TECNOLOGIA ÓPTICA it

4
TECNOLOGIA ÓPTICA it reensão. Talvez essa palavra resuma de forma branda a reação das pes- soas quando recebem o diagnósti- co de que estão com algum tipo de câncer, um problema que atin- ge cerca de 350 mil brasileiros todos os anos. Quando recebem a notícia, essas pessoas, entre muitas perguntas, questionam sobre a forma do tratamento. Cirurgia, radioterapia e qui- mio terapia são as três alternativas consagra- das que têm salvo muitas vidas. O que muitos pacientes e médicos ainda desconhecem é que um novo tipo de tratamento - a terapia foto- dinâmica (TFD ou PDT, do inglês Photodyna- mie Therapy) - está ganhando terreno rapida- mente, num avanço promissor na cura ou na melhora da qualidade de vida dos pacientes com câncer sem deixar seqüelas. No Brasil, a nova técnica, que utiliza um fei- xe de laser de características especiaiscomo meio terapêutico principal, está sendo impulsiona- da pelo Centro de Pesquisas em Óptica e Fo- tônica, um dos dez Centros de Pesquisa, Ino- Arma a laser contra o câncer / Pesquisadores desenvolvem equipamentos e elaboram estudo clínico para a disseminação da terapia fotodinâmica MARCOS DE OLIVEIRA A dentista Cristina e o médico Cestari fazem aplicação com feixe de laser no Hospital Amaral Carvalho, em Jaú 64 . ABRIL DE 2002 PESQUISA FAPESP

Transcript of TECNOLOGIA ÓPTICA it

Page 1: TECNOLOGIA ÓPTICA it

TECNOLOGIA

ÓPTICA itreensão.Talvez essa palavra resumade forma branda a reação das pes-soas quando recebem o diagnósti-co de que estão com algum tipode câncer, um problema que atin-

ge cerca de 350 mil brasileiros todos os anos.Quando recebem a notícia, essas pessoas, entremuitas perguntas, questionam sobre a formado tratamento. Cirurgia, radioterapia e qui-mio terapia são as três alternativas consagra-das que têm salvo muitas vidas. O que muitospacientes e médicos ainda desconhecem é queum novo tipo de tratamento - a terapia foto-dinâmica (TFD ou PDT, do inglês Photodyna-mie Therapy) - está ganhando terreno rapida-mente, num avanço promissor na cura ou namelhora da qualidade de vida dos pacientescom câncer sem deixar seqüelas.

No Brasil, a nova técnica, que utiliza um fei-xe de laser de características especiaiscomo meioterapêutico principal, está sendo impulsiona-da pelo Centro de Pesquisas em Óptica e Fo-tônica, um dos dez Centros de Pesquisa, Ino-

Arma a lasercontra o câncer

/

Pesquisadores desenvolvemequipamentos e elaboramestudo clínico para a disseminaçãoda terapia fotodinâmica

MARCOS DE OLIVEIRA

A dentista Cristina e o médico Cestari fazem aplicação com feixe de laser no Hospital Amaral Carvalho, em Jaú

64 . ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP

Page 2: TECNOLOGIA ÓPTICA it

-

vação e Difusão (Cepids) criados noano 2000 pela FAPESP.Um grupo dequase 30 pessoas, composto de pes-quisadores, médicos, biomédicos e téc-nicos, desenvolveu os equipamentos,aprimorou a técnica e agora faz os tes-tes clínicos para finalizar o protocoloque vai orientar os médicos brasilei-ros nessa especialidade. Aprovada em1998 pela Food and Drugs Administra-tion (FDA), agência que faz o contro-le de alimentos, medicamentos e téc-nicas de terapias em humanos nosEstados Unidos, a TFD já está presen-te em 18 países.

"Já atendemos cerca de 230 pacien-tes e tratamos mais de mil tumores,porque cada paciente pode ter muitaslesões",conta o coordenador do grupo,o professor Vanderlei Salvador Bag-nato, do Instituto de Física (IF) de SãoCarlos da Universidade de São Paulo(USP). Uma das grandes vantagenspara os pacientes que recebem a TFDé a eliminação dos efeitos desagradá-veis da quimioterapia e da radiotera-pia, que provocam enjôos, vômitos equeimaduras na pele. Evita-se tambémas cirurgias que, muitas vezes, muti-lam e diminuem o volume da pele edos músculos. "A TFD promove a re-generação dos tecidos da pele, nãodeixa cicatrizes, além de não provo-car afundamento do local tratado enem provocar a perda de cartilagem",enumera o médico Guilherme Cesta-ri Filho, coordenador dos trabalhosclínicos no Hospital Amaral Carva-lho, na cidade de Iaú, um centro dereferência em oncologia que atendepreferencialmente pelo Sistema Úni-co de Saúde (SUS), onde foi realizadagrande parte das primeiras aplicaçõesda TFD no Brasil.

Cura e redução" Num primeiro le-vantamento apresentado pelo grupode pesquisadores, de 63 pacientes comcâncer de pele, 79% tiveram seus tu-mores eliminados. Com o mesmo tipode~Oblema na boca, de dez pacientes40 o tiveram cura completa. "A curaco leta depende muito do estágio dadoenç , no início as chances são muitoboas de eliminação total das lesões",afirma a dentista Cristina Kurachi,

que faz as aplicações em pacientes nohospital Amaral Carvalho e finaliza seudoutorado no IF com a temática douso de laser no diagnóstico de tumo-res bucais. "Mesmo nos casos em que aeliminação do tumor não foi comple-ta, sempre observamos uma reduçãode 50% na lesão': diz Bagnato.

O feixe de luz da TFD tem usomais consagrado nos cânceres de pelee de boca chamados de carcinomasnão-melanorna, ou seja, aqueles quenão provocam metástases, se repro-duzindo por outras regiões do corpo.Felizmente, o melanoma representaapenas 4% dos cânceres de pele. Onão-rnelanoma é o tipo de câncermais freqüente na população brasilei-ra, segundo o Instituto Nacional doCâncer, órgão do Ministério da Saú-de. Dos quase 350 mil casos de câncerpor ano no Brasil, 17%, ou um poucomais de 50 mil, são de carcinomas depele. O principal motivo para essa"epidemia" é a excessiva exposição dapopulação ao sol. A TFD também jáfoi aprovada para tumores, do tipocarcinoma, que crescem em outraspartes do corpo, como esôfago, estô-mago, bexiga, laringe e faringe.

Dentro da perspectiva

oferecida, a TFD ga-nha espaço e novasfrentes de pesquisasob uma ampla linha

de estudo que utiliza o laser comomatéria-prima, num dos braços doCepid em Óptica e Fotônica, o IF deSão Carlos da USP - o outro é o Ins-tituto de Física da Universidade Es-tadual de Campinas (Unicamp). Umdos efeitos práticos desse trabalho éque o IF de São Carlos está prestes arepassar a tecnologia desenvolvidana produção de equipamentos a laserpara uma empresa da cidade, a Fo-tonmed, formada, em grande parte,por ex-alunos do instituto. O objeti-vo dessa transferência tecnológica étornar os equipamentos mais baratose eficazes, possíveis de ser adquiridospor amplo número de hospitais e clí-nicas do país.

Além de disseminar o tratamentode câncer com a terapia fotodinâmica

de forma pioneira na América Latina,Bagnato também prepara um sistemade diagnóstico de câncer por meio deluz. "Com um instrumento de laser,possivelmente portátil no futuro, serápossível para um médico ou dentista,sem a necessidade de biópsias tradi-cionais, verificar em segundos, duran-te uma cirurgia ou numa simples con-sulta, se uma mancha, por exemplo, éou não um câncer", explica Bagnato.''As bases da chamada biópsia ópticajá existem, e nós aqui no Brasil, graçasao grupo interdisciplinar formado noCepid, estamos em pé de igualdadeou até mais avançados que o resto domundo': compara Bagnato de formaentusiasmada. "O nosso objetivo é en-tender e promover inovações impor-tantes nessa técnica:'

A equipe interdisciplinar de Bag-nato envolve cinco instituições quetrabalham em aplicativos de lasere fa-zem os testes clínicos. São elas, o IF eo Instituto de Química da USP de SãoCarlos, o Hospital Amaral Carvalho, oHospital das Clínicas da Faculdade deMedicina e a Faculdade de CiênciasFarmacêuticas da USP, ambos em Ri-beirão Preto. "O centro permite o de-senvolvimento de parcerias para in-corporar a TFD à medicina", garanteBagnato, que recebeu autorização es-pecial da USP para também acumulara função de diretor científico do Ama-ral Carvalho.

I

Sem anestesia " Na prática, a aplica-ção da TFD varia de alguns minutosaté poucas horas, dependendo docaso e da extensão das lesões. "Tive-mos um paciente que possuía 37 tu-mores na cabeça", lembra o médicoCestari. "Todas as lesões foram cura-das com o paciente recebendo feixesde laser durante um dia. Sem a TFD,ele teria que se submeter a várias ci-rurgias, possivelmente mutiladoras,além de tomar anestesia geral", ex-plica Cestari. Com a TFD é possívelatender também pacientes idosos oucom problemas que impedem a ado-ção de cirurgias, contra-indicada pa-ra quem precisa tomar anestesia outem complicações clínicas como, porexemplo, diabetes.

PESQUISA FAPESP . ABRIL DE 2002 • 65

1

Page 3: TECNOLOGIA ÓPTICA it

o tratamento variade alguns minutos até

poucas horas

Vanderlei Bagnatoguarda em seu compu-tador e adiciona aos es-tudos do Cepid que di-rige diversos casos decura, com fotos dos pa-cientes antes das aplica-ções e após o tratamen-to. Quem vê as fotos -impressionantes para umleigo - nota com facili-dade a melhora e os be-nefícios que o tratamen-to traz para pacientesmuitas vezes desenga-nados por outras técni-cas. Em alguns casos,com tumores crônicos eavançados, o tratamentoserve como paliativo. "Tentamos me-lhorar a vida do paciente. Temos umcaso de um homem de 41 anos que ti-nha um tumor na cabeça desde os 17anos, conseguimos diminuir a área eele voltou a trabalhar': conta Cristina.

Experiências acumuladas não fal-tam também na Faculdade de Medi-cina de Ribeirão Preto. A coordena-dora dos estudos clínicos naquelaunidade, Cacilda da Silva Souza, con-ta que uma paciente do interior deMinas Gerais, possuía um tumor depele de 17 centímetros de diâmetropor mais de 15 anos. "Após uma apli-cação de TFD, o tumor diminuiu em80% e na segunda aplicação, ele foieliminado em 100%': Satisfeita comos resultados, ela lembra das dificul-dades iniciais para o desenvolvimen-to dos primeiros estudos com TFDem 1997, em Ribeirão Preto. "Não tí-nhamos dinheiro para a compra dosequipamentos - as fontes de laser sãoinstrumentos caros e não havia inte-ração com outros grupos de pesquisapara montar equipamentos aqui. Oimpulso para o projeto aconteceucom~nossa interação com o Cepid.Aí, c nseguimos recursos tanto parao equi mento como para as drogassensibilizadoras, que são importadas

66 • ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP

dos Estados Unidos, Rússia e Alema-nha': conta Cacilda.

As drogas sensibilizadoras, que aprofessora Cacilda fala, são a chavepara se entender como o laser elimina,ou como Bagnato prefere, "mata" as cé-lulas tumorais. A maior parte dessasdrogas é sintetizada a partir de umcomponente do sangue, a porfirina,um pigmento dos glóbulos verme-lhos, tornando-se, portanto, pouco

. tóxicas ao organismo. Essas drogassão injetadas na corrente sangüíneado paciente e percorrem todo o cor-po, se concentrando nas células can-cerosas em até 20 vezes mais que nascélulas sadias. Para que se estabeleça aconcentração desejada, é preciso inje-tar a droga antes do tratamento, empelo menos 24 horas.

Reação com oxigênio - Quando essadroga fotossensível concentrada nostumores é iluminada por um feixe delaser de cor específico na freqüênciaequivalente a 630 nanômetros, come-ça uma cadeia de reações químicasque levam a célula cancerosa à morte.''A droga absorve a energia do laser ereage com o oxigênio, que torna-se al-tamente reativo às membranas das cé-lulas do tumor': explica Bagnato. A

profundidade que a luz laser penetrana pele é de 1 centímetro. Em lesõesmais profundas, são feitas várias apli-cações no mesmo local, para se atingira eliminação do tumor. Com a técni-ca, o tumor seca, forma uma casca,como uma ferida qualquer, que caiapós alguns dias.

O único efeito colateral do trata-mento é o aumento da fotossensibiliza-ção da pele do paciente. Assim, se opaciente sair ao sol por um períodode até 30 dias após o tratamento,pode sofrer queimaduras ou ter irri-tações na pele. Para tentar diminuiresse efeito, os pesquisadores de Ribei-rão Preto estão testando novas drogasfotossensibilizadoras em forma tópica,aplicadas sobre o tumor. "Elas têmefeito apenas sobre o local e são maisindicadas para os tumores superfi-ciais", afirma Cacilda. Pesquisadoresde Ribeirão Preto e São Carlos estãodesenvolvendo também modelos ex-perimentais - animais de laboratório- para testar as novas drogas que es-tão surgindo no mercado.

"O que estamos desenvolvendo sãopesquisas que possam definir melhora dosagem de luz e de medicamentos, aárea a ser atingida pelo laser, gerandoassim conhecimento médico e cientí-

Page 4: TECNOLOGIA ÓPTICA it

(

Diagnósticode câncer com

faser e software

fico, além de treinarprofissionais paradisseminar essa no-va técnica", diz Bag-nato. "Ainda falta,por exemplo, esta-belecer um planeja-mento de ilumina-ção de acordo coma geometria do tu-mor. Isso quer dizerque muita coisanes-sa técnica ainda nãoestá estabeleci da."Bagnato diz que, nofuturo, será possí-vel eliminar câncerde cérebro com TFD."De acordo com aalta seletividade de células proporcio-nada pelo laser, será possível abrir acabeça do paciente, matar o tumor efechá-Ia com segurança e sem seqüe-las, como já acontece em alguns cen-tros internacionais."

Nova modalidade - Hoje, se um hospi-tal ou clínica fosse adquirir um equi-pamento de laser para tratamento decâncer iria desembolsar algo em tor-no de, no mínimo, US$ 100 mil. Pen-sando nesses altos custos do laser, quetem a fonte de luz importada, a equi-pe de Bagnato já patenteou um equi-pamento baseado na tecnologia LightEmitting Diodes (Led) que emite luzna mesma frequência do laser da TFD."O problema do LED é que ele emiteuma luz espalhada e não concentradacomo no laset", explica Bagnato. "Es-tamos ainda numa fase muito experi-mental e, se conseguirmos viabilizaresse novo aparelho, poderemos baixarde US$ 100 mil para menos de US$ 3mil o preço de um equipamento usa-do em câncer de pele:'

A equipe de Bagnato também tes-ta um avançado sistema de diagnós-tico de câncer por meio de laser. Con-jugando emissores de laser de váriascores e o desenvolvimento de um soft-

ware específico, ospesquisadores estãomontando um sis-tema que vai pro-porcionar um rá-pido diagnósticode tumores. Comuma haste metálicacom uma luz azulna ponta, que lem-bra as varas-de-condão das feiti-ceiras das históriasinfantis, Bagnatoexplica o funcio-namento da técni-ca de diagnóstico."Quando jogamosuma luz monocro-mática - que podeser azul ou verde -sobre a pele, pro-vocamos um fenô-meno chamado de

fluorescência que devolve luz em ou-tras freqüências." De posse dessa in-formação o computador determina amalignidade ou não da lesão. Nessaárea também existe uma corrida mun-dial de pesquisadores e empresas parasistematizar o diagnóstico e desenvol-ver softwares e aparelhos específicos.Nesse projeto, a equipe conta com ofísico Luís Marcassa, do IF de São Car-los, estudioso da interação da luz coma matéria.

Com a experiência clínica e tecno-lógica adquirida, além de vários arti-gos publicados em revistas especiali-zadas, o Cepid em Óptica e Fotônicase credenciou para ser um dos organi-

o PROJETO

Laser em Medicina e em Odontologia

MODALIDADECentro de Pesquisa, Inovaçãoe Difusão (Cepidl -Centro em Óptica e Fotânica

COORDENADORVANDERLEI SALVADOR BAGNATO -

Instituto de Física da USPde São Carlos

INVESTIMENTOR$ 60 mil por ano

zadores do 10 Workshop Internacio-nal em Terapia Fotodinâmica, reali-zado em fevereiro no Rio de Janeiro.Compareceram 70 participantes, comrepresentantes - a maioria médicos -dos Estados Unidos, Rússia, Alema-nha, Chile, França e Portugal.

Centro de produção - Com um orça-mento total anual de R$ 3,4 milhões(divididos meio a meio entre São Car-los e Campinas), o Centro de Óptica eFotônica acumula uma série de estu-dos e desenvolvimentos que resulta-ram em oito novos produtos. Entreeles, está um relógio atômico produzi-do em São Carlos, o primeiro construí-do no Brasil. "Estamos pensando emfazer equipamentos que atendam àsnecessidades e aos limites de um paísde economia emergente com poucosrecursos para investir em equipamen-tos caros': diz Bagnato. Recentemente,o grupo desenvolveu também um óxi-grafo, aparelho capaz de medir comprecisão a respiração celular.

Além de mais de 120 artigos cien-tíficos internacionais publicados e oi-to patentes registradas somente no seuprimeiro ano de vida, somado o tra-balho da USP e da Unicamp, o centrotem um amplo impacto social, como aprodução de 45 títulos de vídeos didá-ticos que servem desde às universida-des do país até as escolas de primeiro esegundo grau. Com eles e em palestrascomo a "Semana de Óptica"e progra-mas especiais realizados na Unicamptodo ano, os professores recebem in-formações adicionais sobre o campoda óptica e da fotônica. Por tudo isso,o centro se credencia, cada vez mais, aser um pólo de pesquisa básica e deaplicação tecnológica que atinge umamplo espectro de atuação. Suas açõescolaboram no entendimento dos fe-nômenos ópticos, formam pesquisa-dores, preenchem as necessidades tec-nológicas na área de fotônica, como afibra óptica nas telecomunuicações, ecobrem de informações os profes-sores de primeiro e segundo grau.Agora, o centro prepara verdadeirasarmas inovadoras de combate e diag-nóstico do câncer, a segunda doençaque mais mata no país. •

PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2002 • 67