Teixeira-Pinto, Márnio - História e Cosmologia de um Contato- a atração dos Arara

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~ 1905

 História e cosmologia de   um contato

 A atracão dos Arara•

Márnio Teixeira Pinto'

I

 Na sua   História de   lince, Lévi-Strausssugere uma explicação para a relativa facilidade

c o m q u e   05  s i s t em a s s i m b ó l i c o s d o s p o v o s a m e r ic a n o s i n c o r p o r ar a m a f i g u r a d o s b r a n c o s :

o l u g a r d o s . b ra n c o s e s ta v a m a r c ad o e m v a zi o e m s i s t em a s d e p e n s a m e n t o b a s e ad o s e m p r i n c íp i o s

d i c o t ô m i c o s q u e .   etapa   a p ó s   etapa,   . o b r i g a a d e s d o b r a r o s  teimos;   d e m o d o q u e a c r i a ç ão d o s í n d i o s

p e l o d e m i u r g o t o r n a v a a u t o m a t i c a m e n t e   necessá~oq u e e l e t i v e s s e c r ia d o t a m b é m n â t > i n d i o s . ( 1 99 3 , p,200)

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o  duali~r:nci r r edu t í ve l .   p o ré r :n   i n s t á v e l e   dinâmi~o,d o   pen~mento-am~ríndi~t e r i a   p~r.

~itiào   G -u e ele tra tas s e   d as   r e l a ç õ e s e n t r e í n d i o s   e   hra~cos,~onformeas   prÓpria'~~ara~l~rísti-:

cas que   essas   reJaçõe~ass'um!ram: a   d és i g u a k la d e e   a  hiera~quiap r e s e n t e s n o  confront~   com

o c o l o n i z a d o r t a m b é m   es~ariam   p o . s t a s c o m o c o ! ) d i ç ã o p r e v i s t a n o s m o d e l ? s s i m b ô l i c o s n a t i -

vos, Seguindo sua tese alUerior de que o dualismo, onde existe, é uma espécie de "condição

'"prévia à existência dos ~htemas so,ciais"(197S, p,18S),' Lévi-Strauss,no entamo, parece ain-" I '.

da se atei à idéia de qu~ sftrata'de um princípio lógico.de organização "que se expressa de

modo coerente, ora.,:&"itologia, pra na organização soci;ll, ora é~'ambas" (1993, p,21S),

,: A in d a q u e o s  ~gOOientose a s d e m o n s t r a ç õ e s d e L é v i - S tr : .a u s sc o n t i n u e m r a z o a v e lm e n t e '

c~vin'cente5c a d a v e z q u e   se   a b r e m a u m n o v o l e q u e d e i n v e s t i g a ç õ e s , ess~t e s e d a   H ist6t:ia

, de Lince   parece sofrer de uma dificuldade intrinseca: se o dualismo dos ameríndios ~   ii esuu-

tura:crucial'para o:seu entendimento do 'mundo, uma 'teoria:social globa'" (vide Maybury.

Lé";"is& A1ma gpr,1989 a'pud Lévi.Strauss,1 993, 'p,212), co<)lOse,dà a sua passagem ao domínio

U n i v e r s i d .i : d e F e d e r a l d o P a r a n á . B o l s i S t a d o C N P q .   m l lm io@n etban k.co m .br  

1 O u u m t i p o d e in s t i tu i ç ã o " c u j o s . en ! i d o u n i c o   é d a r u m s e n t i d o   à   sode~llde q u e   ê : p o s s u : -  \lév~Strõ'JSS, 1 9 75 , p . iSS:.

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406   Pacificando o branco

ljoG'

d a e x p e ri ê n c ia h i s t ó ri c a ? 2 M a n te r .s e -i a a v e l h a d i c o t o m i a e n t re a   mitologi~ e  3

 o r g a n i z a ç ã os o c i a l , d e u m l a d o ( c o m o o s d o m í n i o s o n d e o d u a l i s m o s e e x p r e s s a r ia d e m o d o m a i s c o e r e n -

te)   f,d e o u t r o , a e x p e r i ê n c i a h i s t ó r i c a ? A s s i m , a " t e o r i a s o c i a t g l o b a l " a m e r ín d i a .   r,'J€  o dua l i sm o

expressa, estaria isenta de ter de olhar também para a dinãmica histórica, liberta para operar 

nos domínios mais propícios às fabulações cosmológicas e aos arranjos sociológicos?   É   um

debate antigo sobre os campos de aplicação das noções de "estrutura" e "evento", que nem

mesmo as (re)formulações de Sahlins sobre estruturas "prescritivas" e "performativas" (1990,

p.13ss.) parecem resolver de modo adequado.

A passagem do mito à história, do modelo ao processo, da estrutura à ação, tem sido

uma das grandes mudan,çasde ênfase na antropologia contemporãnea (por exemplo, Bourdieu,

1972, 19BO; Carneiro da Cunha, 1987; Cohn, 1980, 1981; Ortner, 1984). Os debates em

torno da idéia de "sociedades frias" (por exemplo, Boon, 1990; Rosaldo, 1980; Sahlins, 1981,1 9 9 0) -   q u e q u a n t o m a i s   c r it i c ad a é , m e n o s e n t en d i d a f i c a - v ê m e n r iq u e c en d o n o s s a s   0 I > "

ções arialíticas para dar cor,ta do choque entre configurações culturais diversas. Mas, ao mesmo

t e m p o , p a r ec e m n ã o t e r c o n s e g u i d o s u p e r ar f o r m u l a ç õ es t e ó ri c a s   qu e   o r a s ã o g e n é r i c a s d e .

m a i s p a r a s e r e m p e r t i n e n t es c o m o i n s t r u m e n t o s m e t o d o l ó g i c o s , o r a s ã o f e c h a d a s d e m a i s e m

c a s o s c o n c r et o s p a r a s e r em o p e r ad o n a i s e m t e rm o s c o m p a r at i v o s .

A boa "Introdução" de   J.  Hill à sua coletânea   Rethinking Historyand Myth   (1988) -livro

que tem o duplo mérito de superar a ilusória separação entre a Amazõnia e os Andes, preci-

samente, no domínio em que pareciam mais diferentes (a história e os modos de contato

com o colonizador), e de,explorar as próprias fOrmas nativas de interpretar a história a partir 

das   e x p er i ên c i a s d e ' c o n t at o - p a r ec e , n o e n t a n to ,   'peca~p o r   q~erer t r a n s f o r m a r a a u s ê n õ a

de historicidade, 'supostamente presente na idéia de "sociedades frias" 'como. paradigma do

, ;"undo primitivo, em excesso de dinamismo e de mUd~nçà" s0postamente evidentes, na'

indubitável capacidade de' os ~yosnativos ámericanosgerareminterpretações histÓricas so-

'.bre.seu pasSado. Par~ Hill (1988,'   p .5 ),   ~ospovos' indigenas d'e amb~s as á;eas [Amazõnia ~.,

Andes] são igualm'ente capazes'de criar interpretações d;nãmi~~s que delineiam processos.   .'   .   .

históricos de mudança". -

(j"i~adve;ndo tom voluntarista da formulação de Hill, que supõe que interpretações di-

nãmiCãs sempre tracem ou descrevam processos ,de mudança, como se eStes dependessem

da.c~paçid.~de das sociedades gerarem' interpretaçÕes dinãmicas sobre suá prÓpria história,

'rnais'urtla vez confunde, agora ~s avessasda idéia de "sociedades frias", o plano da experiên-

cia histórica com o nível de"suõ'interpretação e elaboração'coneeituai. Eessá'é á po~ição que ..í."me parece   s e r   preciso evitar, quando nos debruçamos sobre tem~s. relativos a interpretações

,eações:históricaseap;ocessosde'mudança., .. ' .. ' .' ".. , .... .

Talvez a sugestãodeque~';'i\o" e l1istÓ;i<Í" d~eriam sertomadoS'como "m~dó~'diStin-

tos de consciência social" que podem, inclusive, caminhar :juntos nas situações de contato

intercultural (Hill, 1988, Turner, 1988), ajude, de fato,   a   escapar à tentação exerdda, no plano

2   Qu e   é.  j u s t am e n t e , u m   . d o . s t em a s s u b j a c e n . t e s . n a   H i s t ó r i a d e   Lina.

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'História e cosmologia de um contato   407

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teórico, pelas tipologias estáticas que parecem não çonseguir superar a tensão de fundo (en-

tre a estrutura e a ação, entre o ato e o simbolo), limitando-se a reformular. em novos termos,velhas e polêmicas questões,

Meu argumento é que entre a posição de Lévi.Strausse a de HiIIhá uma larga margem

de possibilidades analiticas que a história do contato recente dos Arara ajuda a ilustrar. Os

 A rar a fo ra m o ú l ti m o p o v o c ar ib a ac ei tar o c o n tat o d ef in i ti v o c o m o b ran c o n a A m az ô n ia .

'Habitantes tradicionais do interflúvio Tapajoz.Tocantins, os vários grupos locais Arara que re-

sistiam, na margem esquerda do Rio Iriri,tiveram uma história muito semelhante de contato

recente com os brancos, desencadeàda pela construção da rodovia Transamazõnica e pelos

grandes projetos de colonização e de exploração econõmica em torno da nova estrada,

Pretendo mostrar, em primeiro lugar, como as representações sobre o branco, elabora.

das segundo as concepções peculiaresaos Arara, moldaram as relações concrelçs estabelecidasco m o s n ã o -ín d io s q u e p a ssa ra m a v ive r n o se u ter r i t ó r io t ra d ic io n a l e co m a p rô p r ia   Fr~nted a

Atração da Funai que durante anos tentou o contato. Nesse processo. o desenvolvimento de

uma "consciência histórica" entre os Arara, como produto do trabalho cognitivo de seu pré>-

p r i o a p ar e lh o s i m b ó l i co à s v o l ta s c o m a s c o m p l ex i d ad e s d o c o n t at o , p a re c e t e r t i do c o m o

c o n t r a p o n t o a r e af i r m a ç ã o d e a s p ec t o s c e n t ra i s d e s u a " c o n s c i ê n c i a m í t i c a" . P r et e n d o m o s -

t r ar t a mb ém q u e , n o fl u xo d o s a co nt e c ime n t o s r e ce n t es, a su b o r d i n açã o d o s e ven t o s h i s t ó ri -

. (OS ao  mo~od e " p e n s a r n at i v o d e c o r r eu d a f o r m a c o m o a s a ç õ e s d e c a n t a to e n t r e o s A r a ra e

a Frente de Atração eram submetidas às regras de coerência impostas pelo sistema simbólicoe c o g n ! t i v o d o s A r a r a .

, Durante mais de ce(ll anos (entre   1850   e   1964),   os contato~ entre os Arara e a popula.ção. regional das bacias dos rios X in g u   e. ! r i r i  alte'rnaja~se   entre encontros amistosos. trocas

,com erciais e cQnflitosesporá,dieos"A pos;Úidade de isolamento no seu territÓrio tradicional,

.ainda 'longe dos projetos nacionais,de ocupação (ias "fronteiras", deu aos Arara"a  chance de',

"se,manterem afastados das pressões de mudança, limitando o contate com os'brancos ae

r i t m o   intermitefl~e'das, in terações   o~siqnçis çom  seri~gueiroso u ca ça d o re s ,   se~ e fei to s co rn -

 paráve is,àqlW l~; que viriam ,com a cpns tru~~ da Transamazõnica , a chegada de grandes ~n-,

t in g e n te s d e   ri~~s:coJor:tos.~   in íc io d a e xp lo raçã o e co n ô mica in te n s iva n a   reg ião   e  a.ur,g~nte:"

ne~ê"i'sldade,da,".úà4ão" e "da "pacificação" dos índios, , ,,;,".,

, : c   A partir'dos   ,"'lOS   "1960,   contudo, a presença dos brancos se"'torna madça"e:,óefiriitiva,

modificando de, íorrrja' profunda,) modo como os Arara se relacionavam '~~m el~s,'Dos en.

,c~m;os esPCJ~clicos,a'inda que m uitas vezes beli';sos, no periodo ~"nteri~rà.década de   1960,

aos . conf l i t os   sistemáticos   que pas s ar iam   '9  cco~rer a p a rt ir Q e e n tã o , a   inteiação   c o m o s   bra~

cos g~~tia,~m caráter bem 'mais dramátiCo: O'contato só,foi ~onsolidàdo entre 'os anos  d e

1981 e t 983, àpós üm longo periodo de conflitos com colo~<is,perseguiç6es, tentativas frus.

t radas   d e   a t ração e 'a taques   dos~índios.  Entr e .as fOimaS   a n t er i o r es d e i n t e r aç ã o e ' as q u e s e

i n i c i a m c o m o s a c o n t e c i m e n t o s r e c e n t e s n a r e g i ã o   instalou~se u m a bi s m o p r of u n do , c o m o

qual os Arara aprenderam a lidar, produzindo diferentes interpretações sobre eles e sobre a

figura dos br,ancos,

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408   Pacificando o branco

Contudo, apesar da'longa história de encontros e confrontos, o dramático (re)apareci-

menta do branco na história recente dos Arara não parece ter instaurado nenhuma grande

ruptura ou 0esestabilização, seja nas estruturas formais do seu sistema cultural, seja no teor 

das relações nele previstas, mas sim um processo de reiteração da mesma visão de mundo,

ainda que à custa de muitas reinterpretações sobre o estatuto do branco, E m parte, isso tal-

vez se deva ao fato de os primeiros contatos entre os Arara e os brancos  remontare{11  a mea-

dos do século passado, Não se trataria portanto, de um grupo com contato propriamente

"recente",   O   homem branco já estaria freqüentando o imaginário Arara, há muito tempo.

Mesmo do ponto de vista de vista de sua organização interna, os efeitos do contato recente

sobre a sociedade Arara parecem limitar-se   à   superfície. sem alterar   0$ grandes princípios de

ordenamento do sistema social: uma única aldeia hoje, contra os vários, pequenos e dispersosgrupos locais do passado; a transformação desses grupos locais em "agregados residenciais"

internos   à   aldeia, mas com estatuto cultural e valor sociológico idênticos aos dos grupos lo-

cais do passado. Entretanto. para as sociedades indígenas, o contato com   0$ brancos sempre

traz.em seu bojo um enigma grave e conflituoso. Tal como afirma A1bert,

as extremas disparidades de sentido e de potênda que essa coli~o histórica instaura abrem seus

sistemas culturais para uma dinâmica de reestruturação constantemente desafiada pelo desenvolv~

menta complexo ?as situações de contato, (1992, p.152)

O   maior enig~a da si.tuação de contato para os Arara hoje é ~xplicar por 'que a Funai

não tem mais recursos para adquirir os bens que distribuía fartamente durante a "atração"',

Sujeitos;' durante a maior parte de sua história recente: aos cUidad,os'de uma "Frente de Atra-'

, ção" para a qual não f~ltava"m'r"ecursos,'G ~Arara se'acostumara~ ~ ter:q~àse tu d o ,  pelas 0ãOS, :

dos brancos e a interpretar o contato como manifestaçãO dessa "generosidade". Mas, com aúnica exceção de um   indivíduo   já   ~r~inadosob a orientação de um missionário evangélico

teimoso no projeto de uma "Igreja ,I(.;ara",os indios não afirmam ser "obrigação dos brancos"

a oferta de tudo o que ja se acostumaram a ter e a usar. Ao contrário, perceberam a chegMa

dos bens como uma estratégia pela qual os brancos tentavam reparar um erro, digamos: "his-.   '

tórico", redefinindo a sua relação mútua em bases mais solidarias do que aquelas que carac ..

terizaram as relações sempre confntuosas do passado recente' O desafio mais perturbador, para os Ar ara é, então , ten tar dar conta do reflu xo d e bens que os bra ncos v inh am oferecendo '.

desd~' o,fim da "atração": Que sen.tido ,dão os Arara a esse estancamento, na sua compreensão.

das rel~ções interétnicas?'E   qual o'seu   efeito  sobre a irhagem   dosbran~s?   Para se entender 

3 Com uma pOpulação atual que não chega a duas ~ntenas oe pessoas, os Arara têm mais de 30% dos indIvidues

nasddos   já   110 oenodo   p6s<ontato (198 !), Certamente que, para. todas essas   crianças e jovens adc!escentes. o pa~

c os b ranc os c omo p rov edores d os b ens tend e a   s e r    ma:s marcante do   qu e   para   a:;ueles   que ~ivencjaram todo o

longo processo ci~.-cornaw e viam, al i."c  branco   ~ssumir papêis mais divers"ificados.

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História   e   cosmologia   de   um coptaro   409

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esseproblema, é predso conhecer de que modo a dinâmica da "colisão histórica", que carac-t er iza o contat o r ecente, v inha sendo v ivenc iada e per cebida.

II

D i z u m m i t o A r a r a q u e , n o i n i c io d e t u d o , s ó h a v i a o c é u e a á g u ' a q u e o c i r c u n d a v a . A

separá-los havia uma pequena casca que recobria o céu e servia de assoalho a seus habitan-

tes, Vivendo no interior do céu~ moradia natural das estrelas que todos eram no, passado, a

 boa huma nid ade viv ia jun to à div ind ade   Akuanduba   e conforme as coisas simples do mundo:

acor dar , com er , beber " namor ar , dor m i r , Nos excessos,a d iv indade faz ia soar a pequena f lau.

ta   C in ko re ,   d e m o d o a c h am a r a a t en ç ã o d e t o d o s , e r e p or a b o a o r d em n a s c o i s as e oc o m e d i m e n t o n o s a t o s , A l é m d o c é u , n o e x t e ri o r d a c a s c a d o m u n d o , s ó c o is a s r u i n s e " e s p i -

, ritos maléficos", Mas, um dia, o m au comportamento   (oé'inme)   de alguns causou uma grande

b r i g a q u e f e z a c a s c a d o ' c é u r o m p e r . s e, 4 E d e l á c aír a m t o d o s , M u i t o s , p o r é m , f o r am a o s

p o u c o s   recaIoca  d os   no céu pelas vár ias aves da famíl ia dos  p s i tac i d eo s   q u e fr e q ü en t a m o s

céus da Am azônia, e vo l tar am a ser est r e las. Mas, mui tos também for am deixados, abando.

nados pelas araras nos pedaços da "casca do céu" que cairam sobre as águas.s   Destes "aban-

donados" descendem os   ukaraT/mã,   o "povo das araras", Até hoje, eles assobiam chamando

aqueles pássaros que, em bandos, sobrevoam a floresta. E, quando os véem pousar no alto

das ár vor es, d izem os Ar ar a (os índ ios, agor a) que o s animais, ao notar em o q uanto f i car am,

grandes os "abandon.dos", desiStem mais uma vez de levá-losde volta ao céu. Aqui já foram

deixados out r as vezes, aqui per m anecer ão.

 A b ri g a q u e:f ez o m u n d o o r ig in al ro m p er -s e n ão  apena~dest inou os hom~~sa viver .sol ;>re

Os pedaços da "casca do céu" qu'e agora pairam'sob,,; as águas:Verdadeira tragédia que con.

, denou ,os que e~am estreias a viver como gente;'ea )~r depe[seguir o alimento de cada dia

escap,md~ dos perigos que existem sobre o 'chão;' o everito que, conformou   o   Universo atual

trouxe tamb~m outras conseqüências. Os "espiritos maléficos", habitantes tradiCionaisdo "Jado

de for a ao céu" , for am t r ansf igur ados em ser es ~omquem a in ter i ; i ção 'é sempr e con f l i tuosa

(os  udotpeem),   assumindo a forma dos Kayapó, dos Juruna, dos,5hipaya, dos Assurini, talvez

dos Munduruku tamb,ém,6 A divindade, p~rseu lado, que apenas fazia soar a pequena flauta

" ,para que o comedimento e a ordem.valtassem a vigorar, tom'ou.sea odiosa onça preta   (okora),

4 Va~ia':n~Versões   sus.ten~~Q l Ie ,. e5 t e m a u c o m p or t am e nt ó 'ê ' st ar i a a ss o d ad o o r a a u m r o u bo .   ~raao e 'goismo

. ~~sSiV9,.De:~ualq~er~f~rm~:a 'm .b o :s : ~~boe   egoísmo: S e '  equivale~sob   é!   categoria o Of lm e:   c o m o   s~.o roubo'

~a~ísf.0S5é,~'q'ue~riI?JofOtma,superlati\{a~eegoísmo'" ',' :' " , " .. '

. 5 O te~a'do   "abcmdono"   náo:ê incomum   en t r e o s   pova:s,i'ndjg~nasdo c; : 'ont inente  ( vê r .   Po r   ~xe'mplo,VlVeir~sde,

Casuo, 1 9 92 . cap. 3 ) .

6   A mEUlfisicl5  N~ra di ferenoa   vãrios tipo.!>d e   seres. Os   l Ik arcH Jm ã   si io os verdadeu"os   hum anos   Habi! lnooNlCos" peias

araras. O s   u d o r    s i l o " i n i m i gos" genér i cos que   se   diferenciam   em duas subclasses:   U m ! l   de "genteH

propriamente

d i t a , m as <.u ia d i f e r en ç a c o m o s  ukararvnã  o s f a z o r a a l i ad o s o c as io n a i s , o r a " i n im ig o s r ea is H

;   e o s   udotpeem.   s e res

qu e   o t r e c e m g e n t e   (sào.literalmente~ "gcnt inhaH).   mas   c em   os,quais   SÓ   s e c o n s eg u e   esra~le(er re l aç J e:s b e l ic o s as ,

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Pacificando o branco

pacíficos entre índios Arara e moradores da região ribeirinha dos rios Xingu e Iriri nas proximi-dades de Altamira. Em 18S3, eles figuram pela primeira vez nos registros oficiais, constando

dos relatórios do presidente da província,   depois   de aparecerem   !=Jr::ificamente   no baixo Rio

Xingu. Em 1861. um grupo Arara permaneceu cerca de dez dias entre seringueiros abaixo da

Cachoeira Grande do Iriri.Em 1873, o bispo Dom M acedo Costa levou alguns Arara para Belém.

Entre 1889 e 1894, os Arara foram perseguidos por seringueiros na região do divisorde aguas

Amazonas.Xingujlriri. Durante sua expedição ao Xingu, em 1896. Coudreau encontrou ape-

nas uma   unica   índia Arara, mas recolheu vários comentários locais sobre eles: sobre seu cará.

ter pacifico e errante em toda a região do Xingu e do lriri,sobre a comentada beleza de suas

mulheres, sobre a sua miscigenação com outros povos indígenas e, principalmente, sobre a

existência dos "Arara bravos", subgrupo ainda sem contato com os brancos, disperso pela

região que vai do rio Curua (à esquerda do alto Iriri)"até não longe do Amazonas" (Coudreau,

1977, p.39)." Nas primeiras décadas do século XX , os Arara chegaram a visitar, em diferen.

tes oportunidades, a cidade de Altamira.

Em momentos variados de sua história, muitos subgrupos Arara foram forçados a pe-

quenas migrações, seja por ataques de outros grupos indigenas (principalmente Kayapó e

luruna)," seja por perseguições de seringueiros, caçadores ou colonos. Em 1961 chegaram a

ser acossados pela polícia de Altamira que, por ordem do então prefeito Sr. Miranda, caçava

os índios para vingar a morte do cachorro. de um colono das cercanias da cidade, um tal Sr.

. João"Bulamarte, que atribuía aos índios o fale~imento de seu estimado cão. Durante o proces-

so de contato recente com a Frente de Atração da Funai (que,. começando com pequenas

incursõ~s a partir de 1964, durou até 1981.1983) não foram poucas as vezes em que os Ara-

rá alacaram. Se, d.e regra, as hostilidades costumava in ser dirigidas apenas contra outros ín-

dios, agora já~tingi;m caçadore~n~o-indios que se aventoravam na floresta e até mesmo

colo~os quecheoavam para se' é~tabelecer. Por.fim, .ô~f;"a'ra'já 'esi; 'vam atacando também a

 próp ria Fren te d; Atração da Fu ~a i que , du ra~ te' .. i r i ' < i s ,  '~'crtdhou ~der fazer o contato "nao . ~ • •

marra", invadindo   à   floresta em busca das trilhas queconchiziriam às aldeias. Os ataques dos

índios chegaram a ser tantos que a própria   Jrente ~rá.c~nstãntemente.desaiivada.  para se

reorganizar tempos depois. tentando novas estratéi;iias de apr~ximação que,: no entanto, tarn-.   .   .   ,   .

 bé m. aca bavam 'se J11o str ando ina dequ adas e ine fic ien tes '(Poss~elo , .19 82 ;,F un ai, 19 77 )..   . . • . .   '.   .   ~   , .   .

As próprias ~uitidas sobre a . identidade' do grupo que se .perseguia na floresta, muito . .

mais do que qu~lquer conjynto de evidên~i"s, I~vavam a Fre'ilide Atração a acreditar que setratava o'u de u~~grupo jur~";a ou shipaya ou curuaia.'ou mes';: 'o demais um subgrupo kayapó.

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11 Todos os subgrupos Atara méncionados aqui fOram contatados. entre os anos de 1981 e 1983. jl .:Stamente na

regiao   da margem'   esquerda do   l r i r i .   U~ ~ro subgrupo,   fonn~do   por ap(!nas uma'"Gnicafamma, roi contatado no

final de' 1937   próXImo   ao   igarapé CachoeIra Seca. no alto   trin ,   já   bem próximo às águas do rio  (uro.l.   À direita do

r,iriteria ficado   apenas o  grupo   denominado   Par ir i ou "Araras Mansos.   (Nimuendajú, 1932), ex t intos antes de r r .E'ados

do século .

. 12 E m   188Li,   Vô n   O E -r:   S w inen , e ,r i a encontr ado um í "d io A r a r a como ca 't lV O numa   aldeia   1v r u f l a no X ingu .

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His tó ria e cosmo logia de um con ta to

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413

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Esta última hipótese fez que a equipe de atração que, desde  1964,

  tentava o contato com osKayapó Kararaô. que então surgiam no interflúvio Xingu/lr ir i, fosse desiocada para assumir 

os trabalhos de atração. do. no.vo.grupo. Oficialmente, acreditava .•e que. mesmo. estanào. do

outro lado. do. rio., aquele novo grupo, cujo.s vestigios eram enco.ntraàos em po.ntos variado.s

do.território   à   esquerda do. Iriri, também se originava de alguma cisão.de grupes kayapó mais

ao. sul." Per ter vivido. longes ano.s entre o.s Kayapó, o sertanista Afonso. Alves da Cruz aca-

bou designado. para tentar e centato. co.m e nevo. grupo., cenfiande em seus auxiliares kayapó

e na sua pro.ficiência nessa Iingua para fazer as aproximações. Usando. a IIngua kayapó para

tentar um co.n~atoamisto.so.,a estratégia seguida pelas equipes de atração. naquele mo.mento

era a de entrar a qualquer preço.nas aldeias que Io.calizassem. Po.rseu lado., es Arara, que, em

função. da lenga história de cenflito.s, não.co.nheciam o. lado.amistoso. da Iingua kayapó, fugi-

a m s e m p r e , p r ep a r an d o u m c o n t r a - at a q u e p a r a a p r i m e i r a o p o r t u n id a d e. I n im i g o s t r a d i c i o -

n a i s e m t o d a a b a c i a d o X i n g u , o s K a y ap ó e o s v á r io s g r u p o s d e H n g u a " a r a r a" d a r e g iã o -

Yaruma, Apiaká, Txicãe e Arara (Menget. 1977. capo 2) - chocavam-se de fo.rma dramática,

forçando o deslocamento e a dispersão de v ários desses povos e, provavelmente, até a

desaparição. cempleta de alguns deles (cemo Apiaká e Yaruma)'<

Nas classificações secio.cesmelógicas des Arara. o.s Kayapó se eriginam numa daquelas

l inhas que descendem dos "esp i r i tos mal éf ICos" , os seres que, em funç ão da t ragédia fund.ante

do. Co.smo.s,ganharam de  Akuanduba   a capacidade de se transfermar em "inimigo.s" de fato..

fugindo. do. "lado. de fo.ra de mundo." para cima das "cascas de céu" que ago.ra bóiam sobre as

águas, Assim, a presença de ajudantes kayapó, e uso.dessa lingua pelo.s seus integrantes, a

ins is tênc ia e a de te rminaç ão com que ~ Fren te de At raç ão ten tava s e aprox imar , f izeram   q L !e

to.da ela fosse percebida co.mo.mais um castigo da divindade, mais "inimigo.s" mandado.s co.n-

tra aqueles que quebraram a "casca 'do.céu" e destruíram a o.rdem primerdial do. Co.smos.A',

" resistência des'Arara durimte teda a primeira fase do, centato (entre   :1964   e   '1979)   assboava- '

se. ~ntãe.   à   pé'rcepção. de que tudo. 'nãe passava de mais um e~isódie da própria "histÓria '

trágica" de formação. do. mundo.. Já que, nessa "história". levar a vida rio.,hão é também ter 

de se pneraver co.ntra o.s"esprrites m aléficos", meSmo.'es que se disfarçam sob a pele de o.u-.

tro.s índio.s o.u so.b a pele de um branco. que se apresenta pela língua' de eutros índiQs.

As próprias ações do. pesseal da Frente de Atração. levavam   à   cenfirmaçãe' da hipótése.

Não. eram em si ações vio.lentas. mas muito. determinadas a encentrar es Arara a qualq~er 

"UJsto.: gente surgindo. de vá;ias di,~ções, se guindo. os paSSo .sdos 'indios, 100iOalizandóas aJiléias,

1 3 O s A r ar a j á   h a v i a m s i d o c o n si d e r ad o s o f i c i alm e n t e e x t i n to s , u m a   " v e z   qu e   a s   ú l t imas   infomiições   c iiS P P ~ 1ve is.  Sobre ' .

eles erim   a s d o s e n c o n t r o s f o r t u i t o s c o m r e g i ô r , a i s a i n d a   na  ~~da   de   1940. (Ribeiro~  1982,   p .   229ss.}.

14 O s   an•.~os co~f1itos   c o m 0 5 Ka y a p 6 s ã o d es c r i t o s p e lo s   -Arc:ra  c o m o b e m d i fe re n t es   daquel~s   q u e t i n h a m ' c o m 0 5

o u t r o s   povOS   t r a d i Oo na i s d a A m a zõ n la . A u m a g u e r r a c e t o : :a ia , c u ja f i n a li d a d e e r a a c a p t u r a d e m u lh e r e s e   c e

" t ro ie;; ! !   humanos~ ( o s s o s . d e n t es e , p ri n c i p alm e n t e. a c a b eç a d o s i n im i g o s m o n o s } . o s Ka y a p ó o p u s e r a m   ~ma

" g u e r r c d e c o n q u i s ta " o u m e s m o d e " e x t e r m i n io " , n a q u a l fa z ia m c o n t a to s a m i s t o s o s p r é v i o s e v o r. av a m d e p o i s ,

quanco   já   n ã o s e es p e r av a m a i s o c o n f r o n t o , p a r a u m a t aq u e r á p id o e c i e v as t a d o : ' s o b r e a s a ld ei a s .

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História e cosmologia de um contato   415

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dos próprios índios, jamais foram tomados como cativos de guerra ou vítimas rituais, A pai-xão belicosa dos Arara sempre deixara ao largo a figura do branco, concentrando-se naqueles

tipos de "inimigos" com os quais não se podia ter qualquer relação amistosa,   É   pela associa-

ção dos brancos aos "espiritos maléficos" - pela constãncia das tentativas de aproximação,

 pela as túc ia das perseguiç ões e, sobre tud o, pe la aparen te união com os Ka yapó - que ele s

lhe atribuem o papel de vitimas possíveis das expedições guerreiras, Assim, os últimos ritos

decorrentes das mortes causadas pelos Arara   em  conflitos armados, no final dos anos 1970,

 já   traziam como troféus apenas as cabeças e os dentes capturados dos brancos, Por isso, a

memór ia dos ind iv íduos mais novos reg ist ra os brancos como as v ít imas pre ferencia is da guer-

ra Arara, pois eram sempre deles as cabeças que teriam sido usadas para os rituais realizados

na década de   1970,"

IV

Cem a chegada do 'sertanista Sydney Possuelo à direção dos trabalhos de atração, no

fim de 1979,   a   Frente Arara ganha uma nova estratégia, o branco um novo estatuto e a his-

tória do contato um outro sentido. As primeiras providências da "Nova Frente" foram a   s L ! 5 - -

pensão das- "pene trações" no te rr itó rio ind ígena, a re ti rada de vár ios g rupos de invasores e a

construção de um Posto de Vigilãncia e Atração - o PV 1,17  A estratégia agora era tentar ga-

rantir a tranqüilidaàe aos indios, que já, perambulavam em fuga há vários anos, para p~rmitir o tradicional "namoro" com a oferta de presentes e as aproximações'graduais, Os próprios

índios assistiam, escondidos, a muitas das ações da "N'ova Frente", como suspender,obras,'

parar máqu.inas" tirar,'gente,   desmontar   casa~ 'que t~n~varT! gar~'ntjr a .pOss~aos c:ol~hO~.Viam'

também os tapiris d 'é br indes   e custavam-lhe~ acreditar q~e se 'o s 'Ievas'~~n:"l'não   ha~eria repre--'. .   .'   ~   .'   .

,salias na forma   de   novas perseguições,

Era tanto o poder que'se atrib~ia ao pessoal da "Nova Frente" que a imagem mais forte

que um jovem índio guarda daqueles temptls-é' a   de   um dos homens "brancos" parando úm

trator imenso com ,alguns berros.e m ovirf,e~tosdas mãos. Tanto poder dos homens "brancos",

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16 Foi somente na ultima pesquisa de  Cêlp lpo ,   entre maio e julho   de   1994. que pude cOfwE:r2r rrvremente com os

Arara sobre os temas da guerra e da captura de troféus humanos. assuntos que eles   evrtà\ ' am. Ficou   patente a

di ie rença de   ent~ndimento   que ex i st e en t re oS . ind iv idua s ma i s ve lhos e os ma i s n ,ovos a   res~tO dos" b rancos e . d o

.seulugar nos'~ de guerra. se,os mais;velhos   afirmam.que   r.rramente   os   bral"lC05 elam   capturados e  tiryham   as

Cabeça s   cõnadCls .   o s m a i s   no~s.   po r ou t ro l ado , a ssoc i a~   diretam~nte'   a idêia   ce   ' : inim:go"   presente   na   categoria

udot   ã  figura   do s b rancos . A  própria tradução que   os   mais noyos fazem   (os mais velhos   ai~éa ~o   m ono~rigüés)   ~o

can to que se segu i a   à   mor t e dos i n im igos i ndu i   o termo   parê! "branco"   (karel)   em luga r da   catesoria genérica   para

"inimigo",

17 A interdição da área para fins de atração Já estava cumprida legalmente desde 1977. sem Gue até então tivessem

sido tomaôas   ê ! .S  meoid&s para sua efetivação na prática.

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Pacificando o Qr4ll1co

A partir desse segundo momento da história do contato, a forma de represen~,"o do branco, como uma das partes inte ressadas num "contrato' de sol idariedade, cooperação e

reciprocidade (celebrado em nome da evitação, da não-repetição dos eventos passados}, !;liassa

a sustentar as relações reais que os Arara têm estabelecido com todo o pessoal da R:mai, a

 partir da aceitação da transferência definitiva das aldeias para junto do Pos to de Assist :e:ncia .

Os brancos acabaram sendo incorporados no próprio circuito das dádivas e da ajuda mútua

que cimentam as relações entre aqueles que tentam evitar a repetição dos conflitos  C \\lZ l!   pro-

vocaram a tragédia inaugural do Mundo. Essa incorporação dos brancos não aponta, porém,

 para a diluição das fronteiras ent re eles e os indios. Ao contrário, é pela aceitação d& suas

diferenças, pelo próprio potencial de conflito na interação com os brancos (presente,   ClC   mí-

nimo, pelo próprio uso da categoria   ipafl),  que os Arara os submetem ao idioma simbôr:oo da

solidariedade. da cooperação, da reciprocidade, da generosidade, enfim.

05 dois momentos da história do contato marcam o processo de construção ~ -~ma

imagem dos brancos. No primeiro. e les estavam assodados a uma das l inhas de óescendê-ncia

dos "espiritos maléficos" e, portanto, aos nativos do "lado de fora" do Mundo:. s.ua ori9Jem

remetia-os à própria "tragédia" fundadora do Cosmos atual. Ali, a diferença entre b,a.~ e

Arara, pensada em termos da diferença de suas origens. tornava o confronto entre eles.equi-

valente   à   fuga dos castigos que a divindade reservava aos Arara. Sem concili<)ção pOS5í~1.

 brancos e indios, tendo diferentes origens, juntavamse, porém, num destino com um:   Q,   < : . < I : l l 1 -

f1ito permanente. Por outro lado, no segundo momento dessa mesma história,  os"b rant .os

deixam o lugar dos "inimigos"e são recolocados, pela categoria   ipari,  na linha de origem-d.os

 próprios Arara . Assim , as relações potencialmente con flituosas ; const ituintes da oW~mcosmológica em si mesma, acabaram submetidas àS.formas de controle impOstas pelos me-

canism~sde solidariedade interna à própria sociedade a";ra: osco':;'pórtamentÓs não'€góís:'.. tas, a reciprocidade, .~generosidade. Concebido éomo o produto de uma diferença or(~e ... '.

irredutivel, o próprio mundo sociaLarara (e não apenas a sua mitologia) ";antev':'se   ~pertoà

incorporação-do branco, segundo as próprias estruturas conceitu~is nativas. Nao. pela   nega-

ção de suas diferenças, pOrtanto, mas pela possibilidade, aberta pela afirmação de. uma' ori-

gem comum, de sua subordinação   à  lógica nativa da solidariedade, da cooperação e.da gene-

,rosidade,   é que o branco recebeu seu lugar no interior do mundo social'arara.   É por isso qUe,

entre os próprios servidores da Funai de toda a regiãode Altamira, os Araia são conhecidos

como os indios mais calmos, dóceis, generosos e "fáceis de se lidar": dividem tudo com todosos que Já estão, caçam para o pessoal do posto da Furiai,evjtam todo e qualquer conflito e,

.'no geral; aceitam todas as condições definidas.parao tiabalho de assistência.21 ,

21 Comparada com a res is t ênóa h i s tô r i ca que eles ofe receram. a  ~dodridade.dos Ara ra . após a ace i t ação do conUr to .

chegou a surpreender um dos m ate i ras envo lv i dos na a traçAo.   Conheódo   como Hvelho Mihor:H•   o m a ~a e ;o nt i-

nuou t raba lhando com os Ara ra a t é sua mor t e . E morreu acred i tando que aque les ind :os não ooder iam ser d~ fa to

05 Ara ra : "Os Ara ra s ão gente braba . .. e s ses não ,   es5!S!>AO   m ansos . . . não podem ser os mesmos" , d iz ia -me e le

durante a orimeira vez que est ive na   area .

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o   momento atual do contato" - o terceiro na curta história da presença permanente

dos brancos - começa a introduzir novas condições dentro da relação com a Funai. Com a

transformação da Frente de Atração em um posto indigena regular, secaram os recursos que

vinham diretamente de Brasniae que possibilitaram as condições materiais para a figuração

do qranco como alguém disposto a ser generoso e reciproco. Sem essas condições, a relação

do pessoal de campo da Funai com os indios tem se resumido à administração dos medica.

m'entos (que os Arara ainda interpretam como uma espécie de "contraprestação' por aquilo

que eles oferecem aos brancos) e à esporádica distribuição dos poucos bens e utens"ios que

a administração de Altamira consegue fornecer.

Ao lado da dramática diminuição no fluxo de bens ofertados pelo branco, cujac o n t r ap a r t id a A r a r a a in d a c o n t i n u a n o m e s m o g r a u e i n t en s i d a d e d e q u a n d o f o i a c e rt a d o o

" p a c t o " q u e l e v o u ao c o n t a t o d e f in i t i v o , as n o t í c ia s d a " a m e aç a d a s   ág u as " -   os Grandes

Projetos Hidrelétricos na bacia do Xingu (Santos   &   Andrade, 19B7) - :ambém desafiam o

modo como os Arara têm representado o branco. Em ambos os casos, a sua figuração sim.

 pies como um a categ oria única de gente , pas sível de ser incorp ora da pelo idio ma sim bólico

das relações reciprocas e solidárias, vem se contrapor a uma nova ordem de realídade, na

qual "nem mesmo a busca de relações reguladas pelos valores da solidariedade, da coopera.

ção e da reciprocidade parece ser suficientepara garantir um estado seguro de funcionamen-

t o d o m u n d o . O i d i o m a s i m b ó l i c o d e g e n e r o s i d a d e .   a~ée n t ão c a p az d e a r t ic u l a r b r a n c o s e

Arara num mesmo tecido social, no qual as relações estavam presas às múltiplas formas de

reciprocidáde, parece agora ser impotente para continuar fundamentando um regime deinteração que exclua os conflitos.

 . I A   e sc" a ss€zd e b e n s co m e ça -a su se ri r o te m a d .o " e g o ísm o " : ..  o c in .m e - .   q ue c au s o u a

 briga, .q oe'que b;b u a."casca do céu", que con denoü ' os Arara a.v i.er sob re ~ chã"o que flutua

.sobre ~s águas, fugi!Joo de'todos os castigos impostos péladivi~dade. Por c~tro'lado,'a ameaça

dos Grandes Projetos Hidrelétricos parece apresentar.se como a derradeira etapa da catástro-

fe que começou com o "egoísmo", que causou a briga; que'fez Caira "casca do céu" sobre

águas: agora, o   assoalho   te r reno onde a inda podem   p isar   oS ' "Araradesàparecerá sob as águas

qúe   O têm sustentado?" . _.

.22 Por "atual '" refiro-me aqui às tendências observadas qua:' \do d~ m inha ti ttima ida ao campo, em   1995.   De;lá pra cá

50 t ive   ~ições   de retornar  â  área por rur tos per iodos, o ú l timo no in i c io do ano de 2001 .

. \. 1 3   .U m  dos..~omens  A rara   mai s ve lhos d i z so frer constantemente d~ pesade los em que . as águas sobem de m adruga-

da. invadem.as ca~ e lJ1atari ltodos' os'q~e,estão   dormi~do..Todos os registros. em, meu p odei . desses pesadelos .

. .porém::ini: licamque eieS.surgem (ou. -pelo m enos. são contãdas publ icamentel"em m.omentos de pequenOs cõnfl i . .

tm   COm  ~utros.brancos' (por  ~emplo,   os incidentes cada vez   m a iS   freqüentes com   caçadores~madeireiros, garim-.

peiros. pescadores e outros invasores dentro. da área indígena) ou cam outros índios (na Casa do lndia de AtUimira

ou em encontros ac identa i s durante caçadi l s ) . O  pe~delo   co. velha Pip'Jtparece ser recorrente , justamente, nas

sftuaçõe5 em que u m certo caráter dramática envolve a investigação. de tais incidentes, com o uma espécie de pres-

ságic . sobre a virtuaUdade de confl ftos ftr . .uros.

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420   Pacificando o branco

Mais uma vez, o modelo simbólico com o qual os Arara concebem a origem e o processode formação do Mundo serve como instrumento cognitivo para tentar dar conta das mudan-

ças que já se percebem (o fim do fluxo de bens) e aquelas que apenas se anunciam (os Proje-

tos Hidrelétricos),Essa mesma estrutura mostrou-se capaz de absorver os primeiros eventos (a

imposição de relações permanentes com os brancos e sua incorporação no sistema de relações

tradicionais), definindo um domínio de interpretação e de atuação que, até recentemente, se

mostrava eficiente (a partir dos valores da solidariedade, da cooperação e da reciprocidade

como elementos capazes de estabelecer relações com baixa incidência de conflito).   E   nesse

contexto, assim, que se revela todo   q   trabalho cognitivo do sistema simbólico Arara e seus

esforços analíticos para dar coerência à complexidade das situações de contato e do desenro-

lar inconstante dos acontecimentos. Todo esse esforço, apreendido em sua especificac o n t e x t u a l id a d e , l e v a- n o s a p e r c e b e r q u e t a n t o a d i n â m i c a h i s t ó r i c a , q u a n t o a s o c i o l o g i a d as

relações de contato foram campos abertos às elaborações simbólícas e cosmológicas por parte

d o s A r a r a , q u e , a   par t i r    do seu p róp r io s i s tema cu l tu ra l . fo ram capazes de reava l i ar a s i p rópr } . -

os no jogo instável das relações permanentes com o branco. Por isso, nem o ílusório dilema

teórico entre o privilégio exclusivo da ordem simbólica ou a aceitação do contingente e do

even tua l como ins tânc ias ap tas a se r do tadas de  5ignificaçâ~,nem a res t r i t i va supos i ção de que

a s i n t e r p r e t a ç õ e s d i n â m i c a s a p o n t a m , t r a ç a m o u d e s c r e v e m s e m p r e p r o c e s s o s d e m u d a n ç a : a

história das reelaborações conceituais sobre o branco fez-se pela capacidade de o sistema cultu-

ral arara se abrir na direção do que poderia ser vivido, mas segundo as formas de sentido e

c o e r ên c i a i m p o s t a s p e l o r e g i m e n a t iv o d e e n t e n d i! T Ie n t o d a s aç õ e s h u m a n as p o s s í v ei s .A expressão real dessa sua capacidade, porém, deveu-se ao fato de que ele (o sistema

cultural Arara) conseguia gerar relações concretas com o branco, tal cenio este era pensado:

c o m o   $ujeit~d é   s u a s p~ópriasa ç õ e s . O s  dois   .nov os ev entos .  'p~refn,pa-rec em re t i rar ,das m ãos . ..   '   ,   .

. daqueles brancos que os Arara conhecem a capacidatie de manter as relações iestabelécidas:

D e sl o c an d o o c o n t ro l e d o s a c o n t ec i m e n to s p a r a as m ã o s   d e   o u t r o s b r a n c o s , q u e o s A r a r a

desconhecem e a quem não têm acesso, os novos eventos colocam à.prova, no'contexto das

relações com a sociedade nacional, a   produtividade,iociológica daqueles valor~s.e;" nome do

quais eles aceitaram a preSença do branco'e "pactuaram" as relações de contato: as formasf .; .

g e n e ro s a s d e c o n v i v i o , m a rc a d as p e l o o f e re c im e n t o m ú t u o d a s d á d i va s . N a n o v a s i tu a ç ã o ,

não há m'ais u~ branco concreto com o qual paçtu~r 'ou re,';,;belecer relações soiidárias   (e. pacíf icas), Essa possibi lidade parecia ter sidEi :~t f;r ta mu ito recentem ente quando o ex-pres; ': .

dente ColI.orrecebeu dois indios em Brasíliapara fa'ze'ra entrega Simbólicado documento que

homolOgou a Área Indígena. Árara em 24 de dezembro de'lgg1. Do ponto de vista de um.

dos índios presentes à.cerimõnia, aquilo representava não apenas um novo gesto de Solldari.

edade dos brancos, mas uma redefinição do "lugar" onde deveriam ser estabelecidas as no-

vas relações e. sobretudo, o encontro com aqueles que, enfim, pareciam ter o controle sobre

as ações dos brancos nessa nova etapa da história. Porém, ao   impeachment    do presidente e

às informações divulgadas entre os índios de que o Sr. Fernando Affonso Collorde Mello havia

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s ido ar rancado da   Presidência   da Repúbl ica acusado, justamente, de "apropriação indébita",

isto é. marcado pela suspeita de ser   o~inmesegundo o modelo nativo, se seguiria mais um

mome mo em q ue se esfacelava outra vez a figura de um branco com o qual se poóeria voltar 

a estabelecer relações concretas, talvez generosas e solidarias.24

Os vários momentos históricos vividos pelos Arara. no curto espaço de tempo de conta.

to permanente, mostram todo o processo cognitivo de uma lógica cultural que, gerando dife-

rentes representações sobre a origem e o estatuto do branco, tentava dar sent ido âs relaç 'ões

que podiam ser estabelecidas   a   cada momento. Nesse processo, tais representações molda.

ram as relações interétnicas produzidas nas várias situações dessa história em com um, Mas,

se assim foi, era porque a dinâmica do contato. nos diferentes comextos ao longo do tempo,

estava submetida ao trabalho cognitivo dos Arara segundo sua lógica cultural específica.

As mudanças nas representações sobre a origem e o caráter do-branco aparecem, com:oda sua contextualidade histór ica, como as construções simbólicas que permi tkam mais a

reafirrnação dos operadores centrais das relações sociais, tal com o previstos no próp~io siste-

ma cultural nativo, do que a sua desestruturação. Fossecomo "inimigo" - que é dobra conceitual

dos "espíri tos maléficos" -, fosse como   i pa r i -   qu e   é a expressão da figura simbólica de uma

alteridade "enviesada" numa origem comum -, a imagem do branco sempre foi operada como

um vetor para o estabelecimento de relações concretas. E se confli tuosas ou pacificas não im-

porta, pois foram sempre relações produzidas a partir da p rópria expe riência histórica de can ta-

ta com o branco, ainda que o problema atual, como se viu, seja o de saber onde está, de fato,

este outro branco com o qual devem s.er.acertadasas regras da nova convivência.

Agradecimento;; .

Este texto   te~   um' percurs~ longo e variado:.CQncebido .inídalmeme como   irin resum.o

das idéias ,de um dos capítulos.da minha tese de doutorado (publicada como Teixeira Pinto.

1997), ele foi sendo modificado à medida que a redaç. ;o da tese progredia e surgiam oportu-

nidades para discuti-to. Várias pessoas fizeram criticas e sugestões que contribuíram. não só

"para o .te:'io, mas também para 9 d~s~ nvolvimento da própria te'se: Yvonne fv1aggier.tylarco'

ÂntÚlio Gonçalves, ~aria Una Leã~ Teixeira.e Peter Fry, na 0FRJ;Míriam G rossi, na   UF S C;   An a- - o • _ • •

Maria Burmester, na   UFPR;   Joanna Overing, Nádia Farage e Van!;!ssaLea. num Encontro d~

.   .  ."   ~   '.

Etnologia na Unicamp. Alcida Ramos, Bruce AJbe(t e Pat rick   M ~ .! \. Ie " a -n i.•  v,ers~o-que   dá

origem   â   forl1)a   atual do texto. ~ gradeço a to dos..' ".   o . . . . . '~ '_ • - •..   -,   .

2~ U r r. a c ie  mlnnas viagens a  Ci!mpo,   .enlre setembro   e  novembro de 1992, coincidiu cem c  Ot::lC~SO de  ;m ;Jeactlm e,-:r 

dOlex-pl'esiden~e,Não foram 'poucos cs [ncios que ~companharam comigo e cem 'o fu:-:oo:'!ário do Pi Arara a \'c;:a-

çàO iir .al do process=>, transmi,;da em cadeia naCI~nal c c   rãdio.

...

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