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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUC/SP PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO Luis Henrique Marotti Toselli A “CPRB” (CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE A RECEITA BRUTA) À LUZ DO SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO São Paulo Dezembro/2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUC /SP

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

Luis Henrique Marotti Toselli

A “CPRB” (CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE A RECEI TA BRUTA) À LUZ

DO SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO

São Paulo

Dezembro/2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUC /SP

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

Luis Henrique Marotti Toselli

A “CPRB” (CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE A RECEI TA BRUTA) À LUZ

DO SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo (PUC/SP), como exigência parcial para

obtenção do título de MESTRE EM DIREITO

TRIBUTÁRIO, sob a orientação da Professora

Doutora Elizabeth Nazar Carrazza.

São Paulo

Dezembro/2014

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BANCA EXAMINADORA:

________________________________________

________________________________________

________________________________________

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DEDICATÓRIA

À equipe fiscal do KLA (Koury Lopes Advogados), pelo longo convívio profissional em torno do Direito Tributário.

Ao amigo tributarista Charles William McNaughton, pelo apoio ao regresso ao mundo acadêmico.

Ao professor Roque Antonio Carrazza, pela motivação e excelência que sempre demonstrou nas aulas e conversas.

À professora e orientadora Elizabeth Nazar Carrazza, pelo carinho e dedicação passados sempre quando foi preciso.

Às mulheres da minha vida: minha mãe Cecília e minha esposa Constance, verdadeiras “guerreiras”, pelo incentivo, inspiração e amor que me dão.

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Luis Henrique Marotti Toselli

A “CPRB” (CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE A RECEI TA BRUTA) À LUZ

DO SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

RESUMO

A contribuição patronal destinada ao financiamento do regime previdenciário no Brasil, de

acordo com o artigo 195, I, “a”, da Constituição Federal de 1988, deve incidir sobre a

totalidade das remunerações pagas pelas empresas por serviços prestados por pessoas

físicas. Ocorre que o Governo criou uma contribuição substitutiva, obrigatória para os

contribuintes listados na lei, que passou a incidir sobre a receita bruta das empresas.

Nosso estudo consiste em verificar essa exação (denominada “CPRB”) à luz do sistema

constitucional tributário.

Palavras chave

1. Teoria Geral do Direito. 2. Sistema Constitucional Tributário. 3. Limites das Emendas

Constitucionais no Direito Tributário. 4. Tributo e suas espécies. 5. Contribuições

Especiais. 6. Contribuições para a Seguridade Social. 7. Contribuições Previdenciárias

das Empresas. 8. Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta.

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Luis Henrique Marotti Toselli

A “CPRB” (CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE A RECEI TA BRUTA) À LUZ

DO SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

ABSTRACT

The employer contribution to the cost of the social security system in Brazil, according to

article 195, I, "a", of the Federal Constitution of 1988, must levied on the total

remuneration arising from services rendered by individuals. However, the Government

has created a replacement contribution, mandatory for taxpayers listed in the law, which is

imposed on the gross revenue of the companies. The purpose study is to investigate this

collection (called "CPRB") in light of the Brazilian constitutional tax system.

Keywords

1. General Theory of Law. 2. Constitutional Tax System. 3. Limits of Constitutional

Amendments in Tax Law. 4. Taxes and its kinds. 5. Special Contributions. 6. Contributions

to Social Security. 7. Social Security Contribution on Gross Revenue.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 10

CAPÍTULO I - TEORIA GERAL DO DIREITO .......................................................................... 12

I.I. Conhecimento Científico ......................................................................................................... 12

I.II. Linguagem ............................................................................................................................... 18

I.III. Conceito de Direito ................................................................................................................ 23

I.IV. Norma Jurídica ...................................................................................................................... 32

I.V. A Interpretação no Direito (Produção, Aplicação e Incidência Normativa) ................... 38

CAPÍTULO II - DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO ................................................. 48

II.I. Sistema Constitucional Tributário ......................................................................................... 48

II.II. Tributo e Espécies Tributárias ............................................................................................. 52

II.III. Princípios Constitucionais Tributários ............................................................................... 60

II.IV. Princípio Republicano .......................................................................................................... 62

II.V. Princípio Federativo .............................................................................................................. 66

II.VI. Princípio da Legalidade ....................................................................................................... 70

II.VI.I Normas Gerais em Matéria Tributária (Lei Complementar) ......................................... 78

II.VI.II. Presunções no Direito Tributário .................................................................................... 83

II.VII. Princípio da Isonomia (Igualdade) .................................................................................... 85

II.VIII. Princípio da Capacidade Contributiva ............................................................................ 87

II.IX. Princípio da Irretroatividade ................................................................................................ 91

X. Princípio da Anterioridade ....................................................................................................... 93

II.XI. Princípio da Segurança Jurídica ........................................................................................ 95

II.XII. Imunidades Tributárias ....................................................................................................... 97

II.XIII. Competência Tributária ................................................................................................... 103

CAPÍTULO III - OS LIMITES DAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS NO DIREITO TRIBUTÁRIO ................................................................................................................................ 113

III.I. Supremacia Constitucional................................................................................................. 113

III.II. A Rigidez da Constituição Federal ................................................................................... 118

III.III. “Cláusulas Pétreas” Tributárias ....................................................................................... 122

CAPÍTULO IV - CONTRIBUIÇÕES ESPECIAIS .................................................................... 135

IV.I. A Terminologia “Contribuições Especiais” ...................................................................... 135

IV.II. A Natureza Tributária das Contribuições Especiais ..................................................... 137

IV.III. Regime Jurídico das Contribuições Especiais ............................................................. 139

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IV.IV. As Contribuições Especiais de Competência da União ............................................. 146

IV.V. Princípios Informadores das Contribuições Especiais ................................................. 158

CAPÍTULO V - CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DAS EMPRESAS ..................... 164

V.I. Princípio da Solidariedade .................................................................................................. 164

V.II. As Contribuições das Empresas para a Seguridade Social ......................................... 168

V.III. A Contribuição Previdenciária Patronal Prevista Originariamente na Constituição Federal .......................................................................................................................................... 179

V.IV. A Reforma Constitucional da Contribuição Previdenciária Patronal pela Emenda Constitucional nº 20/1998 .......................................................................................................... 186

V.V. A Contribuição Previdenciária Patronal na Lei nº 8.212/1991 ..................................... 189

V.VI. SAT/RAT ............................................................................................................................. 199

CAPÍTULO VI - CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE A RECEITA BRUTA (“CPRB”) ....................................................................................................................................... 205

VI.I. Histórico da Tributação Previdenciária sobre a Receita ............................................... 205

VI.II. O Parágrafo Treze do Artigo 195 da Constituição Federal ......................................... 214

VI.III. A Instituição da CPRB pela União .................................................................................. 217

VI.IV. Análise da (In)constitucionalidade da compulsoriedade da CPRB .......................... 221

VI.V. Definição de Receita Bruta para fins de apuração da CPRB ..................................... 234

VI.VI.I. Receitas de Exportação ................................................................................................ 236

VI.VI.II. Da Não Inclusão do ICMS ou ISS na Base de Cálculo da CPRB ......................... 237

VI.VII. As Diferentes Alíquotas da CPRB em face do Princípio da Isonomia .................... 238

VI.VIII. Retenção Previdenciária e Compensação ................................................................. 241

SÍNTESE CONCLUSIVA ............................................................................................................ 246

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................................... 262

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................................... 267

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INTRODUÇÃO

Sob o pretexto de desonerar a folha de pagamentos e, consequentemente,

fomentar as relações de trabalho, o Governo editou a Medida Provisória nº 540/2011,

convertida na Lei nº 12.546/2011, que, ao instituir o Plano Brasil Maior, determinou a

substituição da contribuição previdenciária incidente sobre as remunerações

provenientes do trabalho prestado por pessoas físicas por uma contribuição

previdenciária sobre a receita bruta (“CPRB”).

Ou seja, a contribuição previdenciária patronal, de 20% sobre a folha de

pagamentos, passou a ser substituída, obrigatoriamente, por uma contribuição

previdenciária incidente sobre a receita bruta, nos percentuais variáveis de 1% a 2,5%.

Essa regra foi instituída inicialmente apenas para algumas empresas e teria

sua vigência limitada a 31/12/2012, mas o Governo incluiu diversos outros contribuintes

no regime de desoneração da folha e prorrogou o prazo de vigência deste novo modelo

para 31/12/2014.

Ato contínuo, foi editada a Medida Provisória nº 651/2014, convertida na Lei

nº 13.043/2014, tornando a CPRB definitiva para o rol de contribuintes incluídos na

legislação.

Essa substituição compulsória quanto ao regime de tributação previdenciária

de determinadas empresas (da folha para a receita bruta) nos despertou interesse para

uma investigação acerca desse assunto. Diante disso, o presente estudo tem por tema

a análise da CPRB à luz do sistema constitucional tributário.

Por se tratar de um trabalho com pretensões analíticas, discorremos, no

Capítulo I, sobre questões preliminares colocadas na forma de uma Teoria Geral do

Direito. Nesse tópico, nossa busca é construir uma base filosófica para o estudo

proposto, fixando premissas acerca do conhecimento científico; linguagem; conceito de

Direito; norma jurídica e sua estrutura; e interpretação.

O Capítulo II, denominado de direito constitucional tributário, enfatiza os

contornos do sistema constitucional tributário, englobando um estudo sobre o conceito

de tributo e suas espécies; princípios constitucionais tributários; normas gerais em

matéria tributária; presunções; imunidades tributárias; e competência tributária.

No capítulo III, nosso objetivo é refletir sobre a supremacia e rigidez da

Constituição Federal, para, em seguida, apontar regras objetivas sobre os limites das

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Emendas Constitucionais no âmbito do direito tributário, ou seja, as cláusulas pétreas

tributárias.

Dedicamos o Capítulo IV à análise das contribuições especiais, com especial

atenção àquelas que são de competência da União, levando em conta a natureza,

regime jurídico e princípios informadores desta espécie tributária.

Abordaremos no capítulo V as contribuições para a seguridade social,

moldadas em torno do princípio da solidariedade. Após percorrer a matriz constitucional

das contribuições previdenciárias (artigo 195, I, “a”, com a redação anterior e posterior à

Emenda Constitucional nº 20/1998), o enfoque passará para a contribuição patronal de

20% sobre a folha (Lei nº 8.212/1991), assim como o SAT/RAT1.

Finalmente, antes do Capítulo VII, destinado à síntese conclusiva, o Capítulo

VI tem a intenção de, após traçar um histórico sobre a tributação previdenciária sobre a

receita, verificar a natureza jurídica da CPRB, a constitucionalidade ou não quanto à sua

obrigatoriedade e algumas questões pontuais sobre essa nova sistemática de

recolhimento.

1 Contribuição previdenciária para financiamento dos benefícios decorrentes de acidente do trabalho (SAT) e de aposentadoria especial referente aos riscos ambientais do trabalho (RAT).

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CAPÍTULO I - TEORIA GERAL DO DIREITO

I.I. Conhecimento Científico

Um estudo teórico objetiva conhecer cientificamente um determinado objeto.

Ao refletir acerca de uma teoria, pensamos num conjunto de informações e dados que

nos permitem compreender algum fenômeno e sua realidade. Nos dizeres de Ferraz

Junior (2011: p. 40), “definamos (estipulação) uma teoria como uma explicação sobre

fenômenos, a qual se manifesta como um sistema de proposições. Essas proposições

podem ter função informativa, ou combinar informativo com diretivo. Ora, depende do

enfoque adotado o uso que se fará da língua”.

Uma teoria acerca do Direito, então, nada mais busca do que conhecê-lo na

forma de ciência2. Considerando, entretanto, a complexidade da realidade jurídica e sua

usual classificação didática em ramos (Direito Constitucional, Direito Tributário, Direito

Penal etc.)3, é possível fazer um corte epistemológico para compreender conceitos

comuns e elementares de todos esses segmentos, dando ensejo a uma Teoria Geral do

Direito4.

Numa acepção simplista, conhecer consiste em tornar um objeto presente

para o sujeito, isto é, significa ter consciência sobre uma determinada coisa. O ato de

conhecer, nas palavras de Carvalho, A. (2010: p. 7),

fundamenta-se na tentativa do espírito humano de estabelecer uma ordem para o mundo (exterior ou interior) para que este, como conteúdo de uma consciência, se torne inteligível, ou seja, possa ser articulado intelectualmente (constituindo aquilo que a filosofia chama de racionalidade).

2 Como leciona Diniz (1994: p. 17): “ciência” indica conhecimento, por razões etimológicas, já que deriva da palavra latina scientia, oriunda de scire, ou seja, saber. Mas, no sentido filosófico, só merece tal denominação aquele complexo de conhecimentos certos, ordenados e conexos entre si. 3 Como assinala Becker (2007: p. 33), “a autonomia de qualquer ramo do Direito Positivo é sempre e unicamente didática para, investigando-se os efeitos jurídicos resultantes da incidência de determinado número de regras jurídicas, descobrir a concatenação lógica que as reúne num grupo orgânico e que une este grupo à totalidade do sistema jurídico.” 4 De acordo com Vilanova (1989), são os denominados “conceitos fundamentais” responsáveis pela uniformidade do sistema do direito positivo.

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O homem é essencialmente um espírito cognoscente. Sua atitude frente aos

objetos é uma atividade intelectual, uma atitude do pensamento numa constante ânsia

de saber (HESSEN, 1979: p. 10). É o que a filosofia chama de intencionalidade, isto é, o

atributo de que a consciência é sempre direcionada a algo.

De acordo com Carvalho, P. (2011: p. 9-10), a consciência envolve três

distintas faces:

o ato de consciência, o resultado do ato (que é a forma), e o conteúdo do ato (que é seu objeto). Uma coisa é exercer o ato de pensar, que gera a forma “pensamento” e se dá num determinado instante; outra é o conteúdo desse pensamento (seu objeto), que pode ocupar-se de qualquer situação da vida, inclusive dele mesmo, “pensamento”. Uma coisa é lembrar-se (ato); outra, a lembrança (forma); outra, ainda, a situação lembrada (objeto). (...) Cabe aduzir que o ser consciente não sente a sensação, não percebe a percepção, não pensa o pensamento, mas sim apreende o objeto dessas formas em que a consciência se manifesta. De qualquer modo, é sempre útil assinalar que a consciência somente existe por aquilo que a transcende... Mediante a intencionalidade, a consciência seria doadora de significado ao mundo.

O conhecimento, contudo, é fruto da apreensão intelectual de um objeto.

Trata-se de um produto da consciência humana que se materializa num ato, dotado de

forma e conteúdo.

Ao estudar o processo de conhecimento, Hegenberg (2001) identificou três

etapas para atingir sua plenitude, que denominou de (i) saber de; (ii) saber como; e (iii)

saber que. O saber de consistiria na compreensão rudimentar das coisas, adquirida

pelas sensações (visão, audição, toque etc.), permitindo o reconhecimento da coisa na

hipótese do sujeito reencontrá-la. O saber como corresponderia à atribuição de causa e

efeito à coisa, constituindo seu significado. E, finalmente, o saber que, como resultado

da experiência vivida, envolveria a capacidade de raciocinar e inferir sobre a coisa,

alcançando o conhecimento propriamente dito.

Nessa conformidade, é possível diferenciar o conhecimento em sentido

amplo e o conhecimento em sentido estrito. No seu sentido amplo, o conhecimento

pode ocorrer mediante qualquer forma de consciência (ex.: a imaginação, a lembrança,

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a percepção etc.), mas somente atinge sua plenitude (seu sentido estrito) quando se

revela sob a forma de um juízo5.

Os juízos são processados em nossa consciência pelo pensamento e

relacionados na forma de raciocínio6. Com eles atribuímos características aos objetos,

definimos suas propriedades e conferimos sentidos às coisas.

Reportando-nos aos ensinamentos de Alves (2011: pp. 28, 236):

pensar é um ato que produz uma forma representativa bastante diferente da percepção e da imaginação. Aquele ato permite o acesso ao “sentido”, isto é, à significação das coisas e dos processos do mundo. (...) O raciocínio é uma relação entre juízos, e o juízo (segunda operação de espírito) é uma relação entre conceitos. O juízo é essencialmente a afirmação de uma relação de conveniência ou de desconveniência entre dois conceitos (ideias). Exemplos: “Paulo é aluno; “Paulo não é médico”; “a norma jurídica possui coercibilidade”; “o direito não elimina a liberdade, protege-a”. Quando pensamos, quando expressamos um pensamento, não apresentamos ideias soltas, conceitos isolados. Formulamos conexões entre ideias (mediante proposições, conjunções, verbos, etc.) e também relações entre juízos (inferências). O juízo, portanto, é o primeiro movimento de composição intelectual.

O conhecimento propriamente dito atinge sua plenitude por meio dos juízos

(e raciocínios) que, uma vez articulados mentalmente, recebem o nome de proposição7.

Isto significa dizer que o conhecimento, em sentido estrito, é proposicional, operando-se

por meio da construção e relação entre juízos. É sob esta premissa que Tomé (2005: p.

2) considera que o objeto do conhecimento “não são as coisas-em-si, mas as

proposições que as descrevem”.

Dizemos que o sujeito conhece algo quando ele está apto a construir

proposições sobre este algo, relacionando-as coerentemente por meio de raciocínios.

Mais se conhece um objeto quanto mais se consegue raciocinar sobre ele.

A palavra “objeto”, ressalte-se, designa qualquer coisa que seja merecedora

de atenção. É algo que se coloca diante do sujeito, algo que se atira ou se lança contra

5 Momento no qual é possível sua subsunção aos critérios de confirmação ou infirmação. 6 Tal como constatou Borges (2007: p.133), “supremo privilégio na obra da criação: o pensamento humano. O homem é um animal racional, e esse atributo – a racionalidade – faz a diferença que o individualiza diante de outras criaturas vivas. Ninguém melhor que Pascal, com toque de gênio, o anteviu: o homem é um caniço, o mais frágil da natureza, mas é um caniço pensante”. 7 Nas palavras de Bobbio (2012: p.74), “por proposição entendemos um conjunto de palavras que possuem um significado em sua unidade. Sua forma mais comum é o que a lógica clássica se chama juízo, uma proposição composta de um sujeito e de um predicado, unidos por uma cópula (S é P)”.

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(jectum, objectus). “Objeto é tudo aquilo que pode ser sujeito lógico de um juízo. É tudo

aquilo a respeito do que se pode predicar algo. Predica-se pelo juízo, pelo ato do

intelecto que afirma ou nega algo de algo” (CRETELA JÚNIOR, 2002: p. 55).

Ao falar “objeto”, devemos ter em mente qualquer item que possa ser

abrangido pelo pensamento. “Objetos, em tal sentido amplo, nascem com o discurso,

surgem com o exercício de atos de fala, ou seja, não o precedem, muito ao contrário do

que comumente se pensa. Os objetos nascem quando deles se fala: o discurso, na sua

amplitude, lhes dá as condições de sentido mediante as quais os recebemos e os

processamos” (CARVALHO,P. 2011: p. 14).

É possível reduzir os objetos a quatro classes: (i) objetos naturais (ou

físicos), que são oferecidos pela natureza, são reais (têm existência no tempo e no

espaço), estão na experiência e são neutros de valor; (ii) objetos ideais, que são irreais,

não estão na experiência e são neutros de valor; (iii) objetos culturais, “que são aqueles

aos quais o homem acrescentou a marca de sua individualidade, objetos que passaram

da natureza para a sociedade, numa trajetória do dado ao construído” (CRETELA

JÚNIOR, 2002: p. 57). São reais, estão na experiência e são valiosos, positiva ou

negativamente; e (iv) objetos metafísicos, que são reais, não estão na experiência e são

passíveis de valoração.

O objeto não é uma coisa concreta, uma essência a ser descoberta, mas

algo construído intelectualmente e que se apresenta sob alguma forma de consciência.

Há, pois, uma dualidade entre sujeito e objeto, na linha do que ensina Diniz (1994:

p.15):

o sujeito cognoscente é sujeito apenas enquanto há objeto a apreender e o objeto é somente objeto de conhecimento quando for apreendido pelo sujeito. Logo, todo conhecimento envolve três ingredientes: o “eu” que conhece; a atividade ou ato que se desprende desse “eu” e o objeto atingido pela atividade.

Diante da infinidade de objetos, e tendo em vista as diversas posturas

filosóficas que o sujeito cognoscente pode adotar na sua aproximação, o conhecimento

científico acaba demandando uma delimitação rigorosa do seu conteúdo (o próprio

objeto) e do respectivo método de investigação. Sem precisão metodológica, e sem

delimitação do objeto, o conhecimento científico resta prejudicado, em vista de não se

sustentar diante dos primeiros questionamentos.

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A delimitação do objeto define os limites da experiência, permitindo a própria

compreensão daquilo que se pretende conhecer. Neste caso concreto, realizado o

necessário corte metodológico: a contribuição previdenciária sobre a receita bruta

(“CPRB”) em face do direito constitucional tributário. Eis aqui nosso objeto de estudo.

Já o método, com base nos ensinamentos de Reale (2001: p. 10) “é o

caminho que deve ser percorrido para a aquisição da verdade, ou, por outras palavras,

de um resultado exato ou rigorosamente verificado. Sem método não há ciência”. Nesta

conformidade, partiremos do método analítico, definido por Abbagnano (1982: p. 48)

como aquele que “tem por base a descrição ou interpretação dos elementos mais

simples pertencentes ao objeto, com a finalidade de resolver a problematização a partir

do estudo dos elementos decompostos desse objeto”

O modelo, portanto, adotado para o desenvolvimento do estudo ora proposto

será o analítico, tendo como objeto as disposições normativas presentes no direito

positivo, especialmente no que concerne ao sistema constitucional tributário e aquelas

relacionadas à CPRB.

E quando dizemos disposições normativas, cabe esclarecer que também

buscaremos colocar em evidência o posicionamento dos Tribunais, especialmente do

STF (Supremo Tribunal Federal), a respeito das matérias que serão contempladas ao

longo da exposição.

Nesse ponto, interessante destacar os ensinamentos de Meirelles (2010: p.

9), segundo o qual “não compreendemos o Direito divorciado da lei e da orientação dos

tribunais”, bem como de Greco (2000: p. 14):

Objeto de estudo pelo jurista (mesmo aquele que assume uma visão positivista do Direito) é o direito posto, que não é formado apenas das leis e da Constituição mas, em igual medida, da jurisprudência editada pelos Tribunais. Considerar a jurisprudência, num trabalho de doutrina, é tão relevante quanto considerar a Constituição ou as leis, seja porque ela tem uma função criadora do Direito, seja para permitir um exame conjugado do qual podem resultar observações que contribuam para o aperfeiçoamento tanto da legislação quando da própria jurisprudência.

E para investigar o tema nuclear do trabalho, julgamos importante, ainda,

tocar em outros assuntos atinentes à Teoria Geral do Direito, mais precisamente acerca

da linguagem, conceito de direito, norma jurídica e sua estrutura e interpretação, a fim

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de fixar premissas e bases que permitirão nos guiar em prol de conclusões coerentes,

estruturadas com a finalidade precípua de evitar contradições ou arrepio à lógica.

Com efeito, coube ao Neopositivismo Lógico (ou Positivismo Lógico) –

nomes conferidos a uma corrente do pensamento humano que ganhou expressão na

segunda década do século XX – a formação de uma Teoria Geral do Conhecimento

Científico (Epistemologia).

De acordo com os ensinamentos de Warat (1995: p. 38),

a primeira ideia que devemos reter do Positivismo Lógico é sua obsessiva preocupação com a linguagem da ciência: a ciência se faz com a linguagem, mas, em última instância, é a própria linguagem. Desta forma, a compreensão coerente e sistemática do mundo é obtida através da linguagem.

Esse movimento atribui à linguagem o instrumento do conhecimento

científico, razão pela qual se preocupa sobremaneira com a sua precisão. Segundo

Carvalho, P. (2005: p. 21):

perceberam os neopositivistas lógicos que a linguagem natural, com os defeitos que lhe são imanentes, como por exemplo a ambiguidade, jamais traduziria adequadamente os anseios cognoscitivos do ser humano, donde a necessidade de partir-se para a elaboração de linguagens artificiais, em que os termos imprecisos fossem substituídos por vocábulos novos, criados estipulativamente, ou se submetessem àquilo que Rudolf Carnap chamou de “processo de elucidação”.

A precisão linguística constitui meio essencial para a clareza e transmissão

de conhecimento. Na linha do que apontou Giappichelli (1955: p. 37):

as questões de nome são de grande importância, porque, elegendo um nome ao invés de outro, torna-se rigorosa e não suscetível de mal-entendido uma determinada linguagem. A purificação de linguagem é uma parte essencial da pesquisa científica, sem a qual nenhuma pesquisa poderá dizer-se científica.

O rigor científico, pois, demanda uma linguagem mais técnica do que a

natural, voltada à máxima precisão dos sentidos dos termos empregados. Sem dúvida

nenhuma este pressuposto exerce enorme influência na consistência do discurso

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científico. Uma linguagem precisa (de forma a eliminar ambiguidades e vaguidades8),

além da delimitação do objeto e método, é essencial para o sucesso do conhecimento e

consistência de um trabalho científico.

I.II. Linguagem

Como bem observou Hegenberg (2002: p. 19),

ao nascer, somos “atirados” em um mundo. Diante de nós, uma circunstância cheia de coisas, a que, aos poucos, nos ajustamos. Para que o ajuste não seja apenas “físico”, mas também intelectual, contamos com as interpretações que dela fizeram aqueles que nos antecederam. A função das interpretações é emprestar inteligibilidade às coisas.

Esse ajuste intelectual ou interpretações tendentes a tornar algo inteligível

são frutos do pensamento. O ato de pensar, reitera-se, dá origem ao próprio objeto e às

proposições que buscam descrevê-lo.

Os pensamentos, as proposições, as interpretações, enfim, o próprio

conhecimento, enquanto construções intelectuais, ocorrem através da linguagem. É a

linguagem que permite a comunicação 9 e, consequentemente, a aquisição e

transmissão de conhecimento. É justamente sob esta óptica que Wittgenstein (1994: p.

111) concluiu que “os limites de minha linguagem são os limites do meu mundo”.

Ludwing Wittgenstein foi um dos precursores da filosofia da linguagem, a

qual deu origem ao movimento conhecido como giro linguístico. A concepção filosófica

em questão rompeu com a concepção da linguagem como instrumento de conexão

entre o sujeito e o objeto, passando a ser o próprio pressuposto do conhecimento e

também seu instrumento de controle.

8 Utilizando-se das lições de Carvalho, P. (2005: p. 22), “existem fatores que distorcem, dificultam ou retardam o recebimento da mensagem, tecnicamente denominados “ruídos”. A ambiguidade e a vaguidade, por exemplo, são problemas semânticos presentes onde houver linguagem. Um termo é vago quando não existe regra que permita decidir os exatos limites para sua aplicação, havendo um campo de incerteza relativa ao enquadramento de um objeto na denotação correspondente ao signo. Já a ambiguidade é caso de incerteza designativa, em virtude da coexistência de dois ou mais significados.” 9 “Os homens comunicam-se, quer queiram quer não (é impossível não se comunicar, pois não se comunicar é comunicar que não se comunica). Essa comunicação admite várias linguagens (falada, por gestos, pictórica, musical etc.). Em consequência, a descrição da realidade depende da linguagem usada” (FERRAZ JÚNIOR, 2011: p. 36).

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Na doutrina de Scavino (1999: p. 12) “a linguagem deixa de ser um meio,

algo que estaria entre o sujeito e a realidade, para se converter num léxico capaz de

criar tanto o sujeito como a realidade.”

Dito em outros modos: é por meio da linguagem que temos acesso às

coisas, que construímos os objetos e controlamos seu conhecimento. É a linguagem

que permite conhecer o real. Nesse sentido, esclarece Araujo (2011: p. 15) que “não é a

realidade o que conhecemos, mas somente uma parte dela; apenas a parcela que

sujeitamos à linguagem, às representações e aos conceitos.”

Enunciar que a linguagem cria a realidade não significa afirmar que

inexistem dados independentes dela. O que se quer dizer é que somente por meio da

linguagem é possível conhecê-los, transformando-os numa realidade para nosso

intelecto.

Sobre esse assunto, excelentes as colocações de Flusser (2007: pp. 46, 48,

53):

a matéria prima do intelecto, a realidade, portanto, consiste em palavras e de dados brutos a serem transformados em palavras para serem apreendidos e compreendidos. (...) Apreender palavras é formar intelecto. As palavras apreendidas começam a formar uma superestrutura sobre os sentidos, começa a surgir um Eu no sentido estrito. As palavras apreendidas têm significado. Por sobre o caos dos dados brutos sem significado, dentro do qual vivem os sentidos, surge o cosmos simbólico das palavras, dentro do qual vive o intelecto. (...) (...) os dados brutos se realizam somente quando articulados em palavras. Não são realidade, mas potencialidade. A realidade será, em consequência, o conjunto das línguas.

De fato, não utilizamos a linguagem para reproduzir o mundo físico. Pelo

contrário, é a linguagem que determina o que chamamos de realidade. Como faz crer

Moussallem (2011: p. 9), “a importância da linguagem, para o homem, encontra-se

plasmada em sua inevitabilidade. A linguagem é inevitável. Permeia toda a realidade

sociocultural, que, por sua vez, condiciona a ação humana”.

A linguagem não possui somente função descritiva. Também é usada para

diversas outras funções, identificadas dentro do universo do discurso em que estiver

inserida (teoria dos jogos de linguagem10). É usual valer-se da linguagem na sua função

10 A expressão “jogo de linguagem” foi atribuída por Wittgenstein (1994). De acordo com o filósofo austríaco, a linguagem deve ser compreendida de acordo com as regras do jogo em que ela está inserida.

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de prescrever condutas ou fazer coisas, na sua função poética, na função interrogativa,

funções estas que variam conforme o respectivo “ato de fala”.

Por ato de fala devemos compreender a ação que é executada através do

dizer. Tal terminologia foi utilizada por Austin (1965), ao afirmar que o uso da linguagem

assume diferentes sentidos num discurso, podendo significar “dizer algo” como “fazer

algo”, de acordo com a intenção do locutor.

O ato de fala está intimamente relacionado à forma de falar do sujeito, ou

seja, a maneira de utilizar uma dada língua. Segundo Warat (1995: p. 65):

Indagar sobre um uso linguístico ou modo de significar é realizar uma análise das alterações significativas que as palavras sofrem no processo de comunicação. (...) é impossível analisar o significado de um termo sem considerar o contexto no qual se insere, ou seja, seu significado contextual. Desta forma, um termo possui dois níveis básicos de significação: o significado de base e o significado contextual. O primeiro é aquele que reconhecemos no plano teórico quando abstraímos a significação contextual e consideramos o sentido congelado, a partir dos elementos de significação unificados por seus vínculos denotativos. O segundo pode ser entendido como o efeito de sentido derivado dos processos efetivos da comunicação social. Toda expressão possui um número considerável de implicações não manifestas. A mensagem nunca se esgota na significação de base das palavras empregadas. O sentido gira em torno do dito e do calado. (...) A análise funcional sustenta, assim, que o processo de significação não depende unicamente das relações internas dos signos, mas também de um sistema de evocações provenientes dos contextos de uso, que, por sua vez, são determinados pelos objetivos do emissor, pela materialidade ideológico-política da sociedade e pelos dados do contexto comunicacional.

No seu Curso de Linguística Geral, Saussure (2006) aponta que a linguagem

comporta duas partes: (i) a língua, sua parte social; e (ii) a fala, sua parte individual.

Quanto à língua, diz o autor que “ela é parte social da linguagem, exterior ao indivíduo,

que, por si só, não pode nem criá-la nem modificá-la; ela não existe em virtude duma

espécie de contrato estabelecido entre os membros da comunidade.(...) é um sistema

de signos que exprimem ideias.”. Já a fala “é, ao contrário, um ato individual de vontade

e inteligência, no qual convém distinguir: 1º, as combinações pelas quais o falante

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realiza o código da língua no propósito de exprimir seu pensamento pessoal; 2º, o

mecanismo psicofísico que lhe permite exteriorizar essas combinações.”11

A língua é um produto social, adotada por uma determinada coletividade

com a finalidade de promover a comunicação, via de acesso ao conhecimento. Trata-se

de uma espécie de convenção ou código estipulado para fins comunicacionais (caso do

idioma português, um código idiomático). A fala é subjetiva, constituindo-se pelo efetivo

uso particular da língua pelas pessoas que habitam uma mesma comunidade linguística.

Refletir sobre linguagem, língua e fala reporta-nos a outro termo, o signo.

Num conceito amplo, o “signo” é a unidade de um sistema que permite a comunicação

entre duas ou mais pessoas. É, conforme Pierce (2000: p. 45), “aquilo que, sob certo

aspecto ou modo, representa algo para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria na

mente dessa pessoa, um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido.”.

Na visão de Carvalho, P. (2011: pp. 33-34):

Como unidade de um sistema que permite a comunicação inter-humana, signo é um ente que tem o status lógico de relação. Nele, um suporte físico se associa a um significado e a uma significação, para aplicarmos a terminologia husserliana. O suporte físico da linguagem idiomática é a palavra falada (ondas sonoras, que são matérias, provocadas pela movimentação de nossas cordas vocais no aparelho fonético) ou a palavra escrita (depósito de tinta no papel ou de giz na lousa). Esse dado, que integra a relação sígnica, como o próprio nome indica, tem natureza física, material. Refere-se a algo do mundo exterior ou interior, da existência concreta ou imaginária, atual ou passada, que é seu significado; e suscita em nossa mente uma noção, ideia ou conceito, que chamamos de “significação.”

A Semiótica (ou Semiologia), como ciência que tem por objeto o estudo dos

signos 12 , distingue três planos de investigação dos sistemas sígnicos. São as

dimensões que a linguagem apresenta: (i) o sintático, em que os signos são analisados

entre si (signos com signos); (ii) o semântico, que examina a relação do signo com o

que ele representa; e (iii) o pragmático, em que se estudam a relação do signo com os

utentes da linguagem (emissor e destinatário). 11 Na verdade, a língua e a fala são indissociáveis, ou seja, não há língua sem fala e vice-versa. A língua, pois, é necessária para que a fala seja inteligível e produza efeitos; e a fala é necessária para que a língua se exteriorize. 12 Os signos podem ser classificados em três espécies, conforme a relação que mantêm com seus significados: (i) índice; (ii) ícone; e (iii) símbolo. O primeiro (índice) mantém uma conexão física (exemplo: onde há fumaça, há fogo); no segundo (ícone) há uma representação do objeto (exemplos: caricatura e foto). E o terceiro (símbolo) é arbitrariamente construído, conforme os aspectos culturais (exemplos: palavras e placas).

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Cada língua, tomada como um sistema próprio de signos que se prestam à

comunicação, possui aspectos próprios, promovendo ao sujeito nela inserido uma

sensação própria de realidade. “Ao conjunto de categorias e modos de pensar

incorporados pela vivência de uma ou várias línguas atribuímos o nome de cultura. E,

neste sentido, dizemos que os horizontes culturais do intérprete condicionam seu

conhecimento, ou seja, sua realidade.” (CARVALHO, A., 2010: p. 21).

Os objetos, enquanto construções linguísticas, estão condicionados à

vivência do sujeito, vivência esta determinada pelas categorias de uma dada língua. É

justamente este aspecto cultural que torna o mundo comum para aqueles que habitam

uma mesma comunidade linguística.

A propósito, achamos interessante reproduzir o trecho abaixo, no qual

Mandela (2012: p. 103) relatou a importância essencial do conhecimento das línguas do

povo da África do Sul, na sua luta contra o regime do apartheid.

A rainha ficou especialmente interessada em mim e em um momento se dirigiu diretamente a mim, mas falou em Sesotho, uma língua da qual eu sabia apenas umas poucas palavras. Sesotho é a língua do povo Sotho assim como dos Tswana, uma boa porção dos quais mora o Transvaal e no Estado Livre de Orange. Ela olhou para mim com incredulidade, e então falou em inglês, “Que tipo de advogado e líder você será se não sabe falar a língua do seu próprio povo”? Eu não tive resposta. A pergunta me deixou embaraçado e sóbrio; ela me fez me dar conta de servir o meu povo. Eu havia inconscientemente sucumbido às divisões étnicas estimuladas pelo governo branco e não sabia como conversar com os meus próprios amigos e parentes. Sem a linguagem, não se pode conversar com as pessoas e compreendê-las; não se pode compartilhar suas esperanças e aspirações, ter noção de sua história, apreciar sua poesia, ou saborear suas canções. Uma vez mais me dei conta de que não éramos povos diferentes com linguagens separadas; éramos um só povo, com línguas diferentes.

Junto com o aspecto cultural, a compreensão de um dado objeto também

está condicionada às coordenadas de tempo e espaço, formando aquilo que se

denominou de “sistema de referência”, que nada mais é do que as condições que

informam o conhecimento sobre um determinado objeto. “Sem sistema de referência, o

conhecimento é desconhecimento” (TELLES JÚNIOR, 1985: p. 289)13.

13 Para este Autor, aliás, “o sistema de referência é produto de muitas causas: do legado genético, aprendizagem, experiências etc. cada homem possui seu próprio universo cognitivo, mas seu sistema de referência pode não pertencer exclusivamente a ele, por ser de uma comunidade inteira. Oriundos das mesmas contingências, é natural que os sistemas de referência de pessoas de um mesmo grupo sejam semelhantes uns aos outros. Tais sistemas constituem um patrimônio cultural comum” (Op. Cit. p. 284).

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Nesse sentido caminhou Tomé (2005: p. 8):

não existe conhecimento sem sistema de referência: este é condição sem a qual aquele não subsiste. É exatamente por se colocarem em um tipo de sistema de referência que os objetos adquirem significado, pois algo só é inteligível à medida que é conhecida sua posição em relação a outros elementos.

O sistema de referência pode variar de sujeito para sujeito, fato este que

impede de falar em verdades absolutas. Uma proposição tomada como verdadeira num

modelo pode ser falsa se construída sob um sistema referencial e cultural diferente.

Uma verdade de ontem não necessariamente corresponde a uma verdade de hoje.

Tal constatação, cumpre ressaltar, não significa dizer que não existem

afirmações verdadeiras. Pelo contrário, o discurso descritivo é construído em nome da

verdade. A verdade consiste justamente como um valor em nome do qual se fala.

É pela relação estabelecida entre uma proposição e a linguagem de um

dado sistema que é possível aferir sua veracidade ou falsidade. Assim, é possível dizer

que uma proposição é verdadeira quando ela está em conformidade com uma

interpretação estabelecida, adotada dentro da referência em que o conhecimento é

processado.

I.III. Conceito de Direito

Não temos a pretensão de realizar uma investigação aprofundada sobre as

diferentes concepções da palavra “direito”, mas sim de definir o seu conceito, a fim de

delimitar o objeto da Ciência do Direito.

Para tanto, é importante, inicialmente, traçar considerações sobre a própria

definição do signo “conceito”. Segundo dispõe Grau (2002: p. 220):

O conceito na concepção aristotélica compreende, em sentido amplo, a simplex apprehensio rei, envolvendo também a representação sensitiva ou imagem do objeto conceituado. Em sentido estrito compreende a simplex apprehensio essentiae rei. Ao formulá-lo extraímos mentalmente do objeto sua aparência singular ou individual. Daí por que o conceito, em oposição à imagem ou representação concreta, ou gráfica, é sempre abstrato. A cada conceito corresponde um termo. Este – o termo – é o signo linguístico do conceito. Assim, o conceito, expressado no seu termo, é coisa (signo) que representa outra coisa (seu objeto).

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Essas considerações colocam em evidência a distinção entre “termo” e

“conceito”. Utilizando-se da explicação de Gama (2009: p. 233), “o termo é o suporte

físico, o significante, a partir do qual se constrói uma significação acerca de um

significado. Esta significação é o conceito, a ideia suscitada pelo contato com o termo”.

O “conceito” é seletor de propriedades. Ao conceituar, nada mais fazemos

do que criar uma classe (ou critérios), nos quais é possível incluir ou excluir

determinado(s) objeto(s). Observando isso, aduz Vilanova (1947: p. 17) que o conteúdo

do conceito “é justamente a identidade que o pensamento destaca na multiplicidade do

objeto, é a unidade e a permanência que coexistem no objeto, ao lado da pluralidade e

variação”.

As pessoas, na verdade, possuem o conceito de uma palavra por

vivenciarem uma língua. É o contexto cultural e o uso dos termos que aproxima e

distancia os conceitos. Não existe, portanto, uma significação absoluta às palavras14.

Há, na verdade, ideias dos signos que tendem a se aproximar em relação às pessoas

que habitam uma mesma comunidade linguística e, em função disto, acabam

associando significações próximas.

Os próprios signos utilizados na linguagem do Direito servem de exemplo

para caracterizar a ambiguidade e vagueza das palavras e expressões de uma forma

geral, afinal não raramente ensejam discussões sobre a exata conduta que pretendem

regulamentar.

Sobre esse tema, julgamos oportuno transcrever a seguinte passagem do

voto do Sr. Ministro do STF Cezar Peluso15:

A Constituição Federal não explicita o sentido nem o alcance da palavra faturamento, como tampouco o faz em relação a “tributo”, “propriedade”, “família”, “liberdade”, “vida”, “crime”, “cidadão”, “sufrágio”, etc.. Ou seja, não há, no texto constitucional, predefinição ou conceituação formal dos termos aí usados, nem seria conveniente que o houvesse em todos os casos, pois o texto deve adaptar-se às necessidades históricas da evolução socioeconômica, segundo sua vocação de abertura permanente. (...) As palavras (signos), assim na linguagem natural, como na técnica, de ambas as quais se vale o direito positivo para a construção do tecido normativo, são potencialmente vagas, mas isso também significa que, por

14 “As palavras são signos arbitrários, os significados das palavras não são descobertos, mas sim assinalados convencionalmente”. (HOSPERS, 1978: p. 17) 15 STF. Tribunal Pleno. RE nº 357.950-9. 18/05/2005.

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maiores que sejam tais imprecisões, há sempre um limite de resistência, um conteúdo semântico mínimo recognoscível a cada vocábulo, para além do qual, parafraseando ECO, o intérprete não está “autorizado a dizer que a mensagem pode significar qualquer coisa. Pode significar muitas coisas, mas há sentidos que seria despropositado sugerir”. (...) Na grande maioria dos casos, porém, os termos são tomados no significado vernacular corrente, segundo o que traduzem dentro do campo de uso onde são colhidos, seja na área do próprio ordenamento jurídico, seja no âmbito das demais ciências, como economia (juros), biologia (morte, vida, etc.), e, até, em outros estratos linguísticos, como o inglês (software, internet, franchising, leasing), sem necessidade de processo autônomo de elucidação. (...) Quando não haja conceito jurídico expresso, tem o intérprete de se socorrer, para a re-construção semântica, dos instrumentos disponíveis no próprio sistema do direito positivo, ou nos diferentes corpos de linguagem. (...) Apesar de parecer expletivo, ante a própria inteligência do sistema, o qual já não permite alteração de competência tributária pelo ente federado que a recebe, dada a rigidez constitucional, é, a respeito, peremptório o art. 110 do Código Tributário:

“Art. 110 - A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”.

É claro que o preceito não serve a interpretar a Constituição, mas tem eficácia enquanto predica sanção de invalidez às normas tributárias que a contrariem nos aspectos enunciados. E não deixa de confirmar que a Constituição da República usa, implicitamente, conceitos de direito privado para definir ou limitar competências tributárias.

Com efeito, as palavras e expressões, embora não raramente sejam

ambíguas e imprecisas, possuem ao menos um significado mínimo determinável

(significação de base). Inexistisse uma área de certeza sobre o cabimento de um

conceito, “as palavras não passariam de ruídos sem qualquer conteúdo. Não seriam

signos, é dizer, significantes, e a comunicação humana tornar-se-ia impossível” 16.

Esse mínimo semântico dos termos e palavras, identificados com base no

seu uso dentro de um universo linguístico determinado, revela a pré-compreensão (dado

cultural) necessária àquilo que se pretende conhecer. Todo conceito, como diz

Carrazza, R. (2012: p. 94), “ainda que vago e impreciso, é, por definição, uma noção

finita, graças a que possui, necessariamente, um núcleo central incontestável”.

16 Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello. Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social. RDP 57/58. p. 245.

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Sem dúvida, existem exemplos diante dos quais não se duvida que a palavra

é aplicável. Há, porém, uma zona de obscuridade, sem limites precisos, onde os

conceitos podem distanciar-se, afinal, a vivência cultural e o contexto do discurso

podem variar.

Metaforicamente, como leciona Warat (1995: p. 77), a linguagem pode

apresentar três zonas: a) de luminosidade positiva, composta pelos objetos onde não

existem dúvidas em relação a sua inclusão na denotação; b) de luminosidade negativa,

composta pelas situações que com certeza não entram na denotação; e c) de incerteza,

onde existem dúvidas quanto ao fato do objeto ou situação entrar ou não na denotação.

Isso permite colocar em evidência um dos grandes problemas dos juristas,

qual seja, o da busca por um conceito unívoco de direito. Como notou Hart (2001: p. 5),

poucas questões respeitantes à sociedade humana têm sido postas com tanta persistência e têm obtido respostas, por parte dos pensadores sérios, de formas tão numerosas, variadas, estranhas e até mesmo paradoxais como a questão: O que é Direito?

Carrió (1979: p. 136-137) assinala que a palavra direito é ambígua, pois

pode ter distintos significados, segundo os diferentes contextos em que esteja inserida,

ou distintos matizes de significado em função desses diversos contextos. Já vaga,

porque o uso faz com que seja incerta ou duvidosa a inclusão de um fato ou de um

objeto concreto, deixando-a em uma “zona de penumbra” que circunda a área de

significado claro da palavra, como ocorre com as palavras “noite”, “jovem”, “velho”,

“alto”, “baixo”.”

De fato, a palavra “direito” é ambígua, pois contém vários significados. É

também vaga, porque os critérios de seu uso não são suficientemente precisos para

definir o seu significado. E, ainda, o termo “direito” traz consigo forte carga valorativa,

afinal não raramente as pessoas se utilizam dele para expressarem verdadeiros valores,

tais como o de poder, de justiça, de aquilo que é correto etc.

Diante desses ruídos quanto ao conteúdo semântico da palavra “direito”, é

mister defini-lo. Definir, de acordo com as lições de Haret (2010: p. 5):

associa-se a outros verbos como circunscrever, determinar, precisar, ou mesmo pôr ou assinalar limites a determinada coisa. De uma forma ou de outra, tem-se que definição é atitude em que se busca demarcar um objeto mediante inúmeras técnicas cognitivistas, mas que guardam uma mesma

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característica: o fato de serem sempre feitas mediante a enunciação de propriedades e características, capazes de diferenciar uma determinada coisa de outra(s). Portanto, é somente com a linguagem que a definição se mostra presente. (...) Para a lógica, definir é determinar com rigor a compreensão exata de um conceito com o fim de situá-lo em relação a outros conceitos, classificando-o e distinguindo-o.

“Definição”, portanto, é diferente de “conceito”. Reforça tal assertiva Becho

(2011: p. 102): “tecnicamente tais palavras expressam realidades diferentes. Conceito é

termo que expressa uma construção mental, uma ideia, uma noção. (...). Já definição

quer exprimir, propriamente, um dado certo, escrito, delimitado de forma precisa e

exata.”.

As definições podem ser percebidas de duas maneiras: na forma conotativa

ou na forma denotativa. A conotação busca delimitar o uso da palavra, indicando as

características do seu conceito, ou seja, os critérios que permitem chamar o objeto por

um nome próprio. Já a denotação busca identificar os elementos que se ajustam ao

termo. A título de exemplo, vejamos a palavra “fruta”. Enunciar banana, maça, melancia

é definir denotativamente o termo, ao passo que dizer produto alimentício normalmente

obtido pelas plantas ou na terra seria defini-lo conotativamente.

Voltando ao conceito de “Direito”, sua definição está intimamente ligada ao

corte metodológico do sujeito cognoscente. No plano científico, coube a Hans Kelsen

(2012) desenvolver uma “teoria pura do Direito”. Para tanto, esquivando-se dos ideais

políticos, morais e de justiça, propôs a purificação metodológica do estudo do Direito, na

tentativa de conferir autonomia à Ciência do Direito. Eis algumas palavras do mestre de

Viena:

Como teoria, quer única e exclusivamente conhecer o seu próprio objeto. Procura responder a esta questão: o que é e como é o Direito? Mas já não lhe importa a questão de saber como deve ser o Direito, ou como deve ele ser feito. É ciência jurídica e não política do Direito. Quando a si própria se designa como “pura” teoria do Direito, isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental. (...) O Direito, que constitui o objeto deste conhecimento, é uma ordem normativa da conduta humana, ou seja, um sistema de normas que regulam o comportamento humano. (KELSEN, 2012: pp. 1, 5)

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Adotando esse mesmo caminho epistemológico, definimos direito como o

conjunto de normas jurídicas que têm por finalidade veicular comandos proibindo,

permitindo ou obrigando determinados comportamentos na vida social, sob pena do

Estado adotar providências coercitivas que o próprio sistema prevê para seu

descumprimento.

Essa visão normativa do direito foi bem esclarecida por Ataliba (2002), para

quem “o direito (em sentido objetivo) é um conjunto de normas que – por isso que

integrando a ordem jurídica – se chamam normas jurídicas. Formam o direito positivo: o

direito posto (e só pode ser retirado) por quem tem poder jurídico para tanto.” (p. 25)

Nessa concepção, e utilizando-se dos planos de investigação dos sistemas

sígnicos, a análise do plano sintático da linguagem do direito positivo tem por foco a

estrutura lógica das normas jurídicas. Já a do plano semântico envolve o estudo do

conteúdo normativo, isto é, da relação entre a norma e a conduta por ela regulada. E,

por fim, o plano pragmático permite a análise da forma de utilização da linguagem

jurídica, o que envolve a jurisprudência, a aplicação das normas jurídicas, criação etc.

O direito positivo (ou direito posto) não deve ser confundido com a “Ciência

do Direito”. Trata-se de realidades totalmente distintas. Em linhas gerais, consistindo no

conjunto de normas jurídicas, o direito positivo objetiva regulamentar condutas.

Manifesta-se por meio de linguagem prescritiva, sujeitando-se à lógica deôntica e às

valências de validade ou invalidade. A Ciência do Direito toma o direito posto como

objeto, razão pela qual descreve a realidade jurídica na tentativa de compreendê-la.

Como assevera Carvalho, P. (2010: p. 24), “o direito positivo se manifesta

em linguagem, com função prescritiva, ao passo que a Ciência que o descreve também

aparecerá como discurso linguístico, mas em função descritiva ou teorética. Linguagem-

objeto ali; metalinguagem descritiva aqui.”.

Ao estudar de forma mais aprofundada as características de cada uma das

linguagens, Carvalho, A. (2010: p. 117) sintetizou que:

(i) O direito positivo é um corpo de linguagem com função prescritiva, que se dirige ao campo das condutas intersubjetivas com a finalidade de alterá-las. Configura-se como linguagem objeto em relação à Ciência do Direito e como metalinguagem em relação à linguagem social. É materializado numa linguagem do tipo técnica, que se assenta no discurso natural, mas utiliza-se de termos próprios do discurso científico. É operado pela Lógica Deôntica, o que significa dizer que suas proposições estruturam-se sob a fórmula “H – C”, onde a consequência prescrita “C” aparece modalizada

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com os valores obrigatório (O), proibido (V) e permitido (P). Suas valências são validade e não validade, o que não impede a existência de contradições entre seus termos. (ii) A Ciência do Direito é um corpo de linguagem com função descritiva, que tem como objeto o direito positivo, caracterizando-se como metalinguagem em relação a ele. É objetivada num discurso científico, onde os termos são precisamente colocados. Sintaticamente é operada pela Lógica Alética, o que significa dizer que suas proposições manifestam-se sob a forma “S é P”, onde o predicado “P” aparece modalizado com os valores necessários (N) e possível (M). Suas valências são verdade e falsidade e seu discurso não admite a existência de contradições entre os termos.

Tanto o direito positivo quanto a Ciência do Direito são verdadeiros

sistemas, afinal, cada um deles é formado por um conjunto de elementos que,

relacionados entre si, formam um todo unitário. Na lição de Vilanova (2010: 133-134), “o

que chamamos ordenamento jurídico, sintaticamente é o sistema. Sob esse ângulo

formal, cabe dizer, com Pontes de Miranda: o Direito é um sistema lógico de

proposições. Mas tanto o Direito-ciência, como o Direito positivo.”

O sistema jurídico é dotado de características próprias que lhe conferem

autonomia, distinguindo-o dos demais sistemas. Um dos seus principais atributos

repousa no fato de que as normas jurídicas vinculam seu descumprimento à aplicação

de sanções coercitivas, inclusive mediante utilização do uso de força, mesmo contra a

vontade do sujeito destinatário.

Com lastro em Kelsen (2012: p. 35 e 37),

como ordem coativa, o Direito distingue-se de outras ordens sociais. O momento coação, isto é, a circunstância de que o ato estatuído pela ordem como consequência de uma situação de fato considerada socialmente prejudicial deve ser executado mesmo contra a vontade da pessoa atingida e – em caso de resistência – mediante o emprego de força física, é o critério decisivo.

O povo, diante da necessidade de impor limites aos governantes, e de

preservar a garantia de direitos fundamentais, se viu na contingência de criar um

sistema normativo tendente a implementar determinados valores sociais. O Direito,

portanto, aparece como um produto cultural que, mediante atos de valoração, cria

normas jurídicas reguladoras de conduta, prescrevendo comportamentos a que tanto o

Estado quanto os particulares devem obediência, sob pena de sofrerem sanções

estabelecidas no interior do próprio sistema.

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Para Araujo (2011: pp. 21, 23, 27):

O Direito, na condição de objeto do conhecimento (objeto dinâmico), integra a classe dos objetos culturais, derivados e complexos por representarem uma integração entre o ser (Sein) e o dever-ser (Sollen), já que esta é a natureza da cultura. (...) A cultura é local, é localizada, refere-se e pertence a um povo, é permeada e produzida pela intersubjetividade. (...) Como sistema, o direito garante a sua própria imperatividade numa relação de imputação que é simultaneamente imposta e aceita pelos destinatários, na medida em que os jurisdicionados são tanto os receptores como a fonte do poder ou da autoridade do editor normativo.

O direito positivo, pois, caracteriza-se como um verdadeiro objeto cultural,

servindo como um instrumento de intervenção social. As normas jurídicas se voltam à

linguagem social com a finalidade de regulá-la.

Todas essas ideias foram sintetizadas com propriedade por Carvalho P.17:

Trato o direito positivo adotando um sistema de referência, e esse sistema de referência é o seguinte: primeiro, um corte metodológico, eu diria de inspiração kelseniana – onde houver direito haverá normas jurídicas, necessariamente. Segundo corte – se onde houver direito há, necessariamente, normas jurídicas, nós poderemos dizer: onde houver normas jurídicas há, necessariamente, uma linguagem em que estas normas se manifestam. Terceiro corte – o direito é produzido pelo ser humano para disciplinar os comportamentos sociais; vamos tomá-lo como produto cultural, entendendo objeto cultural como todo aquele produzido pelo homem para obter um determinado fim.

Ressalte-se que o termo “positivo” (constante na expressão “direito positivo”)

significa o direito que é posto, ou melhor, imposto pelo Estado na forma de textos

produzidos por atos de fala das autoridades competentes.

O direito positivo, a Ciência do Direito e a realidade social são sistemas que

constantemente interagem entre si, independentemente de suas “identidades

linguísticas”. Sobre esta relação, novamente invocamos o magistério de Carvalho, P.

(2010: p. 13):

sobre essa linguagem (a social) incide a linguagem prescritiva do direito positivo, juridicizando fatos e condutas, valoradas com o sinal positivo da licitude e negativo da ilicitude. A partir daí, aparece o direito como sobrelinguagem, ou linguagem de sobrenível, cortando a realidade social com a incisão profunda da juridicidade. Ora, como toda a linguagem é

17 Apostila do curso de teoria geral do direito. p. 141. (citado por CARVALHO, A., 2010: p. 83).

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redutora do mundo sobre a qual incide, a sobrelinguagem do direito positivo vem separar, no domínio do real social, o setor juridicizado do setor não juridicizado, vem desenhar, enfim, o território da facticidade jurídica.

Para ingressar no direito positivo (mundo normativo do dever ser) é preciso

que um acontecimento social (mundo do ser) seja integrado à linguagem própria

(jurídica, no caso). Caso o sistema normativo não qualifique juridicamente o

acontecimento, não integrando o território da facticidade jurídica, ele não é relevante

para o direito.

Isso não passou despercebido para Miranda, P. (2012: p. 65), ao registrar

que “os fatos do mundo ou interessam ao direito, ou não interessam. Se interessam,

entram no subconjunto do mundo a que se chama mundo jurídico e se tornam fatos

jurídicos, pela incidência das regras jurídicas, que assim os assinalam”.

Não podemos perder de vista, nesse contexto, que a linguagem prescritiva

do direito apresenta-se como um fenômeno comunicacional, manifestada dentro de um

sistema de mensagens produzidas por pessoas competentes, que têm por objetivo

regular condutas intersubjetivas.

A teoria comunicacional do direito é relativamente recente, tendo recebido

enorme influência da filosofia da linguagem. Em linhas gerais, a aludida teoria toma as

normas jurídicas como mensagens direcionadas às pessoas, que são articuladas por

meio de signos dotados de conteúdo prescritivo de comportamento.

Grau (2013: p. 140) captou bem a ideia de direito como comunicação: “o

direito é, fundamentalmente, comunicação, seja para ordenar situações de conflito, seja

para instrumentalizar políticas. Daí a necessidade – inafastável – de penetrarmos o nível

linguístico na prática das atividades próprias do profissional do direito.”.

Dentro da sistemática comunicacional do direito, temos apenas acesso aos

textos produzidos nos moldes do sistema jurídico. De fato, o direito é posto por palavras,

cabendo aos destinatários a tarefa de construir seus sentidos em busca da conduta

regulada.

Foi com base nessa observação que Robles (1998: p. 69) chegou à

conclusão de que “o trato com o direito sempre nos conduz ao manejo de textos”. O

texto, na verdade, exerce o papel de suporte físico, permitindo, a partir dele, e em

conformidade com o sistema, a atribuição de sentido às mensagens veiculadas.

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É inconteste que o direito posto demanda manejo de textos. A Constituição

Federal, as leis, sentenças, atos administrativos, portarias, códigos e demais espécies

normativas são produzidos por meio de textos.

E quando se fala em “textos jurídicos”, não raramente há confusão no que

diz respeito ao seu sentido semântico. Isso porque tal expressão pode ser utilizada

como suporte físico e também como o próprio conteúdo (ou seja, como a significação

atribuída pelo leitor ao texto). Tecnicamente, porém, definimos texto pelo seu sentido

estrito, isto é, como o documento normativo, o suporte físico, verdadeira “porta de

entrada” para a interpretação e construção da norma jurídica.

I.IV. Norma Jurídica

A expressão “norma jurídica” costuma ser empregada em sentido amplo,

podendo representar, dependendo do contexto, o texto jurídico, os enunciados

prescritivos neles constantes, os veículos introdutores de normas e/ou a própria conduta

normatizada.

Na visão de Ivo (2006: p. XXII):

debaixo de um mesmo rótulo (= norma jurídica) se escondem elementos distintos. É comum o termo referir-se aos instrumentos introdutores de normas, aos documentos normativos, aos enunciados prescritivos e ao sentido que se atribui aos enunciados prescritivos. Assim, quando nos deparamos com um diário oficial encontramos leis publicadas. Essas leis publicadas contêm enunciados que veiculam normas. Não vemos as normas, porquanto o que se abre aos nossos olhos são os textos prescritivos por meio dos quais elas são transmitidas.

No seu sentido estrito, porém, a norma jurídica é reduzida ao sentido

completo da mensagem prescritiva, vale dizer, à unidade mínima e irredutível do deôntico,

construída intelectualmente a partir da interpretação dos textos produzidos no sistema

jurídico, na linha do que predica Carrazza, R. (2010: p. 15):

a legislação não se confunde com o conjunto de normas jurídicas; estas somente surgem com a interpretação da legislação. Realmente, a partir dos enunciados do direito positivo, o exegeta, valorando-se, constrói as normas jurídicas. Não se nega que estas tomam como ponto de partida os textos do direito positivo, porém seu conteúdo vem discernido pelo intérprete, que se vale, para tanto, de sua própria ideologia, isto é, de sua pauta de valores. As normas jurídicas são, pois,

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construções intelectuais do intérprete, efetuadas a partir da análise da legislação lato sensu.

De acordo com o modelo proposto por Carvalho, P. (2010), a compreensão

dos textos prescritivos do direito positivo opera-se por meio de um percurso gerador de

sentido, que pode ser segregado em quatro planos.

O primeiro deles (S1) consiste no plano da expressão, da literalidade textual

ou plano dos significantes. Neste plano estão depositados os documentos normativos,

suporte físico dos enunciados prescritivos. Aqui ocorre o primeiro contato do intérprete

com o texto, momento no qual a análise recai sobre os enunciados prescritivos. Neste

momento o intérprete analisa as palavras, frases, períodos e parágrafos constantes dos

documentos normativos.

Ato contínuo, o exegeta ingressa no plano do conteúdo (subsistema S2),

imitindo-se na dimensão semântica e pragmática dos comandos legislados. É o

momento em que são criados valores unitários aos vários signos dos enunciados,

selecionando as significações (proposições) individuais dos enunciados.

No terceiro plano, o intérprete contextualiza as proposições criadas

isoladamente, construindo uma significação normativa plena. Neste momento, o exegeta

sistematiza as proposições, identificando uma unidade completa de sentido para as

mensagens veiculadas nos textos jurídicos. É aqui que o raciocínio do jurista transforma

os textos normativos em normas jurídicas em sentido estrito.

Em esclarecedora lição, Carvalho, P. (2010: p. 249-250) registra que

a norma jurídica não se encontra no plano de expressão, não faz parte do sistema morfológico e gramatical do direito, por este motivo nunca é explícita. Está em outro plano: dos conteúdos significativos deonticamente elaborados. Ela é um juízo construído pelo intérprete a partir dos enunciados prescritivos, por isso, sempre implícita.

O intérprete, no plano S3, cria a norma jurídica stricto sensu, compondo a

regra de conduta regulada pelo direito positivo.

Finalmente, o processo exegético se esgota no subsistema S4, plano este

no qual as normas jurídicas são sistematizadas e agrupadas nas suas relações de

coordenação e subordinação, a fim de definir sua hierarquia dentro do sistema jurídico.

Essa classificação do caminho para a construção do sentido normativo em

planos (S1, S2, S3 e S4) é apenas metodológica. O exegeta transita livremente por

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estes subsistemas, quantas vezes julgar necessárias, mas sem deles sair. Com tais

incursões, ratifica-se a unidade do sistema jurídico, esgotando-se seus componentes

num modelo devidamente articulado do ponto de vista lógico: a norma jurídica enquanto

um juízo implicacional.

Na linguagem do direito posto, as normas jurídicas seguem o princípio da

imputação18. Segundo o magistério de Borges (1999: p. 20):

as normas jurídicas atuam, na sociedade, segundo o princípio da imputação: dado um certo antecedente normativamente previsto, um descritor normativo (Voraussetzung), deve-se seguir um certo consequente, um prescritor normativo (Folgerung). Quer dizer: ao comportamento normativamente regulado imputa-se uma consequência juridicamente relevante.

A norma jurídica estrita apresenta-se na forma de um juízo hipotético

condicional, estrutura típica da linguagem prescritiva e que pode ser reduzida à seguinte

fórmula: “se se dá um fato F qualquer, então o sujeito Sa deve fazer ou deve omitir ou

pode fazer ou omitir conduta C ante outro sujeito Sp – assim deve ser” (VILANOVA,

2010: p 57).

Essa estrutura é inerente a todas as normas jurídicas em seu sentido estrito,

que se diferenciam apenas quanto ao seu conteúdo. Isto significa dizer que o direito

positivo é um sistema fechado sintaticamente (homogeneidade sintática), mas aberto

nos seus aspectos semânticos e pragmáticos (heterogeneidade semântica)19.

Observando a estrutura normativa, identificamos duas proposições: (i) a

hipótese (antecedente ou pressuposto), que descreve um acontecimento de possível

ocorrência, o qual serve de fundamento para atribuição de (ii) uma consequência (tese

ou prescritor), cuja função é criar um vínculo relacional entre dois sujeitos.

Como explica Santi (2005: p. 9):

18 “Imputação”, segundo leciona Kelsen (2012: p. 101), “designa uma relação normativa. É esta relação – e não qualquer outra – que é expressa na palavra ‘dever-ser’, sempre que esta é usada numa lei moral ou jurídica.” 19 Com efeito, o fechamento sintático leva em conta a auto referência do direito (é o próprio sistema jurídico que cria sua realidade), ao passo que a abertura semântica e pragmática consiste na possibilidade (i) do legislador inserir novos fatos sociais no sistema do direito positivo, assim como a (ii) dos aplicadores do direito alterarem a significação dos signos positivados no sistema, conforme seus referenciais e evolução cultural.

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A hipótese implica a tese. Descritor de possível situação fáctica do mundo natural ou social, o primeiro; prescritor da relação em que um sujeito Sa fica em face de outro sujeito Sp, o segundo. Retomando a fórmula D [h → R(Sa, Sp)] temos: “D” functor-de-functor indicador da operação deôntica incidente sobre a relação de implicação interproposicional, é o functor “D” (deve ser o vínculo implicacional) que constitui o nexo jurídico das proposições jurídicas intranormativas (hipótese e tese); “h”, hipótese; “→”, conectivo implicacional; e “R(Sa, Sp)”, tese. Nesta, “R” é variável relacional que no universo deôntico triparte-se nos modais obrigatório (O), permitido (P) e proibido (V); “Sa” e “Sp” são os termos, relato e referente, desta relação.

O antecedente normativo é descritor de uma situação que pode ocorrer no

mundo fenomênico. Tem por função estabelecer as notas que um fato social tem para

tornar fato jurídico, implicando uma determinada consequência no ordenamento jurídico.

A hipótese, ensina Vilanova (2010: pp. 49, 52), é a

parte ou membro da norma que tem a função de descrever possível ocorrência no mundo, possível modificação do estado de coisas que entretêm a instável circunstância humana. É a hipótese da norma (seu antecedente, pressuposto, prótase, como se denomine). (...) No campo do direito, especialmente, a hipótese apesar de sua descritividade, é qualificadora normativa do fáctico. O fato se torna fato jurídico porque ingressa no universo do direito através da porta aberta que é a hipótese. E o que determina quais propriedades entram, quais não entram, é o ato-de-valoração que preside à feitura da hipótese da norma.

A hipótese normativa pode ensejar a qualificação da norma jurídica em

abstrata ou concreta. Uma norma é abstrata quando contém critérios de identificação de

um evento futuro e incerto, mas de possível ocorrência; e concreta quando descrever um

acontecimento passado, definido no tempo e espaço.

Utilizando-se dessa classificação, convém observar, com apoio nas lições de

Moussallem (2006: p. 135), que

a norma abstrata não contém no seu antecedente o fato jurídico, mas unicamente os critérios para sua identificação. Ao contrário, a norma concreta encerra no seu interior o fato jurídico. A norma abstrata enuncia a conotação do fato, enquanto a norma concreta compreende a denotação do fato jurídico.

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Pois bem. O antecedente normativo é conectado ao consequente por meio

do “dever-ser” (deve ser que H implique C: “D (H → C)”), de acordo com o ato de

vontade da autoridade competente.

O consequente da norma (tese) tem por função determinar uma conduta que

deve ser prestada por um sujeito em relação a outro. Nele estão previstos os efeitos

imputados ao acontecimento relevante no mundo jurídico. Nas palavras de Carvalho, P.

(2011: p. 133):

se a proposição-hipótese é descritora de fato de possível ocorrência no contexto social, a proposição-tese funciona como prescritora de condutas intersubjetivas. A consequência normativa apresenta-se, invariavelmente, como uma proposição relacional, enlaçando dois ou mais sujeitos de direito em torno de uma conduta regulada como proibida, permitida ou obrigatória.

O prescritor normativo, pois, constitui o meio por excelência da

concretização do direito. Os efeitos atribuídos aos fatos jurídicos são justamente a forma

de garantir a realização do comportamento, sob pena de o Estado aplicar uma sanção

no caso de seu descumprimento.

As notas informativas do consequente devem guardar fiel relação com a

situação prevista no antecedente, uma vez que esta é causa daquele. O prescritor é

sempre uma proposição relacional criadora de um vínculo entre dois ou mais sujeitos em

torno de uma determinada conduta, que deve ser prestada por um e pode ser exigida

por outro.

A relação jurídica prevista no mandamento da norma é expressa por

intermédio do conectivo dever-ser modalizado em permitido, obrigatório, ou proibido,

com o que se exaure a possibilidade do comportamento. Qualquer conduta caberá

sempre em um destes três modais deônticos, não havendo lugar para uma quarta

alternativa (lei do quarto excluído).

O consequente da norma pode ser classificado como individual ou geral.

Individual é aquele que identifica (personaliza) os sujeitos da relação jurídica; e geral é

aquele em que não há esta identificação, regulando uma conduta para uma classe

indeterminada de pessoas.

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Feitas todas essas considerações, forçoso concluir que é possível construir

(i) normas gerais e abstratas; (ii) normas gerais e concretas; (iii) normas individuais e

concretas e (iv) normas individuais e abstratas.

As normas individuais e concretas são sempre subordinadas às gerais e

abstratas. Para Carvalho, P. (2010: p. 56): “há uma forte tendência de que as normas

gerais e abstratas se concentrem nos escalões mais altos, surgindo as gerais e

concretas, individuais e abstratas e individuais e concretas à medida que o direito vai se

positivando”.

De fato, as normas gerais e abstratas são produzidas para serem aplicadas.

Já as normas individuais e concretas são resultados da incidência daquelas sobre fatos

determinados. O que uma prescreve abstratamente, criando uma classe que

compreende inúmeros elementos (mais precisamente, tantas quantas forem as

situações passíveis de enquadramento), a outra define tais elementos, situando-se no

próprio campo material das condutas normatizadas.

Ressalte-se que a diferença entre elas repousa no fato de que a norma

abstrata enuncia a conotação do fato, ao passo que a norma concreta demarca um

conceito denotativo. E para que seja possível essa denotação (que equivale à própria

constituição do fato jurídico), a norma geral e abstrata deve conter critérios mínimos que

permitam a sua aplicação.

Tais critérios formam o que a doutrina denomina de regra matriz de

incidência20, expressão que designa a norma jurídica que contém, no seu antecedente:

(i) um critério material (uma ação ou comportamento), (ii) um critério temporal (o tempo

da ação) e (iii) um critério espacial (o espaço da ação); e no seu consequente: (iv) um

critério pessoal (identificador dos sujeitos da relação jurídica) e (v) um critério

mensurador da prestação (o objeto da conduta).

Somente a partir do momento no qual são satisfeitos todos esses requisitos

na ordem social, e desde que haja o devido relato linguístico na forma prescrita pelo

direito, é que um “evento” passa a ser “fato jurídico”21.

20 Tal terminologia foi bem explicada por Carvalho, A. (2010: p. 376): “Na expressão “regra-matriz de incidência” emprega-se o termo “regra” como sinônimo de norma jurídica, porque trata-se de uma construção do intérprete, alcançada a partir do contato com os textos legislados. O termo “matriz” é utilizado para significar que tal construção serve como modelo padrão sintático-semântico na produção da linguagem jurídica concreta. E “de incidência”, porque se refere a normas produzidas para serem aplicadas”. 21 “Fato jurídico é o resultado da incidência da linguagem normativa sobre a linguagem da realidade social, só possível pelo ato de aplicação do direito.” (MOUSSALLEM, 2006: p. 135).

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Nesse ponto, importante traçar breves considerações sobre a diferença

entre “evento”, “fato” e “fato jurídico". Fato é o relato do evento; e fato jurídico é o relato

do evento pela linguagem competente (isto é, produzida no interior do sistema jurídico).

O evento se perde no tempo e no espaço. Não temos como repetir um evento, apenas

podemos falar sobre ele, na linguagem natural, na linguagem jurídica etc..

Tais signos foram diferenciados com propriedade por Carvalho, A. (2010: p.

522): “evento é uma situação de ordem natural, pertencente ao mundo da experiência,

fato é a articulação linguística desta situação de ordem natural, e fato jurídico é a sua

articulação em linguagem jurídica”.

O direito positivo não tem condições de normatizar as condutas referidas

diretamente a todas as pessoas. É por isso que o sistema jurídico trata, primeiramente,

das situações genéricas de possíveis ocorrências para, a partir daí, criar regras

específicas (normas individuais e concretas), a fim de individualizar a conduta

propriamente dita, solucionando os conflitos e efetivando a regulação das condutas

interpessoais.

I.V. A Interpretação no Direito (Produção, Aplicaçã o e Incidência Normativa)

Tendo em vista a completude do sistema jurídico, além de disciplinar o

comportamento das pessoas, ele próprio também regulamenta a conduta de produzir

normas, o que ocorre no âmbito do processo de positivação do direito.

Positivação, conforme definido por Ferraz Júnior (2011: p. 49):

designa o ato de positivar, isto é, de estabelecer um direito por força de um ato de vontade. Segue daí a tese segundo a qual todo e qualquer direito é um conjunto de normas que valem por força de serem postas pela autoridade constituída e só por força de outra posição podem ser revogadas. Ora, à medida que tais atos de vontade são atos decisórios, positivação passa a ser termo correlato de decisão.

Tomado o direito como o conjunto de normas jurídicas relacionadas entre si,

o estudo de suas fontes implica justamente na análise do ato de produção normativa,

isto é, da positivação do direito. Não é à toa que Carvalho, P. (2011 a: p. 80) aduz que “o

significado da expressão fontes do direito implica refletirmos sobre a circunstância de

que regra jurídica alguma ingressa no sistema do direito positivo sem que seja

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introduzida por outra norma, que chamaremos, daqui avante, de veículo introdutor de

normas”.

A fonte do direito, contudo, é a própria atividade humana, o procedimento, a

enunciação, e não o resultado ou o produto desta atividade. E é, conforme McNaughton

(2011: p. 81), “pelo exame da norma de competência que se observa quem pode dizer o

que, para quem e como”.

Como resultado da enunciação, ato de fala por meio do qual se efetiva a

positivação, surge seu produto: o documento normativo (texto) que contém os

enunciados prescritivos22 . É a partir do produto (o texto) que é possível analisar o

processo (enunciação).

Nesse sentido se manifesta Moussallem (2006: p. 121):

na averiguação das fontes do direito, percorreremos este caminho: partiremos da análise do produto para estudarmos o processo, ou seja, o nosso objeto de estudo imediato é a regra posta, e a partir dela é que buscaremos, por elementos de linguagem, a sua fonte produtora, quais sejam, o procedimento e o agente. (...) o procedimento (aqui tratado como atividade de enunciação) é imediatamente intangível, uma vez que não está projetado no documento normativo, mas, apenas, seus indícios.

Os enunciados jurídicos postos na forma de texto podem ser divididos em

duas classes: “enunciação-enunciada” e “enunciado-enunciado”. A enunciação-

enunciada indica os dêiticos (marcas ou sinais) necessários à reconstrução da produção

normativa (enunciação). Por meio da enunciação-enunciada criamos uma norma jurídica

que pode ser denominada de veículo introdutor de normas. Tal veículo (que pode ser

uma emenda constitucional, uma lei ordinária, um acórdão, uma portaria etc.) evidencia

as coordenadas de tempo e espaço nas quais o documento normativo foi produzido,

bem como indica o agente competente e o respectivo procedimento adotado.

A construção do veículo introdutor permite aferir a relação de pertinência

(validade) da norma posta com as regras de produção normativa pré-estabelecidas

(regras de competência). Na hipótese do veículo introdutor ser produzido em desacordo

22 Segundo Carvalho, P. (2010: p. 42), enunciado é “o produto da atividade psicofísica de enunciação. Apresenta-se como um conjunto de fonemas ou de grafemas que, obedecendo a regras gramaticais de determinado idioma, consubstancia a mensagem expedida pelo sujeito emissor para ser recebida pelo destinatário, no contexto da comunicação”.

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com as normas de estrutura prescritas no sistema jurídico, o próprio ordenamento

poderá expulsá-lo mediante produção de outra norma.

A hierarquia das normas, aliás, parte justamente da análise dos veículos

introdutores. Nos dizeres de Moussallem (2006: p.143),

o direito positivo estrutura-se em uma hierarquia de veículos introdutores, em virtude da hierarquia do seu órgão produtor, em cujo cume encontramos a Assembleia Constituinte, na condição de órgão-fonte superior, descendo verticalmente a ‘pirâmide’ do direito positivo até os órgãos encarregados de expedir os derradeiros comandos normativos.

Ao observar o sistema jurídico, notaremos que uma norma jurídica (N1)

encontra fundamento para sua existência em outra norma jurídica (N2) que, por sua vez,

encontra fundamento numa outra norma (N3). Sob o prisma contrário, nota-se que a

terceira norma (N3) deriva da segunda (N2), a qual deriva da primeira (N1). Em face

destas relações de subordinação, verifica-se que (i) de baixo para cima as normas

inferiores fundamentam-se em normas de hierarquia superior; e (ii) de cima para baixo,

das normas superiores derivam as normas inferiores.

Nessa estrutura, a Constituição Federal exerce papel fundamental no

ordenamento, afinal ela constitui o fundamento último de validade de todas as normas e

de todas dela derivam. Foi justamente essa característica que levou Kelsen (2012) a

representar o sistema jurídico como uma pirâmide, onde as normas de superior

hierarquia (constitucionais) encontram-se localizadas no topo.

Diante, então, do escalonamento das normas integrantes do sistema

jurídico, verifica-se que no topo da pirâmide estão localizadas as normas constitucionais.

A questão que se coloca, portanto, é a seguinte: se as normas constitucionais são as de

mais elevada hierarquia, de onde elas derivariam? Qual seria seu fundamento de

validade?

Não há como responder tal indagação sem pressupor uma norma fundadora,

um poder constituinte, tal como a norma hipotética fundamental. É neste sentido que

Bobbio (1994: pp. 58, 59) traçou as seguintes considerações:

Portanto, se existem normas constitucionais, deve existir o poder normativo do qual elas derivam: esse poder é o poder constituinte. O poder constituinte é o poder último, ou, se quisermos, supremo, originário, num ordenamento jurídico.

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Mas, se vimos que uma norma jurídica pressupõe um poder jurídico, vimos também que todo poder normativo pressupõe, por sua vez, uma norma que o autoriza a produzir normas jurídicas. Dado o poder constituinte como poder último, devemos pressupor, portanto, uma norma que atribua ao poder constituinte a faculdade de produzir normas jurídicas: essa norma é a norma fundamental. (...) Note-se bem: a norma fundamental não é expressa, mas nós a pressupomos para fundar o sistema normativo. Para fundar o sistema normativo é necessária uma norma última, além da qual seria inútil ir.

Sobre a norma hipotética fundamental, Kelsen (2012: p. 51) ensina que:

Esta não é uma norma posta através de um ato jurídico positivo, mas – como o revela uma análise dos nossos juízos jurídicos – uma norma pressuposta, pressuposta sempre que o ato em questão seja de entender como ato constituinte, como ato criador da Constituição, e os atos postos com fundamento nesta Constituição como atos jurídicos. Constatar esta pressuposição reside o último fundamento de validade da ordem jurídica, fundamento esse que, no entanto, pela sua mesma essência, é um fundamento tão-somente condicional e, neste sentido, hipotético.

Trata-se a norma fundamental, pois, de um pressuposto. Constitui uma

proposição axiomática em prol da legitimidade e unidade do sistema jurídico.

Já a parte do texto desvinculada dos sinais da enunciação chama-se de

enunciado-enunciado. Nas lições de Ivo (2006: p. XLVIII),

o enunciado enunciado consiste no conteúdo da mensagem normativa. O que se pretendia regular. Os signos que permitem a construção do sentido da mensagem normativa produzida. (...). O enunciado enunciado seria o conteúdo ainda no plano da expressão. A porta de entrada para a construção do sentido.

É a partir da interpretação do enunciado-enunciado, contudo, que se opera a

construção do sentido da conduta regulada e, consequentemente, a criação da norma

jurídica no seu sentido estrito. No Direito, cumpre reiterar, não interpretamos norma. A

norma jurídica é o resultado da interpretação, tal como sustenta Grau (2013: pp. 16, 25,

27, 31):

os juízes produzem direito em e como consequência do processo de interpretação. A interpretação é transformação de uma expressão (o texto) em outra (a norma). Nesse sentido, o juiz produz direito (isto é, norma). (...) O juiz não legisla nem suplementa a lei, mas, dentro do espaço sinalizado pela lei, autodetermina-se. Eis aí a interpretação. Todo o espaço da dinâmica jurídica é aplicação em relação às normas gerais que o

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fundamentam, mas é criação em relação às normas inferiores que fundamenta. (...) Praticamos a interpretação do direito não – ou não apenas por isso – porque a linguagem jurídica é ambígua e imprecisa, mas porque interpretação e aplicação do direito são uma só operação.

Interpretar consiste no ato de construir sentidos. Silva (2004: p. 765) define

tal verbo como “examinar, perquirir e fixar o sentido ou a inteligência do texto legal, ou

do teor do escrito, para que se tenha sua exata significação ou sentido”. Já Maximiliano

(2007: p. 7) afirma que “interpretar é explicar, esclarecer; dar o significado de vocábulo,

atitude ou gesto; reproduzir por outras palavras um pensamento exteriorizado; mostrar o

sentido verdadeiro de uma expressão”.

Nos bancos acadêmicos, aprendemos vários métodos de interpretação,

sendo os mais comuns: a interpretação literal; a interpretação lógica, a interpretação

teleológica, a interpretação sociológica e a interpretação sistemática.

Nessa classificação, a dita interpretação literal (ou gramatical) funda-se nas

palavras, recaindo a análise exclusivamente sobre a construção textual. De acordo com

Albuquerque (1997: p. 150):

toda interpretação é precedida normalmente de uma primeira leitura do texto, que tem por fim captar seu conteúdo e observar sua linguagem. A interpretação literal não excede em muito essa atividade preliminar. Limita-se a fixar o sentido do texto legal, inquinado de obscuridade, mediante a indagação do significado literal das palavras, tomadas não só isoladamente, mas em sua recíproca conexão. Atende à forma exterior do texto; preocupa-se com as acepções várias dos vocábulos.

A interpretação lógica, utilizando-nos das palavras de Maximiliano (2003:

p.123),

consiste em procurar descobrir o sentido e o alcance de expressões do Direito sem o auxílio de nenhum elemento exterior, com aplicar ao dispositivo em apreço um conjunto de regras tradicionais e precisas, tomadas de empréstimo à Lógica geral. Pretende do simples estudo das normas em si, ou em conjunto, por meio do raciocínio dedutivo, obter a interpretação correta.

A interpretação teleológica funda-se na tentativa de desvendar a intenção da

norma, ou melhor, o pensamento do legislador. Para Albuquerque (1997: 159), “a

interpretação teleológica de certa forma rompe com o regime hermenêutico tradicional,

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na medida em que concentra suas preocupações num novo elemento, ao mesmo tempo

estranho e superior ao texto legal: o fim a que a norma se dirige”.

A interpretação sociológica, por sua vez, elege como método a relação da

causa da norma e seus reflexos no plano social. Nas palavras de Herknhoff (1986: p.

28), “o processo sociológico conduz à investigação dos motivos e dos efeitos sociais da

lei”.

Finalmente, o método da interpretação sistemática associa todos os

elementos característicos acima, buscando criar um sentido a partir de todo o sistema, e

não de maneira isolada. Silva (2004: p. 764) é esclarecedor sobre a forma sistemática

de interpretação: “é, assim, como aproveitamento de todos os elementos de que pode

dispor o intérprete, cientificamente, por meio do raciocínio, da análise, estudando a

formação histórica da própria regra, compreende o melhor sentido da lei”.

Dentro dessa classificação, e por fidelidade às premissas até então

adotadas – de tomar o Direito como um conjunto de normas jurídicas integradas pelo

próprio sistema – torna-se imperiosa a adoção do método sistemático de interpretação.

Com efeito, a própria unidade do sistema jurídico, que impõe a necessidade

do intérprete de caminhar nos planos geradores de sentido sem deles sair, abomina a

dita interpretação literal23 e, mais ainda, coloca em evidência a “indispensabilidade da

interpretação jurídico-sistemática”.

Essa expressão (“indispensabilidade da interpretação jurídico-sistemática”)

foi empregada por Carrazza, R. (2012: pp. 744-745), ao lecionar que:

a interpretação é a atividade lógica que colima descortinar o significado, o conteúdo e o alcance de uma ou mais normas jurídicas. É por meio deste labor que conseguimos desvendar, em toda a latitude do vocábulo, a real extensão de uma regra de Direito. (...) O método sistemático tem uma visão grandiosa do Direito e, assim, entende cada regra como uma realidade impregnada de todas as propriedades da ordem jurídica. (...) Com isto, conquanto aceitemos, em tese, todos os métodos interpretativos, estamos em que a única interpretação realmente válida é a sistemática, a dizer, aquela que busca no sistema jurídico não a vontade do legislador

23 Corroboramos, nesse ponto, a crítica de Geraldo Ataliba, verbis: “a chamada interpretação literal não é interpretação. É pressuposto da interpretação, pois é lendo que o intérprete se aproxima do texto, para – desenvolvendo apurada atividade científica – desvendar o conteúdo, sentido e alcance das normas contidas nos textos”. Instituições de direito e república. São Paulo: Mimeo,1984. p. 142.

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(mens legislatoris), que é irrelevante, mas a vontade da lei (mens legis), esta, sim, inafastável. (...) A interpretação sistemática, embora parta da interpretação gramatical, vai além desta, uma vez que, após atentar para as palavras da lei, acaba por estabelecer o sentido objetivamente válido dum preceito ou duma disposição jurídica, levando em conta todo o Direito.

O jurista exerce seu trabalho investigativo com os olhos voltados para todo o

sistema normativo, interpretando o Direito com suas próprias convicções e cultura, que

podem receber influências históricas, sociais, lógicas, razão pela qual a interpretação

sistemática acaba prevalecendo.

Toda interpretação traz em si carga construtiva e valorativa, o que significa

dizer que ela não resulta numa verdade absoluta, podendo variar de intérprete para

intérprete. No direito positivo, entretanto, possui poder vinculante, ou melhor, dota de

prescritividade apenas a norma posta por quem o sistema jurídico conferiu poderes,

naquilo que KELSEN chamou de interpretação autêntica.

Como bem notou Carvalho, A. (2010: 235):

não deixamos de considerar a existência de sentidos válidos, aqueles positivados pelos órgãos aplicadores do direito, aquilo que KELSEN denomina de “interpretação autêntica”. Quando um juiz, ou tribunal, aplica uma norma, ele constrói um sentido a partir de certos enunciados jurídicos (gerais e abstratos) e o positiva para aquele caso em concreto. O sentido construído torna-se válido na forma de novos enunciados jurídicos (individuais e concretos), isto não significa, porém que ele é o mais correto ou mais justo, apenas que aquela valoração passou a integrar o direito positivo.

O que caracteriza a interpretação como “autêntica”, na verdade, não é o

sentido atribuído aos textos normativos, mas a prescritividade da linguagem na qual ela

se manifesta. Quando um órgão que o ordenamento jurídico reconhece como

competente veicula uma norma jurídica no sistema, ele aplica o direito, fixando

juridicamente uma conduta como obrigatória, permitida ou proibida.

Essa função pragmática prescritiva não existe no discurso da ciência do

direito, que descreve sua realidade sem nenhuma imputação jurídica. Sobre este tema,

Gama (2009: p.130) expõe que:

é possível, inclusive, afirmar que não se transita livremente do mundo da Ciência – dos observadores – para o mundo do direito positivo – participantes. Da mesma forma que não se transita livremente do mundo

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do ser para o universo do dever ser. Desta afirmação, porém, não se pode inferir a irrelevância da Ciência para o direito positivo e vice-versa, pois influenciar, ainda que psicologicamente, a decisão dos participantes é a função máxima que se pode almejar para o discurso dos observadores. (...). A divergência entre eles surge, todavia, no momento em que decidem objetivar as ideias formadas a partir do contato com o direito positivo. Enquanto os observadores produzem textos de dogmática jurídica, segundo os padrões vigentes para a legitimidade do discurso das Ciências do Direito, os participantes produzem normas jurídicas.

Somente no âmbito da “interpretação autêntica” é possível falar e equiparar

as expressões aplicação do direito, produção de normas jurídicas e incidência

normativa.

Em outras palavras, a aplicação do direito consiste justamente na atribuição

de efeitos jurídicos aos eventos relevantes para o mundo jurídico, o que ocorre mediante

atos de fala das autoridades competentes, no exercício da dita interpretação autêntica. É

o homem credenciado no próprio sistema jurídico que aplica o Direito. Sua participação

é essencial para a incidência normativa.

Nas palavras de Santi (2005: p. 25):

a norma não tem força própria para atingir a realidade, pois depende dos homens, dos aplicadores do direito, como bem observa Gabriel Ivo, com sua desconcertante questão: “O sujeito do verbo incidir seria a norma? Entrevemos, aqui, que a pretensa funcionalidade do direito independentemente de ato de aplicação humana parece sedimentar-se numa visão jusnaturalista, segundo a qual o direito funcionaria como a natureza, como nuvens carregadas de hipóteses e mandamentos que, consolidados no mundo fáctico, incidiriam qual raios, fulminando os seus suportes.

Corrobora esse entendimento Carrazza, R. (2010: p. 31):

a incidência não se perfaz automática e infalivelmente, mas mediante a intervenção da autoridade competente, que analisa a descrição contida na norma (questão de direito) e o fato acontecido (questão de fato), para, a final, atestar que houve a subsunção. Quando todo este iter é percorrido, aí sim se desencadeiam as consequências previstas na norma jurídica. Em suma, a incidência dá-se quando a autoridade competente, após haver extraído, mediante um labor mental, o conceito da hipótese normativa e o conceito do fato ocorrido, declara que este se subsumiu àquele.

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Realmente a norma jurídica, nessa concepção, não incide sozinha. Pelo

contrário, depende de um ato de vontade de uma pessoa competente. A incidência

normativa, produção ou aplicação são inerentes ao processo de positivação, por meio do

qual, exercendo uma tarefa interpretativa, passa-se da abstração e generalidade para a

concretude e individualização das condutas.

Os recursos da semiótica possuem grande contribuição ao estudo do

fenômeno da incidência normativa. Sob o aspecto sintático, a incidência se perfaz

mediante duas operações lógicas: (i) a subsunção do fato à norma; e (ii) a imputação

dos efeitos jurídicos previstos no ordenamento.

A subsunção consiste numa operação de inclusão de classes. Um fato se

subsume à norma apenas se ele se enquadrar no campo de extensão do conceito

previsto no antecedente. Para que isso ocorra, é necessária a produção de linguagem

específica que caracterize um evento ou fato como fato jurídico, o que deve ser feito

com base nas provas em direito admitidas. E uma vez constituído o fato jurídico,

instaura-se a relação jurídica entre sujeitos, como consequência da imputação deôntica.

Essas ideias foram bem sumarizadas por Carvalho, P. (2008: p. 9):

a chamada incidência jurídica se reduz, pelo prisma lógico, a duas operações formais: a primeira, de subsunção ou de inclusão de classes, em que se reconhece que uma ocorrência concreta, localizada num determinado ponto do espaço social e numa específica unidade de tempo, inclui-se na classe dos fatos previstos no suposto da norma geral e abstrata; outra, a segunda, de implicação, porquanto a fórmula normativa prescreve que o antecedente implica a tese, vale dizer, o fato concreto, ocorrido hic et nunc, faz surgir uma relação jurídica também determinada, entre dois sujeitos de direito.

Sob os prismas semântico e pragmático, a incidência busca denotar os

enunciados relativos às normas gerais e abstratas, apontando quais os elementos de

sua classe. Isso é feito justamente pela identificação dos critérios da regra matriz de

incidência e, ato contínuo, pela individualização do elemento que nela se espelha.

Tal labor, não custa repetir, é fruto da interpretação do sujeito competente.

E, se é fruto da interpretação, a produção, aplicação ou incidência normativa estão

intimamente ligadas à ação de valorar e, consequentemente, de decidir.

Tomé (2005: pp. 242, 243, 262) captou bem essa ideia, como segue:

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O direito surge por meio de decisões jurídicas. São os atos de fala, entendidos como enunciação, as condutas caracterizadoras de tomadas de decisão, cujo resultado são os enunciados normativos postos no ordenamento.(...). O ato decisório, sendo criador da norma jurídica, apresenta-se como um ato de fala, expressão comunicativa produtora de enunciados, ou seja, enunciação. (...). Os atos decisórios não aparecem apenas no momento da resolução de conflitos, com a emissão de normas individuais e concretas. São vislumbrados, também, quando se estabelecem os critérios nos termos dos quais o direito há de ser aplicado, ou conflitos deverão ser solucionados, por exemplo. Sempre que se editam normas gerais e abstratas, ou qualquer outra modalidade normativa, existe uma decisão que a precede. (...) A teoria da decisão jurídica se concentra no tema da produção normativa, quer no âmbito da abstração ou da concretude, da generalidade ou da individualidade. O intérprete, ao aplicar o direito, realiza ato decisório, emitindo enunciados normativos.

A positivação do direito realmente pressupõe uma escolha num universo de

infinitas interpretações possíveis de serem atribuídas aos documentos normativos e

provas. Quando o aplicador produz uma norma, ele constitui o fato jurídico de acordo

com sua formação e cultura, dizendo qual é o direito aplicável e como deve ser a

vinculação entre determinados sujeitos em torno de uma relação jurídica.

O dinamismo do Direito ocorre justamente na incidência normativa ou

aplicação da norma. A partir da regra matriz de incidência, a autoridade competente,

exercendo sua interpretação, produz a norma individual e concreta em prol da conduta

regulada. Fazer incidir, portanto, é criar norma; é aplicar o Direito; é interpretar o sistema

jurídico. “Vamos à Faculdade de Direito aprender direito, não justiça. Justiça é como a

religião, a filosofia, a história.”24

24 GRAU, 2013: p. 19.

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CAPÍTULO II - DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

II.I. Sistema Constitucional Tributário

O Estado necessita de recursos para atender suas finalidades institucionais.

Historicamente, como registrou Baleeiro (2004: p. 234),

para auferir dinheiro necessário à despesa pública, os governos, pelo tempo afora, socorrem-se de uns poucos meios universais: a) realizam extorsões sobre outros povos ou deles recebem doações voluntárias; b) recolhem as rendas produzidas pelos bens e empresas do Estado; c) exigem coativamente tributos ou penalidades; d) tomam ou forçam empréstimos.

O poder de tributar é inerente ao poder de governar. No exercício de sua

soberania, o Governo exige que os indivíduos forneçam os recursos necessários ao

custeio dos gastos públicos, recursos estes provenientes principalmente da arrecadação

tributária25.

No passado, os tributos eram exigidos arbitrariamente pelos detentores do

poder, que se colocavam na posição de donos da coisa pública. Como assinala Ataliba

(2002: p. 29),

antigamente, quando não se podia falar em estado de direito, o político usava do poder para obrigar arbitrariamente os súditos a concorrerem com seus recursos para o estado (por isso Albert Hensel sublinha que só se pode falar em “direito” tributário onde haja Constituição e estado de direito. Fora disso, é o arbítrio, o despotismo). Hoje, o estado exerce este poder segundo o direito constitucional e obedece, em todas suas manifestações, ao estabelecido na lei.

Com a formação dos Estados modernos e surgimento das constituições

escritas, aparecem as primeiras garantias expressas contra uma tributação arbitrária. A

noção de uma “justiça tributária” nasce no contexto do constitucionalismo ou Estado

25 De acordo com Paulsen (2005: p. 17), “os tributos são a principal receita financeira do Estado, classificando-se como receita derivada (porque advinda do patrimônio privado) e compulsória (uma vez que decorre de lei, independendo da vontade das pessoas de contribuírem para o custeio da atividade estatal).”

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Constitucional, movimento surgido paralelamente ao Estado de Direito basicamente

para limitar os poderes dos governantes26.

O conceito de Estado de Direito funda-se na noção de existência de limites

ao poder estatal, em oposição ao Estado Absoluto, no qual o poder do soberano era

ilimitado. De acordo com Silva (2000: p. 185), o Estado de Direito abrange três

características: a) submissão (dos governantes e dos cidadãos) ao império da lei; b)

separação de poderes; c) garantia dos direitos fundamentais.

A limitação de poderes, assim como a garantia de direitos, no Estado

Constitucional (Estado de Direito), passa a ser uma das suas principais funções. É sob

este enfoque que o Direito aparece como um produto cultural, construído por meio de

normas jurídicas prescritivas de comportamentos que tanto o Estado quanto os

particulares devem obediência, sob pena de sofrerem sanções estabelecidas no próprio

sistema.

E dentro do universo do Direito, o exegeta é capaz de construir normas

jurídicas relacionadas apenas à tributação, permitindo-lhe fazer um corte epistemológico

em prol do conhecimento científico sobre a realidade tributária27.

O direito tributário, pois, tem por foco o tributo, o que significa dizer que é

composto pelo conjunto de preceitos que regem a tributação. A separação didática do

direito tributário, aliás, é ponto inicial na obra de Sousa (1975: p. 30), para quem “a

expressão “direito tributário” fica assim apropriadamente reservada para tudo aquilo que

se refira à regulamentação jurídica da atuação das autoridades fiscais em contraste com

os contribuintes no exercício da sua atividade de cobrança e fiscalização de tributos”.

É essa também a lição de Borges (2011: p. 21):

o direito constitucional tributário ou direito tributário constitucional está constituído, então, por um complexo de regras constitucionais referentes à matéria tributária. (...) Integra o direito constitucional tributário o conjunto de preceitos estabelecidos na Constituição, que distribuem a competência tributária entre as pessoas jurídicas de direito público interno e disciplinam o exercício do poder de tributar.

26 É possível dizer que o constitucionalismo se iniciou na Idade Média, por ocasião da assinatura da Magna Carta pelo Rei João Sem Terra, que reconheceu algumas limitações de seu poder. Depois disso, o constitucionalismo deu sinais na Revolução Inglesa que, ao conferir a supremacia do Parlamento como órgão legislativo, passou a noção de um governo de leis e não de homens. O movimento, porém, ganhou força mesmo no século XVIII, com o aparecimento das primeiras Constituições propriamente ditas (Estado de Virgínia, de 1776, a dos Estados Unidos, de 1787 e da França, de 1789). 27 Nesse ponto, convém lembrar que o Direito é uno. Sua divisão em “ramos” costuma ser feita apenas para elucidar o processo de aprendizado.

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Também nesse mesmo sentido é a opinião de Machado (2012: p. 51), para

quem

o direito tributário tem por finalidade limitar o poder de tributar e proteger o cidadão contra os abusos desse poder. Dito isto, é possível conceituar o direito tributário como o ramo do Direito que se ocupa das relações entre o Fisco e as pessoas sujeitas a imposições tributárias de qualquer espécie, limitando o poder de tributar e protegendo o cidadão contra os abusos desse poder.

De fato, no caso da República Federativa do Brasil, a matéria tributária

recebeu tratamento especial na Carta Magna. Uma singela leitura de nosso texto

constitucional permite notar que, no que diz respeito à tributação, nossa Lei das Leis foi

particularmente abundante.

Essa constatação levou Ataliba (1968: p. 21) a sustentar que “o conjunto de

normas da Constituição que versa matéria tributária forma o sistema (parcial)

constitucional tributário. (...) O sistema constitucional tributário brasileiro é o mais rígido

de quantos se conhece, além de complexo e extenso”.

Caminhou Carvalho, P. (2011 a: p.190-191) nessa mesma direção:

o subsistema constitucional tributário realiza as funções do todo, dispondo sobre os poderes capitais do Estado, no campo da tributação, ao lado de medidas que asseguram as garantias imprescindíveis à liberdade das pessoas, diante daqueles poderes. Empreende, na trama normativa, uma construção harmoniosa e conciliadora, que visa a atingir o valor supremo da certeza, pela segurança das relações jurídicas que se estabelecem entre Administração e administrados. E, ao fazê-lo, enuncia normas que são verdadeiros princípios, tal o poder aglutinante de que são portadoras, permeando, penetrando e influenciando um número inominável de outras regras que lhe são subordinadas. (...). Esse tratamento amplo e minucioso, encartado numa Constituição rígida, acarreta como consequência inevitável um sistema tributário de acentuada rigidez, como demonstrou Geraldo Ataliba na sua obra Sistema Constitucional Tributário Brasileiro.

Ao falar em sistema constitucional tributário, devemos ter em mente que seu

objeto não está restrito apenas às prescrições previstas nos artigos 145 a 162 da

Constituição Federal, dispositivos estes que estão inseridos em capítulo denominado Do

Sistema Tributário Nacional. Cumpre esclarecer que, além destes dispositivos,

quaisquer outros preceitos, expressos ou implícitos, que de alguma forma possuem

relação com matéria tributária, integram o direito constitucional tributário.

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Analisando o tema, Ávila (2012: p. 77) foi, de forma precisa, ao ponto:

A influência dos princípios fundamentais ou dos direitos fundamentais sobre o Sistema Tributário, ou a expressa abertura do Sistema Tributário por meio do art. 150 (“sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte”) são exemplos indicativos de que o Sistema Tributário não se confunde, quantitativa e qualitativamente, com o capítulo do Sistema Tributário Nacional: quantitativamente porque existem outras normas tributárias além daquelas que podem ser reconduzidas aos dispositivos contidos no capítulo do Sistema Tributário Nacional; qualitativamente porque as normas previstas no Sistema Tributário Nacional só ascendem a um significado normativo por meio de uma (horizontal) consideração das concatenações materiais decorrentes dos princípios e direitos fundamentais.

O Direito Tributário Brasileiro é composto por um verdadeiro “sistema

constitucional tributário”, o que significa dizer que o estudo da tributação, no nosso

ordenamento jurídico, deve ocorrer a partir da Constituição Federal.

A relação entre Constituição e tributação no Brasil é tão evidente que

Carrazza, R. (2012: pp. 426, 428) denominou seu curso de “Direito Constitucional

Tributário”, afirmando que:

Nossa Carta Suprema, porém, optou por regular com uma miríada de normas e princípios o tema. (...) O legislador (federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal), ao tributar, encontra, pois, perfeitamente iluminado, no Texto Supremo, o caminho que pode validamente percorrer. A tributação só pode desenvolver-se com apoio na Constituição. Assim é pois, como sabemos, o tributo é exigido iure imperii, ou seja, a partir de um ato de autoridade, sem que, para seu surgimento, concorra a vontade do contribuinte. Ora, é justamente a Constituição, com seus grandes princípios, que mantém a ação de tributar dentro do Estado Democrático de Direito. (...) Noutras palavras: o tributo, de algum modo, esgarça o direito de propriedade. Ora, na medida em que o direito de propriedade é constitucionalmente protegido, o tributo só será válido se, também ele, deitar raízes na Constituição.

É pressuposto do conhecimento do direito tributário a análise do sistema

constitucional tributário, que envolve as normas que giram em torno do tributo e que

impõem os limites ao poder de tributar, abrangendo, em síntese, os princípios que

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devem nortear a criação de tributos; as hipóteses de imunidade; e um detalhado

desenho da faixa de competência tributária.

Embora reconheçamos que o tema, por sua importância e riqueza de

detalhes, mereceria um verdadeiro tratado, nossa proposta é a de colocar em evidência,

de forma objetiva de maneira suficiente para prosseguir no estudo proposto, somente

alguns aspectos do sistema constitucional tributário.

II.II. Tributo e Espécies Tributárias

A definição do conceito de tributo é importante para demarcar o Direito

Tributário. Embora a Constituição Federal de 1988 não tenha estabelecido o conceito de

“tributo” de forma expressa, é possível construir uma definição a partir dos dispositivos

constitucionais que regulamentam a matéria.

Partindo da premissa de que o texto constitucional oferece uma noção geral

de tributo, Carrazza, R. (2012: pp. 58, 428) o define como “a relação jurídica que se

estabelece entre o Fisco e o contribuinte (pessoa colhida pelo direito positivo), tendo por

base a lei, em moeda, igualitária e decorrente de um fato lícito qualquer”.

Na visão de Lacombe (1996: p. 44):

a norma jurídica apresenta-se, aos olhos do cientista do Direito, sob uma roupagem linguística que tem a forma de um juízo hipotético. Ao estudar a linguagem do legislador, o cientista formula, numa metalinguagem, a proposição jurídica, que é um juízo hipotético. A norma será assim a imputação de um consequente a um antecedente. Sua formulação é deôntica, estabelece um dever-ser, o consequente. Se o tributo também é a imputação de um consequente a um antecedente, a conclusão só pode ser uma: tributo é norma jurídica.

Mais precisamente, tributo é norma jurídica que impõe o dever de uma

pessoa entregar dinheiro ao Estado. Nas lições de Coêlho (2007: pp. 22, 71):

a norma tributária é uma “norma de conduta” cuja especificidade reside em gerar o dever de pagar tributos, dela promanando também a exoneração do pagamento. Destarte, a estrutura da obrigação tributária se contém na estrutura da norma de tributação. Na sua “hipótese de incidência”, ou “suposto”, ou “pressuposto”, ou “fato gerador”, está o fato jurígeno tributário desenhado pelo Direito Positivo vigente de cada época e de cada Estado. (...). No “comando”, ou “consequência”, ou “preceito”, ou “estatuição”, ou “mandamento” da norma, ou outro nome que se lhe queira

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dar, aloja-se a “relação jurídica decorrente” ou a obrigação propriamente dita, contendo os sujeitos ativo e passivo e o vinculum júris entre eles existente para a realização da prestação: um dare. (Um dar dinheiro ao Estado, credor ou accipiens da prestação). (...) As normas tributárias apresentam, como toda norma de conduta, estrutura dual. Suas hipóteses de incidência são constituídas de fatos lícitos, e suas consequências de prescrições, mandando entregar dinheiro ao Estado.

Do ponto de vista legal, o artigo 3º do Código Tributário Nacional definiu

tributo como “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se

possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada

mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.

Essa definição legal do conceito de tributo pelo Legislador, embora

questionável por parte da doutrina sob o fundamento de que não seria função de lei

definir conceitos28, a nosso ver tem certo mérito, principalmente porque deixa clara a

diferença entre tributo e multa.

Não obstante os esforços legislativos empregados na definição em questão,

o fato é que a palavra tributo costuma ser empregada pelo legislador, pela doutrina e

pela jurisprudência, com significados diversos29. De qualquer forma, empregaremos o

termo tributo como a norma veiculada por lei, que tem no seu consequente a relação

jurídica que atribui a um determinado sujeito ativo a possibilidade de exigir, de um

sujeito passivo, uma prestação de cunho econômico, decorrente de um fato lícito

previsto hipoteticamente na regra matriz de incidência tributária.

Não importa o nomem iuris (ou o rótulo) dado a esta ou aquela exigência

cobrada pelo Estado. O que dirá se uma exação é ou não tributo será o regime legal

que a instituiu e a mantém. Isso é ratificado pela dicção do artigo 4º, II, do próprio CTN,

dispositivo este que prescreve que, para fins de qualificar a natureza jurídica específica

do tributo, é irrelevante a denominação e demais características formais adotadas pela

lei.

28 Tal como Carrazza, R. (2012: p. 428), que alerta que “não é tarefa da lei – muito menos da Lei maior – expender definições. Definir é missão da doutrina. A lei deve mandar, proibir ou facultar; nunca teorizar. Quem teoriza é o doutrinador, com o instrumental que lhe é fornecido pela Ciência (no caso, pela Ciência do Direito). 29 Carvalho, P. (1998: p. 77), a propósito, registrou ao menos seis acepções dadas à palavra tributo: a) “tributo” como quantia em dinheiro; b) “tributo” como prestação correspondente ao dever jurídico do sujeito passivo; c) “tributo” como direito subjetivo de que é titular o sujeito ativo; d) “tributo” como sinônimo de relação jurídica tributária; e) “tributo” como norma jurídica tributária; f) “tributo” como norma, fato e relação jurídica.

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O estudo do conceito de tributo permite classificá-lo em espécies. Nos

dizeres de Coêlho (2007: p. 38), “cabe ao jurista com os insumos da teoria geral do

tributo e olhos postos na dogmática constitucional, requalificar os tributos e organizar

sistematicamente o caos legislativo produzido pelo Legislador, inclusive o do que

emenda a Constituição”.

Classificar significa dividir em classes, segundo critérios preestabelecidos.

Uma classificação somente é possível se o sujeito classificador levar em conta o que os

objetos têm de semelhanças, desconsiderando suas diferenças. Trata-se de uma

atividade intelectual humana, na busca de uma determinada utilidade. Com os recursos

da classificação, o homem vai reordenando a realidade que o cerca, conforme seus

interesses e suas necessidades.

Embora classificar algo seja tarefa subjetiva30, que depende diretamente dos

critérios a serem definidos pelo próprio agente classificador, uma classificação jurídica

dos tributos deve levar em conta as peculiaridades de cada regime jurídico disposto no

próprio sistema.

Nas palavras de Ataliba (2002: p. 123), “não basta, não é suficiente

reconhecer o tributo. Deve o intérprete determinar qual a espécie tributária (“natureza

específica do tributo”, conforme o diz o art. 4º do CTN), dado que a Constituição

prescreve regimes diferentes, conforme a espécie, constitucionalmente estabelecidos”.

Sobre o ato de classificar tributos, Carrazza, R. (2012: p. 592) ensina que:

Classificar é distribuir objetos em classe ou grupos, segundo critérios predeterminados. Podemos, é bem de ver, classificar as coisas de inúmeras maneiras. Uma classificação jurídica, no entanto, deverá necessariamente levar em conta o dado jurídico por excelência: a norma jurídica. Reforçando a asserção, a norma jurídica é o ponto de partida indispensável de qualquer classificação que pretenda ser jurídica. Assim, uma classificação jurídica dos tributos só será possível a partir do detalhado exame das normas jurídicas tributárias em vigor, máxime das de mais alta hierarquia, que se encontram na Constituição Federal.

E para apontar a natureza de um dado tributo, é preciso estabelecer

previamente as suas características jurídicas definitórias, isto é, as notas que

determinada exação deve ostentar para integrar o grupo daquela espécie tributária.

30 Na clássica lição de Carrió (1990: p. 99), “las classificaciones no son ni verdaderas ni falsas, son serviciales o inútiles; sus ventajas o desventajas”.

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Uma vez definida a natureza, aplicável o regime jurídico pertinente, ou seja, o conjunto

de preceitos que regulamentam a correspondente espécie tributária.

Como assinalou Amaro (2009: p. 27), a classificação das figuras tributárias

“não está só na discussão acadêmica, pois da capitulação de tais figuras como espécies

tributárias depende sua sujeição aos princípios tributários, cuja aplicação pode modificar

ou mesmo, em dadas situações, inviabilizar a exigência”.

Pois bem. De acordo com o caput do artigo 4º do CTN, a natureza jurídica

do tributo deve ser determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação. Utilizando-se

exclusivamente deste critério, Ataliba (2002: pp. 130, 131, 132) leciona que:

é a materialidade do conceito do fato, descrito hipoteticamente pela h.i. que fornece o critério para classificação das espécies tributárias. (...) Pode-se dizer, portanto, que são tributos (1) vinculados aqueles cuja hipótese de incidência consiste na descrição de uma atuação estatal (ou uma consequência desta). Neste caso, a lei põe uma atuação estatal no aspecto material da h.i. São tributos (2) não vinculados aqueles cuja h.i. consiste na descrição de um fato qualquer que não seja atuação estatal. Isto é, a lei põe, como aspecto material da h.i., um fato qualquer não consistente em atividade estatal. (...) Tributos vinculados são as taxas e contribuições (especiais) e tributos não vinculados são os impostos.

Essa classificação também é adotada por Carrazza, R. (2012: p. 593), para

quem, “no Brasil, o tributo é o gênero, do qual o imposto, a taxa e a contribuição de

melhoria são as espécies.”

Também são essas (impostos, taxas e contribuições de melhoria) as

espécies tributárias na visão de Carvalho, P. (2011 a: p. 60), que ressalta que “faz-se

mister analisarmos a hipótese de incidência e a base de cálculo para que possamos

ingressar na intimidade estrutural da figura tributária, não bastando, para tanto, a singela

verificação do fato gerador, como ingenuamente supôs o legislador do nosso Código

Tributário.”

De acordo com essa corrente tripartite, os tributos se classificariam em

vinculados ou não vinculados à determinada atividade estatal referida ao contribuinte.

Nos tributos vinculados estariam inseridas as taxas e as contribuições de melhoria, ao

passo que os impostos estariam incluídos na classe dos tributos não vinculados.

A utilização desse único critério, a nosso ver, não é suficiente para

caracterizar os diferentes tipos de tributos abrangidos no sistema constitucional

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tributário. Entendemos que, além da utilização dessa variável (vinculação ou não do

tributo a uma atividade estatal), o ordenamento jurídico fornece dois outros critérios que

não deveriam passar despercebidos, quais sejam: (i) a previsão ou não de destinação

específica para o produto de arrecadação do tributo (cf. art. 167, IV da CF31); e (ii) a

exigência ou não de restituição do montante arrecadado, findo determinado prazo

temporal.

Sobre o assunto, precisas são as palavras de Marques (2000: p. 222):

De fato, por um lado, há tributos em relação aos quais a Constituição já preestabeleceu a vinculação da materialidade do antecedente normativo ao exercício de uma atividade estatal referida ao contribuinte, e, outros, em que esta vinculação absolutamente não existe, conforme a lição pioneira do professor Geraldo Ataliba. Eis a primeira variável adotada como critério para a classificação dos tributos, já endossada e consagrada pela doutrina nacional e estrangeira: a exigência de previsão legal de vinculação da materialidade do antecedente da norma tributária a uma atividade por parte do Estado referida ao contribuinte. Por outro lado, como pudemos verificar, há tributos autorizados pela Constituição, cuja validade está condicionada à previsão legal de destinação específica do produto da arrecadação ao custeio de despesas determinadas do Estado. Outros tributos, no entanto, não têm esta vinculação preestabelecida pelo texto constitucional, hipótese em que o Estado é livre para utilizar-se desses recursos segundo sua conveniência. Eis aí o segundo elemento distintivo adotado, como critério para a classificação dos tributos: a exigência de previsão normativa estabelecendo a vinculação, ou não, do produto de sua arrecadação a uma despesa específica. Há ainda, por fim, uma terceira variável a ser considerada para a identificação das espécies impositivas, consistente na exigência de previsão legal de restituição ao contribuinte do montante arrecadado, ao cabo de determinado período, que verificamos condicionar a validade dos empréstimos compulsórios, apartando-os das demais espécies impositivas.

A adoção desses outros dois critérios classificatórios costuma ser

questionada basicamente pelos seguintes argumentos: (i) de que violaria o artigo 4º, II,

do CTN, dispositivo legal que desqualificaria a destinação do tributo como critério

31 “Artigo 167 - São vedados: (...) IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo.”

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jurídico; (ii) de que o artigo 145 da Constituição Federal32 teria definido a classificação

dos tributos enquanto imposto, taxa e contribuição, e nada mais; e (iii) de que haveria

sobreposição de critérios, contrariando a regra de divisão sob o prisma da lógica.

Primeiramente, convém notar que o referido artigo 4º, II, do CTN, foi

veiculado anteriormente ao texto constitucional de 1988, não tendo sido recepcionado

pelo sistema tributário nele previsto, pois incompatível com o referido artigo 167, IV, do

texto constitucional.

Concordamos, nesse ponto, com Balera (1992: p. 119), quando afirma que

“a espécie tributária denominada contribuição é daquelas em que o destino dos recursos

é assumido como dado que integra o regime jurídico de tributo”.

Não vemos, portanto, como deixar de reconhecer o critério previsão ou não

de destinação específica para o produto de arrecadação do tributo como indispensável à

classificação jurídica das espécies tributárias.

Também o mencionado artigo 145 da Lei Maior não prejudica a utilização

dos referidos critérios classificatórios. Isto porque, segundo pensamos, tal dispositivo

apenas arrolou as espécies de tributos de competência comum da União, Estados e

Municípios. As demais espécies tributárias, como são privativas, receberam tratamento

específico em outros dispositivos constitucionais.

Gama (2005: p. 1147) ratifica o que ora buscamos expor:

As três espécies mencionadas pela Constituição são de tributos de competência comum da União, Estado, Distrito Federal e Municípios. As demais são de competência da União, daí a omissão do art. 145 em relação ás contribuições e empréstimos compulsórios. O produto da arrecadação de impostos, por sua vez, não pode ser vinculado a despesa, fundo ou órgão, ressalvadas as exceções constitucionais do art. 167, IV. Ora, o art. 149 da Constituição qualifica as contribuições especiais como tributos arrecadados para serem instrumentos de atuação da União nas áreas que especifica, leia-se, para custear ações específicas deste ente federativo. Como superar, então, o paradoxo entre impostos que não podem ser destinados e contribuições que são criadas para atender a despesas específicas?

32 “Artigo 145 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I - impostos; II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas”.

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Por fim, é necessário ter em conta que o art. 4º, II, do CTN foi enunciado antes da Constituição de 1988, não tendo sido recepcionado por ser incompatível com o novo Sistema Constitucional Tributário. Vê-se, em poucas linhas, que os argumentos contrários à identificação de cinco espécies tributárias não resistem a uma análise detida.

Finalmente, também não nos convence o argumento de que a utilização de

três critérios violaria a regra de classificação sob o ponto de vista da Lógica. A nosso ver

é perfeitamente possível a conjugação de mais de um critério numa mesma

classificação, desde que promovida sem sobreposição. Sobre o assunto, em

consonância com a Teoria das Classes, Moussalem (2007: pp. 611, 612) sustenta que:

A forma mais elementar de classificar é a divisão. (...) As regras fundamentais para a divisão são cinco: (a) deve haver somente um fundamentum divisionis em cada operação; (b) as classes coordenadas devem se excluir mutuamente; (c) as classes coordenadas devem esgotar coletivamente a superclasse; (d) as operações sucessivas da divisão devem ser efetuadas por etapas graduais; (e) as diferenças devem resultar da definição do dividido.

Nesses termos, é possível adotar uma ordem de relevância dos critérios e, a

partir dela, implementar a divisão sem arrepio à Lógica. Nestes termos, utilizando-se a

ordem decrescente de (i) vinculação, (ii) destinação e (iii) restituição, justamente para

não sobrepor critério, a Lógica apontaria para oito espécies possíveis33. Desprezando as

classes vazias, chega-se ao resultado de cinco espécies tributárias34.

Feitas essas considerações, a nossa opinião é a de que, para fins de

classificação dos tributos, devem ser adotados três critérios: (i) vinculação ou não da

materialidade e base de cálculo a uma atividade estatal referida ao contribuinte; (ii)

previsão ou não de destinação específica para o produto de arrecadação do tributo; e

(iii) exigência ou não de restituição do montante arrecadado após determinado período.

E uma vez aplicados esses critérios, encontraremos cinco espécies

tributárias. São elas:

33 23 = 8. 34 Sobre esse tema, além do estudo do Professor Tarek Moussalem, recomendamos a leitura do artigo de Eurico Diniz Santi (Tributo e classificação das espécies no sistema tributário brasileiro. In Revista Forum de Direito Tributário nº 62. São Paulo: Editora Forum).

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(a) impostos: não há vinculação a nenhuma atividade estatal referida ao contribuinte,

não há previsão de destinação específica para o produto gerado por sua arrecadação e

não há exigência de restituição após determinado período;

(b) taxas: há vinculação a determinada atividade estatal referida ao contribuinte, há

previsão de destinação específica para o produto gerado por sua arrecadação e não há

exigência de restituição após determinado período;

(c) contribuições de melhoria: há vinculação a determinada atividade estatal referida

ao contribuinte, não há previsão de destinação específica para o produto gerado por sua

arrecadação e não há exigência de restituição após determinado período;

(d) empréstimo compulsório: não há vinculação a nenhuma atividade estatal referida

ao contribuinte, há previsão de destinação específica para o produto gerado por sua

arrecadação e há exigência de restituição após determinado período;

(e) contribuições especiais: não há vinculação a nenhuma atividade estatal referida

ao contribuinte, há previsão de destinação específica para o produto gerado por sua

arrecadação e não há exigência de restituição após determinado período.

A adoção dessa teoria quinquipartida, aliás, já contou com o respaldo do

Supremo Tribunal Federal, conforme acusa o voto do Min. Relator Moreira Alves35:

De feito, a par das três modalidades de tributos (os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria) a que se refere o artigo 145 para declarar que são competentes para instituí-los a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os artigos 148 e 149 aludem a duas outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas. No tocante às contribuições sociais – que dessas modalidades tributárias é a que interessa para este julgamento -, não só as referidas no art. 149 - que se subordina ao capítulo concernente ao sistema tributário nacional – têm natureza tributária, como resulta, igualmente, da observância que devem ao disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, mas também as relativas à seguridade social previstas no artigo 195, que pertence ao título “Da Ordem Social”.

35 Resp 146.733-9/SP (Dj 06/11/1992).

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II.III. Princípios Constitucionais Tributários

O poder de tributar não é ilimitado. Segundo Nogueira (1965: p. 8-9), “o

exercício do poder tributário, no Estado de direito, está limitado por normas. O Estado

tem direito às prestações tributárias nos termos do Direito como também só nos termos

do Direito está o contribuinte a elas obrigado”.

Essas limitações do poder de tributar36 advêm principalmente dos princípios

constitucionais, os quais impedem uma tributação arbitrária e injusta. Como acentua

Amaro (2009: p.106, 107):

a Constituição fixa vários balizamentos, que resguardam valores por ela reputados relevantes, com atenção especial para os direitos e garantias individuais. O conjunto dos princípios e normas que disciplinam esses balizamentos da competência tributária corresponde às chamadas limitações do poder de tributar. A face mais visível das limitações do poder de tributar desdobra-se nos princípios constitucionais tributários e nas imunidades tributárias (...) Desse modo, as chamadas “limitações do poder de tributar” integram o conjunto de traços que demarcam o campo, o modo, a forma e a intensidade de atuação do poder de tributar (ou seja, do poder, que emana da Constituição, de os entes políticos criarem tributos). O que fazem, pois, essas limitações é demarcar, delimitar, fixar fronteiras ou limites ao exercício de poder de tributar.

Os princípios exercem papel de diretrizes, guias, nortes para compreensão

do Direito37. São normas que carregam consigo valores consagrados no ordenamento

jurídico e que, portanto, interferem diretamente na interpretação jurídica e,

consequentemente, na determinação da conduta regulada.

Nas lições de Carvalho, P. (1991: p. 147), o termo princípio é utilizado para

“apontar normas que fixam importantes critérios objetivos, além de ser usado,

36 Tal expressão – limitações do poder de tributar - foi utilizada pelo próprio Constituinte, para nomear a Seção II, composta pelos artigos 150, 151 e 152, do Título VI (“Da tributação e do Orçamento”) da CF. “Limitações do poder de tributar correspondem, mais do que nunca, se considerarmos as Cartas Magnas anteriores, a um rol extenso, o mais amplo daqueles existentes em constituições escritas. São princípios, direitos e garantias fundamentais, que se interpenetram em profusão, enfeixando-se no Estado Democrático de Direito”. (Cf. DERZI. 2010: p. 3). 37 Nas lições de Mello, C. (2010: p. 54), o princípio constitui “mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhe o espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico”.

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igualmente, para significar o próprio valor, independentemente da estrutura a que está

agregado e, do mesmo modo, o limite objetivo sem a consideração da norma”.

Tal opinião tem o abono de Coêlho (2007: p. 82), ao lecionar que

o que caracteriza os princípios é que não estabelecem um comportamento específico, mas uma meta, um padrão. Tampouco exigem condições para que se apliquem. Antes, enunciam uma razão para a interpretação dos casos. Servem, outrossim, como pauta das leis, a elas sobrepondo.

A noção das expressões supremacia constitucional e interpretação conforme

a Constituição, aliás, têm por base o raciocínio lógico de que, diante de várias

possibilidades interpretativas, se opte pela mais coerente com os princípios

constitucionais. A exegese deve, sempre, levar em conta o conteúdo semântico dos

princípios consagrados no sistema38.

De acordo com Schoueri (2011: p. 265):

no Direito Tributário, os princípios surgem ainda com mais vigor, já que não são apenas fruto de pesquisa do cientista, mas objeto da atividade do legislador. Do emaranhado de normas editadas pelos mais diversos escalões, extraem-se normas que se prestam para indicar valores do ordenamento, positivados e que servem de vetores para o conhecimento do Direito Tributário. São elas os princípios jurídicos, valores cuja importância é reconhecida pelo legislador, inclusive o legislador constituinte, e cuja observância espera-se tanto do próprio legislador como do aplicador da norma tributária.

No sistema constitucional tributário existem diversos princípios (princípios

constitucionais tributários), implícitos e expressos39, que exercem papel fundamental na

sistemática de tributação, ditando as regras do jogo. O respeito incondicional aos

princípios constitucionais revela-se como dever do Estado.

Nesse sentido, manifestou-se o Supremo Tribunal Federal40:

38 Miranda, J. (1991: p. 226) pensa de maneira semelhante: “a ação mediata dos princípios consiste, em primeiro lugar, em funcionarem como critérios de interpretação e de integração, pois são eles que dão a coerência geral do sistema”. 39 “O princípio implícito não difere senão formalmente do expresso. Têm ambos o mesmo grau de positividade. Não há uma positividade “forte” (a expressa) e outra “fraca” (a implícita). Um princípio implícito pode muito bem ter eficácia (= produzir efeitos) muito mais acentuada do que um princípio expresso”. (BORGES, RDT nº 63: p. 207). 40 STF – Tribunal Pleno - ADIn 712-MC - DJ 19/02/93.

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O exercício do poder tributário, pelo Estado, submete-se, por inteiro, aos modelos jurídicos positivados no texto constitucional que, de modo explícito ou implícito, institui em favor dos contribuintes decisivas limitações à competência estatal para impor ou exigir, coativamente, as diversas espécies tributárias existentes. Os princípios constitucionais tributários, assim, sobre representarem importante conquista político-jurídica dos contribuintes, constituem expressão fundamental dos direitos individuais outorgados aos particulares pelo ordenamento estatal. Desde que existem para impor limitações ao poder de tributar do Estado, esses postulados têm por destinatário exclusivo o poder estatal, que se submete à imperatividade de suas restrições.

Os princípios constitucionais tributários, como se vê, possuem enorme

relevância no sistema jurídico. Violar um princípio significa uma ofensa ao sistema

jurídico como um todo. Transgredir uma norma deste patamar, pois, constitui grave

forma de inconstitucionalidade.

Em linhas gerais, o sistema constitucional tributário contém princípios

genéricos, aplicáveis à própria técnica de tributação (legalidade, igualdade, capacidade

contributiva etc.) e princípios específicos de cada espécie tributária (pessoalidade,

progressividade, seletividade etc.). Sem a mínima pretensão de esgotá-los, para o

deslinde do trabalho, é conveniente fazer breves considerações sobre os princípios

republicano, federativo, da legalidade, igualdade, irretroatividade, anterioridade,

capacidade contributiva e segurança jurídica.

II.IV. Princípio Republicano

O artigo primeiro da Constituição Federal dispõe que:

Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único . Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Quando a Constituição Federal de 1988 elegeu o Brasil como uma

República, optou por uma forma de governo, de exercício de poder. República,

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utilizando-se da definição de Carrazza, R. (2012: p. 68), “é o tipo de governo, fundado

na igualdade formal das pessoas, em que os detentores do poder político exercem-no

em caráter eletivo, representativo (de regra), transitório e com responsabilidade”.

A República consiste numa forma de governar, na qual os poderes são

conferidos aos representantes do povo, caracterizando uma democracia.41 Falar em

República é falar em democracia, o que nos remete à noção de soberania popular e,

portanto, de poder que emana do povo. O Estado, pois, é Estado pela soberania que lhe

é peculiar. Somente o Estado autorregula-se e autodetermina-se.

Nos regimes democráticos, a soberania é caracterizada pela atuação da

Assembleia Constituinte (Poder Constituinte Originário), por ocasião da promulgação da

Constituição Federal. Exercitada tal soberania, ela acaba “devolvida” aos cidadãos, na

qualidade de corpo eleitoral, isto é, como único participante, mediante voto, do exercício

da democracia.

Por meio da votação, os cidadãos elegem seus representantes, que devem

exercer seus mandados políticos para gerirem a “máquina pública” em caráter

representativo e com responsabilidade.

Na linha do que já decidiu o Supremo Tribunal Federal42:

A responsabilidade dos governantes tipifica-se como uma das pedras angulares essenciais à configuração mesma da ideia republicana. A consagração do princípio da responsabilidade do Chefe do Poder Executivo, além de refletir uma conquista básica do regime democrático, constitui consequência necessária da forma republicana de governo adotada pela Constituição Federal. O princípio republicano exprime, a partir da ideia central que lhe é subjacente, o dogma de que todos os agentes públicos - os Governadores de Estado e do Distrito Federal, em particular - são igualmente responsáveis perante a lei.

O voto é um dos pilares, fundamento da República brasileira e representa o

marco da cidadania. O signo “cidadania”, aliás, vem do latim civitas, cidade, referindo-se

ao conjunto de direitos e deveres decorrentes de uma vida em coletividade.

Segundo Dallari (1998: p. 14),

o conceito de cidadania tem origem na Grécia clássica, sendo usado então para designar os direitos relativos ao cidadão, ou seja, o indivíduo que

41 Conforme leciona Dallari (1995: p. 227), a República “tem um sentido muito próximo do significado de democracia, uma vez que indica a possibilidade de participação do povo no governo”. 42 ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) nº 978, Dj 24/11/1995.

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vivia na cidade e ali participava ativamente dos negócios e das decisões políticas. Cidadania pressupunha, portanto, todas as implicações decorrentes de uma vida em sociedade.

No Estado brasileiro, uma República, os Governantes devem representar os

cidadãos. Não são donos da res publica, que pertence a toda sociedade. Os

Governantes devem agir em nome de todo o povo, legítimo titular da coisa pública.

A Constituição Federal de 1988 adota a forma republicana consistente na

tripartição dos poderes43, o que significa dizer que existe uma divisão (competências

próprias) quanto ao exercício das funções do poder político por meios dos três

poderes44. Em suma, a função típica (i) do Poder Legislativo consiste em editar leis

(tarefa de legislar); (ii) do Poder Executivo consiste em executar as normas, nos limites

das leis e Constituição (tarefa executiva); e (iii) do Poder Judiciário consiste em

solucionar os litígios que lhe são submetidos (tarefa jurisdicional).

Como bem observado pelo publicista Silva, J. (2000: p. 112, 113):

Cumpre, em primeiro lugar, não confundir distinção de funções do poder com divisão ou separação de poderes, embora entre ambas haja uma conexão necessária. A distinção de funções constitui especialização de tarefas governamentais à vista de sua natureza, sem considerar os órgãos que as exercem; quer dizer que existe sempre distinção de funções, quer haja órgãos especializados para cumprir cada uma delas, quer estejam concentradas num órgão apenas. A divisão de poderes consiste em confiar cada uma das funções governamentais (legislativa, executiva e jurisdicional) a órgãos diferentes, que tomam os nomes das respectivas funções, menos o Judiciário (órgão ou poder Legislativo, órgão ou poder Executivo e órgão ou poder Judiciário). Se as funções forem exercidas por um órgão apenas, tem-se concentração de poderes. A divisão de poderes fundamenta-se, pois, em dois elementos: (a) especialização funcional, significando que cada órgão é especializado no exercício de uma função; assim, às assembleias (Congresso, Câmaras, Parlamento) se atribui a função Legislativa; ao Executivo, a função executiva; ao Judiciário, a função jurisdicional; (b) independência orgânica, significando que, além da especialização funcional, é necessário que cada órgão seja efetivamente independente dos outros, o que postula ausência de meios de subordinação. Trata-se, pois, como se vê, de uma forma de organização jurídica das manifestações do Poder.

43 De acordo com o estudo de Moraes, A. (2012: p. 425), a divisão segundo o critério funcional é a célebre “separação de Poderes”, que consiste em distinguir três funções estatais, quais sejam, legislação, administração e jurisdição, que devem ser atribuídas a três órgãos autônomos entre si, que as exercerão com exclusividade, (...). 44 O artigo 2º da Constituição Federal de 1988 estabelece que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

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A harmonia e a separação dos poderes estatais são essenciais para a

construção do Estado Democrático de Direito. Para Montesquieu (1962: vol. I), “tudo

estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo de principais ou dos nobres, ou

do povo, exercesse esses três poderes: o poder de fazer as leis, o de executar as

resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos.”

A tripartição dos poderes consiste num verdadeiro postulado que tem por

finalidade colocar limites e formas de controle ao poder, evitando práticas arbitrárias por

parte dos governantes.

Com efeito, o homem cria o Direito para estruturar um Estado regrado por

normas. É o próprio povo que confere poder e atribui deveres, naquilo que se denomina

cidadania. Acerca desse assunto, Gonçalves (2008: pp. 244, 245) observa que:

O próprio Estado é criação do Direito. Esquecemos que o Estado não é objeto real. Não existe na região ôntica dos objetos reais. Estado é criação do cidadão; é gerado por meio de organização dos cidadãos, que o formalizam por intermédio de normas jurídicas. (...) O cidadão cria o Estado; o cidadão organiza o Estado; o cidadão outorga competências aos órgãos do Estado; e o cidadão prevê e dá o consentimento ao tributo, que é o instrumento que vai viabilizar o eficiente funcionamento de todo este conjunto de elementos que estruturam e dão a feição do Estado.

É a cidadania que, “criando o poder, ao mesmo tempo estabelece quais são

seus limites, ou o perímetro dentro do qual tal poder há de circunscrever-se”. (ATALIBA,

2011: p. 164). E isso se aplica diretamente quanto ao fenômeno da tributação, que deve

operar-se em estrita conformidade com o sistema constitucional tributário previsto na

República do Brasil.

Concordamos, porém, com a ponderação de Carrazza, R. (2012: p. 94), no

sentido de que “não é fácil provar, reconhecemos, que um tributo afronta o princípio

republicano. Isto, porém, não significa que a exigência constitucional inexiste. Sempre

haverá situações em que, com toda a certeza, o princípio terá sido desconsiderado.”

O princípio republicano, segundo pensamos, constitui uma categoria

fundamental para a compreensão e lógica do ordenamento jurídico estruturado pela

Constituição Federal, servindo de base, e até mesmo se confundindo, com outros

princípios que traçam regras mais objetivas, tais como a legalidade, igualdade,

capacidade contributiva etc., que serão analisados adiante.

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II.V. Princípio Federativo

Enquanto República é forma de estrutura de poder (governo), Federação

tange à estrutura estatal.

Não há requisitos universais para qualificar uma Federação. Nas palavras de

Mello, O., “qualquer que seja, porém, o processo histórico pelo qual se originou um

Estado Federal, os seus poderes emanam de uma constituição que, promulgada em

nome do Estado federal, constitui a lei fundamental da nova organização política.”

As características concretas de uma Federação, contudo, variam conforme

as especificidades apresentadas em cada Constituição, o que implica dizer que é

somente analisando a Constituição Federal de 1988 que poderemos traçar as

características do princípio federativo no Brasil.

No artigo 18 da Carta Magna, foi prescrito que “a organização político-

administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o

Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”.

São pessoas políticas no Brasil, portanto, a União, os Estados, os

Municípios e o Distrito Federal. Para Lacombe (1996a: p. 76):

a) A Federação é criada pela Constituição; b) é garantida a existência e sobrevivência dos Estados-membros; c) estes se auto-organizam, autogovernam e autoadministram; d) na Federação coexistem três ordens jurídicas, a nacional, a central e a local. No Brasil, quatro: a) a ordem jurídica total (do Estado nacional); b) a ordem jurídica central (federal); c) a ordem jurídica estadual; d) a ordem jurídica municipal.

Por força da discriminação constitucional de competências, no Brasil

convivem harmonicamente a ordem jurídica nacional (isto é, o Estado Brasileiro,

detentor da soberania e representado pela União) e as ordens jurídicas parciais, central

(União) e periféricas (compostas pelas demais pessoas políticas: Estados, Municípios e

Distrito Federal).

Cometem tremendo equívoco, contudo, aqueles que entendem que a União

seria superior do ponto de vista da hierarquia. Pelo contrário, a União está subordinada

normalmente à Constituição Federal, que a estrutura e lhe confere competências

exclusivas. No contexto internacional, a União atua em nome da República Federativa

do Brasil, no exercício da soberania nacional, ao passo que, no contexto interno, ela

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figura como uma pessoa política em isonomia com os Estados, os Municípios e o

Distrito Federal.

Ao analisar o tema, Coêlho (2012: p. 58) esclarece que:

Na federação, a autonomia do Estado-membro é axiomática. Ele forma os seus poderes, possui autogoverno, legislatura e jurisdição. Falta-lhe, contudo, soberania e representação na ordem internacional. No Direito das gentes, quem representa a nação é a União enquanto totalidade. No Brasil, de sobremodo, a autonomia municipal tem dignidade constitucional. O município possui poderes políticos: governo, administração e legislatura. Só não tem poder judiciário.

Como se nota, os Municípios também possuem personalidade jurídica

própria (autonomia municipal). Assim como a União e os Estados, os Municípios

receberam competências próprias do texto constitucional, possuindo cada um deles

legitimidade para legislar acerca de assuntos de interesse local (conforme artigo 30, I,

da Constituição), para instituir e arrecadar seus próprios tributos, podendo organizar-se

como lhes convém. Enfim, possuem status de verdadeira pessoa política do Estado

Brasileiro45.

Sobre a autonomia municipal, Ataliba (2011: p. 45) destaca que

o autogoverno em que se traduz a autonomia municipal reveste a qualidade, também, de prerrogativa da cidadania, no regime constitucional brasileiro. A autonomia dos Municípios está na base do princípio republicano e comparece como o mais importante e transcendental dos princípios de nosso direito público.

O que queremos frisar é que as peculiaridades da Federação do Brasil estão

identificadas na Constituição Federal. Ela criou a estrutura federativa do nosso Estado,

conferindo a cada pessoa política (União, Estados, Municípios e Distrito Federal)

personalidade jurídica própria.

O modelo adotado não é isento de críticas, tais como as que foram

empregadas, respectivamente, por Valadão (2000: p. 117) e por Reverbel (2012: p.

132):

45 A propósito, também o Distrito Federal é uma pessoa política, afinal detém autonomia executiva, legislativa e jurisdicional, reconhecidas pelo texto constitucional.

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é de questionar a existência de centenas de Municípios brasileiros (os Municípios constituem-se em entidades federadas, a teor dos arts. 1 e 18 da Constituição de 1988) que nada têm de receita própria ou a mesma afigura totalmente inexpressiva em comparação com as transferências federais e estaduais; ou seja, estes Municípios, do ponto de vista teórico, não deveria existir; o federalismo da Constituição de 1988 é o verdadeiro nome sem a realidade. (...) estamos mais próximos a um Estado Unitário Centralizado, ou quem sabe a um Estado Unitário com pouca descentralização ao poder local, do que a forma federativa de Estado. (...) o federalismo brasileiro reserva aos Estados o que não lhe for vedado. O problema está exatamente neste ponto. O rol de competências da União é tão extenso (arts. 21, 22, 153), e a ampliação das competências dos Municípios é hoje de considerável extensão (arts. 30 e 156) que praticamente nada resta, sobra, remanesce, ou fica de resíduo ao Estado.

Não obstante, o fato é que o nosso texto constitucional colocou todas as

pessoas políticas em pé de igualdade, atribuindo a cada uma (União, Estados,

Municípios e Distrito Federal) autonomia própria.

A autonomia das entidades federativas, como faz crer Silva J. (2000: p. 477),

“pressupõe repartição de competências para o exercício e desenvolvimento de sua

atividade normativa. Esta distribuição constitucional de poderes é o ponto nuclear da

noção de Estado Federal”.

Sobre a autonomia dos entes estatais, Dallari46 esclarece que:

os entes federativos gozam de autonomia, o que significa a possibilidade de autogoverno, ou governo segundo suas próprias regras. Como se trata de uma forma de organização do Estado em que se procede à descentralização política, é evidente que deverá ser assegurada a autonomia política dos entes que compõem o conjunto federativo. Entretanto, para que haja efetiva autonomia não basta conceder e assegurar a possibilidade de compor o seu próprio governo e reservar a ele certo número de atribuições. Além da autonomia política, necessária para que se caracterize o Estado Federal, e para que essa autonomia seja efetiva e não apenas uma declaração formal, é também indispensável que as unidades federadas gozem de autonomia legislativa, financeira e administrativa, pois sem estas a autonomia política deixa de existir na prática.

É inconteste que a autonomia dos entes federados inclui principalmente a

capacidade financeira, afinal, as autoridades estatais necessitam de recursos

46 DALLARI, Dalmo de Abreu. Normas gerais sobre saúde: cabimento e limitações. Artigo extraído do Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD), pág. 61, disponível em http://www.saude.caop.mp.pr.gov.br. Acesso em 10/11/2014.

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pecuniários que possibilitem custear as despesas públicas incorridas no exercício de

seus deveres.

É preciso não confundir, porém, que a autonomia não se esgota na

capacidade financeira. Autonomia financeira47 não é sinônimo de competência tributária,

como bem destacou Gama (2009: p. 199):

Autonomia financeira compreende o conjunto de faculdades jurídicas que possibilita ao ente federativo adquirir os recursos necessários para o desenvolvimento das demais autonomias – política, administrativa e legislativa. Pode abranger tanto aquelas que se referem à imposição de tributos – tributária – quanto às questões de repasse de receitas – orçamentárias. (...) Ora, se há possibilidade de as normas orçamentárias assegurarem autonomia financeira à parte dos entes federativos; se essas normas devem ser obedecidas como as demais; se existem municípios que integram a Federação sem exercer suas competências legislativas, seja por que razão for; se parte substancial da arrecadação de tributos municipais e estaduais é feita nos termos de lei complementar – SIMPLES -, não há fundamento para identificar a ideia de autonomia financeira com a de competência tributária. Noutras palavras, é possível que entidades tenham autonomia financeira sem competências impositivas e, inversamente, tenham competências impositivas sem autonomia financeira. Dois conceitos que, apesar de manterem intenso diálogo, não se confundem.

A autonomia dos entes políticos, na verdade, busca realizar o equilíbrio

federativo por meio de divisão de competências. Tratou, então, nossa própria

Constituição de dividir pormenorizadamente a competência tributária entre todos os

entes federativos, assim como definiu rigorosamente a repartição do produto arrecadado

a título de tributos, dando origem ao que a doutrina chamou de “federalismo

cooperativo”.

Recorrendo ao magistério de Baleeiro (1999: pp. 587, 588):

o federalismo deixou de ser simplesmente dualista, como mera técnica de repartição de poder. Os compromissos do Estado como bem-estar social, a busca de uma maior isonomia e da erradicação das grandes desigualdades sociais e econômicas entre pessoas, entre grupos e regiões e a necessidade de um planejamento integrado e harmonioso do país levaram à superação do federalismo tradicional em favor de um federalismo financeiro ou cooperativo, segundo o qual, além da

47 Autonomia financeira é “o conjunto de meios, tributários ou orçamentários, que levam a pessoa política a obter os recursos com os quais garantirá as demais autonomias (autonomia política, autonomia administrativa e autonomia legislativa.” (CARRAZZA, R. 2012: p. 574, nota 12.).

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discriminação das rendas por fonte, se dá também uma distribuição da receita segundo o produto arrecadado.

A propósito, é elucidativo o seguinte trecho do voto do Sr. Ministro do STF

Ricardo Lewandowski48:

a nova Carta Magna adotou o denominado “federalismo cooperativo”, em que se registra um entrelaçamento de competências e atribuições dos diferentes níveis governamentais (...) Destarte, para que a autonomia política concedida pelo constituinte aos entes federados seja real, efetiva, e não apenas virtual, cumpre que se preserve com rigor a sua autonomia financeira, não se permitindo no tocante à repartição de receitas tributárias, qualquer condicionamento arbitrário por parte do ente responsável pelos repasses a que eles fazem jus.

É a autonomia de cada ente federativo (seja no seu aspecto administrativo,

legislativo e financeiro) o elemento nuclear, o fundamento, a base do conceito do

princípio federativo.

II.VI. Princípio da Legalidade

No ordenamento jurídico, compete exclusivamente ao Poder Legislativo

editar leis. E a lei, somente a lei, tem o condão de compelir as pessoas a fazer ou não

fazer algo, afinal ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão

em virtude de lei (conforme artigo 5º, II, da Constituição).

Essa previsão constitucional enuncia o princípio da legalidade, impedindo

uma atuação arbitrária do Estado em relação aos indivíduos, que possuem o direito de

fazer aquilo que a lei não proíba.

No direito tributário o princípio da legalidade possui enorme importância.

Tanto é assim que o artigo 150, I, da Carta Magna, proíbe expressamente a

possibilidade das pessoas políticas exigirem ou aumentarem tributo sem que seja

mediante lei. Tal dispositivo, ao reforçar o conteúdo do artigo 5º, II, enuncia o

denominado princípio da estrita legalidade, que constitui um verdadeiro limite ao poder

de tributar.

48 STF. Tribunal Pleno. RE 572.762-9. Dje nº 167, de 04/09/2008. Ementário 2331-4.

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E, diga-se, criar um tributo significa estabelecer todas as notas que permitam

identificar o fato jurídico tributário e a respectiva relação jurídica, em consonância com o

que prevê a Constituição. O conteúdo do princípio da estrita legalidade enseja que a lei,

sem afrontar quaisquer disposições constitucionais, descreva ou indique todos os

aspectos49 da regra matriz de incidência tributária.

Segundo Carvalho, P. (2011: p. 146):

Dentre os recursos epistemológicos mais úteis e operativos para a compreensão do fenômeno jurídico-tributário, segundo penso, inscreve-se o esquema da regra-matriz de incidência. Além de oferecer ao analista um ponto de partida rigorosamente correto, sob o ângulo formal, favorece o trabalho subsequente de ingresso nos planos semântico e pragmático, tendo em vista a substituição de suas variáveis lógicas pelos conteúdos da linguagem do direito positivo.

“Regra matriz de incidência tributária” é expressão que designa a norma

tributária em sentido estrito, apta a deflagrar a incidência de dado tributo50. Enquanto

norma jurídica, tal regra possui estrutura dual, composta por uma hipótese e um

consequente.

Seguindo a trilha traçada por Carvalho, P., na hipótese da regra-matriz de

incidência tributária é possível identificar os critérios material, temporal e espacial. Nas

palavras do referido autor (2011: p. 149):

Em linguagem formalizada teremos: Ht = Cm (v.c) . Ce . Ct onde “Ht” é a hipótese tributária, “Cm” o critério material, “v” o verbo, “c” o complemento, “Ce” o critério espacial, “Ct” o critério temporal e “.” o símbolo do conjuntor. O critério material é o núcleo do conceito mencionado na hipótese normativa. Nele há referência a um comportamento de pessoas físicas ou jurídicas, condicionado por circunstâncias de espaço e de tempo, de tal sorte que o isolamento desse critério, para fins cognoscitivos, é claro, antessupõe a abstração das condições de lugar e de momento estipuladas

49 Utilizamos a palavra “aspectos”, e não “elementos” da hipótese de incidência, tendo em vista a seguinte observação feita por Ataliba (2002: p. 77): “Não nos parece adequada a expressão elementos da hipótese de incidência, usada por alguns autores. É que esta expressão sugere a ideia de que está diante de algo que entra na composição doutra coisa e serve para formá-la. Cada aspecto da hipótese de incidência não é algo a se stante, de forma que associado aos demais resulte na composição da hipótese de incidência, mas, são simples qualidades, atributos ou relações de uma coisa uma e indivisível, que é a hipótese de incidência, juridicamente considerada. Sob esta perspectiva, a h.i. é um todo lógico unitário e incindível”. 50 No mesmo sentido de Carvalho, P.: “A regra-matriz de incidência tributária é, por excelência, uma regra de comportamento, preordenada que está a disciplinar a conduta do sujeito devedor da prestação fiscal, perante o sujeito pretensor, titular do direito de crédito.” (2011a: p. 317).

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para a realização do evento. Já o critério espacial é o plexo de indicações, mesmo tácitas e latentes, que cumprem o objetivo de assinalar o lugar preciso em que a ação há de acontecer. O critério temporal, por fim, oferece elementos para saber, com exatidão, em que preciso instante ocorre o fato descrito.

Com efeito, o critério material consiste na descrição dos dados relevantes

que servem de suporte ao antecedente normativo. Corresponde à conduta ou estado

descrito na lei. Na prática, o aspecto material costuma ser definido pela conjugação de

um verbo acrescido de determinado complemento, como por exemplo, “realizar

operação financeira”; “ser proprietário de imóvel rural”, “remunerar empregado” etc.

Já o critério temporal define as circunstâncias de tempo necessárias para a

incidência tributária. É ele que indica o momento relevante para configurar um evento

como fato jurídico tributário.

O critério espacial, por sua vez, indica as circunstâncias de lugar importantes

para a configuração do fato imponível. Sob uma perspectiva genérica, o fato que

determina o nascimento da obrigação tributária deve ser realizado no âmbito territorial

de validade da lei, ou seja, na área espacial correspondente à competência do

legislador tributário.

No consequente da regra matriz de incidência tributária estão alojados os

critérios pessoal e quantitativo, na linha do que leciona CARVALHO, P. (2011: p.149):

O prescritor da regra-matriz de incidência contém dois critérios: o pessoal (sujeito ativo e passivo) e o quantitativo (base de cálculo e alíquota). Nada mais é necessário para que possamos identificar uma obrigação tributária, espécie de relação jurídica. Sua representação lógica poderia ser expressa com a seguinte notação simbólica: “Cst”Cp(as.sp).Cq(BC.al). E, que “Cst” é o consequente tributário; “Cp” é o critério pessoal; “sa” o sujeito ativo; “sp” o sujeito passivo; “Cq” o critério quantitativo; “BC” a base de cálculo; “al” a alíquota; e “.” novamente o conjuntor ou multiplicador lógico.

O critério pessoal - também denominado de subjetivo - consiste na

determinação dos sujeitos da obrigação tributária. Estes sujeitos se dividem em sujeito

ativo (credor na relação jurídico tributária) e sujeito passivo (devedor).

O sujeito ativo - a quem a lei atribui a exigibilidade do tributo - normalmente

corresponde à pessoa constitucional titular da competência tributária. Nestes casos a lei

não designa expressamente o sujeito ativo. Assim, a União, Estados Federados, Distrito

Federal e Municípios são os sujeitos ativos respectivos das leis por eles elaboradas.

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É importante destacar que a lei pode atribuir a titularidade da exigibilidade de

um tributo a outra pessoa que não a competente para instituí-lo, devendo ser expressa

nesse sentido. É o fenômeno denominado de “parafiscalidade”, isto é, de delegação da

capacidade tributária ativa.

Segundo Carrazza, R. (1977: p. 40), parafiscalidade

é a atribuição, pelo titular da competência tributária, mediante lei, de capacidade tributária ativa, a pessoas públicas ou privadas que persigam finalidades públicas ou de interesse público, diversas do ente imposto, que, por vontade desta mesma lei, passam a dispor do produto arrecadado, para a consecução de seus próprios objetivos.

Por outro lado, o sujeito passivo é o devedor da obrigação tributária; é a

pessoa que sofre a diminuição patrimonial em face do pagamento do tributo.

Nos termos do artigo 121 do Código Tributário Nacional, o sujeito passivo da

obrigação tributária pode ser chamado de (i) contribuinte, quando tenha relação pessoal

e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; ou (ii) responsável,

quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição

expressa de lei.

Finalmente, o critério quantitativo tem por finalidade indicar o “quantum” a

pagar a título de tributo. É composto pela conjugação de duas grandezas: a base de

cálculo (também denominada de base tributável ou base imponível) e a alíquota.

A alíquota consiste em uma fração ou parte da grandeza da base de cálculo,

podendo ser ad valorem e específica. A alíquota ad valorem indica uma porcentagem a

ser calculada sobre a grandeza tributável (exemplos: 10% sobre o preço de uma

operação mercantil; 20% do valor da remuneração paga etc.). Já a alíquota específica

(rara nos dias atuais) é a que se expressa por uma quantia determinada em função da

unidade de quantificação da coisa (peso, volume, tamanho, capacidade etc.).

Por sua vez, a base de cálculo corresponde à perspectiva dimensional do

aspecto material da hipótese de incidência, com o objetivo de mensurar a expressão

econômica de um fato.

Na lição de Carvalho, P. (2011a: p. 27),

a base de cálculo é a grandeza instituída na consequência da regra-matriz tributária, e que se destina, primordialmente, a dimensionar a intensidade do comportamento inserto no núcleo do fato jurídico, para que,

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combinando-se à alíquota, seja determinado o valor da prestação pecuniária.

Nesse sentido, aduz Carrazza, R. (2010: p. 171)

a base de cálculo precisa estar em perfeito ajuste com a hipótese de incidência, já que é ela que confirma a natureza jurídica da exação. Havendo qualquer descompasso entre ambas, o tributo, porque mal instituído, não poderá ser validamente lançado e cobrado. De fato, o divórcio entre a hipótese de incidência e a base de cálculo do tributo, descaracteriza-o, alterando-lhe a regra-matriz, desenhada na Constituição. Distorce, pois, o próprio sistema tributário, deixando o contribuinte perplexo, sem saber ao certo que exação está sendo compelido a suportar. Vem ao encontro desta ideia de unicidade, o art. 154, I, da Constituição Federal, que ao autorizar a União a criar novos impostos, proibiu tivessem “fato gerador e base de cálculo próprios” dos discriminados nos arts. 153, 155 e 156, deste mesmo Diploma. Com isso, sinalizou nitidamente que a hipótese de incidência e a base de cálculo são realidades jurídicas distintas, que, sob pena de inconstitucionalidade, devem estar em perfeita sintonia.

Reforçando essa ideia, Coêlho (2007: p. 55) é esclarecedor:

Entre a base de cálculo e o fato gerador dos tributos existe uma relação de inerência quase carnal (inhaeret et ossa), uma relação de pertinência, de harmonia. Do contrário, estaria instalada a confusão e o arbítrio com a prevalência do nomem iuris, i.e., da simples denominação formal sobre a ontologia jurídica e conceitual dos tributos, base científica do Direito Tributário. (...) Eis aí a grande serventia da base de cálculo como dado ou elemento veritativo, além de suas funções puramente quantitativas (cálculo do valor a pagar) e valorativa (elemento auxiliar para a fixação da capacidade contributiva pela valoração do fato gerador em função do contribuinte).

Disso tudo ressai que a base de cálculo, além de servir de meio para

quantificar o valor a pagar a título de tributo, constitui precioso instrumento de controle

de constitucionalidade da exação.

A reunião de todos esses critérios (material, temporal, espacial, pessoal e

quantitativo) aptos para a construção da regra matriz de incidência tributária, na

verdade, compõe o seu próprio caráter de unicidade, sendo que eles não vêm

necessariamente expressos na lei, podendo estar presentes de forma esparsa no texto

legal, ou até mesmo de forma implícita no sistema. É tarefa do intérprete reconhecê-los

e identificá-los, a fim de construir a norma jurídica para a incidência do tributo.

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Cumpre notar, nesse contexto, que a regra matriz de incidência tributária diz

respeito à fenomenologia e desvendamento do alcance e dimensão da norma jurídica

tributária em sentido estrito. Por meio dela, o intérprete define os critérios que permitem

qualificar determinado evento como fato jurídico tributário e, consequentemente,

instaurar determinada relação jurídico tributária.

Didaticamente, definiu-se “hipótese de incidência” ou “hipótese tributária”

como a descrição legal do fato e suas circunstâncias gerais; e de “fato imponível” ou

“fato jurídico tributário” sua efetiva ocorrência, num determinado tempo e lugar51.

Para fins de incidência, então, é necessária a subsunção, operação esta que

ocorre quando determinado fato, relatado pela linguagem competente do direito positivo,

guardar absoluta identidade com o conceito legal trazido pela hipótese tributária.

Carrazza, R. (2010: p. 32) foi feliz, ao resumir que

o tributo somente pode ser considerado juridicamente existente quando (i) uma lei houver descrito minuciosamente sua hipótese de incidência, (ii) o fato nela previsto tiver ocorrido, em todos os seus aspectos, no mundo real, e (iii) a autoridade competente promover, observados as cautelas de estilo, a subsunção.

Ressalte-se, por oportuno, que essa necessidade, decorrente do princípio da

legalidade, de a lei ter que estipular os critérios necessários para que, in concreto, seja

possível operar-se a subsunção, implica uma verdadeira tipicidade.

É isso que demonstra Xavier (1978: p. 70):

A técnica da tipicidade é, porém, a mais adequada à plena compreensão do próprio conteúdo de reserva absoluta e, portanto, dos limites que a lei impõe à vontade dos órgãos de aplicação do direito em matéria tributária, que resulta com nitidez o alcance da regra nullum tributum sine lege e que se poderá traçar com rigor o âmbito das matérias que, pelo princípio da legalidade, estão reservadas à lei e as que, eventualmente, estejam confiadas à vontade dos seus órgãos de aplicação.

Nesse aspecto, pertinentes também os comentários de Amaro (2009: p.

113):

51 Geraldo Ataliba sugeriu a denominação “hipótese de incidência” e “fato imponível” (2002), ao passo que “hipótese tributária” e “fato jurídico tributário” foram os nomes conferidos por Paulo de Barros Carvalho (2011).

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Isso leva a uma outra expressão da legalidade dos tributos, que é o princípio da tipicidade tributária, dirigido ao legislador e ao aplicador da lei. Deve o legislador, ao formular a lei, definir, de modo taxativo (numerus clausus) e completo, as situações (tipos) tributáveis, cuja ocorrência será necessária e suficiente ao nascimento da obrigação tributária, bem como os critérios de quantificação (medida) do tributo. Por outro lado, ao aplicador da lei veda-se a interpretação extensiva e a analogia, incompatíveis com a taxatividade e determinação dos tipos tributários.

Aprofundando o estudo da tipicidade tributária, Coêlho (2012: p. 179), com

propriedade, concluiu:

Tipicidade ou precisão conceitual é o outro nome do princípio da legalidade material. Por primeiro, é preciso dizer que, enquanto a legalidade formal diz respeito ao veículo (lei), a tipicidade entronca com o conteúdo da lei (norma). O princípio da tipicidade é tema normativo, pois diz respeito ao conteúdo da lei. O princípio da legalidade originariamente cingia-se a requerer lei em sentido formal, continente de prescrição jurídica abstrata. Exigências ligadas aos princípios éticos da certeza e segurança do Direito, como vimos de ver, passaram a requerer que o fato gerador e o dever tributário passassem a ser rigorosamente previstos e descritos pelo legislador, daí a necessidade de tipificar a relação jurídico-tributária. Por isso, em segundo lugar, é preciso observar que a tipicidade não é só do fato jurígeno-tributário, como também do dever jurídico decorrente (sujeitos ativos e passivos, bases de cálculo, alíquotas, fatores outros de quantificação, quantum debeatur – como, onde, quando pagar o tributo). Tipificada, isto é, rigorosamente legislada, deve ser a norma jurídico-tributária, por inteiro, envolvendo o descritor e o prescritor, para usar a terminologia de Lourival Vilanova. Assim, se a lei instituiu imposto sem alíquota, não pode a Administração integrar a lei. Esta restará inaplicada e inaplicável... Em terceiro lugar, a tipicidade tributária é cerrada para evitar que o administrador ou o juiz, mais aquele do que este, interfiram na sua modelação, pela via interpretativa ou integrativa.

A lei, portanto, deve conter todos os critérios da regra matriz de incidência

tributária, sendo vedada a atribuição dessa tarefa a outras normas de inferior hierarquia.

É o que a tipicidade tributária, que constitui o aspecto material do princípio da

legalidade, determina.

Do ponto de vista formal, a legalidade impõe a obrigação das pessoas

políticas instituírem os tributos de sua competência por meio de lei, lei esta tomada na

acepção de ato normativo emanado do Poder Legislativo, em conformidade com o

procedimento formal regulamentado na Constituição.

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A regra é de que compete à lei ordinária a instituição e majoração de

tributos 52 , salvo os empréstimos compulsórios, impostos residuais da União e

contribuições sociais residuais previstas no § 4º do artigo 195 da Constituição Federal,

que demandam lei complementar para serem legitimamente instituídos53.

Dessa forma, a legalidade, no seu aspecto formal, revela que a instituição ou

majoração de tributos somente podem ser feitos por meio de lei (ordinária, como regra;

e complementar, nos casos excepcionados previstos pela própria Carta Suprema).

Conforme esclarece Xavier (1978: p. 71):

Já atrás se viu, ao tratar do princípio da reserva de lei, que no Direito Tributário esta assumia a natureza de uma reserva de lei formal, no sentido de que a instituição dos tributos e, portanto, a formação dos tipos tributários, nos seus contornos essenciais, é monopólio das normas revestidas de força de lei, dimanadas dos órgãos legislativos competentes, por antonomásia as Assembleias representativas. E que tal regra – originariamente expressão do livre consentimento dos tributos pelos povos – passou a revestir no Estado de Direito a função de garantia da separação de poderes, pressupostos da realização da justiça e da segurança jurídica (...).

Adotando essa mesma linha de raciocínio, Carrazza, P. (2012: p. 299) assim

se pronunciou:

Entendemos que, no Brasil, só o Poder Legislativo, de regra por meio de lei ordinária, pode criar ou aumentar tributos. Portanto, apenas o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas, as Câmaras de Vereadores e a Câmara Legislativa, nas esferas, respectivamente, federal, estaduais, municipais e distrital, têm competência para, por meio de lei ordinária, instituir tributos ou majorar os já existentes. Esta é a consequência da interpretação sistemática do art. 150, I, da CF. (...) Por que “de regra”? Porque os empréstimos compulsórios e os impostos da competência residual da União devem ser criados ou aumentados por meio de lei complementar, conforme exigem, respectivamente, os arts. 148 e 154, I, da CF.

Em síntese, tudo o que é importante em matéria tributária deve,

necessariamente, estar contido na lei. 52 Ressalte-se, por oportuno, que a própria Constituição Federal facultou ao Poder Executivo alterar as alíquotas dos impostos de importação, exportação, IPI, IOF e CIDE-Combustíveis (artigos 153, § 1º e 177, § 4º). O que precisa ficar claro, diante desta permissão, é que ela não constitui uma exceção à legalidade, uma vez que a alteração da alíquota em questão deve observar os limites estabelecidos na própria lei (alíquotas mínima e/ou máxima), sob pena de inconstitucionalidade. 53 A lei complementar exige para sua aprovação quórum qualificado (maioria absoluta), ao passo que a lei ordinária é passível de aprovação por maioria simples.

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II.VI.I Normas Gerais em Matéria Tributária (Lei Co mplementar)

A Constituição Federal elenca a “lei complementar” como um instrumento

introdutor de normas, exigindo, para sua aprovação, quórum qualificado. Em várias

passagens do texto constitucional, aliás, há remição expressa à necessidade de lei

complementar para disciplinar determinadas matérias, inclusive instituir tributo

(empréstimos compulsórios, impostos residuais e contribuições sociais residuais, todos

de competência da União).

São, portanto, dois os traços marcantes da lei complementar: (i) disciplinar

matéria expressa ou implicitamente indicada no próprio texto constitucional; e (ii)

demandar quórum especial para sua elaboração (maioria absoluta, e não simples,

conforme prescreve o artigo 69 da Constituição54). Ao primeiro traço, denomina-se

pressuposto material ou ontológico da lei complementar. E ao segundo traço, requisito

formal.

De acordo com Borges (1975: p. 73),

a lei complementar é a resultante de um procedimento legislativo vinculado a critérios constitucionais de direito formal (e.g., o quórum de votação) e de ordem material ou de direito substantivo (a matéria corresponde a uma fatia do campo global distribuído rigidamente segundo esquemas constitucionais de competência legislativa).

Normalmente os assuntos que a Constituição reservou à lei complementar

são identificados por uma remição expressa, mas é possível localizar, em algumas

hipóteses, uma alusão somente à lei (e não lei complementar).

Em circunstância como essa, a bem empreendida análise do comando supremo apontará que a grandeza do tema somente pode ser objeto de lei complementar, visto que estão em pauta regulações diretas de preceitos da Lei Maior, que por outros estatutos não poderia ser versadas. (CARVALHO, P., 2011a: p.262).

O campo material de atuação da lei complementar tributária está traçado na

própria Lei Maior, sendo que, em matéria tributária, os artigos 146 e 146-A dispõem que:

Art. 146 - Cabe à lei complementar:

54 “Artigo 69 - As leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta”.

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I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas. d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. Parágrafo único . A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que: I - será opcional para o contribuinte; II - poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado; III - o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento; IV - a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes. Art. 146-A . Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo.

É bom ressaltar que a alínea “d”, do inciso III, e o parágrafo único, ambos do

art. 146 em questão, foram inseridos por meio de Emenda Constitucional (nº 42/2003).

Os demais dispositivos (isto é, o art. 146, I, II e III, “a”, “b” e “c”), originários na

Constituição Federal, sempre foi objeto de celeuma na doutrina55.

E nem poderia ser diferente, afinal uma análise literal de tais incisos poderia

conduzir à equivocada conclusão de que praticamente tudo em matéria tributária

ensejaria regulamentação por lei complementar.

55 Mais precisamente, parte da doutrina identificou três funções da lei complementar (corrente tricotômica), quais sejam: (i) estabelecer normas gerais; (ii) regular as limitações constitucionais à tributação; e (iii) dispor sobre conflitos de competência; ao passo que outros juristas sustentaram haver duas funções (corrente dicotômica): editar normas gerais para (i) regular as limitações ou (ii) para dirimir conflitos de competência.

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Ocorre que o artigo 146 da Constituição, assim como qualquer outro

dispositivo normativo, enseja uma interpretação sistemática. A lei complementar deve

conviver em harmonia com os preceitos constitucionais, especialmente aqueles que

conferem competência e autonomia às pessoas políticas, razão pela qual, no

ordenamento jurídico tal como posto, a lei complementar é lei de caráter nacional.

Com efeito, a lei nacional é diferente da lei federal, havendo apenas um

ponto em comum entre ambas: sua origem, o legislador comum (Congresso Nacional).

Uma lei nacional deve representar os anseios do Estado Federal enquanto ordem global

da nação, ainda que editada pela União.

Não obstante a imprecisa redação do artigo 146 da Constituição Federal, a

lei complementar, de acordo com nossa interpretação, tem por papel veicular normas

gerais de direito tributário que busquem clarear, tornar explícitas, enfim, uniformizar

disposições de interesse comum dos entes políticos, evitando conflitos de competência

ou a não observância das limitações constitucionais ao poder de tributar.

Como notou Baleeiro (2010: p. 156), “a Lei Complementar não cria

limitações que já não existam na constituição, não restringe nem dilata o campo

limitado. Completa e esclarece as disposições relativas à limitação, facilitando sua

execução de acordo com os fins que inspiraram o legislador constituinte”.

Nas hipóteses em que a própria Constituição deixou uma parcela de

conteúdo legislativo a esta espécie normativa (o que ocorre por remição), compete à lei

complementar preenchê-la, não podendo, obviamente, violar nenhum preceito

constitucional.

Apesar do termo “normas gerais” não possuir um conteúdo semântico

determinado, a nosso ver ele deve ser entendido como espécie normativa de caráter

amplo, aplicação abrangente e apta para regulamentar assuntos que possam gerar

dúvidas e tratamentos contraditórios por parte das pessoas políticas.

Nas palavras de Carrazza, R. (2012: p. 1038):

Temos por incontroverso que a Constituição não conferiu ao legislador complementar um “cheque em branco” para, por meio da edição deste ato normativo, traçar as competências tributárias, com suas limitações, da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Apenas concedeu que ele, de duas, uma: ou dispusesse sobre conflitos de competência entre as entidades tributantes, ou regulasse as limitações constitucionais ao exercício da competência tributária.

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Observamos, ainda, que o inciso III do art. 146 da CF (...) não autoriza a lei complementar a modificar a “norma padrão de incidência” (a “regra-matriz”, o “arquétipo genérico”) dos tributos. De fato, ela foi constitucionalmente traçada e, por isto mesmo, não poderá ter seus confins alterados pela lei em foco. Deveras, o art. 146 da CF, se interpretado sistematicamente, não dá margem a dúvidas: a competência para editar normas gerais em matéria de legislação tributária desautoriza a União a descer no detalhe, isto é, a ocupar-se com peculiaridades da tributação de cada pessoa política. Entender o assunto de outra forma poderia desconjuntar os princípios federativos, da autonomia municipal e da autonomia distrital. Portanto, somos da opinião que a lei complementar em exame só poderá veicular normas gerais em matéria de legislação tributária, as quais ou disporão sobre conflitos de competência, em matéria tributária, ou regularão “as limitações constitucionais ao poder de tributar”.

Coêlho (2012: p. 96), ao analisar a matéria, foi preciso ao dizer que “uma

boa indicação do que sejam normas gerais de Direito Tributário fornece-nos o atual

Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, e alterações

posteriores), cuja praticabilidade já está assentada na “vida” administrativa e judicial do

país.”

A Lei nº 5.172/1966, na verdade, foi publicada sob a égide da Constituição

de 1946, a qual não contemplava a figura da lei complementar, que foi criada somente

por ocasião da promulgação da Carta Constitucional de 1967, com a finalidade de

estabelecer normas gerais de direito tributário, dispor sobre conflitos de competência

tributária e regular as limitações constitucionais do poder tributário. Considerando que

tal lei já disciplinava normas gerais em matéria tributária, foi esta recepcionada como lei

complementar e, mais ainda, como Código tributário Nacional, em conformidade com o

artigo 7º do Ato Complementar nº 36, de 13/03/1967.

Ainda sobre o tema “lei complementar”, achamos conveniente fazer menção

à determinada tese judicial, já apreciada pelo STF, consistente na constitucionalidade

ou não de uma lei ordinária estabelecer prazo decadencial superior ao fixado em lei

complementar.

Foi o que ocorreu com o artigo 45 da Lei nº 8.212/9156 (que estabelecia

prazo decadencial de dez anos no que diz respeito às contribuições previdenciárias),

56 “Artigo 45 - O direito da Seguridade Social apurar e constituir seus créditos extingue-se após 10 (dez) anos contados: I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o crédito poderia ter sido constituído; II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, a constituição de crédito anteriormente efetuada.”

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frente ao prazo decadencial de cinco anos, previsto pelo CTN57 aos tributos sujeitos ao

lançamento por homologação (caso das contribuições previdenciárias).

No entender do Supremo Tribunal Federal58, uma lei ordinária não poderia

ampliar o prazo decadencial previsto no CTN, porque a decadência corresponde à

matéria que requer disciplina por meio de lei complementar. Vejamos o seguinte trecho

da decisão:

As normas relativas à prescrição e à decadência tributárias têm natureza de normas gerais de direito tributário, cuja disciplina é reservada a lei complementar, tanto sob a Constituição pretérita (art. 18, § 1º, da CF de 1967/69) quanto sob a Constituição atual (art. 146, b, III, da CF de 1988). Interpretação que preserva a força normativa da Constituição, que prevê disciplina homogênea, em âmbito nacional, da prescrição, decadência, obrigação e crédito tributários. Permitir regulação distinta sobre esses temas, pelos diversos entes da federação, implicaria prejuízo à vedação de tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalente e à segurança jurídica. II. DISCIPLINA PREVISTA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. O Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966), promulgado como lei ordinária e recebido como lei complementar pelas Constituições de 1967/69 e 1988, disciplina a prescrição e a decadência tributárias.

Concordamos com o teor desse julgado. Segundo nosso entendimento, os

institutos da prescrição e decadência, enquanto meios de extinção do crédito tributário,

decorrem do princípio da segurança jurídica, caracterizando, inclusive, uma forma de

limitar o poder de tributar, afinal estipulam prazos máximos para que os tributos sejam

cobrados pelo Estado.

Na medida, pois, em que o CTN (norma geral de direito tributário que, repita-

se, possui status de lei complementar) define parâmetros em relação aos prazos

decadenciais e prescricionais, ele se coloca na posição de uma norma geral de caráter

nacional, vinculando seu mandamento a todas as pessoas políticas, além de conferir

aos contribuintes uma certeza quanto ao tempo máximo que a fiscalização de todas as

esferas dispõe para constituir os tributos que entenderem devidos.

Não conseguimos visualizar, numa hipótese como essa, qualquer violação à

autonomia das pessoas políticas, tendo em vista que a adoção de um mesmo prazo

decadencial para tributos de competências diferentes tem por finalidade uniformizar a

matéria, fortalecendo a segurança jurídica dos contribuintes.

57 Artigos 150, § 4º e 173, I. 58 RE (Recurso Extraordinário) 556.664 (Dj 12/06/2008).

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II.VI.II. Presunções no Direito Tributário

Questão interessante consiste na análise da legitimidade de presunções em

face do princípio da legalidade. Como notou Haret (2010: pp. 80, 81):

Considerando a frequência com que vem sendo assumida por este domínio do direito, cremos não ser mais possível falar em sua inadmissibilidade no campo dos tributos. Tanto na letra da lei tributária – Federal, Distrital, Estaduais e Municipais – quanto nos atos positivados pelas Fazendas Públicas, o uso das presunções está cada vez mais comum como método normativo que facilita a positivação, arrecadação e fiscalização dos tributos. Logo, não se pode mais negar sua presença no campo tributário. (...) Permite-se, portanto, o uso de presunções no direito tributário, desde que atendidos os direitos fundamentais dos contribuintes e preservados os imperativos constitucionais voltados ás relações desse domínio.

Não há consenso quanto ao conteúdo semântico do signo “presunção”. Há

uma concepção clássica do termo, segundo o qual por presunção deve-se entender o

raciocínio pelo qual, verificada a existência de um fato determinado, conclui-se pela

ocorrência de outro fato. Assim, com base em um dado conhecido, infere-se a

existência de um provável outro fato, independentemente de seu acontecimento.

Na visão de Canto (1984: p. 3), “na presunção toma-se como sendo a

verdade de todos os casos aquilo que é a verdade da generalidade dos casos iguais,

em virtude de uma lei de frequência ou de resultados conhecidos, ou em decorrência da

previsão lógica do desfecho”.

Na sua obra “Presunções no Direito Tributário”, Ferragut (2001: pp. 61, 62)

tomou como base três acepções ao termo: proposição normativa, relação e fato. Como

proposição normativa, a presunção consistiria numa norma jurídica que, a partir da

comprovação do fato diretamente provado, implica juridicamente o fato indiretamente

provado. Como relação, define-se presunção como o vínculo jurídico que permite que o

aplicador construa indiretamente um fato. Finalmente, como fato, a presunção

corresponde ao “relato de um evento de ocorrência fenomênica provável e passível de

ser refutado mediante apresentação de provas concretas. É prova indireta, detentora de

referência objetiva, localizada em tempo e histórico e espaço social definidos”.

Apesar da plurissignificação do vocábulo “presunção”, o fato é que o seu uso

no direito tributário acaba por exercer papel auxiliador na busca de riqueza (capacidade

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contributiva) do contribuinte, coibindo práticas que poderiam implicar abusos à lei ou

sonegação, facilitando a eficácia da arrecadação e fiscalização.

A doutrina costuma dividir as presunções em relativas ou absolutas. As

presunções relativas (juris tantum) seriam aquelas que admitem provas contrárias.

Assim, o fato presumido prevalece até que a parte interessada demonstre o contrário.

Já as presunções absolutas (juris et de jure) não admitem contraditório, eliminando as

chances de prova em contrário. Uma vez absolutas, criariam dados tido como

incontroversos, verdadeiras ficções jurídicas.

Adotando essa classificação, em nossa opinião o direito tributário apenas

admite hipóteses legais59 de presunções relativas. Qualquer presunção relacionada aos

critérios da regra matriz tributária deve admitir prova em contrário, sob pena de

desvirtuar toda a lógica da incidência tributária.

Nesse sentido se manifesta Oliveira (1984: p. 288): “as ficções jurídicas e as

presunções juris et de juris são inadmissíveis em direito tributário, admitindo-se apenas

presunções relativas como meios de prova da ocorrência real do fato gerador”.

Também Hugo de Brito Machado60 não admite o emprego de presunções

absolutas no direito tributário. Veja-se:

Admitir-se o emprego ilimitado de presunções absolutas e ficções legais seria permitir ao legislador a desobediência pura e simples da Constituição. Com absoluta propriedade, disse o Ministro Luiz Galotti, em seu voto (vencido) proferido no RE 71758, que se a lei pudesse chamar de compra o que não é compra, de importação o que não é importação, de exportação o que não é exportação, de renda o que não é renda, ruiria todo o sistema tributário inscrito na Constituição. É inadmissível, portanto, o emprego de ficções legais ou de presunções legais absolutas, para modificar conceitos utilizados, em normas de posição hierárquica superior.

Aliás, como dispõe o artigo 142 do Código Tributário Nacional61, o ato de

lançamento (apto a constituir o crédito tributário), impõe o cumprimento de determinados

59 Diante do princípio da estrita legalidade, as presunções somente são válidas se tiverem base em lei. Somente a lei é apta a criar hipóteses de presunção. 60 In: Presunções no Direito Tributário. Caderno de Pesquisas Tributárias nº 9. Ed. Resenha Tributária. São Paulo. 1984. P. 262. 61 “Artigo 142 - Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. Parágrafo único . A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.”

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requisitos por parte do Estado. Isso porque a oneração do patrimônio do contribuinte

somente pode decorrer de situações suficientemente descritas em lei e perfeitamente

identificadas no mundo dos fatos, sob pena de se tributar uma realidade econômica

inexistente ou diversa daquela prevista na hipótese de incidência correspondente.

Como bem notou Schoueri (1997: p. 85):

estando o sistema tributário brasileiro submetido à rigidez do princípio da legalidade, a subsunção dos fatos à hipótese de incidência tributária é mandatória para que se dê o nascimento da obrigação tributária do contribuinte. Admitir que o mero raciocínio de probabilidade por parte do aplicador da lei substitua a prova é conceber a possibilidade – ainda que remota diante da altíssima probabilidade que motivou a ação fiscal – de que se possa exigir um tributo sem que necessariamente tenha ocorrido o fato gerador.

Vê-se, pois, que as presunções tributárias, pautas fiscais, ficções,

arbitramentos, aferições indiretas, substituições “para frente” ou qualquer outro

mecanismo semelhante, quando previstos pela lei tributária, não dispensam a

possibilidade de prova em contrário.

II.VII. Princípio da Isonomia (Igualdade)

Outro princípio nuclear no direito positivo brasileiro é o da isonomia ou

igualdade. O artigo 5º da Constituição Federal prescreve que todos são iguais perante a

lei. Como assevera Carrazza, E. (1992: p. 25), “sem igualdade não se pode falar em

democracia. Sem igualdade não há República. É princípio constitucional que não admite

derrogação através de lei”.

A igualdade, na seara tributária, tem por finalidade conferir tratamento

isonômico a todos perante a lei. Borges62 esclarece que “a mais eminente de todas as

normas assecuratórias de direitos individuais é a isonomia. (...). Somos iguais diante da

lei (igualdade formal) e na lei (igualdade material).”

Ao dizer que a lei tributária deve ser igual para todos não significa que todas

as pessoas estão sujeitas a todas as leis fiscais, mas sim que, diante de uma mesma

situação jurídica, todos em que nela estão inseridas devem receber igual tratamento

tributário.

62 O Princípio da Segurança Jurídica na Criação e Aplicação do Tributo. RDT nº 63: p. 207.

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Mello, C. (2012: p. 35) pondera que

o princípio da isonomia preceitua que sejam tratadas igualmente as situações iguais e desigualmente as desiguais. Donde não há como desequiparar pessoas e situações quando nelas não se encontram fatores desiguais. E, por fim, consoante averbado insistentemente, cumpre ademais que a diferença do regime legal esteja correlacionada com a diferença que se tomou em conta.

A Constituição Federal, aliás, no seu artigo 150, II, veda à União, Estados,

Municípios e Distrito Federal instituir tratamento desigual entre contribuintes que se

encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação

profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica

dos rendimentos, títulos ou direitos63.

Ao analisar esse dispositivo, o Supremo Tribunal Federal já registrou a

impossibilidade de tratamento tributário diferenciado em função de trabalho, cargo ou

função, por exemplo. Veja-se:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. REMUNERAÇÃO DE MAGISTRADOS. IMPOSTO DE RENDA SOBRE A VERBA DE REPRESENTAÇÃO. ISENÇÃO. SUPERVENIÊNCIA DA PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. ISONOMIA TRIBUTÁRIA. INSUBSISTÊNCI A DO BENEFÍCIO. 1. O artigo 150, inciso II, da Constituição Federal, consagrou o princípio da isonomia tributária, que impede a diferença de tratamento entre contribuintes em situação equivalente, vedando qualquer distinção em razão do trabalho, cargo ou função exercidos. (...)64

As controvérsias que surgem na aplicação do princípio da igualdade surgem

justamente no momento de definir se o critério que justifica a diferenciação quanto ao

tratamento tributário é ou não consistente juridicamente.

Apesar de essa análise depender de cada caso concreto, o fato é que não

haverá quebra à isonomia se o critério de discriminação adotado possuir justificativa

63 Além desse dispositivo, a igualdade também se encontra prevista no artigo 151, I, que consagra o princípio da uniformidade de tributação, vedando à União instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio econômico entre as diferentes regiões do País. 64 RE 236.881/RS (Dj 26/04/2002).

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racional, isto é, fundamento lógico entre a diferenciação conferida e a finalidade

perseguida.

Nas palavras de Dória (1964: p.195),

devem, portanto, ser considerados, na análise, se a lei tributária obedece ao requisito da igualdade os seguintes fatores: a) razoabilidade da discriminação, baseada em diferenças reais entre pessoas ou objetos taxados; b) existência de objetivo que justifique a discriminação; c) nexo lógico entre o objetivo perseguido que permitirá alcançá-lo.

Havendo observância dos requisitos apontados, considera-se constitucional

a distinção tributária conferida pelo legislador. Caso contrário, ou seja, se o fator

discriminatório não possuir nexo lógico com a finalidade de sua causa, estaremos diante

de uma hipótese de inconstitucionalidade65.

II.VIII. Princípio da Capacidade Contributiva

O princípio da capacidade contributiva, verdadeira garantia do cidadão de

não se submeter à tributação excessiva, consagra a ideia de que o poder de tributar não

pode comprometer a disponibilidade financeira do contribuinte em face dos seus gastos

mínimos necessários (mínimo vital). O pagamento de tributo, pois, deve operar-se

dentro da capacidade de contribuir (ability to pay).

A capacidade contributiva possui relação direta com o princípio da isonomia,

pois tem por objetivo justamente garantir o tratamento igualitário aos iguais e

desigualmente aos desiguais, na medida em que eles se desigualam. Segundo Costa

(2003: p. 41), “a igualdade está na essência da noção de capacidade contributiva, que

não pode ser dissociada daquela. Podemos dizer que a capacidade contributiva é um

subprincípio, uma derivação de um princípio mais geral, que é o da igualdade, irradiador

de efeitos em todos os setores do Direito”

Na medida, pois, em que a capacidade contributiva implica mais pagamento

de tributo àqueles que possuem maior riqueza, ela reforça os ideais republicanos,

constituindo um meio eficaz na busca da justiça fiscal.

65 Esse assunto será mais bem explorado no Capítulo VI, item VI.VII. (As Diferentes Alíquotas da CPRB em face do Princípio da Isonomia).

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De acordo com trecho do voto proferido pelo Ministro do STF Cezar

Peluso66:

As exigências da justiça, no direito tributário, subordinam o tratamento normativo à medida da riqueza manifestada, ou, em rigor técnico, ao conceito de capacidade contributiva (art. 145, §1º, da Constituição da República), de modo que as distinções entre categorias de pessoas devem fundar-se nesse critério, e a adoção de qualquer outro há de manter-se perceptível e justificada correlação lógica-jurídica com os princípios normativos e os direitos e garantias fundamentais, sob pena de insulto ao princípio da igualdade. A igualdade de tratamento exige igual tratamento em aspectos relevantes. Decisivo é, portanto, o critério que determina quais situações devem ter a mesma e quais devem ter outras consequências jurídicas. O critério justiça, no Direito tributário, deve ser a capacidade contributiva (art. 145, parágrafo 1º). Qualquer afastamento desse direito preliminar de igual tratamento (art. 5º) deve ser fundamentado, caso contrário, o próprio significado fundamental do princípio da capacidade contributiva seria afastado (arts. 1º e 5º).

Por meio da capacidade contributiva busca-se atingir um equilíbrio,

efetivando a igualdade tributária. Nessa conformidade, mister que, quando possível, a

tributação deve recair sobre fatos-signos presuntivos de riqueza, utilizando-se da

clássica terminologia adotada por Becker (2007).

A Constituição Federal utilizou a expressão capacidade econômica no

sentido de capacidade contributiva, prescrevendo, no seu artigo 145, § 1º, que “sempre

que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a

capacidade econômica do contribuinte, (...)”.

Permanece a discussão acerca do alcance do dispositivo em questão,

especialmente no que concerne (i) ao conteúdo semântico da expressão “sempre que

possível”, afinal ela pode ensejar a interpretação de que o legislador seria livre para

decidir quando aplicar o princípio da capacidade contributiva; e (ii) à abrangência do

princípio para outros tributos, que não somente impostos.

Ao analisar a expressão “sempre que possível”, Ávila (2012: p. p. 436)

leciona que “o essencial é que a expressão não traduz uma permissão, mas um dever

cujo significado depende da possibilidade, jurídica e ontológica, da graduação de acordo

com a capacidade econômica do contribuinte”.

Nesse sentido se posicionou Becho (2011: p. 407):

66 ADIN nº 3.105-8/DF (Dj 18/02/2005).

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ao dizer “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte” (art. 145, § 1º, da CF), o constituinte não quis fazer uma recomendação, sendo apenas infeliz na redação, pois reconheceu, em algumas hipóteses, o fato de uma norma poder não ter aplicação, não em razão de inexistir vontade do legislador infraconstitucional, mas por não ser, tecnicamente, possível sua aplicação em alguns impostos. Entendemos, contudo, que na redação da Carta de 1988, o constituinte quis dar outra redação ao art. 202 da Constituição de 1946 (“Os tributos terão caráter pessoal sempre que isso for possível, e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte”), que continha a capacidade contributiva, como citado. A redação de 1946 é melhor. Porém, o cientista do direito não está engessado pela interpretação gramatical, permitindo-se a devida liberdade laborativa.

Corroboramos esse entendimento. O princípio da capacidade contributiva

deve ser aplicado para qualquer espécie de tributo, sempre em que isto for possível. Ou

seja, a prescrição contida no artigo 145, § 1º, da Constituição, não confere uma

faculdade ao Legislador, mas determina que, sempre que possível, o tributo deve ser

graduado conforme a capacidade de contribuir67.

Admitir que a capacidade contributiva aplica-se somente aos impostos

significa fechar os olhos ao sistema e incorrer no erro da literalidade68.

Sobre o tema, Barreto, A. (1998: pp. 98, 99) é categórico:

Ter capacidade contributiva significa, assim, que o ato-fato, fato ou estado de fato conectado ao contribuinte é revelador de conteúdo econômico, ontologicamente considerado, sem perquirições de natureza subjetiva. Essa eleição de fatos, estados de fato ou atos-fatos jurídicos, suscetíveis de dar origem à criação de tributo, não está restrita, todavia, aos impostos – embora neles mais se evidencie. (...) Em síntese, a capacidade contributiva é princípio prestigiado pela Constituição e, por isso, requerido para a criação de tributos.

A propósito, o Supremo Tribunal Federal acolheu o argumento de que a

capacidade contributiva se aplica a todos os tributos. Veja-se, a título de exemplo, o

excerto do voto condutor do Ministro Ricardo Lewandowski69:

67 Nas palavras de Coêlho, “a capacidade contributiva subordina o legislador e atribui ao Judiciário o dever de controlar a sua efetivação enquanto poder de controle da constitucionalidade das leis e da legalidade dos atos administrativos”.(2012: p. 58). 68 Cai como uma luva a observação de Derzi, M. “é altamente empobrecedor e, mais, equivocado, identificar juridicidade com literalidade”. (2010: p. 839). 69 RE nº 573.675-0/SC. P. 1426 e 1427. (Dje 21/05/2009).

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A despeito de o art. 145, § 1º, da Constituição Federal, que alude à capacidade contributiva, fazer referência apenas aos impostos, não há como negar que ele consubstancia uma limitação ao poder de imposição fiscal que informa todo o sistema tributário. É certo, contudo, que o princípio da capacidade contributiva não é aplicável, em sua inteireza, a todos os tributos (...). Como se sabe, existe certa dificuldade em aplicá-lo, por exemplo, às taxas, que pressupõem uma contraprestação direta em relação ao sujeito passivo da obrigação. Na hipótese das contribuições, todavia, o princípio em tela, como regra, encontra guarida, como ocorre no caso das contribuições sociais previstas no art. 195, I, b e c, devidas pelo empregador.70.

Nota-se, assim, que o Estado, ao exercer seu poder de tributar, deve se ater

à capacidade contributiva71. Ao concentrar a tributação sobre signos que manifestam

riqueza, impede-se, do ponto de vista lógico, um confisco ao patrimônio do contribuinte.

Ainda que lógica tal conclusão, o artigo 150, IV, da Constituição Federal, veda

expressamente a utilização de tributo com efeito de confisco.

Na linha do princípio da capacidade contributiva, o não confisco reforça a

ideia de que os tributos devem ser determinados de maneira a não incidir danosamente

sobre as fontes de riqueza dos sujeitos passivos. Daí Carrazza, R. (2012: p. 112) haver

aduzido que a não confiscatoriedade “proíbe usurpar, simulando tributar, o patrimônio

do contribuinte. É certo que a tributação acarreta transferência aos cofres públicos de

porções do patrimônio do contribuinte. Isto, no entanto, deve ser feito com estrita

observância dos ditames constitucionais.”

Falar em não confisco é falar em proporcionalidade e razoabilidade, ou seja,

proibição de exageros, de forma que haja um equilíbrio entre os meios (capacidade

econômica dos contribuintes) e os fins (cobrança de tributos pelo Estado).

O Supremo Tribunal Federal, aliás, já estabeleceu alguns parâmetros pelos

quais poderia ser identificado o efeito confiscatório, conforme se extrai do trecho da

ementa do seguinte julgado:

A TRIBUTAÇÃO CONFISCATÓRIA É VEDADA PELA CONSTITUIÇ ÃO DA REPÚBLICA

70 Em outro julgamento, ressalte-se que o STF fez referência à possibilidade das taxas serem graduadas de acordo com a capacidade contributiva do contribuinte (Agravo Regimental no RE 216.259, 2ª Turma, DJ 19/05/2000). 71 Cumpre notar que a progressividade (técnica consistente no aumento da alíquota em função do aumento da base de cálculo do tributo) e a seletividade (técnica que busca tributar de forma mais onerada as operações com produtos supérfluos, desonerando operações com produtos mais essenciais) constituem instrumentos eficazes de implementação do princípio da capacidade contributiva.

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A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende cabível, em sede de controle normativo abstrato, a possibilidade de a Corte examinar se determinado tributo ofende, ou não, o princípio constitucional da não-confiscatoriedade consagrado no art. 150, IV, da Constituição. (...) A proibição constitucional do confisco em matéria tributária nada mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais (educação, saúde e habitação, por exemplo). A identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da totalidade da carga tributária, mediante verificação da capacidade de que dispõe o contribuinte - considerado o montante de sua riqueza (renda e capital) - para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que ele deverá pagar, dentro de determinado período, à mesma pessoa política que os houver instituído (a União, no caso), condicionando-se, ainda, a aferição do grau de insuportabilidade econômico-financeira, à observância, pelo legislador, de padrões de razoabilidade destinados a neutralizar excessos de ordem fiscal eventualmente praticados pelo Poder Público. Resulta configurado o caráter confiscatório de determinado tributo, sempre que o efeito cumulativo - resultante das múltiplas incidências tributárias estabelecidas pela mesma entidade estatal - afetar , substancialmente, de maneira irrazoável, o patrimônio e/ou os rendimentos do contribuinte. O Poder Público, especialmente em sede de tributação [...] não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade.72

O efeito confiscatório, contudo, se faz presente quando não há uma

razoabilidade e proporcionalidade entre a base de cálculo tributária e sua hipótese de

incidência. Trata-se de mais uma garantia dos contribuintes contra potenciais abusos do

poder de tributar do Estado.

II.IX. Princípio da Irretroatividade

Os artigos 5º, XXXVI e 150, III, “a”, ambos da Constituição Federal possuem

a seguinte redação:

Artigo 5º - (...) XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

72 ADI 2.010-MC (Dj 12/04/2002).

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Artigo 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) III - cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado.

O princípio da irretroatividade tem fundamento nos dispositivos acima

transcritos, prescrevendo, em síntese, que a lei deve ser anterior ao fato gerador. Ou

seja, a irretroatividade impõe à lei a obrigação dela dispor somente para o futuro.

Ao analisar tais dispositivos, Borges (2006: p. 249) esclarece:

a proibição de leis (tributárias) retroativas está assegurada no art. 5º, XXXVI, quando este prescreve que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, ou ainda que a lei penal (aplicável aos crimes de sonegação fiscal) não retroagirá, salvo para beneficiar o réu (XL). A irretroatividade das leis tributárias é campo de eleição preferencial da segurança jurídico-tributária. Assim a CF veda, no art. 150, III, a cobrança de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado. A surpresa fiscal dos contribuintes é um contra-valor enquanto tal incompatível com o valor segurança jurídica. É dizê-la: fator de insegurança nas relações entre fisco e contribuintes.

A irretroatividade veda a aplicação de uma lei nova, que criou ou majorou

determinado tributo, a fato pretérito. Isto significa dizer que eventual lei tributária que

pretenda tributar (ou exigir aumento de tributo) em relação a fatos ocorridos no passado

(isto é, antes de sua vigência), incorrerá em vício de inconstitucionalidade.

Segundo as lições de Carrazza, R. (2012: p. 381)

a irretroatividade da lei protege o contribuinte contra o arbítrio do Estado, que não pode modificar, para pior, situações fiscais (i) já consolidadas ou (ii) já aperfeiçoadas, embora ainda pendente de condição. (...) a lei deve ser anterior ao fato imponível, e não o fato imponível anterior à lei.

No que diz respeito às normas de penalidade, convém salientar a

aplicabilidade do princípio da benignidade, segundo o qual a lei aplica-se a fato

pretérito, tratando-se de ato não definitivamente julgado, quando lhe comine pena

menos severa que a lei vigente ao tempo de sua prática (ex vi do art. 106, II, “c”, do

CTN).

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A lei tributária, portanto, não pode retroagir, salvo na hipótese da

retroatividade benéfica acima aludida.

X. Princípio da Anterioridade

Dispõem os artigos 150, III, “b” e “c”, § 1º, e 195, § 6º, da Constituição

Federal que:

Artigo 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) III - cobrar tributos: (...) b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; § 1º - A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I; e Art. 195 . (...) § 6º - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, "b".

Da conjugação dos dispositivos em questão, é possível construir o perfil do

princípio da anterioridade, o qual veda a aplicação da lei que instituiu ou majorou

determinado tributo (i) em relação a fatos ocorridos no mesmo exercício financeiro73 em

que entrou em vigor, para os tributos em geral (respeitado o mínimo de noventa dias,

conforme alínea “c” acima); (ii) anteriormente ao prazo de noventa dias da data da sua

publicação, no caso das contribuições sociais previstas no artigo 195 da Constituição.

A anterioridade prevista para as contribuições sociais destinadas à

Seguridade Social costuma ser chamada de anterioridade nonagesimal, noventena ou

73 No Brasil, ressalte-se, o exercício financeiro corresponde ao período compreendido entre 1º de janeiro a 31 de dezembro, coincidindo com o ano civil (cf. artigo 34, da Lei nº 4.320/1964).

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anterioridade mitigada74. Independentemente da terminologia, o fato é que tal regra

exige um intervalo mínimo de noventa dias entre a publicação da lei e a sua aplicação.

Princípio consagrado no sistema jurídico, a anterioridade tem por objetivo

evitar surpresas para o contribuinte, no sentido de proibir a instituição ou aumento de

tributo no próprio curso do exercício financeiro ou em intervalo inferior a noventa dias da

data da publicação da lei, de forma que ele possa se programar, com antecedência,

sobre os encargos tributários que deverá suportar.

De acordo com Coêlho (2006: p. 620),

o princípio da anterioridade expressa a ideia de que a lei tributária seja conhecida com antecedência, de modo que os contribuintes, pessoas naturais ou jurídicas, saibam com certeza e segurança a que tipo de gravame estarão sujeitos no futuro imediato, podendo, dessa forma, organizar e planejar seus negócios e atividades.

Nessa mesma linha de raciocínio, Carrazza, R. (2012: p. 212) aduz que:

o princípio da anterioridade veicula a ideia de que deve ser suprimida a tributação de surpresa (que afronta a segurança jurídica dos contribuintes). Ele impede que, da noite para o dia, alguém seja colhido por nova exigência fiscal. É ele, ainda, que exige que o contribuinte se depare com regras tributárias claras, estáveis e seguras. E, mais do que isso: que tenha conhecimento antecipado dos tributos que lhe serão exigidos ao longo do exercício financeiro, justamente para que possa planejar, com tranquilidade, sua vida econômica.

Ressalte-se que a própria Constituição originariamente admitiu exceções ao

princípio da anterioridade para determinados tributos (conforme artigo 150, § 1º), diante

de sua natureza e importância para direção de políticas nacionais. Trata-se dos

impostos que possuem função extrafiscal 75 (impostos de importação de produtos

estrangeiros; exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;

sobre produtos industrializados; e sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou

74 Anterioridade mitigada, na verdade, foi a expressão utilizada pelo Min. Ilmar Galvão, quando do julgamento do RE 183.119/SC (20/11/1996), que declarou a inconstitucionalidade da expressão “correspondente ao período base de 1989”, com relação ao inciso II, do artigo 1º, da Lei nº 7.988/89, que pretendeu exigir contribuição social sobre o lucro líquido sobre receitas de exportações incentivadas após três dias da sua publicação. 75 Ou seja, tributos que, além de ter objetivo de arrecadação de recursos aos cofres públicos, também buscam incentivar ou desincentivar uma determinada situação. Nas palavras de Baleeiro, “quando os impostos são empregados como instrumento de intervenção ou regulação pública, a função social propriamente dita, ou “puramente fiscal”, é sobrepujada pelas funções “extrafiscais”. A sua técnica é, então, adaptada ao desenvolvimento de determinada política, ou diretriz.” (1987. p. 176).

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relativas a títulos ou valores mobiliários); além dos impostos extraordinários de guerra e

empréstimos compulsórios para atender despesas decorrentes de calamidade pública,

guerra externa ou sua iminência.

A propósito, o Supremo Tribunal Federal 76 , ao julgar a Emenda

Constitucional nº 3/1993, que pretendeu excepcionar o imposto sobre movimentação

financeira (IPMF) à regra da anterioridade, reconheceu que tal princípio consagra direito

imodificável. A ementa desse julgado recebeu a seguinte descrição:

1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação a Constituição originaria, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua é de guarda da Constituição (art. 102, I, "a", da C.F.). 2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que, no art. 2º, autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo 2º desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica "o art. 150, III, "b" e VI", da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros): 1. - o princípio da anterioridade, que é garantia individual do contribuinte (art. 5., par. 2., art. 60, par. 4., inciso IV e art. 150, III, "b" da Constituição).

As exceções admitidas em relação ao princípio da anterioridade, portanto,

são taxativas, não podendo ser ampliadas, sob pena de inconstitucionalidade.

II.XI. Princípio da Segurança Jurídica

Legalidade, isonomia, capacidade contributiva, anterioridade, assim como

todos os outros princípios constitucionais tributários, não obstante suas peculiaridades,

traduzem a ideia de que o exercício do poder de tributar deve operar-se com a máxima

segurança jurídica.

“Segurança jurídica”, na lição de Carvalho, P. (2005: p. 86), “é, por

excelência, um sobreprincípio. Efetiva-se pela atuação de princípios, tais como o da

legalidade, da anterioridade, da igualdade, da irretroatividade, da universalidade da

jurisdição e outros mais”.

A segurança jurídica está associada à preservação das expectativas das

pessoas, no sentido de tornar segura a vida dos contribuintes diante do Poder Público.

76 Tribunal Pleno, ADIn 939/DF, rel. Min. Sydney Sanches, DJ 18/03/1994.

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Cabe ao próprio direito positivo, na sua função típica de regular as condutas, criar as

condições de certeza e igualdade no sistema, justamente em prol desta segurança.

Sobre a relação entre direito e segurança, Ferraz Junior77 leciona que

segurança significa a clara determinação e proteção do direito contra o não direito, para todos. Na determinação do jurídico e, pois, na obtenção da segurança, a certeza é um elemento primordial. Por certeza entende-se a determinação permanente dos efeitos que o ordenamento jurídico atribui a um dado comportamento, de modo que o cidadão saiba ou possa saber de antemão a consequência das suas próprias ações.

No nosso ordenamento jurídico, portanto, a segurança jurídica consiste na

confiança que as pessoas devem ter e depositam no Direito, ou seja, na “certeza” de

que as garantias e direitos fundamentais serão respeitados por parte daqueles que

detêm o poder.

Trazendo essas considerações para o âmbito do sistema constitucional

tributário, Torres78, com propriedade, escreveu:

No caso do sistema constitucional tributário, a certeza vê-se atendida pela legalidade e suas variantes formais e materiais, como, no Direito Tributário, tem-se na definição das espécies de tributos e discriminação material de competências, proibição de analogia, reserva de lei complementar, exigência de legalidade formal para instituir ou aumentar tributos e determinação dos critérios para efetividade material dos direitos e garantias fundamentais em matéria tributária.

No exercício do poder de tributar, a segurança jurídica é atendida pela fiel

observância dos preceitos contidos no sistema constitucional tributário. Tal expressão

associa-se à preservação das expectativas das pessoas no sistema jurídico. E isso

somente se realiza por meio da confiança depositada pelos cidadãos no Estado, seja

em relação ao Poder Legislativo, ao editar as leis, seja em relação à aplicação das

normas pelo Poder Executivo e, principalmente, seja em relação ao controle de

constitucionalidade a cargo do Poder Judiciário.

77 In Revista de Direito Tributário 17/18. p. 51. 78 Modulação de efeitos da decisão e o ativismo judicial. Revista Consultor Jurídico nº 18 (julho/2012). Disponível em http://www.conjur.com.br. Acesso em 10/11/2014.

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II.XII. Imunidades Tributárias

A Constituição Federal, ao mesmo tempo em que permitiu às pessoas

políticas instituírem tributos nas situações que previu, proibiu-lhes de tributar outras

situações por meio das regras de imunidades.

Nos dizeres de Carrazza, E. 79 , a imunidade “é uma das limitações

constitucionais ao poder de tributar e, como tal, nada retira do âmbito da competência

tributária, que já nasce desprovida do campo constitucionalmente imune”.

As imunidades tributárias, pois, constituem um fenômeno de natureza

constitucional, que estabelece uma incompetência das entidades tributantes no que diz

respeito à tributação de certas pessoas, seja em razão de sua natureza jurídica, seja em

função de determinados fatos, bens ou situações.

De acordo com as lições de Derzi, M. (2010: pp. 374, 375):

a imunidade é regra constitucional expressa (ou implicitamente necessária), que estabelece a não competência das pessoas políticas para tributar certos fatos e situações, de forma amplamente determinada, delimitando negativamente, por meio de redução parcial, a norma de atribuição de poder tributário. A imunidade é, portanto, regra de exceção e de delimitação de competência, que atua, não de forma sucessiva no tempo, mas concomitantemente. A redução que opera no âmbito de abrangência da norma concessiva de poder tributário é tão só lógica, mas não temporal. O que é imunidade? É norma que estabelece a incompetência.

No entendimento de Carrazza, R. (2012: pp. 811, 813):

os preceitos imunizantes expressam a vontade do Constituinte originário de preservar da tributação valores de particular significado político, social, religioso, econômico etc. (...) por efeito reflexo, as regras imunizantes conferem aos beneficiários direitos públicos subjetivos de não serem tributados. (...) De fato, a Constituição não quer que certas pessoas venham a ser alvo de tributação, justamente para que não vejam perturbados seus direitos fundamentais. Por isso mesmo, estende sobre elas o manto da imunidade. E, ao fazê-lo, cria-lhes direitos subjetivos inafastáveis. (...) Sempre que a Constituição estabelece uma imunidade, está, em última análise, indicando a incompetência das pessoas políticas para legislarem acerca daquele fato determinado. Impõe-lhes, de conseguinte, o dever de se absterem de tributar, sob pena de irremissível inconstitucionalidade.

79 Revista de Direito Tributário nº 3. p. 167.

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Os preceitos imunizantes constituem normas de estrutura, afinal eles têm

por objetivo delinear o campo impositivo dos entes tributantes, dispondo sobre a

produção de outras regras. Não se trata de normas que se reportam diretamente à

conduta humana (normas de conduta), mas sim na estrutura do sistema jurídico, pois

direcionadas ao desenho da competência tributária.

De fato, as normas de imunidade consagram verdadeiros valores e

postulados essenciais privilegiados pela Assembleia Nacional Constituinte, em nome do

povo brasileiro, quando da elaboração do texto constitucional. Registramos, porém, que

não é nossa intenção analisar pormenorizadamente as hipóteses de imunidades, para

não nos desviar da rota preestabelecida no presente estudo.

Nesse contexto, convém notar que a imunidade tributária não se confunde

com a isenção, muito menos com a não incidência.

Na linha do que leciona Machado (2012: pp. 268, 269):

É certo que, do ponto de vista do resultado prático, a imunidade, a isenção e a não incidência podem ser consideradas equivalentes, pois levam à situação na qual o tributo não é devido. Talvez por isto mesmo muitos não se interessem na delimitação desses conceitos. Entretanto, para quem estuda Direito seriamente essa delimitação é importante, porque em certas situações pode ser decisiva para a solução de questões eventualmente suscitadas. A imunidade, como acima se viu, é o obstáculo decorrente de regra da Constituição à incidência de regra de tributação. Resulta da superioridade da Constituição na hierarquia do sistema jurídico. A isenção nada tem a ver com a hierarquia das normas jurídicas. Resulta da lei, que está na mesma posição hierárquica da lei que cria o tributo e define sua hipótese de incidência. Já, a não incidência, que também não depende da hierarquia das normas jurídicas, identifica-se por exclusão, em face da hipótese de incidência da regra de tributação.

O instituto da isenção, na verdade, introduz modificações no âmbito da regra

matriz de incidência tributária, subtraindo parcela do campo de abrangência do

antecedente ou do consequente da norma jurídica.

Nas palavras de Carvalho, P. (2011a: p. 568),

as normas de isenção pertencem à classe das regras de estrutura, que intrometem modificações no âmbito da regra-matriz de incidência tributária, esta sim, norma de conduta. (...), a regra de isenção investe contra um ou mais critérios da norma-padrão de incidência, mutilando-os, parcialmente.

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A regra de isenção pode inibir a funcionalidade da regra matriz tributária, de

oito maneiras diferentes: a) pela hipótese, atingindo-lhe: (i) o critério material, pela

desqualificação do verbo; (ii) o critério material, pela subtração do complemento; (iii) o

critério espacial e (iv) o critério temporal; e b) pelo consequente, atingindo-lhe: (v) o

critério pessoal, pelo sujeito ativo; (vi) o critério pessoal, pelo sujeito passivo; (vii) o

critério quantitativo, pela base de cálculo; e (viii) o critério quantitativo, pela alíquota.

Diferentemente da imunidade, que advém do próprio texto constitucional, a

isenção depende de lei, estando sujeita ao princípio da legalidade. O Poder Legislativo,

contudo, possui a faculdade de isentar determinadas pessoas ou situações do

pagamento de tributo, sem desrespeitar os princípios constitucionais. É neste sentido

que Borges afirma que “o poder de isentar é o próprio poder de tributar visto ao inverso”

(2011: p. 31).

Já a não incidência consiste nas situações nas quais um determinado evento

não é relevante para o Direito. No âmbito tributário, a não incidência quer dizer que um

fato não é passível de tributação, impossibilitando a sua subsunção à previsão

hipotética da lei fiscal.

A não incidência, portanto, elimina a legitimidade dos aplicadores do direito

empregarem a linguagem competente sobre tais hipóteses.

Podemos concluir, então, que a imunidade compõe constitucionalmente a

competência tributária; a isenção situa-se no campo infraconstitucional, operando-se por

meio de lei que mutila um ou mais critérios da regra matriz; e a não incidência diz

respeito aos fatos que não se enquadram na norma jurídica tributária.

No âmbito das contribuições à Seguridade Social, categoria na qual as

contribuições previdenciárias estão inseridas, o texto constitucional previu que “são

isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de

assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei” (art. 195, § 7º).

Nessa situação específica, e na linha do que expusemos acerca das

diferenças conceituais entre imunidade e isenção, onde se lê na Carta Magna “são

isentas”, deve-se entender “são imunes”, afinal a imunidade advém da própria

Constituição Federal, ao contrário da isenção, que opera-se infraconstitucionalmente.

Essa é a posição, aliás, do Supremo Tribunal Federal, conforme atesta a

ementa do julgado abaixo.

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MANDADO DE SEGURANÇA - CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - QUOTA PATRONAL - ENTIDADE DE FINS ASSISTENCIAIS, FILANTRÓPICOS E EDUCACIONAIS - IMUNIDADE (CF, ART. 195, § 7º) - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. - A Associação Paulista da Igreja Adventista do Sétimo Dia, por qualificar-se como entidade beneficente de assistência social - e por também atender, de modo integral, as exigências estabelecidas em lei - tem direito irrecusável ao benefício extraordinário da imunidade subjetiva relativa às contribuições pertinentes à seguridade social. - A cláusula inscrita no art. 195, § 7º, da Carta Política - não obstante referir-se impropriamente à isenção de contribuição para a seguridade social - , contemplou as entidades beneficentes de assistência social, com o favor constitucional da imunidade tributária, desde que por elas preenchidos os requisitos fixados em lei. A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal já identificou, na cláusula inscrita no art. 195, § 7º, da Constituição da República, a existência de uma típica garantia de imunidade (e não de simples isenção) estabelecida em favor das entidades beneficentes de assistência social. Precedente: RTJ 137/965. - Tratando-se de imunidade - que decorre, em função de sua natureza mesma, do próprio texto constitucional -, revela-se evidente a absoluta impossibilidade jurídica de a autoridade executiva, mediante deliberação de índole administrativa, restringir a eficácia do preceito inscrito no art. 195, § 7º, da Carta Política, para, em função de exegese que claramente distorce a teleologia da prerrogativa fundamental em referência, negar, à entidade beneficente de assistência social que satisfaz os requisitos da lei, o benefício que lhe é assegurado no mais elevado plano normativo.80

E de acordo com parte final do mencionado artigo 195, § 7º, a imunidade

das contribuições para a Seguridade Social em relação às entidades beneficentes de

assistência social está condicionada ao atendimento dos requisitos estabelecidos em lei.

Como o referido dispositivo constitucional se refere apenas a requisitos

estabelecidos em lei, há discussão sobre qual seria o veículo legislativo competente

para definir os requisitos da imunidade tributária: se lei complementar ou lei ordinária.

Acreditamos que cabe unicamente à lei complementar definir os requisitos

da imunidade. Isto porque o artigo 146, II da Constituição81 diz expressamente que cabe

à lei complementar regulamentar as limitações constitucionais ao poder de tributar.

Desta forma, fundada na premissa de que as imunidades são limitações constitucionais

ao poder de tributar, os requisitos para sua fruição devem ser objeto de lei

complementar.

80 MS 22.192-9/DF (Dj 19/12/1996). 81 “Artigo 146 - Cabe à lei complementar: (...) II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;”.

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Registra-se que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou

favoravelmente à corrente de que o veículo competente para definir os requisitos da

imunidade é a lei complementar, como mostra a seguinte ementa:

II. Imunidade tributária (CF, art. 150, VI, c, e 14 6, II): "instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei": delimitação dos âmbitos da matéria reservada, no ponto, à intermediação da lei complementar e da lei ordinária: análise, a partir daí, dos preceitos impugnados (L. 9.532/97, arts. 12 a 14): cautelar parcialmente deferida. 1. Conforme precedente no STF (RE 93.770, Muñoz, RTJ 102/304) e na linha da melhor doutrina, o que a Constituição remete à lei ordinária, no tocante à imunidade tributária considerada, é a fixação de normas sobre a constituição e o funcionamento da entidade educacional ou assistencial imune; não, o que diga respeito aos lindes da imunidade, que, quando susceptíveis de disciplina infraconstitucional, ficou reservado à lei complementar.82

O artigo 14 do Código Tributário Nacional condicionou a fruição da

imunidade à observância dos seguintes requisitos por parte das entidades beneficiadas:

(i) não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer

título; (ii) aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus

objetivos institucionais; e (iii) manterem escrituração de suas receitas e despesas em

livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

Ora, os requisitos em questão dão eficácia e aplicabilidade à imunidade das

entidades beneficentes de assistência social, razão pela qual eventuais outros requisitos

para gozo da imunidade, não previstos em lei complementar, padecem de vício de

inconstitucionalidade83.

Nesse ponto, são precisas as considerações de Carrazza, R. (2012: p. 964):

“o art. 14 do Código Tributário Nacional dá plena eficácia e total aplicabilidade ao art.

195, § 7º, da CF. A entidade beneficente de assistência social que atender aos

requisitos deste art. 14 tem o inafastável direito de não ser tributada por meio de

contribuições sociais para a seguridade social”.

82 ADIN 1.802-3 (Dj 13/02/2004). 83 Além dos requisitos definidos pelo Código Tributário Nacional (que, reitere-se, possui natureza de lei complementar), a matéria também está atualmente regulamentada pela Lei (ordinária) nº 12.101/2009, lei esta que, dispõe sobre a certificação das entidades beneficentes de assistência social; regula os procedimentos de isenção de contribuições para a seguridade social. Na verdade, tendo em vista que referida lei ordinária estabeleceu requisitos adicionais para fins de fruição da imunidade em questão, a nosso ver ela é inconstitucional nesse ponto. Encontra-se em trâmite, inclusive, Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN nº 4.891/2012), a qual está pendente de julgamento pelo STF.

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Apesar de não haver uma disposição expressa no texto constitucional

acerca da definição de entidade beneficente de assistência social, é possível interpretar

que elas seriam entidades sem fins lucrativos que têm por objetivo a prática de qualquer

uma das finalidades previstas no artigo 203 da Constituição, in verbis:

Artigo 203 - A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Como podemos notar, a assistência social possui conteúdo semântico

amplo, abrangendo diversos meios voltados à redução de desigualdades e carências

entre as pessoas. Podemos, então, definir entidade beneficente de assistência social

como a entidade que atende ao menos uma das necessidades apontadas nos incisos

do referido artigo 203 da Constituição.

Essa, aliás, é a posição de Carrazza, R. (2012: p. 967):

É entidade beneficente de assistência social, para os fins do predito art. 195, § 7º, da CF, aquela que, sem “espírito de ganho” (isto é, “caritativamente”), auxilia o Estado no atingimento de pelo menos um dos objetivos apontados no art. 203 do mesmo Diploma Magno. Há, pois, uma noção constitucional de entidade beneficente de assistência social: é a que , sem animus lucrandi, atende a uma ou mais necessidades do ser humano (saúde, educação, reabilitação física etc.), arroladas especialmente – mas não de modo taxativo – no art. 203 da CF.

Feitas essas considerações, a nossa conclusão é a de que uma entidade

que, cumprindo os requisitos previstos no artigo 14 do Código Tributário Nacional, e

desde que desempenhe alguma das atividades relacionadas no artigo 203 da Lei Maior,

é imune às contribuições para a Seguridade Social.

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II.XIII. Competência Tributária

Uma vez respeitados os princípios constitucionais tributários e as hipóteses

de imunidade, o Estado pode exercer seu poder de tributar de acordo com as regras de

competência.

No âmbito legislativo, competência consiste na aptidão de que cada pessoa

política possui para editar regras jurídicas, inovando no ordenamento jurídico. Já a

competência tributária propriamente dita consiste na possibilidade de o Estado editar

leis criadoras de tributos84.

Borges sustenta que “o princípio básico que preside à estruturação do

Estado federal é a repartição de competências (Kompetenzverteilung), em particular, a

repartição de competências tributárias (Steuerkonpetenzen)” (2011: p. 29).

É por meio da competência tributária que é possível verificar qual a pessoa

política que detém o poder legítimo de dar nascimento, no plano abstrato85, a tributos,

nos termos e limites previstos na Lei Suprema.

E é a Constituição que outorga competências. De acordo com o que predica

Amaro (2009: p. 99):

A Constituição não cria tributos; ela outorga competência tributária, ou seja, atribui aptidão para criar tributos. Obviamente, ainda que referidas na Constituição as notas que permitem identificar o perfil genérico do tributo (por exemplo, “renda”, “prestação de serviços” etc.), a efetiva criação de tributo sobre tais situações depende de a competência atribuída a este ou àquele ente político ser exercitada, fazendo atuar o mecanismo formal (também previsto na Constituição) hábil à instituição do tributo: a lei.

No seu estudo sobre competência tributária, Chiesa (2002: p. 43) lembra que

o constituinte de 1988 criou um sistema tributário no qual pretendeu assegurar a cada uma das pessoas políticas campo próprio de atuação, delineando, de modo preciso, a competência impositiva de cada uma delas, visando a evitar que uma unidade venha a intervir na outra por meio da ação de tributar.

84 A competência tributária, enquanto ato de legislar, não deve ser confundida com a capacidade tributária ativa. Uma coisa é a prerrogativa de editar leis, veiculando normas jurídicas (competência); e outra é a de figurar como sujeito ativo da relação jurídica tributária (capacidade tributária ativa). 85 O termo em abstrato é empregado no sentido de que a lei deve identificar todos os critérios hipotéticos para criação da regra matriz de incidência tributária.

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De fato, ao promulgar a Constituição Federal de 1988, a Assembleia

Nacional Constituinte dividiu a competência tributária de maneira exaustiva86, podendo

ser sintetizada da seguinte maneira:

1) as taxas e contribuições de melhoria são de competência do ente político apto

a exercer poder de polícia, prestar serviço específico e divisível ou realizar obra

pública que provoque valorização de bem do contribuinte87;

2) os impostos previstos nos artigos 153 a 156 são repartidos pelo critério de

materialidade. Assim: a) A União é competente para instituir imposto sobre

importação de produtos estrangeiros (II), imposto sobre exportação, para o

exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados (IE), imposto sobre a renda e

proventos de qualquer natureza (IR), imposto sobre produtos industrializados

(IPI), imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos

ou valores mobiliários (IOF), imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR),

imposto sobre grandes fortunas88, impostos residuais e extraordinários89; b) os

Estados e Distrito Federal receberam a competência de criar imposto sobre

transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos (ITCMD),

86 Nas lições de Ataliba: “Em termos de matéria tributária é fantástica a minuciosidade dessa Constituição. Isso permite que o intérprete qualifique essa Constituição como exaustiva, quer dizer, ela exaure o campo da matéria tributável; ela deixa para o legislador ordinário uma tarefa meramente de preencher para casos concretos, regulamentar, porque tudo mais está dito no próprio Texto Constitucional. (...) Quero dizer que a Constituição parece, a meus olhos – e estou convicto disso – que tem duas características básicas e fundamentais: rígida e exaustiva. ( Revista de Direito Tributário nº 48. p. 88). 87 “Artigo 145 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I - impostos; II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.” 88 “Artigo 153 - Compete à União instituir impostos sobre: I - importação de produtos estrangeiros; II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; III - renda e proventos de qualquer natureza; IV - produtos industrializados; V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; VI - propriedade territorial rural; VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar.” 89 “Artigo 154 - A União poderá instituir: I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição; II - na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação.”

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imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre

prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de

comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior

(ICMS) e imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA)90; e c) os

Municípios e Distrito Federal são competentes para instituir imposto sobre

propriedade predial e territorial urbana (IPTU); imposto sobre transmissão "inter

vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou

acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia (ITBI) e

imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS)91;

3) União é competente para criar empréstimos compulsórios92;

4) as contribuições previstas no artigo 149 caput93 e as contribuições sociais

residuais (art. 195 § 4º94) podem ser instituídas pela União, salvo as previstas no

§ 1º95 deste mesmo artigo, que são de competência dos Estados, Municípios e

Distrito Federal;

90 “Artigo 155 - Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; III - propriedade de veículos automotores”. 91 “Artigo 156 - Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I - propriedade predial e territorial urbana; II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar”. 92 “Artigo 148 - A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios: I - para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; II - no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, "b". Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de empréstimo compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição.” 93 “Artigo 149 - Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.” 94 “Artigo 195, § 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.” 95 “Artigo 149, § 1º - Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União”.

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5) finalmente, por intermédio da Emenda Constitucional nº 39/02, foi autorizada a

criação da “estranha” contribuição para o custeio de iluminação pública por

Municípios e Distrito Federal96.

Ainda merece atenção o fato de que a Constituição Federal de 1988

outorgou competência residual, no âmbito de impostos e contribuições para a

Seguridade Social, exclusivamente à União, condicionando seu exercício ao

cumprimento dos requisitos previstos no artigo 154, I, quais sejam: (i) instituição por

meio de lei complementar; (ii) respeito à não cumulatividade; e (iii) impossibilidade de

adoção de fato gerador ou base de cálculo próprios das exações já previstas.

Para Machado (1996: p. 93),

na vigência da Constituição anterior o governo tinha condições de instituir “impostos” inominados, disfarçados, como aconteceu com o Finsocial. Com a Constituição Federal de 1988 o exercício da competência residual foi significativamente dificultado. O governo federal já não tem em suas mãos aquele “cheque em branco.

E por que a criação de novos tributos foi dificultada? Foi dificultada

justamente em função das garantias formais e materiais previstas para exercer a

competência residual.

A lei complementar, requisito formal da competência residual, exige, para

sua aprovação, quórum qualificado (maioria absoluta), ao passo que a lei ordinária é

passível de aprovação por maioria simples.

A partir do momento que a aprovação de matéria exige lei complementar (e,

portanto, requer quórum de aprovação mais rigoroso), há maior proteção ao cidadão,

além de demandar maiores reflexões por parte do Poder Legislativo.

Esse argumento foi bem explorado por McNaughton (2011: p. 255):

Com efeito, ao elevar o padrão mínimo de aprovação de normas para a maioria absoluta, a maioria predominante terá de consultar outros segmentos do Congresso para aprovação do gravame, elevando, consideravelmente, o grau do caráter centrífugo envolvido no processo.

96 “Artigo 149-A - Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III”. Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica”.

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Isso possibilita maiores reflexões e cuidados para aprovação da matéria, evitando que medidas imprudentes sejam praticadas ou inconstitucionalidades cometidas – justamente por essa ausência de reflexão.

Superada a questão formal, o exercício legítimo da competência residual, na

linha do próprio artigo 154, I, in fine, determina a observância (i) da não cumulatividade

e (ii) impossibilidade de possuir mesmo fato gerador ou base de cálculo dos

discriminados na Constituição.

Para nós essa regra foi criada como forma de implementar os princípios do

não confisco, razoabilidade e proporcionalidade, evitando superposição contributiva.

Ao discorrer sobre o assunto, Carvalho, P. (2011: p. 325) argumenta:

O princípio da não-cumulatividade dista de ser um valor. É um “limite objetivo”, mas que se verte, mediatamente, à realização de certos valores, como o da justiça da tributação, o do respeito à capacidade contributiva do administrado, o da uniformidade na distribuição da carga tributária, etc. Apresenta-se como técnica que opera sobre o conjunto das operações econômicas entre os vários setores da vida social, para que o impacto da percussão tributária não provoque certas distorções já conhecidas pela experiência histórica, como a tributação em cascatas, com efeitos danosos na apuração dos preços e crescimento estimulado na aceleração inflacionária.

E, ao mencionar não cumulatividade, nos vêm à mente duas realidades: (a)

não inclusão do valor de um dado tributo na sua própria base ou na base de cálculo de

outro tributo; e (b) impossibilidade de “tributação em cascata”.

De fato, permitir que um tributo incida sobre um valor pago por ocasião de

outro tributo significa aumentar a riqueza tributável artificialmente, constituindo

verdadeira cumulação de incidências tributárias.

Segundo estudos de Moreira A. (2009: p. 50):

A segunda hipótese de superposição contributiva ocorre quando se incluem na base de cálculo das exações o valor de outros tributos. Essa prática, pouco comum noutras plagas, tem sido adotada amiúde pelas leis tributárias brasileiras, como ocorre com o “cálculo por dentro” do ICMS. Para além deste, tem-se ainda cumulação de incidências com a inclusão do ICMS nas bases de cálculo do IPI e do PIS/COFINS; a inclusão da CSLL na base tributável pelo IRPJ, inter alii. Com isso, a alíquota real do tributo torna-se superior àquela nominalmente constante da lei, pois a exação passa a gravar uma base majorada.

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Do ponto de vista jurisprudencial, entretanto, o Supremo Tribunal Federal

possui decisões conflitantes sobre a constitucionalidade da sistemática de inclusão do

valor de um tributo na sua própria base ou na base de cálculo de outro.

Em prol da constitucionalidade dessa sistemática, a referida Corte julgou,

por exemplo, constitucional (i) o “cálculo por dentro” do ICMS, previsto na Lei

Complementar nº 87/199697, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº

212.20998; e (ii) a inclusão da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) na base

de cálculo do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas.99

Por outro lado, decidiu o Plenário do Supremo Tribunal Federal que o ICMS

não compõe a base de cálculo da COFINS. Em seu voto, o Ministro Relator Marco

Aurélio registrou que:

Conforme previsto no preceito constitucional em comento, a base de cálculo é única e diz respeito ao que faturado, ao valor da mercadoria ou do serviço, não englobando, por isso mesmo, parcela diversa. Olvidar os parâmetros próprios ao instituto, que é o faturamento, implica manipulação geradora de insegurança e, mais do que isso, a duplicidade de ônus fiscal a um só título, a cobrança da contribuição sem ingresso efetivo de qualquer valor, a cobrança considerado, isso sim, um desembolso.100

A não cumulatividade, contudo, veda a sobreposição de tributos sobre

tributos, artifício este que desnatura a própria metodologia e lógica da regra matriz de

incidência tributária.

Mas, não é só. Também a não cumulatividade busca evitar a danosa

“tributação em cascata”, vedando que a incidência tributária onere mais de uma etapa

do circuito de produção de determinado bem ou serviço. 97 “Artigo 13 – A base de cálculo do imposto é: (...) § 1º - Integra a base de cálculo do imposto, inclusive na hipótese do inciso V do caput deste artigo: I - o montante do próprio imposto, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle.” 98 “CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. BASE DE CÁLCULO DO ICMS. Inclusão no valor da operação ou da prestação de serviço somado ao próprio tributo. Constitucionalidade. Recurso desprovido”. (RE 212.209-2/RS, Dj 14/02/2003). 99 “CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE A RENDA E PROVENTOS DE QUALQUER NATUREZA DEVIDO PELA PESSOA JURÍDICA (IRPJ). APURAÇÃO PELO REGIME DE LUCRO REAL. DEDUÇÃO DO VALOR PAGO A TÍTULO DE CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO. (...) 1. O valor pago a título de contribuição social sobre o lucro líquido – CSLL não perde a característica de corresponder a parte dos lucros ou da renda do contribuinte pela circunstância de ser utilizado para solver obrigação tributária. 2. É constitucional o art. 1º e par. ún. da Lei 9.316/1996, que proíbe a dedução do valor da CSLL para fins de apuração do lucro real, base de cálculo do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas – IRPJ. Recurso extraordinário conhecido, mas ao qual se nega provimento”. (RE 582.525/SP, Dj 06/02/2014). 100 RE 240.785/MG (Sessão de 08/10/2014).

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Utilizando os ensinamentos de Moreira, A. (2009: p. 50):

A terceira e última modalidade de cumulação de tributos consiste na incidência do mesmo gravame em mais de uma etapa da cadeia produtiva, o que é passível de ocorrer apenas nos tributos incidentes sobre a produção e comercialização de bens e serviços. Afinal, somente nesses casos tem-se um liame lógico-operacional desde a primeira incidência tributária, no início da cadeia, até a aquisição do bem ou serviço pelo consumidor final. Exações cujas hipóteses de incidência sejam fatos estanques, não situados no bojo de um processo de circulação de riquezas, não permitem a visualização desta modalidade de superposição tributária.

Sobre essa hipótese de não cumulatividade, Derzi, M. (2010: pp. 734, 735)

sustenta que:

é princípio que veda a nova incidência do mesmo tributo (imposto ou contribuição) sobre valor já tributado na fase anterior (ou nas aquisições-entradas), evitando-se, então, a cumulatividade. Com esse sentido é utilizado na Constituição da República, na jurisprudência e na Dogmática. (...) A não cumulatividade é diretriz a ser observada em todos os tributos sobre o consumo, a serem criados no futuro, no exercício da competência residual da União.

A não cumulatividade, cuja aplicação recai sobre tributos que oneram o

consumo, constitui mecanismo que efetiva a capacidade contributiva dos contribuintes e

busca eliminar uma repetição na tributação ao longo da cadeia produtiva, evitando uma

carga tributária excessiva embutida no preço pago pelos consumidores101. É por isso

que, a nosso ver, o Poder Constituinte Originário determinou sua aplicação para novos

gravames plurifásicos (ou seja, que podem incidir em várias fases).

Finalmente, o artigo 154, I, ainda determina que não é possível instituir nova

exação que tenha fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta

Constituição. A partir dessa redação, e da remissão ao referido dispositivo para a

instituição de contribuição residual, verifica-se que o texto constitucional proibiu que a

101 A forma mais usual de evitar essa cumulação e, consequentemente, o “efeito fiscal em cascata” na cadeia produtiva ocorre, por exemplo, no âmbito do ICMS e IPI, mais precisamente pela sistemática constitucional de não cumulatividade, significando, em apertada síntese, que o imposto incidente em operações anteriores representa um crédito que pode ser abatido pelo contribuinte do imposto devido na operação posterior.

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União invada, mediante instituição de tributos residuais, a materialidade dos tributos

previstos originariamente, salvo nos casos dos impostos extraordinários (art. 154, II102).

Nossa Constituição, portanto, é contrária à caracterização de bitributação ou

bis in idem por ocasião de criação de novo tributo pelo exercício da competência

residual.

Sobre esse assunto, Moreira, A. (2009: p. 47) é elucidativo:

a primeira hipótese – incidência de tributos idênticos sobre o mesmo fato gerador – pode caracterizar a bitributação (se dois entes distintos exigirem gravame idêntico sobre uma só realidade) ou o bis in idem (se ambas as exações forem cobradas pelo mesmo ente estatal).

Segundo Costa (2009: p. 67): "a bitributação significa a possibilidade de um

mesmo fato jurídico ser tributado por mais de uma pessoa. (...). Já o bis in idem é ideia

distinta, traduzida na situação de o mesmo fato jurídico ser tributado mais de uma vez

pela mesma pessoa política, sendo permitido pelo sistema pátrio desde que

expressamente autorizado pela Constituição”.

Com efeito, a própria Constituição Federal de 1988, originariamente, já

trouxe expressamente as hipóteses de sobreposição de fato gerador ou base de cálculo,

como observou Coêlho (2007: pp. 99, 100):

As duas oportunidades em que se admitiu superposição de fatos geradores, antes referidas, foram fixadas na possibilidade do imposto extraordinário de guerra, quando qualquer fato gerador já reservado podia ser utilizado (art. 154, II) e no art. 195 da Carta, quando foram definidos fatos jurígenos capazes de financiar a seguridade social, que, se expressamente não tivessem sido mencionados pelo Constituinte Originário, poderiam ensejar conflitos de competência e ruídos no convívio federativo.

Nesse sentido, Derzi, H. (1996: p.51) assevera que, ao estabelecer para as

contribuições do artigo 195, I, da Constituição

idêntica base de cálculo de impostos já discriminados na Constituição, o legislador constitucional nada mais fez do que excepcioná-las, permitindo, dessa forma, o bis in idem constitucional. Em outras palavras, o legislador constitucional autorizou que essas, e tão somente essas, contribuições de

102 “Artigo 154 - A União poderá instituir: II - na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação.”

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seguridade social pudessem recair sobre base de cálculo própria de impostos, numa nítida exceção ao sistema tributário nacional que veda expressamente a bitributação.

Quando do julgamento da constitucionalidade da contribuição social sobre o

lucro líquido (CSLL) pelo Supremo Tribunal Federal, o Ministro Carlos Velloso afastou o

argumento de sua inconstitucionalidade em razão da caracterização de bis in idem, sob

a alegação de que a própria Constituição, originariamente, já permitiria a incidência de

contribuição social sobre a mesma base de cálculo do imposto sobre a renda. Veja-se o

seguinte trecho desse decisium:

Temos, no caso, pois, por expressa autorização constitucional, uma contribuição social de seguridade social (C.F., art. 195, I). Nem seria possível a utilização do argumento no sentido de que teríamos, no caso, bis in idem – o lucro das pessoas jurídicas constituindo fato gerador do imposto sobre a renda e da contribuição – por isso que é a Constituição que, expressamente, admite a contribuição sobre o lucro (C. F., art. 195, I) 103.

Também, quando do julgamento da constitucionalidade da COFINS,

instituída pela Lei Complementar nº 70/1991, o STF104 se manifestou que “no tocante ao

PIS/PASEP, é a própria Constituição Federal que admite que o faturamento do

empregador seja base de cálculo para essa contribuição social e outra, como, no caso,

é a COFINS”.

Verifica-se, assim, que eventual sobreposição de base de cálculo ou fato

gerador somente é admitida nas hipóteses originárias trazidas quando da estruturação

do sistema constitucional tributário. No caso de novos tributos, criados por meio da

competência residual, outorgada à União, devem ser cumpridos os seguintes requisitos:

(i) edição de lei complementar, (ii) não cumulatividade (isto é, impossibilidade de

inclusão do valor de um tributo na sua base de cálculo e vedação à “tributação em

cascata”); e (iii) não caracterização de bitributação ou bis in idem.

Os pressupostos da competência residual foram bem sumarizados por Derzi,

M. (2010: p. 829):

103 RE 138.284 (Dj 28/08/1992). 104 ADC (Ação Direta de Constitucionalidade) 1-1/DF (Dj 16/06/1995). Trecho do voto do Relator, Min. Moreira Alves (p. 9).

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Caracterizada a edição de tributo novo pela União, o exercício válido da competência residual exige, segundo a Constituição, o cumprimento dos seguintes requisitos de forma concomitante e cumulativa:

1. a edição de lei complementar (art. 154, I); 2. a não cumulatividade do novo imposto ou a não cumulatividade

da nova contribuição social, estando vedada a incidência em “cascata” (arts. 154, I, e 195, § 4º);

3. a perfeita caracterização do imposto ou da contribuição como “novos”, pela adoção de hipóteses de incidência ou de bases de cálculo diferentes daquelas já previstas na Constituição, com o que se veda a invasão de competência e o bis in idem (arts. 154, I e 195, § 4º).

Pois bem. Uma vez desenhada a competência tributária no sistema

constitucional, a questão que se coloca é se o ordenamento jurídico, nos termos em que

foi estruturado originariamente, permite ou não uma reforma constitucional nesta

configuração. Enfim, pode uma Emenda Constitucional reduzir ou eliminar algum

princípio constitucional tributário ou imunidade, ampliar a materialidade de um tributo já

previsto, criar um novo tributo ou transferir a competência tributária de um ente político

em favor de outro?

Para responder a tais indagações, é preciso traçar regras objetivas que

apontem os limites das Emendas Constitucionais no âmbito tributário. É este o tema que

abordaremos no capítulo seguinte.

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CAPÍTULO III - OS LIMITES DAS EMENDAS CONSTITUCIONA IS NO DIREITO TRIBUTÁRIO

III.I. Supremacia Constitucional

A Constituição Federal exerce papel fundamental nas regras do jogo do

Direito, afinal, ela constitui o fundamento último de validade de todas as normas e todas

dela derivam. Nela, nas palavras de Carvalho, P. (2011: p. 218),

estão traçadas as características dominantes das várias instituições que a legislação comum posteriormente desenvolverá. Sua existência imprime, decisivamente, caráter unitário ao conjunto, e a multiplicidade de normas, como entidades da mesma índole, lhe confere o timbre de homogeneidade.

Mais que uma lei fundamental, a Constituição representa o produto da

vontade soberana e irrompe do poder constituinte, poder este que, na definição de

Moraes, A. (2012: pp. 25, 27),

é a manifestação soberana da suprema vontade política de um povo, social e juridicamente organizado. (...) A ideia da existência de um Poder Constituinte é o suporte lógico de uma Constituição superior ao restante do ordenamento jurídico e que, em regra, não poderá ser modificada pelos poderes constituídos. 105

O Poder Constituinte, entidade representativa do povo, inaugura uma nova

ordem jurídica. Nessa conformação, Ferreira Filho (1985: p. 14) assevera que:

a obra do Poder Constituinte, a Constituição, é a base da ordem jurídica. Assim, o Poder Constituinte edita atos juridicamente iniciais, porque dão origem, dão início à ordem jurídica (...). Desse modo, o título que justifica a Constituição é a vontade da nação, ao passo que a Constituição, por assim dizer, é o título em que se baseiam todos os poderes constituídos.

105 Mais adiante, referido Autor esclarece que: “O Poder Constituinte classifica-se em Poder Constituinte originário ou de 1º grau e Poder Constituinte derivado, constituído, ou de 2º grau. (...) O Poder Constituinte Originário estabelece a Constituição de um novo Estado, organizando-o e criando os poderes destinados a reger os interesses de uma comunidade. (...)O Poder Constituinte caracteriza-se por ser inicial, ilimitado, autônomo e incondicionado. (...) O Poder Constituinte derivado está inserido na própria Constituição, pois decorre de uma regra jurídica de autenticidade constitucional, portanto, conhece limitações constitucionais expressas e implícitas e é passível de controle de constitucionalidade.”.

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Isso ocorreu no Brasil. Por meio da Assembleia Nacional Constituinte, a

Constituição Federal de 05/10/1988 foi promulgada, sendo que, não obstante a

existência de dezenas de emendas constitucionais, ainda permanece em vigor.

Coube à Lei Maior estruturar juridicamente o Estado, sob o rótulo de

República Federativa do Brasil. Para tanto, organizou os órgãos estatais, separou os

poderes, fixou direitos e garantias fundamentais das pessoas, enumerou princípios,

dispôs sobre a criação de outras normas, dividiu competências etc..

Acima da Constituição Federal não há mais juridicidade positiva. Assim é

que Carrazza R. (2012: pp. 36, 37) aclama que enquanto

Lei máxima, a Constituição é o critério último de existência e validade das demais normas do sistema do Direito, pelo quê condiciona o agir dos próprios Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Em suma, a Constituição é o limite do Poder Público e o fundamento de todo o sistema jurídico.

A superioridade hierárquica da Constituição, na trilha do que leciona

Canotilho (1996: p. 137), manifesta-se em três perspectivas: (i) ao constituir uma lex

superior que recolhe o fundamento de validade em si própria (autoprimazia normativa);

(ii) tratando-se de “normas de norma” (norma normarum), ou seja, figurando-se como

fonte de produção jurídica de outras normas; e (iii) ao implicar a conformidade de todos

os outros atos normativos com seus mandamentos (princípio da conformidade).

Dizer que a Constituição Federal é a norma superior do ordenamento

jurídico, localizada no topo da pirâmide normativa, é reconhecer sua supremacia. O

princípio da supremacia da Constituição requer que todas as situações jurídicas se

conformem com os preceitos constitucionais, sob pena de inconstitucionalidade.

Como ensina Carrazza, R. (2012: p. 42):

o descompasso entre uma norma inferior (lei, decreto, portaria, ato administrativo etc.) e a Constituição tem o nome técnico de “inconstitucionalidade” – que, como predica a melhor doutrina, pode ser material (intrínseca) ou formal (extrínseca). Material quando o conteúdo da norma inferior é incompatível com regra ou princípio constitucional (a invalidade tisna o próprio mérito da norma inferior). E formal quando a norma inferior é editada por autoridade, órgão ou pessoa incompetente ou sem a observância dos procedimentos adequados (nos termos, é claro, da própria Constituição).

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Nosso texto constitucional admite duas formas de inconstitucionalidade: a

inconstitucionalidade por ação 106 , que tem por pressuposto a produção de atos

legislativos ou administrativos que violem disposições constitucionais; e a

inconstitucionalidade por omissão107, que tem por objetivo a obtenção de um provimento

que permita o exercício de direitos consagrados na Carta Magna, mas que não podem

ser usufruídos em virtude de falta de normatização.

E é também a Constituição que estabelece os meios de controle de

constitucionalidade das normas, controle este que foi resumido pelo professor Silva, J.

(2000: p. 52) como sendo “jurisdicional, combinados os critérios difuso e concentrado,

este de competência do Supremo Tribunal Federal. Portanto, temos o exercício de

controle por via de exceção e por ação direta de inconstitucionalidade e ainda a referida

ação declaratória de constitucionalidade”.

Como se percebe, a própria Constituição Federal, nossa lei fundamental e

suprema, instituiu mecanismos contra condutas ou imposições que violem seus

preceitos, tudo em prol da supremacia constitucional e, consequentemente, do Estado

democrático de direito.

No Brasil, compete ao STF “dar a última palavra” em questões que envolvem

matéria constitucional, definindo os paradigmas jurisprudenciais. Nos termos do artigo

102 da Lei Maior, “compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da

Constituição”.

O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos

dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade,

de notável saber jurídico e reputação ilibada. Tais Ministros são nomeados pelo

Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do

Senado Federal108, devendo exercer tarefa da mais alta importância no sistema jurídico,

qual seja, o controle de constitucionalidade dos atos normativos.

Para Machado (2009: p. 7),

com certeza nos preocupa a ideia do controle de constitucionalidade, porque temos consciência de quem tem poder, seja quem for, tende a abusar dele. Por isso mesmo, as cortes constitucionais, que são as normas

106 Artigo 102, I, “a” e III, “a” a “d”. 107 Artigo 103 e §§ 1º a 3º. 108 Conforme artigo 101, da Constituição Federal.

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de mais alta posição hierárquica, tendem a ultrapassar essas constituições.

De fato, o papel exercido pelo STF, principalmente no que concerne às

demandas de natureza tributária, não raramente envolve pressões políticas,

principalmente se levarmos em consideração os reflexos que as decisões judiciais nesta

seara podem causar no orçamento dos entes públicos.

Não custa lembrar que a decisão judicial é fruto da interpretação, razão pela

qual é norteada pelos mais diversos fatores, como expõe Borges (2007: p. 138):

A decisão judicial não é apenas um ato de conhecimento do dado-de-fato constante do processo; as circunstâncias sociais nele emergentes. É também um ato de vontade. Entre múltiplas alternativas de aplicação do direito, opta o juiz por uma delas. Por isso tal decisão é influenciável pelos fatores e injunções do poder político; interferências governamentais podem pressionar o Judiciário. O juiz não é um autômato, que tão só pronuncie as palavras da lei. Sua atividade rege-se por regras de ponderação do direito a aplicar aos interesses em choque. Nele, há sempre um ato de valorização. E dessa valoração decorre determinada manifestação de vontade: a norma aplicada pela decisão judicial.

Sobre o exercício do Poder Judiciário no direito positivo, Machado (2012: p.

35) foi mais longe:

na instituição do tributo o Estado muitas vezes legisla em desobediência às normas da Constituição. E na aplicação da lei tributária também viola as regras, lançando e cobrando tributos indevidos. E, finalmente, na apreciação dos conflitos gerados pela resistência eventualmente oposta pelo contribuinte também o Estado, por seu Pode Judiciário, muitas vezes viola o Direito.

Diante desse cenário, sem entrar em qualquer debate ideológico inerente ao

problema da atividade jurisdicional e sendo fiéis às premissas até aqui traçadas,

combatemos decisões exclusivamente políticas.

Entendemos que tributo é norma jurídica que decorre da incidência de um

determinado fato à hipótese tributária. A legitimidade ou não quanto à cobrança de um

tributo depende justamente da subsunção, aferida a partir da convicção da autoridade

competente de que o contribuinte praticou ou não a materialidade prevista na norma, e

nada mais!

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O impacto financeiro que uma derrota de uma disputa judicial em torno de

um tributo possa causar ao Estado jamais poderia servir de argumento para punir o

contribuinte de nenhuma maneira. Trata-se de dado não jurídico e que, portanto, não

deveria influenciar nas decisões tomadas pelos intérpretes autênticos.

Como assevera Albuquerque (1997: pp. 10,11):

O juiz não é um órgão do Estado, mas do Direito, e, frente a este, como bem advertiu Helmut Coing, o magistrado desfruta de uma posição especialíssima. Não se limita a executar os seus mandatos; é mais propriamente, o protetor e o curador do Direito, e isto num sentido muito mais profundo do que implica a mera aplicação de determinações legais. Para o juiz, o Direito é o conteúdo – e não só o limite – de sua atividade. (...) A verdadeira essência do Judiciário é a de ser um poder puramente jurídico.

Com efeito, a origem e estrutura de nosso Estado Democrático de Direito

deveriam implicar num Poder Judiciário como órgão que tutele ao máximo os direitos

individuais, justiça tributária e valores sociais, objetivos estes que se contradizem diante

de decisões judiciais fundadas em argumentos predominantemente políticos ou

econômicos, ao invés de jurídicos.

Tal como proclamou Tocqueville (1969: p. 90): “a intervenção da Justiça na

Administração não prejudica senão ao andamento normal dos trabalhos, enquanto que

a intervenção da Administração na Justiça corrompe os homens e os torna, a um só

tempo, revolucionários e servis”.

Na regra do jogo do Direito, ainda que os Governantes se valham de

métodos para atender exclusivamente seus interesses, o fato é que os órgãos judiciais,

representados em última instância pelo Supremo Tribunal Federeal, deveriam se livrar

de questões extra jurídicas.

É sob essa óptica que passaremos a refletir sobre a rigidez da Constituição

Federal, lembrando desde já Ataliba (2002: p. 19), quando afirmou que “não é possível

construir uma ciência operante e útil do direito tributário se não dissiparmos os

preconceitos”.

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III.II. A Rigidez da Constituição Federal

A Constituição Federal do Brasil é considerada pela maioria da doutrina

como rígida. Este foi o termo em que Bryce (1962) utilizou para distinguir o direito

constitucional inglês (de constituição flexível) e o direito constitucional de outros países

com constituição rígida.

Reportando-nos aos ensinamentos de Ataliba (1968: p. 21):

Em Direito quando se diz que uma norma é rígida, quando se diz que uma Constituição é rígida, está se dizendo que não pode ser mudada por intermédio de uma lei ordinária, não pode ser mudada por lei alguma, não pode ser mudada pelo Parlamento, pelo Executivo, pelo Judiciário, enfim por ninguém. O único meio de se mudar a Constituição é fazer emenda constitucional que está regulada no Capítulo do Processo Legislativo.

Constituições rígidas, conforme Bonavides (2013: p. 87), são:

as que não podem ser modificadas da mesma maneira que as leis ordinárias. Demandam um processo de reforma mais complicado e solene. Quase todos os Estados modernos aderem a essa forma de Constituição, nomeadamente os do atlântico. Variável, porém, é o grau de rigidez apresentado. Certos autores chegam até a falar em Constituições rígidas e semirrígidas. Constituições flexíveis são aquelas que não exigem nenhum requisito especial de reforma. Podem, por conseguinte, ser emendadas ou revistas pelo mesmo processo que se emprega para fazer ou revogar a lei ordinária.

Dizer, então, que uma Constituição é rígida, é dizer que ela própria, Lei

Fundamental, criou barreiras procedimentais e/ou materiais de mutabilidade de seu

próprio conteúdo. Nesta conformidade, a Constituição Federal do Brasil é rígida109, pois

somente pode ser revista ou alterada mediante observância dos procedimentos

especiais que ela própria estabeleceu.

A rigidez da CF, pois, foi sintetizada com maestria por Carrazza, R.110:

a Constituição da República Federativa do Brasil é rígida, na medida em que, além de ter força formal superior à dos demais atos normativos (leis, decretos, provimentos etc.), demanda, para ser modificada, processos

109 Sob a óptica de Mendes e Branco (2012), “a Constituição brasileira de 1988 é do tipo rígido, e a sua rigidez se eleva à condição de princípio constitucional” (p. 71) 110 2012: p..37. Nota 8.

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especiais, nela expressamente previstos (votação bicameral e em dois turnos, quórum qualificado de três quintos, obediência às cláusulas pétreas etc.).

Para Canotilho (1996: p. 1123),

esta escolha de um processo agravado de revisão, impedindo a livre modificação da lei fundamental pelo legislador ordinário (constituição flexível), considera-se uma garantia da Constituição. O processo agravado da revisão é, por sua vez, um instrumento dessa garantia – a rigidez constitucional é um limite absoluto ao poder de revisão, assegurando, desta forma, a relativa estabilidade da Constituição.

A rigidez da Constituição, pois, gira em torno da ideia de estabilidade da

ordem constitucional. E esta rigidez tende a ser alcançada justamente pela exigência de

procedimentos dificultadores quanto à reforma constitucional, de forma a tornar o fluxo

de emendas o menos frequente possível.

De acordo com a colocação de Moreira, V. (1990: p. 103),

o poder de revisão constitucional é um poder derivado do poder constituinte e a ele submetido, sendo sua função não a de renovar o poder constituinte, alterando livremente a Constituição, mas sim a de defender e preservar a Constituição, mantendo a sua identidade originária e introduzindo as alterações e os ajustamentos que se revelem necessários para reforçar a vitalidade da Constituição.

A edição de emenda constitucional ocorre no âmbito do denominado Poder

Constituinte Derivado, expressão que designa a competência de modificar o texto

constitucional elaborado pelo denominado Poder Constituinte Originário111.

Nesse ponto, corroboramos a crítica empregada por Carrazza, R.112 quanto

à terminologia em questão, quando diz que:

Repudiamos a expressão “poder constituinte originário”, por entendermos que inexiste um poder constituinte derivado. Este último, na realidade, não passa de um poder constituído: pode, é certo, modificar a Constituição,

111 Com base nas lições de Moraes, A.: “o Poder Constituinte Originário estabelece a Constituição de um novo Estado, organizando-o e criando os poderes destinados a reger os interesses de uma comunidade. (...)O Poder Constituinte caracteriza-se por ser inicial, ilimitado, autônomo e incondicionado. (...) O Poder Constituinte derivado está inserido na própria Constituição, pois decorre de uma regra jurídica de autenticidade constitucional, portanto, conhece limitações constitucionais expressas e implícitas e é passível de controle de constitucionalidade.” (2012. pp. 25/27). 1122000: p.42. Nota de rodapé 19.

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mas observados certos limites materiais e formais, implícitos e explícitos, conhecidos como “cláusulas pétreas” (“de pedra”, irremovíveis por emenda constitucional). Noutros termos, o impropriamente chamado “poder constituinte derivado” é subordinado, condicionado e secundário.

O atributo de rigidez do texto constitucional brasileiro pode ser percebido em

face do seu artigo 60, a seguir transcrito:

Artigo 60 - A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II - do Presidente da República; III - de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. § 1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. § 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros. § 3º - A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem. § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais.

Verifica-se, assim, que o Congresso Nacional tem a aptidão de emendar

(alterar) o texto constitucional, isto é, detém o poder de reforma constitucional, desde

que cumpridos os aspectos circunstanciais, formal e materiais, todos previstos na

própria Carta Magna.

Os aspectos circunstanciais do poder reformador significam que, nas

circunstâncias de estado de sítio, estado de defesa ou de intervenção federal, impede-

se uma reforma constitucional.

Já o aspecto formal consiste na necessidade de cumprir rigorosamente o

quórum e o trâmite para aprovação de uma Emenda Constitucional, exigindo votação

bicameral em dois turnos e quórum qualificado de três quintos, na linha do que

determinam os incisos I, II III e parágrafos segundo, terceiro e quinto do referido artigo

60 da Constituição.

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A formalidade em questão foi objeto da seguinte ponderação de Silva, G.

(2000: p. 65):

A rigidez da Constituição de 1988 pode ser considerada branda. Em primeiro lugar, o Congresso Nacional pode reformar a Constituição sem que para isso se exija o concurso de nenhuma outra instância de decisão política: Presidente da República, eleitorado ou Estados. Em segundo lugar, o quórum de aprovação de 3/5 dos votos dos membros de cada Casa do Congresso Nacional, fixado no art. 60, é um dos menos qualificados de que dão notícia os estudos comparativos.

Para Moreira E. (2012: p. 65), “o ponto nodal que permite a referida

instabilidade na Constituição brasileira de 1988 são os limites formais, insuficientes à

manipulação do poder político.” Já Machado (2012: p. 50) constatou que “sempre que

os governantes pretendem validar determinada conduta que não é admitida pela

Constituição, cuidam de introduzir nesta uma emenda que a torna viável”.

A afirmativa quanto à durabilidade de dispositivos constitucionais no Brasil,

contudo, merece cautelas, afinal não raramente nossa Constituição é modificada pelo

Poder Constituinte Derivado. Nas palavras de Mota e Spitzcovsky (2001: p. 22)

é preciso que se diga que a rigidez da constituição não pode ser vista como sinônimo de durabilidade, pois, se assim fosse, a Constituição brasileira, que é rígida, não estaria sendo alterada a todo momento e as estruturas do Estado inglês, cuja Constituição é flexível, não seriam tão sólidos como são.

Em outras palavras, o quórum de 3/5 do Congresso Nacional não se

mostrou rígido o bastante no ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista as dezenas

de Emendas Constitucionais já editadas.

Esse fato também não passou despercebido para Barreto, P. (1997: p.

1089): “promulgada em 1988, nossa Carta Magna, antes de ser minimamente

conhecida, interpretada, é objeto de uma série infindável de alterações. Fato raro no

contexto de uma Constituição rígida, a tendência reformista reina absoluta em nosso

País, nos tempos atuais”.

Considerando esse “aparente” empecilho formal a alterações no texto da

Constituição por meio de Emendas Constitucionais, torna-se ainda mais essencial a

análise acerca dos limites materiais do poder de reforma das Emendas Constitucionais

no âmbito tributário.

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III.III. “Cláusulas Pétreas” Tributárias

Os limites materiais das Emendas Constitucionais dizem respeito, segundo

Amaro113, a “matérias que o constituinte declara serem imutáveis. É o cerne fixo da

Constituição, a cláusula pétrea. São matérias sobre as quais sequer se admite

discussão no Congresso Nacional. Essas matérias não podem ser modificadas.”

O Estado é o destinatário precípuo das obrigações decorrentes das

cláusulas pétreas. “Elas perfazem o núcleo essencial do projeto do poder constituinte

originário, que ele intenta preservar de quaisquer mudanças institucionalizadas. E o

poder constituinte pode estabelecer essas restrições justamente por ser superior

juridicamente ao poder de reforma.” (MENDES e BRANCO, 2012: p. 138)

As cláusulas pétreas fixam verdadeiras garantias ao povo, privando o

legislador de alterá-las. São matérias tuteladas com proteção máxima de intangibilidade,

não podendo, de jeito nenhum, serem varridas do sistema jurídico.

As vedações materiais (ou cláusulas pétreas) foram veiculadas na Lei das

Leis de forma explícita ou implícita. Exemplos de cláusulas explícitas são as que foram

indicadas expressamente no artigo 60, § 4º, dispositivo este que proíbe qualquer

reforma normativa que pretenda abolir o voto direto, secreto, universal e periódico; a

separação dos Poderes, os direitos e garantias individuais e a forma federativa de

Estado. As implícitas são aquelas decorrentes da própria interpretação e lógica do

sistema jurídico.

Não obstante a ressalva de Miranda, J. (1996: p. 190), de que o “o sentido a

conferir aos limites materiais da revisão constitucional tem sido uma vaexata questio que

há cerca de cem anos divide os constitucionalistas”, passaremos a relacionar as

cláusulas pétreas no que diz respeito ao poder de tributar do Estado, buscando construir

regras objetivas tendentes a elucidar os limites do poder reformador (Emendas

Constitucionais) na seara tributária.

Diferentemente de Constituições anteriores, a atual (de 1988) não menciona

expressamente o princípio republicano no rol das previsões do artigo 60, § 4º, o que

aparentemente poderia comprometer o enquadramento deste princípio enquanto

cláusula pétrea.

113Revista Dialética de Direito Tributário nº 71, p. 72.

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Na perspectiva de Moreira, E.114, “o princípio republicano presente em todas

as Constituições de 1891 a 1988 ficou de fora da última porque foi uma das opções

deixadas para plebiscito a decisão sobre o sistema de governo.” Realmente a consulta

plebiscitária em questão foi expressamente prevista (art. 2º do ADCT 115 ). Após

realizada, em 21/04/1993, seu resultado foi: República como forma de governo, no

sistema do presidencialismo.

Não obstante a previsão e realização do plebiscito, o fato é que o Estado

brasileiro (Democrático de Direito) foi estruturado sob a forma de uma República

Federativa 116 . A própria proibição expressa quanto à proposta de Emenda

Constitucional tendente a abolir o voto direto, secreto, universal e periódico (inciso II), a

separação dos Poderes (inciso III) e os direitos e garantias individuais (inciso IV), a

nosso ver, equivale a dizer justamente que os ideais republicanos são imodificáveis sob

a égide do ordenamento jurídico vigente117.

Adotando essa linha de pensamento, Ataliba (2011: pp. 38, 39) escreveu

que:

É a disposição peremptória e categórica do § 4º do art. 60 do texto constitucional, porém, que mais patenteia e sublinha o excepcional prestígio desses dois princípios constitucionais, ao vedar terminantemente que seja “objeto de deliberação” proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado, o voto secreto, direto, universal e periódico, a separação de poderes e os direitos individuais (em uma palavra: república). (...) No que respeita, porém, a esses dois princípios, pode-se dizer que nossa Constituição é “rigidíssima”. Não há possibilidade de ser ela alterada quanto a essas matérias, nem mesmo por meio de emendas. Nesse ponto ela é inalterável.

114 2012. p. 47. Nota de rodapé 7. 115 “Art. 2º - No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no País”. 116 “Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político”. 117 Nesse sentido, Carrazza, R. observa que “agora é “cláusula pétrea” “o voto direito, secreto, universal e periódico” (art. 60, § 4º, II, da CF). Ora, é justamente ele que torna possíveis o sistema representativo e o regime democrático, decorrências naturais da forma republicana de governo. Podemos, assim, dizer que pelo menos os reflexos do princípio republicano não podem ser alterados por meio de emenda constitucional”. (2012: p. 93).

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Numa verdadeira República, todos os cidadãos, indistintamente, possuem os

mesmos direitos, devendo o Estado respeitá-los. Na linha do que pensa Melo (2002: p.

21):

As diretrizes contidas no princípio republicano constituem fecundas raízes para a edição e aplicação das normas de tributação, especialmente porque contempla os postulados da isonomia, que veda a concessão de privilégios de categorias e pessoas; e da legalidade, mediante a plena obediência – por parte de todos os destinatários, fisco, contribuinte e terceiros envolvidos na relação jurídico-tributária – às regras ditadas pelos representantes do povo. De modo específico, a tripartição dos poderes assenta as competências tributárias constitucionais, especialmente os âmbitos de atuação do Legislativo e Executivo.

Trata-se o princípio republicano, pois, de uma diretriz fundamental do

sistema jurídico. E é justamente no campo da tributação que a noção de República deve

predominar, a fim de que, em face do povo que lhe dá substância, não haja excessos ou

injustiças. E como implementar isso na prática tributária?

A única resposta que encontramos é a de elevar os princípios constitucionais

tributários como cláusulas pétreas. Isto porque nossa República foi estruturada

justamente em face desses princípios constitucionais, verdadeiros nortes aos

aplicadores do Direito e que refletem um obstáculo intransponível ao poder de tributar

do Estado.

Os ideais republicanos, no que concerne à tributação, vedam às Emendas

Constitucionais eliminarem qualquer princípio tributário ou reduzirem o seu conteúdo de

abrangência. Eis aqui nossa primeira cláusula pétrea tributária.

McNaughton (2011: p. 262) é esclarecedor nesse ponto:

Voltando-se ao sistema tributário, acrescentaríamos, em termos específicos, que não podem ser criadas disposições que criem exceções de aplicabilidade aos princípios para os tributos já existentes; não podem ser previstos novos tributos com previsão de exceções expressas a esses princípios; não podem ser criados novos tributos, cujo regime jurídico seja incompatível, ainda que implicitamente, a qualquer dos princípios positivados na Carta Magna. Com efeito, todos os princípios constitucionais tributários atingem o caráter de cláusula pétrea, estando, portanto, em um grau de hierarquia superior aos ostentados pelas Emendas Constitucionais.

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Acreditamos, também, que a imunidade constitui uma verdadeira garantia

constitucional do contribuinte, qual seja, a de não ser alvo de exações em relação às

hipóteses por ela contempladas.

Não temos dúvidas de que as imunidades tributárias destinam-se a conferir

efetividade aos direitos e garantias fundamentais assegurados às pessoas e às

instituições a que elas fazem menção. A supressão de hipóteses de imunidades

compromete o exercício da liberdade de culto, de consciência, de organização partidária

etc., comprometendo valores plenamente consagrados pela ordem jurídica.

De acordo com a exposição de Carrazza, R.118:

Tais normas envolvem, sem exceção, cláusulas pétreas, e, por isso, sua eventual revogação viola direito fundamental e rompe a ordem constitucional vigente. (...) Aproveitando o mote, podemos acrescentar: as imunidades tornam duplamente inconstitucionais as manifestações interpretativas e os atos administrativos que as desafiam. Nem a emenda constitucional pode anular ou restringir as situações de imunidade contempladas na Constituição.

Modificação das regras imunizantes desprestigiam valores consagrados pelo

poder constituinte de origem, atitude esta que não vemos como ser admitida sob a égide

de nossa República. É por isso que, assim como os princípios tributários, colocamos as

imunidades no patamar dos direitos imodificáveis.

Os fatos, pessoas e situações imunes devem ser incorporados ao patrimônio

jurídico dos cidadãos, não podendo ser alterados por nenhuma norma do sistema

jurídico. Essa é nossa segunda regra limitadora do poder de reforma das Emendas

Constitucionais.

Intocável também, no sistema jurídico, é a forma federativa do Estado (cf.

art. 60, § 4º, I, da Constituição).

E, conforme já abordado (item II.V. - princípio federativo), é a autonomia de

cada pessoa política (seja no seu aspecto administrativo, legislativo e, principalmente,

financeiro) o cerne da Federação e, consequentemente, da divisão de competência

tributária.

Como didaticamente leciona Becho (2011: p. 362):

118 2000: pp. 809 (nota 4) e 814.

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Um dos pilares básicos do princípio federativo, sem o qual não teríamos uma verdadeira Federação, é o sistema tributário nacional. Partindo do princípio federativo, o sistema tributário foi criado com triplo significado: evitar os conflitos de competência, limitar o poder de tributar e estabelecer normas gerais que submetam todos os entes federativos. Mas, além disso, ontologicamente, o sistema tributário foi criado de forma a garantir receita tributária própria, privativa, para cada um dos entes da Federação. O mais significativo efeito do princípio federativo aplicado à tributação é, pois, a divisão da competência tributária entre União e Estados. Ampliando o quadro para abarcar também o Distrito Federal e os Municípios, extrai-se que os entes federativos possuem sua própria competência tributária.

Adotada a premissa de que a federação tem por fundamento a autonomia

dos entes estatais, é forçoso concluir que uma Emenda Constitucional, cuja

competência pertence à pessoa política União, não possui poderes para invadir o

campo de competência de ente político alheio (Estados, Municípios e Distrito Federal).

Eis aqui outra cláusula pétrea de natureza tributária.

Nos dizeres de Ataliba (2002: pp. 201, 202):

Ao instituir contribuições com hipótese de incidência de imposto, a união usa o campo material de competência – aliás amplíssimo – que lhe deu a Constituição. A limitação única que a tolhe está na reserva de um campo material a Estados e Municípios (v. art. 154). Se, pois, a União, criando contribuições, adota hipótese de incidência que pertence aos Estados ou Municípios, comete seu legislador inconstitucionalidade, por invasão de competência (Amílcar Falcão, Aliomar Baleeiro). Não se pode sustentar que as contribuições fogem a tal regime. Não cabe dizer, no nosso sistema, que o legislador, ao criar contribuições, goza da mais ampla liberdade e que, em consequência, pode adotar toda e qualquer hipótese de incidência, inclusive as reservadas constitucionalmente aos Estados e Municípios. Tal interpretação implicaria infirmar: a) que as competências tributárias não são exclusivas; b) que a repartição de competências não é rígida e que c) contribuição não é tributo.

No ordenamento jurídico brasileiro, a elaboração de Emenda Constitucional

foi atribuída ao Poder Legislativo Federal (União) 119, pessoa política esta competente

para instituir a maioria dos tributos, de acordo com o que já foi exposto.

119 “Art. 59 - O processo legislativo compreende a elaboração de: I - emendas à Constituição; II - leis complementares; III - leis ordinárias; IV - leis delegadas; V - medidas provisórias; VI - decretos legislativos; VII – resoluções”.

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Ainda que se admita que a União, no que diz respeito à elaboração de

Emenda Constitucional (e lei complementar), se coloque na posição de Estado Federal,

representando todas as pessoas políticas, não vemos como admitir uma invasão na

competência de outra pessoa política (Estados, Municípios e Distrito Federal), ainda

mais porque o ente alheio sequer participaria ou “seria ouvido” neste processo.

É justamente esse fato que nos faz repudiar a possibilidade de uma Emenda

Constitucional (elaborada com base no processo legislativo federal, ou seja, da União),

independentemente de qualquer fator (compensação financeira, repasse de recursos ou

outra hipótese), invadir área de competência de outra pessoa política.

O princípio federativo, segundo pensamos, repele qualquer possibilidade da

União invadir o campo de tributação de ente político alheio, ainda que sob o status de

representar a nação por meio de edição de Emenda Constitucional. Medida desta

natureza, a nosso ver, necessariamente acarreta perda de autonomia de outro ente (em

ao menos um dos seus aspectos - administrativo, financeiro ou legislativo).

Seguindo nossa trilha de definir as cláusulas pétreas tributárias, ainda

poderia se questionar se uma Emenda Constitucional que, sem invadir competência

tributária de ente alheio, possuiria legitimidade para (i) transferir a competência tributária

de forma inversa, ou seja, da União para outro ente político; e (ii) criar um novo tributo

ou ampliar a materialidade de um já existente originariamente.

Como regra geral, a competência é inalterável, porque sua transferência

tende a implicar perda de autonomia. Dizemos como regra geral porque a União poderia

transferir competência própria sem que isso ocorra. Assim, por exemplo, a União

poderia transferir a sua competência de instituir determinado tributo residual a outro ente

federativo sem que isso enseje qualquer perda de autonomia, haja vista que o tributo

sequer existia de fato.

No sistema constitucional tributário, a União concentra a maior parte da

competência tributária, inclusive a residual, o que lhe permitiria, até mesmo em função

do equilíbrio dos entes federativos, cedê-la aos outros entes federativos.

Essa ideia foi bem captada por Carrazza, R. (2000: p. 756):

O que se pode admitir, em tese, é que uma emenda constitucional venha a redefinir as fronteiras dos campos tributários das pessoas políticas. Para tanto, todavia, deve o constituinte derivado cercar-se de todas as cautelas para que, reduzindo a competência tributária de uma dada política, não lhe venha a retirar autonomia financeira, com o quê estaria lanhando sua

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autonomia jurídica e, neste sentido, dando à estampa uma emenda “tendente a abolir a forma federativa de Estado” – inconstitucional, por afronta ao art. 60, § 4º, I, da Constituição da República. Tal ocorreria, por exemplo, se os Estados-membros fossem despidos, por uma emenda constitucional, da competência para tributar, por meio de imposto, as operações mercantis, pois, como é sabido e consabido, é este tributo que lhes dá os meios financeiros para atingirem seus objetivos institucionais. Não nos parece, no entanto, que restaria afrontado o princípio federativo caso uma emenda constitucional transferisse, por exemplo, aos Municípios a competência, que a União detém, para instituir o imposto territorial rural. É que este tributo positivamente não amesquinha as finanças federais. Tanto não, que, com o advento da Emenda Constitucional 42, já é dado aos Municípios optar por sua arrecadação (art. 153, § 4º, III, da CF), hipótese em que ficam com a totalidade do produto assim obtido (cf. art. 158, III, in fine, da CF).

Admitimos, pois, a transferência de competência tributária somente da União

para outro ente, desde que, obviamente, por meio de Emenda Constitucional.

Finalmente, voltamos nossa atenção para a indagação sobre a possibilidade

de uma Emenda Constitucional criar um novo tributo ou ampliar a materialidade de um

já existente originariamente.

Percorrendo um caminho simplista, poderia ser arguido que a garantia

individual do direito de propriedade120, por si só, eliminaria tal possibilidade.

Não corroboramos esse entendimento. Isso porque, no Estado de Direito,

vigora a máxima de somente sofrer tributação em estrita conformidade com o sistema

constitucional tributário. Há diversos dispositivos indicando o princípio da legalidade,

igualdade, não confisco etc., os quais conferem concretude à garantia da propriedade.

A submissão do cidadão à tributação é uma exceção ao direito de

propriedade, afinal o tributo enseja o repasse aos cofres públicos de fragmentos do

patrimônio do contribuinte. Para Machado (2009: p. 11),

o dever de pagar tributo, na realidade, certamente integra o feixe de relações jurídicas que se pode denominar estatuto do cidadão. Embora nem sempre tenha sido assim, pagar tributo é atualmente um dever fundamental do cidadão. Há mesmo quem diga que o tributo é o preço da cidadania.

A garantia individual de propriedade, no âmbito tributário, revela-se

justamente em face da necessidade de rigorosa observância das cláusulas pétreas, isto

120 Art. 5º, XXII, da Constituição Federal.

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é, dos limites quanto ao poder de reformar o texto constitucional, especialmente no que

concerne à tributação.

Segundo McNaughton (2011: pp. 251, 252):

Democracia, como vimos, é uma instância dinâmica – embora um dinamismo ritmado pela relativa rigidez em suas modificações, em nosso regime tributário, é bem verdade. O sistema tributário é um eixo fundamental desse universo. Segundo o pragmatismo, a partir de nossos erros e tentativas, podemos nos aprimorar, podemos progredir rumo a um interpretante final. Então por que proibir essa evolução do sistema? Por que impedir que, percebendo nele uma falha, três quintos dos membros do Congresso Nacional optem por modificá-los, em prol de um melhor funcionamento? Por não encontrarmos respostas a essas questões, parece-nos que a garantias do princípio de propriedade funciona, de forma bastante operativa, ainda que sem a prerrogativa da imutabilidade das competências tributárias. Por isso que não nos sensibiliza argumentação nesse sentido.

O enunciado, portanto, de que a imutabilidade da competência tributária, por

si só, constituiria cláusula pétrea em razão da garantia de propriedade não nos

convence.

A nossa opinião é a de que uma Emenda Constitucional que, dentro das

possibilidades jurídicas conferidas pelo Poder Constituinte Originário, o que inclui o

respeito incondicional aos princípios constitucionais, imunidades e autonomia dos entes

federativos, pode alterar a competência tributária sem maiores prejuízos à garantia de

propriedade.

Reconhecemos, entretanto, que, devido à rigidez e exaustão de nosso

sistema constitucional, realmente não há grandes margens para inovações na

sistemática tributária.

No campo dos impostos não sobrariam grandes possibilidades para

ampliação das materialidades já previstas ou criação de novas exações desta espécie,

porque, além do campo das hipóteses tributárias possíveis ter sido explorado

exaustivamente, o artigo 154, I, conforme visto alhures, impõe rigorosas restrições ao

exercício da competência residual: além de lei complementar, exige observância da não

cumulatividade e impossibilidade de concomitância com fato gerador ou base de cálculo

próprios dos já discriminados.

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No âmbito das taxas, contribuições de melhorias e empréstimos

compulsórios, não há previsão para exercício de competência residual, o que significa

dizer que seus contornos constitucionais devem ser rigorosamente respeitados.

No tocante às contribuições, a divisão da competência foi feita por

intermédio dos mencionados artigos 149, 149-A e 195 da CF, dispositivos estes que

aglutinaram os elementos que conformam o regime tributário desses tributos. Há,

porém, previsão de instituição de contribuição residual para o financiamento da

seguridade social (art. 195 § 4º), mas desde que obedecido o disposto no referido artigo

154, I.

Como se vê, o próprio texto constitucional originário, rígido e exaustivo ao

regulamentar a matéria tributária, sempre permitiu à União, por meio de lei

complementar, e uma vez respeitando as garantias quanto à vedação à bitributação e

não cumulatividade, inovar no sistema. Esta possibilidade existe justamente em face da

competência residual.

E, se uma lei complementar pode instituir novos tributos, não vislumbramos

problemas se uma Emenda Constitucional assim o fizer. Isto porque, como já visto, a

Emenda Constitucional deve ser editada pela própria União, pessoa titular da

competência tributária residual e da competência legislativa de editar lei complementar,

exigindo quórum de aprovação mais representativo. Não custa lembrar que, para

aprovar uma Emenda Constitucional no Brasil, são necessários 3/5 dos senadores e

deputados em dois turnos de votação, ao passo que a lei complemenar exige o quórum

de maioria absoluta.

Ora a maiori, ad minus (“quem pode o mais, pode o menos”). Vale dizer, o

aspecto procedimental previsto no art. 154, I, da Constituição - de lei complementar -,

estaria suprido em vista da edição de uma Emenda Constitucional.

A questão que se coloca é se as Emendas Constitucionais estão ou não

sujeitas aos requisitos materiais da competência residual para fins de ampliar a

materialidade de tributos existentes originariamente ou criar novas exações.

Prevalece no STF orientação de que os requisitos materiais da competência

residual não se aplicam ao Poder Reformador (Emendas Constitucionais). Mais

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precisamente, por ocasião do julgamento que, por maioria de votos, julgou o IPMF

constitucional, a referida Corte121 assinalou que:

No que respeita à arguição de inconstitucionalidade, fundada na violação ao princípio que coíbe a bitributação e a não-cumulatividade, tenho-a por improcedente. Tais vedações são dirigidas à lei complementar, quando institui tributo não previsto pela própria Constituição (inciso I do art. 154), ou seja, quando a União exerce sua competência legislativa tributária residual. Mas, quando a Constituição é emendada e a emenda autoriza a instituição do tributo novo, não opera a norma em questão122; e Em síntese, Sr. Presidente, no que toca à alegação de que a EC nº 3, no ponto em que institui o IPMF, é inconstitucional, por não respeitar o princípio da não cumulatividade, acentuo que a proibição inscrita no art. 154 da Constituição dirige-se apenas ao legislador ordinário e não ao constituinte derivado. O mesmo deve ser dito relativamente à alegação de que a EC nº 3, de 1993, não observou fatos geradores ou bases de cálculos já estabelecidos. É que a técnica da competência residual da União é para o legislador ordinário (C.F., art. 154, I) e não para o constituinte derivado123.

Com fundamento nesse posicionamento do STF, Carvalho, P. (2011: p. 144)

leciona que

Os limites referidos, quais sejam, a não cumulatividade e a circunstância de não terem “fato gerador” ou base de cálculo próprios dos discriminados na Constituição, por serem requisitos de técnica jurídica, não interferem no tamanho da competência residual, mas sim do modo de realizá-la. Não sobeja repisar que tais limitações têm por destinatário o legislador infraconstitucional, encontrando-se fora de sua abrangência o poder constituinte derivado. Nestes termos, emenda à Constituição poderia tratar sobre competência residual sem tomar em conta tais enunciados limitativos, afirmativa esta já consolidada no STF em voto do Eminente Min. Carlos Velloso (julgamento da ADIn 939/DF) inclusive.

Com a devida vênia, divergimos desse entendimento. A nosso ver, o Poder

Reformador, representado pelas Emendas Constitucionais, está sim sujeito ao

cumprimento dos requisitos materiais previstos para o exercício da competência

residual. O entendimento do STF, para nós, flexibilizou indevidamente os ideais

121 ADI 939-7/DF (Dj 18/03/1994). 122 ADI 939-7/DF (Dj 18/03/1994). Trecho do voto do Ministro Sydney Sanches (página 250). 123 ADI 939-7/DF (Dj 18/03/1994). Trecho do voto do Ministro Carlos Velloso (página 277).

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republicanos, colocando em xeque o pacto federativo e os princípios da capacidade

contributiva e segurança jurídica.

Afastar a exigência dos requisitos materiais da competência residual às

Emendas Constitucionais, na linha do que vem decidindo o Supremo Tribunal Federal,

gera instabilidade da ordem constitucional brasileira, já marcada pelas sucessivas

modificações do texto da Constituição Federal de 1988.

Defendemos, nesse ponto, que toda tentativa de desrespeito aos limites do

poder de tributar deveria ser interpretada pelos Tribunais de forma a maximizar os

direitos dos contribuintes, o que não se revela com a concessão de um “cheque em

branco” às Emendas Constitucionais.

E não é porque a mais alta Corte do país validou a inaplicabilidade dos

limites da competência residual às Emendas Constitucionais que a doutrina deve segui-

la, afinal, como diria Becker (2007: p. 73), “o Direito Positivo é um instrumento; construí-

lo é Arte; estudar a consistência e atuação deste instrumento é Ciência”.

Na verdade, na linha do quem expõe Demo (2000: p. 9), “nas ‘certezas’, o

conhecimento aquieta-se, porque já não questiona adiante, enquanto na dúvida vive de

questionar. (...) O que tomamos como certo está mais próximo do dogma ou crendice do

que ciência”.

Ora, as construções científicas repousam justamente na liberdade do

pensamento e desapego a dogmas. Ousadias tendentes a desqualificar premissas

consagradas na jurisprudência justificam-se pela não rara necessidade de repensar

velhos hábitos e conceitos.

Como alertou Carvalho, A. B. (2005: p. 29):

a lei merece ser vista com desconfiança. Deve ser constantemente criticada, sob pena de sermos juízes, promotores e advogados, agentes inconscientes da opressão. Inocentes úteis de um sistema desumano. Não quero dizer que não se possa optar por tal sistema, mas que, se assim se fizer, o seja conscientemente.

O argumento de que o Poder Reformador é livre para criar novas figuras

tributárias ou ampliar a materialidade das já existentes não nos convence e é carente de

fundamento jurídico. Qualquer ampliação na competência tributária, ainda que por

Emenda Constitucional, deve respeitar os limites do artigo 154, I da Constituição.

Nesse sentido, Coêlho (2007: p. 39) sustenta que:

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Não faz sentido a Constituição proibir a afetação de impostos a órgãos, fundo, programa ou despesa (art. 167, IV) e submeter a severas limitações o exercício da competência residual para criar impostos e contribuições novas, além dos discriminados na Constituição, preservado assim o sistema de repartição das competências tributárias impositivas das pessoas políticas e, ao mesmo tempo, a doutrina e a jurisprudência, admitirem, à margem do sistema constitucional, a criação a la diable, de milhares de “contribuições interventivas” e sociais em sentido lato (fora do art. 195 da CF) para os mais variados fins e que são, pela análise de seus fatos geradores, verdadeiros impostos instituídos por leis ordinárias. Urge que a inteligência doutrinária e a prudência dos juízes ponham fim nessa patologia tributária que assola o Brasil.

Também o voto vencido do Ministro Marco Aurélio124 é contundente:

os antigos já diziam que nada surge sem uma causa, sem uma justificativa, decorrendo, daí, o princípio do motivo determinante. Indago-me: por que a União desprezou o teor do artigo 154, inciso I, da Constituição Federal e, ao invés de utilizar-se do meio adequado nele inserto para a criação de um novo imposto, lançou mão de emenda constitucional? A resposta é, desenganadamente, a tentativa de burlar as garantias constitucionais vigentes, drible que não pode prosperar, porquanto o inciso IV do § 4º do artigo 60 é categórico no que veda a tramitação de proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais. (...) estamos diante de um imposto que não se harmoniza, que não guarda pertinência, pelas próprias peculiaridades, com o campo indispensável ao respeito a determinados princípios constitucionais alusivos ao poder de tributar. Refiro-me ao artigo 154. Volto a ele para sublinhar que contém a garantia da não-cumulatividade e que afasta o bis in idem considerados fato gerador ou base de cálculo alusivos a outros tributos previstos na própria Constituição.

Com efeito, a sobreposição de novos tributos sob uma grandeza econômica

já onerada dá margem para abusos, podendo implicar no desrespeito ao mínimo vital,

além de potencialmente comprometer o desempenho regular da atividade econômica do

contribuinte. Uma Emenda Constitucional que autorize tributar um mesmo signo

econômico por novos tributos, criados na forma que lhe convém, distorce todo o sentido

dado pela rígida e exaustiva competência tributária.

Ademais, o Estado, com base nessa pretensa autorização ilimitada, poderia

criar diversas exações sobre uma mesma base de cálculo, com alíquotas individuais

razoáveis, mas que, caso somadas, implicariam uma tributação desproporcional.

124 ADI 939-7/DF (Dj 18/03/1994). Trecho do voto do Ministro Marco Aurélio (página 260)

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O pano de fundo para a aplicação dos limites da competência residual diz

respeito à garantia de que a tributação deve ser feita em consonância com os princípios

constitucionais tributários, especialmente o da capacidade contributiva e segurança

jurídica. É justamente em face da tutela destas cláusulas pétreas que, a nosso ver, os

requisitos materiais da competência residual devem ser colocados como direito

fundamental e, portanto, não passíveis de reforma.

Nossa conclusão é semelhante à de Barreto, P. (1997: p. 1106):

qualquer que seja a espécie tributária em questão, deveria haver a total observância do disposto no art. 154, I, da Constituição. Seja um imposto, seja uma contribuição, entendemos inafastável a obediência ao disposto no supracitado dispositivo, sob pena de se afrontar a garantia constitucionalmente assegurada, imutável por via de emenda.

Feitas todas essas considerações, concluímos que, no âmbito tributário, é

proibido às Emendas Constitucionais (Poder Reformador): (i) eliminar qualquer princípio

constitucional tributário ou reduzir o seu campo de abrangência; (ii) restringir ou revogar

qualquer hipótese de imunidade; (iii) invadir o campo de competência de ente político

alheio (Estados, Municípios ou Distrito Federal); e (iv) ampliar a materialidade de

tributos já existentes ou criar novas exações sem respeitar os limites materiais da

competência residual previstos no artigo 154, I, da Constituição. São essas as cláusulas

pétreas tributárias!

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CAPÍTULO IV - CONTRIBUIÇÕES ESPECIAIS

IV.I. A Terminologia “Contribuições Especiais”

Encontramos cinco espécies de tributos no ordenamento jurídico estruturado

pela Constituição Federal de 1988: (i) impostos; (ii) taxas; (iii) contribuições de melhoria;

(iv) empréstimo compulsório; e (v) contribuições especiais.

Esta última espécie – contribuições especiais – tem por fundamento o artigo

149 da Constituição Federal, in verbis:

Artigo 149 - Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. § 1º- Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União.

Por meio da Emenda Constitucional nº 39/2002, a faixa de competência

tributária dos Municípios foi ampliada em face da inclusão do artigo 149-A no texto

constitucional, abaixo transcrito.

Art. 149-A - Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III. Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica.

Os Municípios e o Distrito Federal, em face da inclusão deste dispositivo por

Emenda Constitucional, passaram a deter competência para instituir contribuição

destinada ao custeio do serviço de iluminação pública 125 , podendo eleger, como

125 Essa Emenda Constitucional, na verdade, muito provavelmente foi editada em face da derrota dos Municípios no que diz respeito à constitucionalidade da cobrança de taxas para o custeio de iluminação pública. No STF, ressalte-se, prevaleceu o entendimento de que "o serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa" (cf. Súmula 670).

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hipótese de sua base de cálculo, montante equivalente à fatura de consumo de energia

elétrica126.

Existem divergências quanto à denominação das contribuições prescritas

nos artigos 149 e 149-A, ambos da Constituição, contribuições estas que, além de

serem rotuladas como “contribuições especiais”, também costumam ser referidas como

“contribuições parafiscais”, “contribuições gerais”, “outras contribuições”, “contribuições

sociais” ou simplesmente “contribuições”.

De acordo com o que constatou Paulsen (2005: p. 107)

A locução “contribuições parafiscais” está em desuso. Designava – e ainda se poderia usá-la nesta estrita acepção – as contribuições instituídas em favor de entidades que, embora desempenhassem atividade de interesse público, não compunham a Administração direta. Chamavam-se parafiscais porque não eram destinadas ao orçamento do ente político. Digo que tal expressão está em desuso porque temos, atualmente, tanto contribuições destinadas a outras entidades como destinadas à própria Administração, sem que se possa estabelecer, entre elas, qualquer distinção no que diz respeito à sua natureza ou ao regime jurídico a que se submete. A locução “contribuições parafiscais”, pois, não se presta para designar o gênero “contribuições”. Ser ou não parafiscal é uma característica acidental (...) Também não se pode utilizar, como gênero, para designar a espécie tributária do art. 149 da Constituição a locução “contribuições sociais”. Isso porque as contribuições ditas sociais constituem subespécies das contribuições do art. 149, configurando-se quando se trate de contribuição voltada à atuação da união na área social. Assim, tem-se como gênero a designação “contribuições especiais” e, como espécie, ao lado das contribuições de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, as contribuições sociais.

Além destas ressalvas às expressões “contribuições parafiscais” e

“contribuições sociais”, também quer nos parecer que a designação “contribuições

gerais”, “outras contribuições” e simplesmente “contribuições” também não seriam

técnicas, uma vez que tais denominações, por si só, não diferenciam as contribuições

126 Em nossa opinião, essa nova “contribuição” não passa de um singelo teste de constitucionalidade, uma vez que a “conta de luz”, dimensão eleita como base de cálculo da exação, já constitui realidade tributável pelo ICMS, imposto este de competência dos Estados. O artigo 149-A da Constituição, portanto, pretendeu autorizar os Municípios usurparem campo de competência alheia, pretensão esta inconstitucional por ferir o princípio federativo. Além disso, a exação está bem longe de identificar um grupo ou categoria relacionada à intervenção estatal necessária às contribuições. O STF (RE 573.675-0. Dj 22/05/2009), todavia, julgou que “contribuições” instituídas com fundamento no artigo 149-A da Constituição são legítimas, por entender que Emendas Constitucionais seriam aptas a criarem novas figuras tributárias, inovando no sistema constitucional tributário. Desta forma, apesar de nossa discordância, as contribuições especiais podem ser resumidas àquelas dispostas no artigo 149 (caput e § 1º) e também no artigo 149-A, ambos da Carta Magna.

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previstas no artigo 149 e 149-A da Constituição, das contribuições de melhoria (que

também carregam a palavra “contribuições” na sua denominação).

A terminologia “contribuições especiais”, a nosso ver, permite que sejam

individualizadas, por si só, as espécies que os artigos 149 e 149-A da Constituição

denotam, permitindo, ademais, colocar em evidência as características especiais que

elas carregam, identificadas por sua natureza e regime jurídico.

IV.II. A Natureza Tributária das Contribuições Espe ciais

Como bem resumiu Gama (2005: p. 1144)

“Natureza” e “regime jurídico”, por sua vez, são conceitos que apontam para duas linhas específicas de investigação. Na primeira, ao se definir a natureza das “contribuições especiais”, são apontadas as características definitórias, ou seja, os atributos que dada prestação precisa ostentar para ser considerada elemento do grupo das contribuições. Ser ou não tributo; possuir ou não destinação específica para os recursos que se arrecada; haver ou não entrega ao contribuinte do que foi arrecadado após um período. Com isso, identificam-se atributos para afirmar a identidade ou a diferença entre as contribuições e as demais espécies tributárias. Definido o que se entende por “contribuição especial”, conclui-se o problema da sua natureza. Para cada natureza, por sua vez, há um regime jurídico correspondente. No curso deste trabalho, entende-se por “regime jurídico” o conjunto de enunciados de autorização, princípios, imunidades e dispositivos complementares que regulam a instituição e a interpretação de normas.

A natureza jurídica das contribuições especiais foi objeto de grande celeuma

no passado, quando da vigência das Constituições Federais anteriores à de 1988,

existindo pelo menos quatro divergentes correntes quanto à sua classificação.

Uma primeira corrente sustenta que as contribuições corresponderiam a um

prêmio de seguro nos termos do Direito Civil, com algumas peculiaridades específicas

(adesão compulsória, principalmente). Já a segunda classifica tal natureza como um

salário diferido, sob a alegação de que o benefício resultante do pagamento não seria

usufruído de forma imediata, mas sim no futuro. A terceira teoria acredita que as

contribuições consistiriam numa espécie de exação atípica (exação sui generis), ao

passo que a quarta tomava a contribuição como espécie tributária.

Não entraremos em maiores detalhes quanto aos argumentos e críticas

relativos às posições em questão, uma vez que, após a Constituição Federal de 1988,

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praticamente consolidou-se o entendimento sobre a natureza tributária das

contribuições em tela.

Dizemos praticamente consolidou-se, uma vez que há autores que, ainda

sob a égide da Constituição de 1988, não reconhecem a natureza tributária das

contribuições especiais. A título ilustrativo, é a opinião de Rocha (1992: p. 302): “Assim,

fossem as contribuições sociais tributos e por aqueles dispositivos (146, III, e 150, I e III)

já estariam necessariamente abrangidas, mas, pelo contrário, não as fez tributos o

constituinte.”; e o entendimento de Greco (2000: p. 80), para quem as contribuições

“não estão dentro do âmbito tributário. Não pertencem a este gênero”.

Em sentido contrário, Carrazza, R. (2000: p. 652) leciona que as

contribuições do artigo 149 da Constituição federal “têm natureza nitidamente tributária,

mesmo porque, com expressa alusão aos “arts. 146, III, e 150, I e III”, ambos da CF, fica

óbvio que deverão obedecer ao regime jurídico tributário, isto é, aos princípios que

informam a tributação, no Brasil.”

Também atribuem natureza de tributo às contribuições especiais, dentre

outros doutrinadores, Carvalho, P. (2011), Machado (2012) e Barreto, P. (2011).

Nesse ponto, vale transcrever a lição de Melo (2003: pp. 195, 196):

É cediço que a indicação contida na legislação complementar (art. 5º, do CTN), estabelecendo que “os tributos são impostos, taxas e contribuição de melhoria”, por si só, é insuficiente para esgotar a questão (...) Não é fundamental a asserção de que as contribuições não são tributos, porque não lhes são aplicáveis todos os princípios conferidos aos impostos e taxas. Cada tipo tributário apresenta uma conotação distinta, regras diferenciadas; enfim, não são rigorosamente idênticos. (...) O STF firmou a diretriz de que as contribuições sociais têm natureza tributária (RE 146.733-9-SP-Plenário, rel. Min. Moreira Alves, j. 29.06.1992, DJU 06.11.1992, p. 20.110), tendo o voto do Min. Carlos Velloso (relator do RE 148.754-2, Pleno 24.06.1993, DJU 04.03.1994), relativo ao questionamento da Lei 7.689/88 traçado o lineamento tributário seguinte: “As diversas espécies tributárias, determinadas pela hipótese de incidência ou pelo fato gerador da respectiva obrigação (CTN, art. 4º), são as seguintes: a) os impostos (CF, arts. 145, I, 154, 155 e 156); b) as taxas (CF, art. 145, II); c) as contribuições, que podem ser assim classificadas: c.1) de melhoria (CF, art. 145, III); c.2) parafiscais (CF, art. 149), que são c.2.1) sociais: c.2.1.1) de seguridade social (CF, art. 195, I, II e III); c.2.1.2) outras de seguridade social (CF, art. 195, § 4º);

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c.2.1.3) sociais gerais (o FGTS, o salário-educação, CF, art. 212, § 5º, contribuições para o Sesi, Senai, Senac, CF, art. 240); c.3) especiais: c.3.1) de intervenção no domínio econômico (CF, art. 149); e c.3.2) corporativas (CF, art. 149); acrescentando-se as contribuições para o programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP), previstas no art. 239 da CF”.

Em outro julgado, o STF127 foi categórico ao afirmar que “as contribuições,

inclusive as previdenciárias, têm natureza tributária e se submetem ao regime jurídico-

tributário previsto na Constituição. Interpretação do art. 149 da CF de 1988.”

Concordamos com essa linha de raciocínio, ou seja, as contribuições

especiais possuem natureza tributária, afinal, além de a própria Constituição ter inserido

tais figuras no capítulo destinado ao Sistema Tributário Nacional, elas se enquadram

perfeitamente no conceito de tributo e estão sujeitas aos princípios e regras gerais que

informam a tributação.

IV.III. Regime Jurídico das Contribuições Especiais

Mediante a utilização dos critérios de classificação tributária por nós

adotados, é possível traçar as principais características que definem o regime jurídico

desta espécie tributária. Assim, nas contribuições especiais: (i) a sua materialidade não

está vinculada a nenhuma atividade estatal referida ao contribuinte; (ii) deve haver

previsão de destinação específica para o produto gerado por sua arrecadação; e (iii) não

há exigência de restituição do produto arrecadado a este título após determinado

período.

A primeira nota característica das contribuições especiais, de que sua

materialidade não está vinculada a nenhuma atividade estatal referida ao contribuinte,

significa que não é requisito desta espécie tributária que o Estado proporcione ao

contribuinte um benefício, vantagem ou contraprestação. A obrigação de contribuir de

forma especial, na verdade, leva em conta a posição que o sujeito passivo ocupa na

área que a Constituição elegeu como uma finalidade a ser custeada por meio deste tipo

tributário.

Como bem observou Barreto, P. (2011: p. 66):

127 RE 555.664/RS (Dj. 14/11/2008).

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As materialidades das contribuições – auferir lucro, obter receita, pagar folha de salários etc. – não consistem, necessariamente, em atuação estatal mediata ou indiretamente referida ao obrigado. A conjugação dos dois fatores acima descritos ocorre na contribuição de melhoria. Em outros casos, as contribuições apresentam materialidades típicas de impostos. O antecedente da regra-matriz de incidência descreve um fato que, em sua essência, independe de qualquer atuação estatal relativa ao contribuinte. Do mero cotejo material/base de cálculo não se pode afirmar se estamos diante de imposto, contribuição ou mesmo empréstimo compulsório.

A hipótese de incidência das contribuições especiais consiste em uma

situação inerente ao próprio contribuinte, mas não em uma atuação do Estado a ele

dirigida, como ocorre nas taxas e contribuições de melhoria.

Nestas duas últimas espécies, cumpre notar que o que motiva a incidência

do tributo de fato é uma atuação estatal que se volta ao contribuinte. Para as taxas, a

materialidade consiste no ato do Estado de exercer seu poder de polícia ou prestar e

deixar à disposição do contribuinte determinado serviço público específico e divisível. E,

para as contribuições de melhoria, o aspecto material corresponde à valorização de

imóvel do contribuinte decorrente de outra atuação estatal, qual seja, a realização de

obra pública.

Diferentemente, não é condição nas contribuições especiais que o

contribuinte seja beneficiado por uma atividade do Estado, bastando que esta atividade

apenas lhe diga respeito pelo fato de ele integrar um determinado grupo ou fazer parte

de uma dada situação. Vale dizer, a União não pode eleger qualquer pessoa como

contribuinte de uma contribuição especial, mas apenas os sujeitos que guardem relação

de pertinência com a atividade fim a que a contribuição especial se presta.

Tomé (2006: pp. 90, 91) demonstra, com clareza, que:

Embora seja comum a afirmação da doutrina no sentido de que as contribuições pressupõem uma atividade estatal indiretamente vinculada ao contribuinte, mediante a vantagem que essa atividade ocasionou ou por ter ela sido realizada em razão de despesa causada por esse contribuinte, ousamos discordar de tal posicionamento. A nosso ver, a materialidade das contribuições é semelhante à dos impostos, consistindo em uma situação independente de qualquer atividade estatal relativa ao contribuinte, sendo irrelevante a existência de vantagem ou despesa especial por ele ocasionada.

Sob a terminologia de “contribuições”, Amaro (2009: p. 106) assim se

pronuncia:

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Nesse grupo se incluem as contribuições sociais, as contribuições de intervenção no domínio econômico e as contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas (CF, art. 149), bem como as contribuições para custeio de previdência de servidores dos Estados, Distrito Federal e Municípios (art. cit., § 1º) e as contribuições destinadas ao custeio do serviço de iluminação pública (CF, art. 149-A, acrescido pela EC n. 39/2002). Têm-se aqui atividades específicas (do Estado ou de outras entidades) em que a nota da divisibilidade (em relação aos indivíduos) não é relevante para a caracterização da figura tributária específica. Ou seja, a atividade a cuja execução se destina a receita arrecadada não é necessariamente referível ao contribuinte, embora possa sê-lo, em maior ou menos grau, atualmente ou no futuro, efetiva ou potencialmente. Vale dizer, a existência ou não dessa referibilidade (da atividade do contribuinte) é um dado acidental (que pode ou não estar presente) e não essencial (ou seja, não indispensável na identificação da exação). O que sobressai é a destinação do tributo àquela atuação específica. Não atentar para o caráter acidental dessa “contrapartida” é que tem levado a considerar certas exações como figuras anfíbias, que ora são uma coisa (imposto) ora outra (taxa), o que, por si, já seria um indicador de que não devem ser nem uma coisa nem outra.

Ainda sobre esse assunto, Greco (2000: p. 136) concluiu:

Por sua vez, nas contribuições o conceito básico não é o poder de império do Estado, nem o benefício que o indivíduo vai obter diretamente de uma atividade do Estado (nem necessariamente o seu custo), mas sim o conceito de solidariedade em relação aos demais integrantes de um grupo social ou econômico, em função de certa finalidade. (...) Para as contribuições, é a qualificação de uma finalidade a partir da qual é possível identificar quem se encontra numa situação diferenciada pelo fato de o contribuinte pertencer ou participar de um certo grupo (social, econômico, profissional). Isto leva à identificação de uma razão de ser diferente para cada uma das figuras. (...) E, por que paga-se contribuição? Paga-se contribuição porque o contribuinte faz parte de algum grupo, de alguma classe, de alguma categoria identificada a partir de certa finalidade qualificada constitucionalmente, e assim por diante. Alguém “faz parte”, alguém “participa de” uma determinada coletividade, encontrando-se em situação diferenciada, sendo que, desta participação, pode haurir, eventualmente (não necessariamente), determinada vantagem. O critério apoia-se numa qualidade (= fazer parte) e não numa essência (= fato determinado) ou utilidade (= benefício/vantagem).

Realmente, a Constituição Federal não define como fato imponível possível

das contribuições especiais a circunstância do Estado exercer determinada atividade

que se volte ao contribuinte, na forma de um benefício, vantagem ou contraprestação.

Este tipo de tributo, na verdade, somente pode ser exigido de contribuintes que

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possuem relação de pertinência com finalidades constitucionais previamente

delineadas. Este é o primeiro traço marcante da espécie tributária “contribuição

especial”.

O segundo critério para classificar dado tributo como contribuição especial é

a previsão de destinação da receita arrecadada a este título para uma finalidade

constitucionalmente estabelecida. Constitui, pois, um dos requisitos de validade da

contribuição especial que o destino de sua cobrança seja o atendimento de uma

finalidade prevista nos artigos 149 e 149-A, ambos da Lei Maior.

As contribuições especiais devem ser instituídas como instrumento da

atuação do Estado em determinadas áreas selecionadas pela própria Constituição

Federal. Segundo Pimenta128:

dizer que a contribuição funciona como instrumento de atuação significa, em primeiro lugar, que esta serve como fonte de custeio da atividade material ou normativa desenvolvida pela União nos campos ali especificados. Com efeito, a Carta Maior impõe ao Estado brasileiro a realização de uma série de prestações materiais no campo social e econômico, visando à realização de objetivos constitucionalmente qualificados. (...) Nesta perspectiva, constata-se que as contribuições especiais, de acordo com o modelo constitucional, caracterizam-se pela sua destinação, visando ao financiamento ou a instrumentalização da atuação da União e demais entes públicos em determinadas áreas, constitucionalmente previstas.

Com base nas lições de Greco (2000: p. 136):

Ora, “atuar” significa agir. Nos termos admitidos pela própria Constituição, a União pode agir numa determinada área de duas maneiras distintas: a) diretamente, assumindo o papel de um dos agentes na respectiva área (fazendo algo, por exemplo, nos termos do artigo 173 da CF-88); ou b) atuando como agente normativo e regulador em determinadas áreas, mediante o exercício da competências que lhe são deferidas pelo artigo 174 da CF-88. Ou seja, a contribuição poderá assumir a feição de instrumento em si de atuação, por exemplo, no domínio econômico (e.g. uma contribuição de equalização de carga tributária), assim como poderá ser instrumento para gerar recursos para uma atuação material da União nas respectivas áreas.

128Revista Dialética de Direito Tributário nº 142. P. 51/52.

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A previsão de destinação específica do produto arrecadado a título de

contribuição especial integra seu próprio regime jurídico, na linha do que aponta

Carrazza, R. (2000: p. 34):

Em seu artigo 149, a CF não apontou a regra-matriz destas “contribuições”; antes, limitou-se, salvo em alguns poucos casos (que adiante estudaremos), a indicar-lhes as finalidades a alcançar; (...) Noutro dizer, a regra-matriz constitucional destas contribuições agrega, de modo indissociável, a ideia de destinação. Queremos com tal assertiva sublinhar que, por imperativo da Lei Maior, os ingressos advindos da arrecadação destes tributos devem necessariamente ser destinados à viabilização ou ao custeio de uma das atividades mencionadas no art. 149 da CF. Pouco imposta se a atividade é desempenhada pela própria União ou por terceiro, delegatório. Sempre a destinação estará agregada inhaeret et ad ossa à estrutura da contribuição que irá custeá-la.

Elucidativo, nesse ponto, o seguinte trecho do voto do Sr. Ministro do STF

Joaquim Barbosa129:

A espécie contribuição ocupa lugar de destaque no sistema constitucional tributário e na formação das políticas públicas. Espécie tributária autônoma, tal como reconhecida por esta Corte, a contribuição caracteriza-se pela previsão de destinação específica do produto arrecadado com a tributação. (...) Para o administrado, como contribuinte ou cidadão, a cobrança de contribuições somente se legitima se a exação respeitar os limites constitucionais e legais que a caracterizam. Assim, a existência das contribuições, com todas as suas vantagens e condicionantes, somente se justifica se preservadas sua destinação e finalidade.

A compatibilidade do destino da arrecadação das contribuições especiais

com as hipóteses de finalidades previstas na Lei Maior como autorizadoras de criação

desta espécie tributária é pressuposto de sua constitucionalidade.

Ainda com apoio no que leciona Carrazza, R. (2000: p. 661), tal destinação

“é fundamental também porque permitirá, em determinadas circunstâncias, que as

mesmas hipóteses de incidência e bases de cálculo sejam concomitantemente

utilizadas para um imposto da União e para uma das contribuições a que alude o art.

149 da CF”.

Na visão de Greco (2000: p. 149):

129 AI 724.582 AgR/SP (Dj 06/04/2011).

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144

Se, para fins de viabilização operacional da contribuição, for previsto fato gerador ou base de cálculo idênticos aos de impostos e se, nesta formulação, estiverem atendidos os requisitos de compatibilidade com a finalidade, a superposição em relação a fato gerador e base de cálculo de impostos será uma “eventualidade”, mas não uma “inconstitucionalidade”. Inconstitucionalidade haverá se os critérios, parâmetros, requisitos ligados à aferição da compatibilidade finalista estiverem desatendidos. Caso contrário, a superposição poderá ser criticável por razões econômicas, por implicar aumento dos custos de produção, por gerar distorções, em suma, por incomodar profundamente, mas nunca é demais repetir que “nem tudo que incomoda é inconstitucional”.

Importa, para a legitimidade de uma contribuição especial, que a lei,

paralelamente ao estabelecer os critérios da sua regra matriz de incidência, preveja a

vinculação do produto arrecadado a este título ao cumprimento de uma finalidade

constitucional prescritanos artigos 149 e 149-A, ambos da Carta de 1988.

A “razão de ser” da contribuição especial pressupõe o cumprimento de sua

finalidade constitucionalmente prescrita e definida na lei instituidora, compatibilidade

esta que opera-se no plano normativo, conforme opina Gonçalves (1993: p. 61):

O que se vem de dizer acerca da exigência constitucional de inclusão na regra matriz de incidência tributária – plano normativo – (quando assim determina o texto constitucional) dos mecanismos tendentes a assegurar o fluxo direito do produto da arrecadação a certo órgão ou finalidade não deve ser confundido com indagação da “efetiva destinação” ou não – plano fático – à finalidade normativamente vocacionada. A “efetiva destinação” é circunstância que pertence ao mundo fenomênico.

Nesse sentido caminhou Melo (2010: p. 37). Veja-se:

O que interessa distinguir é (I) a previsão constitucional do destino do tributo e (II) sua efetiva utilização, ou seja: (a) a lei ordinária que instituir a exação tributária deverá estabelecer o destino do tributo, se este for previsto na Constituição, sob pena de desvirtuá-lo, tornando-o ilegítimo; (b) a má aplicação do tributo, ingressado na burra do governo, constitui ato administrativo nocivo, danoso, ilegal, caracterizando desvio de finalidade. Trata-se de situações distintas, inconfundíveis no âmbito jurídico e cronológico, pois concernem, respectivamente, a anterior exercício da atividade do legislativo (estipulando o destino do tributo) e posterior atuação do Executivo (aplicando os recursos).130.

130 Ávila esclarece que “o desvio concreto e posterior da destinação, a rigor, não diz respeito à validade do tributo, mas ao correto cumprimento de normas administrativas e financeiras. Se houver desvio, ainda que parcial, não há comprometimento com a validade do tributo, mas responsabilidade por má gestão de recursos.”. (2012: p. 268).

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As normas jurídicas referentes às contribuições especiais, portanto, devem

ser construídas levando em conta as disposições legais acerca da destinação do

produto gerado pela sua arrecadação e finalidade a que ela se presta.

Isso implica afirmar que qualquer tentativa do Estado de desvincular, total ou

parcialmente, em definitivo ou temporariamente, o produto gerado na cobrança de uma

contribuição especial à sua finalidade, constitui ato inconstitucional.

Acerca dessa hipótese, Barreto, P. (2011: pp. 165, 166) defende que:

Ao desvincular-se produto da arrecadação de contribuição, suprime-se a garantia individual do contribuinte de só se sujeitar ao pagamento de contribuição se, e somente se, o destino do montante exigido for integralmente utilizado nos fins que justificaram a criação do tributo. Além disso, rompe-se o imprescindível liame que deve existir entre a causa autorizativa do tributo e sua destinação. Se o produto da arrecadação é desvinculado, ainda que parcialmente, não há como alcançar os fins almejados. (...) Em súmula, previsão normativa que promova essa desvinculação parcial (e temporária), ainda que posta no plano constitucional, suprime direitos e garantias individuais dos contribuintes, em clara afronta ao artigo 60 da Constituição Federal.

O STF, aliás, julgou inconstitucional o artigo 4º, da Lei nº 10.640/2003131 (Lei

Orçamentária Anual - LOA), que continha previsão de suplementação de créditos de

recursos da CIDE instituída pela Lei nº 10.366/2001132. Em linhas gerais, foi decidido

que a lei não poderia lançar mão de recursos que a própria Carta Federal revela com

destinação específica. No trecho do voto do Sr. Ministro Sepúlveda Pertence, foi

registrado que, no sistema jurídico, não há “possibilidade de interpretação que leve à

autorização de um desvio das destinações predeterminadas às receitas vinculadas,

como são as receitas das contribuições.”133

131 “Art. 4 o - Fica o Poder Executivo autorizado a abrir créditos suplementares, observados os limites e condições estabelecidos neste artigo e desde que demonstrada, em anexo específico do decreto de abertura, a compatibilidade das alterações promovidas na programação orçamentária com a meta de resultado primário estabelecida no Anexo de Metas Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias 2003, para suplementação de dotações consignadas.” 132 “Art. 1 º - Fica instituída a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível (Cide), a que se referem os arts. 149 e 177 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional no 33, de 11 de dezembro de 2001”. 133 ADI 2.925/DF (Dj 04/03/2005).

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Tal precedente, quando menos, reforça a ideia de que as normas jurídicas

construídas para definir a incidência das contribuições especiais necessariamente

devem possuir mandamentos que prescrevam sua imprescindível vinculação

orçamentária com a causa de sua criação. A destinação do produto gerado pelas

contribuições especiais aos seus fins constitucionais integra seu regime jurídico,

revelando-se o segundo critério determinante para seu controle de constitucionalidade.

Finalmente, cumpre registrar que o Estado não possui o dever de restituir os

valores recolhidos por meio da arrecadação das contribuições especiais após certo

lapso temporal. Esta é a terceira característica desta espécie tributária e dispensa

maiores considerações.

IV.IV. As Contribuições Especiais de Competência da União

O artigo 149 da Constituição, não custa repetir, prescreve que “compete

exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio

econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como

instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, (...)”

Por questões metodológicas, analisaremos brevemente as contribuições

especiais previstas no caput do artigo 149 da Constituição, numa ordem inversa à forma

em que positivada.

As contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas,

também chamadas de “contribuições corporativas”, “destinam-se a custear entidades

(pessoas jurídicas de direito público ou provado) que têm por escopo fiscalizar e regular

o exercício de determinadas atividades profissionais ou econômicas, bem como

representar, coletiva ou individualmente, categorias profissionais, defendendo seu

interesse” 134.

Na linha do que decidiu o Supremo Tribunal Federal, “as contribuições

cobradas pelas autarquias responsáveis pela fiscalização do exercício profissional são

contribuições parafiscais, contribuições corporativas, com caráter tributário”.135

134 Cf. Carrazza R., 2012: p. 680. 135 MS 21797/RJ (Dj 18/05/2001).

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As contribuições corporativas podem ser de natureza profissional, dizendo

respeito ao ofício do contribuinte; ou econômica, relacionada ao ramo de negócios do

sujeito passivo (fabricação, comércio ou prestação de serviço).

Tal como constatou Fernandes (2005: p. 207),

as contribuições no interesse de categorias profissionais restringem-se às exações cobradas em benefício de conselhos de profissão regulamentada e de sindicatos que representem profissões. Importa perceber que os sindicatos podem representar tanto categorias econômicas quanto profissionais, conforme se depreende do art. 511 e seus §§ 1º e 2º, todos da Consolidação das Leis do Trabalho.”136

A título de exemplo das aludidas contribuições, Velloso (2013: p. 253)

menciona:

A agricultura, por exemplo, não é profissão, mas atividade econômica. Por isso, a contribuição à CNA (Confederação Nacional da Agricultura) qualifica-se como contribuição corporativo-econômica, não como contribuição profissional. Já a contribuição à CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) enquadra-se como contribuição profissional, destina-se ao custeio de confederação que se singulariza pela qualificação profissional dos seus filiados. A distinção entre tais contribuições, no entanto, apresenta escassa relevância prática, porquanto ambas possuem idêntico assento constitucional (art. 149, caput) e estão sujeitas aos mesmos requisitos.

A finalidade, portanto, dessas contribuições, é a de arrecadar recursos para

que a União, por meio de entidades regulamentares, atue em prol de categorias

profissionais ou econômicas.

Interessante notar, nesse contexto, que, após discussão sobre a natureza da

anuidade devida à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), restou assentado que tal

cobrança não possui natureza tributária, conforme atesta o julgado da 1ª Seção do STJ

(Superior Tribunal de Justiça) abaixo137.

136 “Artigo 511 - É lícita a associação para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais de todos os que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos ou profissionais liberais exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões similares ou conexas. § 1º - A solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas, constitui o vínculo social básico que se denomina categoria econômica. § 2º - A similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, compõe a expressão social elementar compreendida como categoria profissional”. 137 EREsp (Embargos de Divergência em Recurso Especial) 503252/SC (Dj 18/10/2004).

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PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ORDEM DOS ADVOGADOS D O BRASIL - OAB. LEI N.º 8.906/94. ANUIDADES. NATUREZA JURÍDICA. LEI DE EXECUÇÃO FISCAL. INAPLICABILIDADE. 1. Embora definida como autarquia profissional de regime especial ou sui generis, a OAB não se confunde com as demais corporações incumbidas do exercício profissional. 2. As contribuições pagas pelos filiados à OAB não têm natureza tributária.

Não obstante, o que precisa ficar claro é que a Constituição Federal, para as

contribuições corporativas, não prescreveu o critério material da sua regra matriz de

incidência, o que ratifica que a sua finalidade – atuação da União no interesse de

categorias profissionais ou econômicas – é o parâmetro constitucional determinante

desta espécie tributária.

Também sob o manto do caput do artigo 149 da Constituição, a União detém

a competência para criar contribuições de intervenção no domínio econômico

(conhecidas também como contribuições interventivas ou simplesmente CIDE).

Essas contribuições encontram fundamento diante do campo jurídico

reservado às atividades econômicas, e não nos espaços destinados aos serviços

públicos, que dão ensejo às taxas.

Para Horvath (2009: pp. 60, 61):

Intervir significa interferir (Aurélio), colocar-se de permeio. Se se intervém é porque aquilo em que se vai intrometer não pertence, não é próprio daquele que pratica a intervenção, a “intromissão”. (...) Ponto de partida para o tema ora em análise é a constatação elementar, e ao mesmo tempo fundamental, de que a Constituição de 1988 separou as atividades possíveis em dois grandes universos, a saber: os serviços públicos e a atividade econômica, como se pode depreender da simples leitura dos arts. 173 e 175 de seu texto. (...) Assim, o que for considerado serviço público não será atividade econômica em sentido estrito e vice-versa.

A intervenção da União no domínio econômico pode ocorrer por meio de

exploração propriamente dita, assim como mediante regulamentação normativa. A esse

propósito, ensina Carrazza, R. (2000: pp. 665, 669):

a União pode intervir no domínio econômico, ou (i) explorando, ela própria, atividades econômicas, o que fará por meio de suas empresas públicas, de suas sociedades de economia mista ou de suas subsidiárias, desde que

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todas elas se sujeitem ao “regime jurídico próprio das empresas privadas” (art. 173, § 1º, II, da CF), ou (ii) disciplinando, por meio da edição de normas jurídicas, a atividade econômica das empresas privadas. (...) Portanto, a intervenção no domínio econômico poderá dar-se para assegurar a livre concorrência, para defender o consumidor, para preservar o meio ambiente, para garantir a participação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios no resultado da exploração, nos respectivos territórios, de recursos minerais etc. (...) Destarte, apenas quem explora, sob regime de direito privado, a atividade econômica objeto da regulação estatal poderá ser compelido a recolher a CIDE. (...) Positivamente, o termo “contribuição” não é a senha para que a União crie qualquer tributo. Daí a incontornável necessidade de correção lógica entre as causas e fundamentos da intervenção no domínio econômico e a instituição do tributo ora em estudo. É que são justamente elas que justificam a própria instituição da contribuição interventiva.

Em face de sua finalidade interventiva, a lei instituidora de CIDE deve

apontar e motivar as razões concretas de sua edição, assim como a finalidade que

busca dentro do domínio econômico. E, mais ainda, tais contribuições somente têm

legitimidade para alcançar pessoas que estão inseridas no grupo econômico que a

União deseja intervir.

Concordamos, neste ponto, com a seguinte afirmação de Horvath (2009: p.

95):

é evidente que o grupo de contribuintes a ser colhido pela exação deve integrar o setor objeto de intervenção, até mesmo para cumprir o propósito que fixou a respectiva finalidade (não seria razoável que a lei colhesse pessoas “de fora” da área que sofreu intervenção). Entretanto, daí a exigir-se que aquela categoria seja especialmente beneficiada, não faz parte dos requisitos jurídico-positivos da contribuição em exame.

Da forma pela qual foi disciplinada na Constituição, a finalidade das

contribuições interventivas requer que a União coordene, regule, fiscalize, enfim, atue

na área econômica, sem perder de vista a livre iniciativa e sem comprometer a

competitividade das empresas privadas.

Revela-se, a partir de sua sistemática, que a CIDE também possui função

extrafiscal. Por meio de contribuições interventivas, Carrazza, R. (2009: p. 101) ensina

que

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a União direciona os contribuintes a certos comportamentos, comissivos ou omissivos, úteis ao interesse coletivo. Neste sentido, pode-se dizer que tais tributos são utilizados como instrumento de extrafiscalidade, embora tenham por fim precípuo carrear recursos para a União, a fim de que este ente público tenha os meios necessários para custear sua intervenção no domínio econômico, para atender a um interesse específico da área econômica, em favor do bem comum.

Vale ainda destacar, no que diz respeito às contribuições interventivas, que

o artigo 149 inicialmente não arrolava nenhum critério material a ser observado pelo

Legislador. Dizemos inicialmente porque a Emenda Constitucional nº 33/2001, ao inserir

o parágrafo segundo ao artigo em questão, passou a prescrever que:

Artigo 149 – (...) § 2º - As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo I - não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação; II - incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços; III - poderão ter alíquotas: a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro; b) específicas, tendo por base a unidade de medida adotada.

Nota-se que, após a inclusão do parágrafo segundo em comento, as

contribuições interventivas passaram a possuir um tratamento mais específico, com

reconhecimento expresso de sua imunidade sobre receitas de exportações (inciso I) e

possibilidade de incidirem sobre operações de importação (inciso II) e sobre a receita ou

faturamento (inciso III).

A referida Emenda Constitucional, na verdade, conforme faz crer Carrazza,

R. (2009: p. 105),

detalhou o perfil constitucional das contribuições interventivas, que, agora, devem obedecer a regras mais específicas do que aquelas que vigoravam desde a promulgação da Carta de 1988. Assim, por exemplo, apontou-lhes tanto as bases de cálculo possíveis, como as alíquotas possíveis, restringindo a liberdade de ação do legislador federal (que, nesse caso, era ampla), e expulsando, do sistema normativo, as leis que dispunham de forma contrária.

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Por fim, o caput do artigo 149 da Constituição ainda permite à União instituir

contribuições sociais. E é a própria Lei Fundamental que traça as normas básicas da

ordem social, dispondo, no seu artigo 193, que “a ordem social tem como base o

primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”.

Referido artigo 193 inicia o Título VIII da Constituição, destinado à ordem

social, expressão esta que compreende, além da Seguridade Social, a Educação,

Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia, Comunicação Social, Meio Ambiente, Família,

Criança, Adolescente, Jovem e Idoso e os Índios, na linha dos seus artigos 193 a 232.

A ordem social, no sistema jurídico, engloba uma gama imensa de itens e

valores, impondo uma série de atividades estatais. A União, na seara social, possui um

rol extenso de encargos, razão pela qual se faz necessária a busca de recursos com

finalidade de custear atividades voltadas ao desenvolvimento das áreas ali

contempladas.

Especialmente no que concerne à Seguridade Social, coube ao artigo 195

do próprio texto constitucional definir as materialidades passíveis de sofrerem incidência

de contribuições especiais voltadas ao seu desenvolvimento.

“Seguridade Social”, com fulcro no artigo 194 da Lei Maior, “compreende um

conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade,

destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência

social”. Vale dizer, a Constituição Federal de 1988 desenhou o sistema de Seguridade

Social por meio do tripé assistência social, previdência e saúde, prescrevendo que tal

sistema deve ser financiado com base nas diretrizes do seu artigo 195, in verbis:

Artigo 195 - A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; III - sobre a receita de concursos de prognósticos.

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IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.

Isso significa dizer que o caput do artigo 149 da Constituição Federal permite

à União instituir contribuições sociais gerais, sem especificar maiores detalhes quanto

às regras de incidência, focando apenas na sua finalidade, ao passo que o artigo 195,

também da Lei das Leis, conferiu competência para a União, no que diz respeito à

Seguridade Social (que constitui apenas um dos aspectos da ordem social, englobando

a saúde, previdência e assistência social), instituir contribuições cujo perfil da regra

matriz de incidência já foi desenhado em sede constitucional.

Ao analisar a relação entre as contribuições sociais previstas no caput do

artigo 149 da Constituição com as contribuições sociais destinadas à Seguridade Social

referidas no artigo 195 deste mesmo Diploma, Carvalho, P. (2008: p. 57) chegou a

seguinte conclusão:

Enquanto as contribuições sociais a que se refere o art. 149, caput, da Constituição, têm acepção bastante abrangente, destinando-se ao custeio das metas fixadas na Ordem Social (Título VIII), dentro delas especializam-se aquelas voltadas ao financiamento da seguridade social, disciplinadas pelo art. 195 do Texto Maior. Em síntese, as contribuições sociais são instrumentos tributários, previstos na Carta de 1988, que têm por escopo o financiamento de atividades da União nesse setor. E, dentro do campo social, encontramos contribuições com a específica finalidade de custear a seguridade social (saúde, previdência e assistência social), configurando subgrupo da classe denominada contribuições sociais. As duas categorias de contribuição acima mencionadas, conquanto consubstanciem espécies de um mesmo gênero – contribuições sociais -, são disciplinadas de forma diferenciada pela Constituição. Não obstante ambas sejam integralmente submetidas ao regime jurídico tributário, as contribuições para seguridade social receberam tratamento constitucional peculiar. Uma das distinções relevantes é o fato de não ter o constituinte indicado os fatos possíveis de serem oneradas pela criação de contribuições sociais genéricas, deixando tal incumbência a cargo do legislador infraconstitucional, tendo este liberdade para eleger as hipóteses de incidências e correspondentes bases de cálculo, encontrando limites apenas em relação aos fatos cuja tributação foi atribuída à esfera competencial das demais pessoas políticas e nos direitos fundamentais dos contribuintes, erigidos em princípios constitucionais em geral e, mais especificamente, nos princípios constitucionais tributários. Entretanto, ao discriminar a competência para instituição de contribuições destinadas à seguridade social, das quais as contribuições previdenciárias são subespécies, o constituinte traçou minuciosamente os arquétipos das possíveis regras-matrizes de incidência tributária, impondo ao legislador infraconstitucional observância a uma série de requisitos.

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Na forma, então, como foi disposto na Constituição Federal, é possível

afirmar que, para custear a atividade estatal voltada para o segmento social, a União

recebeu competência tributária para instituir contribuições sociais que podem ser

segregadas em dois grupos: (i) contribuições sociais destinadas especificamente para o

financiamento da seguridade social (artigo 195); e (ii) outras contribuições sociais

(contribuições sociais gerais – caput do artigo 149).

Sobre essa segregação, Barreto, P. (2011: p. 99) teceu os seguintes

comentários:

Relativamente às destinadas à seguridade social, há referência expressa no Texto Constitucional – art. 195, I a IV – às materialidades que especificamente devem ser colhidas pelo legislador ordinário federal para criar contribuições que objetivem financiar a atividade estatal. Além disso, há a possibilidade de se instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, desde que observado o disposto no art. 154, I da Constituição Federal (lei complementar, não cumulatividade, fato gerador e base de cálculo distintos de outros impostos discriminados na Constituição). Noutro dizer, há contribuições cuja materialidade já vem predefinida na outorga da competência. As contribuições sociais gerais destinam-se ao financiamento das demais áreas de atuação da União, no campo social, que, como dissemos, tem grande abrangência.

As contribuições previstas no inciso I do caput do artigo 195 da Constituição

(isto é, as contribuições das empresas incidentes sobre (i) a folha de salários e demais

rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe

preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (ii) a receita ou o faturamento; e (iii) o

lucro), segundo o parágrafo nono do próprio artigo 195 (cuja redação foi dada pela

Emenda Constitucional nº 47/2005), “poderão ter alíquotas ou bases de cálculo

diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão-de-

obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho.”138

Por força do artigo 195, § 4º, da Constituição139, foi outorgada competência

residual à União, mais precisamente para ela instituir novas contribuições destinadas à

seguridade social, desde que obedecido o artigo 154, I, do texto constitucional.

138 Esse dispositivo, outro inserido na Constituição Federal por meio de Emenda Constitucional, será objeto de análise mais adiante. 139 “A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I”.

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154

Após discussão sobre em que medida a remição ao artigo 154, I, da

Constituição se aplica às contribuições residuais para a Seguridade Social, restou

sedimentado pelo STF que esse preceito estabelece apenas a necessidade de lei

complementar para sua instituição.

A propósito, veja-se os trechos dos votos dos julgados relatados,

respectivamente, pelos Ministros Carlos Velloso140 e Moreira Alves141:

A norma matriz das contribuições sociais, bem assim das contribuições de intervenção e das contribuições corporativas, é o art. 149 da Constituição Federal. O artigo 149 sujeita tais contribuições, todas elas, à lei complementar de normas gerais (art. 146, III). Isto, no entanto, não quer dizer, também já falamos, que somente a lei complementar pode instituir tais contribuições. Elas se sujeitam, é certo, à lei complementar de normas gerais (art. 146, III). Todavia, porque não são impostos, não há necessidade de que a lei complementar defina os seus fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes (art. 146, III, “a”). (...) As contribuições de seguridade social que exigem, para a sua instituição, lei complementar, são as denominadas “outras de seguridade social”, previstas no parág. 4º do art. 195 da Constituição Federal, cuja criação está condicionada á observância da técnica da competência residual da União (C.F., art. 154, I, ex vi do parág. 4 do art. 195).

por não haver necessidade, para a instituição da contribuição social destinada ao financiamento da seguridade social destinada ao financiamento da seguridade social com base no inciso I do artigo 195 – já devidamente definida em suas linhas estruturais na própria Constituição – da lei complementar tributária de normas gerais, não será necessária, por via de consequência, que essa instituição se faça por meio de lei complementar que supriria aquela, se indispensável. Exceto na hipótese prevista no par. 4 (a instituição de outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social), hipótese que não ocorre no caso, o artigo 195 não exige lei complementar para as instituições dessas contribuições sociais, inclusive a prevista no seu par. 6 desse mesmo dispositivo constitucional.

Com base nesses precedentes, então, prevalece o entendimento no Poder

Judiciário de que as contribuições especiais demandam lei ordinária para sua

instituição, salvo apenas as contribuições residuais para a seguridade social, que

prescinde de lei complementar.

Concordamos com esse entendimento. Considerando que os parâmetros

das contribuições especiais do caput do artigo 149 e as do artigo 195, I a IV, todos da

140 RE 138.284 (Dj 28/08/1992). 141 RE 146.733 (Dj 06/11/1992).

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155

Constituição, já foram definidos em sede constitucional, cabe à lei (ordinária), sem

desrespeitar tais parâmetros, criá-las. Diferentemente, tendo em vista que novas

contribuições foram previstas apenas residualmente, e sem qualquer especificação de

sua regra matriz, mister um quórum mais rigoroso para sua criação, o que ocorre em

face da lei complementar.

A questão da possibilidade ou não de uma contribuição residual eleger a

mesma base de cálculo de imposto também foi enfrentada pelo STF em outro

julgamento, do qual extrai-se do voto vencedor, da lavra do Ministro Carlos Veloso142, a

seguinte lição vencedora:

tratando-se de contribuição, a Constituição não proíbe a coincidência de sua base de cálculo com a do imposto, o que é vedado relativamente às taxas. (...)Quando o § 4º, do art. 195, da C.F., manda obedecer a regra da competência residual da União – art. 154, I – não estabelece que as contribuições não devam ter fato gerador ou base de cálculo próprios das contribuições já existentes.

Anteriormente a esse julgado, o Ministro do STF Ilmar Galvão143 já havia

assim se pronunciado:

não há, na Constituição, nenhuma norma que vede a incidência dupla de imposto e contribuição sobre o mesmo fato gerador, nem que proíba tenham os dois tributos a mesma base de cálculo. O que veda a Carta, no art. 154, I, é a instituição de imposto que tenha fato gerador e base de cálculo próprios dos impostos nela discriminados. E o que veda o art. 195, parágrafo 4º, é que quaisquer outras contribuições, para o fim de seguridade social, venham a ser instituídas sobre os fenômenos econômicos descritos nos incs. I, II e III do caput, que servem de fato gerador á contribuição sob exame.

Aos olhos do Supremo Tribunal Federal, portanto, prevalece o entendimento

de que a Constituição Federal não proíbe a coincidência da base de cálculo de uma

contribuição residual com a de um imposto, mas apenas com contribuições já

existentes.

Esse entendimento, porém, não recebeu unanimidade e, a nosso ver,

contraria a melhor doutrina acerca da matéria.

142 RE 228.321 (Sessão de 01/10/1998. Dj 30/05/2003) P. 399/401. 143 RE 146.733-9/SP (Dj 06/11/1992).

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No seu voto vencido, o Ministro Marco Aurélio144, ao interpretar a remissão

do artigo 195, § 4º ao artigo 154, I, ambos da Constituição, relatou:

Retiro do texto constitucional, levando em conta o sistema nele encerrado, a maior eficácia possível, e, por mais preocupado que esteja com a situação financeira da Previdência Social, não posso ver a limitação na parte final do § 4º do artigo 195. A remissão somente tem razão de ser se for feita para a observância do inciso I do artigo 154, tal como ele se contém, e não apenas á luz da parte inicial em que se faz referência à lei complementar, mesmo porque no próprio § 4º do artigo 195 já se consigna a lei como veículo, e aqui essa remessa, muito embora não esteja explicitado, diz respeito à lei adjetivada, à lei complementar.

Também o Ministro Sepúlveda Pertence chegou à mesma conclusão, sob a

alegação de que

as novas contribuições sociais – de instituição autorizada no art. 195, § 4º, da CF – não podem constituir duplicação substancial não apenas das contribuições enumeradas no caput em relação às quais hão de constituir “outras fontes” de financiamento do sistema -, mas também dos impostos discriminados na Constituição, aí, por força da observância imposta ao art. 154, I, da mesma Carta.145

Coincide nessa conclusão Coêlho (2007: pp. 101, 102):

Seja lá como for, podemos assegurar que a Constituição fixa limites que não podem ser olvidados pelos seus intérpretes:

• os impostos da União, Estados e Municípios são exclusivos e repelem invasões, salvo se tratar de contribuição social originária ou recepcionada e de imposto extraordinário de guerra;

• de conseguinte, nenhuma contribuição nova ou imposto novo, finalístico ou não, pode produzir invasões de competência;

(...) • para a criação de imposto novo ou contribuição nova, finalístico

ou não, exige-se lei complementar e a observância dos limitativos do art. 154, I, da CF (criação por lei complementar, fatos geradores e bases de cálculo diversos dos impostos ou contribuições já existentes, não cumulatividade se forem plurifásicos e repartição do produto com Estados e Municípios).

Essas limitações ao poder de tributar são inarredáveis.

Também Machado (1996: p. 97) é categórico:

144 RE 228.321. (Sessão de 01/10/1998. Dj 30/05/2003). P. 419/420. 145 RE 228.321 (Sessão de 01/10/1998. Dj 30/05/2003) P. 409.

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Inadmissível o argumento de que as restrições do art. 154, inciso I, seriam aplicáveis somente aos impostos, delas ficando livres as contribuições sociais. Assim seria se inexistisse a remissão ao art. 154, I, expressa no § 4º, do art. 195. Tal remissão tem apenas a finalidade de tornar aquelas restrições extensivas à competência residual também em matéria de contribuições de seguridade social. Não apenas a exigência formal de lei complementar, mas também a exigência de cunho material. A distinção, para admitir-se a exigência de lei complementar, e não admitir as demais, é inteiramente descabida.

Ainda sobre o artigo 154, I, da Constituição, Martins, I. (1989: p. 21) sustenta

que:

O dispositivo, portanto, exige que os pressupostos para o exercício da competência residual da União em matéria de impostos, sejam estendidos à instituição de novas contribuições sociais, além daquelas existentes no momento (...) O artigo 154 não cuida, em verdade, do princípio da não cumulatividade com perfil assemelhado ao da teoria do valor agregado. Embora alguns intérpretes entendam que a referência é a técnica não cumulativa, parece-me mais lógica seja ela a tributos, mesmo de natureza diversa, que incidam sobre a mesma matéria tributável.

Seguimos essa mesma linha de raciocínio, isto é, de que os requisitos

materiais do artigo 154, I, da Constituição, devem ser aplicados para qualquer espécie

de tributo criado com base na competência residual, seja imposto ou contribuição

especial para a seguridade social, sob pena de violação aos princípios da segurança

jurídica e capacidade contributiva. Não custa lembrar, nesse ponto, que colocamos no

patamar de cláusula pétrea tributária a regra de que a criação de novas exações, não

previstas originariamente na Constituição, devem respeitar os limites materiais da

competência residual previstos no artigo 154, I, da Constituição, sob pena de

inconstitucionalidade.

Mas, não é só. Diante do princípio federativo, também combatemos a

possibilidade jurídica de contribuições especiais previstas no caput do artigo 149 da

Constituição, mas cuja materialidade não foi fixada no próprio texto constitucional (casos

das contribuições corporativas e contribuições sociais gerais) elegerem mesma base de

cálculo de impostos de competência dos Estados, Municípios e Distrito Federal.

Sobre o assunto, Melo (2003: p. 360) é enfático: “na medida em que as

contribuições invadam as competências privativas dos Estados, DF, e Municípios, a

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União estará objetivando receitas que não lhe foram atribuídas pela CF, destruindo a

federação, e comprometendo os recursos destas pessoas públicas.”

Ademais, também quer nos parecer inconstitucional eventual lei da União

que pretenda “substituir” impostos de sua própria competência, cuja receita arrecadada

deva ser compartilhada com qualquer outra pessoa política, por uma contribuição

especial. Medida desta natureza também viola a Federação, pois prejudica a autonomia

financeira dos entes que perderiam as verbas até então transferidas.

Essa, aliás, é a opinião de Barreto, P. (2011: 104, 105):

Logo, se um imposto, cuja arrecadação for objeto de partilha com outro ente tributante, vier a ser substituído por uma contribuição social específica, haverá claramente um comprometimento do equilíbrio da federação. (...) Em resumo, contribuições sociais específicas podem ser criadas pela União com a mesma materialidade de impostos de sua competência privativa, cujo produto da arrecadação não seja objeto de partilha com outro ente tributante. A situação será completamente distinta se a materialidade for de imposto cuja competência para instituição seja privativa de outros entes tributantes. Nesse caso, põe-se em risco o equilíbrio federativo.

Feitas todas essas considerações, nota-se que a União detém competência

ampla no que diz respeito às contribuições especiais, devendo total observância às suas

finalidades constitucionais e também, quando previstos, aos critérios de sua regra matriz

de incidência.

IV.V. Princípios Informadores das Contribuições Esp eciais

O texto constitucional estabelece, por remissão do seu artigo 149, que as

contribuições especiais devem observar os princípios da legalidade (art. 150, I),

irretroatividade (art. 150, III, “a”) e anterioridade (art. 150, III, “b” e “c”), sujeitando-se às

normas gerais de direito tributário (146, III).

Diante da literalidade do dispositivo em questão, poderia ser afirmado que

somente esses princípios é que seriam aplicáveis às contribuições especiais. Ocorre que

tal posicionamento, segundo pensamos, não deve prevalecer. Diante da premissa de

que a interpretação sistemática é a interpretação por excelência, e uma vez definido que

as contribuições especiais possuem natureza tributária, todos os princípios

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constitucionais tributários, verdadeiras cláusulas pétreas, devem ser observados sempre

quando aplicáveis.

Os princípios gerais e específicos integram o regime jurídico dos tributos,

carregando limites objetivos e/ou valores consagrados no sistema jurídico. É justamente

por isso que não conseguimos visualizar a possibilidade jurídica de “abrir mão” de um

princípio constitucional tributário, salvo apenas se a própria Constituição originariamente

assim determinou.

No âmbito das contribuições especiais, a aplicação dos princípios reportados

no artigo 149 da Constituição não abre grandes margens para discussão.

Com relação ao princípio da legalidade, é importante não perder de vista que

uma lei ordinária é apta para criar as contribuições especiais, salvo as de competência

residual, que demanda lei complementar. Em ambos os casos, a lei deve motivar a

causa da criação da contribuição especial, que deve estar compatível com sua

destinação estabelecida na Carta de 1988, sob pena de inconstitucionalidade.

O princípio da irretroatividade, enquanto limite objetivo, também não enseja

maiores dúvidas. É proibida a cobrança de contribuição especial em relação a fatos

imponíveis ocorridos em momento anterior à vigência da lei que a tenha majorado ou

instituída. Ou seja, não é admitida a retroatividade de uma lei que crie ou aumente uma

contribuição especial.

Já o princípio da anterioridade, que busca conferir segurança jurídica,

evitando que o contribuinte seja surpreendido com uma tributação repentina, determina,

como regra, que as contribuições especiais somente possuam efeitos no exercício

financeiro seguinte ao da lei, com um intervalo mínimo de 90 dias.

Dizemos como regra geral porque, para as contribuições especiais

destinadas à seguridade social, aplicável a anterioridade nonagesimal ou noventena, o

que significa dizer que a produção de efeitos da lei que aumente ou crie uma

contribuição para a saúde, previdência ou assistência social, somente pode produzir

efeitos depois de 90 dias contados da data de sua publicação.

A aplicação do princípio da isonomia, apesar de não ter sido mencionado de

forma expressa no artigo 149 da Constituição Federal, decorre dos próprios ideais

republicanos. E na seara das contribuições especiais, na linha dos tributos em geral, a

observância à igualdade significa que todos os contribuintes que se encontrarem numa

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mesma situação devem contribuir de forma igual em prol da sua finalidade constitucional

e/ou de acordo com a sua capacidade contributiva.

Intrigante questão consiste em relacionar, ou melhor, verificar ou construir

regra tendente a dar eficácia máxima aos princípios da isonomia e capacidade

contributiva no âmbito das contribuições especiais.

Para Ataliba (2002: pp. 195, 196):

se o imposto é informado pelo princípio da capacidade contributiva e a taxa informada pelo princípio da remuneração, as contribuições serão informadas por princípio diverso. Melhor se compreende isto, quando se considera que é da própria noção de contribuição – tal como universalmente entendida – que os sujeitos passivos serão pessoas cuja situação jurídica tenha relação, direta ou indireta, com uma despesa especial, a elas respeitantes, ou alguém que receba da ação estatal um reflexo que possa ser qualificado como “especial”. Por outro lado, a base imponível (...) haverá de refletir o que exatamente é a peculiaridade da contribuição: ou seja, deverá guardar relação direta com o benefício especial, ou com a despesa especial causada pelo sujeito passivo (conforme o caso).

Já Torres, R. (2005: p. 420) entende que

os princípios decorrentes da ideia de justiça não se aplicam às contribuições econômicas: nem a capacidade contributiva, nem o custo/benefício característicos dos tributos contraprestacionais fundamentam sua cobrança. As contribuições econômicas se subordinam ao princípio do benefício do grupo.

Em sentido oposto, Martins, I.146 aponta que

não obstante a lei maior faça referência a “impostos”, a doutrina e a jurisprudência pacificaram o entendimento de que a capacidade contributiva é princípio informador da tributação também pela via das contribuições sociais, sempre que o legislador escolha, como fato gerador ou base de cálculo dessa espécie tributária, um elemento denotador dessa capacidade.

Sobre o assunto Costa (2003: p. 59) considera que nas contribuições “o

aspecto material de sua hipótese de incidência poderá conter ou não uma vinculação a

determinada atuação estatal. Portanto, quando se configurarem como imposto, as

146Revista Dialética de Direito Tributário nº 117. P. 143.

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contribuições deverão também observar, naturalmente, o princípio da capacidade

contributiva.”

Ademais, salienta Greco (2000: pp. 195, 196, 197) que:

nas contribuições o fundamento da exigência não está na manifestação de capacidade contributiva, mas no princípio solidarístico que emana da participação a um determinado grupo social, econômico ou profissional ao qual está relacionada a finalidade constitucionalmente qualificada. O fato de a capacidade contributiva não ser o fundamento imediato das contribuições, e não existir um comando constitucional no sentido do seu atendimento (ainda que num sentido fraco do “sempre que possível”), não significa que o conceito não poderá surgir e ser relevante. Entendo que a capacidade contribuinte não se aplica sempre às contribuições. Nem se aplica obrigatoriamente a todas as contribuições. Porém, o fato de não se aplicar sempre nem obrigatoriamente, não significa que nunca possa vir a ser aplicada. a) Em primeiro lugar, a capacidade contributiva pode ser um elemento relevante em matéria de contribuições se a própria Constituição, para fins de atribuição de competência legislativa, contiver a previsão de um fato denotador de capacidade contributiva. (...) b) A segunda hipótese de aplicação dos critérios relativos à capacidade contributiva ocorre quando a lei instituidora da contribuição adotar (por escolha própria e sem imperativo constitucional) um fato gerador que seja índice de capacidade contributiva. Aqui, também, ela deve ser considerada. De fato, quando a lei indicar um fato gerador que denote manifestação de capacidade contributiva, esta deverá ser atendida, pois, embora situado num segundo momento da formulação da exigência, seu regime deve atender aos parâmetros de proporcionalidade e racionalidade, em função do próprio critério assumido pelo legislador para fins de tributação. Neste passo, cabe distinguir entre fundamento da exação e critério de rateio da respectiva carga. A capacidade contributiva não é fundamento das contribuições, ou seja, não é “causa” (ou razão de ser) da exigência. Portanto, em tese, a contribuição pode validamente existir sem que exista manifestação de capacidade contributiva, diversamente do que ocorre com os impostos em que a capacidade contributiva pode, em certas circunstâncias, assumir uma feição de limite negativo da exigência (no sentido de que sem ela não haverá imposto). Isto, porém, não exclui a possibilidade de, definido o grupo a ser alcançado pela contribuição, a lei, ao disciplinar o critério de rateio do respectivo encargo, utilizar a capacidade contributiva como critério. Este é um critério que pode vir a ser adotado, mas não é o único teoricamente possível de ser utilizado para fins de rateio. (...) Destas observações, resulta que as contribuições, enquanto tal, não comportam uma violação direta ao princípio da capacidade contributiva, pois elas podem existir ainda que ele não exista. Nas hipóteses em que a contribuição tiver por fato gerador um evento que denote capacidade contributiva (por exemplo, o lucro), aí sim, caberá verificar se o critério de rateio está adequadamente formulado.

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Apesar de longa, tal transcrição mostra que o autor, apesar de reconhecer

que a capacidade contributiva não é causa da contribuição especial, reconhece que ela

não raramente revela-se um dado fundamental para a cobrança deste tipo de exação.

Ainda sobre o tema, entendemos oportunas as seguintes colocações de

Barreto, P. (2011: pp. 133, 134):

Com efeito, nas contribuições busca-se sempre a eleição de um critério que permita partilhar, dividir os fundos necessários ao custeio de determinada atuação estatal, ainda que delegada, dentro do grupo ao qual está voltada essa específica atuação. Destarte, não haveria sentido em que se exigir o atendimento ao princípio da capacidade contributiva, se o objetivo primeiro é a participação de encargos comuns. Deve-se buscar o critério adequado para o rateio de tais encargos, critério que pode variar, entre outros aspectos, conforme a espécie de contribuição instituída, a específica situação de cada contribuinte dentro do grupo, a correlação entre a atividade estatal desenvolvida, de uma perspectiva genérica, e os membros do grupo isoladamente considerados. Assim é que, nas hipóteses em que a materialidade da contribuição seja típica de imposto, a divisão do encargo ou despesa dentro do grupo pode ser feita a partir da escolha de base de cálculo que, a um só tempo, atenda ao princípio da capacidade contributiva e reflita a forma mais adequada de partilhar a despesa. Ocorre que podemos enfrentar situação em que o critério eleito não resulte, necessariamente, no atendimento do primado da capacidade contributiva. Neste caso, ter-se-á que examinar a coerência do critério eleito para o rateio de despesas, dentro do grupo de contribuintes, em relação á própria geração de tais despesas. Tal coerência haverá de ser examinada à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Se pertinente o critério, incensurável a exigência, ainda que não tenha levado em conta especificamente a capacidade contributiva de cada membro do grupo.

Acreditamos que não fere a isonomia a cobrança de contribuições especiais

de todos os contribuintes que estejam dentro do grupo que necessita custear

determinadas ações estatais, grupo este que deve ser identificado pela lei a partir dos

parâmetros já parcialmente definidos pela Lei Maior.

Questão diferente consiste em saber se é possível a União instituir

tratamento diferenciado a título de contribuições especiais dentro de um mesmo grupo

de contribuintes, exigindo maior carga de uns em relação a outros.

Visualizamos apenas duas hipóteses para que isto ocorra sem arrepio à

Constituição, que giram em torno de dois fatores: (i) grau do vínculo do contribuinte com

a finalidade constitucional que serviu de causa para a sua cobrança; e (ii) capacidade

contributiva.

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Em relação ao primeiro fator, quanto maior a relação de pertinência do

contribuinte com a área de atuação de destino da contribuição, entendemos razoável

sua maior necessidade de contribuir. Dito de outros modos: tratamento distinto no

âmbito das contribuições especiais pode ser implementado apenas se existir a

possibilidade de mensuração de níveis diferentes de participação do contribuinte com a

finalidade constitucional que legitime a exação.

Paralelamente, ou subsidiariamente, elegemos a capacidade contributiva

como fator para adoção de distinção de tratamento. Desta forma, havendo indício de

capacidade contributiva do fato tributário eleito para fins de incidência da contribuição

especial, entendemos que o contribuinte com maior capacidade é passível de sofrer

maior ônus em relação àquele que detém menor capacidade.

Não sendo possível aferir o grau de pertinência do contribuinte com a

finalidade da atuação estatal, e nem a sua capacidade contributiva, inadmissível a

tentativa de tributação diferenciada por contribuições especiais.

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CAPÍTULO V - CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DAS EMPR ESAS

V.I. Princípio da Solidariedade

No artigo 3º, I, da Constituição Federal, foi prescrito que um dos objetivos da

República é “construir uma sociedade livre, justa e solidária”. Fundada neste objetivo, a

Carta de 1988 institucionalizou a Ordem Social e, dentro dela, moldou a seguridade

social, na forma do tripé: saúde, previdência e assistência social.

Segundo Balera (2010: p. 411):

pode-se dizer que, com a ideia da seguridade social, evoluíram tanto o papel do Estado como o da sociedade na busca do bem-estar. A proteção quase total dos indivíduos, nas situações de necessidade, depende das iniciativas do Poder Público e do conjunto da sociedade. E a Constituição confere à seguridade social três instrumentos para o cumprimento dos objetivos da ordem social: o sistema de saúde, o sistema de previdência e o sistema de assistência social. (...) A partir dos delineamentos estampados no Texto Maior podemos formular o seguinte conceito de seguridade social: seguridade social é o conjunto de medidas constitucionais de proteção dos direitos individuais e sociais concernentes à saúde, à previdência e à assistência social.

De acordo com o parágrafo único, do artigo 194 da Constituição, compete ao

Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social com base nos seguintes

objetivos:

I - universalidade da cobertura e do atendimento; II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV - irredutibilidade do valor dos benefícios; V - equidade na forma de participação no custeio; VI - diversidade da base de financiamento; VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.

Logo em seguida, o artigo 195, também da Constituição, dispõe que a

seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos

termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos das pessoas políticas e

por meio das contribuições que faz menção.

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Na visão de Derzi (2010: p. 987),

As contribuições sociais custeadoras da Seguridade (arts. 203-204) destinam-se a cobrir não só as prestações do seguro social obrigatório de todos aqueles filiados ao sistema previdenciário, mas a saúde e a assistência prestados de forma universal e indiscriminada a todos os carentes – crianças, velhos, adolescentes, deficientes ou desempregados – que se encontrem em situação de necessidade, independentemente do pagamento de qualquer quota ou tributo específico. Ela deu à distributividade e à equidade próprias do seguro público uma extensão muito maior, apenas conciliável com a ideia de Seguridade.

Diante da forma pela qual a Constituição Federal positivou a seguridade

social advém o princípio da solidariedade, o qual, em síntese, parte da ideia de que o

máximo de pessoas, físicas ou jurídicas, devem ser compelidas ao seu custeio, em

razão da importância social conferida às áreas da saúde, previdência e assistência

social.

O financiamento da Seguridade Social por toda a sociedade, de acordo com

Paulsen (2005: p. 436)

revela o seu caráter solidário. Ou seja, podem as pessoas físicas e jurídicas ser chamadas ao custeio em razão da relevância social da seguridade, independentemente de terem ou não relação direta com os segurados ou de serem ou não destinatárias de benefícios. A Seguridade Social, pois, tal como organizada no Brasil, é inspirada no princípio da solidariedade.

As contribuições à seguridade social destinam-se, na verdade, a dividir a

responsabilidade do Estado no desenvolvimento das referidas áreas sociais com os

próprios trabalhadores e, principalmente, empresas. Daí falar-se em solidariedade, do

povo e Estado, com a seguridade social.

A solidariedade, pois, funda-se na ideia de cooperativismo e mutualismo,

caracterizando um verdadeiro valor que deve nortear a política tributária, especialmente

no campo das contribuições para a seguridade social.

Nota-se, contudo, que o princípio da solidariedade está inserido no sistema

jurídico, sistema este que também trouxe, conforme visto, os limites do poder de tributar,

identificados, dentre outros, por meio dos princípios constitucionais da legalidade,

isonomia, capacidade contributiva etc.

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E isso não pode passar despercebido. A solidariedade, segundo pensamos,

não pode atropelar os demais princípios constitucionais, devendo ser ponderada

justamente em face das limitações constitucionais ao poder de tributar, e não de forma

isolada.

Barreto, P. (2011: pp. 124, 125, 128) ratifica o que ora pretendemos expor:

Sob o manto da solidariedade é possível agasalhar desde as mais justas e consistentes propostas de interpretação constitucional até as mais arbitrárias e desarrazoadas justificativas para validar imposições tributárias. Toda exigência tributária no campo das contribuições estaria automaticamente autorizada pela prevalência do princípio da solidariedade, a depender do alcance que se desse a essa diretriz constitucional. (...) O vetor solidariedade que, ressalte-se, só vem referido para as contribuições destinadas à seguridade social, tem sua abrangência reduzida por uma série de prescrições constitucionais que se enfeixam as condições para se instituir e exigir contribuições. Se se pretende exigir verdadeira contribuição, é forçoso verificar se aqueles traços mínimos reconhecidos para essa espécie tributária estão presentes; se o grupo está identificado; se a fonte de custeio total é compatível com o benefício ou serviço; se o critério de rateio desse custo é adequado, e assim por diante. (...) o valor solidariedade não pode ser considerado isoladamente de outras disposições constitucionais que delimitam o seu alcance. Os traços característicos de uma contribuição e os demais parâmetros constitucionais estabelecidos (notadamente os que encerram limites objetivos) devem ser, necessariamente, considerados e sopesados para se atestar a conformidade do tributo com o direito posto.

Com efeito, e ainda mais considerando a vagueza do termo “solidariedade”,

em nossa concepção o Estado, sob o genérico pretexto de respeitar o princípio da

solidariedade, de maneira nenhuma poderia instituir contribuições especiais como bem

lhe entender, desconsiderando os limites previstos no sistema constitucional tributário.

Não foi isso, entretanto, o que se sucedeu no julgado do Superior Tribunal

Federal que declarou a constitucionalidade da contribuição previdenciária dos inativos,

prevista no artigo 4º da Emenda Constitucional nº 41/2003, o qual dispõe que

os servidores inativos e os pensionistas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, em gozo de benefícios na data de publicação desta Emenda, bem como os alcançados pelo disposto no seu art. 3º, contribuirão para o custeio do regime de que trata o art. 40 da Constituição Federal com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos.

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Mais precisamente, fundado no princípio da solidariedade, o STF 147

entendeu constitucional referida cobrança, mesmo diante da imunidade prevista no

artigo 195, II, do texto constitucional148. Vale dizer, a alusão à solidariedade, nesse caso

concreto, excepcionou regra de imunidade (cláusula pétrea), procedimento este que, de

acordo com nossas premissas, jamais poderia ter sido implementado em face do

sistema jurídico estruturado com base na Carta de 1988.

Esse fato, aliás, levou Coêlho (2007: pp. 18, 19) a comentar que

nestes tempos confusos, conspurcando a axiologia jurídica, fala-se em solidariedade, justamente para ofender a liberdade e a isonomia, em prol da injustiça fiscal e do autoritarismo, a pretexto de se estar fazendo justiça social. A jurisprudência e a doutrina, ainda que minoritárias, arrazoam em nome da solidariedade quando abordam as contribuições. Essa erronia é insuportável.

Corroboramos a crítica em questão. O princípio da solidariedade, no nosso

ordenamento jurídico, necessita conviver harmonicamente com todo o sistema

147 1. Inconstitucionalidade. Seguridade social. Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária. Ofensa a direito adquirido no ato de aposentadoria. Não ocorrência. Contribuição social. Exigência patrimonial de natureza tributária. Inexistência de norma de imunidade tributária absoluta. Emenda Constitucional nº 41/2003 (art. 4º, caput). Regra não retroativa. Incidência sobre fatos geradores ocorridos depois do início de sua vigência. Precedentes da Corte. Inteligência dos arts. 5º, XXXVI, 146, III, 149, 150, I e III, 194, 195, caput, II e § 6º, da CF, e art. 4º, caput, da EC nº 41/2003. No ordenamento jurídico vigente, não há norma, expressa nem sistemática, que atribua à condição jurídico-subjetiva da aposentadoria de servidor público o efeito de lhe gerar direito subjetivo como poder de subtrair ad aeternum a percepção dos respectivos proventos e pensões à incidência de lei tributária que, anterior ou ulterior, os submeta à incidência de contribuição previdencial. Noutras palavras, não há, em nosso ordenamento, nenhuma norma jurídica válida que, como efeito específico do fato jurídico da aposentadoria, lhe imunize os proventos e as pensões, de modo absoluto, à tributação de ordem constitucional, qualquer que seja a modalidade do tributo eleito, donde não haver, a respeito, direito adquirido com o aposentamento. 2. Inconstitucionalidade. Ação direta. Seguridade social. Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária, por força de Emenda Constitucional. Ofensa a outros direitos e garantias individuais. Não ocorrência. Contribuição social. Exigência patrimonial de natureza tributária. Inexistência de norma de imunidade tributária absoluta. Regra não retroativa. Instrumento de atuação do Estado na área da previdência social. Obediência aos princípios da solidariedade e do equilíbrio financeiro e atuarial, bem como aos objetivos constitucionais de universalidade, equidade na forma de participação no custeio e diversidade da base de financiamento. Ação julgada improcedente em relação ao art. 4º, caput, da EC nº 41/2003. (...)” (ADIn 3.105-8. Dj 18/02/2005). 148 “Artigo 195 - A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (...) II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201.”

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constitucional tributário, devendo ser ponderado com submissão aos limites

constitucionais tributários. A solidariedade, pois, realmente se volta a universalizar o

âmbito de potenciais contribuintes, mas jamais se presta para legitimar distorções ou

reduzir o conteúdo das cláusulas pétreas tributárias.

V.II. As Contribuições das Empresas para a Segurida de Social

As contribuições das empresas para a seguridade social, de acordo com o

artigo 195 I, “a”, “b” e “c” e IV, da Constituição149, podem incidir sobre: (i) a folha de

salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à

pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (ii) a receita ou o

faturamento; (iii) o lucro; e (iv) importação de bens ou serviços do exterior.

O referido artigo também atribuiu competência para a instituição de

contribuição dos trabalhadores, bem como sobre a receita de concursos e prognósticos

(artigo 195, II e III da Constituição150), contribuições estas das quais não vamos nos

aprofundar neste estudo, a fim de não perder o rumo da rota prescrita.

Pois bem. Relativamente à primeira hipótese, da contribuição sobre a folha

de rendimentos pagos pelo trabalho prestado por pessoa física, a União exerceu sua

competência por meio de criação das contribuições previdenciárias previstas nas Leis

nºs 8.212/1991 (contribuição previdenciária patronal), 7.787/89 e 9.732/1998 (SAT/RAT)

e 12.546/2011 (contribuição previdenciária sobre a receita bruta – CPRB), contribuições

estas que serão analisadas individualmente nos próximos dois itens e capítulo seguinte.

Por ora, merece atenção o fato de que as contribuições criadas com

fundamento no artigo 195, I, “a”, da Constituição, estão sujeitas à regra prevista no

149 “Artigo 195 - A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; (...) IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.” 150 “Artigo 195 – (...) II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; III - sobre a receita de concursos de prognósticos”.

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artigo 167, XI 151 , também da Lei Suprema, que proíbe a utilização dos recursos

arrecadados a este título para quaisquer outros gastos que não correspondam ao

pagamento de benefícios previdenciários. É justamente em face dessa destinação à

Previdência que as referidas contribuições costumam ser conhecidas como

contribuições previdenciárias patronais152.

E de acordo com o artigo 201 da Constituição:

Artigo 201 - A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; II - proteção à maternidade, especialmente à gestante; III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º.

Da análise desse dispositivo, nota-se que o Regime Geral de Previdência

Social153 foi estruturado com base na filiação obrigatória154, mediante contribuição e com

vistas a cobrir os riscos contemplados nos incisos I a V acima.

Segundo as lições de Balera (2010: p. 446):

Na conjuntura atual, ademais, a previdência social cumpre funções próprias de um autêntico sistema de seguridade social. Misturadas no bojo da lei Fundamental, há prestações que se definem como previdenciárias e outras que melhor estariam situadas na esfera assistencial. Advirta-se que, de pronto, o caput do art. 201 já faz a distinção essencial entre os dois programas de proteção social que, aparentemente, estariam misturados. A previdência social se dará mediante contribuição.

151 “Artigo 167 - São vedados: (...) XI - a utilização dos recursos provenientes das contribuições sociais de que trata o art. 195, I, a, e II, para a realização de despesas distintas do pagamento de benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201”. 152 “Patronal. Relativo ou pertinente a patrão” (SILVA, De Plácido E. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro, Forense, 2004, 24ª edição, página 1.016). 153 O Regime Geral de Previdência Social (RGPS) abrange os benefícios do regime de previdência social no âmbito privado das relações de trabalho, diferenciando-se do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), que compreende a previdência social de servidores públicos, e do Regime de Previdência Complementar, de caráter exclusivamente facultativo. 154 A Carta Magna, na verdade, além dos segurados obrigatórios, também permite a participação de pessoa física não segurada no Regime Geral de Previdência Social (segurado facultativo), desde que não esteja vinculado ao regime próprio (art. 201, § 5º). O rol e categorias dos segurados são objeto de regulamentação pelo artigo 11, da Lei nº 8.212/1991.

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Portanto, somente os segurados fazem jus a essa forma de proteção social (...) Na nomenclatura tradicional do Direito brasileiro, os sujeitos protegidos pela previdência social são os beneficiários. (...) Os beneficiários são, pois, os credores dos direitos definidos pelo art. 201 da Lei Maior. Os órgãos responsáveis pela gestão da previdência social serão os entes protetores a quem incumbe o dever jurídico de cumprir as prestações. Que riscos serão cobertos pela previdência social? Os que se veem mencionados nos cinco incisos do art. 201 (...)

Isso significa dizer que as empresas, no contexto da solidariedade na

seguridade social, estão sujeitas às contribuições previdenciárias justamente para fazer

frente aos gastos incorridos pelo Estado por ocasião dos benefícios gerados pelos

eventos cobertos pelo regime geral previdenciário.

Com fundamento no artigo 195, I, “b”, da Constituição, a União instituiu,

através da Lei Complementar nº 70/1991155, contribuição destinada ao financiamento da

seguridade social (COFINS), incidente sobre o faturamento.

Cumpre notar que, sobre o faturamento, a União, quando da edição da Lei

Complementar nº 7/1970, já havia instituído contribuição social (PIS/PASEP),

recepcionada pelo texto constitucional por força do seu 239 156 , destinada ao

financiamento do seguro-desemprego.

Considerando essa “duplicidade” de contribuições para a seguridade social

incidentes sobre o faturamento, surgiram discussões sobre a constitucionalidade da

COFINS. Isso levou à Presidência da República ajuizar Ação Direta de

Constitucionalidade (ADC 1-1/DF), julgada procedente pelo STF. Deste julgado,

merecem destaques os seguintes trechos dos votos, respectivamente, do Ministro

Relator Moreira Alves e do Ministro Ilmar Galvão:

155 “Artigo 1° - Sem prejuízo da cobrança das contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), fica instituída contribuição social para financiamento da Seguridade Social, nos termos do inciso I do art. 195 da Constituição Federal, devida pelas pessoas jurídicas inclusive as a elas equiparadas pela legislação do imposto de renda, destinadas exclusivamente às despesas com atividades-fim das áreas de saúde, previdência e assistência social.” 156 “Artigo 239 - A arrecadação decorrente das contribuições para o Programa de Integração Social, criado pela Lei Complementar nº 7, de 7 de setembro de 1970, e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, criado pela Lei Complementar nº 8, de 3 de dezembro de 1970, passa, a partir da promulgação desta Constituição, a financiar, nos termos que a lei dispuser, o programa do seguro-desemprego e o abono de que trata o § 3º deste artigo.”

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a contribuição social em causa, incidente sobre o faturamento dos empregadores, é admitida expressamente pelo inciso I do artigo 195 da Carta Magna, não se podendo pretender, portanto, que a Lei Complementar nº 70/91 tenha criado outra fonte de renda destinada a garantir a manutenção ou a expansão da seguridade social. (...) Não estando, portanto, a COFINS sujeita às proibições do inciso I do artigo 154 pela remissão que a ele faz o § 4º do artigo 195, ambos da Constituição Federal, não há que se pretender que seja ele inconstitucional por ter base de cálculo própria de impostos discriminados na Carta Magna ou igual à do PIS/PASEP (que, por força da destinação previdenciária que lhe deu o artigo 239 da Constituição, lhe atribuiu a natureza de contribuição social), nem por não atender ela eventualmente à técnica da não-cumulatividade. Ademais, no tocante ao PIS/PASEP, é a própria Constituição Federal que admite que o faturamento do empregador seja base de cálculo para essa contribuição social e outra, como, no caso, é a COFINS. a existência de duas contribuições sobre o faturamento está prevista na própria Carta (art. 195, I, e 239), motivo suficiente não apenas para que não se possa falar em inconstitucionalidade, mas também para afastar eventual ilação de que, diante da contribuição do art. 239, e da malsinada LC 70/91, incide em bis in idem , configurando cumulação, constitucionalmente proibida, de tributos.

Ressalte-se, por oportuno, que as contribuições ao PIS e COFINS, previstas

respectivamente nas Leis Complementares nºs 07/1970 e 70/1991, nasceram em

momento anterior à Emenda Constitucional nº 20/1998, a qual passou a permitir que as

contribuições mencionadas no artigo 195, I, “b”, até então restritas ao faturamento,

pudessem também incidir sobre as receitas.

Ou seja, o poder reformador ampliou a materialidade das aludidas

contribuições. Na redação originária, o Constituinte utilizou o “faturamento” como signo

integrante do aspecto material das contribuições referidas no artigo 195, I, “b”, da

Constituição. Após a Emenda Constitucional nº 20/1998, o aspecto material passou a

ser constituído da expressão “receita ou faturamento”.157

157 Redação anterior a EC nº 20/1998: “Artigo 195 . A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro”; e Redação posterior a EC nº 20/1998: “Art. 195 . A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (...) b) a receita ou o faturamento;”

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Tudo indica que a EC em questão foi publicada numa desastrosa tentativa

de constitucionalizar a majoração da base de cálculo do PIS e COFINS promovida pela

Lei nº 9.718/1998 158 . Esta lei, na verdade, foi publicada anteriormente a Emenda

Constitucional nº 20/1998 e pretendeu equiparar faturamento a receita. Em função

disso, a União passou a exigir tais contribuições não mais apenas sobre a receita de

venda de bens e serviços (faturamento em sentido técnico), mas também sobre receitas

estranhas ao faturamento, como indenizações, royalties, ganhos financeiros etc..

A equiparação de faturamento a receita pela Lei nº 9.718/98, porém, foi

declarada inconstitucional pelo STF 159 . A maioria dos ministros entendeu que, em

síntese, a norma não estaria de acordo com a redação original do artigo 195, inciso I, da

Constituição Federal, uma vez que faturamento e receita possuem conceitos distintos.

Também entenderam os Ministros que uma emenda constitucional não teria o poder de

transformar em constitucional uma lei que, antes da entrada em vigor da emenda, feria o

texto da Constituição.

Não satisfeita com a derrota, e uma vez já editada a Emenda Constitucional

nº 20/1998, a União instituiu o PIS e a COFINS sob o regime da não cumulatividade,

incidente sobre a receita bruta (e não faturamento) das pessoas jurídicas160.

Segundo a definição do direito privado, faturar representa o ato de realizar

vendas acompanhadas de fatura. Faturamento, então, corresponde ao somatório do

valor das operações negociais realizadas pelo contribuinte, isto é, a receita proveniente

apenas da venda de mercadorias ou prestação de serviços.

Receita é signo mais genérico, que, além do faturamento, significa toda

outra adição ao patrimônio da pessoa jurídica. Segundo os ensinamentos de Oliveira,

toda e qualquer receita é um plus no patrimônio da pessoa jurídica, algo a mais que se acrescenta a ele. Contudo, só é receita esse plus que se integrar em definitivo ao patrimônio da pessoa, não sujeito a condições ou eventos futuros e incertos. Este é um preceito pacífico em doutrina e

158 “Artigo 2° - As contribuições para o PIS/PASEP e a COFINS, devidas pelas pessoas jurídicas de direito privado, serão calculadas com base no seu faturamento, observadas a legislação vigente e as alterações introduzidas por esta Lei. Artigo 3º - O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica.” 159 RE 357.950-9/RS (Dj 09/11/2005). 160 Vide Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003, as quais criaram o regime não cumulativo das contribuições destinadas à seguridade social, incidentes sobre a receita bruta das empresas ali compreendidas.

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jurisprudência, e aceito pela Secretaria da Receita Federal em atos normativos. 161

Há dois elementos essenciais que caracterizam as receitas: a adição do

valor ao patrimônio de quem o recebe e o animus de “definitividade” deste ingresso.

O conceito de receita não se confunde e nem pode compreender todo o

conjunto de ingressos de caixa que venham a ocorrer no curso das atividades

desempenhadas pelas empresas, de forma que os valores monetários que "transitem"

no patrimônio das pessoas jurídicas sem, no entanto, a ele se incorporarem, por terem

destinação predeterminada, não configuram receitas.

O delicado ponto de distinção entre o que constitui receita tributável e outros

valores que, embora transitem pelo caixa da pessoa jurídica, não são considerados

receita tributável, foi assim explicitado por Geraldo Ataliba:

o conceito de receita refere-se a uma espécie de entrada. Entrada é todo dinheiro que ingressa nos cofres de determinada entidade. Nem toda entrada é receita. Receita é a entrada que passa a pertencer à entidade. Assim, só se considera receita o ingresso de dinheiro que venha a integrar o patrimônio da entidade que a recebe. (1978: p. 81)

Pois bem. Também sob a terminologia PIS/PASEP e COFINS, e visando

financiar a seguridade social, a União instituiu contribuição especial incidente sobre a

importação de bens e serviços, na forma disposta na Lei nº 10.865/2004162 e cujo

fundamento constitucional encontra-se no referido artigo 195, IV, da Constituição.

Por fim, sob o manto do artigo 195, I, “c”, da Constituição, a União criou a

contribuição para a Seguridade Social incidente sobre o lucro (CSLL) mediante edição

da Lei nº 7.689/1988163. Diversos contribuintes questionaram a constitucionalidade da

CSLL, principalmente em face dos argumentos de ausência de sua instituição por lei

complementar, caracterização de indevido bis in idem (com o imposto de renda pessoa

161 In Repertório IOB de Jurisprudência (Tributário, Constitucional e Administrativo) do ano de 1999, registro 1/14238. 162 “Artigo 1 o - Ficam instituídas a Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público incidente na Importação de Produtos Estrangeiros ou Serviços - PIS/PASEP-Importação e a Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social devida pelo Importador de Bens Estrangeiros ou Serviços do Exterior - COFINS-Importação, com base nos arts. 149, § 2o, inciso II, e 195, inciso IV, da Constituição Federal, observado o disposto no seu art. 195, § 6o.” 163 “Artigo 1º - Fica instituída contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas, destinada ao financiamento da seguridade social. Artigo 2º - A base de cálculo da contribuição é o valor do resultado do exercício, antes da provisão para o imposto de renda”.

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jurídica) e vício quanto à destinação da exação, tendo em vista o permissivo legal de

arrecadação pelo Tesouro Nacional, e não por autarquia voltada diretamente às áreas

da seguridade social.

O STF, todavia, não acatou nenhum desses argumentos, considerando

constitucional a CSLL. A ementa do julgado164 recebeu a seguinte redação:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. CONTRIBUIÇÕES INCIDENTES SOBRE O LUCRO DAS PESSOAS JURÍDICAS. Lei nº 7.689, de 15.12.88. (...) II. A contribuição da lei 7.689, de 15.12.88, é uma contribuição social instituída com base no art. 195, I, da Constituição. As contribuições do art. 195, I, II e III, da Constituição, não exigem, para a sua instituição, lei complementar. Apenas a contribuição do parág. 4º do mesmo art. 195 é que exige, para a sua instituição, lei complementar, dado que essa instituição deverá observar a técnica da competência residual da União (C.F., art. 195, parág. 4º; C.F., art. 154, I). Posto estarem sujeitas à lei complementar do art. 146, III, da Constituição, porque não são impostos, não há necessidade de que a lei complementar defina o seu fato gerador, base de cálculo e contribuintes (C.F., art. 146, III, “a”). III. Adicional ao imposto de renda: classificação desarrazoada. IV. Irrelevância do fato de a receita integrar o orçamento fiscal da União. O que importa é que ela se destina ao financiamento da seguridade social (Lei nº 7.689/88, art. 1º).

Esse julgado constitui o principal paradigma jurisprudencial sobre a

possibilidade de criação de contribuições previstas nos artigos 149 e 195, ambos da

Constituição, por lei ordinária e de caracterização de bis in idem destas contribuições

com impostos.

Cumpre ainda destacar, desse julgado, que o STF rejeitou o argumento da

parafiscalidade necessária das contribuições destinadas ao financiamento da

seguridade social, considerando a “irrelevância do fato de a receita integrar o orçamento

fiscal da União. O que importa é que ela se destina ao financiamento da seguridade

social (Lei nº 7.689/88, art. 1º)”165.

Ao comentar esse ponto do julgado em questão, Derzi (2010: p. 959)

esclarece que:

Estava assim aberto o caminho para as tredestinações e os desvios de recursos, com o total beneplácito do Supremo Tribunal Federal. Tal como

164 RE 138.284 (Dj 28/08/1992). 165 Item IV da ementa (RE 138.284-8).

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havia sido previsto por todos aqueles que conhecem a história da Previdência Social no Brasil, os desvios de recursos relativos às contribuições arrecadadas pela Receita Federal (PIS/COFINS e LUCRO) foram imediatamente registrados e se legitimaram por meio de sucessivas emendas constitucionais. Primeiro vieram aquelas que criavam os Fundos Sociais de Emergência; depois Fundos Fiscais de Emergência; e finalmente, as Desvinculações da Receita da União.

Para Coêlho (2007: p. 95), “é lamentável en passant que a União – que

jamais contribuiu para a seguridade – tenha tredestinado as receitas da seguridade aos

cofres do Tesouro, tornando-a deficitária”.

A nosso ver, a parafiscalidade nas contribuições para a seguridade social é

medida benéfica à sociedade, mas realmente não é obrigatória. Isso porque a instituição

da contribuição para a seguridade social, conforme visto, pressupõe o cumprimento da

sua destinação às áreas da saúde, previdência e assistência social, tornando-se

imprescindível a existência de previsão normativa que revele a sua causa e a sua

finalidade arrecadatória. Somente se, no plano normativo, e aí servem as normas

orçamentárias de importante instrumento de controle 166 , cessar ou desvirtuar a

finalidade da contribuição é que a sua legitimidade restaria prejudicada.

A União, ao arrecadar e/ou fiscalizar as contribuições especiais para a

seguridade social, não necessariamente deixa de dar a devida destinação. Não é

porque a União aufere os recursos provenientes de contribuições para a Seguridade

Social diretamente que tais recursos, por si só, deixam de cumprir suas finalidades

constitucionais.

Até mesmo por questões de eficiência administrativa, o artifício de

concentração da arrecadação e fiscalização na pessoa União poderia ser até benéfico,

desde que, obviamente, sejam assegurados os meios de repasse do produto gerado à

pessoa responsável por desempenhar as atividades-fim das exações.

Reconhecemos, porém, que o grande problema da concentração da função

arrecadatória das contribuições para a seguridade social nas mãos da União (e não

diretamente nas entidades parafiscais ordinariamente criadas para atender as

finalidades constitucionais) é o de que este método tanto facilita o desvio quanto dificulta

166 A propósito, o artigo 165, § 5º, III, prescreve que a lei orçamentária anual compreenderá o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.

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um controle efetivo das destinações efetuadas, ainda mais considerando, conforme

expõe Harada (2004: p. 83), que:

Lamentavelmente, entre nós, o orçamento, longe de espelhar um plano de ação governamental, referendado pela sociedade, tende mais para o campo da ficção. Tanto é assim que a União já ficou duas vezes sem orçamento aprovado, como resultado de divergências entre o Parlamento e o Executivo em torno de algumas prioridades nacionais, sem que isso tivesse afetado a rotina governamental. (...) Vige entre nós a cultura de desprezo ao orçamento, apesar de, ironicamente, existir uma parafernália de regras e normas, algumas delas de natureza penal, objetivando a fiel execução orçamentária.

A arrecadação das contribuições sociais em favor do Tesouro Nacional levou

Machado (1996: p. 95) a afirmar que:

depois da instituição das contribuições sociais sobre o faturamento, e sobre os lucros, a receita de contribuições de seguridade social, que correspondia a cerca de 34% da receita tributária da União em 1989, passou, a partir de 1990 e até 1994, a representar de 110% a 120% de toda a receita tributária da União. O aumento foi, portanto, extremamente significativo. Mas como a arrecadação continua sendo feita pelo Tesouro Nacional, e não há nenhum controle do repasse dos recursos para o INSS, o resultado é a falência da seguridade social. É curioso observar que em todos os pronunciamentos de autoridades ligadas à Previdência Social, fala-se da inadequada relação atuarial. Apenas dois trabalhadores em atividade para cada segurado do INSS aposentado. E o argumento tem sido aceito, pois as pessoas de um modo geral não perceberam que a partir da Constituição de 1988 essa relação atual perdeu relevo. Hoje as principais receitas da seguridade social são contribuições sobre o faturamento, e sobre o lucro das empresas, de sorte que já não tem importância o número dos trabalhadores em atividade. Importa, isto sim, o faturamento e o lucro. A solução para a crise financeira da Previdência, e da Seguridade em Geral, é simples: basta que a União lhe entregue as contribuições que em seu nome vem arrecadando. Mesmo assim, o governo, por motivos óbvios, e tendo em vista o desconhecimento do assunto pelo público em geral, tem preferido optar pela instituição de outras fontes de receita para a seguridade.

Em vista dessa problemática, não nos parece conveniente e transparente a

concentração da arrecadação das contribuições especiais que financiam a seguridade

social por parte da União.

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Isso, no entanto, não nos permite afirmar que a parafiscalidade seria um

requisito constitucional necessário para as contribuições especiais para a seguridade

social. Pelo contrário, a União, sob a égide do sistema positivado no ordenamento

jurídico, ao receber competência tributária no que diz respeito à instituição dessas

contribuições, é legítima para fiscalizá-las e arrecadá-las.

No âmbito previdenciário, até 1998, as receitas e as despesas do Regime

Geral de Previdência Social foram administradas e arrecadadas exclusivamente pelo

Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)167. Com o advento da Medida Provisória

1.782/1998168, as receitas previdenciárias passaram a ingressar diretamente na conta

única do Tesouro Nacional, restando ao INSS apenas a gestão dos recursos.

Posteriormente, em 2007, como resultado da fusão entre a Secretaria da

Receita Federal e a Secretaria da Receita Previdenciária, foi criada a Receita Federal

do Brasil (conhecida como Super Receita), órgão que passou a ser responsável por

“planejar, executar, acompanhar e avaliar as atividades relativas a tributação,

fiscalização, arrecadação, cobrança e recolhimento das contribuições sociais previstas

nas alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 da Lei no 8.212, de 24 de julho de

1991, e das contribuições instituídas a título de substituição.”169

No que diz respeito ao produto arrecadado com as contribuições

previdenciárias, ao menos a lei em questão, na linha do que determina a Constituição,

prescreve que deverá ser destinado, “ em caráter exclusivo, ao pagamento de benefícios

do Regime Geral de Previdência Social” (artigo 2º, § 1º, da Lei nº 11.457/2007).

Com efeito, conforme quadro a seguir, as estatísticas da Receita Federal do

Brasil sobre o desempenho da arrecadação das receitas administradas em 2013

demonstram que:

167 Atualmente cabe ao INSS, autarquia federal vinculada ao Ministério da Previdência Social, promover o reconhecimento de direito ao recebimento de benefícios administrados pela Previdência Social, assegurando agilidade, comodidade aos seus usuários e ampliação do controle social (cf. artigo 1º, do Anexo I, do Decreto nº 7.556/2011). 168 “Artigo 1 o - Os recursos financeiros de todas as fontes de receitas da União e de suas autarquias e fundações públicas, inclusive fundos por elas administrados, serão depositados e movimentados exclusivamente por intermédio dos mecanismos da conta única do Tesouro Nacional, na forma regulamentada pelo Poder Executivo”. 169 Conforme artigo 2º, da Lei nº 11.457/2007.

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178

Desempenho da Arrecadação das Receitas Administradas pela RFB

Período: Janeiro a Dezembro – 2013/2012

(A preços de dezembro/13 – Ipca)UNIDADE: R$ MILHÕES

[A]-[B] [A]/[B]%

COFINS / PIS-PASEP 259.680 240.380 19.300 8,03 40,90

IRPJ /CSLL 197.165 181.781 15.384 8,46 32,60

RECEITA PREVIDENCIÁRIA 340.174 329.017 11.157 3,39 23,64

I. IMPORTAÇÃO / IPI-VINCULADO 53.737 51.288 2.449 4,78 5,19

IRRF-RENDIMENTOS DO TRABALHO 80.902 81.889 (987) (1,20) (2,09)

CIDE-COMBUSTÍVEIS 35 3.018 (2.982) (98,84) (6,32)

IOF 30.175 33.559 (3.385) (10,09) (7,17)

DEMAIS RECEITAS ADMINISTRADAS 166.392 160.140 6.252 3,90 13,25

RECEITA ADMINISTRADA PELA RFB 1.128.261 1.081.073 47.188 4,36 100,00

RECEITASJAN-DEZ/13

[A]

JAN-DEZ/12

[B]

DIFERENÇAS PART. % NA

VARIAÇÃO

TOTAL

10

Fonte: Receita Federal do Brasil170

Nota-se que a “receita previdenciária” (destinada ao regime geral da

previdência social) é a maior fonte de renda tributária, se considerada individualmente,

correspondendo, no ano de 2013, a 30,15% (340.174/1.128.261) do valor total

arrecadado.

A própria Receita Federal, aliás, conforme aponta o quadro, exclui as

receitas obtidas por meio da COFINS, PIS-PASEP e CSLL da rubrica “receitas

previdenciárias”. Entretanto, uma vez considerado que a CSLL representa 26% do item

“IRPJ/CSLL”, é possível constatar que o resultado total que ingressou no caixa da União

a título de contribuições para a seguridade social monta R$ 652.044.000.000,00

(seiscentos e cinquenta e dois bilhões, e quarenta e quatro milhões de reais), que

equivale a 57,79% do total arrecadado pela RFB no ano de 2013.

O que também queremos enfatizar com esses dados numéricos é que a

União exerceu de forma plena sua competência no que diz respeito às contribuições

previstas no artigo 195 da Constituição, praticamente esgotando todas as hipóteses de

170

Disponível em: http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/arre/2013/ApresentacaoDez13.ppt. Acesso em 10/11/2014.

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materialidade ali previstas. Os dados estatísticos resumidos no quadro em questão são

reflexos disso e demonstram a “força” que as contribuições especiais para a seguridade

social representa no caixa do Governo e, consequentemente, no “bolso” dos

contribuintes. É imperioso, portanto, em face dessa “mina de ouro” da União, que o

Poder Judiciário exerça um controle bem rigoroso quanto à constitucionalidade de

exações criadas sob o rótulo de “contribuição”.

V.III. A Contribuição Previdenciária Patronal Previ sta Originariamente na Constituição Federal

As contribuições previdenciárias foram previstas originariamente no artigo

195 da Constituição, o qual nasceu com apenas dois incisos, verbis:

Artigo 195 - A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro; II - dos trabalhadores;

Para o presente estudo, voltamos nossa atenção para a contribuição

previdenciária patronal, isto é, dos empregadores, incidente sobre a folha de salários.

E tomando como referência essa disposição, já é possível identificar todos

os critérios originários da regra matriz de incidência da contribuição previdenciária

patronal. São eles: (i) critério material: pagar ou creditar salários; (ii) critério temporal:

momento do pagamento ou crédito de verbas salariais; (iii) critério espacial: território

nacional; (iv) critério pessoal: sujeito ativo: União Federal; e sujeito passivo:

empregador; e (v) critério quantitativo, composto pela (v.i) base de cálculo,

correspondente ao valor da folha de salários e (v.ii) pela alíquota, conforme dispuser a

lei.

A utilização do signo “empregador” e da expressão “folha de salários” pelo

Constituinte são mais do que suficientes para construir a norma jurídica de incidência da

contribuição patronal originária. Conforme lições empregadas pelo próprio STF171:

171 RE 166.772/RS, STF, Tribunal Pleno, Relator Min. Marco Aurélio, DOU 16/12/1994.

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O conteúdo político de uma Constituição não é conducente ao desprezo do sentido vernacular das palavras, muito menos ao do técnico, considerados institutos consagrados pelo Direito. Toda ciência pressupõe a adoção de escorreita linguagem, possuindo os institutos, as expressões e os vocábulos que a revelam conceito estabelecido com a passagem do tempo, quer por força de estudos acadêmicos quer, no caso do Direito, pela atuação dos Pretórios.

Não custa lembrar, ademais, da previsão do artigo 110 do Código Tributário

Nacional, que prescreve que

a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

Ao comentar a disposição do artigo 110 do CTN, Costa (2007: p. 50) aponta

que:

No entanto, cremos seja necessário advertir-se que no Brasil esse entendimento se impõe independentemente dessa disposição legal, em razão da hierarquia normativa, porquanto as regras-matrizes de incidência tributária estão contempladas na Constituição. Desse modo, a Lei Maior, que emprega com frequência conceitos de direito privado na previsão das regras-matrizes de incidência – bens móveis, imóveis, mercadoria, propriedade, patrimônio, renda, serviço, salário, empresa etc. -, ao fazê-lo, já define –e, portanto, limita – o campo de atuação da lei tributária. Tais conceitos são, em consequência, utilizados com a significação que lhes é própria no direito privado.

Isso significa dizer que, quando o constituinte originário elegeu o

empregador como sujeito passivo da contribuição previdenciária patronal, indicando

como a materialidade a folha de salário, ele nada mais fez do que colocar

exclusivamente a relação de emprego como único elemento da classe passível de

tributação por tal exação.

De acordo com os artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho172:

Artigo 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

172 Aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452/1943.

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§ 1º - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados. (...) Artigo 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

Com base no artigo 3º da CLT, então, verifica-se que, para caracterização

da relação de emprego, mister se faz a conjugação dos seguintes elementos: (i)

pessoalidade; (ii) não eventualidade na prestação dos serviços; (iii) dependência

hierárquica, resultante da subordinação jurídica do prestador pessoa física ao

empregador; e (iv) onerosidade.

Na ausência de qualquer um desses elementos, conforme leciona Sussekind

(1964: p. 91), “o contrato não será de trabalho subordinado; como corolário, os serviços

acaso executados poderão concernir, genericamente, a um trabalhador, mas não,

especificamente, a um empregado”.

Para Martins, S. (2013: pp. 94, 146, 206, 210):

No exame de nossa legislação, será encontrada tanto a expressão contrato de trabalho como relação de emprego. O termo mais correto a ser utilizado deveria ser contrato de emprego e relação de emprego, porque não será tratada da relação de qualquer trabalhador, mas do pacto entre o empregador e o empregado, do trabalho subordinado. Para a relação entre empregado e empregador, deve-se falar em contrato de emprego. (...) Relação de trabalho é gênero, que compreende o trabalho autônomo, eventual, avulso etc. Relação de emprego trata do trabalho subordinado do empregado em relação ao empregador. A CLT disciplina a relação de empregados. A Justiça do Trabalho, de modo geral, julga questões de empregados. (...) O empregado é sujeito da relação de emprego e não objeto. Da definição de empregado é preciso analisar cinco requisitos: (a) pessoa física; (b) não eventualidade na prestação de serviços; (c) dependência; (d) pagamento de salário; (e) prestação pessoal de serviços. (...) Na prática, costuma-se chamar o empregador de patrão, empresário, dador do trabalho. (...) O empregador admite o empregado, contrata-o para a prestação de serviços, pagando salários, ou seja, remunerando-o pelo trabalho prestado. Admitir do Latim admitio (ad + mitio, misi, missum), significa dar acesso, acolher, deixar entrar. O empregador admite, acolhe o empregado na empresa, dá acesso a ele na empresa. Há a direção do empregador em relação ao empregado, decorrente do poder de comando do primeiro, estabelecendo, inclusive, normas

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disciplinares no âmbito da empresa. O empregador dirige a atividade da pessoa e não a pessoa. Do contrário, o trabalhador seria escravo.

Uma relação de emprego, portanto, constitui uma espécie de contrato

laboral. É bilateral e oneroso, afinal é celebrado, de forma expressa ou tácita, entre

empregador e empregado, envolvendo prestações e contraprestações recíprocas entre

essas partes.

Uma vez firmada a relação de emprego, o empregador, além de vincular-se

com o empregado, também vincula-se com a União, no que diz respeito à contribuição

previdenciária patronal. Como observou Balera (1992: pp. 316, 317):

Quem é o empregador? Qualquer pessoa, natural ou jurídica que admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. A Constituição em vigor utiliza as expressões empresa e empregador para referir-se a essa figura jurídica. Existe vínculo jurídico a ligar o empregador e o Poder Público na esfera da seguridade social. Tal vínculo não se confunde com o que conexiona o empregador e o trabalhador que lhe presta serviços. Esta segunda relação jurídica se situa na órbita privada enquanto que a primeira, imposta pela Lei das Leis, é relação jurídica tributária.

Como contrapartida do labor do trabalhador, exercido na forma prescrita pela

CLT, o empregador possui o dever de pagar-lhe salário, ou seja, remunerar o trabalho

prestado ou colocado à sua disposição, numa relação de emprego.

Nas palavras de Godinho (200: p. 299),

no plano objetivo, a onerosidade manifesta-se pelo pagamento, pelo empregador, de parcelas dirigidas a remunerar o empregado em função do contrato empregatício pactuado. Tais parcelas formam o complexo salarial (José Martins Catharino), constituído de distintas verbas marcadas pela mesma natureza jurídica.

Sobre a relação dos signos “salário” e “remuneração”, Martins (2013: pp.

241, 242) esclarece:

Remuneração vem de remuneratio, do verbo remunerar. A palavra é composta de re, que tem o sentido de reciprocidade, e muneror, que indica recompensar. Salário deriva do latim salarium. Esta palavra vem de sal, do latim salis; do grego, hals. Sal era a forma de pagamento das legiões romanas;

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posteriormente, foram sendo empregados outros meios de pagamento de salários, como óleo, animais, alimentos etc. (...) O art. 457 da CLT usa o termo remuneração, que se constitui num conjunto de vantagens, compreendendo o valor pago diretamente pelo empregador ao empregado, que é o salário, como o pagamento feito por terceiros, que corresponde às gorjetas. (...) Assim, a remuneração é o conjunto de pagamentos provenientes do empregador ou de terceiro em decorrência da prestação de serviços subordinados.

Bem disse o Ministro Sepúlveda Pertence173, ao examinar o conceito de

salário, que a Constituição “claramente vincula noção de salário à remuneração de

quem é empregado”.

Nesse mesmo sentido caminhou o Ministro Carlos Velloso174, por ocasião de

outro julgado: “Salário é espécie do gênero remuneração. (...), a Constituição manda

que a contribuição incida sobre a remuneração, que é o conjunto do que é percebido

pelo empregado, o salário e outros ganhos”.

Ora, em se tratando de relação empregatícia (que, repita-se, pressupõe uma

relação de emprego entre a fonte pagadora (empregador) e o beneficiário (empregado),

sujeita às disposições da CLT), o principal item componente da remuneração do

trabalhador é o salário175.

Nos termos dos artigo 457 e 458 da CLT 176 , compreendem-se na

remuneração do empregado, além do salário, as gorjetas que receber, as comissões,

percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagens, abonos concedidos pelo

empregador, alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações in natura que a

empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado.

173 RE 166.772/RS (Dj. 16/12/1994. Fl. 750). 174 RE 343.446/SC. (Dj 04/04/2003. Fls. 1401/1402). 175 Segundo o artigo 463 da CLT e seu parágrafo único, “a prestação, em espécie, do salário será paga em moeda corrente do País. O pagamento do salário realizado com inobservância deste artigo considera-se como não feito”. 176 “Artigo 457 - Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber. § 1º - Integram o salário não só a importância fixa estipulada, como também as comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagens e abonos pagos pelo empregador. (...) Artigo 458 - Além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações "in natura" que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado. Em caso algum será permitido o pagamento com bebidas alcoólicas ou drogas nocivas.”

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A habitualidade, como se percebe, é um dado importante para fins de definir

se determinado ganho proveniente do trabalho deve ou não integrar o conceito de

remuneração ou salário. Tanto é assim que o artigo 201, § 11, da Constituição Federal,

determina que “os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão

incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente

repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei ganhos habituais do empregado

devem ser incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária”

O conceito de habitualidade, no entanto, além de não possuir previsão em

lei, constitui mais um exemplo de palavra vaga.

Segundo Martines (2003: p. 316):

A habitualidade comparece como exigência dos costumes. Com o decurso do tempo o trabalhador conta com os rendimentos e o seu nível, e com isso acaba por estabelecer o seu degrau social. Por esse motivo, parcelas eventuais, como as gratificações não ajustadas, não devem integrar o salário-de-contribuição. Evidentemente, a frequência há de ser referida aos intervalos de tempos habituais. Pode ser semanal, quinzenal, e costuma ser mensal, aceitando-se, no extremo, a anual. Inaceitável um período maior. (...) Questão interessante é saber se a frequência há de ser estabelecida entre o empregado e o empregador, ou entre o trabalhador e as empresas. A relação, como quase sempre no direito laboral e previdenciário, é intuitu personae, interessa à pessoa e não ao empregador em si considerado.

Ora, habitual é aquilo que é feito com um certo costume, de forma repetida

em dado intervalo temporal. Considera-se, assim, um ganho habitual como uma

vantagem proporcionada pelo empregador ao empregado que possui constância.

Do ponto de vista jurisprudencial, o STF firmou entendimento de que as

gratificações natalinas (“décimo terceiro salário”) são habituais, devendo integrar o

salário177.

Segundo nosso ponto de vista, a habitualidade deve ser aferida de acordo

com cada caso concreto, sendo imprescindível conhecer a relação de trabalho que foi

celebrada entre empresa e trabalhador, assim como as peculiaridades da concessão de

dada vantagem. Uma vez caracterizada que a verba é paga de forma habitual, ela deve

compor a base de cálculo previdenciária. Caso contrário, caracterizada a eventualidade

do ganho, não há que se falar de integração à remuneração em sentido técnico.

177 “AS GRATIFICAÇÕES HABITUAIS, INCLUSIVE A DE NATAL, CONSIDERAM-SE TACITAMENTE CONVENCIONADAS, INTEGRANDO O SALÁRIO” (STF, Sumula 207).

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De qualquer forma, o fato é que, quando a Constituição traçou os nortes da

contribuição previdenciária patronal, ela usou os signos “empregador” e “folha de

salários”. Ao assim proceder, o legislador infraconstitucional se viu limitado a tributar

apenas as remunerações (composta pelo salário e ganhos habituais) devidas pelo

empregador ao empregado, como contrapartida do serviço prestado sob a égide de uma

relação de emprego, e nada mais!

Nesse contexto, e ainda sob a égide do texto original do artigo 195, I, da

Constituição, a União editou a Lei nº 7.787/1989178 que, além de instituir a contribuição

previdenciária patronal a cargo dos empregadores em relação às remunerações pagas

aos empregados, também pretendeu tributar os pagamentos feitos pelas empresas a

administradores e autônomos (ou seja, pessoas físicas não empregadas).

Tal pretensão, contudo, foi declarada inconstitucional pelo STF179. De acordo

com o voto do Relator. I. Ministro Marco Aurélio:

Sempre soube dedicada a expressão “empregadores” para qualificar aqueles que mantêm, com prestadores de serviços, relação jurídica regida pela Consolidação das Leis do Trabalho (...) Não estão abrangidos na definição de empregado os próprios administradores da pessoa jurídica que toma os serviços e aqueles que lhe prestam estes últimos com autonomia, porquanto, segundo o artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, empregado é toda pessoa natural que preste serviço de natureza não eventual a empregador, sob dependência deste e mediante salário. (...) Com a lei que se pretende alvejada, por inconstitucional, criou-se uma nova fonte de custeio da seguridade social, diversa da imposta pelo inciso I do artigo 195 da Constituição Federal, porque estranha à figura do empregador e à noção incontroversa do instituto, que é o salário.

Tal entendimento ratifica o que buscamos demonstrar: que a materialidade

da contribuição previdenciária patronal, com base no texto originário da Constituição

Federal, consiste no ato do empregador remunerar o serviço prestado ou colocado à

disposição pelo empregado. Pagamentos feitos por empresas por serviços tomados de

pessoas físicas, fora de uma relação de emprego, constituem hipóteses de não

incidência da contribuição previdenciária patronal.

178 “Artigo 3º - A contribuição das empresas em geral e das entidades ou órgãos a ela equiparados, destinada à Previdência Social, incidente sobre a folha de salários, será: I - de 20% sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados empregados, avulsos, autônomos e administradores.” 179 RE 166.772/RS (Dj. 16/12/1994).

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V.IV. A Reforma Constitucional da Contribuição Prev idenciária Patronal pela Emenda Constitucional nº 20/1998

Após o desfecho desfavorável às pretensões fazendárias no que diz respeito

à tributação previdenciária patronal em relação ao pagamento por serviços tomados de

pessoas físicas não empregadas, prevista na Lei (ordinária) nº 7.787/1989, a União

editou a Lei Complementar nº 84/1996 180 , lei esta que instituiu contribuição

previdenciária a cargo das empresas, de 15% sobre remunerações pagas por serviços

tomados de pessoas físicas sem vínculo empregatício.

Também a legitimidade dessa exação foi objeto de disputa judicial, sendo

que o STF181 julgou constitucional a referida contribuição, sob o entendimento de que

ela seria resultado do exercício legítimo da competência residual da União.

A edição da lei complementar em questão, ressalte-se, ocorreu na mesma

época em que houve proposta de emenda à constituição no que diz respeito ao sistema

de previdência social. Tramitado o feito, sobreveio a Emenda Constitucional nº 20/1998,

que, dentre outras, alterou a disposição relativa à contribuição previdenciária patronal,

que passou a possuir a seguinte redação:

Artigo 195 - A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

Com o advento da EC 20/1998, portanto, a competência da União para

instituir contribuição previdenciária patronal foi ampliada. Mais precisamente, tal exação

passou a ser passível de cobrança, além do empregador, da empresa e da entidade a

180“Artigo 1º - Para a manutenção da Seguridade Social, ficam instituídas as seguintes contribuições sociais: I - a cargo das empresas e pessoas jurídicas, inclusive cooperativas, no valor de quinze por cento do total das remunerações ou retribuições por elas pagas ou creditadas no decorrer do mês, pelos serviços que lhes prestem, sem vínculo empregatício, os segurados empresários, trabalhadores autônomos, avulsos e demais pessoas físicas.” 181 “CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS: EMPRESÁRIOS. AUTÔNOMOS e AVULSOS. Lei Complementar nº 84, de 18.01.96: CONSTITUCIONALIDADE. I. - Contribuição social instituída pela Lei Complementar nº 84, de 1996: constitucionalidade. II. - R.E. não conhecido”. (RE 228.321-0/RS. Dj 30/05/2003).

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ela equiparada na forma da lei, incidente, além da folha de pagamento, sobre demais

rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe

preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício.

Essa Emenda é constitucional? Para responder esta pergunta, é necessário

confrontá-la com as regras limitadoras do poder reformador traçadas anteriormente. E

uma vez feito isso, a nosso ver tal Emenda Constitucional é legítima, por não ter violado

nenhuma cláusula pétrea.

Segundo pensamos, a ampliação da sujeição passiva e materialidade da

contribuição previdenciária patronal introduzida pela EC nº 20/1998 é constitucional

porque: (i) não desrespeitou nenhum princípio constitucional tributário; (ii) não restringiu

ou revogou hipótese de imunidade; (iii) não invadiu competência de ente político alheio;

e (iv) respeitou os limites materiais da competência residual da União.

Com efeito, a própria União já detinha a competência residual para criar

contribuição para a seguridade social sobre pagamentos remuneratórios de serviços

prestados por pessoa física fora do regime da CLT, não houve tentativa de bitributação,

bis in idem ou desrespeito à Federação; inaplicável o regime não cumulativo na

sistemática de tributação da contribuição previdenciária patronal, por não se tratar de

tributo plurifásico; e respeitada a formalidade, afinal a edição de emenda constitucional

exige quórum mais representativo do que lei complementar.

Mais ainda, na nossa visão, tal Emenda até mesmo efetivou o próprio

princípio da isonomia e equidade na forma de participação no custeio do regime geral

previdenciário. Não há, a nosso ver, discriminação lógica para tributar somente as

“verbas salariais” e não tributar outras espécies de remunerações por trabalhos

prestados por pessoas físicas sob outro regime.

Essa ampliação dos sujeitos passivos (contratantes de trabalhadores em

geral, e não necessariamente empregadores) e da materialidade (folha de salário de

empregados para folha de pagamento de qualquer remuneração por trabalho contratado

de pessoa física) revela o próprio dinamismo do direito, que acabou adequando a regra

tributária em comento aos demais tipos de contratos de trabalho.

Tomando, então, como referência a redação atual do artigo art. 195, I, “a”,

da Constituição (promovida pela EC nº 20/1998), a regra matriz de incidência da

contribuição previdenciária patronal pode ser assim resumida: (i) critério material: pagar

ou creditar remunerações por serviços prestados por pessoas físicas (empregados ou

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não empregados); (ii) critério espacial: território nacional; (iii) critério temporal: momento

do pagamento ou do crédito da remuneração pelo trabalho; (iv) critério pessoal: sujeito

ativo, União Federal; e sujeito passivo: empregador, empresa ou entidade a ela

equiparada na forma da lei; e (v) critério quantitativo, composto da (v.i) base de cálculo:

valor da remuneração paga ou creditada às pessoas físicas prestadoras de serviços; e

(v.ii) alíquota: percentual estabelecido em lei.

A relação jurídica existente no âmbito da prestação de determinado serviço

por pessoa física, sem vínculo de emprego, aliás, também possui natureza contratual

bilateral e onerosa, sendo esta última verificada pelo direito do prestador de receber a

remuneração estabelecida como contrapartida do esforço (trabalho) tendente a produzir

determinada utilidade ao contratante. É justamente essa, ou seja, o preço do serviço, a

remuneração pelo trabalho da pessoa física sem vínculo empregatício.

Para Barreto, A. (1999: p. 580), o serviço consiste na “prestação de esforço

humano a terceiros, com conteúdo econômico, em caráter negocial, sob regime de

direito privado, tendente à obtenção de um bem material ou imaterial”.

O contrato de prestação de serviços stricto sensu foi definido por Gomes

(2007: p. 354) como aquele

mediante o qual uma pessoa se obriga a prestar um serviço a outra, eventualmente, em troca de determinada remuneração, executando-o com independência técnica e sem subordinação hierárquica. A parte que presta o serviço estipulado não o executa sob a direção de quem se obriga a remunerá-lo e utiliza os métodos e processos que julga convenientes, traçando, ela própria, a orientação técnica a seguir, e assim exercendo sua atividade profissional com liberalidade.

O signo remuneração, contudo, compreende as verbas salariais, que

representam os valores pagos e devidos pelos empregadores aos empregados, bem

como os preços dos serviços tomados das empresas de prestadores pessoas físicas

não empregadas. A somatória destes dois grupos compõe a folha de pagamentos,

expressão esta que representa a base de cálculo da contribuição previdenciária

patronal182.

182 Folha de pagamento é o documento que as empresas devem preparar, no qual devem ser discriminados todos os valores pagos por serviços tomados de pessoas físicas. Segundo o artigo 225, I, do Decreto nº 3.048/1999, “a empresa é também obrigada a preparar folha de pagamento da remuneração paga, devida ou creditada a todos os segurados a seu serviço, devendo manter, em cada estabelecimento, uma via da respectiva folha e recibos de pagamentos.”

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V.V. A Contribuição Previdenciária Patronal na Lei nº 8.212/1991

No plano infraconstitucional, a União exerceu a competência outorgada pelo

artigo 195, I, “a”, da Constituição por meio da Lei nº 8.212/1991, lei esta que, dentre

outras providências, pretendeu inserir o Plano de Custeio da Seguridade Social.

Paralelamente, a União também editou a Lei nº 8.213/1991, dispondo sobre

os planos de benefícios do regime geral previdenciário. Logo no artigo primeiro desta lei,

foi prescrito que “a Previdência Social, mediante contribuição, tem por fim assegurar aos

seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade,

desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e

prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente”.

Mais adiante, o artigo 18 da Lei nº 8.213/1991 listou as prestações

contempladas no regime geral de previdência social, a saber:

Artigo18 - O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho, expressas em benefícios e serviços: I - quanto ao segurado: a) aposentadoria por invalidez; b) aposentadoria por idade; c) aposentadoria por tempo de contribuição; d) aposentadoria especial; e) auxílio-doença; f) salário-família; g) salário-maternidade; h) auxílio-acidente; i) abono de permanência em serviço; II - quanto ao dependente: a) pensão por morte; b) auxílio-reclusão; III - quanto ao segurado e dependente: a) Revogado b) serviço social; c) reabilitação profissional.

E como forma de financiar as prestações estatais em questão, o artigo 22, I

e III, da Lei nº 8.212/1991, instituíram a contribuição previdenciária patronal da seguinte

forma:

Artigo 22 - A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:

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I - vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa. (...) III - vinte por cento sobre o total das remunerações pagas ou creditadas a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados contribuintes individuais que lhe prestem serviços;

O inciso I em questão, na verdade, buscou tributar as verbas salariais, isto é,

os pagamentos feitos em função da relação de emprego. Já o inciso III exige a

contribuição previdenciária patronal sobre os pagamentos por serviços tomados das

empresas de pessoas físicas não empregadas. A Lei nº 8.212/1991, nesse ponto, então,

está compatível com o texto constitucional (artigo 195, I, “a”), afinal, tais dispositivos

respeitaram as materialidades traçadas na Carta de 1988.

Mais precisamente, a referida lei exige que as empresas recolham, para

financiamento do regime geral previdenciário, contribuição de 20% sobre o total mensal

da sua folha de pagamento.

Particularmente, entendemos que a alíquota de 20% prevista pelo Legislador

é de certo modo razoável e atende aos ideais de solidariedade do custeio

previdenciário. Ao remunerar o trabalho contratado de pessoa física, a empresa acaba

suportando ônus destinado às garantias contra os riscos a que estão sujeitos os

próprios trabalhadores cobertos pelo regime previdenciário.

O artigo 22, § 1º, da Lei nº 8.212/1991183, determina contribuição adicional

de 2,5% exclusivamente para instituições financeiras, o que faz com que essas

empresas se sujeitem ao percentual de 22,5% (e não 20% como as demais). Esta

183 “No caso de bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de crédito, empresas de seguros privados e de capitalização, agentes autônomos de seguros privados e de crédito e entidades de previdência privada abertas e fechadas, além das contribuições referidas neste artigo e no art. 23, é devida a contribuição adicional de dois vírgula cinco por cento sobre a base de cálculo definida nos incisos I e III deste artigo.”

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disposição legal foi inserida pela Lei nº 9.876/1999 184 , publicada após a Emenda

Constitucional nº 20/1998185.

Do ponto de vista jurisprudencial, o STF, num primeiro lance de olhar, não

vislumbrou violação ao princípio da isonomia a cobrança de adicional de 2,5% da

contribuição previdenciária patronal incidente sobre a folha de pagamento apenas das

instituições financeiras, por entender que o parágrafo nono em questão teria incluído

uma espécie de exceção à igualdade. Veja-se o teor da ementa do julgado em

comento186:

PROCESSO CIVIL. MEDIDA CAUTELAR. EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE A FOLHA DE SALÁRI OS. ADICIONAL. § 1º DO ART. 22 DA LEI Nº 8.212/91. A sobrecarga imposta aos bancos comerciais e às entidades financeiras, no tocante à contribuição previdenciária sobre a folha de salários, não fere, à primeira vista, o princípio da isonomia, ante a expressa previsão constitucional (Emenda Constitucional nº 1/94 e Emenda Constitucional nº 20/98, que inseriu o § 9º no art. 195 do Texto permanente). Liminar que se nega referendo. Processo extinto.

Apesar de não se cuidar de julgamento de mérito187, esse precedente já

sinaliza que o Poder Judiciário está tendencioso a adotar o entendimento de que a lei

poderia impor, para as contribuições destinadas à seguridade social, tratamento

diferente em função da atividade econômica do contribuinte.

Discordamos de uma interpretação nesse sentido. Pensamos que o

parágrafo nono, inserido por Emenda Constitucional, não poderia ter veiculado nenhuma

exceção à igualdade, tendo em vista que o princípio da isonomia é cláusula pétrea e,

portanto, imodificável.

O tratamento diferenciado em questão apenas seria constitucional se (i) as

instituições financeiras possuíssem relação de pertinência com a finalidade da

contribuição maior que os demais contribuintes, sendo que, no âmbito do custeio da 184 Ressalte-se que o artigo 2º, da Lei Complementar nº 84/1996, já havia instituído adicional de 2,5% em relação à contribuição previdenciária das instituições financeiras, incidentes sobre a contratação de trabalhadores sem vínculo de emprego. 185 A EC 20/1998, dentre outras disposições, incluiu o parágrafo nono no artigo 195 da Constituição, que passou a prever que “as contribuições sociais previstas no inciso I deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica ou da utilização intensiva de mão-de-obra”. 186 MC (Medida Cautelar) 1.109-4/SP (Dj 19/10/2007). 187 A matéria deverá ser novamente analisada pelo STF por ocasião do julgamento do RE 598.572-5, cuja repercussão geral já foi reconhecida.

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previdência, este grau de pertinência gira em torno dos riscos para ocorrência dos

eventos cobertos na lei de benefícios; e/ou (ii) se o fator de discrímen – atividade

econômica – revelasse capacidade contributiva distinta.

No entanto, a atividade econômica financeira não possui qualquer reflexo

nos riscos cobertos pelo regime previdenciário, bem como não indica maior capacidade

contributiva se comparada a empresas de outros setores, razão pela qual quer nos

parecer inconstitucional o adicional de 2,5% na contribuição previdenciária das

instituições financeiras.

Para MARTINS, I. (2000: p. 121),

é juridicamente impossível a aplicação de alíquotas diferenciadas para diferentes setores da atividade econômica em situações iguais, pois é evidente que a diferença de setor não representa por si mesma, diferença de capacidade econômica. A discriminação de alíquotas, no caso arbitrária, decorre de critério subalterno e é, portanto, inconstitucional.

Nesse sentido leciona Botallo (1996: pp. 16, 17):

De nenhum modo pode ser sustentada a tese de que serviços prestados a “instituições financeiras” resultam na necessidade de maior participação destas no custeio para a manutenção da seguridade social em razão de causas ínsitas às, ou próprias das atividades que exercem. Também, de nenhum modo pode ser sustentada a tese de que a remuneração desses serviços pelas mesmas “instituições” repercutem diferenciadamente, pelas causas apontadas, no referido custeio. A discriminação instituída pela Lei Complementar 84/96, portanto, não se cercou de lógica nem racionalidade constitucional. Teve, ao revés, propósitos assumidamente arrecadatórios, com o que não se compraz a “limitação do poder de tributar” consistente na vedação ao estabelecimento de tratamento desigual em razão da atividade exercida pelo sujeito passivo.

Registrado nosso entendimento contrário à constitucionalidade de cobrança

de contribuição previdenciária patronal adicional de instituições financeiras, e

considerando que esse assunto será novamente abordado mais adiante, vamos

prosseguir com a análise do artigo 22, da Lei nº 8.212/1991, agora no que concerne à

previsão contida no seu parágrafo segundo, de que “não integram a remuneração as

parcelas de que trata o § 9º do art. 28.”

O artigo 28, na verdade, tratou do salário de contribuição, da seguinte forma:

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Artigo 28 - Entende-se por salário-de-contribuição: I - para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa; II - para o empregado doméstico: a remuneração registrada na Carteira de Trabalho e Previdência Social, observadas as normas a serem estabelecidas em regulamento para comprovação do vínculo empregatício e do valor da remuneração; III - para o contribuinte individual: a remuneração auferida em uma ou mais empresas ou pelo exercício de sua atividade por conta própria, durante o mês, observado o limite máximo a que se refere o § 5o; IV - para o segurado facultativo: o valor por ele declarado, observado o limite máximo a que se refere o § 5o. § 1º Quando a admissão, a dispensa, o afastamento ou a falta do empregado ocorrer no curso do mês, o salário-de-contribuição será proporcional ao número de dias de trabalho efetivo, na forma estabelecida em regulamento. § 2º O salário-maternidade é considerado salário-de-contribuição. § 3º O limite mínimo do salário-de-contribuição corresponde ao piso salarial, legal ou normativo, da categoria ou, inexistindo este, ao salário mínimo, tomado no seu valor mensal, diário ou horário, conforme o ajustado e o tempo de trabalho efetivo durante o mês. § 4º O limite mínimo do salário-de-contribuição do menor aprendiz corresponde à sua remuneração mínima definida em lei. § 5º O limite máximo do salário-de-contribuição é de Cr$ 170.000,00 (cento e setenta mil cruzeiros), reajustado a partir da data da entrada em vigor desta Lei, na mesma época e com os mesmos índices que os do reajustamento dos benefícios de prestação continuada da Previdência Social. 12 § 6º No prazo de 180 (cento e oitenta) dias, a contar da data de publicação desta Lei, o Poder Executivo encaminhará ao Congresso Nacional projeto de lei estabelecendo a previdência complementar, pública e privada, em especial para os que possam contribuir acima do limite máximo estipulado no parágrafo anterior deste artigo. § 7º O décimo-terceiro salário (gratificação natalina) integra o salário-de-contribuição, exceto para o cálculo de benefício, na forma estabelecida em regulamento. § 8º Integram o salário-de-contribuição pelo seu valor total: a) o total das diárias pagas, quando excedente a cinquenta por cento da remuneração mensal; § 9º Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente: a) os benefícios da previdência social, nos termos e limites legais, salvo o salário-maternidade; b) as ajudas de custo e o adicional mensal recebidos pelo aeronauta nos termos da Lei nº 5.929, de 30 de outubro de 1973;

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c) a parcela "in natura" recebida de acordo com os programas de alimentação aprovados pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social, nos termos da Lei nº 6.321, de 14 de abril de 1976; d) as importâncias recebidas a título de férias indenizadas e respectivo adicional constitucional, inclusive o valor correspondente à dobra da remuneração de férias de que trata o art. 137 da Consolidação das Leis do Trabalho-CLT; e) as importâncias: 1. previstas no inciso I do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; 2. relativas à indenização por tempo de serviço, anterior a 5 de outubro de 1988, do empregado não optante pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço-FGTS; 3. recebidas a título da indenização de que trata o art. 479 da CLT; 4. recebidas a título da indenização de que trata o art. 14 da Lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973; 5. recebidas a título de incentivo à demissão; 6. recebidas a título de abono de férias na forma dos arts. 143 e 144 da CLT; 7. recebidas a título de ganhos eventuais e os abonos expressamente desvinculados do salário; 8. recebidas a título de licença-prêmio indenizada; 9. recebidas a título da indenização de que trata o art. 9º da Lei nº 7.238, de 29 de outubro de 1984; f) a parcela recebida a título de vale-transporte, na forma da legislação própria; g) a ajuda de custo, em parcela única, recebida exclusivamente em decorrência de mudança de local de trabalho do empregado, na forma do art. 470 da CLT; h) as diárias para viagens, desde que não excedam a 50% (cinquenta por cento) da remuneração mensal; i) a importância recebida a título de bolsa de complementação educacional de estagiário, quando paga nos termos da Lei nº 6.494, de 7 de dezembro de 1977; j) a participação nos lucros ou resultados da empresa, quando paga ou creditada de acordo com lei específica; l) o abono do Programa de Integração Social-PIS e do Programa de Assistência ao Servidor Público-PASEP; m) os valores correspondentes a transporte, alimentação e habitação fornecidos pela empresa ao empregado contratado para trabalhar em localidade distante da de sua residência, em canteiro de obras ou local que, por força da atividade, exija deslocamento e estada, observadas as normas de proteção estabelecidas pelo Ministério do Trabalho; n) a importância paga ao empregado a título de complementação ao valor do auxílio-doença, desde que este direito seja extensivo à totalidade dos empregados da empresa; o) as parcelas destinadas à assistência ao trabalhador da agroindústria canavieira, de que trata o art. 36 da Lei nº 4.870, de 1º de dezembro de 1965; p) o valor das contribuições efetivamente pago pela pessoa jurídica relativo a programa de previdência complementar, aberto ou fechado, desde que disponível à totalidade de seus empregados e dirigentes, observados, no que couber, os arts. 9º e 468 da CLT;

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q) o valor relativo à assistência prestada por serviço médico ou odontológico, próprio da empresa ou por ela conveniado, inclusive o reembolso de despesas com medicamentos, óculos, aparelhos ortopédicos, despesas médico-hospitalares e outras similares, desde que a cobertura abranja a totalidade dos empregados e dirigentes da empresa; r) o valor correspondente a vestuários, equipamentos e outros acessórios fornecidos ao empregado e utilizados no local do trabalho para prestação dos respectivos serviços; s) o ressarcimento de despesas pelo uso de veículo do empregado e o reembolso creche pago em conformidade com a legislação trabalhista, observado o limite máximo de seis anos de idade, quando devidamente comprovadas as despesas realizadas; t) o valor relativo a plano educacional, ou bolsa de estudo, que vise à educação básica de empregados e seus dependentes e, desde que vinculada às atividades desenvolvidas pela empresa, à educação profissional e tecnológica de empregados, nos termos da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e: 1. não seja utilizado em substituição de parcela salarial; e 2. o valor mensal do plano educacional ou bolsa de estudo, considerado individualmente, não ultrapasse 5% (cinco por cento) da remuneração do segurado a que se destina ou o valor correspondente a uma vez e meia o valor do limite mínimo mensal do salário-de-contribuição, o que for maior; u) a importância recebida a título de bolsa de aprendizagem garantida ao adolescente até quatorze anos de idade, de acordo com o disposto no art. 64 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990; v) os valores recebidos em decorrência da cessão de direitos autorais; x) o valor da multa prevista no § 8º do art. 477 da CLT. y) o valor correspondente ao vale-cultura.

Segundo Balera (2008: p. 110), “consiste, pois, o salário-de-contribuição em

um dos conceitos fundamentais do Plano de Custeio, delineados precisamente no art.

28 da Lei n. 8.212, de julho de 1991, que enuncia, com claridade, quais as verbas que

integram e quais aquelas que não integram o salário-de-contribuição”.

Para Ibrahim (2005: p. 272), “o salário-de-contribuição, instituto exclusivo do

Direito Previdenciário, é a expressão que quantifica a base de cálculo da contribuição

previdenciária dos segurados da previdência social, configurando a tradução numérica

do fato gerador”.

Com efeito, a expressão “salário de contribuição” é usualmente empregada

para conotar a base de cálculo da contribuição previdenciária dos segurados e também

das empresas em geral. Para os trabalhadores segurados do regime geral da

previdência, o salário de contribuição possui valores mínimos e máximos, vinculados ao

salário mínimo. Já para as empresas, não há limite quantitativo para contribuir, afinal

elas possuem maior capacidade contributiva.

Com base nos ensinamentos de Balera (2010: p. 419),

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é evidente a maior capacidade econômica da empresa, quando comparada com a do segurado. Mesmo entre indivíduos, alguns possuem capacidade contributiva notoriamente maior. Portanto, não refoge à equidade o estabelecimento de contribuições maiores para os empregadores e menores para os empregados.

Sendo o “salário de contribuição” expressão apta para indicar a própria base

de cálculo da contribuição previdenciária patronal, e não havendo nenhum limite legal

quantitativo como existe para a contribuição dos segurados, ele deve ser composto

exclusivamente da soma das parcelas remuneratórias do trabalho, na linha do que

determina a Constituição Federal (artigo 195, I, “a”), cujos preceitos foram seguidos pelo

artigo 22 da Lei nº 8.212/1991.

A questão que se coloca, nesse contexto, consiste em verificar os efeitos da

remissão do artigo 22 ao artigo 28, § 9º, ambos da Lei nº 8.212/1991. Isso porque existe

interpretação, não raramente adotada por auditores fiscais, no sentido de que a

remissão em questão permitiria ao fisco considerar que qualquer pagamento feito pela

empresa ao trabalhador pessoa física seria tributável pela contribuição previdenciária,

com exceção somente daqueles incluídos no parágrafo nono em questão.

Incorrem, porém, em tremendo equívoco aqueles que adotam a referida

interpretação. O artigo 28 da Lei nº 8.212/1991 é exemplo daqueles dispositivos um

tanto pouco confuso, mas o fato é que ele: (i) não esgota todos os tipos de pagamentos

que podem ocorrer numa relação entre empresa e trabalhador pessoa física; (ii)

pretende tributar hipóteses de não incidência da contribuição previdenciária patronal;

(...) é apto apenas para definir as isenções no âmbito da contribuição previdenciária

patronal; e (iv) desnecessariamente pretendeu “isentar” pagamentos que já se

qualificam como hipóteses de não incidência.

Vejamos alguns exemplos de cada uma dessas situações, a fim de confirmar

que o artigo 28 da Lei nº 8.212/1991 não se presta, isoladamente, a definir a incidência

ou não da contribuição previdenciária, devendo esta ser feita a partir da sua regra matriz

construída com base no artigo 195, I, “a”, da Constituição.

Exemplos da primeira situação, ou seja, de verbas que costumam ser pagas

por empresas a trabalhadores pessoas físicas que não estão compreendidas de forma

expressa na Lei nº 8.212/1991 são os pagamentos de luvas na contratação de

trabalhador e em função de cláusula de não concorrer.

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O pagamento de luvas na contratação de funcionários (hiring bonus)

normalmente ocorre para atrair a contratação de funcionários talentosos, sendo

disponibilizadas em momento prévio ao início do contrato de trabalho. Este tipo de

verba, portanto, não possui natureza remuneratória, razão pela qual está fora do campo

de tributação da contribuição previdenciária.

É comum também as empresas, quando da rescisão de contrato de trabalho

com algum funcionário, celebrarem contratos com cláusula de não concorrência (no

compete clause), proibindo, mediante pagamento, que o trabalhador labore para

empresas concorrentes durante certo lapso temporal.

Como se percebe, pagamentos pela não concorrência de empregados têm a

natureza jurídica de obrigação de não fazer, não se confundindo com rendimento

proveniente do trabalho. Este tipo de cláusula busca compensar o não labor em uma

atividade de concorrência, não remunerando nenhum serviço prestado ou colocado à

disposição. E é justamente por isso que não está sujeito à contribuição previdenciária.

O fato dessas verbas ora tomadas como exemplos (luvas e não

concorrência) não estarem listadas no artigo 28, § 9º, da Lei nº 8.212/1991 jamais

implica na sua sujeição à aludida contribuição, pela simples razão de constituírem

hipóteses de não incidência.

Como exemplo de pretensão da Lei nº 8.212/1991 de tributar expressamente

hipótese de não incidência ocorre com o salário maternidade (artigo 28, § 2º).

O artigo 71 da Lei nº 8.213/1991 dispõe que

o salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade.

Como se percebe, o salário maternidade possui natureza jurídica de

benefício previdenciário e, portanto, não poderia integrar o salário de contribuição, que,

com apoio no que diz a Constituição, deve ser composto exclusivamente por parcelas

remuneratórias do trabalho.

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198

A 1ª Seção do STJ inicialmente se manifestou de forma contrária a essa

tributação188, mas posteriormente reviu e reformou seu posicionamento189, passando a

entender que o salário maternidade deve ser tributado pela contribuição previdenciária,

em razão da expressa previsão na Lei nº 8.212/1991.

Não concordamos com essa última posição do Superior Tribunal de Justiça.

O salário maternidade é um autêntico benefício previdenciário que não pode ser

confundido com uma verba salarial. Tal benefício visa garantir a gestação sem prejuízo

financeiro à gestante, e não remunera nenhum trabalho propriamente dito.

A mudança jurisprudencial em questão, contudo, não encontra guarida no

nosso sistema jurídico, razão pela qual deveria ser revista em razão da

inconstitucionalidade da Lei nº 8.212/91 no que diz respeito à tributação previdenciária

do salário maternidade.

O artigo 28, § 9º, da Lei nº 8.212/1991, a nosso ver, é eficaz apenas quando

institui hipóteses de isenção da contribuição previdenciária. É o que ocorre, por

exemplo, com pagamentos pela empresa aos funcionários a título de previdência

privada (alínea “p”), planos de saúde e odontológico (alínea “q”), vale transporte (alínea

“f”) etc.

Essas verbas, caso inexistissem tais dispositivos legais, poderiam ser

normalmente tributadas (pois correspondem a ganhos decorrentes do trabalho), mas o

Legislador optou pela isenção.

Finalmente, como exemplos de pretensão da referida lei de “isentar”

pagamentos que já se qualificam como hipóteses de não incidência, são as férias

indenizadas (alínea “e”, 6) e recebimento de direitos autorais (alínea “v”).

A lei não precisava ter incluído essas situações no rol das isenções da

contribuição previdenciária, simplesmente porque tais verbas não possuem natureza

remuneratória do trabalho, já estando incluídas no seu campo de não incidência.

Pagamentos de indenizações de empresas para funcionários buscam

recompor algum eventual dano, e não remunerar trabalho. Também o direito autoral não

deve ser confundido com prestação de serviço. É justamente por isso, ou seja, pelo fato

dessas rubricas não corresponderem à contraprestação laboral, que elas não estão

sujeitas à contribuição previdenciária.

188 REsp 1322945 (Dje 08/03/2013). 189 REsp 1.230.957 (Dje 18/03/2014).

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199

Poderíamos seguir com a análise de diversas outras verbas que ensejam

discussões quanto à sua natureza remuneratória ou não, mas não é esse o nosso

objetivo nesse trabalho. Nossa intenção nessa reflexão pontual quanto ao tratamento

previdenciário incidente em relação às verbas acima apontadas, na verdade, tem por

objetivo apenas elucidar a forma de efetuar o controle de constitucionalidade no âmbito

da tributação pela contribuição previdenciária patronal incidente sobre a folha de

pagamentos, e não o de tomar as disposições da Lei nº 8.212/1991 como verdades

absolutas.

É fundamental, nesta jornada, aferir a efetiva natureza da verba concedida

na relação de trabalho, para aí sim definir a incidência ou não da contribuição

previdenciária patronal. O salário de contribuição, base de cálculo desta espécie

tributária, deve ser composto apenas de parcelas que possuam natureza remuneratória

do trabalho. A Constituição Federal assim prescreve.

V.VI. SAT/RAT

Sob a égide da Carta Constitucional de 1988, a União, por meio da Lei nº

7.787/1989190 instituiu contribuição de 2% sobre a folha de salários dos empregadores,

para o financiamento da complementação das prestações por acidente do trabalho.

A “contribuição ao SAT” sofreu alterações por ocasião da Lei nº 8.212/1991,

mais precisamente em função do seu artigo 22, II, dispositivo este que possui a seguinte

redação:

Artigo 22 - A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: (...) II - para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos: a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve;

190 “Artigo 3º - A contribuição das empresas em geral e das entidades ou órgãos a ela equiparados, destinada à Previdência Social, incidente sobre a folha de salários, será: (...) II - de 2% sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e avulsos, para o financiamento da complementação das prestações por acidente do trabalho”.

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b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio; c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.

Na redação original da Lei nº 8.212/1991, a finalidade da contribuição era a

mesma daquela prevista na Lei nº 7.787/1989 (ou seja, custear a complementação das

prestações por acidente do trabalho). Com o advento da Lei nº 9.528/1997, foi alterada

a destinação de tais recursos para o “financiamento dos benefícios concedidos em

razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos

ambientais do trabalho” (daí dizer-se que a contribuição passou a ser chamada de

“RAT”). E, por intermédio da Lei nº 9.732/1998, referida contribuição também passou a

financiar a aposentadoria especial.

Com efeito, a Lei nº 9.732/1998 alterou a disposição constante do artigo 57,

da Lei nº 8.213/1991, o qual passou a assim vigorar:

Artigo 57 - A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei. (...) § 6º - O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente. § 7º - O acréscimo de que trata o parágrafo anterior incide exclusivamente sobre a remuneração do segurado sujeito às condições especiais referidas no caput .

É possível concluir, assim, que, para financiamento (i) dos benefícios

concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos

riscos ambientais do trabalho e (ii) das aposentadorias especiais, a União instituiu (a)

contribuição para todas as empresas, incidente sobre as remunerações pagas a

empregados e avulsos, nos percentuais de 1%, 2% ou 3%, de acordo com o grau de

risco de sua atividade preponderante; e (b) contribuição adicional (de 12%, 9% ou 6%),

incidente apenas sobre as remunerações dos segurados cujo serviço prestado permita a

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concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de

contribuição, respectivamente.

O adicional ao SAT/RAT varia em função da redução do tempo para

aposentação, decorrente do exercício de trabalho em condições especiais, incidindo

apenas sobre a remuneração do trabalhador exposto aos riscos especiais.

De acordo com Velloso (2014)191:

Quanto à sua natureza jurídica, reputamos que não se trata de mero adicional ou técnica de determinação da alíquota. Trata-se, na realidade, de uma nova contribuição, que tem por finalidade, alíquotas e base de cálculo próprias. Destina-se a custear a aposentadoria especial (ou a aposentadoria comum concedida com base em tempo especial) de seus empregados, e não dos benefícios por acidente de trabalho que lhes são concedidos. Essa contribuição não se destina apenas a financiar as aposentadorias especiais, mas também a fazer com que o seu ônus seja suportado pelas empresas que desempenham atividades insalubres. É definida e graduada, portanto, em função de dois aspectos: a) exercício de atividade enquadrada como especial, que enseja a redução do tempo de contribuição exigido para a aposentação e impõe o pagamento da contribuição adicional; e b) valor da remuneração correlata, que é a sua base de cálculo.

Apoiada nessas lições, notamos que a “contribuição adicional” ao SAT/RAT

foi instituída sem arrepio às normas constitucionais, pois oneram exclusivamente as

remunerações pagas pelas empresas por serviços tomados em condições que ensejam

aposentadoria especial para o respectivo trabalhador.

Já a contribuição ao SAT/RAT ordinária, incidente sobre as remunerações

pagas a empregados e avulsos, nos percentuais de 1%, 2% ou 3% de acordo com o

grau de risco da atividade preponderante da empresa, possui alguns pontos polêmicos.

Em linhas gerais, são quatro as questões polêmicas sobre referida

contribuição: (i) se ela poderia ter sido instituída por lei ordinária, incidindo sobre a

mesma base de cálculo da contribuição previdenciária patronal; (ii) se a diferenciação

de tais alíquotas viola ou não o princípio da isonomia; (iii) se as atividades

preponderantes, para fins de definição da alíquota aplicável, poderiam ter sido definidas

em nível infralegal (por Decreto); (iv) se o enquadramento do contribuinte nos graus de

191 Disponível em: http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao037/andrei_velloso.html. Acesso em 12/11/2014.

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risco deve ser feito levando em conta a empresa como um todo ou cada

estabelecimento individualmente considerado.

Aos olhos do STF192 , a contribuição em questão não seria “nova, pois

estabelece a C.F. que o trabalhador tem direito ao seguro contra acidentes de trabalho,

a cargo do empregador (C.F., art. 7º, XXVIII)”. Fundada nessa premissa, entendeu o

Supremo que a contribuição ao SAT/RAT é constitucional e que ela não seria fruto da

competência residual, razão pela qual sua instituição por lei ordinária e utilização da

mesma base de cálculo da contribuição previdenciária patronal não constituiriam vícios.

Os Ministros também foram unânimes quanto à não violação do princípio da

igualdade, uma vez que a lei teria tratado desigualmente os desiguais. De fato,

entendemos também que é razoável que empresas que exploram atividades mais aptas

a causar acidentes de trabalho ou que deixem seus empregados expostos a riscos

nocivos a saúde de fato contribuam mais em prol dos benefícios acidentários e

aposentadoria especial.

Ademais, o julgado ainda aponta que “o fato de a lei deixar para o

regulamento a complementação dos conceitos de “atividade preponderante” e “grau de

risco leve, médio e grave”, não implica ofensa ao princípio da legalidade genérica, C.F.,

art. 5º, II,e da legalidade tributária, C.F., art. 150, I.”

Quanto ao enquadramento do contribuinte nos graus de risco previstos por

Decreto, o STJ, por meio da Súmula 351 (Dj – Diário da Justiça 19/06/2008) consolidou

o entendimento de que: “a alíquota de contribuição para o Seguro de Acidente do

Trabalho (SAT) é aferida pelo grau de risco desenvolvido em cada empresa,

individualizada pelo seu CNPJ, ou pelo grau de risco da atividade preponderante

quando houver apenas um registro.”

O Poder Judiciário, portanto, reconheceu a legitimidade do SAT/RAT. Assim,

cada estabelecimento (identificado por CNPJ próprio) está sujeito ao recolhimento

dessa contribuição previdenciária, que deve incidir sobre as remunerações pagas a

segurados empregados e avulsos, mediante alíquota de 1%, 2% ou 3%, de acordo com

o enquadramento da atividade preponderante prevista nos Decretos regulamentadores.

Essa sistemática, em nossa opinião, possui dois pontos críticos. O primeiro é

legitimar que um Decreto (e não lei) possa fazer o enquadramento da atividade

preponderante para fins de definição da alíquota; e o segundo é que a lei não

192 RE 343.446.-2 (Dj 04/04/2003).

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proporcionou meio algum de redução ou compensação em relação aos contribuintes

que implementem medidas tendentes a reduzir os vetores causadores dos riscos mais

elevados.

Segundo pensamos, o enquadramento das atividades nos graus de risco

leve, médio ou grave constitui dado fundamental da regra matriz do SAT/RAT, razão

pela qual deveria ter sido feito por lei, sob pena de afronta ao princípio da estrita

legalidade. Não concordamos, portanto, com o entendimento de que a legalidade teria

sido preservada nesse caso concreto.

É curioso notar, nesse contexto, que o Decreto nº 6.957/2009, sem

apresentar qualquer estatística ou motivo, que passou a produzir efeitos a partir de

janeiro de 2010, alterou significativamente o enquadramento das atividades econômicas

(identificadas por meio do CNAE 193 ) nas alíquotas do SAT/RAT, elevando o

recolhimento da aludida contribuição para a maioria dos contribuintes.

Tendo em vista o questionamento judicial do referido Decreto por

determinados contribuintes, o assunto chegou para análise do STJ, tribunal este que

considerou tal alteração ilegal, por meio do julgado cuja ementa foi assim redigida:

(...) 5. Compete ao Poder Judiciário analisar os fundamentos que ensejam o reenquadramento da empresa, decorrente da alteração promovida no Anexo V do Decreto 3.048/99 pelo Decreto 6.957/09, pois tal matéria não diz respeito ao mérito administrativo, mas, sim, ao controle de legalidade do exercício do poder regulamentar pelo Poder Executivo, já que a lei taxativamente impõe critérios a serem observados pela Administração, para fins de alteração do grau de risco das empresas empregadoras (art. 22, § 3o., da Lei 8.212/91). 6. No presente caso, o reenquadramento oneroso da empresa (aumento da alíquota de 2% para 3%), com esteio em documentos que, paradoxalmente, atestam a redução dos acidentes de trabalho, configura alteração pesada e imotivada da condição da Empresa e, consequentemente, abuso do exercício do poder regulamentar – ofensa ao princípio da legalidade formal ou sistêmica – portanto induvidosa e plenamente sindicável pelo Poder Judiciário, para aquilatar da sua legitimidade substantiva. (...)

193 A CNAE (Classificação nacional de Atividades Econômicas) é usada com o objetivo de padronizar os códigos de identificação das unidades produtivas do país nos cadastros e registros da administração pública nas três esferas de governo, em especial na área tributária. “As empresas para as quais a substituição da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento pela contribuição sobre a receita bruta estiver vinculada ao seu enquadramento no CNAE deverão considerar apenas o CNAE relativo à sua atividade principal, assim considerada aquela de maior receita auferida ou esperada” (Artigo 9º, § 9º).

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Nessa demanda, cumpre registrar que o STJ determinou que a majoração

da alíquota do SAT/RAT em relação à parte autora fosse desconsiderada, podendo ela

continuar recolhendo tal contribuição pela alíquota anterior.

O Decreto nº 6.957/2009, aliás, na tentativa de resolver a problemática

quanto à falta de estímulo legal aos contribuintes na área preventiva de acidente de

trabalho, e com suporte no artigo 10, da Lei nº 10.666/2003194, determinou a aplicação

do Fator Acidentário de Prevenção (FAP).

O FAP, na verdade, consiste em um multiplicador que incide sobre a

alíquota do SAT/RAT, que pode ser reduzida pela metade (em 50%) ou dobrá-la

(aumento de 100%). Em síntese, cada empresa deve possuir um FAP individual,

definido com base nos dados de frequência, gravidade e custo das enfermidades

decorrentes do trabalho, conforme metodologia complexa definida em Resoluções do

Conselho Nacional de Previdência Social.

Alguns contribuintes que tiveram a alíquota do SAT/RAT majoradas por meio

do FAP ingressaram em juízo a fim de obter provimento contra sua aplicação, sob

alegação de que: (i) houve violação ao princípio da legalidade, afinal o aumento em

questão teria sido instituído por meio de Decreto, e não lei; (ii) de que o SAT/RAT, por

ser uma espécie tributária, não poderia ser impactado por uma medida punitiva e, de

certo modo, por um cálculo que dependeria de eventos incertos; e (iii) de que a própria

sistemática de cálculo e fornecimento de dados contariam com omissões que

comprometeriam sua legitimidade e confiabilidade.

O STF já reconheceu a repercussão geral da matéria, que permanece

aguardando análise de constitucionalidade195.

194 “Artigo 10 - A alíquota de contribuição de um, dois ou três por cento, destinada ao financiamento do benefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, poderá ser reduzida, em até cinquenta por cento, ou aumentada, em até cem por cento, conforme dispuser o regulamento, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de frequência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social.” 195 RE 684.281/RS (Dj 28/06/2013).

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CAPÍTULO VI - CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE A R ECEITA BRUTA (“CPRB”)

VI.I. Histórico da Tributação Previdenciária sobre a Receita

Talvez pela facilidade fiscalizatória e arrecadatória que esse meio de

tributação proporciona, a tributação sobre as receitas das empresas não escapou ao

poder de tributar. A receita das empresas passou a ser a “bola da vez”. Foi colocada

como elemento integrante do aspecto material de algumas contribuições sociais,

inclusive no contexto da contribuição previdenciária.

Para Barreto, P. (2014: p. 226),

há uma clara opção pela facilidade arrecadatória, em detrimento de valores como capacidade contributiva, isonomia, equidade no rateio de contribuições. Tributar o faturamento é a palavra de ordem. Simples, prático, eficiente em termos arrecadatórios. Ação nada apropriada quando se busca a justiça tributária. Mais isso é um mero detalhe.

Historicamente a tributação previdenciária sobre a receita surgiu na época

em que o Brasil ainda podia ser considerado como um país essencialmente rural. O

Estatuto do Trabalhador Rural, regulamentado pela Lei nº 4.214/1963, criou uma

proteção previdenciária a esta classe de trabalhadores, por meio do Fundo de

Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), que passou a arrecadar uma contribuição

incidente sobre a receita proveniente da comercialização da produção.

Em momento posterior, além da majoração da alíquota da contribuição em

apreço, foi criado o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (Prorural) através da

Lei Complementar nº 11/1971, programa este cuja execução foi atribuída ao Funrural.

A administração do Prorural passou ao INPS (Instituto Nacional de

Previdência e Assistência Social) com o advento da Lei nº 6.439/1977, tendo sido

mantidas as fontes de custeio ao Funrural.

Analisando esse histórico, Tavares (2011: p. 9) aduz que:

Este quadro específico de proteção previdenciária do trabalhador rural fez com que, até a Constituição de 1988, a ordem jurídica brasileira contemplasse um sistema dualista de previdência pública. Um, destinado

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ao trabalhador urbano, e outro, com um viés de caráter também assistencial, para a proteção do trabalhador rural. A Constituição de 1988 unificou os sistemas de previdência rural e urbano, estabelecendo, a partir de então, um novo e unificado regime jurídico de proteção previdenciária e assistencial para os segurados e seus dependentes.

A unificação em questão ocasionou celeumas quanto às fontes de custeio,

principalmente em relação às contribuições destinadas ao Funrural. Com base no que

decidiu o STF196, as fontes de custeio do Prorural teria sido recepcionada pelo novo

sistema jurídico até a implementação do novo sistema de custeio.

Sob a vigência da Carta Federal de 1988, houve previsão de tributação

previdenciária sobre a receita rural no parágrafo oitavo do referido artigo 195, in verbis:

§ 8º - O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei.

Da leitura desse dispositivo, verifica-se que a própria Constituição Federal

criou um mecanismo próprio de tributação previdenciária em relação às pessoas que

exploram atividades rurais em regime de economia familiar que não possuam

empregados.

Como o produtor rural sem empregados permanentes não poderia contribuir

sobre folha de salários, faturamento ou lucro, afinal não disporia de empregado e nem

se enquadraria como pessoa jurídica ou entidade equiparada, foi prevista

constitucionalmente uma contribuição previdenciária possível, incidente sobre o

resultado da comercialização da sua produção rural.

Ocorre que, através da Lei nº 8.540/1992197, o legislador ordinário acabou

“tomando de empréstimo” a base de cálculo reservada ao produtor rural pessoa física

sem empregados, submetido ao regime de economia familiar e tencionou estendê-la

aos produtores rurais que possuem empregados (empregadores rurais pessoas 196 RE nº 364.391 (Dj 17/05/2006). 197 Na verdade, essa lei alterou o artigo 25, da lei nº 8.212/1991, passando a exigir também de empregadores rurais pessoas físicas, contribuição destinada à Seguridade Social de: “I - dois por cento da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção; II - um décimo por cento da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para financiamento de complementação das prestações por acidente de trabalho”.

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naturais), que passaram a ser incluídos como contribuintes da contribuição

previdenciária sobre a receita da produção rural.

Essa extensão, entretanto, foi julgada inconstitucional pelo STF 198 ,

essencialmente em razão do reconhecimento quanto à ofensa ao princípio da isonomia,

ausência de veiculação por lei complementar e indevida duplicidade (bis in idem) de

recolhimento com a COFINS.

Da decisão proferida nesse julgado, transcrevemos as seguintes passagens

dos votos dos Ministros Marco Aurélio e Cezar Peluzo:

Somente a Constituição Federal é que, considerando o mesmo fenômeno jurídico, pode abrir exceção à unicidade da incidência de contribuição. Isso ocorre, como exemplificado em parecer de Hugo de Brito Machado, publicado na Revista Dialética de Direito Tributário, página 94, no tocante à folha de salários no caso das contribuições para o SESI, o SESC, etc. e em relação ao faturamento, presentes a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS e o Programa de Integração Social – PIS. (Fl. 708).

antes da EC nº 20/98, não se poderia instituir contribuição sobre receita, à falta de previsão constitucional. Mas, suposto se admitisse que o resultado da produção rural fosse faturamento (ou receita), ainda assim a exação seria inconstitucional, porque implicaria bis in idem vedado, carente de expressa autorização constitucional.

Considerando a referida ressalva no voto do Ministro Cezar Peluzo (de que

antes da EC nº 20/98 não se poderia instituir contribuição sobre receita, à falta de

previsão constitucional), a União editou a Lei nº 10.256/2001, instituindo nova

contribuição previdenciária incidente sobre a receita da produção rural comercializada

pelos empregadores rurais pessoas físicas.

Também a constitucionalidade da contribuição ao Funrural por pessoa física

empregadora, instituído posteriormente à EC nº 20/1998 pela Lei nº 10.256/2001, foi

questionada pelos contribuintes, sendo que o caso encontra-se no STF com

repercussão geral já reconhecida.199

Para as pessoas jurídicas que desempenham atividades rurais, coube,

primeiramente, ao artigo 25, da Lei nº 8.870/1994, instituir contribuição previdenciária

sobre a receita, ao invés da folha de pagamentos. Veja-se: 198 RE nº 363.852/MG (Dj.22/04/2010). 199 RE 718.874/RJ (Dj 22/08/2013).

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Artigo 25 - A contribuição prevista no art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, devida à seguridade social pelo empregador, pessoa jurídica, que se dedique à produção rural, passa a ser a seguinte: I - dois e meio por cento da receita bruta proveniente da comercialização de sua produção; II - um décimo por cento da receita bruta proveniente da comercialização de sua produção, para o financiamento da complementação das prestações por acidente de trabalho. (...) § 2º - O disposto neste artigo se estende às pessoas jurídicas que se dediquem à produção agroindustrial, quanto à folha de salários de sua parte agrícola, mediante o pagamento da contribuição prevista neste artigo, a ser calculada sobre o valor estimado da produção agrícola própria, considerado seu preço de mercado.

Contra essa contribuição, mais precisamente em relação à extensão do

tratamento para as Agroindústrias 200 , a Confederação Nacional da Indústria (CNI)

ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade 201 , julgada procedente pelo STF nos

seguintes termos:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONTRIBUIÇÃO DEVIDA À SEGURIDADE SOCIAL POR EMPREGADOR, PESSOA JURÍDICA, QUE SE DEDICA À PRODUÇÃO AGRO-INDUSTRIAL (§ 2º DO ART. 25 DA LEI Nº 8.870, DE 15.04.94, QUE ALTERO U O ART. 22 DA LEI Nº 8.212, DE 24.07.91): CRIAÇÃO DE CONTRIBUI ÇÃO QUANTO À PARTE AGRÍCOLA DA EMPRESA, TENDO POR BASE DE CÁLC ULO O VALOR ESTIMADO DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA PRÓPRIA, CONSIDERADO O SEU PREÇO DE MERCADO. DUPLA INCONSTITUCIONALIDADE (CF, art. 195, I E SEU § 4º) PRELIMINAR: PERTINÊNCIA TEMÁTICA. 1. Preliminar: ação direta conhecida em parte, quanto ao § 2º do art. 25 da Lei nº 8.870/94; não conhecida quanto ao caput do mesmo artigo, por falta de pertinência temática entre os objetivos da requerente e a matéria impugnada. 2. Mérito. O art. 195, I, da Constituição prevê a cobrança de contribuição social dos empregadores, incidentes sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro; desta forma, quando o § 2º do art. 25 da Lei nº 8.870/94 cria contribuição social sobre o valor estimado da produção agrícola própria, considerado o seu preço de mercado, é ele inconstitucional porque usa uma base de cálculo não prevista na Lei Maior. 3. O § 4º do art. 195 da Constituição prevê que a lei complementar pode instituir outras fontes de receita para a seguridade social; desta forma, quando a Lei nº 8.870/94 serve-se de outras fontes, criando contribuição

200 “Agroindústria é a pessoa jurídica cuja atividade econômica seja a industrialização de produção própria ou de produção própria e adquirida de terceiros” (cf. IN RFB nº 971/2009, art. 3º, § 5º). 201 ADI nº 1103-1/DF (Dj 25/04/1997).

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nova, além das expressamente previstas, é ela inconstitucional, porque é lei ordinária, insuscetível de veicular tal matéria. 4. Ação direta julgada procedente, por maioria, para declarar a inconstitucionalidade do § 2º da Lei nº 8.870/94.

Especificamente em relação aos incisos I e II do artigo 25 da Lei nº

8.870/1994, que não foi objeto de análise no julgado acima referido, cumpre informar

que existe Recurso Extraordinário202 pendente de análise pelo STF e com repercussão

geral já reconhecida.

Posteriormente, já na vigência da Emenda Constitucional nº 20/1998, uma

mesma contribuição previdenciária incidente sobre a receita da produção rural das

Agroindústrias, declarada inconstitucional em 1996, voltou a ser instituída pela Lei nº

10.256/2001, ao inserir o art. 22-A na Lei nº 8.212/1991, in verbis:

Artigo 22-A - A contribuição devida pela agroindústria, definida, para os efeitos desta Lei, como sendo o produtor rural pessoa jurídica cuja atividade econômica seja a industrialização de produção própria ou de produção própria e adquirida de terceiros, incidente sobre o valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção, em substituição às previstas nos incisos I e II do art. 22 desta Lei, é de: I - dois vírgula cinco por cento destinados à Seguridade Social; II - zero vírgula um por cento para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade para o trabalho decorrente dos riscos ambientais da atividade.

Nota-se, pela leitura do artigo 22-A, que o próprio Legislador deixou

registrado expressamente que essa “nova” contribuição teria sido instituída justamente

para substituir a contribuição previdenciária patronal sobre a folha de pagamentos.

Esses dispositivos legais também tiveram sua constitucionalidade colocada

em xeque. O STF203, aliás, concluiu pela repercussão geral da análise do artigo 22-A da

Lei nº 8.212/1991, o que significa dizer que o tema constitucionalidade da tributação

previdenciária incidente sobre as receitas rurais, após a Emenda Constitucional nº

20/1998 (a qual, repita-se, incluiu o signo “receita”, ao lado de “faturamento”, no rol das

hipóteses passíveis de tributação por contribuições destinadas ao financiamento da

Seguridade Social), ainda está pendente de desfecho.

202 RE 700.922/RS (Dj 09/05/2013). 203 RE 611.601/RS (Dj 17/06/2010).

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210

Cabe observar que desconhecemos a existência de eventual contribuição

previdenciária patronal que tenha sido exigida sobre a receita bruta de empresas não

ligadas ao setor rural anteriormente à promulgação da Constituição Federal de 1988.

No contexto das empresas urbanas, a primeira tentativa da União de tributar

a receita (ou faturamento) por contribuição destinada ao regime geral da previdência

parece ter ocorrido com a Lei nº 9.711/1998, ao alterar a redação do artigo 31, da Lei nº

8.212/1991, que passou a prever que:

Artigo 31 - A empresa contratante de serviços executados mediante cessão de mão-de-obra, inclusive em regime de trabalho temporário, deverá reter onze por cento do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolher a importância retida até o dia dois do mês subsequente ao da emissão da respectiva nota fiscal ou fatura, em nome da empresa cedente da mão-de-obra, observado o disposto no § 5o do art. 33.

A partir de fevereiro de 1999 (data de vigência da norma), então, as

empresas tomadoras de serviços prestados mediante cessão de mão de obra passaram

a ter a obrigação de reter e recolher à Previdência Social, valor correspondente a 11%

do preço destes serviços, retenção esta passível de compensação pelo prestador com a

sua contribuição previdenciária patronal devida (apurada com base na folha de

pagamentos).

Nas palavras de Machado (2003: p. 120), “a Lei nº 8.212/91 impõe a

retenção de 11% do valor da fatura apenas àquele que contrata a cessão de mão-de-

obra, pelas contribuições devidas pelo cessionário em face dos empregados cuja mão-

de-obra é cedida.”.

Essa nova obrigação previdenciária foi questionada, essencialmente sob o

argumento de que, não sendo hipótese passível de substituição tributária, a exação teria

sido veiculada sem observar os requisitos da competência residual, ao arrepio da

Constituição.

O STF204 se manifestou em sentido contrário, considerando a retenção de

11% legítima. A ementa do julgado recebeu o seguinte descritivo:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. CONTRIB UIÇÃO SOCIAL: SEGURIDADE. RETENÇÃO DE 11% SOBRE O VALOR

204 RE nº 393.946-7/MG (Dj 01/04/2005).

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BRUTO DA NOTA FISCAL OU DA FATURA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. LEI 8.212/91, ART. 31, COM REDAÇÃO DA LEI 9.711/98. I – Empresa contratante de serviços executados mediante cessão de mão-de-obra: obrigação de reter onze por cento do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolher a respectiva importância retida até o dia 2 do mês subsequente ao da emissão da respectiva nota fiscal ou fatura, em nome da empresa cedente da mão-de-obra: inocorrência de ofensa ao disposto no art. 150, § 7º, art. 150, IV, art. 195, § 4º, art. 154, I e art. 148 da CF.

Embora não esteja expresso na ementa o motivo da rejeição dos

argumentos de inconstitucionalidade da retenção de 11%, o fundamento da decisão da

C. Corte pode ser evidenciado com clareza no seguinte trecho do voto do relator,

Ministro Carlos Velloso:

a alteração introduzida pela Lei 9.711, de 1998, objetiva, apenas, simplificar a arrecadação do tributo e facilitar a fiscalização do seu recolhimento. No caso, nem há falar que o fato gerador do tributo ocorreria posteriormente ao recolhimento. Não. Aqui, simplesmente está o sujeito passivo obrigado a reter onze por cento do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolher a importância retida até o dia dois do mês subsequente ao da emissão da respectiva nota fiscal, em nome da empresa cedente de mão-de-obra (...). Prevê a lei, inclusive, a restituição de saldos remanescentes, na impossibilidade de haver compensação integral na forma do § 1º do art. 31. A Constituição autoriza coisa maior: a lei poderá atribuir a sujeito passivo a obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido. C.F., art. 150, § 7º. (...)

A mesma analogia foi utilizada pelo Sr. Ministro Eros Grau:

Acompanho o voto do Relator. A retenção de contribuição previdenciária determinada pela Lei n. 9.711/98 não configura nova exação tributária. Trata-se de simples técnica de arrecadação. Técnica de administração tributária, voltada à simplificação da arrecadação do tributo e ao seu eficiente controle. O paralelo com a retenção do imposto de renda na fonte, pela fonte pagadora, é impecável.

Já o Ministro Marco Aurélio, no seu voto vencido, julgou inconstitucional a

retenção previdenciária de 11%, sob a alegação de que o desembolso que ela gera “não

está autorizado pela Carta da República, que, ao prever a contribuição, remete à folha

de salário, não a uma nota fiscal emitida pela empresa prestadora de serviço, cujo valor

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global diz respeito a “n” fatores que extravasam em muito o que é satisfeito aos

prestadores dos serviços, aos trabalhadores”.

Mais adiante, no que diz respeito à discussão sobre o cumprimento ou não

dos requisitos jurídicos da substituição tributária pela retenção prevista no artigo 31, da

Lei nº 8.212/1991, interessante a seguinte passagem relatada no r. Acórdão205:

O Senhor Ministro Marco Aurélio – O grande problema, a meu ver, é o descompasso, porque, constitucionalmente, a base de incidência é a folha de salários. Indaga-se: é possível adiantamento que considere base de incidência diversa? O Senhor Ministro Carlos Veloso (Relator) – Sr. Ministro, a Constituição autoriza coisa maior: “Art. 150 (...) “§ 7º - A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”. O Senhor Ministro Marco Aurélio – Mas não autoriza que essa se faça fora do figurino constitucional. Aí é que está o problema.

Não obstante, o fato é que, por maioria de votos, o Poder Judiciário

considerou legítima a referida retenção de 11%, sob a premissa de que ela constituiria

mera técnica de arrecadação tributária (substituição tributária), e não tributo autônomo,

uma vez que o prestador faria o “acerto final” (utilizando-se das palavras do próprio

Relator) com base no montante apurado pela folha, podendo utilizar eventual crédito

(retenção em excesso) por meio de compensação ou restituição.

A essa mesma conclusão chegou a Ministra Relatora Ellen Grace, quando

do julgamento de recurso com a mesma controvérsia206. Veja-se:

No caso, restou preservada, por completo, a identidade e as características da relação contributiva, não se exigindo tributo distinto ou a maior. O mecanismo de substituição implicou retenção de montante presumido a ser cotejado, em seguida, com o valor efetivamente devido apurado pelo próprio contribuinte à luz dos aspectos da norma tributária impositiva, prevalecendo esta sobre o recolhimento feito por conta e gerando, com isso, saldo credor ou devedor. só restaria descaracterizada a contribuição sobre a folha se o legislador não tivesse assegurado a compensação com o montante efetivamente

205

RE nº 393.946-7/MG (Dj 01/04/2005). 206 RE 603.191/MT (Dj 05/09/2011).

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devido pelo contribuinte ou a restituição de eventuais recolhimentos feitos a maior. Mas o fez.

E nessa “onda” de tributação previdenciária sobre a receita, a União, com

base na Lei nº 9.876/1999, onerou ainda mais as empresas tomadoras de serviços de

cooperativas de trabalho, ao inserir o inciso IV no artigo 22 da lei nº 8.212/1991, abaixo

transcrito.

Artigo 22 - A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: (...) IV - quinze por cento sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, relativamente a serviços que lhe são prestados por cooperados por intermédio de cooperativas de trabalho.

Diferentemente da referida retenção previdenciária de 11%, julgada

constitucional sob a premissa de que constitui mera antecipação da contribuição

previdenciária patronal devida pelo prestador de serviços, no caso de serviços tomados

de cooperativas de trabalho, a União instituiu uma contribuição autônoma (de 15%

sobre a respectiva nota fiscal ou fatura), elegendo como contribuinte e responsável

tributário as empresas que se utilizam deste tipo de contratação de trabalho.

Essa tributação previdenciária incidente sobre pagamentos por serviços

tomados de cooperativas, entretanto, não se socorreu diante do controle de

constitucionalidade promovido pelo STF207. O Tribunal, por unanimidade e nos termos

do voto do Relator Ministro Dias Toffoli, declarou a inconstitucionalidade do inciso IV do

art. 22 da Lei 8.212/1991, com a redação dada pela Lei nº 9.876/1999.

Nesse contexto, julgamos oportuno reproduzir o seguinte trecho da parte

dispositiva da mencionada decisão:

Diante de tudo quanto exposto, é forçoso reconhecer que, no caso, houve extrapolação da base econômica delineada no art. 195, I, a, da Constituição, ou seja, da norma sobre a competência para se instituir contribuição sobre a folha ou sobre outros rendimentos do trabalho. Houve violação do princípio da capacidade contributiva, estampado no art. 145, 1, da Constituição, pois os pagamentos efetuados por terceiros às cooperativas de trabalho, em face dos serviços prestados por seus associados, não se confundem com os valores efetivamente pagos ou creditados aos cooperados.

207 RE 595.838/SP (Dj 23/04/2014).

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Ademais, o legislador ordinário acabou por descaracterizar a contribuição hipoteticamente incidente sobre os rendimentos do trabalho dos cooperados, tributando o faturamento da cooperativa, com evidente bis in idem .

Essa decisão demonstra que a mais alta corte do Poder Judiciário

reconheceu a inconstitucionalidade da contribuição previdenciária de 15% sobre

pagamentos feitos a título de contratação de cooperativas de trabalho, por reconhecer

que essa exação, além de caracterizar bis in idem sem respaldo constitucional,

extrapolou a sua regra matriz de incidência, delineada no artigo 195, I, “a”, da

Constituição.

VI.II. O Parágrafo Treze do Artigo 195 da Constitui ção Federal

Provavelmente como uma reação às sucessivas disputas judiciais relativas à

constitucionalidade de contribuições previdenciárias patronais incidentes sobre a receita

das empresas, em vez da folha de pagamentos, o Poder Reformador apresentou

proposta de Emenda Constitucional tendente, dentre outras alterações, a incluir os

parágrafos 12 e 13 ao artigo 195 da Constituição Federal.

Mais precisamente, a Exposição de Motivos que acompanhou a Emenda

Constitucional nº 42/2003208, no afã de justificar essa reforma, procurou deixar explícita

sua intenção:

“As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º, do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte emenda ao texto constitucional: (...) “Art. 195..................... (...) § 12. A lei que instituir, em substituição total ou parcial da contribuição incidente na forma do inciso I, “a”, do caput, contribuição específica incidente sobre a receita ou faturamento definirá a forma da sua não-cumulatividade. § 13. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais a contribuição incidente na forma do inciso I, “b”, do caput , será não-cumulativa. (...) No caso da seguridade social, a contribuição sobre a folha de salário tem se apresentado como um encargo que não estimula o emprego formal. Portanto, impõe-se mudar a lógica de financiamento da seguridade social

208 Diário da Câmara dos Deputados de 07/05/2003.

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para estimular a formalização das relações de trabalho, incentivando os setores que empregam mais trabalhadores e contribuindo, até mesmo, para torná-los mais competitivos. (...) Outra relevante alteração no Capítulo da Seguridade Social reside na opção criada pelo §12 do art. 195, que possibilitará a substituição, total ou parcial, da contribuição social sobre a folha de salários por outra que incida sobre receita ou faturamento, de forma não-cumulativa. A medida contempla transformação histórica na forma de cobrança da contribuição previdenciária incidente sobre a folha de salários, mediante a redução da carga tributária sobre a geração de emprego, que é objetivo econômico e social a ser perseguido. Assim, auxiliará no processo de formalização das relações de trabalho e estimulará os setores que empregam mais trabalhadores.

Tramitado esse feito, os parágrafos doze e treze foram objeto de alterações,

tendo sido inseridos no artigo 195 da Constituição com a seguinte redação:

Artigo 195 – (...) § 12 - A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não cumulativas. § 13 - Aplica-se o disposto no § 12 inclusive na hipótese de substituição gradual, total ou parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a, pela incidente sobre a receita ou o faturamento.

O parágrafo doze em questão, na verdade, remete à legislação ordinária a

empreitada de definir setores da economia para os quais as contribuições sociais sobre

a receita ou faturamento (art. 195, I, “b”) e sobre a importação de bens e serviços (art.

195, IV) serão exigidas de forma não cumulativa.

Já a redação do parágrafo treze é um tanto quanto confusa, uma vez que ele

determina a aplicação da regra do parágrafo anterior (ou seja, da definição da não

cumulatividade para setores da economia definidos por lei) também no caso de

substituição gradual, total ou parcial, da contribuição previdenciária patronal (art. 195, I,

“a”), pela incidente sobre a receita ou o faturamento.

O que pretendeu tal dispositivo? Acabar com a contribuição previdenciária

patronal incidente sobre a folha? Permitir uma troca de materialidade e base de cálculo

por uma nova contribuição? Operar esta substituição pela contribuição incidente sobre a

receita já existente?

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Conforme notou Carrazza, R. (2000: p. 96), “o legislador, mesmo o

constituinte, pode dar-se ao luxo de cometer erros que reprovariam até mesmo um

estudante de Direito.”

E é aqui, numa hipótese como essa, que a importância da Ciência se torna

evidente. Carvalho, P. (2011a: p. 304) é esclarecedor:

A verdade é que a mensagem legislada quase sempre vem penetrada de imperfeições, com problemas de ordem sintática e semântica, tornando muitas vezes difícil sua compreensão pelos sujeitos destinatários. É neste ponto que a Dogmática (Ciência do Direito em sentido estrito) cumpre papel de extrema relevância, compondo os enunciados frequentemente dispersos em vários corpos de linguagem, ajeitando-os na estrutura lógica compatível e apontando as correções semânticas que a leitura contextual venha a sugerir. Com tais ponderações, a comunicação normativa flui mais facilmente do emissor ao receptor, realizando os propósitos da regulação jurídica com mais clareza e determinação.

E apesar da falta de clareza do dispositivo, o que parece ter ocorrido,

considerando todo o histórico traçado e a referida exposição de motivos da Emenda

Constitucional que inseriu o parágrafo treze em questão, é uma autorização

constitucional para uma espécie de “substituição tributária”. Ou seja, tudo leva a crer

que o § 13 em tela teria permitido que a lei instituísse um modelo alternativo para fins de

recolhimento da contribuição previdenciária patronal, que toma como base de cálculo a

receita ou faturamento, em vez da folha de pagamentos.

Ao comentar o parágrafo treze do artigo 195 da Constituição, Paulsen (2010:

p. 573) chegou à conclusão semelhante:

Antes do advento da EC nº 42/03 já havia um movimento de substituição das contribuições sobre a folha por novas contribuições sobre a receita. Efetivamente, não obstante a autorização constitucional seja recente, há muito vinha o legislador procedendo à substituição das contribuições sobre o pagamento de empregados e avulsos por novas contribuições sobre a receita bruta relativamente a diversas atividades. Tal substituição foi inconstitucional pois não era autorizada, nem mesmo a título de substituição, a instituição de outras contribuições sobre a receita além da COFINS e do PIS/PASEP, que têm suporte no art. 195, I, b, e no art. 239 da CF, tampouco se podia instituir novas contribuições senão por lei complementar, forte nos condicionamentos constantes do art. 195, § 4º da CF. Desse modo, há diversas contribuições inválidas sendo exigidas, devendo-se ter bem presente que o advento da EC nº 42/03 não tem o efeito de convalidar tais normas que jamais tiveram validade e que, portanto, não puderam ser recepcionadas.

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De qualquer forma, a análise quanto à efetiva natureza e controle de

constitucionalidade de uma exação instituída nos moldes trazidos pela malfadada

Emenda Constitucional somente é possível após a União exercitar sua competência. E

isso ocorreu justamente com a criação da CPRB.

VI.III. A Instituição da CPRB pela União

No contexto do Plano Brasil Maior209, O Governo editou a Medida Provisória

nº 540/2011, prevendo nos seus artigos 7º e 8º, que:

Artigo 7º - Até 31 de dezembro de 2012, a contribuição devida pelas empresas que prestam exclusivamente os serviços de tecnologia da informação - TI e tecnologia da informação e comunicação - TIC, referidos no § 4 o do art. 14 da Lei n o 11.774, de 2008, incidirá sobre o valor da receita bruta, excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, em substituição às contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei n o 8.212, de 24 de julho de 1991 , à alíquota de 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento). (...) Artigo 8º - Até 31 de dezembro de 2012, contribuirão sobre o valor da receita bruta, excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, à alíquota de 1,5% (um inteiro e cinco décimos por cento), em substituição às contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei n o 8.212, de 1991, as empresas que fabriquem os produtos classificados na Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados - TIPI, aprovada pelo Decreto n o 6.006, de 2006 : I - nos códigos 3926.20.00, 40.15, 42.03, 43.03, 4818.50.00, 63.01 a 63.05, 6812.91.00, 9404.90.00 e nos Capítulos 61 e 62; (Retificado no DOU de 05/08/2011, Seção 1, pág. 14) II - nos códigos 4202.11.00, 4202.21.00, 4202.31.00, 4202.91.00, 4205.00.00, 6309.00, 64.01 a 64.06; e III - nos códigos 94.01 a 94.03. Parágrafo único - No caso de empresas que se dediquem a outras atividades, além das previstas no caput , o cálculo da contribuição obedecerá:

209 “O Plano Brasil Maior é a política industrial, tecnológica e de comércio exterior do governo Dilma Rousseff. Surge num contexto conturbado da economia mundial. De um lado os países desenvolvidos mergulhados numa crise sem precedentes desde a Grande Depressão de 1929, podendo levar o mundo para uma crise sistêmica. De outro, o vigor econômico dos países emergentes, liderados pelo crescimento chinês, tem garantido o crescimento mundial e evitado o débâcle. O desafio do Plano Brasil Maior é, portanto, colossal: 1) sustentar o crescimento econômico inclusivo num contexto econômico adverso; 2) sair da crise internacional em melhor posição do que entrou, o que resultaria numa mudança estrutural da inserção do país na economia mundial. Para tanto, o Plano tem como foco a inovação e o adensamento produtivo do parque industrial brasileiro, objetivando ganhos sustentados da produtividade do trabalho”. (cf. definição dada por seus próprios instituidores, disponível em http://www.brasilmaior.mdic.gov.br/conteudo/128. Acesso em junho/2014).

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I - ao disposto no caput quanto à parcela da receita bruta correspondente aos produtos relacionados nos seus incisos I a III; e II - ao disposto nos incisos I e III do art. 22 da Lei n o 8.212, de 1991 , reduzindo-se o valor da contribuição a recolher ao percentual resultante da razão entre receita bruta de atividades não relacionadas à fabricação dos produtos arrolados nos incisos I a III do caput e a receita bruta total.

Como se nota, essa Medida Provisória instituiu, em substituição à

contribuição previdenciária patronal de 20% sobre a folha de pagamentos 210 , até

31/12/2012, nova contribuição, incidente sobre a receita bruta de determinados

contribuintes (CPRB), à alíquota de 1,5% ou 2,5%, dependendo de seu enquadramento

na norma.

Conforme exposição de motivos da MP, essa medida “desonera a folha de

pagamento das empresas que prestam serviços de tecnologia da informação – TI e

tecnologia da informação e comunicação – TIC, bem como das indústrias moveleiras, de

confecções e de artefatos de couro, visando à formalização das relações de trabalho e

ao fomento das atividades de tais setores”.

Especificamente quanto ao financiamento do regime previdenciário

(finalidade da contribuição previdenciária), o artigo 9º, IV, da Medida provisória nº

540/2011, prescreveu que “a União compensará o Fundo do Regime Geral de

Previdência Social, de que trata o art. 68 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de

2000, no valor correspondente à estimativa de renúncia previdenciária decorrente da

desoneração, de forma a não afetar a apuração do resultado financeiro do Regime

Geral de Previdência Social (RGPS)”.

Tais disposições permanecem na Lei nº 12.546/2011, fruto da conversão da

Medida provisória nº 540/2011. Por ocasião desta conversão, foram incluídos diversos

outros contribuintes no regime de desoneração da folha211 , bem como o prazo de

vigência da CPRB foi prorrogado para 31/12/2014.

Posteriormente, outras Medidas Provisórias foram editadas para

regulamentar essa sistemática de substituição da contribuição previdenciária patronal

(da folha para a receita), tais como a Medida Provisória nº 563/2012 (convertida na Lei

nº 12.715/2012), a Medida Provisória nº 582/2012 (convertida na Lei nº 12.794/2013), a

Medida Provisória nº 582/2012 (convertida na Lei nº 12.794/2013), a Medida Provisória

210 A contribuição ao RAT/SAT (e adicionais) continua sendo apurada da mesma forma, isto é, não houve qualquer impacto da CPRB para efeito dessa outra espécie de contribuição para a previdência social. 211 Vide artigos 7º, 8º e 9º, todos da Lei nº 12.546/2011.

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nº 601/2012, a Medida Provisória nº 610/2013 (convertida na Lei nº 12.844/2013), a

Medida Provisória nº 612/2013, a Medida Provisória nº 634/2013 (convertida na Lei nº

12.995/2014) e a Medida Provisória nº 651/2014 (convertida na Lei nº 13.043/2014).

Essa última (Medida Provisória nº 651, convertida na Lei nº 13.043/2014)

tornou definitiva a substituição em questão, ao excluir a previsão de que tal regime

somente seria aplicável até 31/12/2014. Sua exposição de motivos, aliás, aponta que:

Desoneração da folha de pagamentos 71. A presente minuta de Medida Provisória também altera a Lei nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011. As alterações normativas propostas visam a tornar definitiva a substituição das contribuições previdenciárias incidentes sobre a folha de pagamentos, previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, pela incidente sobre a receita bruta, nos termos dos arts. 7º a 10 da Lei nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011. 72. As medidas ora propostas retiram o prazo inicialmente estabelecido pela Lei nº 12.546, de 2011, que determinou que a contribuição previdenciária incidente sobre a receita bruta ali prevista deveria permanecer em vigor somente até 31 de dezembro de 2014, tendo em vista os resultados atingidos pela medida no que tange ao incentivo às exportações e à geração de empregos nos setores beneficiados.

Nota-se, contudo, que a legislação do regime de desoneração da folha de

pagamento foi muito "remendada", razão pela qual se recomenda muita atenção na

tarefa de se certificar quais os contribuintes sujeitos ao novo regime e quais as alíquotas

aplicáveis desde o início dessa sistemática.

O Governo, primeiramente, definiu os contribuintes da CPRB de acordo com

os bens produzidos ou comercializados, levando em conta sua classificação na tabela

NCM212. Depois disso, outros contribuintes passaram a se sujeitar à CPRB com base na

sua atividade em relação ao CNAE.

Assim, por exemplo: empresas prestadoras de serviços de call center estão

sujeitas à alíquota de 2,0% sobre a receita bruta; empresas de manutenção e reparação

de aeronaves estão sujeitas à alíquota de 1,0% sobre a receita bruta; empresas

fabricantes de couros, grampos, botões etc., estão sujeitas à alíquota de 1,5% e assim

por diante.

No caso de empresas que possuam atividades sujeitas e não sujeitas ao

novo regime, bem como para contribuintes que fabriquem produtos incluídos e não

212 A tabela NCM (Nomenclatura Comum do Mercosul) foi estruturada por meio de códigos de oito dígitos estabelecidos para identificar a natureza das mercadorias e promover o desenvolvimento do comércio internacional.

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incluídos, a substituição deve ser aplicada parcialmente. Nesta hipótese, o contribuinte

deverá proporcionalizar sua receita de acordo com os serviços/produtos enquadrados e

não enquadrados, sujeitando-se às duas sistemáticas concomitantemente.

Se, por exemplo, uma empresa possuir 70% de sua receita enquadrada na

norma e 30% não sujeita, então ela deverá recolher a CPRB sobre 70% de sua receita e

aplicar a alíquota previdenciária normal, de 20%, sobre uma base de cálculo reduzida,

correspondente a 30% de sua folha de pagamentos213.

A inclusão no novo regime, portanto, pode ser total ou parcial, o que significa

dizer que, atualmente, a contribuição previdenciária patronal deve ser calculada: (i)

exclusivamente com base na folha de pagamentos, para os contribuintes não

contemplados no regime de desoneração; (ii) exclusivamente com base na receita

bruta, para os contribuintes que exerçam apenas atividades contempladas ou fabricam

somente produtos incluídos na substituição; (iii) parte pela folha e parte pela receita

(“regime misto”), com base no critério de proporcionalização, para os contribuintes

sujeitos às duas sistemáticas.

A sujeição à CPRB não se trata de uma opção para as empresas, conforme

esclarece o artigo 4º do Decreto nº 7.828/2012, editado para regulamentar a Lei nº

12.546/2011: “As contribuições de que tratam os arts 2º e 3º têm caráter impositivo aos

contribuintes que exerçam as atividades neles mencionadas.”.

Na prática, conforme noticiado pela imprensa, tudo indica que o regime de

desoneração trouxe redução da carga tributária para a maioria dos contribuintes.

Todavia, temos conhecimento de que, para algumas empresas contempladas pela

CPRB, a mudança de regime ocasionou aumento da carga tributária até então

suportada com base na folha de pagamento.

Tendo isso em vista, a nosso ver esse novo regime de apuração da

contribuição previdenciária, instituído em face da CPRB, merece uma análise mais

aprofundada, a fim de verificar a constitucionalidade ou não de sua obrigatoriedade,

assim como alguns pontos já controversos existentes neste novo regime.

213 Há determinação que estabelece que a desoneração não deve ser aplicada a empresas que se dediquem a outras atividades, além daquelas contempladas no regime de desoneração da folha, cuja receita bruta decorrente dessas outras atividades seja igual ou superior a 95% da receita bruta total (art. 7º, § 2º, da Lei nº 12.546/2011).

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221

VI.IV. Análise da (In)constitucionalidade da compul soriedade da CPRB

A Emenda Constitucional nº 42/2003, conforme visto, ao inserir o § 13 no

artigo 195 da Constituição, teria permitido a instituição de “hipótese de substituição

gradual, total ou parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a, pela incidente

sobre a receita ou o faturamento”.

E, sob o pretexto de estimular o emprego formal, desonerando a carga

tributária incidente sobre a folha de pagamento, a União instituiu a Lei nº 12.546/2011

(conversão da Medida Provisória nº 540/2011 e alterada por vários outros atos

normativos), criando a CPRB de forma obrigatória para os contribuintes incluídos pela

legislação.

De fato, a referida lei buscou desonerar a folha de pagamento – o que, sem

dúvida, é positivo -, mas sua compulsoriedade pode gerar situações nas quais a nova

incidência torna-se mais onerosa que aquela que resultaria da apuração com base no

valor da folha de pagamentos. Isso é constitucional? Poderia o Legislador, ainda com

apoio no referido §13 do artigo 195 da Constituição, inserido pela EC nº 42/2003, obrigar

um contribuinte a recolher a contribuição previdenciária patronal com base na receita,

na hipótese desta sistemática ensejar mais tributo a pagar do que comparado ao regime

anterior? A instituição da CPRB elimina o “direito” do contribuinte se valer do cálculo da

contribuição com base na folha no caso deste ser mais vantajoso?

Antecipamos nosso entendimento e a resposta é negativa. Ou seja, não, a

CPRB não pode onerar mais o contribuinte do que a contribuição previdenciária patronal

ordinária (incidente sobre a folha). Resta inconstitucional a compulsoriedade da CPRB

nesses casos, conforme passaremos a demonstrar.

A CPRB não constitui um tributo novo, mas sim nova sistemática de

apuração da contribuição previdenciária patronal referida no artigo 195, I, “a”, da

Constituição. Isso porque a Constituição (artigo 195, § 13) autoriza, quando muito,

apenas a “substituição” da base de cálculo (da folha para a receita), como forma de

desonerar a carga tributária das empresas incidente sobre os pagamentos de

remunerações por trabalhos de pessoas físicas.

A Receita Federal do Brasil, aliás, ao analisar o fundamento da CPRB,

verificou que, “em submissão às disposições dos §§ 12 e 13 do art. 195 da Constituição

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222

Federal, a legislação erigiu como hipótese de incidência da contribuição substitutiva em

lume o auferimento de receita.”214

A substituição tributária, pois, constitui um instituto jurídico acolhido no

sistema do direito positivo brasileiro em prol dos princípios da eficiência e praticidade.

De acordo com o artigo 37 da Constituição Federal, a administração pública

direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e

dos Municípios obedecerá, dentre outros princípios, ao da eficiência.

Por eficiência deve-se entender a necessidade do Estado agir com agilidade,

presteza e com a maior economicidade e rendimento possível. Segundo a professora

Pietro (2001:p. 83), o princípio da eficiência

pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público.

Trazendo essas considerações para o âmbito tributário, Martins, I. (2006: pp.

31, 42) sustenta que:

O princípio da eficiência, em matéria tributária, portanto, pode ser definido como a adoção de política tributária com mecanismos e instrumentos legais capazes de gerar desenvolvimento e justiça fiscal, sendo, pois, a arrecadação, mera consequência natural e necessária, para que, sem ferir a capacidade contributiva, gere serviços públicos à comunidade proporcionais ao nível impositivo. Os limites materiais estão nos princípios da capacidade contributiva, do efeito não confisco, da isonomia e da proporcionalidade entre o nível de arrecadação e a extensão e qualidade dos serviços públicos, direitos ou indiretos, retornando à sociedade. (...) No Brasil, pode-se assegurar, sem nenhum receio de erro, que o princípio da eficiência passa à margem do sistema tributário brasileiro, tendo a desfiguração da Constituição Federal, em seus arts. 145 a 156, sido uma constante da sucessão de emendas constitucionais. O resultado foi o surgimento de um dos mais caóticos sistemas tributários do mundo, gerando permanente tensão entre o Fisco e o contribuinte e entre o Fisco e diversas entidades federativas. Decididamente, o princípio da eficiência e o sistema tributário brasileiro trilham caminhos opostos.

214 Item 7 do Parecer Normativo nº 03/2012.

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223

Sobre eficiência em matéria tributária Machado (2006: pp. 53, 54, 55)

esclarece:

Em matéria tributária, todavia, nota-se um grande equívoco no que concerne à ideia de eficiência da Administração. Equívoco que consiste em tomar o princípio da eficiência no sentido de princípio da máxima arrecadação. (...) O princípio da eficiência em matéria tributária consiste na realização da atividade de tributação de forma a propiciar o máximo resultado, vale dizer, a maior arrecadação, sem prejuízo para a realização do objetivo essencial do Estado que consiste na preservação do ordenamento jurídico como instrumento da realização do bem comum, e com o mínimo de sacrifício para os contribuintes. Os limites materiais do princípio, portanto, consistem nos demais princípios jurídicos, em especial nos princípios da legalidade e da isonomia. O princípio da eficiência é de observância obrigatória não apenas para a Administração, mas também pelo Poder Legislativo e pelo Poder Judiciário.

A praticidade, nesse contexto, seria o meio de implementar a eficiência

administrativa, tendo por objetivo concretizar políticas que gerem os resultados

estabelecidos pelos Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), mas sem violar as

limitações constitucionais.

Nos dizeres de Derzi, M. (2007: p. 104), a praticidade consiste em “todos os

meios e técnicas utilizáveis com o objetivo de tornar simples e viável a execução das

leis.”

Em aprofundado estudo sobre o tema, Costa (2007: PP. 94, 216) conclui

que:

a Constituição da República, ao preestabelecer as situações fáticas que poderão ser apreendidas pelo legislador infraconstitucional para a confecção das hipóteses de incidência tributária, cerceia substancialmente a atividade de eleição deste. Assim é que o legislador deverá recortar, das regras-matrizes de incidência fixadas constitucionalmente, situações de caráter econômico que reflitam a capacidade contributiva objetivada. Posto isso, respeitados tais contornos fáticos, o legislador tributário poderá valer-se de instrumentos vários destinados a viabilizar a apreensão daquele conteúdo econômico de maneira pragmática, de modo a realizar diretriz orientadora dos impostos. Daí o emprego de presunções, padronizações e esquematizações, dentre outros expedientes, aptos a atuar no âmbito das imposições fiscais não vinculadas a uma atuação estatal.

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224

(...) a implementação da praticidade tributária, por qualquer dos recursos apontados, deve render homenagem aos direitos e garantias do contribuinte, em atenção aos princípios constitucionais tributários.

A eficiência e a praticidade, contudo, podem ser resumidas a técnicas de

privatização tributária que objetivam viabilizar ou simplificar a execução das normas

jurídicas, especialmente as de cunho tributário. As formas mais usuais de expressão de

praticidade ocorrem por meio das presunções, indícios, substituições tributárias etc.,

artifícios estes que minimizam e facilitam o controle de fiscalização e arrecadação

tributária.

A utilização desses expedientes, porém, deve ser feita com a máxima

cautela, sem implicar qualquer violação aos direitos dos contribuintes. Sem dúvida

nenhuma, a praticidade é um método que facilita a arrecadação e evita a sonegação,

mas também pode servir de expediente negativo à segurança jurídica e até mesmo

contrário aos ideais do Estado Democrático de Direito.

A forma de substituição tributária mais clássica ocorre no aspecto pessoal da

regra matriz de incidência tributária, mais precisamente quando a lei elege outra pessoa

“no lugar” do contribuinte no que tange à obrigação de efetuar o pagamento de um

determinado tributo devido. Daí falar-se em “substituição” do contribuinte (que passa a

denominar-se de “substituído”) por um terceiro (o “substituto”).

Nesse sentido expõe Xavier (2000, p. 48):

a substituição tributária corresponde a um regime excepcional, que representa um desvio lógico no regime geral segundo o qual a mesma pessoa que tem capacidade contributiva em relação a dado tributo é referida na hipótese de incidência como sujeito do fato gerador e é expressamente obrigada por lei à realização de prestação tributária, cujo ônus financeiro deve também suportar.

Isso costuma ser feito porque o Estado identifica, na pessoa do substituto, a

praticidade de exigir o tributo, de forma a reduzir o inadimplemento e facilitar a

fiscalização.

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225

O próprio Código Tributário Nacional215 reconhece como sujeito passivo,

além do contribuinte, a pessoa colocada pela lei como responsável pelo pagamento de

dado tributo, desde que tal pessoa possua relação com o fato gerador216.

Exemplo desse tipo de substituição ocorre na retenção previdenciária de

11% (instituída, conforme visto anteriormente, pela Lei nº 9.711/1998), na qual o

tomador do serviço executado mediante cessão de mão de obra fica responsável por

antecipar a contribuição previdenciária devida pelo prestador dos serviços.

A substituição tributária também pode atingir o aspecto temporal de dado

tributo, podendo ser dividida em substituição para trás e substituição para frente.

Naquela confere-se ao substituto tributário a responsabilidade pela obrigação

decorrente de fatos jurídicos pretéritos; e nesta imputa-se ao substituto a

responsabilidade pelo cumprimento de obrigações por fatos futuros de provável

ocorrência.

A previsão constitucional da substituição tributária para frente foi introduzida

pela Emenda Constitucional nº 3/93, ao incluir o sétimo parágrafo no artigo 150 de

nossa Carta Magna, nos seguintes termos: "A lei poderá atribuir a sujeito passivo de

obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou

contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e

preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido".

Na substituição para frente, então, o tributo relativo a “fatos geradores

futuros” deve ser arrecadado antecipadamente sobre uma base de cálculo presumida. À

guia de exemplo, o estabelecimento industrial que vende certo produto pode ser

colocado pela lei como responsável por recolher o tributo devido por ele mesmo e pelas

demais partes da cadeia, tais como distribuidor e varejista.

Essa espécie de substituição tributária (para frente), não raramente utilizada

para fins de ICMS, foi objeto de várias críticas e teve sua constitucionalidade

questionada. Após julgamento do STF 217 , o Ministro Relator Ilmar Galvão deixou

consignado que tal regime não ofenderia nenhum preceito constitucional, uma vez que

atenderia à necessidade de política tributária. O acórdão restou assim ementado:

215 Artigo 121, II. 216Conforme artigo 128, do CTN: “Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação”. 217 RE 213.396-5/SP (Dj 01/12/2000).

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226

TRIBUTÁRIO. ICMS. ESTADO DE SÃO PAULO. COMÉRCIO DE VEÍCULOS NOVOS. ART. 155, § 2º, XII, B, DA CF/88. C ONVÊNIOS ICM Nº 66/88 (ART. 25) E ICMS Nº 107/89. ART. 8º, INC. XIII E § 4º, DA LEI PAULISTA Nº 6.374/89. (...) A responsabilidade, como substituto, no caso, foi imposta, por lei, como medida de política fiscal, autorizada pela Constituição, não havendo que se falar em exigência tributária despida de fato gerador.

Superada a discussão acerca da constitucionalidade da substituição

tributária para frente, a controvérsia passou a girar em torno da possibilidade de

restituição na hipótese da base de cálculo presumida superar aquela efetivamente

praticada. Isso pode ocorrer quando o contribuinte adota um preço por valor inferior ao

estabelecido como base de cálculo (“pauta fiscal”, por exemplo).

Fundada numa interpretação literal do § 7º do artigo 150 (mais precisamente

em face do trecho “assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga,

caso não se realize o fato gerador presumido”), o STF, por maioria de votos, julgou

improcedente a ADIN nº 1.851-4/AL218, restringindo o alcance da cláusula de restituição

em questão apenas às situações excepcionais em que o fato tributário presumido deixa

de ocorrer.

Na ocasião, prevaleceu o entendimento de que o “fato gerador presumido,

por isso mesmo, não é provisório, mas definitivo, não dando ensejo a restituição ou

complementação do imposto pago, senão, no primeiro caso, na hipótese de sua não

realização final”219.

Com a devida vênia, não concordamos com essa linha de raciocínio. A

nosso ver, tanto a não ocorrência do fato gerador presumido, quanto o emprego de base

imponível inferior àquela utilizada no regime de substituição devem dar ensejo ao direito

ao respectivo indébito, sob pena de enriquecimento ilícito do Estado.

Temos a expectativa, nesse ponto, de uma reforma do entendimento

vencedor constante daquele precedente jurisprudencial (ADIN nº 1.851-4), considerando

que discussão semelhante encontra-se travada nas Ações Diretas de

218 Tal ação foi proposta para fins de buscar o reconhecimento da constitucionalidade do Convênio nº 13/97, que negava o direito quanto à restituição do ICMS pago pelo substituto, quando a operação subsequente fosse praticada por valor inferior ao adotado como base de cálculo. 219 Trecho extraído da ementa do Acórdão proferido nos autos da ADIN nº 1.851-4/AL (Dj 25/04/2003).

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227

Inconstitucionalidade nº 2.777/SP220 e 2.675/PE221, já tendo sido considerado pelo STF,

inclusive, que a controvérsia possui repercussão geral222.

Não obstante, já é possível vislumbrar a irresignação do Ministro Cesar

Peluzo (Relator do RE 593.849) com o teor do julgado da ADIN 1.851-4, quando do

registro de seu voto no recurso extraordinário citado:

a lei não cuida apenas do fato gerador como simples evento histórico que componha a cadeia da comercialização, mas se refere ainda ao mesmo fato como unidade jurídico-normativa, da qual é ineliminável a dimensão do valor monetário que serve à definição da base de cálculo do tributo. Daí, a necessidade de se considerar também a hipótese em que, embora acontecido o fato na sua consistência material, não se realiza a dimensão monetária presumida pela lei como base de cálculo do tributo, cuja obrigação de pagamento antecipou. (...) A cláusula de devolução não admite interpretação literal, nem restritiva, sob pena de ofensa da competência tributária estabelecida na Constituição da República (materialidade), e sobretudo, e isso em caráter aberto, ao princípio constitucional da vedação ao confisco (art. 150, inc. IV).

Precisas, também, foram as seguintes ponderações do Ministro Marco

Aurélio, quando do seu voto vencido proferido na referida ação direta de

inconstitucionalidade. Veja-se:

O contribuinte não pode afastar, ante a lei editada a partir do § 7º do artigo 150, a substituição tributária. Então, o Estado, todo-poderoso, impõe o sistema, dita o chamado valor presumido, que deixa de ser presumido, passando a definitivo, unilateralmente, e, realizado aquém daquele valor o negócio jurídico, a circulação de mercadorias que gera tributo, não há o direito à restituição? O que é isso senão o enriquecimento sem causa? Interpretar a Carta da República a ponto de agasalhar-se o enriquecimento sem causa? (...) É incrível como se consegue sempre uma forma de majorar tributos. Quer quando se deixa reconhecer, mesmo com a inflação a galope, o direito á correção monetária do crédito que será repassado para o mês seguinte, quer nessa hipótese em que fica o Estado com a faca e o queijo na mão e delimita, fixa o valor presumido.

220 Essa ação tem por objeto o artigo 66-B, II, da Lei do Estado de São Paulo nº 6.374/89, inserido pela Lei nº 9.176/95, que assegura a restituição do ICMS pago via substituição para frente, “caso se comprove que na operação final com mercadoria ou serviço ficou configurada obrigação tributária de valor inferior à presumida”. 221 Por meio desta ADIn, o Governador de Pernambuco impugnou a previsão contida no artigo 19, II, da Lei nº 11.408/96, que permitiu o creditamento do ICMS pago a maior em virtude da diferença entre a base de cálculo presumida e a real. 222 RE nº 593.849 (Dj 24/10/2011).

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228

Presunção para quê? Presunção definitiva? A meu ver, não, porque contraria o sentido do vocábulo, a ordem natural das coisas, cuja força é insuplantável.

De fato, a regra matriz de incidência tributária estabelece um verdadeiro

limite às hipóteses de substituição tributária. Não aceitamos a tese de que as

presunções, independentemente do veículo que as introduz no sistema jurídico, possam

extrapolar as barreiras da competência tributária.

Nunca é demasiado lembrar que a regra matriz de incidência tributária,

conforme leciona Carvalho, P. (1998: p. 120), “enquanto forma, reúne aquilo que há de

constante, de homogêneo, de permanente, de imutável”.

Essa premissa, ressalte-se, foi adotada pelo Ministro Dias Toffoli ao julgar a

inconstitucionalidade da contribuição previdenciária incidente sobre pagamentos por

serviços tomados de cooperativas de trabalho, conforme atesta a seguinte passagem

constante de seu voto:

uma vez definido constitucionalmente o conteúdo mínimo da norma padrão de incidência tributária (base econômica) – na hipótese, aquela descrita no art. 195, I, a, da Carta Magna -, o legislador que venha a instituir tributo exercitando essa competência estará estritamente vinculado aos termos da norma que a definiu. 223

Ora, não se pode admitir que, diante da rigidez e completude de nosso

sistema constitucional tributário, fique o contribuinte sujeito a uma sobreposição

contributiva oriunda de uma presunção prevista em norma de substituição tributária, cujo

ônus supere aquele decorrente da regra matriz de incidência da exação que se

pretendeu substituir.

Nesse sentido, Haret (2010: p. 583) assim se manifestou:

Parece-nos perfeitamente justificada e coerente a adoção das limitações ao poder de tributar como verdadeiros limites objetivos à técnica das presunções tanto em âmbito legislativo quanto em planos executivos. Nem o legislador nem o aplicador do direito podem ultrapassar as materialidades minuciosamente descritas na Constituição. Assim procedendo, fará irromper tributação indevida, além de provocar corrupção no sistema tributário como um todo.

223 RE 595.838/SP (Dj 23/04/2014).

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229

A constitucionalidade do regime de substituição tributária está condicionada

à devida atenção aos limites definidos pela regra matriz de incidência do tributo

substituído.

Para essa análise, vale o que foi sinalizado pela Ministra Ellen Gracie no

julgamento do RE nº 603.191/MT:

não se pode admitir que a substituição resulte em transgressão às normas de competência tributária e ao princípio da capacidade contributiva, ofendendo os direitos do contribuinte. (...) a substituição tributária não autoriza, por isso, a utilização de presunções absolutas dissociadas da efetiva dimensão do fato gerador que resultem em ônus demasiado para o contribuinte, com extrapolação das normas de competência, violação ao princípio da capacidade contributiva ou à vedação ao confisco.

É inequívoco, contudo, que se revela inconstitucional a adoção de

mecanismos de fixação de base de cálculo fundados em presunções absolutas que,

descaracterizando a dimensão econômica definida constitucionalmente, enseje

obrigação tributária mais onerosa.

Exemplo de inconstitucionalidade dessa natureza ocorre justamente com a

compulsoriedade da CPRB, mais precisamente na hipótese de ela resultar maior ônus

do que aquela que incidiria sobre a folha de pagamentos. A partir do momento em que o

contribuinte deixa de ter a opção de calcular a contribuição previdenciária do artigo 195,

I, “a”, da Constituição sobre a folha de pagamentos, passando obrigatoriamente a se

sujeitar à substituição da base pela receita, a nova exação acaba violando o dever de

coerência sistemática, colocando em xeque os limites previstos na Constituição quanto

ao critério quantitativo da sua regra matriz de incidência.

Barreto, P. (2014: pp.225, 231) representa bem nossa ideia:

Não nos repugna a previsão normativa de que a contribuição previdenciária sobre a folha de salários e rendimentos vem a ser apurada com base na receita da empresa, desde que, como dissemos, tal mecanismo de mensuração do tributo seja meramente facultativo. (...) Não há óbice constitucional à criação de mecanismo alternativo de desoneração de encargos incidentes sobre a folha de salários. Mas, se o caminho escolhido para essa desoneração exige a adoção de base de cálculo que não leva em consideração o montante da própria folha, não há possibilidade jurídica de se ter, a título desse tributo, incidência mais

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gravosa que aquela que resulta da própria consideração do valor pago a título de salário. Não há autorização constitucional para, mediante utilização de base de cálculo distinta daquela que deflui o texto constitucional, exigir tributo mais gravoso que aquele pago pelas demais empresas ao calcular a incidência com base na própria folha. Em outras palavras: só há duas possibilidades exegéticas: (i) a apuração da contribuição previdenciária com base na receita, nos termos do que dispõem as Leis 11.546/2011 e 12.715/2012, é opção do contribuinte, podendo ele trilhar esse caminho ou, a seu critério, manter a apuração e o pagamento com base em folha de salários; (ii) ou haveria de se reconhecer a inconstitucionalidade dessa exigência nas hipóteses em que a tributação sobre a receita revela-se mais gravosa que aquela que alcançaria a folha de salários.

Com efeito, não podemos perder de vista que a CPRB foi instituída “em

substituição” à contribuição previdenciária patronal sobre a folha. Neste caso concreto, a

substituição ocorreu nos aspectos material e quantitativo, afinal, determinados

contribuintes passaram a apurar a aludida contribuição mediante aplicação de alíquota

(1% a 2,5%) sobre a receita bruta, em vez de 20% sobre a folha de pagamentos.

A CPRB, pois, nasceu como uma contribuição substituta fundada na

presunção de que a metodologia trazida implicaria desoneração da folha e,

consequentemente, economia ao contribuinte.

Resta, a nosso ver, inadmissível, sob o pretexto de desonerar a folha224, a

Lei nº 12.546/2001 obrigar o contribuinte a onerar ainda mais sua tributação incidente

sobre a receita, de forma que, no final das contas, o novo regime revele tributação mais

gravosa. Admitir tal possibilidade significa romper com o próprio instituto jurídico da

substituição tributária, desrespeitando os limites constitucionais previstos na regra matriz

da própria contribuição previdenciária patronal prevista na Constituição.

Posto isso, a nossa opinião é a de que a sistemática da CPRB, instituída

pela Lei nº 12.546/2011, e regulamentada por outros atos normativos, no direito tal

como posto, constitui uma faculdade do contribuinte a ela sujeito, que pode permanecer

com a apuração da contribuição previdenciária patronal com base na folha de

pagamentos se esta lhe for mais vantajosa economicamente.225

224 Aliás, a desoneração em questão poderia ter sido implementada de uma maneira mais simples: diminuir a alíquota (atualmente de 20%) incidente sobre a folha de pagamentos. 225 É o que ocorre, por exemplo, no âmbito do imposto sobre a renda com o lucro presumido, calculado a partir do faturamento. É o que ocorre também com as empresas do SIMPLES, que possui uma tributação unificada, calculada a partir de um percentual sobre a receita. Em ambos os casos, entretanto, a aplicação do método constitui uma opção do contribuinte.

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231

Dito de outro modo, é inconstitucional a cobrança da CPRB no valor

excedente àquele calculado com base nas remunerações pagas (isto é, 20% sobre a

folha de pagamentos).

Mas, não é só. Ainda que se entenda que a CPRB é um tributo novo,

desvinculado da contribuição previdenciária patronal de 20% sobre a folha – o que

admitimos apenas em função do debate -, ainda assim a exação, no caso de implicar

maior carga tributária, estaria contaminada pelo fato dela violar direito dos contribuintes

de não sofrerem bis in idem, bem como pela falta de atenção do Legislador quanto à

aplicação da sistemática não cumulativa.

Da análise da CPRB, verifica-se claramente sua identidade com a

materialidade (auferir receita) e base de cálculo (receita bruta) das contribuições ao PIS

e COFINS, configurando exemplo típico de bis in idem. O exercício da competência

tributária sobre a receita ou faturamento, pois, restou esgotado a partir da criação e

exigência do PIS e COFINS.

Ora, a tributação sobre uma mesma grandeza econômica por mais de um

tributo foi admitida, de acordo com o que já tivemos a oportunidade de assinalar, apenas

na configuração originária do sistema constitucional tributário. Não conferimos

legitimidade ao poder reformador para criar novas hipóteses de bis in idem em razão do

princípio da capacidade contributiva, autêntica cláusula pétrea.

Admitir mais de uma tributação sobre uma mesma base de cálculo significa

impor carga fiscal superior à capacidade contributiva, além de acabar distorcendo o

próprio sentido e coerência da repartição da competência tributária.

Ademais, outro fato que chama atenção é o de que a CPRB foi instituída de

forma cumulativa. Ocorre, entretanto, que os parágrafos doze e treze do art. 195 da

Constituição 226 (inseridos pela Emenda Constitucional nº 42/2003) determinaram ao

Legislador a observância da não cumulatividade da nova exação.

A Lei nº 12.546/2011, todavia, ao instituir a CPRB, “esqueceu” de um

“pequeno” detalhe, qual seja, o de prever e regulamentar a técnica da não

cumulatividade à aludida contribuição. O Legislador violou a norma constitucional em

tela, o que também compromete a compulsoriedade deste novo tributo.

226 “§ 12 - A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não cumulativas. § 13 - Aplica-se o disposto no § 12 inclusive na hipótese de substituição gradual, total ou parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a, pela incidente sobre a receita ou o faturamento”.

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232

De acordo com o magistério da Desembargadora do TRF da 4ª Região, Dra.

Marga Inge Barth Tessler227:

o Constituinte Derivado, detentor do poder reformador, promulgou a Emenda Constitucional nº 42, de 19-12-2003, inserindo no art. 195 da Constituição Federal o inciso IV e os §§ 12 e 13, com base na qual, vem-se afirmando, pretendeu dar respaldo constitucional à pretendida transferência da base de cálculo da contribuição social. (...) Não pode passar despercebido aos operadores do Direito a estranha formulação do disposto no § 13 do art. 195 da Constituição Federal, inserido pela EC nº 42/2003, cujo texto, sem autorizar expressamente a imposição de mais uma contribuição social sobre a receita ou o faturamento, limitou-se a determinar a aplicação da técnica não-cumulativa nos casos em que a lei viesse a prever tal substituição. Saliento que a Constituição Federal autorizou a superposição contributiva em casos excepcionais, e somente após, em complemento, determinou a aplicação da técnica não-cumulativa quando tal superposição significasse a substituição da contribuição sobre a folha de salários. Ora, partindo-se do pressuposto, absolutamente certo, de que o Constituinte Originário aprovou o texto da Constituição de 1988, com as ressalvas nele expressas, adotando o princípio da unicidade de contribuição, causa estranheza a inserção do § 13 do art. 195 da Carta Magna, pelo Constituinte Derivado, permitindo a migração da contribuição social incidente sobre a folha de salários para a receita ou o faturamento de alguns setores de atividade econômica a serem definidos por lei, quando de antemão sabe-se vedado pelo texto constitucional primevo a criação de outra ou mais contribuições sociais tendo por base a receita ou o faturamento. Num exemplo mais chocante seria o mesmo que uma emenda constitucional vir a dispor sobre a forma ou modo de aplicação da pena de morte, quando sabida e expressamente proibida a pena de morte pelo Constituinte Originário.

Concordamos plenamente com o teor da decisão em questão, ou seja, não

vemos como admitir, à luz do sistema constitucional tributário, que os contribuintes

sejam obrigados a “abrir mão” de uma contribuição que possui regra matriz tributária

definida na Constituição, por outra que implique bis in idem mais oneroso.

Finalmente, também merece atenção o fato de que a CPRB foi instituída por

Medida Provisória, e não lei, fato este que viola o princípio da legalidade no seu aspecto

formal.

227 Trecho do voto proferido no Acórdão relativo ao processo 2006.70.11.000309-7, DJ 30/09/2009.

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233

Ocorre que se acha assentado no STF 228 o posicionamento de que é

legítima a disciplina de matéria de natureza tributária (o que inclui a instituição de

tributo) por meio de medida provisória229.

A Constituição Federal regulamentou a figura da medida provisória no seu

artigo 62, o qual, na sua redação originária, não continha previsão sobre seu uso em

matéria tributária. Por meio da Emenda Constitucional nº 32/2001, editada em momento

posterior ao entendimento manifestado pelo STF, referido artigo foi modificado. Dentre

as alterações, foi inserido o parágrafo segundo, dispondo que “Medida Provisória que

implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV,

V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido

convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada”.

Ao comentar a aludida Emenda Constitucional, Carrazza, R. (2000: pp. 303,

306) aponta que:

Essa postura animou o Governo Federal a voos mais altos. Com efeito, valendo-se de estratégias políticas, pelejou para que o Congresso Nacional “convalidasse”, de uma vez por todas, os abusos cometidos. Afinal, o “incômodo” art. 62 da Carta Magna sempre poderia suscitar reviravoltas, inclusive na jurisprudência. Foi neste contexto que veio a lume a Emenda Constitucional 32, de 11.9.2001, marotamente alterando o art. 62 da CF (...) O que se nota, prima facie, é que o constituinte derivado investiu-se das prerrogativas de constituinte originário e, sem a menor cerimônia, “reconstruiu”, a seu talante, a figura da medida provisória. (...) Todavia, academicamente continuamos a obtemperar que tal emenda constitucional, na parte atinente ás medidas provisórias, afronta o princípio da legalidade, máxime em matéria tributária, e, por via de consequência, a autonomia e independência do Poder Legislativo. Viola, pois, a cláusula pétrea do art. 60, § 4º, III, da CF, que estabelece que nenhuma emenda constitucional poderá sequer tender a abolir a separação dos Poderes.

De fato, a medida provisória, enquanto ato do Poder Executivo, não constitui

veículo competente para criar tributos. Medida Provisória não é lei e somente lei é que

pode disciplinar matéria tributária, conforme visto. Admitir o contrário, como pretende a

228 Vide, por exemplo, ADI 1.417-MC e ADI 1.667-MC. 229 Isto significa dizer que, ao menos aos olhos da jurisprudência judicial, há uma exceção ao aspecto formal da legalidade. Ou seja, na visão do Tribunal Supremo, além da lei ordinária e lei complementar, a medida provisória seria veículo legislativo apto a criar ou aumentar tributos.

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234

malfadada Emenda Constitucional, constitui violação ao princípio da legalidade e,

consequentemente, de direito fundamental do contribuinte230.

Com base em tudo que foi exposto, a nossa opinião é a de que a

compulsoriedade da CPRB é inconstitucional por quatro motivos: (i) pelo dever de

coerência à regra matriz do tributo que veio a substituir; (ii) por violar o direito dos

contribuintes de não sofrerem bis in idem de forma gravosa; (iii) pelo desrespeito à não

cumulatividade; e (iv) violação do princípio da legalidade, tendo em vista sua instituição

por medida provisória.

Passamos, agora, a analisar algumas questões pontuais já polêmicas em

torno da CPRB.

VI.V. Definição de Receita Bruta para fins de apura ção da CPRB

A base de cálculo da CPRB, de acordo com o artigo 5º, do Decreto nº

7.828/2012231, corresponde à “receita bruta”, excluídas (i) as vendas canceladas, (ii) os

descontos incondicionais concedidos, (iii) o Imposto sobre Produtos Industrializados

(IPI), se incluído na receita; e (iv) o Imposto o Imposto sobre Operações relativas à

Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual

e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), quando cobrado pelo vendedor dos bens ou

prestador dos serviços na condição de substituto tributário.

230 Além disso, cumpre notar que a urgência e relevância são requisitos essenciais para a edição de medidas provisórias (conforme caput do artigo 62), o que demonstra sua incompatibilidade no que diz respeito à matéria tributária, tendo em vista o princípio da anterioridade, que adiante será analisado. Também em relação aos tributos não submetidos ao princípio da anterioridade (previstos no artigo 153, I, II, IV e V, da Constituição), a nosso ver, definitivamente não poderiam ser criados ou majorados por meio de medidas provisórias, porque, se assim fosse, o enunciado contido no art. 153, § 1º (É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei , alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V) tornaria sem sentido. 231 “Artigo 5º (...): I - a receita bruta deve ser considerada sem o ajuste de que trata o inciso VIII do caput do art. 183 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976; e II - na determinação da base de cálculo da contribuição previdenciária sobre a receita, poderão ser excluídos: a) a receita bruta de exportações; b) as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos; c) o IPI, quando incluído na receita bruta; e d) o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS, quando cobrado pelo vendedor dos bens ou prestador dos serviços na condição de substituto tributário.”

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235

A receita bruta deve ser considerada sem o ajuste de que trata o inciso VIII

do art. 183 da Lei no 6.404/1976 232 , sendo passíveis de exclusão as receitas

provenientes de exportações e de transporte internacional de carga.

No início da sua vigência surgiu dúvida se a “receita bruta” sobre a qual

incide a CPRB compreende apenas o conceito de “receita bruta das vendas e

serviços”233, ou se seria mais amplo de modo que abrangesse a totalidade das receitas

auferidas pela empresa. Ou seja, ao dizer “receita bruta”, a Lei da CPRB teria se

referido apenas ao “faturamento” (composto de receitas decorrentes exclusivamente da

venda de bens e serviços) ou à totalidade dos ingressos da empresa (“receita bruta”).

Na tentativa de elucidar a questão, a Receita Federal do Brasil, por meio do

Parecer Normativo nº 3/2012, proferiu o entendimento segundo o qual a receita bruta

para fins de CPRB equivale à receita bruta das contribuições ao PIS e COFINS,

concluindo que:

a) a receita bruta que constitui a base de cálculo da contribuição a que se referem os arts. 7º a 9º da Lei nº 12.546, de 2011, compreende: a receita decorrente da venda de bens nas operações de conta própria; a receita decorrente da prestação de serviços em geral; e o resultado auferido nas operações de conta alheia; b) podem ser excluídos da receita bruta a que se refere o item "a" os valores relativos: à receita bruta de exportações; às vendas canceladas e aos descontos incondicionais concedidos; ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), quando incluído na receita bruta; e ao Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), quando cobrado pelo vendedor dos bens ou prestador dos serviços na condição de substituto tributário.

Com base nesse ato normativo, nota-se verdadeira identidade da base de

cálculo da CPRB com a base de cálculo das contribuições ao PIS e COFINS, razão pela

qual, atualmente, é possível aferir que alguns contribuintes podem estar sujeitos a três

contribuições para a seguridade social sobre sua receita bruta: além do PIS e COFINS,

também a CPRB, em substituição à contribuição previdenciária sobre a folha.

232 “Artigo 183 - No balanço, os elementos do ativo serão avaliados segundo os seguintes critérios: (...) VIII – os elementos do ativo decorrentes de operações de longo prazo serão ajustados a valor presente, sendo os demais ajustados quando houver efeito relevante. 233 Conceito que foi fixado pela Lei nº 6.404/1976, em seu artigo 187, inciso I.

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236

VI.VI.I. Receitas de Exportação

A Lei nº 12.546/2011 (art. 9º, II, “a”) permite excluir da base de cálculo da

CPRB a receita bruta “de exportações”. A Receita Federal, ao regulamentar a matéria,

entendeu que apenas receitas decorrentes de exportações diretas podem ser excluídas

da base da CPRB, sendo que “a receita bruta proveniente de vendas a empresas

comerciais exportadoras compõem a base de cálculo”.234

Apenas para elucidar, nas relações firmadas entre empresas brasileiras com

partes localizadas no exterior, é possível os contribuintes auferirem receitas a título de

vendas diretas (exportação direta) ou por intermédio de empresas comerciais

exportadoras, trading companies ou outra empresa habilitada a operar com o comércio

exterior (exportações indiretas).

De acordo com o comando veiculado pela referida Instrução Normativa, a

CPRB não incidiria apenas sobre as receitas de exportações diretas, devendo as

receitas das exportações indiretas integraram a sua base de cálculo.

A nosso ver essa previsão de tributar as receitas de exportações indiretas

pela CPRB revela-se inconstitucional, pois busca restringir indevidamente hipótese de

imunidade e viola o princípio da legalidade.

A Constituição Federal, no seu artigo 149, § 2º 235 , determina que as

contribuições sociais – gênero que compreende a espécie contribuições previdenciárias

- não devem incidir sobre as receitas decorrentes de exportação. Também a Lei nº

12.546/2011 permite a exclusão das receitas de exportação da base de cálculo da

CPRB, sem especificar maiores detalhes.

Segundo a definição de Silva, D. (2004: p. 586):

Derivado do latim exportatio, de exportare (levar para fora), indica, na terminologia comercial e jurídica, todo ato de remessa de uma mercadoria, ou produto para o exterior, isto é, para fora do país em que foi produzida. Tecnicamente, pois, o vocábulo exportação envolve, simples e puramente, o sentido da saída de mercadoria para país estranho. (...) Nesta razão é que, na terminologia fiscal, direitos ou impostos de exportação, entendem-se direitos ou impostos de saída de mercadorias para o estrangeiro.

234 Conforme artigo 3º, § 1º, da IN RFB nº 1.436/2013. 235 “Artigo 149 – (...) § 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: I - não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação.”

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237

Exportar, contudo, corresponde ao ato de remeter mercadoria para um país

diferente daquele em que ela foi fabricada ou adquirida. Na prática, tal remessa pode

ser feita diretamente (ou seja, pelo próprio produtor ou comerciante) ou por empresas

especializadas. Independentemente da forma, a natureza da operação enquanto

exportação236, segundo pensamos, não se altera.

É justamente fundada nessa premissa que somos da opinião de que a

tributação sobre receitas decorrentes de exportações indiretas pela CPRB, prevista no

artigo 3º da Instrução Normativa nº 1.436/2014, revela-se inconstitucional, por pretender

reduzir indevidamente imunidade tributária (artigo 149, § 2º, da Constituição), além de

ilegal, por afronta à própria Lei nº 12.546/2011237, que não diferenciou exportação direta

de indireta.

VI.VI.II. Da Não Inclusão do ICMS ou ISS na Base de Cálculo da CPRB

Em sendo o faturamento o resultado da venda de mercadorias ou serviços

(de acordo com as atividades praticadas pela pessoa jurídica) e em sendo receita um

ingresso ao patrimônio da pessoa jurídica, resta claro que o ICMS ou o ISS, sendo

imposto devido pelo contribuinte em razão de outros fatores (venda de mercadorias ou

prestação de serviços), naturalmente não pode compor nem o faturamento, nem a

receita.

A integração do valor do ICMS ou ISS na base de cálculo da CPRB (e do

PIS e da COFINS) constitui uma tributação cumulativa sem amparo constitucional,

trazendo como consequência que os contribuintes passem a calcular as exações sobre

“receitas” que não lhes pertencem. Incluir o ICMS ou o ISS na base de cálculo da CPRB

leva ao inaceitável entendimento de que a empresa "fatura ICMS/ISS" ou "aufere receita

de ICMS/ISS", o que a toda evidência não ocorre.

236 O Decreto-lei nº 1.248/1972, aliás, assegura ao produtor-vendedor, nas vendas para exportação indireta, os mesmos benefícios concedidos à exportação feita de forma direta, o que, quando menos, revela uma equiparação dos regimes para fins de caracterização de exportação. 237 Considerando que a imunidade de contribuição social recai sobre exportações, sem qualquer restrição no texto da Lei Maior, não poderia uma Instrução Normativa, nem mesmo a lei, liminar sua aplicação às exportações diretas. No âmbito do STF, a propósito, existe recurso extraordinário (RE 759244), com repercussão geral já reconhecida, que discute matéria semelhante. Mais precisamente, esse caso concreto busca afastar a exigência da contribuição previdenciária incidente sobre as receitas de exportações indiretas promovidas por produtores rurais e agroindústrias.

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238

Enquanto os valores de ICMS ou ISS circulam por sua contabilidade, o

contribuinte apenas obtém ingressos de caixa que não lhe pertencem, ou seja, não se

incorporam a seu patrimônio, até porque destinados aos cofres públicos (estadual –

ICMS ou municipal - ISS). Como registrou o Ministro Marco Aurélio, “se alguém fatura

ICMS, esse alguém é o Estado e não o vendedor da mercadoria.”238

Nesse ponto, vale mais uma vez observar os ensinamentos de Carrazza, R.

(2002: p. 437), embora tratando especificamente da incidência do ICMS na base de

cálculo da COFINS:

a inclusão, na base de cálculo do PIS e da COFINS, do valor correspondente ao ICMS pago abre espaço a que a União Federal locuplete-se com exações híbridas e teratológicas, que não se ajustam aos modelos de nenhum dos tributos que a Constituição, expressa ou implicitamente, lhe outorgou. Eis porque estamos convencidos de que o ICMS recolhido não pode integrar a base de cálculo do PIS e da COFINS que lhe são exigidos. Do contrário, a base de cálculo destes dois tributos passaria a ser o faturamento mais o montante que paga a título de ICMS. Haveria, aí, nítido aumento dos tributos, pela indevida majoração de suas bases de cálculo. Indevida porque sem respaldo na Lei Suprema.

Como a CPRB só pode incidir sobre receitas, não resta dúvida de que

qualquer valor que não possa assim ser considerado, como é o caso de outros tributos,

como o ICMS e o ISS, não integra a base de cálculo dessa contribuição substituta.

VI.VII. As Diferentes Alíquotas da CPRB em face do Princípio da Isonomia

As alíquotas da CPRB oscilaram entre 1% a 2,5%. Após diversas alterações

normativas, a partir de janeiro de 2014, os percentuais variam entre 1% e 2%. Assim,

por exemplo, empresas prestadoras de serviços de Tecnologia da Informação (TI), de

call center e do setor hoteleiro, estão sujeitas à alíquota de 2%, ao passo que empresas

que realizam operações de carga, que prestam serviços de construção civil ou de

transporte, estão sujeitas à alíquota de 1%.

Questão interessante consiste em verificar a validade jurídica da cobrança

da CPRB com base em alíquotas diferentes, definidas em função da atividade

econômica do contribuinte. A indagação consiste em saber se a Lei nº 12.546/2011, ao

238 RE 240.785/MG (Sessão de 08/10/2014).

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239

instituir distintas alíquotas para fins de CPRB, de acordo com o ramo de negocio

explorado pelo contribuinte, teria ou não violado o princípio da isonomia.

Para enfrentar a questão, não podemos perder de vista a previsão contida

no parágrafo nono do artigo 195 do texto constitucional, trazida pelo poder reformador,

segundo a qual “as contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo

poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade

econômica, da utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da

condição estrutural do mercado de trabalho”239.

Com base nessa previsão inserida na Constituição pelo Poder Derivado, há

quem defenda que a lei tributária atualmente teria poderes para, a partir da atividade

econômica do contribuinte, definir alíquotas diferentes independentemente de outros

fatores. O próprio STF, conforme visto anteriormente, não vislumbrou violação ao

princípio da isonomia a exigência de contribuição previdenciária patronal adicional de

2,5% das instituições financeiras240.

Não concordamos com essa “flexibilização da isonomia”. Tal dispositivo

constitucional, na verdade, só faz sentido se os fatores ali eleitos (atividade econômica,

porte da empresa etc.) representarem critério de discrímen capaz de justificar

tratamento tributável diferenciado entre contribuintes.

Para tanto, e em se tratando a CPRB de contribuição especial destinada ao

financiamento do regime geral previdenciário, o critério eleito para diferenciar alíquotas,

o da atividade econômica, somente seria legítimo se ele fosse capaz de (i) avaliar graus

diferenciados de pertinência do sujeito passivo da exação com a Previdência Social;

e/ou (ii) mensurasse níveis distintos de capacidade contributiva.

Ocorre que a “atividade econômica”, segundo nosso ponto de vista, não é

capaz de avaliar a relação entre a participação do contribuinte no custeio e o risco

trazido para a previdência, nem permite aferir sinais maiores ou menores de capacidade

contributiva.

Conforme leciona Simões (2013: 71, 125):

No caso da relação jurídica de Seguridade Social, não existe sinalagmaticidade nas prestações trocadas entre os sujeitos ativo e

239 Tal parágrafo, não custa lembrar, foi inserido pela Emenda Constitucional nº 20/1998 e teve a redação alterada pela Emenda Constitucional nº 42/2003. 240 Medida Cauletal nº 1.109-4/SP.

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240

passivo, pois a prestação pode nunca ocorrer. O trabalhador pode nunca se adoentar, nunca se acidentar, falecer e não deixar dependentes. Isto basta para infirmar o sinalagma. (...) Respondendo à questão formulada, o critério competente para desigualar contribuintes no contexto da tributação para abastecimento do Sistema de Seguridade Social, por imperativo lógico, é o risco . (...) O Sistema de Seguridade Social brasileiro adota a modalidade repartição simples ou pacto de gerações. Neste modelo o custeio deve ser suficiente para satisfazer toda a massa de benefícios, contribuintes ou não (princípio da universalidade do atendimento). Portanto, é impossível individualizar a relação custeio/benefício para cada contribuinte individualmente considerado.

A destinação da CPRB deve ser feita para custear o regime previdenciário,

apto ao pagamento dos benefícios gerados pelos riscos ali cobertos. É impossível,

neste sistema, individualizar a participação de cada contribuinte nesses riscos, razão

pela qual a “atividade econômica” não poderia ser utilizada para diferenciar alíquotas

destinadas ao custeio em questão.

Também a atividade econômica não permite segregar capacidades

contributivas distintas, na linha do que observou Tomé (2006: p. 151):”o fator distintivo

não pode residir simplesmente no dado “atividade econômica”, posto que este, por si só,

não serve como indicativo de maior ou menos capacidade contributiva”.

A adoção do discrímen “atividade econômica”, contudo, não é pertinente,

nem tampouco guarda conexão lógica para a fixação do tratamento fiscal diferenciado

para fins de CPRB. Em outras palavras, o segmento econômico de atuação do

contribuinte não constitui elemento capaz de estabelecer uma diferença de tratamento

tributário, simplesmente porque não traduz critério de distinção objetivo.

O simples fato de um contribuinte encontrar-se em um setor visto como

“saudável” pelo Estado não sustenta a exigência de maior contribuição previdenciária,

muito menos confere razoabilidade para o critério de diferenciação de tratamento.

Seguindo essa mesma linha de raciocínio, Melo (1999: pp. 152, 154) chegou

à seguinte conclusão sobre o critério “atividade econômica”:

Trata-se de uma regra de duvidosa constitucionalidade à sistemática tributária, uma vez que o princípio da isonomia representa um dos fundamentos da tributação, como corolário dos princípios da capacidade contributiva e da vedação de confisco. (...)

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241

Também se argumenta que o princípio da equidade obriga a participação equilibrada na subvenção da Seguridade Social; mas tal consideração não permite uma imposição tributária mais significativa para determinadas atividades econômicas, (...). É imprescindível a constatação de cada caso concreto, e a apuração de maior necessidade de acesso aos beneficiários previdenciários, pois nem sempre as instituições creditícias revelam alto lucro/baixa receita existindo notórias situações de insolvência. (...) Entretanto, inadmissível aceitar-se majorações de alíquota que atingem exclusivamente um certo setor do universo de contribuintes de um gravame qualquer. (...) Por conseguinte, imperioso negar-se juridicidade e eficácia a esse preceito, em face da falta de harmonização com a própria Constituição (art. 60, § 4º, IV), que constitui cláusula “pétrea”, uma vez que resultará carga tributária fundada em mera presunção (valores descoincidentes com a realidade operacional), violando o postulado da capacidade contributiva.

A diferenciação de alíquotas no regime da CPRB, fundada na atividade

econômica dos contribuintes, portanto, é passível de questionamentos.

VI.VIII. Retenção Previdenciária e Compensação

As empresas prestadoras de serviços sujeitas à CPRB e submetidas à

retenção previdenciária prevista no artigo 31, da Lei nº 8.212/1991241, passaram a se

sujeitar ao desconto de 3,5%242. O valor retido, nos termos da Instrução Normativa nº

1.436/2013, “somente poderá ser compensado pela empresa contratada com

contribuições previdenciárias de que trata a Lei nº 8.212, de 1991” (cf. art. 9º, § 3º).

Com base nessas previsões normativas, nota-se que, independentemente

da alíquota da CPRB variar (de 1% a 2,5%), no caso do contribuinte prestar serviço

sujeito à retenção previdenciária, a empresa contratante deverá reter 3,5% do valor

faturado, montante este que não poderá ser compensado com a CPRB apurada, mas

apenas com contribuições previdenciárias incidentes sobre a folha de pagamento.

Assim, por exemplo, se uma empresa de construção civil submetida à CPRB

prestar serviços sujeitos à retenção, o tomador descontará 3,5% do valor faturado a 241 “Artigo 31 - A empresa contratante de serviços executados mediante cessão de mão de obra, inclusive em regime de trabalho temporário, deverá reter 11% (onze por cento) do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolher, em nome da empresa cedente da mão de obra, a importância retida até o dia 20 (vinte) do mês subsequente ao da emissão da respectiva nota fiscal ou fatura, ou até o dia útil imediatamente anterior se não houver expediente bancário naquele dia, observado o disposto no § 5o do art. 33 desta Lei.” 242 Conforme artigo 7º, §6º e artigo 8º, § 5º, ambos da Lei nº 12.546/2011.

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242

título de contribuição previdenciária. Esta quantia retida não poderá ser utilizada para

abater a CPRB (cuja alíquota para as construtoras foi fixada em 1%), mas apenas com

as demais contribuições incidentes sobre a folha (SAT/RAT e as contribuições devidas

pelos segurados, cuja responsabilidade pelo recolhimento compete às empresas).

Por essa sistemática, é possível que o valor retido (de 3,5% sobre o

faturamento) supere o valor passível de compensação (SAT/RAT e contribuições dos

segurados a cargo da empresa), gerando acúmulo de crédito que pode prejudicar o

capital de giro e, eventualmente, a própria saúde financeira do contribuinte.

Aos olhos das autoridades fiscais, a definição da alíquota fixa de 3,5%,

assim como a vedação da compensação do valor retido com débitos de CPRB, seriam

legítimas, conforme atesta o trecho da Solução de Consulta (COSIT) nº 131 abaixo

transcrito.

2. Inicialmente, é importante ressaltar que as retenções previstas no art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991 (11%) e no § 6º do art. 7º da Lei nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011 (3,5%) referem-se ao conjunto de contribuições destinadas à Seguridade Social devidas sobre a folha de pagamento dos segurados a seu serviço, inexistindo base legal para admitir a sua compensação com a contribuição substitutiva, que incide sobre a receita bruta. 3. Nesse sentido, a própria alíquota de 3,5% prevista para as retenções nos casos das empresas submetidas à Lei nº 12.546, de 2011, já foi calculado tendo por base apenas as contribuições devidas pelos segurados empregados, sendo esta a razão para a diferença de alíquotas de retenção de 11% nos casos das empresas que contribuem sobre a folha de pagamentos, e de 3,5%, nos casos das empresas que contribuem sobre a receita bruta.

Para a Receita Federal do Brasil, o obstáculo que não pode ser superado

em prol da compensação da retenção previdenciária com a CPRB estaria no § 1º do art.

31 da Lei 8.212/91, dispositivo este que determina que

o valor retido de que trata o caput deste artigo, que deverá ser destacado na nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, poderá ser compensado por qualquer estabelecimento da empresa cedente da mão de obra, por ocasião do recolhimento das contribuições destinadas à Seguridade Social devidas sobre a folha de pagamento dos seus segurados.

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243

Não concordamos com a interpretação em comento. Segundo pensamos,

tanto a alíquota da retenção por percentual fixo de 3,5% quanto a proibição de

abatimento do valor retido com a CPRB são passíveis de questionamentos.

No que diz respeito ao percentual aplicável na retenção, entendemos que

ele deveria se limitar ao percentual da própria alíquota definida para fins de CPRB.

Assim, por exemplo, as construtoras, sujeitas à alíquota da CPRB de 1%, deveriam

sofrer a retenção mediante um percentual máximo de 1% (e não 3,5%).

A nosso ver, num contexto de alíquotas variáveis que vigoram na sistemática

de recolhimento da CPRB, não seria legítimo descontar do contribuinte uma

contribuição calculada com base num percentual superior à alíquota que lhe foi

imputada, sob pena de antecipar valores que superam o próprio quantum debeatur,

caracterizando confisco.

Em se tratando de mera técnica de arrecadação, a retenção previdenciária

em questão não poderia operar-se sob um percentual mais gravoso do que aquele

estabelecido para fins de definir o valor da própria contribuição devida (CPRB). Sendo a

retenção uma antecipação da contribuição devida pela empresa, ela não poderia

ultrapassar o montante total que deverá ser recolhido. Caso contrário, o único caminho

que os contribuintes teriam para reaver a quantia retida a maior seria a penosa via da

restituição.

O argumento de que a aplicação uniforme de um percentual fixo de 3,5%

teria sido imposta como forma de antecipar a contribuição previdenciária devida pelos

segurados, cuja responsabilidade pelo desconto e recolhimento compete à empresa,

também não nos convence, primeiro porque não tem apoio em lei e segundo porque a

contribuição dos segurados nem poderia ser objeto da referida retenção previdenciária.

Com efeito, a nosso ver a retenção previdenciária prevista no artigo 31 da

Lei nº 8.212/1991, enquanto um meio de arrecadação mais eficiente, tem o condão de

antecipar apenas as contribuições previdenciárias devidas pela empresa, o que não

abrange as contribuições devidas pelos segurados.

De fato, além das contribuições próprias, as empresas são responsáveis

pelo desconto e recolhimento da contribuição previdenciária a cargos dos segurados

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que lhe prestem serviços, o que deve ser feito por ocasião do respectivo pagamento, na

linha do que determina o artigo 30, I, “a” e “b” da Lei nº 8.212/1991243.

O dispositivo legal em questão é claro ao determinar que a responsabilidade

das empresas em relação às contribuições dos segurados que lhe prestam serviços

opera-se por meio de desconto das respectivas remunerações.

Ora, pagamento de remuneração é totalmente diferente de faturamento da

empresa. É justamente por isso que repudiamos o argumento que pretende estender a

retenção previdenciária do artigo 31 da Lei nº 8.212/1991, que incide sobre a fatura de

prestação de serviço emitida pela empresa, para a contribuição dos segurados, que

deve ser descontada em função do pagamento ou crédito da sua remuneração.

O entendimento favorável à aplicação da alíquota de retenção de 3,5%

proferido na malfadada Solução de Consulta, portanto, não se socorre, uma vez que é

fruto de uma interpretação sem fundamento em lei, bem como porque viola a

sistemática prevista na lei que regulamenta a responsabilidade tributária das empresas

em relação à contribuição previdenciária dos segurados.

Também repudiamos a vedação quanto à compensação do valor

previdenciário retido com débitos de CPRB. A nosso ver, essa proibição, além de

contrariar a própria lógica da retenção na fonte, não tem amparo legal.

O pagamento indevido ou a maior de contribuição previdenciária,

independentemente da sistemática que gerou tal recolhimento, configura crédito

passível de restituição ou compensação com base no que dispõe o artigo 89 da Lei nº

8.212/1991244.

E o instituto da compensação, no âmbito da Receita Federal do Brasil,

encontra-se regulamentado pela Instrução Normativa nº 1.300/2012, ato normativo este

que autoriza a compensação de créditos previdenciários (seja aquele apurado com base

243 “Artigo 30 - A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas: I - a empresa é obrigada a: a) arrecadar as contribuições dos segurados empregados e trabalhadores avulsos a seu serviço, descontando-as da respectiva remuneração; b) recolher os valores arrecadados na forma da alínea a deste inciso, a contribuição a que se refere o inciso IV do art. 22 desta Lei, assim como as contribuições a seu cargo incidentes sobre as remunerações pagas, devidas ou creditadas, a qualquer título, aos segurados empregados, trabalhadores avulsos e contribuintes individuais a seu serviço até o dia 20 (vinte) do mês subsequente ao da competência.” 244 “Artigo 89 . As contribuições sociais previstas nas alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 desta Lei, as contribuições instituídas a título de substituição e as contribuições devidas a terceiros somente poderão ser restituídas ou compensadas nas hipóteses de pagamento ou recolhimento indevido ou maior que o devido, nos termos e condições estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal do Brasil”.

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na folha, seja aquele apurado a título de contribuição previdenciária imposta por

substituição) com débitos de contribuições previdenciárias correspondentes a períodos

subsequentes245.

Não há qualquer discriminação da sistemática de apuração do débito

previdenciário passível de compensação. E nem poderia ser diferente, afinal, a

contribuição previdenciária, seja ela sobre a folha ou sobre a receita, possui a mesma

finalidade e o mesmo fundamento constitucional.

A compensação do valor previdenciário retido sobre a nota fiscal ou de

crédito previdenciário apurado pela folha, com débitos de CPRB, a nosso ver, decorre

da própria lógica desta tributação, afinal uma contribuição substitui a outra e ambas

financiam o regime geral previdenciário.

A nossa opinião, nesse ponto, é a de que os contribuintes possuem o direito

líquido e certo de não sofrerem retenção previdenciária em percentual superior à

alíquota a que está sujeito, podendo o montante retido, assim como pagamentos a

maior ou indevidos oriundos da folha de pagamentos, ser compensado com a CPRB.

Pois bem. Com todas essas considerações e aberto às críticas, procuramos

oferecer nossa modesta contribuição para o estudo científico da CPRB à luz do sistema

constitucional tributário. Tendemos para a exatidão, fiéis às palavras de Borges (2007:

p. 145): “tender para a exatidão não é o mesmo que lograr sempre a exatidão. Ali onde

se instala o conhecimento humano estará presente o erro, como uma contingência

biológica inevitável e pois a inexatidão encontrará morada na caracterização dos

fenômenos.”

245 “Artigo 56 - O sujeito passivo que apurar crédito relativo às contribuições previdenciárias previstas nas alíneas "a" a "d" do inciso I do parágrafo único do art. 1º, passível de restituição ou de reembolso, poderá utilizá-lo na compensação de contribuições previdenciárias correspondentes a períodos subsequentes”. “ Artigo 60 - A empresa prestadora de serviços que sofreu retenção no ato da quitação da nota fiscal, da fatura ou do recibo de prestação de serviços, poderá compensar o valor retido quando do recolhimento das contribuições previdenciárias, inclusive as devidas em decorrência do décimo terceiro salário, desde que a retenção esteja: I - declarada em GFIP na competência da emissão da nota fiscal, da fatura ou do recibo de prestação de serviços, pelo estabelecimento responsável pela cessão de mão de obra ou pela execução da empreitada total; e II - destacada na nota fiscal, na fatura ou no recibo de prestação de serviços ou que a contratante tenha efetuado o recolhimento desse valor. § 1º A compensação da retenção poderá ser efetuada somente com as contribuições previdenciárias, não podendo absorver contribuições destinadas a outras entidades ou fundos, as quais deverão ser recolhidas integralmente pelo sujeito passivo.”

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SÍNTESE CONCLUSIVA

Do Capítulo I

I – Uma teoria tem por objetivo conhecer cientificamente um dado objeto. Conhecer, em

sentido amplo, significa ter consciência de uma determinada coisa. Em sentido estrito, o

conhecimento se revela sob a forma de raciocínio, relação de juízos, articulados sob a

forma de proposições.

II – O conhecimento científico demanda a delimitação do objeto e eleição de um método

de investigação, a partir de um modelo filosófico que deve ser definido e construído pelo

próprio sujeito cognoscente.

III – O rigor científico pressupõe uma linguagem mais precisa e técnica, tendente a

minimizar ao máximo as ambiguidades e vaguezas dos termos e expressões utilizadas

na análise.

IV – A linguagem possui diversas funções: descritiva, prescritiva, interrogativa, poética,

identificadas dentro do universo do discurso em que estiver inserida. A forma de seu

uso, em conjunto com os aspectos culturais e coordenadas de tempo e lugar, dão

origem ao sistema de referência, fundamental para o conhecimento.

V – A Semiótica, que estuda a língua enquanto signo (algo que representa algo), nos

guia a três dimensões: o plano sintático (relação dos signos entre si); o plano semântico

(relação do signo com o seu significado) e o plano pragmático (relação do signo com o

seu emissor e destinatário).

VI – Não há consenso quanto ao conceito de Direito, justamente porque os sistemas de

referência podem variar. Direito é palavra ambígua, vaga e que carrega consigo forte

carga valorativa. Diante, então, desses ruídos, necessária uma definição do termo, o que

pode ser feito na forma conotativa, delimitando o uso da palavra (as características do

conceito) e denotativa, identificando os elementos que se ajustam a tais notas.

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VII – Adotamos a visão normativa do Direito, que consiste no conjunto de normas

jurídicas que têm por finalidade veicular comandos proibindo, permitindo ou obrigando

determinados comportamentos na vida social, sob pena de o Estado adotar providências

coercitivas na hipótese de descumprimento.

VIII – O Direito, nessa concepção de objeto cultural, é o direito positivo ou direito posto,

manifestado por meio de linguagem prescritiva, sujeitando-se à lógica deôntica e às

valências de validade ou invalidade.

IX – O Direito não deve ser confundido com sua Ciência. São realidades diferentes. A

Ciência do Direito toma o direito posto como objeto, descrevendo a realidade jurídica na

tentativa de compreendê-la.

X – Para ingressar no direito positivo (mundo do dever ser) é preciso que um

acontecimento social (mundo do ser) seja incluído na linguagem jurídica, passando a

integrar o território da facticidade jurídica.

XI – A partir do direito posto (posto por textos ou documentos normativos), o intérprete

constrói a norma jurídica em sentido estrito dentro de um verdadeiro percurso gerador

de sentidos, sem dele sair, identificada na forma de um juízo implicacional (hipotético

condicional)

XII – Observando a estrutura da norma jurídica, é possível identificar duas proposições:

(i) a hipótese (antecedente), que descreve um acontecimento e (ii) uma consequência,

que cria uma relação entre dois ou mais sujeitos. A hipótese normativa pode ensejar a

classificação da norma jurídica em abstrata (quando contém critérios de identificação de

um evento futuro e incerto) ou concreta (quando identifica um fato ocorrido). Já o

consequente normativo pode ensejar a qualificação da norma como individual (quando

personaliza os sujeitos) ou geral (quando regula uma conduta para uma classe

indeterminada de pessoas).

XIII – As normas individuais e concretas são sempre subordinadas às gerais e abstratas.

Como o direito positivo não tem condições de normatizar todas as possíveis condutas,

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cabe aos intérpretes, a partir das disposições gerais e abstratas, criar regras específicas,

individualizando a conduta propriamente dita.

XIV – O Direito também regulamenta a conduta de produzir normas, no âmbito daquilo

que se denominou de processo de positivação. A produção normativa constitui a fonte

do Direito e pressupõe uma atividade humana (enunciação), que deve ser exercida de

acordo com as normas de competência.

XV - A norma jurídica não incide sozinha. Pelo contrário, depende de um ato de vontade

de uma pessoa credenciada pelo ordenamento. A incidência normativa, produção da

norma jurídica ou aplicação do Direito, expressões que possuem o mesmo conteúdo

semântico, são inerentes ao processo de positivação e fruto da interpretação das

pessoas competentes.

XVI – Ao interpretar, o aplicador do Direito exerce um ato de vontade, tomando uma

decisão de acordo com sua pauta de valores. O dinamismo do Direito revela-se

justamente neste momento.

Do Capítulo II

I. Dentro do universo do Direito, é possível construir normas jurídicas relacionadas

apenas à tributação, permitindo-lhe, por meio deste corte epistemológico, conhecer a

realidade do direito tributário.

II. O direito tributário tem por foco o tributo, o que significa dizer que, didaticamente, ele

é composto pelos preceitos que regem a tributação.

III. No caso do Brasil, o direito tributário é moldado pela Constituição, daí dizer direito

constitucional tributário. É pressuposto do conhecimento do direito tributário a análise do

sistema constitucional tributário, sistema este que impõe os limites ao poder de tributar

do Estado, abrangendo, em síntese, os princípios que devem nortear a criação de

tributos, as hipóteses de imunidade e a competência tributária.

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IV. A palavra tributo costuma ser empregada com várias acepções. Tecnicamente,

porém, empregamos este signo para conotar a norma que tem no seu consequente uma

relação jurídica que atribui a um determinado sujeito ativo a possibilidade de exigir, de

um sujeito passivo, uma prestação de cunho econômico, decorrente de um fato lícito

previsto hipoteticamente na regra matriz de incidência tributária.

V. Para fins de classificação dos tributos, a Constituição Federal fornece três critérios: (i)

vinculação ou não da materialidade e base de cálculo da exação a uma atividade estatal

referida ao contribuinte; (ii) previsão ou não de destinação específica para o produto da

arrecadação do tributo; e (iii) exigência ou não de restituição do montante arrecadado

após determinado período.

VI. Uma vez aplicados esses critérios, encontram-se cinco espécies de tributos no Brasil:

impostos (não há vinculação a nenhuma atividade estatal referida ao contribuinte, não

há previsão de destinação específica para o produto gerado por sua arrecadação e não

há exigência de restituição após determinado período), taxas (há vinculação a

determinada atividade estatal referida ao contribuinte, há previsão de destinação

específica para o produto gerado por sua arrecadação e não há exigência de restituição

após determinado período), contribuições de melhoria (há vinculação a determinada

atividade estatal referida ao contribuinte, não há previsão de destinação específica para

o produto gerado por sua arrecadação e não há exigência de restituição após

determinado período), empréstimo compulsório (não há vinculação a nenhuma

atividade estatal referida ao contribuinte, há previsão de destinação específica para o

produto gerado por sua arrecadação e há exigência de restituição após determinado

período) e contribuições especiais (não há vinculação a nenhuma atividade estatal

referida ao contribuinte, há previsão de destinação específica para o produto gerado por

sua arrecadação e não há exigência de restituição após determinado período).

VII. Os princípios constitucionais tributários criam verdadeiras limitações ao poder estatal

de tributar. Eles exercem o papel de diretrizes no sistema jurídico, iluminando a

interpretação das normas tributárias.

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VIII. O princípio republicano nos revela a forma de Governo, estruturada a partir da

tripartição dos poderes do Estado, por meio do Poder Legislativo, Poder Executivo e

Poder Judiciário. A harmonia e separação de tais poderes são essenciais para que

nossa República de fato seja um Estado Democrático de Direito.

IX. O princípio federativo estrutura a República do Brasil por meio de uma exaustiva

divisão de competências, principalmente no que tange aos tributos. São pessoas

políticas na nossa Federação a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal,

todos em pé de igualdade. A autonomia desses entes, nos seus aspectos legislativo,

administrativo e, principalmente, financeiro é a nota determinante do conceito de nossa

Federação.

X. No direito tributário, é proibida a instituição de tributo sem que seja mediante lei.

Trata-se do princípio da legalidade, uma garantia do cidadão. E, diga-se, criar um tributo

significa que a lei deve estabelecer todos os critérios da regra matriz de incidência, a

saber: material, espacial, temporal, pessoal e quantitativo.

XI. Como regra, compete à lei ordinária a criação ou majoração de tributos, salvo os

casos excepcionados pela Constituição (impostos regulatórios, que podem ser ter as

alíquotas alteradas pelo Poder Executivo, nos limites legais) e salvo os empréstimos

compulsórios, impostos e contribuições residuais, que demandam lei complementar.

XII. A Lei Complementar demanda quórum especial para aprovação (ao contrário da lei

ordinária, que requer maioria simples) e é apta para veicular normas gerais de direito

tributário, normas estas que têm por finalidade apenas clarear, isto é, tornar explícitas

disposições que evitam conflitos de competência ou a não observância de limites ao

poder de tributar, já norteados pela Lei das Leis.

XIII. As presunções tributárias, não obstante sua denominação no direito tributário

(pautas fiscais, ficções, arbitramentos, aferição indireta, substituição “para frente”, etc.),

não dispensam a possibilidade de prova em contrário por parte do contribuinte.

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XIV. O princípio da igualdade (isonomia) veda a instituição de tratamento tributário

desigual. Contribuintes que se encontrem em situação jurídica equivalente não podem

ser alvo de divergências de tratamento pelo Estado.

XV. Como consequência da legalidade e isonomia, o princípio da capacidade

contributiva busca evitar a caracterização de confisco, tornando imperioso que a

tributação seja razoável e proporcional, de forma a evitar que o Estado, sob o artifício de

tributar, viole a garantia de propriedade e mínimo vital.

XVI. Os contribuintes possuem o direito de conhecer os tributos incidentes sobre suas

atividades com antecedência. Isto é reforçado com os princípios da irretroatividade e

anterioridade, os quais evitam a aplicação da lei antes de ocorrido o fato gerador e uma

tributação de surpresa. No âmbito das contribuições sociais, aplica-se a noventena, isto

é, o Estado somente pode cobrar tributos após, no mínimo, noventa dias contados da

publicação da lei tributária.

XVII. Todos os princípios tributários, pois, traduzem a noção de que o exercício do poder

de tributar deve operar-se com a máxima segurança jurídica, entendida como a

expectativa e “certeza” que os cidadãos depositam no Direito.

XVIII. Junto com os princípios, as imunidades são limitações constitucionais ao poder

tributário. A Carta Magna, diante de determinados valores, proibiu expressamente que

os entes públicos não tributem determinadas hipóteses (pessoas ou situações imunes).

A imunidade atinge diretamente as regras de competência tributária, estabelecendo uma

espécie de “incompetência” dos entes políticos. No caso das contribuições para a

Seguridade Social, são imunes as entidades beneficentes de assistência social que

atendam os requisitos previstos em lei complementar.

XIX. Competência tributária, matéria exclusivamente constitucional, é a aptidão que cada

pessoa política possui para editar regras jurídicas tributária, inovando no ordenamento

jurídico. É por meio dela que é possível verificar qual a pessoa política que detém o

poder legítimo de criar um tributo.

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XX. A Constituição Federal de 1988 dividiu a competência tributária de maneira

exaustiva. Os impostos foram divididos entre todas as pessoas políticas de acordo com

a materialidade já traçada no texto constitucional; as taxas e contribuições de melhoria

são de competência concorrente. Todos os entes podem instituí-los, desde que

cumpram os requisitos dessas figuras tributárias. As contribuições (salvo as cobradas

pelos servidores dos Estados e Municípios e salvo aquela destinada para o custeio de

iluminação) e os empréstimos compulsórios são de competência da União.

XXI. A competência residual (isto é, para criar impostos ou contribuições sociais novos,

não previstos no texto constitucional) é da União, que pode exercê-la desde que

cumpridos os requisitos formal (lei complementar) e materiais (não cumulatividade e

impossibilidade de caracterização de bis in idem ou bitributação).

Do Capítulo III

I. A Constituição Federal é a norma superior do sistema jurídico, localizada no topo da

pirâmide normativa. Daí dizer da supremacia da Constituição, princípio este que requer

que todas as situações se conformem com os preceitos constitucionais, sob pena de

inconstitucionalidade.

II. Mais que uma lei fundamental, a Constituição irrompe do Poder Constituinte, entidade

que representa o produto da vontade do povo e que inaugura uma nova ordem jurídica,

constituindo um Estado soberano.

III. Compete ao STF, o guardião da Constituição, exercer o controle de

constitucionalidade das normas, órgão este que, portanto, detém enorme

responsabilidade no sistema jurídico.

IV. A Constituição Federal do Brasil é rígida, ou seja, somente pode ser modificada por

Emenda Constitucional e desde que respeitados os limites materiais (cláusulas pétreas)

traçados pelo próprio texto constitucional, de forma explícita e implícita.

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V. No âmbito tributário, as cláusulas pétreas proíbem ao Poder Reformador (Emenda

Constitucional): (i) eliminar qualquer princípio constitucional tributário ou reduzir o seu

campo de abrangência; (ii) restringir ou revogar qualquer hipótese de imunidade; (iii)

invadir o campo de competência de ente político alheio (Estados, Municípios ou Distrito

Federal); e/ou (iv) ampliar materialidade de tributos já existentes ou criar novas exações

sem respeitar os limites materiais da competência residual previstos no artigo 154, I, da

Constituição.

Do Capítulo IV

I. As contribuições especiais têm fundamento de validade nos artigos 149 e 149-A,

ambos da Constituição Federal, e constituem uma das cinco espécies tributárias

previstas no sistema constitucional tributário.

II. Nas contribuições especiais: (i) sua materialidade não está vinculada a nenhuma

atividade estatal referida ao contribuinte; (ii) deve haver previsão de destinação

específica para o produto gerado por sua arrecadação; e (iii) não há exigência de

restituição do produto arrecadado a este título após determinado período.

III. A Constituição Federal não define como fato imponível possível das contribuições

especiais a circunstância do Estado exercer determinada atividade que se volte ao

contribuinte, na forma de um benefício, vantagem ou contraprestação. É requisito desta

espécie, pois, que os contribuintes possuam relação de pertinência com as finalidades

constitucionais previstas no próprio texto constitucional.

IV. É da essência da contribuição especial a previsão de destinação específica ao

produto arrecadado a este título, destinação esta que deve atingir as finalidades

constitucionais traçadas, identificadas a partir da atuação do Estado nas áreas

selecionadas pelo Constituinte.

V. O destino da arrecadação proveniente das contribuições especiais é decorrência da

própria norma jurídica de sua competência, razão pela qual qualquer tentativa do Estado

de desvincular, total ou parcialmente, em definitivo ou temporariamente, o produto

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gerado na cobrança desta espécie de tributo à sua finalidade, constitui ato

inconstitucional.

VI. A União recebeu competência tributária para instituir contribuições de interesse das

categorias profissionais ou econômicas (“contribuições corporativas”), contribuições de

intervenção no domínio econômico (“contribuições interventivas” ou “CIDE”) e

contribuições sociais.

VII. Na seara social, a União possui um rol extenso de encargos, dentre eles o dever de

organizar a seguridade social, composta pelas áreas de saúde, previdência e assistência

social.

VIII. Dentre as contribuições sociais destinadas ao financiamento da seguridade social, a

Constituição conferiu competência para a União instituir contribuições das empresas

incidentes sobre (i) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou

creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo

empregatício; (ii) a receita ou o faturamento; (iii) o lucro; e a (iv) a importação. A União

também detém competência residual, que lhe permite instituir outras contribuições,

desde que obedecido o artigo 154, I, do texto constitucional.

IX. No âmbito das contribuições especiais, que possuem natureza tributária, todos os

princípios constitucionais, quando aplicáveis, devem ser observados.

X. Não fere o princípio da isonomia a cobrança de contribuições especiais de todos os

contribuintes que estejam dentro do grupo que necessita custear determinadas ações

estatais, grupo este que deve ser definido pela lei de acordo com os parâmetros

previstos na Carta de 1988.

XI. A aplicação de tributação diferenciada, no âmbito das contribuições especiais, pode

ocorrer apenas em duas hipóteses, mais precisamente quando for possível aferir: (i)

maior ou menor grau de vínculo entre os contribuintes com a destinação constitucional

que serviu de causa para a cobrança da exação; e/ou (ii) capacidade contributiva distinta

entre os contribuintes.

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Do Capítulo V

I. Diante da forma pela qual a Constituição Federal positivou a seguridade social,

sobressai o princípio da solidariedade, o qual determina que o máximo de pessoas deve

contribuir para o custeio nas áreas da saúde, previdência e assistência social. A

solidariedade, pois, funda-se na ideia de cooperativismo e mutualismo, caracterizando

um valor que serve de norte à sociedade.

II. Isso não significa dizer que a solidariedade pode atropelar os demais princípios

constitucionais, devendo ela ser ponderada justamente em face das limitações

constitucionais ao poder de tributar.

III. As contribuições criadas com fundamento no artigo 195, I, “a”, da Constituição

(incidentes sobre os rendimentos pagos pelo trabalho prestado por pessoa física) estão

sujeitas à regra constitucional que proíbe a utilização dos recursos arrecadados a este

título para quaisquer outros gastos que não correspondam ao pagamento de benefícios

previdenciários. É justamente em face dessa destinação à Previdência que as referidas

contribuições costumam ser conhecidas como “contribuições previdenciárias patronais”.

IV. A União exerceu essa sua competência por meio de criação das contribuições

previdenciárias previstas nas Leis nºs 8.212/1991 (contribuição previdenciária patronal),

7.787/89 e 9.732/1998 (SAT/RAT) e 12.546/2011 (contribuição previdenciária sobre a

receita bruta – CPRB).

V. O Regime Geral de Previdência Social foi estruturado com base na filiação

obrigatória, mediante contribuição das empresas e trabalhadores, com vistas a cobrir os

riscos sociais contemplados na Constituição e na Lei n 8.213/1991.

VI. Com fundamento no artigo 195, I, “b”, da Constituição, a União instituiu, através da

Lei Complementar nº 70/1991, contribuição destinada ao financiamento da seguridade

social (COFINS), incidente sobre o faturamento. Sobre o faturamento, aliás, a União, já

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havia instituído contribuição social (PIS/PASEP), destinada ao financiamento do seguro-

desemprego, recepcionada pelo texto constitucional.

VII. A Emenda Constitucional nº 20/1998 permitiu que as contribuições mencionadas no

artigo 195, I, “b”, até então restritas ao faturamento, pudessem também incidir sobre as

receitas. Tal fato permitiu à União instituir o PIS e a COFINS sob o regime da não

cumulatividade (o que foi feito pelas Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003).

VIII. Também, sob a terminologia PIS/PASEP e COFINS, e visando financiar a

seguridade social, a União instituiu contribuição especial incidente sobre a importação

de bens e serviços, na forma disposta na Lei nº 10.865/2004 e cujo fundamento

constitucional encontra-se no artigo 195, IV, da Constituição.

IX. Já sob o manto do artigo 195, I, “c”, da Constituição, a União criou a contribuição

para a Seguridade Social incidente sobre o lucro (CSLL) mediante edição da Lei nº

7.689/1988.

X. A União exerceu de forma plena sua competência no que diz respeito às

contribuições previstas no artigo 195 da Constituição, esgotando todas as hipóteses de

materialidade ali previstas.

XI. Especificamente com relação à matriz constitucional originária da contribuição

previdenciária patronal, apenas a relação de emprego havia sido incluída como

elemento da classe passível de tributação por tal exação. Vale dizer, o critério material

da contribuição previdenciária patronal, com base no texto originário da Constituição

Federal, consiste no ato do empregador remunerar o empregado, e nada mais.

XII. Com o advento da Emenda Constitucional nº 20/1998, a competência da União para

instituir contribuição previdenciária patronal foi ampliada. Mais precisamente, ela passou

a ser passível de cobrança, além do empregador, da empresa e da entidade a ela

equiparada na forma da lei, incidente, além da folha de pagamento, sobre demais

rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe

preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício.

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XIII. A ampliação da sujeição passiva e materialidade da contribuição previdenciária

patronal, introduzida pela Emenda Constitucional nº 20/1998, a nosso ver é

constitucional porque (i) não desrespeitou nenhum princípio constitucional tributário; (ii)

não restringiu ou revogou hipótese de imunidade; (iii) não invadiu competência de ente

político alheio; e (iv) respeitou os limites materiais da competência residual da União.

XIV. Tomando, então, como referência a redação atual do artigo art. 195, I, “a”, da

Constituição, a materialidade da contribuição previdenciária patronal consiste no ato de

remunerar trabalho contratato de pessoa física. Em se tratando de uma relação de

emprego, tal remuneração está limitada ao somatório das “verbas salariais”; já em se

tratando de uma relação sem vínculo empregatício, a remuneração equivale “ao preço

do serviço” estabelecido previamente entre as partes.

XV. No plano infraconstitucional, a União, por meio da Lei nº 8.212/1991, instituiu

contribuição previdenciária patronal correspondente a 20% do “salário de contribuição”,

expressão esta que corresponde à totalidade das remunerações pagas por trabalhos

prestados por pessoas físicas.

XVI. Existe previsão de contribuição previdenciária adicional de 2,5% somente para as

instituições financeiras, mas que entendemos ser inconstitucional por violar o princípio

da isonomia.

XVII. O artigo 28, da Lei nº 8.212/1991, ao tratar do salário de contribuição, pretendeu

definir o tratamento previdenciário sobre algumas verbas de forma pontual, instituindo

isenções, reconhecendo hipóteses de não incidência etc. Este artigo deve ser analisado

com cautela, pois apenas rendimentos correspondentes a remunerações pagas por um

trabalho prestado ou posto à disposição da empresa é que estão sujeitos à contribuição

previdenciária. Eventuais pagamentos que não possuam natureza remuneratória não

devem ser incluídos no salário de contribuição.

XVIII. Para financiamento (i) dos benefícios concedidos em razão do grau de incidência

de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho e (ii) das

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aposentadorias especiais, a União instituiu contribuição (SAT/RAT) (a) para todas as

empresas, incidentes sobre as remunerações pagas a empregados e avulsos, nos

percentuais de 1%, 2% ou 3%, de acordo com o grau de risco da atividade

preponderante do contribuinte; e (b) adicional (de 12%, 9% ou 6%), incidente apenas

sobre as remunerações dos segurados cujo serviço prestado permita a concessão de

aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição,

respectivamente.

XIX. Desde janeiro de 2010, sobre a alíquota do SAT/RAT deve ser aplicado o Fator

Acidentário de Prevenção (FAP), previsto na Lei nº 10.666/2003, consistente em um

multiplicador, que pode reduzi-la pela metade (em 50%) ou dobrá-la (aumento de 100%).

Em síntese, cada empresa deve possuir um FAP individual, definido com base nos

dados de frequência, gravidade e custo das enfermidades decorrentes do trabalho,

conforme metodologia um tanto quanto complexa.

Do Capítulo VI

I. Com base na Carta de 1988, foi criado, como regra, um mecanismo de tributação

previdenciária sobre a folha de pagamentos, com exceção apenas em relação às

pessoas que exploram atividades rurais em regime de economia familiar que não

possuam empregados, que devem contribuir com base no resultado da comercialização

da produção rural.

II. Ocorre que o Legislador ordinário acabou “tomando de empréstimo” a base de cálculo

reservada ao produtor rural pessoa física sem empregados, submetido ao regime de

economia familiar e tencionou estendê-la aos empregadores rurais (primeiro para

pessoas físicas e depois para pessoas jurídicas e agroindústrias), que passaram a ser

incluídos como sujeitos passivos da contribuição previdenciária sobre a receita da

produção rural.

III. Após o STF julgar inconstitucional esse tipo de sistemática de tributação

previdenciária sobre as receitas rurais, foi editada a Emenda Constitucional nº 20/1998,

a qual reconheceu a possibilidade de instituição de contribuição social para seguridade

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social sobre a receita. A União instituiu novas contribuições sobre a receita das

empresas que se dedicam às atividades rurais, substituindo aquelas incidentes sobre a

folha, mas que permanecem aguardando análise de constitucionalidade pelo Supremo

Tribunal Federal.

IV. No contexto das empresas urbanas, a primeira tentativa da União de tributar a receita

(ou faturamento) por contribuição destinada ao regime geral da previdência parece ter

ocorrido com a Lei nº 9.711/1998, que instituiu a obrigação de as empresas tomadoras

de serviços prestados mediante cessão de mão de obra reter e recolher à Previdência

Social, valor correspondente a 11% do preço destes serviços, retenção esta passível de

compensação com a contribuição previdenciária apurada pela empresa prestadora dos

serviços com base na sua folha de pagamentos.

V. O Poder Judiciário considerou legítima a referida retenção de 11%, sob a premissa de

que ela constituiria mera técnica de arrecadação tributária (substituição tributária), e não

tributo autônomo, uma vez que o prestador poderia abater o valor retido, sendo-lhe

assegurada a restituição caso haja acúmulo de crédito.

VI. A União, com base na Lei nº 9.876/1999, criou outra contribuição previdenciária, de

15% incidente sobre o pagamento por serviços tomados de cooperativas de trabalho.

Esta exação, entretanto, não se socorreu diante do controle de constitucionalidade

promovido pelo STF, que declarou a inconstitucionalidade desta exação.

VII. Provavelmente, como uma reação às sucessivas disputas judiciais relativas à

constitucionalidade de contribuições previdenciárias patronais incidentes sobre a receita

das empresas, ao invés da folha de pagamentos, o Poder Reformador editou a Emenda

Constitucional nº 42/2003, que permite a substituição gradual, total ou parcial, da

contribuição previdenciária patronal referida no artigo 195, I, “a”, da Constituição pela

incidente sobre a receita ou o faturamento.

VIII. Tratou o Governo, então, de editar a Medida Provisória nº 540/2011, convertida na

Lei nº 12.546/2011, instituindo, em substituição à contribuição previdenciária patronal de

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20% sobre a folha de pagamentos, contribuição previdenciária sobre a receita bruta, à

alíquota variável (atualmente de 1% a 2%).

IX. A inclusão no novo regime pode ser total ou parcial, o que significa dizer que,

atualmente, a contribuição previdenciária patronal deve ser calculada: (i) exclusivamente

com base na folha de pagamentos, para os contribuintes não contemplados no regime

de desoneração previsto na lei que criou a CPRB; (ii) exclusivamente com base na

receita bruta, para os contribuintes que exerçam apenas atividades contempladas ou

fabricam somente produtos incluídos no regime substitutivo; (iii) parte pela folha e parte

pela receita (“regime misto”), com base no critério de proporcionalização, para os

contribuintes sujeitos às duas sistemáticas.

X. Conforme noticiado pela imprensa, tudo indica que o regime de desoneração trouxe

redução da carga tributária para a maioria dos contribuintes. Todavia, temos

conhecimento de que, para algumas empresas contempladas pela CPRB, a mudança de

regime ocasionou aumento de tributo.

XI. Resta inadmissível, sob o pretexto de desonerar a folha, a Lei nº 12.546/2001 obrigar

o contribuinte a onerar ainda mais sua tributação incidente sobre a receita, de forma

que, no final das contas, o novo regime revele tributação mais gravosa. A nossa opinião

é a de que a sistemática da CPRB, no direito tal como posto, constitui uma faculdade do

contribuinte a ela sujeito, que pode permanecer com a apuração da contribuição

previdenciária patronal com base na folha de pagamentos se esta lhe for mais vantajosa.

XII. A compulsoriedade da CPRB é inconstitucional por quatro motivos: (i) pelo dever de

coerência à regra matriz do tributo que veio a substituir (cujo aspecto quantitativo limita-

se ao valor calculado com base na folha de pagamentos); (ii) por violar o direito dos

contribuintes de não sofrerem bis in idem de forma gravosa; (iii) pelo desrespeito à não

cumulatividade; e (iv) violação do princípio da legalidade, tendo em vista sua instituição

por medida provisória.

XIII. Nota-se verdadeira identidade da base de cálculo da CPRB com a base de cálculo

das contribuições ao PIS e COFINS.

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XIV. A CPRB não incide sobre receita de exportações, tanto diretas quanto indiretas. A

previsão de sua tributação sobre receitas decorrentes de exportações indiretas, prevista

no artigo 3º da Instrução Normativa nº 1.436/2014, revela-se inconstitucional, por

pretender reduzir indevidamente imunidade tributária (artigo 149, § 2º, da Constituição),

bem como ilegal, por afronta à própria Lei nº 12.546/2011, que não diferenciou

exportação direta de indireta.

XV. Como a CPRB só pode incidir sobre receitas, não temos dúvida de que qualquer

valor que não possa assim ser considerado, como é o caso de outros tributos, como o

ICMS e o ISS, não deve integrar a base de cálculo dessa contribuição substituta.

XVI. A CPRB, enquanto contribuição substitutiva da contribuição previdenciária patronal

ordinária, tem destinação voltada ao custeio do regime previdenciário, apto ao

pagamento de benefícios gerados pelos riscos ali cobertos. É impossível, neste sistema,

individualizar a participação de cada contribuinte nesses riscos, razão pela qual a

“atividade econômica”, que também não é apta para medir capacidade contributiva para

efeito de contribuição previdenciária, não poderia ser utilizada para diferenciar as

alíquotas aplicáveis aos contribuintes.

XVII. Ademais, os contribuintes possuem o direito líquido e certo de não sofrerem

retenção previdenciária em percentual superior à alíquota a que estão sujeitos, podendo

o montante retido, assim como pagamentos a maior ou indevidos oriundos da folha de

pagamentos, ser compensados com débito a título de CPRB.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma teoria busca compreender um dado fenômeno e sua realidade. A

Ciência, assim como toda comunicação, pressupõe o uso de uma dada língua. É a

linguagem, pois, que permite que o sujeito cognoscente crie o objeto e defina seu

respectivo método de investigação, na linha do modelo filosófico adotado em seu

sistema de referência.

O sistema jurídico, autêntico objeto cultural, é fruto da criação do Homem

para regular as condutas intersubjetivas. Adotamos a visão normativa do Direito, que

consiste no conjunto de normas jurídicas veiculadoras de comandos que proíbem,

permitem ou obrigam determinados comportamentos na vida social, sob pena de o

Estado aplicar medidas coercitivas no caso de descumprimento.

O Direito é diferente da sua Ciência. Ali, o objeto é construído a partir de

uma linguagem prescritiva, sujeitando-se à lógica deôntica (do dever ser) e às valências

de validade ou invalidade. Aqui, na Ciência do Direito, emprega-se uma linguagem

descritiva da realidade jurídica, cujo discurso é feito em nome de uma verdade.

A partir do direito positivo (ou direito posto, posto por textos ou documentos

normativos), o intérprete constrói as normas jurídicas em sentido estrito, articulada na

forma de um juízo implicacional.

Para fins didáticos, é possível construir normas jurídicas relacionadas

apenas à tributação, permitindo-lhe, por meio deste corte, focar as atenções no direito

tributário, “ramo” metodológico composto pelos preceitos que giram em torno do tributo.

A palavra tributo costuma ser empregada com várias acepções.

Tecnicamente, definimos tributo como a norma jurídica criadora da relação que atribui ao

Estado (sujeito ativo) a possibilidade de exigir, de um sujeito passivo, uma prestação de

cunho econômico, decorrente de um fato lícito previsto hipoteticamente na regra matriz

de incidência tributária.

O direito tributário, no Brasil, é moldado pela Constituição Federal, que

regulamentou a matéria dentro de um verdadeiro sistema constitucional tributário,

sistema este que impõe os limites ao poder de tributar do Estado, abrangendo, em

síntese, os princípios que devem nortear a criação de tributos, as hipóteses de

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imunidade e a divisão da competência tributária entre as pessoas políticas (União,

Estados, Municípios e Distrito Federal).

Nossa Lei Maior, além de exaustiva no assunto tributário, é rígida, o que

significa dizer que somente pode ser modificada por Emenda Constitucional, desde que

respeitados os limites materiais traçados pelo próprio texto constitucional, de forma

explícita e implícita (cláusulas pétreas).

No âmbito tributário, segundo pensamos, as cláusulas pétreas proíbem ao

Poder Reformador (Emenda Constitucional): (i) eliminar qualquer princípio constitucional

tributário ou reduzir o seu campo de abrangência; (ii) restringir ou revogar qualquer

hipótese de imunidade; (iii) invadir o campo de competência de ente político alheio

(Estados, Municípios ou Distrito Federal); e/ou (iv) ampliar materialidade de tributos já

existentes ou criar novas exações sem respeitar os limites materiais da competência

residual previstos no artigo 154, I, da Constituição (não cumulatividade e proibição de

novas hipóteses de bitributação ou bis in idem).

Da forma pela qual a matéria tributária foi positivada na Carta de 1988, o

exegeta ainda é capaz de perceber três critérios importantes para fins de classificação

dos tributos: (a) vinculação ou não da materialidade e base de cálculo da exação a uma

atividade estatal referida ao contribuinte; (b) previsão ou não de destinação específica

para o produto da arrecadação do tributo; e (c) exigência ou não de restituição do

montante arrecadado após determinado período.

Uma vez aplicados esses critérios, encontramos cinco espécies de tributos

no Brasil: impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e

contribuições especiais.

As contribuições especiais têm fundamento de validade nos artigos 149 e

149-A, ambos da Constituição Federal. Neste tipo tributário: (a) sua materialidade não

está vinculada a nenhuma atividade estatal referida ao contribuinte; (b) deve haver

previsão de destinação específica para o produto gerado por sua arrecadação; e (c) não

há exigência de restituição do produto arrecadado a este título após determinado

período.

É da essência da contribuição especial que sua destinação cumpra fielmente

às finalidades constitucionais traçadas, sob pena de inconstitucionalidade.

A União recebeu competência tributária para instituir contribuições especiais:

(i) de interesse das categorias profissionais ou econômicas (“contribuições

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corporativas”), (ii) de intervenção no domínio econômico (“contribuições interventivas” ou

“CIDE”); e (iii) sociais.

Na seara social, a Constituição Federal incluiu um rol extenso de encargos,

razão pela qual, por meio das contribuições sociais, buscou criar mecanismo que gere

recursos voltados ao seu desenvolvimento, o que inclui a necessidade de financiamento

da “seguridade social”, expressão esta que compreende as áreas de saúde, previdência

e assistência social.

Dentre as contribuições sociais destinadas à seguridade social, o artigo 195,

I, “a”, do texto constitucional, permitiu que a União, em relação às empresas, crie exação

desta natureza incidente sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho

pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo

sem vínculo empregatício.

Tendo em vista que os recursos arrecadados com as contribuições criadas

com base no referido artigo 195, I, “a”, devem ser destinados ao pagamento de

benefícios concedidos pelo Regime Geral da Previdência Social, como determina a

Carta Magna, elas são chamadas de “contribuições previdenciárias patronais”.

Por meio da Lei nº 8.212/1991, que pretendeu inserir o Plano de Custeio da

Seguridade Social, a União instituiu contribuição previdenciária patronal de 20% sobre a

totalidade das remunerações provenientes do trabalho de pessoas físiscas.

Ocorre, porém, que a União, sob o pretexto de desonerar a folha de

pagamentos e, consequentemente, motivar a contratação de trabalhos de pessoa física,

determinou a substituição da contribuição previdenciária em questão (de 20% sobre a

folha de pagamentos) por uma contribuição sobre a receita bruta (CPRB).

Após diversas alterações normativas sobre o assunto, a CPRB tornou-se

definitiva e obrigatória para o rol de contribuintes listados na legislação, que passaram a

ter que contribuir para a previdência social não mais sobre a folha, mas mediante

alíquotas (variáveis de 1% a 2,5%) sobre a receita bruta, de acordo com a “atividade

econômica” desenvolvida.

A nosso ver a compulsoriedade da CPRB, nas hipóteses nas quais o novo

regime revela-se mais oneroso, é inconstitucional. Não admitimos que, sob o pretexto de

desonerar a folha, haja oneração excessiva sobre a receita do contribuinte, de forma

que, no final, o novo regime previdenciário patronal revele tributação mais gravosa.

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A sistemática da CPRB, no direito tal como posto, consiste numa faculdade

do contribuinte, que possui o direito de permanecer sujeito à apuração da contribuição

previdenciária patronal com base na folha de pagamentos se esta lhe for mais vantajosa

economicamente.

De fato, a obrigatoriedade da CPRB viola o dever de coerência com a regra

matriz da contribuição previdenciária que veio a substituir, cuja base de cálculo prevista

na Constituição deve corresponder à folha de pagamentos.

Ora, ao utilizar o signo “em substituição”, o Legislador, na verdade, criou

uma presunção de que a CPRB traria benefício ao contribuinte, levando a uma redução

da carga tributária até então suportada com base na folha. E como o direito tributário

não admite presunções absolutas, entendemos que o contribuinte que comprovar que a

CPRB lhe trouxe maior ônus econômico possui respaldo jurídico suficiente para

continuar recolhendo a contribuição previdenciária patronal com base na folha de

pagamentos, na linha do que dispõe o texto constitucional (artigo 195, I, “a”).

Além de comprometer toda a lógica da incidência tributária (subsunção do

fato à hipótese legal prevista na regra matriz), a obrigação quanto à CPRB, caso

represente maior carga tributária, acaba também violando cláusulas pétreas tributárias,

por dar ensejo a um indevido bis in idem (a receita bruta, cumpre esclarecer, já é

tributada por contribuições sociais para a seguridade social - PIS e COFINS), por não

observar a técnica da não cumulatividade e por desrespeitar o princípio da legalidade,

tendo em vista sua criação por medida provisória.

Mas, não é só. O novo regime de tributação previdenciária, segundo

pensamos, além do vício quanto à sua obrigatoriedade, também possui algumas

“imperfeições” passíveis de questionamentos pelos contribuintes.

Isso ocorre, por exemplo, com a previsão da incidência da CPRB sobre

receitas de exportação, prevista no artigo 3º da Instrução Normativa nº 1.436/2014. Ora,

tal previsão não tem o menor cabimento, pois pretendeu reduzir indevidamente hipótese

de imunidade (artigo 149, § 2º, da Constituição) e não possui base em lei.

Considerando que a CPRB deve incidir sobre a receita bruta, também não

temos dúvida de que qualquer valor que não possa ser enquadrado como receita, como

é o caso de valores de outros tributos, como o ICMS e o ISS, não deve integrar a sua

base de cálculo.

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Ademais, combatemos a aplicação de alíquotas de CPRB diferenciadas em

função desse critério que leva em conta tão somente a “atividade econômica” do sujeito

passivo. Este fator de discriminação de maneira nenhuma revela maior ou menor grau

de capacidade contributiva ou indica maior ou menor relação de pertinência do

contribuinte com a finalidade da contribuição (que é pagar benefícios previdenciários),

não podendo servir de discrímen para o tratamento diferenciado imposto.

Outro ponto que questionamos é o da exigência de percentual fixo de 3,5% a

título de retenção da contribuição previdenciária sobre os valores faturados por serviços

prestados mediante empreitada ou cessão de mão de obra. A nossa opinião é a de que

tal percentual deveria se limitar à própria alíquota da CPRB aplicável ao contribuinte

prestador de serviços, afinal tal retenção busca antecipar a sua contribuição devida,

como mero mecanismo de praticidade e eficiência tributária. Não vemos nenhuma

razoabilidade ou lógica na aplicação de um percentual de retenção superior à própria

alíquota do tributo.

Finalmente, também somos favoráveis ao direito dos contribuintes de

compensarem créditos tributários gerados tanto pela retenção previdenciária quanto por

pagamento a maior ou indevido de contribuição previdenciária recolhida sobre a folha

com débitos de CPRB, uma vez que, não bastasse a existência de permissivo legal para

esta compensação, uma contribuição apenas substitui a outra, possuindo ambas a

mesma finalidade: financiar o regime geral previdenciário.

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REFERÊNCIAS LEGISLATIVAS

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