Tempos de diferença

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Tempos de diferença Ao obedecer à ordem de seu fundador, o The New York Times segue a visão de que todos os pontos de vista de uma notícia são válidos, e, por isso, devem ser publicados - até mesmo quando os conflitos pautados envolvem a nação de seus ancestrais. Por Thamires Mattos Quando Adolph Ochs assumiu o The New York Times em 1896, fez um compromisso: "Dar as notícias com imparcialidade, sem medo ou favor, independentemente de qualquer partido, seita ou interesse envolvido". Após 118 anos, a alma do Times tenta seguir os princípios bradados por Ochs. O jornal, internacionalmente conhecido e renomado, é propriedade de judeus (a família Ochs chegou da Alemanha em 1845), mas trabalha com jornalistas de todas as crenças e origens. Diz a lenda que lá os proprietários são descendentes de Abraão, os repórteres, católicos, e os editores, protestantes. Em várias reportagens, percebe-se a clara vitimização dos palestinos. Fotografias chocantes de famílias sem abrigo ou alimento pretendem comover o leitor. Quem olha o jornal sem fazer uma profunda análise de seus textos, incluindo os artigos de opinião, pode criar um pensamento errôneo sobre as notícias da Faixa de Gaza. Títulos chamativos criam a

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Artigo sobre a abordagem do The New York Times quanto aos conflitos na Faixa de Gaza. Publicado no dia 28/08/2014 no site de crítica de mídia Canal da Imprensa.

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Tempos de diferença 

Ao obedecer à ordem de seu fundador, o The New York Times segue a visão

de que todos os pontos de vista de uma notícia são válidos, e, por isso, devem

ser publicados - até mesmo quando os conflitos pautados envolvem a nação de

seus ancestrais.

 

Por Thamires Mattos

 

Quando Adolph Ochs assumiu o The New York Times em 1896, fez um

compromisso: "Dar as notícias com imparcialidade, sem medo ou favor,

independentemente de qualquer partido, seita ou interesse envolvido". Após

118 anos, a alma do Times tenta seguir os princípios bradados por Ochs.

 

O jornal, internacionalmente conhecido e renomado, é propriedade de judeus

(a família Ochs chegou da Alemanha em 1845), mas trabalha com jornalistas

de todas as crenças e origens. Diz a lenda que lá os proprietários são

descendentes de Abraão, os repórteres, católicos, e os editores, protestantes.

 

Em várias reportagens, percebe-se a clara vitimização dos palestinos.

Fotografias chocantes de famílias sem abrigo ou alimento pretendem comover

o leitor. Quem olha o jornal sem fazer uma profunda análise de seus textos,

incluindo os artigos de opinião, pode criar um pensamento errôneo sobre as

notícias da Faixa de Gaza. Títulos chamativos criam a impressão que os

princípios de Ochs foram esquecidos. Um exemplo disso é o título "Como o

Hamas venceu Israel em Gaza", de um texto opinativo publicado no dia 10 de

agosto. Outro é o "Em Gaza, tristeza, raiva - e uma grande quantidade de

orgulho", pertencente a uma reportagem do mesmo dia que vinha

acompanhada da foto de três palestinos em condições lamentáveis em um

abrigo da ONU. Logo a seguir, diversas matérias seguem falando sobre a

matança em Gaza, e, em sua maioria, tem o Estado de Israel como o único

"vilão".

Porém, quem observa com mais cuidado a linha editorial do Times sente que a

história não é essa. Para eles, não existe "vilão" nem "mocinho" - existe notícia.

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O grande slogan do jornal também foi criado por Adolph Ochs, e ordena que

"todas as notícias que estão prontas para a impressão" sejam veiculadas. Ao

seguir a ordem do fundador, o The New York Times tem a visão de que todos

os pontos de vista em uma notícia são válidos, e, por isso, devem ser

publicados - até mesmo quanto aos conflitos que envolvem a nação de seus

ancestrais.

 

Igualdade Relativa

 

Por sua linha editorial, o The New York Times é um jornal liberal. Entretanto,

isso não o abstém de preferências ocasionais por um lado da história. No caso

dos conflitos da faixa de Gaza, as críticas ao estado de Israel são muito mais

brandas do que os ataques ao Hamas. Como citado anteriormente, o título da

matéria pode iludir, mas uma análise nos faz perceber que o Times procura

proteger o Estado de Israel e os judeus, vitimizando-os assim como fez com os

palestinos. A aparente controvérsia se desfaz com os exemplos.

 

No dia 20 de agosto, um texto opinativo com o título "Porque os judeus estão

com medo", escrito pela professora de história judaica moderna da

Universidade Emory, Deborah E. Lipstadt, fala sobre o período de intenso

"ódio" contra os judeus, principalmente na Europa. Segundo a autora, o

momento não poderia ser comparado com o holocausto, pois é ainda pior no

aspecto social. Frases explícitas sugestionando o envolvimento árabe nesta

"onda de raiva" são encontradas frequentemente. Talvez por isso, o jornal do

dia seguinte publicou outro texto opinativo, mostrando outras características

antes desconhecidas do lamentável antissemitismo europeu. "Ódio suficiente

para todos - muçulmanos e judeus são alvos de intolerância religiosa na

Europa" dizia um dos títulos. O crescente movimento antissemita no continente

europeu é motivado pelos conflitos recentes em Gaza. O Times combate este

comportamento de forma incisiva. Artigos publicados em apoio aos cristãos e

outras minorias sociais e religiosas da região também têm espaço importante

no jornal.

 

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"Nós sempre desejamos que uma tragédia como essa crie, finalmente, um

estímulo real para uma paz permanente" foi o que a herança de Ochs

expressou através de seu editorial do dia sete de agosto. O Times não é

perfeito, mas quer paz. Em linhas gerais, prefere que a notícia venha

acompanhada de igualdade – quando lhe for conveniente.