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    77Rev Esc Enferm USP2014; 48(Esp2):77-84

    www.ee.usp.br/reeusp/

    Diferentes temporalidades no adoecimento por cncer de mama

    Dolina JV, Bellato R, Arajo LFS

    RESUMOEstudo de abordagem compreensiva, ob-

    jevou compreender os reexos e contras-tes entre o tempo experiencial e o tempoprotocolar da terapuca, na vivnciade mulher jovem com cncer de mama.Conformando-se como estudo de situao,

    baseado na Histria de Vida de Beth, queadoeceu e morreu de cncer aos 34 anos,empregamos entrevista, observao e an-

    lise do pronturio na recolha dos dados. Aconstruo de quadro analco-sintco,com base na cronologia da progresso cl-nica e fases do tratamento e a percepo

    temporal dos acontecimentos por Beth,possibilitou depreender que o tempo pro-tocolar da terapuca mostra-se linear,

    marcado pelo sequenciamento do diag-nsco e tratamento; j o tempo experien-cial marcado pela simultaneidade e nolinearidade de acontecimentos mobiliza-dores de intenso sofrimento que o cncerproduziu na vida de Beth. Tal compreensoarma a necessidade dos prossionais desade considerarem o tempo vivido pelapessoa, conferindo pessoalidade indis-pensvel terapuca protocolar do cncer.

    DESCRITORESPequisa qualitavaCncer

    Eventos que modicam a vidaCuidados sade

    Diferentes temporalidades no adoecimento porcncer de mama*

    ARTIGOOR

    IGINAL

    ABSTRACTComprehensive approach study aimed

    understanding the reecons and con-trasts between personal me and medicaltherapy protocol me in the life of a youngwoman with breast cancer. Addressed asa situaonal study and grounded in Bethslife story about geng sick and dying ofcancer at age 34, the studys data collec-on process employed interviews, obser-vaon and medical record analysis. Theconstrucon of the analyc-synthec boxbased on the chronology of Beths clinicalprogression, treatment phases and tempo-ral percepon of occurrences enabled us topoint out a linear medical therapy protocolme idened by the diagnosis and treat-

    ment sequencing process. On the otherhand, Beths experienced me was markedby simultaneous and non-linear eventsthat generated suering resulng from thedisease. Such comprehension highlightsthe need for healthcare professionals totake into account the me experienced bythe paent, thus providing an indispens-able cancer therapeuc protocol with apersonal character.

    DESCRIPTORSQualitave researchCancer

    Life changing eventHealth care

    RESUMENEstudio objevo conocer los contrastes en-

    tre el empo de la experiencia y el em -po de tratamiento en la enfermedad porcncer de mama. s basado en la historiade vida de Beth, que cay enferma y mu-ri de cncer a los 34 aos, uso entrevista,observacin y anlisis de los registros me-dicos para tener datos. La construccin dela imagen analco y sintco basado enla cronologa y progresin del tratamientoclnico y la percepcin temporal por Beth,permi concluir que el empo del proto-colo se muestra lineal, marcado por la se-cuenciacin del diagnsco y tratamiento;mientra que el empo experiencial estmarcado por simultaneidad y no linealidad

    de los eventos de sufrimiento que el cn-cer produce en la vida de Beth. Tal enten-dimiento arma la necesidad de considerarel signicado del empo para la personaenferma, para que tenga un cuidado perso-nal, esencial en la terapia del cncer.

    DESCRIPTORESInvesgacin cualitavaCncer

    TemporalidadCuidado de la salud

    Janderlia Valria Dolina1, Roseney Bellato2, Laura Filomena Santos de Arajo3

    DISTINCT TEMPORALITIES IN THE BREAST CANCER DISEASE PROCESS

    LAS DIFERENTES PERCEPCIONES DEL TIEMPO EN LA ENFERMIDAD POR CNCERDE MAMA

    *Artigo indito, originado de dissertao de mestrado Experincia de mulher jovem e sua famlia no adoecimento e morte por cncer de mama, estudovinculado a pesquisa matricial As Instituies de Sade e do Poder Judicirio como mediadores na efetivao do direito ptrio em sade: anlise deitinerrios teraputicos de pessoas/famlias no SUS/MT desenvolvida no mbito do Grupo de Pesquisa Enfermagem, Sade e Cidadania (GPESC) daFaculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso (FAEN/UFMT), nanciada na modalidade Bolsa de Iniciao Cientca e de Mestrado.No h conitos de interesse. 1 Enfermeira; Mestre em Enfermagem, membro do Grupo de Pesquisa Enfermagem Sade e Cidadania (GPESC) Cuiab,Brasil. 2 Enfermeira; Doutora em Enfermagem; docente da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso (FAEN/UFMT), membro doGPESC, Cuiab, Brasil. 3 Enfermeira; Doutora em Enfermagem, docente da FAEN/UFMT, Lder do GPESC, Cuiab, Brasil.

    Recebido: 30/04/2014Aprovado: 16/07/2014

    DOI: 10.1590/S0080-623420140000800012

    Portugus / Inglswww.scielo.br/reeusp

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    Diferentes temporalidades no adoecimento por cncer de mama

    Dolina JV, Bellato R, Arajo LFS

    INTRODUO

    O cncer de mama um po de neoplasia malignaque acomete, em sua maioria, a populao feminina,cujas taxas de incidncia aumentam a cada ano comoprovvel resultado das mudanas no eslo de vida econsequente maior exposio a fatores de risco. No Bra-sil, esmavas apontam cerca de 570 mil novos casos

    de cncer de mama para o ano de 2014 (1); no entanto,as mulheres ainda se deparam com diculdades para odiagnsco precoce e a efevidade do tratamento. Sa-lienta-se que a maioria daquelas adoecidas por cncerde mama, vive com a doena e/ou em tratamento por

    muitos anos. O tratamento pode incluir cirurgia pararerada da massa tumoral, quimioterapia, radioterapiae, em alguns casos, hormonioterapia e terapia biolgi-ca; e toma cerca de um ano. Aps esse perodo, have-r acompanhamento mdico com realizao de examesperidicos por mais cinco anos, de maneira a descartar

    o aparecimento de metstases ou recidiva da doena(2).A recidiva implica em novo plano terapuco, podendo

    envolver cirurgia, quimioterapia e radioterapia, quantasvezes forem necessrias.

    O tempo da doena e do seu tratamento um conhe-cimento consagrado em oncologia, sendo dependente dapredisposio genca, po de cncer, estado de sadeno momento do diagnsco, resposta orgnica ao tra-tamento, entre outros fatores. Desse conhecimento deque cada organismo responde de maneira diferenciadadecorre a proposio de esquema terapuco especco,necessitando, assim, de protocolo individualizado(2). Talindividualizao se faz tanto no que concerne aos proce-dimentos e frmacos a serem empregados, como em rela-

    o ao tempo de cada etapa terapuca.

    O tempo protocolar da terapuca segue, portanto,uma lgica temporal l inear-cronolgica, segundo terapu-ca parcelar e sequenciada, sendo a conduta mdica em-basada numa srie de intervenes consonantes respos-ta orgnico-patolgica.

    A pessoa, no entanto, ao vivenciar o adoecimento porcncer recebe uma avalanche de informaes e tem quetomar decises de ordem prca, como as inmeras pere-grinaes que sero impostas para o tratamento da doen-a, precisando, ao mesmo tempo, lidar com situaes deesgmas, incertezas quanto a efevidade do tratamento,medo da recorrncia da doena, das mulaes e da pos-sibilidade concreta de morte(3). Desta simultaneidade deacontecimentos marcantes provem intenso sofrimento,

    aliado incerteza do resultado do tratamento e da con-nuao da vida.

    Destarte, o tempo do vivido pelas pessoas segue umalgica temporal prpria. Assim sendo, a temporalida-de experiencial vivenciada pela pessoa no adoecer porcncer precisa ser apreendida em sua lgica intrnseca- varivel, instvel e incerta, conformando os modos de

    cada pessoa perceber e conferir sendos ao tempo vivi-do no presente, conjugando-o ao seu passado e s ante-cipaes futuras.

    Tal temporalidade escandida num intrincado demarcantes acontecimentos simultneos, frente aos quaissegue ressignicando sua vida, agora em outras bases. Atemporalidade do vivido distancia-se da forma seqencia-

    da de momentos disntos pela qual o tempo cronolgico marcado; e, diferentemente, espraia-se por reverbera-es de experincias nas quais passado-presente-futurose ordenam em movimentos espirais(3).

    Na assistncia em sade faz-se necessrio enten-der que signicados a pessoa adoecida atribui a vivn-cia temporal do adoecimento e tratamento, de modoa que ns, prossionais, possamos melhor ampar-lanesse processo com efevas prcas de cuidado. Talcompreenso se mostra mais intensa quando se trata davivncia do cncer, a parr de sua considerao comosituao crnica, pondo em evidncia as condies deexistncia que sustentam o cuidado pelas pessoas e suasfamlias. A situao crnica demanda de ns, prossio-nais, compreender o adoecimento como modo prprio

    de experienciao da doena pelas pessoas, bem comoas situaes de vida que as inscrevem em circuitos devulnerabilidade mais ou menos abrangentes e longos, demodo a aproximarmos-nos daquilo que elas almejam co-mo sendo o melhor cuidado (4).

    Este estudo aborda a situao de adoecimento, tra-

    tamento e nitude de Beth, mulher jovem em tratamen-to para cncer de mama ao longo de cinco anos. Nessaexperincia, narrada por ela de modo intenso, chamou--nos a ateno a maneira singular com que relatava ostempos da progresso do seu cncer de mama conso-nante vivncia do tratamento a que foi submeda; emcontraponto ao esquema protocolar de tratamento parao cncer de mama que lhe foi oferecido nos servios desade. Conhecedoras que somos dos modos de organiza-o e seqenciamento dos diferentes esquemas protoco-lares de tratamento para o cncer de mama, seus relatostraziam-nos inquietao, insgando-nos a tom-los comofoco deste estudo.

    Assim, vemos por objevo compreender os reexose contrastes entre a temporalidade experiencial e o tem-po da terapuca protocolar, na vivncia de mulher jovemcom cncer de mama.

    MTODO

    Trata-se de pesquisa qualitava de abordagem com-preensiva e congura-se como Estudo de situao(3)por remeter a compreenso do que se passa no contex-to peculiar de vida da pessoa adoecida e sua famlia; e,nessa microrrealidade dado relevo as sinuosidades dasrelaes de diversas ordens tecidas durante suas vidas,

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    produzindo conformaes e modulaes prprias a cadaexperincia de adoecer e cuidar.

    Origina-se de dissertao de mestrado que objevoucompreender a experincia de mulher jovem e sua fam-lia no adoecimento e morte por cncer de mama.

    As participantes do estudo foram Beth, mulher de34 anos com diagnstico de cncer de mama aos 29

    anos, e sua famlia composta por Beatriz e Bruna, suasfilhas adolescentes, e Dona Carlota, sua me. Beth foicontactada na instituio de sade referncia em on-cologia na capital do Estado de Mato Grosso Brasil,onde realizava seu tratamento. Os critrios de inclusodo estudo consistiram em: ser pessoa com diagnsti-

    co de cncer de mama em estgio avanado e j semprognstico mdico de cura; estar em condies de seexpressar verbalmente; e, consentir, formalmente, emparticipar do estudo.

    Na recolha de dados empregamos a abordagem daHistria de Vida (HV) que nos permiu a compreenso

    do seu vivido e dos signicados que lhe atribua(5,6). Comoprevisto nessa abordagem metodolgica, a profundidadena compreenso foi possvel de ser alcanada pelo esta-belecimento de uma relao de conana entre ns, cons-truda ao longo dos nove encontros de entrevista ocorri-dos no perodo de outubro de 2011 a maio de 2012.

    Concordamos que este po de estudo se embasa no

    [...] compartilhar de emoes que possibilita o adensa-

    mento da histria de vida e o alcance de diferentes grausde profundidade e envolvimento entre pesquisadora-su-

    jeito da pesquisa, permitindo que o contar-se e o ouvir o

    outro seja uma relao mtua de cuidado e crescimento

    humano(7).

    A questo norteadora que direcionou o estudo foi:Conte-nos sobre sua experincia de vida, adoecimentoe cuidado; este contar-se se mostrou como um trabalhoavo da memria prenhe de emoes e senmentos. In -dagaes subsequentes foram sendo feitas com nalida-de de ampliar a compreenso de dimenses importantesdessa experincia. Alguns encontros de entrevista foramgravados, sendo que, em outros, pela sade frgil de Be-th e intensa diculdade de se expressar verbalmente, foirealizado o relato minucioso do encontro. A observaotambm foi empregada em cada um deles, com registro

    minucioso dos gestos, atudes, senmentos, silncios,bem como as impresses da pesquisadora.

    Para este estudo, na recolha dos dados, lanamos motambm das informaes constantes do seu pronturio nainstuio em que realizou o tratamento, cujo acesso foipermido por meio de autorizao formal. Dele obve-mos os dados sobre os muitos procedimentos diagnscose terapucos a que ela foi submeda ao longo dos cin-co anos, desde a descoberta do cncer, em 2006, at suamorte em 08/12/2011.

    O material da transcrio, na ntegra, dos encontrosgravados, juntamente com as observaes realizadas ea transcrio das anotaes do pronturio foi organi-zado no dirio de pesquisa(5),arquivo em formato Word,totalizando 86 pginas, que se constuiu no nosso corpusde anlise.

    A anlise implicou em leitura atenta e criteriosa de to-

    do material, intrigando-nos o contraste entre os temposnarrados por Beth e aquele que direciona o tratamento docncer de mama. Tais inquietaes nos permiram eviden-ciar as unidades de signicados que, em processo connuoe artesanal de depurao, possibilitou-nos elencar o eixotemco que denominamos de O tempo do tratamento eo tempo na vivncia do adoecimento por cncer de mamaem mulher jovem apresentado atravs de um quadro ediscudo no presente estudo.

    Os preceitos ticos foram atendidos integralmentee a pesquisa matricial qual este estudo se vincula foiaprovada pelo Comit de tica em Pesquisa do HospitalUniversitrio Jlio Muller, sob n 671/CEP-HUJM/09.

    RESULTADOS

    A apreenso das narravas da vida de Beth evidencioua no lineariedade do tempo vivido por ela, mostrandouma tecitura afeva desse tempo e conferindo-lhe en-cadeamento prprio. Tambm a anlise de seu pronturioapontava-nos a lgica sequenciada das diversas interven-es diagnsco-terapucas por ela sofridas. Essas duaslgicas foram organizadas, sintecamente, em um quadrodescrivo-analco (Quadro 1) com o objevo de eviden-ciar o modo to diverso de expressar a mesma realidade,

    ou seja, o tempo protocolar da terapuca e o tempo dovivido por Beth.

    No quadro expusemos, em colunas seqenciadas,a cronologia do evento anotado no pronturio de Beth,expressa em ano, ms e/ou dia; a interveno realizadadenotando a progresso clnica do cncer e as fases dotratamento; e, por m, a percepo temporal dessesacontecimentos destacada das narravas de Beth ao con-tar-nos o seu vivido, sendo que tais fragmentos se mostra-vam pungentes pela intensidade do sofrimento vivido porela. Idencamos, sequencialmente, por nmero ordinalcada evento descrito e os trechos de narravas, respec-

    vamente pela letra a e b, de modo a idenc-los naapresentao dos resultados.

    Ainda como forma de dar relevo para a pungnciaquilo que estamos designando de diferentes tempora-lidades do vivido, preservamos o modo de falar de Bethna transcrio de sua narrava destacando as diferentesentonaes com que diz certos termos ou expresses,por meio dos quais parece conferir relevo sua vivnciae denota, em relao ao tempo vivido, sua lencao ouacelerao, mais ou menos intensa.

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    Dolina JV, Bellato R, Arajo LFS

    Quadro 1- Rempo protocolar da teraputica e tempo do vivido por beth cuiab 2014.

    Cronologia Progresso clnica e fases dotratamento

    Percepo temporal dos acontecimentos por Beth

    Maio/2006 1a:diagnstico do cncer de mama. 1b: [...]a evoluiu, de repente apareceu aquele caroo e foi crescendo, crescendo,crescendo... Demor DIMAAAAAIS [os resultados dos exames]... pediuultrassom. A que depois de repenti diagnostic[...]s que difcil c sab que tcom uma doena dessa. A primeira coisa que c imagina : P, c vai morr.

    2a: quatro ciclos de quimioterapiapara reduo das margens tumorais. 2b:A come. Primero eu z quimioterapia [...]Mas o que mais me mata mesmono o cncer e sim o tratamento n. O tratamento muito agressivo... Asprimeiras quimio, em 14 dias eu j tava sem nenhum cabelo. Eu cava 15 dia emcima da cama vomitando.

    3a: cirurgia conservadora de retiradaparcial da mama

    3b:[...]depois eu z a cirurgia. A eu z a cirurgia, primera cirurgia.

    Agosto/2007 4a: quimioterapia adjuvante com seisdoses associada radioterapia.

    4b: [...] a depois disso eu quei s fazendo quimioterapia.

    5a: bipsia de linfonodo axilarcomprovatria de recidiva locoregional.

    5b:Com 30 dias o tumor apareceu novamente. [...]j tava 7, 8 cm, ele cresciamuito rpido. O tumor que eu tava cresce, cresce muito rpido, muito rpidomesmo [nfase].

    6a: mastectomia radical da mamaesquerda.

    6b:A eu operei novamente. A daqui a 30 dias novamente... Eu z quatro assim,seguido n. (referindo-se a cirurgias). E, na ltima, ele feiz... Rap at o osso,bem radical mesmo.

    Setembro/2008 7a: seis doses de quimioterapia. 7b:Eu z vrias quimioterapias, vrias sees. A trocava a medicao, a viaque o tumor num, num dava resultado, a eu trocava por outra, novamente.Ficava s trocando.

    Setembro/2009 8a: evoluo com metstase empleura e realizado seis ciclos dequimioterapia.

    8b: [...] eu num d conta, nem de and daqui ali eu num d conta[chorando], eutenho que estar segurando em algum, entendeu?

    2009 a 2011 9a: internao por trs vezes emUnidade de Terapia Intensiva, compleurodese em duas delas.

    9b: [...] eu tomava 30mg de metadona, a de 30 aument para 90mg. Eu queiat meio bobaiada, at fazia coisa que eu num lembrava, eu tava acordada e nosabia, no otro dia eu num lembrava nada. A agora meu corpo j acostum, numfaz mais aquele efeito. J come tudo de novo, as dores. Eu sinto dores terrvel,antes memo de cheg a hora de tomar eu to morrendo de dor.

    Setembro/2011 10a: internao nova pleurodese. 10b: [...] ele coloc muito alto[o dreno]e num drenava. Come du, du queeu quase morri de dor. Fic 5 dia.

    Outubro/2011 11a: solicitao por Beth de retornoao tratamento e considerada fora depossibilidade de cura. Procura poroutro prossional de sade.

    11b:A, dotor Jair num queria faz mais nada comigo. - Ah dotor Jair, enquantoh vida, h esperana. Num vai faz nem mais quimio? No, num vo fazmais quimio [...]A passei pelo dotor Luis, de quimio, como a especialidadedo dotor Jair n. Tive que ca outro. A fui l, ele fal que, por enquanto, elenum vai faz quimioterapia porque eu to assim, n [refere-se fadiga, diculdaderespiratria e dor que estava sentindo]

    06/12/2011 12a: internao devida intensadiculdade respiratria.

    12b:O que t acontecendo comigo?.

    08/12/2011 13a: parada cardiorrespiratria combito constatado s 6:30 horas.

    13b: Beatriz - mensagem via telefone celular- minha me morreu

    Para dar maior organicidade e clareza s idias aqui

    apresentadas, optamos por, inicialmente, descrever demodo minucioso o quadro, pois reporta correspondn-

    cia dos tempos diferenciados a parr dos quais depreen-

    demos algumas interpretaes acerca da temporalidade.

    Em momento posterior faremos o dilogo com autoresque nos possibilitam ampliar tais interpretaes.

    Beth foi por ns contactada em outubro de 2011 e es-

    tava, a poca, com 34 anos, e h cinco, ou seja, aos 29

    anos, havia percebido um caroo na mama esquerda

    (quadro 1, 1b) iniciando, ento, a busca por diagnsco,

    com realizao de inmeros exames. Na sua percepo,

    levou demasiado tempo para darem-lhe resposta. Na des-crio desta busca Beth imprime um compasso diferencia-

    do narrava, com repeo das palavras para denotar o

    crescimento connuo e acelerado do tumor; ou, diz-las

    de forma cantada, expressando distenso do tempo trans-

    corrido entre a realizao do exame e seu resultado.

    Em maio de 2006, Beth recebeu o diagnsco de cn-

    cer de mama (quadro 1, 1a), constando, em seu pronturio,

    o po triplo negavo e em estadio III; ou seja, massa tu -

    moral maior que cinco cenmetros, localmente avanada.

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    Diferentes temporalidades no adoecimento por cncer de mama

    Dolina JV, Bellato R, Arajo LFS

    Tratava-se de um po de cncer de mama que acometemulheres mais jovens, antes da menopausa e , geralmen-te, mais agressivo e com pior prognsco. Corresponde a,aproximadamente 15%, dos cnceres de mama invasivos,e tem por caractersca no responder a tratamentos queulizam medicamentos direcionados a especcos alvosmoleculares e a terapucas hormonais(8).

    Ao receber seu diagnsco, Beth o signicou comosentena de morte, dicil de aceitar. Ao nos contar sobreessa fase, aps alguns minutos em silncio, retomou suahistria como se esvesse tomando flego, e nos disse:A comeou... (quadro 1, 2b), ao que sobreveio uma en-xurrada de rememoraes relavas sua peregrinaoem busca dos procedimentos terapucos, conformadaem um perodo temporal indenido, mas que, primeiraimpresso, pareceu-nos concentrada em curto lapso tem-poral.

    No mesmo ano de 2006 Beth iniciou quimioterapia(quadro 1, 2a) para reduo das margens tumorais antes

    do procedimento cirrgico. O primeiro ciclo durou em tor-no de trs meses, com quatro doses de quimioterpico in-tercaladas por 21 dias. O perodo entre o incio deste tra-tamento e a primeira cirurgia de cunho conservador pararerada parcial da mama que se submeteu, narradocomo se houvesse certa contrao do tempo em poucassemanas (quadro 1, 2b), circunscrevendo o incio das se -es de quimioterapia e a realizao da primeira cirurgiaem uma nica frase. J, ao contar sobre os efeitos cola-terais dos quimioterpicos, ela se detm nas descries,enfazando a queda rpida de seus cabelos e o vmitocoercivo. Confere, desta forma, o status de doena aotratamento, armando que o que mais mata mesmo o

    tratamento.

    Em agosto de 2007 Beth realizou mais seis doses dequimioterapia intercaladas por 21 dias, agora, associada radioterapia (quadro 1, 4a). Com o trmino deste esque-ma, e passados mais de seis meses desde a primeira cirur-

    gia, Beth teve recidiva loco-regional, do cncer de mama ecompromemento de linfonodos prximos a axila (quadro1, 5a). Aps a bipsia comprobatria submeteu-se a mas-tectomia total de mama esquerda com esvaziamento delinfonodos axilares correspondentes.

    Este perodo transcorrido da primeira cirurgia, bipsia

    e mastectomia total foi vivido por Beth num condensadotemporal, dado o emaranhado e intensidde dos sofrimen-tos e peregrinaes em busca por tratamento. Nesse con-densado, procedimentos sequenciados e intervalados notempo segundo protocolo terapuco especco para seupo de cncer foram, por ela, ressignicados como con-guos, suprimidos os intervalos e dando nfase ao prpriocncer em sua velocidade voraz de crescimento. Dessemodo ela emprega, em sua narrava, a repeo de pala-vras para dar sequenciamento e acelerao ao seu tempovivido (quadro 1, 5b, 6b).

    Nesta vergem de acontecimentos como se Bethesvesse correndo contra algo que no pudesse alcanarnem deter, pois o tumor que eu tava cresce, cresce muitorpido, muito rpido mesmo. Beth tambm nos traz algu-mas imagens alegricas que evidenciam sendos bastan-te marcantes do seu vivido, tais como, rapou at o osso,bem radical mesmo, que emprega para dizer da radica-lidade da lma cirurgia que foi submeda e, especial-

    mente, sua compreenso do cncer incrustado em seusossos, no sendo mais apenas o caroo inicial.

    Em setembro de 2008, Beth recebeu mais um esque-ma de quimioterapia, novamente em seis doses interca-ladas por 21 dias. Para ela, ter que se submeter a diver-sos esquemas quimioterpicos nesse perodo, signicouque o tumor no dava resultado e por isso, fcava strocando as medicaes empregadas (quadro 1, 7b). Elaexpressa, por esta forma, que esta experincia se deu demodo reiterado em termos de sofrimento e inmeras in-

    certezas.

    Transcorrido um ano aps este lmo esquema de qui-mioterapia, foram detectadas clulas cancergenas no pul-mo de Beth e diagnscada metstase em pleura (quadro1, 8a), conforme anotado em seu pronturio. Novamentefoi submeda mais seis doses de quimioterapia. Porm, aesta altura, transcorridos trs anos desde o diagnsco ini-cial e tendo recebido inmeros esquemas terapucos, jse encontrava fraca e debilitada. Ela tambm teve derramepleural, o que dicultava sua respirao e a fazia senr-secansada durante todo tempo, precisando de auxlio para re-alizar qualquer avidade (quadro 1, 8b).

    Durante mais dois anos Beth sofreu com os efeitos do

    derrame pleural e necessitou ser internada trs vezes emUnidade de Terapia Intensiva para realizao de pleuro-dese, para alivio da intensa diculdade respiratria. Almdisso, precisava conviver com os efeitos colaterais dasmedicaes sedavas empregadas para minimar a dorintensa, como a morna, o que a fazia senr-se sonolen-ta durante o dia e esquecer-se de coisas que havia feitoou dito (quadro 1, 9b). A intensidade dolorosa expressapor Beth como dor terrvel e estar morrendo de dor(quadro 1, 9b), incluindo tambm aquela resultante deprocedimento mdico, tal como pleurodese que foi sub-meda em setembro de 2011, na qual a sensao de dorfoi associada morte (quadro 1, 10b).

    Em outubro de 2011 o mdico que a acompanhava co-municou-lhe a impossibilidade de connuar o tratamento,dada a situao fora de possibilidades terapucas emque se encontrava (quadro 1, 11a). Inconformada, ela pro-curou outro prossional mdico que, se no lhe deu espe-rana, pelo menos no a rerou de vez, anunciando queseria aguardado um tempo para que outras tentavas fos-sem feitas (quadro 1, 11b). O tempo, assim, apresentou--se, nalmente, como um aliado de sua esperana, aindaque inconcrezvel.

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    Diferentes temporalidades no adoecimento por cncer de mama

    Dolina JV, Bellato R, Arajo LFS

    Em seis de dezembro de 2011 Beth foi internada pelalma vez devido intensa diculdade respiratria (quadro1, 12a). Um dia aps sua internao, abada, cansada eextremamente ansiosa, Beth ainda conversou conosco,expressando seus senmentos com relao a seu estadode sade. Percebemos que, talvez pela primeira vez, eladesejava realmente saber o que se passava, pois, repeualgumas vezes a mesma pergunta: O que t acontecen-

    do comigo? (quadro 1, 12b). Neste dia Beth teve suapergunta respondida da maneira mais calma, tranquila eapoiadora que nos foi possvel. A conversa que seguiu en-tre ns aps esta pergunta durou, aproximadamente, trshoras e, nela, poucas palavras foram necessrias, mos-trando que o tempo, nalmente, podia transcorrer maisdocemente para ela. Na manh do dia seguinte, oito dedezembro de 2011, Beth teve parada cardio-respiratriae morreu (quadro 1, 13a), sendo-nos transmida a no-cia por sua lha Beatriz, via mensagem de telefone mvel(quadro 1, 13b).

    Encerrava-se, assim, uma vida curta em sua durao,

    mas longa e intensa em seu vivido, pois Beth teve muitas his-trias e experincias para parlhar. Com a proximidade desua morte, os momentos vividos no passado tomaram outra

    dimenso e passaram a ter diferentes valoraes e tempos,num processo de resignicao, amplicado ou concentra-do, em meio a muito sofrimento, tornando-o nico.

    DISCUSSO

    Ao dispormos, sinteticamente em um quadro, acronologia da evoluo do cncer, enfatizando sua pro-gresso clnica e fases do tratamento, contrastando-acom a perspectiva de Beth na vivncia do adoecimento

    e tratamento, tornou-se possvel conferir visibilidadesa dimenses que, de outro modo, no se dariam a co -nhecer. Evidenciamos os sentidos atribudos ao tempopor Beth, como se as dores, peregrinaes e intensasreaes s inmeras teraputicas e procedimentos ti-vessem transcorrido em pouco tempo, destarte o per-odo de cinco anos de tratamento. Decerto que o sofri-mento, intensamente vivido, parece contrair o prprio

    tempo ao espraiar-se e preencher substantivamente avida de Beth, sendo experienciado por ela num con -densado temporal.

    Para comprendermos a vivncia de Beth quanto ao

    tempo do seu adoecer e morrer e as fases de evoluodo cncer e do sequenciamento da conduta terapu-ca para sua remisso, apoiamo-nos em Gaston Bache-lard, lsofo francs, por nos oferecer a compreensodo tempo sensvel, que nos pareceu o mais prximodaquilo que pudemos apreender das narravas de Be-th. Para o estudioso, longe da homogeneidade do tempocronolgico, sua apreenso subjeva se faz por exten-ses diferenciadas, pois s encontramos uma extensono tempo quando o julgamos longo ou curto demais.Mais ainda,

    [...] o acontecimento vem assim ao mesmo tempo satis-

    fazer e frustrar nossa espera, justicar a continuidade da

    localizao racional vazia e impor a descontinuidade dasrecordaes empricas [...]. Contradizendo-nos, o aconte-

    cimento se xa em nosso ser(9).

    Conforme j ressaltamos, o tempo do cncer e do tra -tamento, que estamos aqui nomeando de tempo proto-colar da terapuca bastante estudado, tornando-se

    consagrado em sua marcao atravs das doses, quersejam de medicamento, de radiao, ou de procedimento

    cirrgico. O tempo, assim, escansionado em uma lgicaexterna ao doente e, por mais que se arme ser um tra-tamento individualizado, apenas o em relao a doen-a, mas no no que se refere a vida da pessoa doente.

    O tempo experiencial, no entanto, bastante diverso semostra, embora se faa a parr da vivncia do adoecimen-to por cncer e, nele, do seu tratamento. A lgica do vivido,na simultaneidade de acontecimentos mobilizadores deintenso sofrimento que o cncer produz, deforma e recon-forma o tempo em outra dimenso, no linear, por certo.

    Autora(10), ao expor sobre as metforas do cncer, ochama de eufemismo-padro, por caracterizar-se comodoena de longo curso, que age devagar e de modo trai-oeiro. Contudo, para Beth, esse tempo foi rememoradocomo clere e, aliada a rapidez, a intensidade de seu cres-cimento e voracidade de suas manifestaes, foi expressode modo muito enfco, dando vida prpria ao cncer.Decerto o sofrimento, preenche a vida de Beth aguando--lhe a percepo de um tempo que se contrai, ajustadopela intensidade do sofrimento vivido. assim possvelcompreender que [...] o ser alternavamente perde eganha no tempo; a conscincia se realiza nele ou nele se

    dissolve. impossvel, portanto, vivenciar o tempo total-mente no presente(9).

    Nessa lgica, os cinco anos de tratamento foram tointensos e sofridos para Beth que os relata num intrincadode acontecimentos, dando nfase recorrncia de algunsprocedimentos, numa temporalidade prpria, ressigni-cada e rememorada numa lgica afeva do tempo, ouseja, daquilo que a afetou, de modo profundo, tocando-ae impregnando sua memria. Assim, embora sua histriafosse a ns narrada no presente, trazia do passado o mo-do sofrido como foi vivido o tempo por ela.

    Entendemos, dessa forma, que o pluralismo de acon-

    tecimentos contraditrios pode se constuir em simulta-neidades ordenadas em uma lgica interna prpria (9); e,nela, o tempo j no corre, mas jorra. E, ainda que maisdilatado o tempo da evoluo do cncer e seu tratamento,a percepo, por Beth, de sua contrao se faz por cone -xo direta aos afetamentos que trouxe sua vida.

    Em contraposio, o tempo objevo do tratamentodo cncer produz um mapa temporal consubstanciado noprotocolo dentro do qual um esquema terapuco de-ve ser seguido, rigorosa e sequencialmente, em seu esta-

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    belecimento de dias e/ou semanas, para se saber de suaeccia; e, em caso de resultado no sasfatrio, outroseqenciamento iniciado. Mas, meses, dias, horas noso, meramente, unidades temporais matemcas, massim, marcao de vivncias, tanto mais intensas quantomais sensveis se apresentem. Assim, o que faz o carterafevo da durao, a alegria ou a dor de ser, a proporoou a desproporo das horas de vida ulizadas como hora

    de pensamento ou como hora de simpaa(9).

    Beth, ao nos narrar sua vivncia do cncer, nos conta-va sobre o seu viver de modo amplo, dele fazendo parte oadoecer, bem como o morrer como possibilidade concre-ta. Assim, o viver e morrer se mostravam como percep-es temporais em confrontao, posto que, se o segui-mento do protocolo terapuco buscava afastar a morte,tambm promovia outro modo de viver, escancionado porum tempo externo que era necessrio internalizar. E ela ofez em sua prpria lgica, atribuindo-lhe signicados dife-renciados a cada etapa do protocolo, na medida mesmado sofrimento que lhe impingia. Sobre essa experincia

    sensvel do tempo, podemos compreender que[...] a conscincia do tempo sempre, para ns, uma

    conscincia da utilizao dos instantes, sempre ativa,nunca passiva em suma, a conscincia de nossa dura-

    o a conscincia de um progresso de nosso ser ntimo,seja de progresso efetivo, imitado ou, ainda, simplesmen-

    te sonhado(11).

    Embora a submisso de Beth ao protocolo terapucose zesse de maneira passiva, visto que era traado pelosprossionais de sade, de acordo com as especicidadesdo seu cncer e da resposta a cada esquema proposto; elao vivenciava de maneira ava, agindo e reagindo, intensa-

    mente, aos efeitos e sofrimentos que lhe causavam. Por-tanto, no bojo mesmo dos afetamentos e conseqentesaes e reaes que ela conformava a escanso do tempopor ela vivido. dentro dessa lgica, e apenas nela, quenos possvel compreender suas narravas, posto que se-ja dessa vivncia que ela trata.

    Assim, no nos coube aqui julgar e/ou confrontar ostempos protocolar e o experiencial, mas d-los a perce-ber, cada um em sua lgica prpria, tendo como realidadea situao de adoecimento de Beth. Apoiamo-nos, ainda,em Ayres para dar relevo ao que nos foi possvel apreen -der dessa vivncia, que deixa aclarada a necessidade de

    que relao do prossional de sade com a pessoa ado-ecida por cncer conforme-se em uma relao de cuida-do, e no meramente de interveno para a cura:

    [...] o modo como aplicamos e construmos tecnologias

    e conhecimentos cientcos determina limites para o que

    podemos enxergar. [...] Se assumimos tambm que as

    respostas necessrias para alcanar a sade no se res-

    tringem aos tipos de pergunta que podem ser formuladas

    na linguagem da cincia, ento a ao em sade no po-

    de se restringir aplicao de tecnologias. Nossa inter-

    veno tcnica tem que se articular com outros aspectos

    no tecnolgicos. No podemos limitar a arte de assistir

    apenas criao e manipulao de objetos(12).

    Sendo assim, concordamos que o cuidado prossionalao ser humano vivenciando seu nal de vida, congura-seem atude-disposio para estar junto ao outro, de fatoe por inteiro, cuidando no viver, do viver e para o viver(7).

    CONCLUSO

    Damos relevo, inicialmente, ao emprego proveitoso esensvel do recurso de exposio, em quadro analco-sin-tco, dos tempos da evoluo do cncer e da condutaprotocolar terapuca, bem como das narravas de Bethsobre o seu vivido. Essa estratgia, embora a um primei-ro olhar, parea ressaltar a confrontao de tais tempos,

    mostrou sua potencialidade compreensiva no estudo aoconferir visibilidade a dimenses que, de outro modo, nose dariam a conhecer. Assim, pudemos colocar em evi-dncia os sendos atribudos ao tempo por Beth, comose as dores, peregrinaes e intensas reaes s inmerasterapucas e procedimentos, vessem transcorrido emum condensado temporal para ela, destarte o perodo decinco anos decorridos entre o diagnsco e sua morte.

    Tal visibilidade reforou-nos a compreenso de que avida no linear e nem vivida de forma sequenciada emmomentos disntos; mas se faz pelo entrelaamento dosacontecimentos vividos que, embora possam estar afas-tados temporalmente, guardam vinculao estreita entresi, com reverberaes naquilo que est sendo vivido nopresente.

    Armamos a necessria considerao, pelos pros-sionais de sade, deste tempo vivido por cada pessoa,

    pautado em intenso sofrimento do adoecer e tratar-se,

    conferindo pessoalidade indispensvel terapuca pro-tocolar do cncer. Apontamos ser imprescindvel que osprossionais estejam implicados no cuidado, no visandosomente cura, mas guiando-se pela compreenso hu-mana do viver, nele estando implcito, tambm, o adoecer

    e o morrer, constuindo-se no cuidado da vida.

    Ponderamos, por m, ser importante a realizao deoutros estudos de situao, que possibilitem apreenderos sendos e signicados atribudos pela pessoa ao seuadoecer, tratar-se e morrer por cncer, apontando modosmais efevos de cuidado e amparo ao seu sofrimento.

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    Correspondncia: Roseney BellatoAv. Anita Garibaldi, Rua B n 85 - Jardim UniversitrioCEP 78075-190 - Cuiab, MT, [email protected]