Tema: Consumo Consciente Revista: Consumidor Moderno Nº 184

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setembro 2013 CONSUMIDOR MODERNO | 129 CONSUMOO CONSUMO É BENÉFICO PARA A SOCIEDADE, AS EMPRESAS E O CRESCIMENTO DO PAÍS. E NÃO DEVE SER DESESTIMULADO, MAS ENCARADO COMO PARCEIRO DA SUSTENTABILIDADE CONSUMOCONSCIENTE OFERECIMENTO 128 | CONSUMIDOR MODERNO setembro 2013 POR MELISSA LULIO Diversos fatores positivos mar- caram o Brasil dos últimos anos: as- censão econômica, maior poder de compra, aumento da concessão de crédito. As classes C e D que, antes, não tinham acesso a um grande nú- mero de marcas, passaram a comprar mais e a ter, no mínimo, ítens básicos, na busca de mais qualidade de vida. A política econômica na qual o go- verno se baseou nos últimos anos foi o que possibilitou essa mudança na realidade econômica das famílias bra- sileiras. “O governo fez um esforço grande no sentido de manter o cres- cimento econômico com o estímulo ao consumo, principalmente incen- tivando e facilitando a obtenção de crédito. A redução da taxa Selic, que agora volta a subir, foi acompanha- da da queda nas taxas de juros como um todo. Isso permitiu, ao cidadão, um acesso maior ao crédito”, garan- te José Afonso Mazzon, professor da Faculdade de Economia, Adminis- tração e Contabilidade da Universi- dade de São Paulo (FEAUSP). O consumo exacerbado, no en- tanto, é muito contestado por aque- les que defendem uma sociedade mais sustentável. Colocam-se algu- mas questões: É possível que uma sociedade altamente consumista seja sustentável? Por outro lado, reduzir o consumo, em busca da diminui- ção do descarte de resíduos, afetaria o crescimento econômico do País? Como as empresas podem ser bene- ficiadas por um momento que pede mais sustentabilidade? “Acredito que existe uma con- tradição porque, ao mesmo tempo COM SUPERVISÃO DE GISELE DONATO MENOS É MAIS (NEM SEMPRE)

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Artigo com varias opiniões sobre consumo consciente

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consumoconsciente

O cOnsumO é benéficO para a sOciedade, as empresas e

O crescimentO dO país. e nãO deve ser desestimuladO,

mas encaradO cOmO parceirO da sustentabilidade

cOnsumOcOnsciente

oferecimento

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P o r M e l i s s a l u l i o Diversos fatores positivos mar-caram o Brasil dos últimos anos: as-censão econômica, maior poder de compra, aumento da concessão de crédito. As classes C e D que, antes, não tinham acesso a um grande nú-mero de marcas, passaram a comprar mais e a ter, no mínimo, ítens básicos, na busca de mais qualidade de vida. A política econômica na qual o go-verno se baseou nos últimos anos foi o que possibilitou essa mudança na realidade econômica das famílias bra-sileiras. “O governo fez um esforço grande no sentido de manter o cres-cimento econômico com o estímulo ao consumo, principalmente incen-tivando e facilitando a obtenção de crédito. A redução da taxa Selic, que agora volta a subir, foi acompanha-da da queda nas taxas de juros como um todo. Isso permitiu, ao cidadão, um acesso maior ao crédito”, garan-te José Afonso Mazzon, professor da Faculdade de Economia, Adminis-tração e Contabilidade da Universi-dade de São Paulo (FEAUSP).

O consumo exacerbado, no en-tanto, é muito contestado por aque-les que defendem uma sociedade mais sustentável. Colocam-se algu-mas questões: É possível que uma sociedade altamente consumista seja sustentável? Por outro lado, reduzir o consumo, em busca da diminui-ção do descarte de resíduos, afetaria o crescimento econômico do País? Como as empresas podem ser bene-ficiadas por um momento que pede mais sustentabilidade?

“Acredito que existe uma con-tradição porque, ao mesmo tempo

C o M s u P e r v i s ã o d e G i s e l e d o n a t o

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em que precisamos de riqueza – afinal as pessoas querem viver bem, querem conforto – a sustentabilidade é uma necessidade”, afirma o filósofo Luiz Felipe Pondé.

O país e O cOnsumOO consumo é apenas uma das

variáveis que afetam a evolução do Produto Interno Bruto (PIB) de uma nação. Em 2012, o crescimento do Brasil foi incentivado pelo con-sumo das famílias. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a despesa de con-sumo das famílias cresceu 3,1% no ano passado, em comparação com 2011. E, embora o crescimento eco-nômico não dependa apenas desse fator para ser alavancado, é evidente

que, se o interesse pelas compras cair, a economia sofrerá consequências. “Se o consumo como um todo diminuir no Brasil em função, por exemplo, da inflação, isso pode, evidentemente, afetar o crescimento econômico”, afirma Mazzon. O professor explica que a queda de consumo impactaria o crescimento do PIB porque, como em um efeito dominó, cairia também a produção e o número de pessoas empregadas. “O desemprego geraria desconfiança e incerteza na economia. Assim, os investimentos também seriam derrubados.”

Na contramão do consumo desenfreado, a sustenta-bilidade – em um conceito que vai além da diminuição do descarte de resíduos e das compras – tem espaço em pequenos nichos da sociedade. E, assim, ainda não arris-ca os indicadores de consumo. Lincoln Paiva, presidente do Instituto Mobilidade Verde, acredita que a troca ou o compartilhamento de produtos – alternativas sustentá-veis em substituição ao consumo – ainda são iniciativas discutidas por pequenos nichos. “Essas discussões ainda não acontecem em massa e não afetam a maior parte da

sociedade brasileira. Um grande nú-mero de pessoas começou a entrar no mercado consumidor nos últimos cinco anos. Ainda há cerca de 30% da população na linha de pobreza e 10% em pobreza extrema. Com a redu-ção desses números, nos próximos 30 anos haverá uma grande massa que vai consumir como os americanos de hoje” defende.

João Francisco de Carvalho Pin-to Santos, sócio-diretor da The Key, defende que a geração de empregos e riqueza de um país não está ne-cessariamente atrelada ao consumo. “Há modelos em países que, mesmo consumindo menos, geram PIB. A ri-queza está se concentrando em siste-mas que conseguem produzir conhe-cimento”, diz. Um novo momento

Quando vou CoMPrar Móveis, ProCuro saber

sobre a oriGeM da Madeira. Quanto ao desCarte de

Celulares e baterias usados, verifiCo seMPre se a PróPria

eMPresa indiCa loCais ou forMas Para o desCarte. a

sustentabilidade é alGo Que Considero iMPortante na

esColha de uMa MarCa, é uM diferenCial

thiago Bacheschi, 26 anos, relações púBlicas

ao CoMPrar uM Produto ou esColher uMa MarCa, não

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Que Produtos sustentáveis são Muito Caros. as saColas

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38 anos, aDministraDora

“ainDa há cerca De 30% Da população na linha De poBreza e 10% em poBreza extrema. com a reDução Desses números, nos próximos 30 anos haverá uma granDe massa que vai consumir como os americanos De hoje”lincoln paiva, Do instituto moBiliDaDe verDe

eu não Mudaria Meus CostuMes Pela Questão da sustentabilidade. o Que não siGnifiCa Que

vou exaGerar na falta de Consideração CoM as Causas aMbientais.

ou seja, não vou lavar a Calçada

CoM a ManGueira, não vou deixar a

torneira liGada à toa. Mas não Penso

eM sustentabilidade Quando vou às CoMPras

caio lafayette, 24 anos, técnico em planejamento

De transportes

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consumoconsciente

2012 8,44%2011 6,65%2010 10,89%2009 5,88%2008 9,13%

Variação do volume de vendas do varejo

Fonte: IBGE

2012 11.991.5712011 10.180.4482010 8.384.2622009 6.933.4772008 8.992.169

saldo da carteira de crédito de pessoas físicas, em milhões

Fonte: Banco Central do Brasil

mostra que a economia está se reinventando. É necessário que a sustentação aconteça por meio da inovação. “O Brasil precisa investir em tecnologia, pois a economia não pode mais se sustentar com essa antiga ideia industrial de que a queda do consumo geraria desemprego.”

Os meiOs e O fimA sociedade de consumo ainda não foi capaz de ab-

sorver, de forma equilibrada, o conceito de sustentabili-dade. “O desenvolvimento de uma sociedade mais equi-librada passa pela diminuição do consumo, mas esse não é um fator que garantiria, sozinho, esse ideal”, afirma Santos. Esse é apenas um item entre um conjunto de ações que vão ter que se desenvolver. “Acredito que, para darmos esse salto, um dos componentes principais é a tecnologia”, defende. É positiva a mudança de hábitos de consumo, a opção por um descarte de lixo direcionado, reutilização e reúso, além da conscientização da sociedade. Mas es-sas alterações atingem uma camada muito superficial. “Se 100% da população mundial reciclasse seu lixo, ainda seria muito pouco. Há certas questões mais profundas ligadas ao dilema de sustentabilidade, como aquecimento global, consumo de energia, questões de água e agrícola, além do lixo industrial”, pondera Santos.

Não é suficiente consumir menos. São necessárias ações em cadeia que valorizem, em direção à sustenta-bilidade, ao sistema de produção e ao consumo. “O que vai fazer isso acontecer são operações mais radicais e de profundidade. Desde regulamentações que proponham punições e incentivos até o modelo de pensar negócios das empresas, que precisam colocar a sustentabilidade no centro da estratégia, de fato”, afirma Santos.

“Cada vez mais o consumidor e a sociedade estão conscientes de que os recursos do planeta são finitos e que o ritmo de consumo precisa ser dosado. A transparência e a consciência ganham força nas decisões de compra. Con-ceitos de compartilhamento, troca e reutilização ganham pontos sobre o método tradicional de consumo”, afirma Luis Rasquilha, CEO da AYR Worldwide.

Estudante de arquitetura e urbanismo, a vegeta-riana Natália Andrade confessa que, no dia a dia, evita comprar ovos de granjas. “Esses alimentos são produ-zidos em escala industrial com utilização de aditivos para o aumento da produtividade e com o confina-mento das aves, portanto, sem o mínimo respeito ao bem-estar animal”, defende. Aos 20 anos, ela afirma que faz parte de uma geração que tem mais informa-ções sobre aquilo que consome. Natália não pretende, de maneira geral, deixar de consumir, mas acredita que é importante que o consumo esteja atrelado a uma produção sustentável.

“Por um lado, acredito que o tema da sustentabilidade seja um sonho, uma espécie de marketing do bem. Por

um novo momento

mostra que a economia

está se reinventanDo. é necessário

que a sustentação

aconteça por meio Da

inovação

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croempresas familiares, é positiva para o aumento do consumo e o desen-volvimento sustentável da economia. Nesse sentido, o conceito de susten-tabilidade vai além da questão ecoló-gica e entra na questão social. A ideia é que a economia e o desenvolvi-mento do País cresçam não somente no PIB, mas também na qualidade de vida das famílias. O modelo de ne-gócio social, por exemplo, é utilizado como meio de inclusão atrelada ao desenvolvimento de produtos e em-preendedorismo – que geram renda e incentivam o consumo.

Como afirma Mazzon, nos úl-timos anos o Brasil pode assistir à ascensão econômica das classes C e D. Elas, no entanto, investiram em produtos voltados para necessidades básicas ou essenciais, corresponden-do às políticas sociais e de incentivo ao crédito, praticadas pelo governo. A necessidade, naturalmente, veio primeiro na lista de produtos a se-rem consumidos.

Questionado sobre a relação entre poder aquisitivo e qualidade de vida, Santos ressaltou que asso-ciar questões como capacidade de consumo e educação é muito arris-cado. “É necessário ter cuidado ao fazer uma relação entre consumo e educação. Os EUA, por exemplo, são um país altamente consumista. Isso faz parte da cultura. O nível de educação no país é alto e compra-se muito”, compara. No entanto, aqui no Brasil, mesmo com a ascensão de classes antes próximas da margem social, a educação não melhorou. “O ensino de base, que é prioritário para o desenvolvimento social sus-tentável e prolongado, não mostrou evolução”, defende. Empresas, go-vernos, entidades e toda a sociedade devem atuar juntos. E, como sem-pre, a solução requer cooperação, criatividade e capacidade de inova-ção para encontrar o equilíbrio ide-al. Para todos.

outro lado, combate um ciclo vicioso, e perigoso, que é a insustentabilidade do projeto humano. Mas não acredito que a gente consiga uma inserção completa no conceito de sustentabilidade porque isso significaria uma perda de todos os avanços técnicos que a gente tem. E de confor-to”, afirma Pondé.

crescimentO encadeadOO caminho para um modelo de inovação, que permi-

ta o livre consumo das famílias, o crescimento do PIB e o lucro das empresas, em dado momento se tornará indis-pensável. Como afirma Paiva, o consumo é fundamental para a sustentação da economia – não apenas no Brasil. “As empresas sempre foram e sempre serão fundamentais para o equilíbrio econômico. Esse fator cresce cada dia mais. Hoje, se a Europa está em crise, o lucro pode ser obtido nos países em desenvolvimento”, diz.

No dilema entre consumo e sustentabilidade existe enorme espaço para as empresas. “Por meio da auten-ticidade e transparência as empresas podem se adequar ao conceito, sem que haja perdas. O DNA das empre-sas ainda não engloba a sustentabilidade. Essa inclusão, no

entanto, não precisa ser feita de maneira complexa. As ideias mais simples são as mais eficazes e a criatividade deve ser um bom aliado dessa equa-ção entre consumo consciente e sustentável”, defende Rasquilha. “Quando olhamos para o futuro e enxergamos as tendências, consegui-mos ver que a ecossustentabilidade aponta vários caminhos para que a sustentabilidade e o lucro caminhem juntos. É previsto que, em 2030, esse modelo gere algo em torno de 25 milhões de empregos e bilhões em transações financeiras”.

“Eu creio que se pode pensar em mo-dos de regulamentação sem que isso diminua

a produção de riqueza e de conforto – que é o que as pessoas querem, por mais que neguem”, afirma Pondé. O filósofo defende, ainda, que “qualquer saída é viável desde que não afete o di-reito ao consumo, que é uma das maiores formas de liberdade contemporânea”.

eles querem cOmprarExiste ainda uma parcela da população que

não consome como poderia. Paiva afirma que, para conciliar consumo e sustentabilidade, a me-lhor maneira é criar políticas de educação e tra-balho. De acordo com o presidente da Mobili-dade Verde, a diminuição da desigualdade social, por meio da geração de renda por meio de mi-

“a socieDaDe está consciente De que os recursos Do planeta

são finitos e que o ritmo De consumo precisa ser DosaDo

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