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A variação linguística na linguagem oral e escrita

Solange Nunes1

Claudia Mendes Campos²

Resumo

Este artigo tem como objetivo relatar as atividades desenvolvidas com alunos da EJA (Educação de Jovens e Adultos) e é parte integrante da conclusão do curso de formação continuada dos professores da rede pública de ensino proporcionado pelo Governo do Estado do Paraná, por meio do Programa de Desenvolvimento Educacional/PDE 2010. O artigo apresenta a variação linguística que ocorre na língua materna. Considera a linguagem do meio rural e urbano, abordando as variedades oriundas do grupo social do falante: a família, a escola, a igreja entre outros. Esta obardagem ocorreu através de atividades realizadas em sala e em ambiente extraclasse, enfatizando-se a importância de se conhecer a língua padrão, bem como saber articular-se com elementos argumentativos adequados às situações de seu cotidiano. Fez parte essencial na aplicação do projeto, permitir aos alunos uma reflexão sobre o uso da língua padrão e a variação linguística.

Palavras-chave: Variação linguística. Preconceito linguístico. Ensino democrático.

Introdução

Este artigo é parte integrante no processo de conclusão do curso PDE-

2010(Programa de Desenvolvimento Educacional) oferecido aos professores da

rede pública de ensino, pelo Governo do Paraná. Ao participar deste curso escolhi a

linha de pesquisa com o tema linguística aplicada ao ensino da Língua Portuguesa.

O curso iniciou em agosto de 2010 com aulas expositivas ministradas por

diversos professores de várias Universidades, com as quais o Governo realizou

parcerias. Foi orientado para que se elaborasse um projeto dentro da linha de

pesquisa escolhida. Este projeto foi orientado por pesquisadores das Universidades.

Em seguida realizou-se a implementação do Projeto Pedagógico na Escola com os

alunos da EJA (Educação de jovens e adultos). Neste momento surgiu a

oportunidade de pesquisar a variação linguística presente em sala de aula, relatando

as dificuldades que os alunos têm ao expressarem-se em seu cotidiano, bem como

oportunizar situações em que os alunos reconheçam as variedades linguísticas e

também a linguagem padrão em diversos momentos.

1 Professora de Língua Portuguesa e Inglesa. Atualmente ministra aulas no Ensino Fundamental e Médio, assim

como na modalidade EJA( Ensino de Jovens e Adultos), em Curitiba-PR.

² Professora Doutora e Chefe do Departamento de Linguística, Letras Clássicas e Vernáculas da UFPR.

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Este público alvo (alunos EJA) traz presente na sua língua materna uma

marca de variações importantes, pois a maioria tem idade superior a 18 anos, vem

de regiões rurais, e estão em Curitiba em busca de melhores condições sociais de

vida. Em busca de empregos, veem-se obrigados a retomar os estudos para a

conclusão de etapas inacabadas por muitos motivos. Ao deparar com a sala de aula

e um novo grupo social, este aluno, na maioria das vezes se retrai, evitando sua

participação direta nas discussões em sala de aula. Alega não saber ler, nem

escrever e até mesmo diz não saber “falar direito”. Evita fazer leitura em voz alta, ir

ao quadro. Espera um dia “ser melhor” para então poder participar melhor das aulas.

Percebe-se aqui que o retraimento deste aluno se deve a sua origem humilde; o fato

de ter interrompido seus estudos há tempo; seu modo de ser e de falar, o que pode

gerar certa insegurança em relação à receptividade do grupo. Geralmente este aluno

é um adulto que fala com marcas de variações linguísticas características do seu

grupo de origem.

Por estes motivos, existe a necessidade de valorizar este aluno, resgatando

sua autoconfiança e incentivando-o a prosseguir seus estudos. É fundamental

mostrar ao aluno que é natural a presença das variações linguísticas e também o

uso da linguagem padrão. Observamos que existe o preconceito lingüístico e que

deve ser combatido, oportunizando a todos um ensino democrático. Deste modo, foi

elaborado um material didático para servir de orientação as práticas pedagógicas do

professor, visando aos objetivos do projeto.

A variedade linguística

Há um mito de que a língua portuguesa possui uma unidade que se estende

por todo o território nacional. Bagno (2003 p.17) afirma que esse mito “tem sido

prejudicial à educação” porque impõe uma norma como se fosse a única e

desconsidera as outras variedades (Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa,

2007).

O Brasil possui uma extensão territorial muito ampla, o que explica a

presença das diversas variantes linguísticas que existem no país. Isto se deve a

vários fatores históricos, sociais e culturais presentes nas diversas regiões. Ao

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estudarmos as variações linguísticas, compreendemos que, apesar de falarmos a

mesma língua, falamos com características únicas, as quais nos diferenciam uns dos

outros. Os indivíduos se expressam de formas diferentes, e isto depende da sua

origem, classe social e da época em que vivem. Neste contexto é importante que o

indivíduo saiba utilizar a Língua de acordo com a situação em que se encontra,

adequando as suas necessidades.

Durante a comunicação, falar corretamente significa adequar a linguagem à

interlocução. Isto é, a linguagem deve estar coerente com o assunto tratado, com o

interlocutor, atender ao objetivo do falante e ao veículo de comunicação. Os

indivíduos são influenciados pelas condições sociais nas quais então inseridos, o

que gera variações na maneira de usar uma mesma língua, ao que chamamos

variações socioculturais.

O desconhecimento a respeito das variações linguísticas e a insegurança nos

leva a considerar determinadas formas de falar, como formas “erradas” de

linguagem. É importante termos o conhecimento das variantes linguísticas, sejam

elas as variantes de menor prestígio ou o padrão culto que é difundido pela escola,

pois é no contexto em que os falantes de uma língua se encontram que

naturalmente será escolhida a variante a ser utilizada, formal ou informal. Isso pode

ser observado no convívio familiar e entre amigos, onde o diálogo acontece com

naturalidade, sem a preocupação de olhares críticos. Nesse momento observamos a

informalidade na comunicação, como as gírias, jargões e expressões regionais. No

entanto, quando nos encontramos em uma condição oposta ao contexto mostrado

anteriormente, estabelecendo uma formalidade, utilizamos a linguagem formal no

processo de comunicação. Essa linguagem tende a obedecer à norma culta ou

padrão da língua e será utilizada quando a situação necessitar de maior formalidade

entre os falantes.

A variação linguística, seja a linguagem de prestígio ou não, é determinada

pelo grupo social no qual estamos inseridos. Isso não depende do ensino formal,

pois é de fundamental importância manter nossa identidade com o grupo, para que

sejamos aceitos. Esses grupos nos avaliam através da variedade linguística da qual

fazemos uso, e

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em nome da boa língua, pratica-se a injustiça social, muitas vezes humilhando o ser humano por meio da não aceitação de um de seus bens culturais mais divinos: o domínio inconsciente e pleno de um sistema de comunicação próprio da comunidade ao seu redor. E mais do que isto: a escola e a sociedade – da qual a escola é reflexo ativo – fazem associações perversas (SCHERRE, 2008 p.43)

Segundo Scherre (2008), a comunidade escolar não dispõe de respaldo

linguístico estrutural, ficando entre o belo e o feio, entre o elegante e deselegante,

entre competência e incompetência linguística, entre o domínio de determinadas

formas linguísticas e inteligência ou burrice. A superação desta questão requer

habilidade profissional e interesse pelo assunto.

A autora diz que a língua é instrumento de poder, dominação e de opressão.

Está nas mãos dos educadores, enquanto profissionais responsáveis pela formação

intelectual e social do educando procurar reverter esse quadro e fazer com que a

língua seja usada como um instrumento de libertação. Mesmo como educadores,

muitas vezes reagimos de forma negativa quando ouvimos alguém falar em público

com marcas de uma linguagem de menor prestígio. No entanto não é preciso falar

bem ou ser honesto na vida para dominar a língua de prestígio, isto é, precisamos

ter consciência de que os indivíduos que não dominam a variedade de prestígio não

“falam mal”, e não são pessoas ruins ou “desonestas”. Dar acesso a educação

formal proporciona ao aluno aprender a norma padrão e é direito de todos, portanto

é dever do Estado dar ao educando condições para um aprendizado eficiente. Pois

o preconceito linguístico está presente na sociedade e essa discriminação pela

linguagem é um fator importante de exclusão social.

As línguas estão em constante modificação, elas não estão fixas e nem

imutáveis, se alteram de tempos em tempos através do uso. As pessoas alteram o

modo de falar, as palavras, a grafia e seu sentido. Todas essas alterações recebem

o nome de variações linguísticas. A publicidade apela para o emocional para obter

um vínculo entre a marca e o consumidor, criando textos publicitários, capazes de

atingir os objetivos de convencimento. Isto é alcançado através da utilização de

recursos visuais, estilísticos e argumentativos. Esses recursos também são

utilizados na linguagem dos discursos políticos, dos tribunais, da igreja, entre outros.

Esses discursos possuem uma base informativa que manipula, visando atender aos

objetivos do emissor. Pra compreender a linguagem de diferentes discursos é

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preciso habilidades que nos permitam desvendar suas estratégias persuasivas, pois

uma leitura superficial e ingênua fará com que o indivíduo interprete de forma

errônea a informação. No caso do texto publicitário, a linguagem pode persuadir o

indivíduo ao consumismo ou a adquirir um produto desnecessário.

As Diretrizes Curriculares propõem que haja uma reflexão sobre a língua

considerando a dimensão dialógica da linguagem, presente em atividades que

possibilitem, aos alunos e professores experiências reais de uso da língua materna.

Quando falamos em experiências reais de uso da língua materna falamos em

todas as possibilidades de interação da linguagem verbal com

as outras linguagens (as artes visuais, a música, o cinema, a fotografia, a semiologia gráfica, o vídeo, a televisão, o rádio, a publicidade, os quadrinhos, as charges, a multimídia e todas as formas infográficas ou qualquer outro meio linguageiro criado pelo homem), percebendo seu chão comum (são todas práticas sociais, discursivas) e suas especificidades (seus diferentes suportes tecnológicos, seus diferentes modos de composição e de geração de significados) (FARACO, 2002, p. 101 citado por DCEs, 2008)

As práticas da linguagem são interlocuções vivas e abrangem todas as áreas

das atividades humanas, otimizando na escola a perspectiva da aprendizagem.

Devemos, portanto, promover diálogos sobre os diferentes falares, isto não significa

que devemos valorizar as variedades linguísticas em prejuízo da norma padrão. É

na escola que encontramos o espaço de apropriação de conhecimento, tanto dos

diferentes falares quanto da língua padrão.

Segundo Scherre (2008), o que tem de ficar bem claro é que a língua materna

se adquire, não se aprende e nem se ensina. Desde o início da vida, o indivíduo

adquire a língua materna, carregando também as “marcas” e falares característicos

do grupo com o qual convive. É assim que adquirimos a língua materna. Scherre

(2008) também afirma que você pode tentar ensinar uma língua se quiser, mas você

estará apenas distorcendo o processo normal, e provavelmente a criança não

prestará nenhuma atenção, pois é na interação com o grupo que a criança

apresentará a forma mais adequada de crescimento em relação à aquisição da

linguagem. Portanto, quando falamos em promover o diálogo entre os diferentes

falares, devemos ter em mente que cada indivíduo é único e genuíno no que se

refere a sua linguagem materna.

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Observamos que a fala de pessoas de classes sociais menos prestigiadas é

normalmente estigmatizada e desvalorizada, atingindo os indivíduos da zona rural-

urbana, do interior e da capital, independentemente da classe social, da

escolarização, etnia, poder aquisitivo e faixa etária. Os falantes que sofrem o

preconceito lingüístico sentem a necessidade de mudar suas falas para tornarem-se

aceitos pelo grupo, isso ocorre consciente ou inconscientemente. Mas é fato

também, que muitos traços linguísticos que são estigmatizados, quando fora do seu

habitat, tendem a ser silenciados, enquanto os traços prestigiados passam a ser

enfatizados.

Segundo Faraco (2008), o conceito de norma linguística ocorre porque é

necessário analisar a heterogeneidade constitutiva da língua. A partir de estudos

científicos da linguagem verbal tem sido comprovado que nenhuma língua é

homogênea. A língua é empiricamente um conjunto de variedades, portanto uma

realidade heterogênea. Não é apenas uma entidade linguística, mas cultural e

política, onde cada grupo de falantes, a partir dos esquemas de relações do sistema,

se organiza com arranjos e possibilidades que são aceitas pelo sistema. Assim

vemos a importância de professores reverem suas práticas pedagógicas e olharem

para a realidade dos educandos, considerando as necessidades destes de aumentar

o domínio dos recursos linguísticos, viabilizando a eles o maior contato possível com

as formas línguísticas que eles não conheçam ou com as quais ainda não se

familiarizaram.

Durante a implementação do projeto foi observado que a maioria dos

professores não dão a devida importância a variedade linguística presente em nosso

cotidiano. Alguns profissionais da educação referem-se a essa variedade de forma

pejorativa e preconceituosa, ao observar a fala de certos indivíduos. Apesar de não

tecerem comentários frente àquele que apresenta a variedade linguística

considerada “menos” prestigiada, ouvimos os comentários em intervalos de aulas ou

em reuniões de conselho de classe.

Observamos aqui a importância de aprofundarmos pesquisas em torno dessa

variação linguística e estudos que permitam aos educadores retomarem seu ponto

de vista e articularem uma mudança de pensamento e prática, visando valorizar o

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educando e proporcionando a este o conhecimento e acesso às formas linguísticas

de maior prestígio.

Atividades desenvolvidas com os alunos

Durante a implementação do projeto pedagógico na escola foram

desenvolvidas diversas atividades nas quais os alunos tiveram acesso ao

conhecimento tanto da norma padrão materna, quanto a variedade linguística da

mesma. Através de textos foi oportunizado aos alunos a comparação da linguagem

padrão e a variação linguística presente na língua materna, havendo assim o

esclarecimento de que as variantes presentes na linguagem são apenas formas

diferentes de falar e não “erros”, uma vez que apresentam uma estrutura lógica.

O professor deve ser flexível quanto a sua prática pedagógica, intercalando

atividades que permitam ao aluno reconhecer e utilizar tanto a norma padrão, quanto

às variedades linguísticas, valorizando assim os muitos falares. Deve ter clareza de

que tanto a norma padrão quanto as outras variedades, embora apresentem

diferenças entre si, são igualmente lógicas e bem estruturadas.

Ao apresentar a hegemonia da norma culta, a escola muitas vezes

desconsidera os fatores que geram a imensa diversidade linguística: localização

geográfica, faixa etária e situação socioeconômica, escolaridade etc. (Possenti, 1996

citado por DCEs, 2007).

Aplicando o Projeto

A aplicação do projeto iniciou-se com uma reflexão dos alunos considerando

sua origem, descendência étnica familiar, atividades da infância, escola, local onde

moraram outros.

Foi interessante observar que durante esta interação todos se expressaram

motivados e sentindo-se valorizados e relataram fatos pitorescos vividos pela

família, onde se enfatizou o uso de palavras e expressões utilizadas pela família.

É importante salientarmos que nossos alunos são da modalidade de ensino

EJA, portanto têm idades variadas que vão de 20 a 65. No grupo onde realizamos a

aplicação deste projeto, predominavam adultos com mais de 40 anos. Muitos destes

haviam interrompido os estudos há muitos anos. Este fato explica as dificuldades

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que os mesmos possuem em expressar suas idéias, interesses, opiniões e dúvidas.

Apresentam-se tímidos e receosos de não conseguirem expressar-se com

desenvoltura.

No entanto durante nosso trabalho, conseguimos resgatar a motivação e a

segurança aos alunos, fazendo com que estes valorizassem seu modo de

expressão, o sotaque e a variedade linguística utilizada. Observamos assim que

todos os indivíduos são importantes no grupo e que cada um possui suas origens e

marcas na linguagem que o acompanharão por toda a vida, que fazem parte de si e

que têm especial valor. A equipe sentiu-se valorizada e relataram que foi a primeira

vez que ouviram falar em variedade linguística e que participaram de um trabalho

sobre este tema.

Atividade 1

Poesia palavras e sentimentos

Trabalhamos algumas poesias apresentando uma variedade linguística do

meio rural, em que os alunos fizeram a análise, compreensão de texto e a

transcrição da mesma para a linguagem padrão, procurando compor poemas em

uma das variações linguísticas de escolha própria.

Durante este trabalho com os poemas, foi proposto aos alunos que

realizassem pesquisas sobre Patativa do Assaré, poeta popular nordestino que era

analfabeto e compunha seus poemas, com o auxílio de sua filha, a qual escrevia o

que o pai ditava. Isso motivou os alunos a produzir poemas falando de seus

sentimentos.

Atividade 2.

Músicas regionais – oralidade e escrita

Analisamos juntamente com os alunos algumas letras de músicas regionais e

comparamos a linguagem oral e a escrita. Observou-se que as músicas

selecionadas apresentavam marcas da variedade linguística rural. Na oralidade ficou

evidente a pronúncia com sotaque nordestino. Além da pronúncia, foi percebido

também o vocabulário desconhecido e/ou os diferentes sentidos que as palavras

podem assumir em diferentes regiões do país.

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A música traduz relações entre as formas sociais de uma cultura, havendo a

necessidade de desenvolver níveis de capacidade no falante da língua materna,

para interagir efetivamente na sociedade, compreendendo as variações linguísticas

e interpretar de modo crítico as letras musicais.

Nesta etapa da implementação do projeto, os alunos foram orientados a

pesquisarem sobre a música caipira e sertaneja no Brasil, suas origens, autores e

composições. Após este trabalho, relataram haver uma característica relevante entre

a música caipira e a sertaneja. Enquanto a primeira era cantada pelo homem do

campo, com composições temáticas que tratavam de ritos religiosos, canções de

trabalho e ciclos da lavoura. A música sertaneja surge na cidade para o migrante, o

caipira urbanizado, abordando temas referentes ao amor e a saudade relacionados

ao seu universo urbano.

Nas atividades com música, houve empolgação do grupo que demonstrou

maior interesse em ouvir, analisar e comparar as músicas selecionadas. Alguns

alunos lembraram as canções caipiras, (de duplas caipiras) que eram cantadas

pelos pais, compadres e vizinhos em noites, nas quais se reuniam para uma roda de

conversa e viola.

Atividade 3

Filmes, personagens e o uso da variedade linguística rural

Em seguida, partindo de comentários dos alunos sobre filmes nos quais

cantores populares participam, ou enredo nos quais podem observar a variação

linguística do meio rural, alguns alunos comentaram possuir uma coleção de filmes

do Mazzaropi e que os assistiam com frequência com os pais e seus filhos.

Observamos aqui três gerações que apreciam um mesmo estilo de filme onde se

observa o contato com a variação linguística da zona rural.

Neste momento foi incentivado ao grupo que locassem filmes do Mazzaropi e

assistissem para relatarem à classe o enredo, as circunstâncias nas quais o

personagem participa no filme, as expressões utilizadas pelas personagens, as

variações linguísticas apresentadas no filme e possíveis situações onde as

personagens sofrem preconceito linguístico. Foi um trabalho onde todos deram sua

colaboração. Ainda neste contexto, os alunos pesquisaram na internet a história e

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origem do “Jeca Tatu”. Foi pertinente nesta altura do processo esta pesquisa, pois

fizemos comparações com as histórias em quadrinhos da personagem Chico Bento.

Atividade 4

HQs - a linguagem e as relações sociais das personagens

Para contextualizar esta atividade com os alunos, houve a necessidade de um

breve relato sobre o histórico das histórias em quadrinhos no Brasil. A qual teve

início no século XIX com estilo satírico em cartuns, charges ou caricaturas e mais

tarde as tiras populares. A publicação iniciou-se no século XX e a Charge com seu

primeiro desenho 1837 de autoria de Manuel de Araujo em Porto-Alegre. Mais tarde

“Zé Caipira” e “Nho-Quim” (1869) e em 1905 a primeira revista em quadrinhos do

Brasil: O Tico- Tico.

Hoje temos grandes nomes no gênero como Henfil, Ziraldo e Maurício de

Souza e outras. Este último criou a personagem Chico Bento, um caipira, morador

da zona rural, inocente e preocupado com seu meio. Usa a variação linguística rural

e relaciona-se com outros grupos interagindo em diversas situações.

Durante esta atividade, em que foi apresentado o vídeo da personagem de

Chico Bento, ocorreu que três alunos não conheciam Chico Bento, suas

características marcantes da fala, comportamento e seu relacionamento com as

demais personagens de Maurício. Foi bastante rico este trabalho, pois proporcionou

o conhecimento da variação linguística e a possibilidade de efetuarmos uma análise

crítica. Os alunos selecionaram tiras de gibi, com personagens de Chico Bento e

outras personagens que se relacionam com este.

Atividade 5

Placas de informações e o uso não padrão da língua

Nesta atividade os alunos realizaram uma pesquisa de campo, observando a

linguagem utilizada em placas de informações, letreiros de lojas e pontos

comerciais, faixas colocadas nas ruas e painéis de propagandas. Além da pesquisa

de campo, os alunos pesquisaram na internet placas e imagens que não utilizaram a

linguagem de maior prestígio. Coletaram dados, analisaram as informações e

teceram observações acerca da linguagem. Um comentário foi unânime por parte do

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grupo, quando afirmaram que uma placa mal elaborada e escrita com a variedade

não padrão da linguagem, não inspira confiança no serviço oferecido. O grupo

reescreveu as placas, transcrevendo as informações para a linguagem padrão.

Atividade 6

A linguagem e a argumentação na publicidade

Nesta atividade os alunos foram conduzidos a buscarem diversos tipos de

textos publicitários em revistas, internet, TV, rádio, enfim nas mídias. Realizaram-se

apresentações, comentários críticos, acerca dos textos. Compreendeu-se a

linguagem verbal e não verbal e as intenções que são marcados pelo desenho,

fotografia, ilustração, figuras, sons e os textos verbais. Todo esse conjunto não

perdeu o foco de argumentação e convencimento do consumidor. Utilizando a

linguagem na variante de sua escolha e com criatividade, os alunos elaboraram

cartazes com anúncios publicitários de lançamento de um determinado produto ao

mercado.

Atividade 7

A linguagem formal

O ensinar da língua materna nos leva a pensar sobre as mudanças no meio

social e as relações de poder, presentes nas teias discursivas que estão intrincadas

no meio social, requerendo do professor a sensibilidade e a percepção crítica

pedagógica. Está nas ações pedagógicas, com atividades planejadas e que

possibilitem ao aluno não apenas a leitura e a expressão oral e escrita, mas também

uma reflexão em relação ao uso da variedade linguística, para que entendam a

necessidade do uso da língua nos diversos contextos sociais.

A partir deste contexto no qual abordamos a linguagem e seu uso, foi

solicitado aos alunos que elaborassem um “currículum vitae” com seus dados e num

segundo momento elaborassem diálogos simulando uma entrevista para emprego.

Eles deveriam utilizar a linguagem padrão de maior prestígio para pleitear a vaga.

Além disso, ser sucinto, honesto e utilizar a linguagem com clareza e objetividade.

Esta atividade foi realizada através de vários momentos nos quais os alunos

elaboraram os diálogos, fizeram correções, reescreveram e simularam pequenas

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apresentações nas quais tentaram ser o mais natural possível. Os alunos disseram

que participar de uma entrevista para emprego, quando vivenciada na realidade, é

muito difícil, pois possuem insegurança quanto ao uso da linguagem formal exigida

nesta situação.

Comentários relatados pelos alunos

Durante o período de implementação pedagógica na escola, ocorreram

relatos dos alunos afirmando que em algum momento de suas vidas sofreram

preconceito em relação à linguagem utilizada por eles, como a pronúncia e escolha

de palavras. Muitos deles disseram que passaram a se “policiar” mais em relação a

sua fala, para não serem alvos de “chacotas”.

Outra questão importante observada foi o fato dos alunos desconhecerem o

que significava variação linguística. Após a introdução deste tema observou-se que

os mesmos passaram a ter maior segurança ao expressarem-se, principalmente na

oralidade.

Durante nosso trabalho os alunos relataram episódios em que observaram,

talvez inconscientemente, o uso inadequado da linguagem. Um deles comentou que,

em sua igreja, o pastor faz uso de vocábulos que os fiéis desconhecem seus

significados. Segundo o aluno, “ele fala muito difícil”. Os fiéis não entendem o seu

discurso e o pastor recusa-se a utilizar de outros vocábulos mais acessíveis.

Podemos observar neste comportamento que determinados indivíduos vêem a

língua como forma de poder e acreditam que, ao escolher vocábulos desconhecidos

pela maioria do grupo, serão vistos como senhores da verdade, mais importantes e

inteligentes.

A implementação pedagógica realizada na escola abordou diversas

modalidades de linguagem, considerando seu contexto em uso. O objetivo deste

trabalho foi considerar a construção do significado e reconhecer a variação

linguística por meio de textos. Esta temática abordada em sala despertou nos alunos

o interesse, levando-os a observar diversas situações (mídia, grupos, família, igreja)

em que relataram episódios reais do uso da variação linguística, bem como o

preconceito que aparece na mídia de forma humorística.

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Falar bem não é falar difícil para o grupo, ao contrário o importante é

expressar-se de modo adequado em cada momento. Assim, os alunos agiram

interativamente discutindo as variantes e o preconceito social, proporcionando

condições para assumir uma atitude crítica e transformadora com relação à

problemática apresentada.

Conclusão

Com este trabalho foi possível identificar a insegurança que os alunos têm em

relação à língua materna em diversas situações, julgando não saberem falar, ler e

escrever. No entanto, durante o percurso da implementação do projeto político

pedagógico, foi oportunizado aos alunos possibilidades para que estes resgatassem

a autoconfiança e o interesse em conhecer as diversas possibilidades do uso da

língua, bem como a articulação desta nos diversos contextos sociais.

Daí a necessidade de o professor considerar um ensino democrático em sua

prática pedagógica, promovendo a socialização do conhecimento, acolhendo os

alunos independentemente de origem da variação linguística de que dispõe para

compreensão do mundo. Desse modo a escola deve promover atividades que

incentivem o uso da variedade de linguagem que os alunos empregam em suas

relações sociais.

Referências

FARACO, C. A. Norma Culta Brasileira - desatando alguns nós. Parábola Editorial, São Paulo, 2008.

PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação Básica de Língua Portuguesa. Curitiba, 2008.

SCHERRE, M. M. Pereira, Doa-se lindos filhotes de poodle – Variação Linguística, Mídias e Preconceito. Parábola Editorial, São Paulo, 2008.