. Mas, na maioria de suas verses, ele evita a intimidante afirmao racionalista segundo a qual a moralidade exigida pela razo prtica independentemente mesmo dos traos contingentes os mais amplos e mais profundos de nossos interesses.

Rawls nomeia a sua teoria uma forma de construtivismo kantiano. Como outros kantianos, ele rejeita uma imagem da razo como aquela que descobre fatos morais independentes. A objetividade moral deve ser compreendida em termos de um ponto de vista social adequadamente construdo o qual todos podem aceitar. Exceto pelo procedimento de construo dos princpios de justia, no h fatos morais. O autor fala ainda da busca por fundamentos razoveis que nos permitam chegar a um acordo que esteja enraizado na concepo que temos de ns mesmos e nossa relao para com a sociedade. Anula-se assim toda e qualquer busca por uma verdade moral interpretada como fixa a partir de uma ordem prvia e independente de objetos e relaes,... uma ordem separada e distinta da maneira como nos concebemos a ns mesmos. ento prefervel endossar os princpios morais no como verdadeiros, mas como razoveis para ns.

Palavras como estas pareceriam estar sugerindo que, enquanto tericos, ns deveramos nos afastar e esperar pelo resultado de um procedimento social. Entretanto, no deveramos de fato nos considerar como tericos em princpio capazes de alcanar as suas prprias concluses, mas como participantes do processo de construo social dos padres morais razoveis. Esta seria uma drstica ruptura em relao concepo usual de justificao moral.

No entanto, uma tal interpretao acabaria por gerar uma grave inquietao, j que os procedimentos sociais podem ser horrendos. Neste caso, os princpios podem ser construdos atravs de um procedimento social efetivo, princpios os quais, porm, ns no temos que aceitar como uma moralidade razovel razovel para ns. Princpios razoveis devem emergir de procedimentos sociais que so, em algum sentido, adequados. Isto d ao terico moral uma ocupao: dizer quais procedimentos sociais so realmente adequados e contam para a produo de princpios razoveis. E se de fato o terico puder responder a esta questo, ele pode vir a ter um trabalho adicional. Afinal, em nossa sociedade, ns nunca chegamos a completar um procedimento inteiramente adequado. E mesmo assim, ns queremos agora dizer quais os princpios da moralidade que so para ns razoveis. neste sentido que o terico talvez possa vir a estabelecer os princpios que haveramos de construir se nos engajssemos em um procedimento adequado.

Pode ser dentro deste esprito que Rawls est operando ao levantar a seguinte questo hipottica: como se realizaria um procedimento adequado para a construo social de regras morais? Ora, esta construo se daria atravs de dois pontos: o terico constri um ponto de vista social, uma circunstncia hipottica para a escolha de princpios morais, e os escolhedores-hipotticos constroem os princpios morais que melhor servem aos seus fins. Os escolhedores-hipotticos so agentes de construo em ambos os sentidos: o terico os constri e eles constroem os princpios.

O que , ento, em geral, o construtivismo? Poderamos l-lo como um outro termo para aquilo que Rawls anteriormente chamou de contratualismo hipottico. Brian Barry prope uma caracterizao sucinta nessa linha, ao falar de teorias da justia em particular. O construtivismo, diz ele, a doutrina segundo a qual aquilo sobre o que se estaria de acordo em algum tipo especfico de situao constitui a justia. Isto significa tratar a justia como puramente processual em sua base. A situao de escolha no projetada para produzir resultados que sejam justos devido a algum padro independente tal como a situao de cortar e de escolher leva as pessoas egostas diviso igualitria de um bolo. Mas antes o prprio fato de que se est de acordo sobre alguma coisa em uma situao especfica o que possibilita constituir a justia. Quanto situao de acordo ela mesma, ela especificada atravs de uma descrio dos atores que nela atuam (incluindo-se a o seu conhecimento e os seus objetivos) e das normas que governam a busca por seus objetivos: quais os passos que devem ser legitimados. E 'o que da emerge' deve ser um tipo particular de emergncia, a saber, o resultado do fato de que os atores nesta situao esto buscando os seus objetivos determinados dentro de determinadas restries.

Isto sugere uma leitura ainda mais ampla do termo construtivismo: o construtivista um procedimentalista hipottico. Ele endossa um procedimento hipottico que determina quais os princpios que constituem os padres vlidos da moralidade. Este procedimento pode referir-se a um acordo a respeito de um contrato social, ou pode referir-se tambm, digamos, a uma deciso a respeito do cdigo moral que deve ser apoiado em vista da sociedade. Um procedimentalista mantm, ento, que no h fatos morais independentemente da descoberta de que um certo procedimento hipottico teria tais e tais resultados.

Compreendido desta maneira, o construtivismo no uma posio metatica no antigo sentido desta palavra. O procedimentalismo hipottico no se pronuncia sobre se o pensamento moral , em sua base, contnuo ou descontnuo com o pensamento cientfico, ou sobre o tipo de objetividade que os juzos morais podem exigir. Ele antes uma famlia de teorias normativas substantivas incluindo-se a as teorias contratualistas hipotticas. No que diz respeito justia, um contratualista hipottico sustenta que o que a constitui tudo aquilo sobre o que se estaria de acordo em uma certa posio hipottica. Esta no ento uma teoria sobre o significado das afirmaes morais, como tambm no uma teoria completa sobre a sua justificao. Mas claro que podemos levantar questes padres da metatica a respeito das reivindicaes de um contratualista: O que elas significam? O que constituiria a sua justificao? Dois contratualistas podem adotar situaes hipotticas diferentes para o acordo. Mas o que estaria, ento, em questo entre eles ? A resposta, pode ser aqui naturalista, intuicionista, no-cognitivista ou reformista. E em que consistiria justificar uma destas reivindicaes em oposio outra? Aqui, novamente, respostas tradicionais diferentes podem ser dadas.

Rawls parece usar de um tom metatico quando ele renuncia a falar sobre verdade moral, mas este pode ser um trao enganoso. Tudo o que ele diz que no h verdade moral separada e distinta da maneira como nos concebemos a ns mesmos. E isto acaba por permitir uma verdade moral de alguma forma dependente de nossa auto-concepo. Aqui, certos tericos morais antiquados exigiriam que esta afirmao de dependncia pudesse ser claramente explicada, perguntando pelo seu significado e pela maneira atravs da qual ela pode ser justificada.

Contudo, ao falar de enraizar as coisas na concepo que temos de ns mesmos e nossa relao para com a sociedade, Rawls vai para alm dos simples princpios do procedimentalismo hipottico. Consideremos um contratualista hipottico: ele formula uma circunstncia hipottica particular na qual as partes tm de concordar a respeito dos princpios que devem govern-los. No entanto, ele precisa justificar a sua escolha desta circunstncia particular bem como a afirmao de que os princpios a escolhidos so princpios vlidos de justia. O construtivismo, tal como Rawls o considera, poderia ser uma viso especial daquilo que constituiria esta justificao. Uma teoria construtivista poderia ento explicar porqu uma certa forma especfica de contratualismo hipottico a que logra identificar o que para ns razovel.

Mas, como ela faria isso? Rawls no ofereceu detalhes a respeito de como a sua prpria forma de contratualismo deve ser justificada ou o que ela tem a ver com os modelos mais antigos nos quais a natureza dos juzos morais era tambm debatida. As suas palavras sugerem, no entanto, que ele considere a moral e a cincia como tendo metas nitidamente diferentes, e que ele espere que intuies corretas relativamente natureza da moralidade nos permitam contornar a metatica tradicional.

A tica deve ser a busca por fundamentos razoveis que nos permitam chegar a um acordo que esteja enraizado na concepo que temos de ns mesmos e nossa relao para com a sociedade. Estas palavras podem comportar diversas interpretaes. E uma delas ao mesmo tempo kantiana e conceitualmente reformista.

Rawls declara-se de um modo geral como kantiano: ele v no construtivismo uma maneira de elucidar as ideias [insights] centrais de Kant. A moralidade um aspecto da razo prtica; a busca por princpios morais consiste em raciocinar de maneira prtica, e no em rastrear fatos morais independentes. O que decidimos de forma vlida como sendo certo ou errado determinado pela natureza de nossa razo prtica no caso de Rawls, por aquilo que ele chama o racional e o razovel.

Mas, como poderia uma construo ser capaz de expressar isso? Um construtivista, ns poderamos arriscar, parte de uma fonte de interesse moral, uma viso de porqu a moralidade nos importante. Na verso de Scanlon, o desejo de ser capaz de justificar as suas prprias aes para os outros de acordo com razes as quais estes no poderiam razoavelmente rejeitar. Rawls ele mesmo parte de dois ideais: uma (concepo) ideal de pessoa, e um ideal do papel social da moralidade (uma sociedade bem-ordenada). Sobre o que, pergunta ele, pessoas morais livres e iguais estariam elas mesmas de acordo, se fossem representadas de maneira justa unicamente como tais pessoas, considerando a si mesmas como cidads vivendo uma vida completa em uma sociedade em andamento? Agora, se pudermos estabelecer definitivamente a fonte de nosso interesse moral, talvez possamos encontrar uma circunstncia hipottica para o acordo que o responda integralmente. Talvez, se soubermos sobre o que se estaria de acordo naquela circunstncia, este conhecimento venha a satisfazer todas as necessidades que nos trazem teoria tica. E, ento, ns poderamos no mais nos importar com o que originalmente significavam as nossas questes morais ou em que teria consistido justificar a sua resposta. E poderamos, assim, ter contornado a metatica tradicional.

Contudo, ao especificar uma fonte de interesse moral, um construtivista pode ter que enfrentar um dilema. Por um lado, ele pode especific-la em uma linguagem ampla e moralmente carregada. Assim, ele pode falar de circunstncias razoveis para o acordo, de pessoas representadas de maneira justa unicamente como seres morais livres e iguais, de razes que uma pessoa no poderia razoavelmente rejeitar. E, ento, o sentido destes termos precisa, por sua vez, ser especificado. No h problemas em se comear com motivaes sugestivas, mas as suas implicaes devem eventualmente ser explicitadas, e isto algo que pode dar origem a problemas interpretativos e a disputas. Suponha que duas pessoas queiram respeitar um contrato qualquer que seja negociado sob circunstncias razoveis sem no entanto entrar em um acordo a respeito de quais circunstncias considerar realmente razoveis. Talvez elas apenas queiram coisas diferentes, e o seu desacordo seja dissimulado por uma linguagem vaga. Tudo o que o terico pode, ento, fazer identificar o contedo de suas pretenses conflitantes. Mas, talvez, elas estejam genuinamente em desacordo a respeito de quais circunstncias considerar como razoveis. Se for assim, antigas questes da metatica acabaro por voltar sob uma nova roupagem. O que est realmente em questo nas disputas sobre o que razovel? O que justificaria aceitar uma resposta e rejeitar a outra?

Por outro lado, o construtivista pode estipular uma fonte de interesse moral de maneira bastante precisa. Assim, ele pode especificar, por exemplo, que o interesse pela justia o de respeitar o acordo que teria sido elaborado sob tais e tais circunstncias exatas. No entanto, ns enquanto ouvintes talvez no estejamos plenamente convencidos de que este interesse precisamente aquele que tambm ns temos. E se de qualquer maneira nos disserem que este o interesse que poderia constituir um interesse pela justia, ns poderamos considerar esta afirmao como no mnimo disputvel. Isto equivale reivindicao dogmtica de que uma verso especfica do contratualismo hipottico correta: de que os princpios vlidos de justia so aqueles que teramos elaborado sob tais e tais circunstncias. Partidrios de verses rivais ao contratualismo hipottico iro certamente contestar esta reivindicao e, com isso, novamente, antigas questes metaticas iro reaparecer. Mas o que exatamente est em questo entre estes oponentes, e como cada uma destas reivindicaes poderia vir a ser justificada?

Um construtivista poderia contornar estas questes se ele pudesse articular um interesse o qual, sob consideraes, todos ns julgamos ser tudo aquilo que podemos querer da moralidade. Este interesse teria de ser posto em termos exatos e ainda assim poder assegurar a nossa adeso. E este o feito que pode tornar a metatica tradicional obsoleta. Ou que pode, pelo menos, nos levar a considerar as suas antigas questes como sendo muito menos urgentes embora ainda assim possamos nos perguntar se o interesse originrio, o qual acabamos por descobrir como no-problemtico, era realmente justificado, e porqu. Em todo caso, se o construtivismo pretende ter alguma ambio metatica, a sua esperana deve ser a de encontrar uma tal especificao.

At ao momento, poucos seriam os construtivistas capazes de alegar um tal sucesso, e este talvez sequer esteja vista. Na verdade, talvez nenhum construtivista tenha realmente alimentado ambies metaticas to elevadas. E em sua maior parte, eles tm sido silenciosos a respeito das antigas questes metaticas, sem oferecer muitas explicaes do porqu. Exploramos aqui uma das possveis razes, mas no a nica. Os construtivistas talvez simplesmente pensem no saber o que dizer sobre estas questes, considerando que, enquanto isso, outras questes podem ser mais proveitosamente investigadas.

Um construtivismo com ambies metaticas mais modestas tentaria obter intuies importantes relativamente natureza da moralidade, sem com isso pretender adequar-se metatica tradicional. Em relao a tudo aquilo que temos argumentado, os prospectos para um tal construtivismo modesto podem ser brilhantes. Verses atuais tm por ora um alcance limitado: elas tendem a lidar especificamente com a justia social, e concebem os princpios de justia como aqueles que governam um sistema de benefcio mtuo. Pelo menos dentro desta esfera um construtivismo modesto parece ser realmente promissor. Ele considera grande parte da moralidade como justificada pelo papel social que a moralidade mesma pode desempenhar, pelo apelo mtuo dos frutos do acordo moral. E ele elucida ainda as fontes primrias do interesse moral, fundamentando a moralidade sobre o acordo social abrangente o mais razovel a ser feito.

No-cognitivismo

Se os tericos morais no podem evitar por muito tempo questes sobre o significado, eles podem acabar encontrando o seu caminho de volta s variantes das teorias metaticas precedentes. De fato, os anos recentes tm visto novas agitaes em torno do no-cognitivismo. Os no-cognitivistas afirmam que os significados moral e cientfico diferem de maneira ntida, embora alguns tenham mais recentemente enfatizado similaridades tanto quanto diferenas. Assim, eles tm procurado por aspectos da objetividade que possam ser igualmente reivindicados para a moralidade, e por maneiras atravs das quais os juzos morais possam imitar os juzos factuais estritos.

H meio sculo atrs, os testes de Moore pareciam poder forar qualquer um ao no-cognitivismo, quer se quisesse isso ou no. Mas desenvolvimentos filosficos subsequentes vieram oferecer melhores alternativas ou isso o que muitos filsofos parecem pensar. Os no-cognitivistas o negam, entretanto, e o seu trabalho tem sido em parte atacar as alternativas sugeridas. Eles insistem em que velhos problemas assolam novos cognitivismos.

Alm disso, porm, claro que novos problemas assolam tambm o velho no-cognitivismo, com o que este tem ou bem que se desenvolver ou bem que morrer. Os novos problemas vm em trs grupos. O primeiro deles relaciona-se ao significado, objetividade e ao sentido segundo o qual os juzos morais podem ser no-cognitivos. O segundo refere-se ao estado mental expresso por uma afirmao moral. E o terceiro, finalmente, ao problema dos termos morais em contextos gramaticais complexos.

Em primeiro lugar, ento, significado e objetividade: os ataques de Quine relativos a uma distino filosoficamente til entre analtico e sinttico, juntamente com novos tratamentos wittgensteinianos da linguagem, no apenas fizeram as alternativas ao no-cognitivismo parecer vivamente elegveis, mas obscureceram a possibilidade mesma de que este saiba constituir uma posio distinta. Afinal, uma vez que as velhas teorias sobre o contedo cognitivo caem por terra, o que exatamente pode estar negando o no-cognitivista?

desta maneira que os no-cognitivistas atuais acabam navegando precariamente entre dois baixios. Aqui, um problema clssico o de que os juzos morais possuem mltiplos traos reivindicativos verdade objetiva. E um no-cognitivismo bem sucedido deve portanto poder explicar estes traos. Ao mesmo tempo, se o no-cognitivismo deve ser distinto do cognitivismo, ele deve insistir no fato de que, contrariamente aos juzos morais, alguns juzos so cognitivos. O no-cognitivismo ameaado no somente pela tentativa de endurecer os valores para faz-los parecer com os fatos concretos, mas tambm pela tentativa de amolecer os fatos a fim de torn-los mais parecidos com os valores emotivos. Frequentemente, os oponentes do no-cognitivismo tentam preencher a lacuna fato/valor desde ambas as extremidades.

Finalmente, os no-cognitivistas podem estar perdendo terreno para os cognitivistas reformistas. O reformador debocha: pensando que os nossos velhos conceitos so confusos ou talvez mesmo fundamentados em erro. Ainda assim, pensa ele, eles servem a um propsito valioso cuja reforma viria da mesma maneira servir-lhe, mas sem erro ou confuso. Agora, o no-cognitivista se v em grande dificuldade de evitar uma posio que igualmente ridicularizante, ou pelo menos at certo ponto. No haveria a nada que pudesse corroborar o sentido ordinrio segundo o qual certo e errado so propriedades? Se o no-cognitivista sustentar que o pensamento ordinrio confuso a este respeito, ento ele ter de admitir que a sua posio tambm algo como uma reforma. E enfrentar um desafio: um reformador naturalista poderia muito bem retorquir, mas por que, em vez disso, no adotar a minha reforma? Afinal de contas, a minha d aos termos morais um significado no sentido usual.

Neste caso, um no-cognitivista ter de argumentar que a sua a melhor reforma. O que ele deve dizer, que precisamos de um tipo de linguagem que de alguma forma ns j temos, mas a qual at agora apenas nos confundiu. Ele deve afirmar ainda que o reformador naturalista nos atrai para um mundo linguistico excessivamente rude. Nele, ns ainda podemos encontrar uma linguagem abertamente emotiva tal como Yea! e Boo! e Yech! Contudo, os termos morais so agora como os no-morais: graas s definies reformistas, eles finalmente possuem critrios naturalistas claros. E o no-cognitivista deve ento dizer que aquela linguagem antiga e confusa possua virtudes que esta reforma no capaz de manter virtudes as quais podem ser preservadas em sua prpria reforma sem perda alguma de claridade.

Blackburn argumenta que se predicados emotivos aparentemente objetivos no existissem, ns teramos de invent-los. Comeando-se por uma linguagem com interjeies tais como Hurrah! e Boo!, mas no com predicados morais tais como certo e errado. Esta linguagem certamente nos permite expressar atitudes. Mas o que ns de fato precisamos de um instrumento da prtica avaliativa sria e reflexiva, capaz de expressar interesse pelos aperfeioamentos, embates, implicaes e pela coerncia das atitudes. A fim de obtermos isso, poderamos inventar um predicado que respondesse atitude e tratar os comprometimentos como se fossem juzos, e ento fazer uso de todos os dispositivos naturais para debater a verdade. Blackburn o prope enquanto a sua melhor sacada para uma metfora de tipo humeano, a projeo de atitudes no mundo.

Em um sentido relativo teoria dos jogos, Gibbard d nfase coordenao: juzos morais estritos, juntamente com juzos normativos de outros tipos, servem para coordenar aes e sentimentos. Tal coordenao crucial para uma vida comum pacfica e cooperativa. E so as aparncias de objetividade as vrias maneiras atravs das quais os juzos normativos imitam os juzos de fato que promovem esta coordenao. Em termos evolutivos, uma funo coordenadora ajuda a explicar porqu ns temos as disposies ao pensamento e linguagem normativa que temos. E em termos avaliativos, os bens que nascem da coordenao social nos do razo para ficarmos contentes com o fato de que pensamos e falamos desta maneira. E nos do igualmente razo para no virmos a reformar os aspectos expressivos aparentemente objetivos da linguagem moral.

Assim, os no-cognitivistas atuais enfatizam as vrias maneiras atravs das quais um estado mental motivacional uma disposio emotiva, uma preferncia universal, ou a aceitao de um sistema de normas pode imitar a crena factual estrita. Por questes de convenincia, chamemos um tal estado mental de atitude. Em primeiro lugar, uma atitude pode ser incondicional, aplicando-se at mesmo situaes nas quais ningum a tem. Alm disso, as atitudes de primeira-ordem de uma pessoa podem requerer uma outra atitude determinada, requerendo-a tambm de todos. Exigncias relativas conversao podem ser feitas em nome de uma atitude, e outras atitudes podem sancionar estas exigncias.

Poderamos dizer que estas caractersticas quase-objetivam as atitudes. Um no-cognitivista reformista deve estabelecer a necessidade de atitudes de algum tipo as quais sejam abertamente quase-objetivadas: para estados motivacionais que no so crenas factuais estritas, mas que so tratados de diversas maneiras como se o fossem. Ele deve afirmar que o que basicamente ocorre na linguagem moral e, manifestamente, se a sua reforma for aceita a quase-objetivao do pensamento sobre como devemos nos conduzir e talvez sobre como devemos nos sentir a respeito de vrios aspectos da vida. O no-cognitivista deve ainda afirmar que a nossa tendncia bsica para fazer isso explica certas caractersticas familiares do discurso moral: a ampla capacidade de orientao ao deste discurso de aparncia factual. E explica tambm o que tem sido chamado de contestabilidade essencial dos conceitos morais: se um termo moral est ligado por seu prprio significado a questes sobre como viver, toda estipulao de uma propriedade factual a qual ele deve representar, exclui algumas destas questes as quais podemos ter que tratar quase-objetivamente.

Tudo isso nos leva seguinte questo: resta ainda algum contraste entre fato e valor? Um vez que estamos usando de todos os dispositivos usuais para debater a verdade dos juzos morais, ser que esta quase-verdade difere de fato de uma verdade real a qual ns aceitamos de modo srio em outros domnios da linguagem? Um no-cognitivista e um realista moral podem concordar a respeito de como a linguagem moral funciona, e discordar apenas sobre se alguns outros tipos de linguagem a linguagem cientfica em particular so descritivos de um modo que a linguagem moral no .

Esta tem sido uma das mais ativas reas de embate entre os no-cognitivistas e aqueles que negam um contraste entre conceitos morais e factuais. Aqueles que o mantm, afirmam que em nossa melhor viso naturalista do universo, os conceitos factuais desempenham um papel explicativo que os conceitos morais no cumprem. J os oponentes consideram os conceitos morais como explicativos no mesmo sentido em que os conceitos usados em uma explicao psico-sociolgica, ou comparam as qualidades morais aos conceitos de qualidade secundria, factuais, embora em ltima anlise no explicativos. Um dos no-cognitivistas, Blackburn, argumenta por um outro tipo de contraste: propriedades morais so peculiarmente supervenientes de uma maneira que explicada se elas consistirem em sentimentos quase-objetivados. Crispin Wright distingue uma verdade fina, a qual as afirmaes morais podem alcanar, de uma verdade substancial com vrios traos de objetividade. Para que possamos reivindicar uma verdade substancial, devemos poder explicar a maneira pela qual a nossa capacidade cognitiva apta a detectar a propriedade em questo, de tal modo que, exceto por algum impedimento ao bom funcionamento desta capacidade, ns a obtenhamos corretamente.

Voltemo-nos agora para o segundo grupo de problemas que os atuais no-cognitivistas devem resolver: o problema dos contextos complexos. A maior parte dos no-cognitivistas expressivista: eles explicam a linguagem moral como expressando juzos morais, e explicam os juzos morais como sendo outra coisa que no crenas. Quanto a saber o tipo especial de estado mental que constitui um juzo moral, diferentes expressivistas dizem coisas diferentes, e cada uma destas abordagens tem os seus problemas.

Os emotivistas sustentam que um juzo moral consiste em um sentimento ou melhor, em uma disposio para ter certos sentimentos. No entanto, uma pessoa parece poder julgar algo como errado mesmo que ela tenha perdido toda disposio para sentimentos a este respeito. Como Ewing e Brandt sugeriram algumas dcadas atrs, os juzos morais no parecem ser sentimentos morais ou disposies para certos sentimentos morais, mas juzos a respeito do qu os sentimentos morais so apropriados ou justificados.

Alm disso, se os juzos morais so disposies para certos sentimentos, servem tambm os sentimentos mais antigos? Mas o que , ento, que diferencia os juzos morais de qualquer outro tipo regular de gosto ou de averso? Poderamos talvez pensar que h sentimentos especiais de desaprovao moral e que dizer que algo errado, digamos, expressa um tal sentimento ou a atitude correspondente. Mas o que , ento, este sentimento de desaprovao moral? Entre os tericos da emoo so os cognitivistas que predominam. O cognitivismo emocional, porm, diferente do cognitivismo metatico: um cognitivista emocional sustenta que ter uma determinada emoo, tal como a raiva, implica em fazer algum tipo especial de juzo cognitivo. Agora, no caso da desaprovao moral, o nico candidato plausvel um juzo cognitivo segundo o qual a coisa em questo moralmente errada. Sendo assim, precisamos entender os juzos de incorreo antes de podermos entender a desaprovao moral. E no podemos explicar o juzo de que algo errado como uma atitude de desaprovao moral.

Os tericos da sensibilidade discutidos abaixo sustentam que ambas as vias de explicao esto corretas: o desaprovar alguma coisa deve ser explicado como o sentimento de que isso est errado e, inversamente, julgar alguma coisa como errada julg-la merecedora de desaprovao. Se isto estiver certo, ento, mesmo que os conceitos morais sejam em certa medida explicados em termos de sentimentos, as explicaes elas mesmas no so do tipo amplamente redutivo pretendido por um emotivista: elas no explicam os conceitos morais em termos que poderiam ser completamente compreendidos antes de se apreender dos conceitos morais.

Hare, por sua vez, tenta evitar a armadilha do emotivista. Um juzo moral, diz ele, um estado especial de preferncia uma preferncia que preponderante e universal. E uma preferncia dada onde todas as consideraes so levadas em conta e no, simplesmente, uma tendncia preferencial entre outras. Ela no pode ser influenciada pelo papel de quem quer que seja na situao qual ela se aplica. E uma consequncia disso a de que uma pessoa jamais pode querer coisas que sejam feitas de forma errada isto , coisas que ela julga erradas. Se ela pensa que errado que o governador perdoe um assassino, ento ela deve querer no ser ela mesma perdoada no caso hipottico de ser ela prpria a assassina. Hare aceita esta consequncia; mas muitos outros consideram-na implausvel.

Gibbard rejeita o emotivismo e adota uma parte da viso rival de Ewing: os juzos morais dizem respeito aos sentimentos morais que so autorizados ou justificados. Contudo, enquanto Ewing era um no-naturalista em relao justificao, Gibbard permanece um expressivista: ele fornece uma abordagem expressivista dos juzos de justificao. Dizer que um sentimento justificado, afirma o autor, significa (basicamente) expressar a aceitao de normas que permitem o sentimento. Sendo assim, os juzos morais expressam um estado mental que no , no sentido mais estrito, uma crena em um fato moral. Mas que tambm no um sentimento ou uma disposio para sentimentos. Ele antes um estado mental complexo que consiste em aceitar certas normas. O seu problema ento explicar, em termos psicolgicos, o que significa aceitar normas.

Todos concordam que os juzos morais so normativos, mas h um grande desacordo entre os filsofos quanto a saber em que consiste esta normatividade. De acordo com Gibbard, ela consiste em um vnculo com a justificao, cujo conceito sui generis. Fazer um juzo de justificao consiste em estarmos em um estado motivacional especial a saber, a aceitao de um sistema de normas. Neste sentido, os sentimentos no so tratados em si mesmos como juzos normativos. Mas os juzos normativos especiais que constituem as convices morais consistem na aceitao de normas para governar certos sentimentos. Estas normas so motivacionais e, ao mesmo tempo, crucialmente discursivas e sujeitas razo. Elas so capazes de suportar todo o peso da quase-objetivao tal como discutida acima ou isto o que afirma Gibbard.

Ainda assim, tal como os emotivistas, Gibbard sustenta que os sentimentos morais ajudam a explicar os juzos morais. Estes so juzos a respeito da culpa e da raiva imparcial enquanto justificadas ou no. Neste sentido, Gibbard deve ento rejeitar o cognitivismo emocional. Juntamente com os emotivistas, ele nos deve uma explicao dos sentimentos especialmente morais em seu livro, a culpa e a raiva imparcial em termos que no requeiram um entendimento prvio dos juzos morais. O cognitivismo emocional tem os seus problemas: superficialmente, parece ser possvel sentirmo-nos culpados, digamos, e ainda assim rejeitarmos a afirmao (supostamente cognitiva) de que tenhamos errado. Poderamos considerar a nossa prpria culpa como irracional. Gibbard examina certas linhas de explicao psicolgica das emoes as quais poderiam ajustar-se a uma teoria tal como a de Ewing.

Voltemo-nos finalmente para a acusao de que o expressivismo falha em relao aos contextos incorporados. Quando uma pessoa diz que algo errado, os expressivistas afirmam que ela no est enunciando um suposto fato, mas que ela est expressando um estado mental especial digamos, um sentimento ou uma atitude. Agora, na melhor das hipteses, uma tal abordagem funciona apenas no caso de atribuies simples de correo ou de incorreo. Ela no se estende a usos mais elaborados da linguagem moral, tal como em ele fez algo de errado ou em se aceitar suborno errado, ento tambm o oferec-lo.

Blackburn e Gibbard ocupam-se ambos deste problema. Blackburn adota a estratgia de explicar separadamente as vrias construes gramaticais diferentes; ele trabalha com conjunes e com condicionais. Se mentir errado, ento tambm o levar o seu irmo menor a mentir, expressa a rejeio de um tipo de sensibilidade: aquela que condena a mentira e que, no entanto, perdoa o fato de se levar o irmo menor a mentir. J Gibbard procura por uma explicao mais uniforme de termos normativos em contextos incorporados: juzos normativos complexos devem ser explicados atravs de seus vnculos inferenciais mantidos com as atribuies normativas simples e com os juzos factuais. Uma classe especial dessas atribuies normativas simples juzos a repeito daquilo que justificado para si mesmo neste momento tem um vnculo especial para com o mundo: estes juzos tendem a motivar. Tudo isso acaba contribuindo para uma modificao radical do expressivismo.

Talvez o no-cognitivismo seja obsoleto porque fracassa em relao aos contextos incorporados, ou porque adere a uma m teoria do significado, ou porque todos os seus aperfeioamentos mais importantes foram elaborados h j algum tempo atrs. Ele pode parecer uma teoria a ser batida ou a ser aproveitada, mas no uma teoria a ser desenvolvida. Um punhado de autores o v agora como repleto de possibilidades no realizadas. Por outro lado, alguns de seus oponentes consideram toda a lista de possibilidades da metatica tradicional como pouco apetecvel, e procuram por alternativas vivamente novas. de algumas destas que trataremos agora.

Teorias da Sensibilidade

Vrios dos mais influentes escritores contemporneos que estudam a natureza da tica e do valor, notadamente John McDowell e David Wiggins, inspiraram-se na ideia segundo a qual os juzos normativos ou avaliativos podem manter alguma analogia com os juzos de qualidades secundrias ou outros juzos essencialmente ligados ao exerccio de certas sensibilidades humanas. Esta analogia oferece a possibilidade de uma verso cognitivista da descontinuidade, j que os juzos ligados ao exerccio destas sensibilidades podem ser vistos como diretamente cognitivos, embora ainda assim referindo-se a propriedades que, por seu prprio direito, no fazem parte da estrutura fundamental causal/explicativa do mundo e que tambm no so redutveis a propriedades que o fazem. Ou seja, mesmo que tais propriedades no atendam s mais ambiciosas restries naturalistas, o seu lugar na cognio poderia mesmo assim estar assegurado em virtude de sua presena experincia e da existncia de um espao de razes relativamente bem-articulado o qual regula a sua aplicao.

Em sua classificao das substncias ou das entidades, por exemplo, a cincia fsica afastou-se da cor enquanto uma dimenso significativa da similaridade, de tal forma que as suas explicaes fundamentais so incolores; no entanto, a cor um trao definitivo da nossa experincia e a sua atribuio um exerccio de uma faculdade perceptual regulamentada por padres que avaliam os juzes como estando melhor ou pior situados (com respeito, por exemplo, s condies padres de viso) para detectar essas propriedades de cor, e que avaliam ainda os juzos como sendo mais ou menos sustentados por evidncia. Ns claramente reconhecemos graus maiores ou menores de refinamento em relao capacidade de discernir cores com preciso, e esta possibilidade de juzos corrigidos e de um discernimento aperfeioado manifesta em uma prtica na qual damos razes e construmos argumentos de uma maneira que no , em hiptese alguma, arbitrria ou idiossincrtica, mas que antes capaz de gerar uma convergncia interpessoal considervel no que toca aos juzos. Tudo isso compatvel com o fato de que a atribuio de cores , em ltima instncia, dependente da subjetividade humana. Assim, mesmo que as propriedades discernidas por esta prtica no tenham (aquilo que Crispin Wright chamou de) um amplo papel cosmolgico tal como as qualidades primrias, e que elas dependam, em vista de sua presena na experincia, de sensibilidades racionalmente opcionais, isso no precisa comprometer a sua posio cognitiva, e at mesmo objetiva a no ser que se pressuponha uma concepo cientificista ou cosmolgica da cognitividade e da objetividade.

Assim, os tericos da sensibilidade apresentam a sua abordagem como um significativo aperfeioamento tanto em relao ao no-cognitivismo quanto ao intuicionismo. Em sua viso, o no-cognitivismo enfatizou de maneira correta a contribuio dada pelo sentimento aos juzos morais, mas os forou incorretamente em um molde de projeo expressiva. J o intuicionismo teria enfatizado corretamente os aspectos cognitivos dos juzos de valor, mas forado-os de modo incorreto em um molde capaz de detectar uma esfera especial de propriedades existindo independentemente. O terico da sensibilidade no v nem o sentimento nem as propriedades morais como capazes de existir ou de explicar um sem o outro. Como observado anteriormente, a viso resultante engloba as duas vias de explicao, e afirma fazer maior justia gramtica cognitiva do discurso avaliativo e normativo e fenomenologia da experincia moral.

Mas, e quanto suposta conexo interna entre juzo moral e motivao, ou vontade, uma conexo que contribuiu consideravelmente para explicar o apelo que teve neste sculo o no-cognitivismo? Dentro da tradio contempornea inglesa do cognitivismo no-reducionista, McDowell tornou possvel uma significativa inovao a respeito desta conexo, ao mostrar a disponibilidade de uma explicao alternativa: segundo o autor, a prpria sensibilidade que confere aos indivduos a capacidade de discernir estas propriedades que esto ligadas sensibilidade poderia envolver necessariamente a posse de certas propenses afetivas ou conativas.

O humor, por exemplo, um sentido que tambm afetivo; uma pessoa sem senso de humor no algum capaz de discernir o humor em situaes cmicas sem poder com isso simplesmente se divertir. Em vez disso, ela ignora completamente a sua qualidade humorstica. Dizemos que ela pode apreender integralmente as qualidades causal/explicativas primrias das situaes em questo; mas que h nestas, no entanto, algo para o qual ela cega. Esta cegueira provm em parte da ausncia de uma sensibilidade, que no , no entanto, semelhante mera ausncia de um reflexo do riso: ela envolve antes uma falta de considerao das razes que levam ao divertimento. Embora isto ainda tenha que ser mostrado, talvez no haja maneira alguma de se explicar a natureza destas razes ou a natureza da propriedade humorstica ela mesma, seno atravs da noo de achar as coisas engraadas. Uma relao circular entre a sensibilidade e a propriedade explicaria porqu a qualidade humorstica parece sui generis e no-analisvel, por um lado, enquanto para aqueles que possuem um senso de humor, ela parece ser um guia de ao de um modo que (por assim dizer) familiar. Se a nossa pessoa desprovida humor pudesse vir a desenvolver um senso de humor, ela ento veria os traos cmicos do mundo a sua volta (superando assim a sua falta cognitiva) e pensaria tambm que eles so de fato engraados (superando a sua falta afetiva).

Da mesma forma, obrigao e valor podem envolver um par correspondente de sensibilidade e de propriedade. Para tomarmos o caso da obrigao: suponhamos que uma criana tenha se separado acidentalmente de seus pais e que esteja vagando perdida e angustiada ao longo da calada. Um passante desprovido de sensibilidade moral poderia observar esta cena e v-la como meramente curiosa ou tediosa, mas no como exigindo uma sua interveno. Uma tal pessoa no seria algum capaz de perceber a necessidade da situao da criana sem poder simplesmente se sentir movida a ajud-la. Em vez disso, ela seria cega necessidade ela mesma. Se os defeitos do carter moral do nosso pedestre pudessem ser superados, ele veria ento a situao como envolvendo inerentemente a exigncia de um remdio, vendo-se tambm ao mesmo tempo motivado a ajudar (ou, pelo menos, sentindo um certo remorso caso no pudesse faz-lo).

Desta maneira, o terico da sensibilidade procura reconciliar o cognitivismo com o carter orientador de ao dos juzos morais o qual j havia antes sido considerado como decisivamente pr no-cognitivismo: tendncias motivacionais apropriadas fazem parte da sensibilidade necessria ao discernimento cognitivo de certas propriedades sui generis, mas mesmo assim genunas. E isto poderia igualmente contribuir para a nossa compreenso da densidade de conceitos tais como a necessidade, e de sua fuso aparentemente inextricvel e simtrica entre o contedo descritivo e a qualidade de guia da ao. Os falantes que possuem autoridade a respeito da extenso de conceitos densos a casos novos, seriam movidos tanto pela fora afetiva de sua sensibilidade quanto pelos traos descritivos do mundo ao qual esta sensibilidade est sintonizada.

A abordagem do terico da sensibilidade tambm nos ajudaria a explicar porqu (de acordo com uma longa tradio) as exigncias morais so experienciadas por aqueles que as reconhecem como categricas mais do que como hipotticas. Uma pessoa que possui uma sensibilidade moral bem desenvolvida no v a necessidade da situao da criana para ento requerer, como uma condio adicional ao racional, a conscincia de um desejo ou de um interesse prprio a ser satisfeito com a ajuda dada a criana. Ao contrrio, o reconhecimento mesmo da necessidade depende de a pessoa ser constituda de tal forma que ela esteja disposta tanto a atend-la quanto a considerar os desejos ou os interesses concorrentes como inapropriados ou substituveis, ou menos convincentes do que eles poderiam alternativamente ter sido. ( claro, no entanto, que o agente pode igualmente reconhecer e ter de considerar outros requerimentos morais ou afirmaes de necessidade.)

Porm, importante enfatizar que esta abordagem apreende apenas parte daquilo que Kant pretendeu com o uso da noo de imperativo categrico, j que daquilo que foi dito no se segue que seria um defeito da racionalidade ou da autonomia o ser desprovido de uma sensibilidade que permitisse distinguir as propriedades morais. E McDowell aparentemente no supe que uma tal carncia deva ser considerada um defeito racional. Esta uma das maneiras atravs das quais podemos ser levados a questionar a capacidade das teorias da sensibilidade de capturar a fora normativa do discurso moral ou de prover justificao ou objetividade moralidade.

De fato, por tudo o que dissemos at agora, sensibilidade moral e senso de humor esto em p de igualdade, talvez com esta diferena apenas: parece ser parte de uma sensibilidade moral que (pelo menos uma subclasse das) propriedades que ela nos permite discernir tenham o efeito, quando reconhecidas, de silenciar ou superar ou tornar menos convincentes para a deliberao prtica outros tipos de razo ou de motivo. Ser que esta caracterstica dos juzos morais poderia ser usada para distinguir a moralidade ou para justificar o seu peso deliberativo especial? Isto parece ser duvidoso, j que muitos esquemas alternativos de regulamentao normativa sustentam sensibilidades que, na deliberao prtica, envolvem afirmaes de precedncia de maneira constitutiva. Talvez, por exemplo, apenas aqueles que so verdadeiramente devotos possam realmente experienciar a santidade de certos objetos, lugares e ritos, e para tais indivduos o sagrado ir de fato exigir precedncia sobre os apetites ou os interesses. Do mesmo modo, mutatis mutandis, para aqueles que so genuinamente diablicos ou para os verdadeiros estetas. Uma explicao circular identifica uma relao estrutural entre uma sensibilidade e sua propriedade correspondente, mas j que nenhuma delas independentemente caracterizada, ns ainda no contamos com um modo de distinguir uma tal sensibilidade de outra muito menos de mostrar que uma delas possui um status objetivo ou normativo diferente. Um pino que se encaixa em um orifcio redondo tem uma forma particular; como tambm o tem um orifcio que encaixa um pino quadrado; mas qual forma em particular devem ter um pino e um orifcio, de outro modo no especificados, graas somente ao fato de que eles se encaixam um no outro?

Caracterizaes circulares no so inteiramente no-informativas. Por exemplo, se a seguinte caracterizao circular de bom deve ser considerada a priori:

(1) x bom se e somente se x capaz de suscitar em ns (em circunstncias normais) um sentimento de aprovao moral,

ento o que est sendo reivindicado aqui um vnculo a priori entre a propriedade da bondade e um sentimento humano, e isto pode ser contestado. Agora, se o sentimento de aprovao moral tiver uma fenomenologia robusta e distinta do modo como o tem, por exemplo, a vermelhido ento uma equao circular a priori poderia simplesmente constituir uma maneira de dizer que o domnio desta propriedade determinado com referncia a um estado qualitativo sui generis. Graas ao carter distintivo de um tal estado qualitativo, a equao circular poderia vir a proporcionar um modo de distinguir a propriedade (embora no um modo de analis-la redutivamente). Contudo, uma fenomenologia robusta e distinta como esta no existe no caso dos juzos morais ou isto o que nos parece.

Alternativamente, se de fato houvesse vnculos a priori que irradiassem da aprovao moral por exemplo, para um espao de razes substantivamente caracterizado regulamentando a aprovao moral, ento a equao circular acabaria por efetuar uma ligao entre as propriedades morais e uma classe distintiva de razes. Estas razes no precisariam sustentar nada to forte como uma anlise ou reduo dos juzos morais a fim de contribuir materialmente distino de uma sensibilidade moral de outras estruturalmente similares, e abrir assim a possibilidade de uma acomodao [placing] ou justificao no-reducionista da moralidade. Porm, ao perguntar se o estatuto da moralidade pode ser defendido contra a ideia de que no h nada para o pensamento tico seno posies subjetivas racionalmente arbitrrias, McDowell conclui que o escrutnio necessrio no implica em sair do ponto de vista constitudo por uma sensibilidade tica. No fim das contas, isso parece sugerir que o apelo a um espao de razes tal como ligado a uma sensibilidade moral talvez no possa aprimorar a nossa apreenso do contedo ou do estatuto normativo dos juzos morais.

Na verdade, talvez seja equivocado procurarmos por uma melhor apreenso do contedo ou do estatuto dos juzos morais explicao e justificao devem chegar a um fim em algum momento. No entanto, parece ser bastante importante sabermos exatamente quando. Muitas das posies subjetivas racionalmente opcionais, possuindo a mesma estrutura da moralidade, pareceriam ser boas candidatas nossa adeso e algumas tm de fato estabelecido uma competio social com a moralidade. Mas ainda assim tendemos a pensar que algo mais pode ser dito em seu nome. McDowell corretamente aponta para o fato de que o apelo a razes internas nos permite dispor de todos os recursos crticos do nosso pensamento moral, de tal forma que no verdade que qualquer coisa serve. Ao mesmo tempo, porm, isto no permite distinguir ou justificar o buscar e seguir razes internas dentro de um esquema moral, do buscar e seguir razes internas dentro de esquemas alternativos estruturalmente similares.

Wiggins parece ter levado a questo da justificao objetiva, como ele a chama, um pouco mais adiante. Ele nos pede para supor que as nossas prticas morais j estejam em pleno vo, de tal forma que no h problema algum em tentarmos ver o modo como elas podem elevar-se atravs do seu prprio esforo. Neste caso, argumenta o autor, estaremos objetivamente justificados em simplesmente aceitar os ditames da nossa sensibilidade moral se pelo menos duas outras condies forem preenchidas: (i) a sensibilidade e as prticas com as quais esto vinculados os juzos morais so importantes para a nossa identidade enquanto indivduos, de tal modo que a vida raramente concebvel sem elas; e (ii) estas prticas no so manifestamente injustas. A primeira condio pode parecer a alguns excessivamente forte em relao ao investimento psquico; j a segunda, novamente como uma condio interna se a justia for compreendida luz da sensibilidade ela mesma ou bem como uma reafirmao do problema da justificao objetiva.

importante distinguir questes sobre a justificao objetiva da questo sobre se o discurso moral ou avaliativo deve ser inevitavelmente relativista quando caracterizado de modo circular. Tal como observa Wiggins, o relativismo pode ser evitado se as nossas caracterizaes (circulares) contiverem uma expresso que designe rigidamente as nossas efetivas disposies para responder, seguindo uma estratgia que sob certos aspectos se ajusta claramente ao nosso discurso sobre a cor. A propriedade da vermelhido plausivelmente tomada como estando ligada a priori s caractersticas que evocam nos humanos, tal como eles realmente so, uma resposta ao vermelho. Imaginar que os humanos possuem uma sensibilidade diferente cor no significa imaginar que o sangue, por exemplo, teria ele mesmo que ter tido uma cor diferente, mas apenas que os humanos poderiam ter visto as coisas vermelhas diferentemente. Se concedido, isto bastaria para excluir um tipo de relativismo a respeito da cor, e uma cristalizao semelhante poderia tambm excluir certas formas de relativismo avaliativo ou deliberativo.

Mas ser que tal cristalizao pode realmente contribuir para a justificao objetiva? Na verdade, ela garante a priori que nomes tais como 'bondade' e 'correo' pertenam a propriedades que so rastreadas por nossas sensibilidades. Mas ser que isso mostra que estamos justificados em regulamentar as nossas escolhas em consequncia? A rotulagem de propriedades parece afastar a ameaa de relativismo que pesa sobre a nossa linguagem avaliativa sem abordar questes subjacentes a respeito da possvel arbitrariedade de nossas prticas, j que o recurso tomado para privilegi-las simplesmente o de que elas so as nossas prticas. Este no o tipo de coisa que carrega peso justificativo, mesmo no interior de nosso esquema moral. No apenas difcil imaginar que um apelo possa ser feito a este recurso em uma tentativa de justificao destinada aos outros, como tambm difcil imaginar que ela tenha xito o suficiente em mostrar para ns mesmos a sua no-arbitrariedade. Neste sentido, poderamos ser levados a nos perguntar se uma tal cristalizao realmente se encaixa em uma abordagem no-revisionista do nosso discurso moral: ela poderia a impedir, por exemplo, a expresso de certas questes srias, ap