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junho-julho/2014 Apartes | 13 Vereadores e moradores se unem para tentar transformar o Elevado Costa e Silva em Parque Minhocão Passagem para o sossego Rodrigo Garcia | [email protected] URBANISMO Athos Comolatti C onsiderada uma obra feia, mas útil (ou útil, mas feia), o Elevado Costa e Silva há 43 anos marca a cidade de São Paulo com engarrafamentos, poluição e barulho. Muitos urbanistas comparam a via de 2,8 km a uma cicatriz. Mas durante a semana, das 21h30 às 6h30, e aos domingos e feriados, tudo muda. Os carros dão lugar a bicicletas, patins, skates e carrinhos de bebê. Os estressados motoristas são substituídos por homens, mulheres e crian- ças em busca de diversão. Nesses períodos, o Minhocão (como o ele- vado é mais conhecido) fica fechado para o trânsito. Na prática, a via se transforma em um parque linear, ainda que não oficialmente. Pen- sando nisso, a Câmara Municipal de São Paulo (CMSP) analisa o Projeto de Lei (PL) 10/2014, que, gradualmente, aumenta os períodos de proibição do tráfego no elevado e torna a via suspensa, de fato, no Parque Minhocão. O projeto, apresentado pelos vereadores José Police Neto (PSD), Nabil Bonduki (PT), LAZER Diversas atividades atraem os paulistanos para o Minhocão

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Vereadores e moradores se unem para tentar transformar o Elevado

Costa e Silva em Parque Minhocão

Passagem para o sossego

Rodrigo Garcia | [email protected]

URBANISMOAt

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Considerada uma obra feia, mas útil (ou útil, mas feia), o Elevado Costa e Silva há 43 anos marca a cidade de São Paulo com

engarrafamentos, poluição e barulho. Muitos urbanistas comparam a via de 2,8 km a uma cicatriz. Mas durante a semana, das 21h30 às 6h30, e aos domingos e feriados, tudo muda. Os carros dão lugar a bicicletas, patins, skates e carrinhos de bebê. Os estressados motoristas são substituídos por homens, mulheres e crian-ças em busca de diversão.

Nesses períodos, o Minhocão (como o ele-vado é mais conhecido) fica fechado para o trânsito. Na prática, a via se transforma em um parque linear, ainda que não oficialmente. Pen-sando nisso, a Câmara Municipal de São Paulo (CMSP) analisa o Projeto de Lei (PL) 10/2014, que, gradualmente, aumenta os períodos de proibição do tráfego no elevado e torna a via suspensa, de fato, no Parque Minhocão.

O projeto, apresentado pelos vereadores José Police Neto (PSD), Nabil Bonduki (PT),

LAZERDiversas atividades

atraem os paulistanos para o Minhocão

TECNOLOGIA

julgamento de representantes da CMSP, da Open Knowledge Foun-dation Brasil e da W3C Brasil. Essa comissão usará como critérios a uti-lidade pública dos trabalhos, pratici-dade de uso, criatividade da solução, qualidade da documentação, mobili-dade e custo de manutenção.

Esta foi a segunda vez que a CMSP recebeu uma maratona ha-cker. A primeira ocorreu em 2012. “A Câmara foi o primeiro Legisla-tivo no mundo, que eu conheça, a ter um evento desse tipo, com uma galera”, diz o membro da Transpa-rência Hacker Pedro Markun. Para ele, os aplicativos não são o princi-pal legado da Hackdays: “A grande vantagem dos eventos nesse naipe, muito mais do que os projetos que saem, é permitir a troca entre o servidor, o cidadão e o político, o que na minha leitura cria um tipo de politização muito importante, impactante, que é o moleque que toma contato com a política”.

Markun acredita que a con-centração dos programadores na Câmara seja um momento para experimentar, ousar, ter “delírios

cionalidades ao longo do tempo: “É um projeto em eterno desenvolvi-mento”. Um dos desenvolvedores do Radar, Leonardo Leite foi pales-trante no evento deste ano.

LAboRAtóRio HAckERUmas das cobranças dos hackers é a abertura permanente do Poder Pú-blico. Em resposta, Antonio Lucio Rodrigues de Assiz, diretor de Co-municação Externa da Câmara e um dos organizadores da Hackdays, diz que a Casa caminha para a implan-tação de um laboratório hacker, no qual os programadores possam de-senvolver e aprimorar, continuamen-te, ferramentas para facilitar o acesso aos dados do Legislativo. “Queremos incentivar um relacionamento conti-nuado, de modo que os aplicativos já apresentados possam ter novas fases de desenvolvimento e que outros pos-sam surgir a qualquer momento”, diz Assiz. O diretor explica que falta de-cidir como a novidade funcionará.

oRiEntAção Karen Vieira (em pé), secretária-geral parlamentar, tira dúvidas dos hackers

de grandeza”. Para ele, muitos dos aplicativos apresentados precisa-rão ainda de meses de trabalho em equipe para serem aprimorados. O programador citou o caso do Radar Parlamentar, segundo classificado na maratona de 2012, que continua “vivo e operante” após ganhar fun-

Projetos classificadosApresentação de demandasAutor: Edvaldo Felisberto dos SantosAplicativo para dispositivos móveis destinado à coleta de demandas dos cidadãos e posterior envio aos vereadores da CMSP. Projeto em aprimoramento.

Conversão para LexMLAutor: Peter KraussConverte, para formato compatível com o LexML, os arquivos publicados na página de Dados Abertos do portal da CMSP, o que facilita sua inclusão no portal www.lexml.gov.br, gerenciado pelo Senado para unificar a busca por normas dos três poderes nas esferas federal, estadual e municipal. Projeto em aprimoramento.

Monitor legislativoAutores: Pedro Markun e membros da Transparência Hacker

Aplicativo para dispositivos móveis destinado à coleta de demandas. Pesquisa, por assunto ou número, projetos que viraram leis ou que ainda tramitam na CMSP. Traz a íntegra dos textos e detalha as etapas de sua tramitação. Disponível no link monitorlegislativo.org.br.

Ricard

o Roc

ha/C

MSP

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ExEmPLoHigh Line Park,

construído em via ferroviária suspensa,

é sucesso em Nova York

Polêmico até no nome

Inaugurado em 25 de janeiro de 1971, o Elevado Costa e Silva surgiu com muitas contro-vérsias. Para o prefeito da época, Paulo Maluf, ele era “a maior obra viária urbana da América Latina”. Contudo, muitos paulistanos já o viam como um sím-bolo do autoritarismo dos tempos de ditadura militar.

Por causa dos acidentes rotineiros e do barulho, em 1976 o tráfego de veículos foi proibido da meia-noite às 5h. Em 1990, a prefeita Luiza Erundina regulamentou o fecha-mento do elevado, mas em 1996 o novamente prefeito Paulo Maluf tentou reabrir o Minhocão à noite e aos domingos. Foi impedido pela Câmara Municipal, que aprovou um projeto do então vereador José Eduardo Cardozo que tornava lei a proibi-ção do tráfego de veículos no elevado nesses períodos.

A Prefeitura, que procura alternativas para amenizar os pro-blemas do Minhocão, organizou, em 2006, a segunda edição do Prêmio Prestes Maia de Urbanismo. O projeto vencedor foi o dos arquitetos Juliana Corradini e José Alves, que viviam e moravam num apartamento próximo ao Minhocão. A proposta previa que o elevado seria “encaixotado” por uma estrutura metálica, que teria isolamento acústico e permitiria que os carros continuassem a passar. Fora da caixa haveria galerias com espaços culturais, praças de serviço e lanchonete e, em cima dela, um parque. O projeto não saiu do papel.

Outro aspecto polêmico é o nome do elevado, que ho-menageia o marechal Arthur da Costa e Silva, responsável por editar o Ato Institucional nº 5, que deu início ao perí-odo mais repressivo da ditadura militar. Projetos foram apresentados na Câmara para que ele passasse a se chamar Presidente João Goulart, Presidente Nestor Carlos Kirchner (ex-presidente da Argentina) ou Sobral Pinto (jurista brasileiro). Atualmente, a Câmara analisa uma proposta do vereador Nabil Bonduki (PT) para que o elevado se chame oficialmente Minhocão.

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Toninho Vespoli (PSOL), Ricardo Young (PPS), Goulart (PSD), Natalini (PV), Au-rélio Nomura (PSDB) e George Hato (PMDB), proíbe o trânsito de veículos no elevado em várias etapas. Se a proposta se tornar lei, em até três meses após a sanção do prefeito o tráfego será proibido também aos sábados; nove meses depois, ficará fe-chado nas férias escolares; em dois anos, o

horário em que fica fechado durante a sema-na será ampliado; em três anos, pela manhã

só funcionará no sentido bairro-centro e à noi-te no sentido centro-bairro. Finalmente, após

quatro anos, o trânsito de veículos ficará proibi-do e o Parque Minhocão irá se tornar realidade

(veja quadro na página 17).

“cARRoDEPEnDÊnciA”Segundo o vereador Police, “o Minhocão é o princi-

pal símbolo da síndrome da ‘carrodependência’, porque

Inspiração

nova-iorquinaUma linha férrea desativada se

tornou um parque suspenso em Nova York (EUA) e é o grande exemplo para

os defensores do Parque Minhocão. Em 1999, a Prefeitura da cidade anunciou que iria derrubar mais um trecho de uma via ferroviária

elevada a 10 metros do solo, desativada desde 1980. Dois moradores da região, Joshua David e Robert Hammond, criaram a Associação Amigos da High Line e conseguiram impedir a destruição

e transformar o local em um parque.O High Line foi inaugurado em junho de 2009. Com 2,3 km, é um sucesso entre moradores e

turistas. “Tenho três metas para o High Line: que ele seja sempre amado pelos nova-iorquinos,

que inspire outras pessoas a iniciar os pró-prios projetos e que fique melhor quando eu e

Joshua sairmos da Associação”, afirmou Robert Hammond no livro High Line – A His-

tória do Parque Suspenso de Nova York.Outro modelo que inspira os que

sonham com o Parque Minhocão é o Promenade Plantée, parque suspenso

com 4,7 km de comprimento, em Paris (França). Inaugurado em 1988, utiliza os trilhos de uma

linha que funcionou de 1859 a 1969.

é uma via que serve ao carro e não ao transporte coletivo”. Para ele, as linhas de metrô que estão em construção poderão com-pensar parte do trânsito que passa pelo elevado. “A criação do parque também vai estimular a revitalização do cen-tro”, completa. O parlamentar ressalta, porém, que o PL 10/2014 não define as características do parque, como tamanho e horário de funcionamento. “Isso a Câmara vai discutir com a sociedade, já que a gestão do Parque Minhocão será democrática”.

O presidente da Associação Parque Minhocão, Athos Comolatti, é um dos maiores entusiastas do pro-jeto. Segundo ele, aos domingos o local já serve como parque e proibir o trânsito aos sábados será “o primeiro e grande passo” para a oficialização. Comolatti explica que essa medida também vai ajudar a resolver questões de segurança e de limpeza. “Atualmente, a Prefeitura e a Polícia Militar fazem de conta que isso não é um par-que”, afirmou em entrevista na sede da associação, que fica em um prédio na Avenida São João, a poucos metros dos carros que passam pelo elevado. O grupo, formado por moradores de vários bairros, tem organizado atos em favor do Parque Minhocão.

Os críticos mais ferrenhos do Minhocão, como o escritor Marcelo Rubens Paiva, defendem uma ação radical: derrubá-lo. Construções semelhantes passaram por esse processo há alguns anos em cidades como Boston (EUA) e Seul (Coreia do Sul). Mais

URBANISMO

bARuLHoUma das grandes

reclamações em relação ao elevado deve-se ao intenso tráfego, das 6h30 às 21h30

Ricard

o Roc

ha/C

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o/CM

SP

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Aos Poucos • Para Comolatti, proibir o trânsito aos sábados será um passo importante

SANTA CECÍLIASANTA CECÍLIA

CONSOLAÇÃO

PERDIZESPERDIZESPERDIZESPERDIZESPERDIZESPERDIZES

SANTA CECÍLIASANTA CECÍLIASANTA CECÍLIASANTA CECÍLIASANTA CECÍLIA

Largo Padre PériclesLargo Padre PériclesLargo Padre PériclesLargo Padre Péricles

Largo do AroucheLargo do AroucheLargo do AroucheLargo do AroucheLargo do AroucheLargo do AroucheLargo do Arouche

CONSOLAÇÃO

Praça RooseveltPraça RooseveltPraça Roosevelt

Nome oficial:

Via Elevada PresidenteArthur da Costa e SilvaInauguração:

25 de janeiro de 1971Extensão: 2,8 kmAltura máxima: 5,5 mLargura mínima: 15,5 mDistância mínima das janelas dos prédios: 5 mNúmero de carros que passam por dia:

em torno de 100 milBairros percorridos:

Consolação, República,Vila Buarque, Santa Cecília,Barra Funda, Perdizes

Fontes: - Caminhos dos Elevados: Memória e Projetos- CET

Cicatriz na cidadeCicatriz na cidadeCicatriz na cidadeCicatriz na cidadeCicatriz na cidadeCicatriz na cidadeCicatriz na cidadeCicatriz na cidadeCicatriz na cidadeCicatriz na cidade

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recentemente, o Rio de Janeiro também pôs abaixo o Elevado da Perimetral. Em seu blog, Paiva classifica o Minhocão como uma “das obras mais infelizes e horro-rosas de São Paulo”.

“Derrubar é um raciocínio sim-plista, como se houvesse apenas duas opções: derruba ou mantém os carros”, afirma Comolatti. “Po-rém, existe a opção de usar o que já temos. O parque é uma solução mais inteligente, mais humana, muito mais legal.” Segundo ele, pôr o elevado no chão também sai-ria muito caro, cerca de R$ 100 mi-lhões. “Com esse dinheiro é possí-vel fazer um parque muito bom.”

O fotógrafo Felipe Morozini, morador do 13º andar de um pré-dio na Avenida São João, reclama muito do barulho e da poluição dos carros que passam pelo Mi-nhocão. “Não posso nem abrir as janelas”, lamenta. Ele defende a criação do parque, pois espe-ra que com ele a segurança da região melhore.

Taxista com ponto há 20 anos no Largo Padre Péricles (Perdi-

zes), onde o elevado termina, Juramildo Tozo Miranda é contra a ideia do parque. “Para o mercado imobiliá-rio seria ótimo, já que os prédios da região se valoriza-riam, mas para o trânsito seria o caos”, comenta.

Enquanto a cidade não decide o que fazer com seu elevado mais famoso, os moradores ocupam-no sempre que têm chance, especialmente aos domin-gos. Cada vez mais organizam diversas atividades que mudam a cara da via que tanto incomoda alguns paulistanos, transformando-a em um lugar para fes-tas, jogos, feiras gastronômicas, grafitagens, pique-niques, exibições de filmes e peças ou até para um banho de piscina.

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Ricard

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MSP

Em Discussão Características

do parque serão determinadas pela

sociedade, diz o vereador Police

(de capacete preto)

SAIBA MAIS

LivroCaminhos do Elevado: Memória e Projetos. Rosa Artigas, Joana Mello e Ana Claudia Castro (organizadoras). Imprensa Oficial, 2008.High Line: A História do Parque Suspenso de Nova York. Joshua David e Robert Hammond. BEI Editora, 2013.

DocumentárioElevado 3.5. João Sodré, Maíra Bühler e Paulo Pastorelo (diretores). 2007.

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URBANISMO

Em 3 mesesTrânsito proibido aos sábados

Em 2 anosTráfego liberado apenas das7h às 20h, em dias úteis

Em 3 anosTrânsito somente permitidodo bairro ao centro pela manhãe do centro ao bairro à noite

Em 4 anosInstalação definitiva doParque Municipal do Minhocão

Em 9 mesesFechado para veículosnas férias escolares

Mudança gradualFonte: PL 10/2014Fonte: PL 10/2014

Alterações começariam a partir de quando a lei for sancionada